POLÍTICA E ESTILOS DE LIDERANÇA: FHC, Lula e...

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POLÍTICA E ESTILOS DE LIDERANÇA: FHC, Lula e Dilma Rodrigo Augusto Prando* *Rodrigo Augusto Prando é Professor e Pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp/FCL- Araraquara. E-mail: [email protected] RESUMO:O artigo intitulado “Política e estilos de liderança: FHC, Lula e Dilma” procurou responder à seguinte indagação: podem os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff serem considerados efetivos líderes políticos? E, mais ainda, em caso afirmativo, quais os seus estilos de liderança? À guisa de ensaio, buscou-se recorrer, ainda que de forma panorâmica, a autores clássicos e contemporâneos objetivando conceituar o fenômeno da Política, o poder político, autoridade e liderança, bem como a diferença entre chefiar e liderar. Posteriormente, reconstruiu-se, em linhas gerais, as trajetórias de FHC, Lula e Dilma, para, assim, buscar compreender como, efetivamente, exerceram o poder político no exercício presidencial. Por fim, sem pretensões de se estabelecer generalizações ou, mesmo, de findar a questão em voga, cremos que FHC e Lula conseguiram, ainda que com estilos distintos, exercer seus mandatos a partir das qualidades inerentes ao líder político – qualidades técnicas, intelectuais, políticas e morais. Dilma, por sua vez, assentada numa visão gerencial, burocrática mesmo, acabou por chefiar, tendo, quase sempre, se distanciado da política como diálogo e construção de consensos, afirmando seu poder mais em razão do cargo do que por qualidades de liderança como seus antecessores. PALAVRAS-CHAVE: Política. Estilos de liderança. FHC. Lula. Dilma Abstract: The article entitled “Policy and leadership styles: FHC, Lula e Dilma” sought to answer the following question: Can former presidents Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luís Inácio Lula da Silva and Dilma Rousseff be considered effective political leaders? What are their leadership styles? In an essay format, it was sought to appeal, albeit in a panoramic way, to classic and contemporary authors aiming to conceptualize the phenomenon of politics, political power, authority and leadership, as well as the difference between head and lead. Later, the trajectories of FHC, Lula and Dilma were reconstructed in general lines, to understand how, effectively, they exerted the

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POLÍTICA E ESTILOS DE LIDERANÇA: FHC, Lula e Dilma

Rodrigo Augusto Prando*

*Rodrigo Augusto Prando é Professor e Pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp/FCL- Araraquara. E-mail: [email protected]

RESUMO:O artigo intitulado “Política e estilos de liderança: FHC, Lula e Dilma” procurou responder à seguinte indagação: podem os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff serem considerados efetivos líderes políticos? E, mais ainda, em caso afirmativo, quais os seus estilos de liderança? À guisa de ensaio, buscou-se recorrer, ainda que de forma panorâmica, a autores clássicos e contemporâneos objetivando conceituar o fenômeno da Política, o poder político, autoridade e liderança, bem como a diferença entre chefiar e liderar. Posteriormente, reconstruiu-se, em linhas gerais, as trajetórias de FHC, Lula e Dilma, para, assim, buscar compreender como, efetivamente, exerceram o poder político no exercício presidencial. Por fim, sem pretensões de se estabelecer generalizações ou, mesmo, de findar a questão em voga, cremos que FHC e Lula conseguiram, ainda que com estilos distintos, exercer seus mandatos a partir das qualidades inerentes ao líder político – qualidades técnicas, intelectuais, políticas e morais. Dilma, por sua vez, assentada numa visão gerencial, burocrática mesmo, acabou por chefiar, tendo, quase sempre, se distanciado da política como diálogo e construção de consensos, afirmando seu poder mais em razão do cargo do que por qualidades de liderança como seus antecessores.

PALAVRAS-CHAVE: Política. Estilos de liderança. FHC. Lula. Dilma

Abstract: The article entitled “Policy and leadership styles: FHC, Lula e Dilma” sought to answer the following question: Can former presidents Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luís Inácio Lula da Silva and Dilma Rousseff be considered effective political leaders? What are their leadership styles? In an essay format, it was sought to appeal, albeit in a panoramic way, to classic and contemporary authors aiming to conceptualize the phenomenon of politics, political power, authority and leadership, as well as the difference between head and lead. Later, the trajectories of FHC, Lula and Dilma were reconstructed in general lines, to understand how, effectively, they exerted the

political power in the presidential exercise. Finally, without pretensions to establish generalizations or even to end the issue in vogue, we believe that FHC and Lula succeeded in exercising their mandates, albeit with different styles, from inherent qualities of the political leader – technical, intellectual, political and moral. Dilma, on the other hand, based on a bureaucratic and managerial vision, eventually led, having almost always distanced herself from politics as a dialogue and consensus building, affirming her power more by the virtue of her position than by leadership qualities such as her predecessors.

Keywords: Policy. Leadership styles. FHC. Lula. Dilma

Introdução

Buscaremos, neste escrito, discutir, à guisa de ensaio, os temas

atinentes ao poder político e ao estilo de liderança adotado pelos últimos presidentes brasileiros: Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, doravante, FHC, Lula e Dilma, respectivamente. Para tanto, os alicerces teóricos evidenciam-se a partir de autores clássicos e contemporâneos, estudiosos, em suas reflexões, da natureza do poder político, dos fundamentos da autoridade, da distinção entre chefe e líder, bem como a trajetória de atores políticos – presidentes da república - contemporâneos da sociedade brasileira.

As seções – deste artigo – contam, além desta introdução, com 1) Política e Políticos; 2) Poder, Autoridade e Liderança; 3) FHC: o intelectual que liderava intelectuais; 4) Lula: líder sindical e comunicador carismático; 5) Dilma: um perfil construído – a gestora eficiente; e, ainda, das considerações finais.

As questões que, neste caso, nortearão o texto em voga e a que se procurará responder tem a seguinte formulação: Podem FHC, Lula e Dilma serem considerados líderes políticos? Se sim, quais são seus estilos de liderança?

As respostas a tais questões não são passíveis de generalizações, até por conta da natureza ensaística do artigo, contudo, permitem compreender que a efetiva liderança política foi exercida por FHC e Lula, tendo, certamente, estilos distintos. E, no caso de Dilma, sua condição presidencial não se consubstanciou em exercício de liderança, mas num tipo de poder mais assentado nas ações de chefia e, com isso, trazendo consequências à sua biografia política.

1- A Política

A política é humana por excelência. E social. Não se pode imaginar – a não ser no campo ficcional – animais constituindo eleições, separando os poderes, debatendo e construindo consensos. Ademais, a vida em sociedade se exprime pela existência de regras de sociabilidade, da relação entre os que mandam e os que obedecem. Sabidamente, os contextos econômicos, culturais e sociais dão as diversas expressões que conhecemos da política e dos políticos, a longo da história. Na sequência, traremos à tona, ainda que panoramicamente, ideias e conceitos formulados por Aristóteles, Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau.

Política, etimologicamente, deriva do adjetivo pólis (politikós), tendo, como significado, tudo aquilo que se refere à cidade e, ainda, ao cidadão, no campo civil, público, mas, também, sociável e social (BOBBIO, 2000). Aristóteles, em sua obra Política, é a primeira reflexão mais apurada acerca da natureza, das funções, das divisões do Estado, bem como das formas de governo; dando – à política – a significação de arte ou uma ciência do governo (BOBBIO, 2000).

Em Ética a Nicômaco, Aristóteles assevera que a política é um tipo de saber, distinto, contudo, do saber prático:

A sabedoria política e a prática são a mesma disposição mental, mas sua essência não é a mesma. Da sabedoria que diz respeito à cidade, a sabedoria prática que desempenha um papel controlador é a sabedoria legislativa, enquanto a que se relaciona com os assuntos da cidade como particulares dentro do seu universal é conhecida pela denominação geral de “sabedoria política” e se ocupa com a ação e a deliberação, pois um decreto é algo a ser executado sob a forma de um ato individual (ARISTÓTELES, 1973, p. 347- grifos nossos).

A política, em Aristóteles, é ligada à virtude. Sendo o homem um animal político e social. O homem, neste caso, é capaz de comunicar sua vontade e de conviver com os demais homens. Capaz, também, de compreender as noções de bem e mal e de justiça e injustiça. A vida do homem, na cidade, é dada pelo estabelecimento de uma comunidade política, com regras e leis determinadas objetivando os elementos básicos de uma ordem social e política (ARISTÓTELES, 1985; BOBBIO, 2000; NOGUEIRA, 2001; NOGUEIRA, 2008). A manutenção da vida social, sobretudo graças ao poder, encontra, ainda em Aristóteles, suas três formas: o poder paterno, o poder despótico e o poder político. O poder paterno é exercido, assim, no interesse dos filhos; o despótico no interesse do Senhor; e, por fim, o poder político no interesse daquele que governa e daqueles que são governados (ARISTÓTELES, 1985; BOBBIO, 2000).

Ainda no campo dos autores clássicos do pensamento político, Maquiavel, em seu O príncipe, é o inaugurador do realismo político, no século XVI. Trouxe, portanto, a reflexão sobre a política, sobre o poder, para o terreno da realidade, da verdade efetiva das coisas; daquilo que a política é e não daquilo que deveria ser. O autor florentino não idealiza de forma romântica a natureza humana, que considera imutável. Em sua ótica, o governante deve lutar para conquistar e manter-se no poder, lançando mão de uma moral que é diferente da moral comum, cotidiana, do cidadão. Conhecido questionamento maquiavélico se observa no seguinte trecho:

Daí nasce uma controvérsia, qual seja: se é melhor [o príncipe] ser amado ou temido. Pode-se responder que todos gostariam de ser ambas as coisas; porém, como é difícil conciliá-las, é bem mais seguro ser temido que amado [...]. Porque, de modo geral, pode-se dizer que os homens são ingratos, volúveis, fingidos e dissimulados, avessos ao perigo, ávidos de ganhos [...] (MAQUIAVEL, 2010, p,102).

Ainda no tocante ao seu realismo político e analítico, Maquiavel aduz que o governante está num reino de disputas, de força contra a força. No entanto, o poder político não se sustenta, apenas, no uso da força – da violência -, mas no uso virtuoso da força. Há que se conjugar, na trajetória do príncipe, a sorte – fortuna – e a virtù – qualidade dos homens bravos, corajosos, honrados (MAQUIAVEL, 2010). Deve, neste sentido, o governante ser possuidor de qualidades para quando a sorte lhe sorrir, quando o contexto lhe for favorável, conseguir exercer seu poder. Embora a política diga respeito ao uso da força, será o domínio da virtù o aspecto mais relevante para o sucesso do príncipe.

Não menos importante para Maquiavel é a sabedoria do príncipe na escolha de seus auxiliares, seus ministros: a primeira opinião que se forma de um príncipe, especialmente, de da sua inteligência sustenta-se na qualidade dos homens que o circundam. Para o florentino, os ministros “quando são capazes e fiéis pode se considera-lo um homem sábio, porque soube reconhecer suas capacidades e sabe mantê-los fiéis” (MAQUIAVEL, 2010, p.126). A má escolha de ministros, de auxiliares, contudo, desnuda a obtusidade do governante, sua incapacidade de selecionar funcionários de maneira virtuosa.

Explicando Maquiavel, Cardoso indica que

Política, para ele, era um mundo que se explicava por si mesmo, pelas ambições, forças e fraquezas humanas. Essas forças moviam a vida política. Entretanto, por mais que tudo girasse, continuaria a haver dois tipos de gente, os poderosos e os que obedeciam. Uns podiam galgar o poder, outros decair, mas ou se dava continuidade à existência do

poder organizado, embora mudando os personagens no comando, ou o conflito levaria ao caos (CARDOSO, 2010, p. 21).

Os capítulos de O príncipe são, ainda hoje, lidos e discutidos com paixão e razão, uns acreditam que o texto é um manual para a condução política de um tirano; outros, todavia, entendem que embora o texto do florentino tenha sido dedicado a Lourenço de Médici, seja, em verdade, um escrito destinado à leitura do povo para que, assim, pudesse se prevenir do ímpeto tirânico dos poderosos.

Os séculos XVII terão, no campo da Filosofia Política, expressivas obras de Hobbes e Locke e, no século XVIII, de Rousseau. Suas reflexões, embora sejam dotadas de peculiaridades, podem ser inseridas no campo do Jusnaturalismo, ou, noutras palavras, dos estudos que permitem compreender a passagem do estado de natureza para a sociedade política, civil.

Hobbes, em particular, compartilha visão semelhante a de Maquiavel no que tange à natureza humana. Para o autor inglês, o homem, em seu estado de natureza, vive em estado de tensão, não numa convivência pacífica. A natureza dotou os homens, ainda que haja diferenças de força e de inteligência, tão iguais, que nenhum pode querer algo que um outro também não possa reclamar. Mesmo o mais forte dentre os mais fortes, pode ser, na construção hobbesiana, morto pelo mais fraco ou por secretas maquinações (HOBBES, 1973).

A passagem do estado de guerra de todos contra todos, segundo Hobbes, implica na transferência do uso da força, que cada um pode almejar, a qualquer momento, para um soberano. Um pacto é realizado, mas esse soberano não participa do contrato, visto que, ao participar, continuaria igual aos outros e, assim, não haveria distinção real de seu poder e do poder dos demais. O contrato social hobbesiano é dado por meio de um pacto de submissão, no qual todos se submetem ao poder absoluto do soberano, que só existirá após o pacto (HOBBES, 1973).

Ainda no campo dos autores contratualista, Locke, diferente de Hobbes, não imagina um estado de natureza sob tensão, numa guerra de todos contra todos. Em Locke, os homens gozam, já no estado de natureza, da propriedade, sendo essa um direito natural seu. Esse é um estado pacífico e homem dotado de razão, mas isso não impede que haja inconvenientes e que se queira prejudicar outrem, buscando tomar-lhe sua propriedade. Aqui, ressalte-se que na concepção lockeana, a propriedade é entendida como a vida, a liberdade e os bens (LOCKE, 1973).

Também há diferenças profundas no tipo de contrato social pensado por Locke em relação ao de Hobbes. Se, em Hobbes, o pacto é de submissão, em Locke o pacto, o contrato social, é de consentimento. O governo instituído terá, após receber o consentimento, se responsabilizar pela preservação da propriedade, sendo, novamente, necessário ressaltar que o conceito de propriedade engloba a vida, a liberdade e os bens dos indivíduos. Havendo um governo que seja incapaz de cumprir sua parte nesse contato, ou seja, proteger a propriedade privada, poderão os indivíduos, a sociedade, estabelecer uma guerra contra o governante e, com isso, poderão exercer o direito à resistência (LOCKE, 1973).

Rousseau, por fim, encontra-se nessa trindade explicativa do conceito de contrato social. O filósofo genebrino, é, por assim dizer, considerado um dos primeiros revolucionários no que diz respeito à Revolução Francesa. Suas obras – Do contrato social e Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens – foram assaz importantes para formação da consciência social e política no contexto de luta contra do Antigo Regime francês.

No tocante ao estado de natureza, em Rousseau, é bem mais radical que seus predecessores: o homem nasce livre e bom, mas é corrompido pela sociedade. A formulação rousseauniana apresenta um pacto legitimo, no qual os homens ao perderem a liberdade natural passam a gozar da liberdade civil. No pacto social todos as partes são inteiramente iguais. O povo é, neste caso, soberano, pois é parte ativa (cria o contrato, a sociedade política) e parte passiva (submete-se à vontade geral). A liberdade, aqui, estaria no fato de ser capaz de criar as próprias regras que se irá seguir (ROUSSEAU, 1973).

Realizado o contrato social, o governo, bem como a máquina governamental, deve se submeter à vontade geral. Os poderes – o do governante e dos funcionários estatais - são limitados pelo efetivo poder do povo. Em qualquer hipótese, o governo que vier a ser constituído deverá, sempre, ser um representante do povo, de sua soberania (ROUSSEAU, 1973).

Os autores acima, resumidamente elencados, se assemelham pelo fato da crença de que a passagem do estado de natureza para a sociedade civil se dá na alienação da força individual, do poder que cada pode exercer, para um poder maior, do Estado, dos governantes. Assim, a vida em sociedade, em sua diversidade (de interesses e posições sociais) só pode existir ao se obedecer as regras e leis da vida pública, comum. A força física, a potência de se poder coagir outrem, não mais estará sob domínio individual e sim coletivo. O Estado encarnação do poder político e os políticos – aqueles que lutam para chegar ao Estado e se manter lá – serão, também, discutidos por Weber, autor clássico das Ciências Sociais.

Há, dessa forma, a figura do Estado, como espaço vital de organização da vida social e como espaço onde se pode exercer o poder. Portanto, o Estado carrega, em seu bojo, uma constante luta: a luta para se conquistar o poder e, uma vez conquistado, uma constante luta para poder exerce-lo. Max Weber assevera que:

[...] o Estado é aquela comunidade humana que, dentro de determinado território – este, o “território”, faz parte da qualidade característica -, reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física, pois o específico da atualidade é que a todas as demais associações ou pessoas individuais somente se atribui o direito de exercer coação física na medida em que o Estado o permita. Este é considerado a única fonte do “direito” de exercer coação (WEBER, 1999, p. 526-7, Vol. 2).

A definição weberiana é assaz importante, pois centraliza a discussão naquilo que permite compreender o Estado racional como grupo de dominação institucional e, também, como monopólio da violência, no limite, a coação física pode, num Estado, ser exercida pelas Formas Armadas e Policias, dentro dos limites legais.

Sociologicamente, ainda seguindo Weber e, também, conceituando que a “política significaria para nós, portanto, a tentativa de participar no poder ou de influenciar a distribuição do poder, seja entre vários Estados, seja dentro de um Estado entre os grupos de pessoas que este abrange” (WEBER, 1999, p.527, Vol.2). Aqui, residiria uma questão, corolário das definições de “Estado” e de “política”, que seria posta da seguinte forma: qual o fundamento da obediência? Noutras palavras, porque, sendo a política um espaço de poder em que uns mandam e outros obedecem, os que obedecem entender ser legítima essa obediência? A resposta weberiana está dada nos tipos puros de dominação. Para o autor alemão, a obediência se dá quando se encontra legitimidade no poder da tradição, no poder do carisma ou no poder assentado na razão e nas leis. Assim, há uma “autoridade no “eterno ontem”, do costume sagrado por validade imemorável e pela disposição habitual de respeitá-lo”( WEBER, 1999, p.527, Vol.2). Esse poder tradicional encontra sua manifestação numa configuração social de dominação patriarcal, patrimonial e gerontocrática. Em segundo lugar, a “autoridade do dom da graça pessoal, extracotidiano (carisma): a entrega pessoal e a confiança pessoal em revelações, heroísmo ou outras qualidades de líder do indivíduo” (WEBER, 1999, p.527, Vol.2). A dominação carismática, a crença nas qualidades sobre-humanas do líder, não apresenta, assim como na dominação tradicional, o conteúdo de racionalidade, a obediência tem os alicerces nos costumes e na emoção derivada do carisma, respectivamente. Por fim, há a “dominação em virtude da “legalidade”, da crença na validade de estatutos legais e da “competência” objetiva, fundamentada em regras racionalmente criadas [...]” WEBER, 1999, p.527, Vol.2). Na evolução das sociedades, o poder político, racionalmente orientado, se apresentaria na forma de uma

burocracia, tendo o formalismo (regras claras e escritas), impessoalidade (lei geral e abstrata que condiciona a obediência de todos os indivíduos) e necessidade de um grupo de administradores profissionais (tendo na função sua principal remuneração e formação técnica para exercer seu mister).

As noções weberianas de que o Estado, espaço de exercício do poder político, é aquele que encarna o monopólio da violência, da coação física; bem como a tipologia das formas de dominação são, nos dias que correm, ainda, fornecedores de chaves explicativas capazes de elucidar o imbróglio que se formou no cotidiano das ações políticas e suas interpretações correntes.

2- Poder, Autoridade e Liderança

Contemporaneamente, o campo da Política tem ganho contribuições de diversos intérpretes, dos quais destacaremos as formulações de Nogueira, em suas obras Em defesa da política (2001) e Potências, limites e seduções do poder (2008).

Não abandonando, jamais, o senso crítico e a leituras dos autores clássicos, Nogueira é, em muitos casos, um otimista, buscando resgatar a centralidade e a importância da Política. Vejamos:

A política nos ajuda a não sufocar a diferença e a contradição: auxilia-nos a integrar desejos, vontades e interesses numa convivência coletiva. Oferece-nos mais chances de domesticar a autoridade, a arrogância, o poder. Dá-nos a possibilidade de admitir e reconhecer o conflito, de conviver pacificamente com ele, pois nos oferece uma trilha por onde fazer com que o conflito gere energia positiva, construa, em vez de paralisar e destruir (NOGUEIRA, 2001, p. 29).

Ainda em sua ótica, a crise da Política é uma crise que a todos traz malefícios: os que vivem a política enquanto uma ciência, os políticos que vivem a política em seu cotidiano e o cidadão que despreza e odeia, muitas vezes, os políticos e a política real.

O cerne da obra está no que Nogueira (2001) denomina de as “três políticas” e suas principais características. Há a “política dos políticos”, a “política dos cidadãos” e a “política dos técnicos”. Cabe enfatizar que essa tipologia não tem a pretensão de esgotar a temática, mas, apenas, reconhecer grandes linhas de compreensão.

A “política dos políticos” pode ser considerada como “política com pouca política”. Isso, todavia, não pode ser considerado como algo de menor valor. Pelo contrário. O que se dá é que neste campo há uma dignidade bem específica. A política dos políticos encontra seu limite na ideia da política

como a “arte do possível e do indicado”. O realismo e o pragmatismo são seus terrenos peculiares. O cálculo e até certa frieza são superpostos à fantasia e à opinião. Para Nogueira, uma de suas máximas é: “não se faz política sem vítimas”. Na política realista as paixões e ideias são contidas, estão sob controle, para que não se intrometam nas singelas e ardilosas relações que franqueiam o acesso ao poder. No entanto, existe o risco de uma degeneração. Esse tipo de política pode ser tonar realista demais, lançando por terra os valores. Pode se tornar politicagem, alicerçada sobre o truque, as promessas, intrigas e disputas entre grupelhos e facções com interesses amesquinhados. Essa é, assim, a face menos nobre da política, mais desagradável e obscura. O poder e ambição são legítimos na política dos políticos; ilegítimo é exercer o poder para fins escusos e vislumbrar pequenas ambições que não atendam aos valores coletivos e democráticos.

A “política dos cidadãos” é, por sua vez, entendida como a “política com muita política”. Está concentrada na busca do bem comum, no balizamento civilizado do conflito de interesses e da diferença. Essa política rende tributos e valoriza o diálogo, o consenso e a comunicação, na defesa da crítica e da participação coletiva. É uma aposta na capacidade criativa dos homens. É, também, uma entrega apaixonada e categórica às possibilidades da política. Seus protagonistas são os partidos, os grupos e a massa, mais do que a personalidade talentosa. Não que o indivíduo não possa exercer uma liderança que o projete. Mas essa projeção individual está lastreada numa relação entre o todo e a parte, numa reciprocidade em que os interesses que devem prevalecer sejam os coletivos e não os individuais. Para que se efetive essa política dos cidadãos faz-se necessário uma educação para a cidadania, o constante exercício da democracia e da valorização do diálogo. Todos devem ser co-responsáveis pela vida comum, pelas decisões e pela resolução dos conflitos.

Temos, por fim, a “política dos técnicos”: a “política sem ou contra política”. Em tempos como o nosso, de racionalidade instrumental, da hipervalorização da técnica e de desencantamento do mundo, essa é a que parece predominar. É a política dos técnicos, dos executivos, de algum modo associados à tecnocracia. De acordo com Nogueira, sua máxima pode ser compreendida como: “onde há política ou poder, há corrupção”. Para os técnicos a sociedade estaria querendo retornos pontuais, pragmáticos e sem riscos, não havendo a necessidade de ideologias, programas radicais e promessas. O desprezo do cidadão é patente, porque os técnicos são possuidores de uma verdade, verdade tecnicamente alcançada. O cidadão torna-se um mero homologador de decisões. O debate público e o diálogo crítico são esvaziados. Trata-se, infelizmente, de uma forma de fazer política que se encontra em voga.

Como seria, nestes termos, a retomada de uma política com muita política com a consequente superação de uma conduta de políticos que se apresentam como “não políticos”, desprezando a própria natureza do poder político? São, hodiernamente, os políticos líderes capazes de articular vontades, consensos e se comunicar com o conjunto da sociedade? No limite, como o poder e a autoridade são exercidos e encarados pela classe política e pelos cidadãos?

O poder político, como se viu anteriormente, não é qualquer poder, mas um poder capaz de monopolizar a coerção física. Esse poder, no entanto, deve ter legitimidade; assim, a autoridade de um político estaria no fato de se exercer um poder autorizado, baseado num conjunto de normas – explícitas ou implícitas, escritas ou não. Há o poder de fato e o poder de direito: um ditador, por exemplo, pode ter o poder de fato (as armas, de exército e polícia a seu favor), mas não detém o poder de direito, já que governa ao arrepio das leis (NOGUEIRA, 2008).

O político que conquistou o poder e passa a governar deve ter noção que

Não se governa num plano ideal, abstrato ou indeterminado. Governa-se uma comunidade concreta, composta por pessoas de carne e osso, que têm história e fazem história. Sem assimilar os elementos histórico-culturais que estão na base de qualquer governo, sem incorporá-los ao ato mesmo de governar, o governante não governa: não pode ter a pretensão de interferir nos rumos de sua comunidade, direcioná-la (NOGUEIRA, 2008, p. 95 – grifos nossos).

Feita essa importante ressalva, Nogueira assevera que se deve entender como diferentes os papéis de líder e de chefe, portanto, dos atos de liderar e chefiar. O poder está na confirmação de uma ação que acarreta em capacidade de influenciar as pessoas e fazer com que os lhe sigam. O líder é quem está na “dianteira de um processo e que reúne certas qualidades pessoais (técnicas, intelectuais, política, morais) que lhe dão prestígio para dirigir” (NOGUEIRA, 2008, p. 96 – grifos nossos). O líder não necessita de cargo ou mesmo de uma nomeação para liderar. O chefe, sim, precisa de cargo e nomeação. O chefe manda e domina e os subordinados obedecem, por medo da coação. O líder, por sua vez, comanda, dirige, aponta caminhos. O líder, ainda, é capaz de convencer, construindo consensos e articulando. Assim, “a liderança é bem mais sedutora e simpática do que a chefia ou a autoridade” (NOGUEIRA, 2008, p. 96).

Atribuindo importância ao papel de um político que se efetive como líder, Nogueira aduz que

A preponderância da liderança sobre a chefia, da autoridade sobre o poder, da direção sobre a dominação depende sempre de uma relação criativa e vigorosa com ideias [...] Dirigir ficou muito mais importante do que dominar (NOGUEIRA, 2008, p. 97-8).

E mais:

A luta política que se destina a construir novos horizontes de sentido para uma comunidade supõe, assim, a superação do corporativismo, isto é, da ação fechada em si mesma, auto-referida, que se concentra exclusivamente nas motivações e nos interesses de um dado grupo [...] (NOGUEIRA, 2008, p. 98).

Aqui, portanto, consta o que questionamos na introdução deste escrito, só que, agora, melhor explicado: os políticos FHC, Lula e Dilma foram, nos termos anteriormente explicitados, líderes ou chefes? E, exercendo a liderança ou a chefia, em seus governos, quais os seus estilos? Antes de encaminhar para estas respostas, faz-se necessários, também panoramicamente, relembrar a trajetória destes atores políticos que ocuparam a presidência da república brasileira.

3 – FHC: o intelectual que liderava intelectuais

Fernando Henrique Cardoso pode ter sua trajetória dividia em três: vida acadêmica, vida pública e vida política (PRANDO, 2009).

Em sua carreira acadêmica foi da Graduação em Ciências Sociais até o ponto mais alto que se poderia chegar: Professor Catedrático de Ciência Política. Ministrou aulas, escreveu centenas de artigos e livros científicos e, junto com Florestan Fernandes e Octavio Ianni, firmou seu nome como cientista social pertencente à “Escola Paulista de Sociologia” . Foi, como muitos outros, alcançado pelo Regime Militar e impedido de exercer seu ofício, aposentado compulsoriamente. Esta ação arbitrária do Regime, contudo, deu a Cardoso papel de relevante intelectual público na ocupação de espaços que permitiam publicizar suas opiniões e estudos que denunciavam as mazelas impostas pela Ditadura à sociedade brasileira.

Fora da universidade, mesmo com convites para lecionar no exterior, funda – com outros professores perseguidos – o CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Se na sua vida acadêmica seus trabalhos tinham forte reflexão teórica, abstrata, as pesquisas do CEBRAP se enquadravam no

rol das Ciências Sociais Aplicadas. A partir daí, foi se firmando como um “intelectual que liderava intelectuais” e, por isso, convido a colaborar com o plano político do MDB (à época, partido de oposição ao Regime). Vislumbrou, ali, no seio de um partido, a possibilidade de luta pelo retorno da democracia e da aplicação de suas ideias. Quase como uma candidatura de protesto, mais um intelectual no meio de políticos, tornou-se suplente de Senador, pelo Estado de São Paulo. Tinha compromissos docentes no estrangeiro e, ainda, ocupava a presidência da Associação Internacional de Sociologia, mas acaba voltando ao Brasil quando o Senador titular é eleito governador de São Paulo. Assim, com pouco mais de quarenta anos de idade, o intelectual estrelado passa a vivenciar a dinâmica da vida política no Senado Federal. Buscou, sem êxito, ser eleito prefeito da cidade de São Paulo. Amargou derrota por pequena margem de votos válidos e tirou a lição de que o jogo político não se resumir, apenas, ao embate de ideias, já que seu oponente, Jânio Quadros, tinha perfil populista e dominava a encenação da construção de imagens políticas.

Derrotado e voltando ao Senado, Cardoso tinha tudo para permanecer naquela posição, mas o destino, ou, noutras palavras, a fortuna (na acepção maquiaveliana) se fez presente: foi convidado para compor o Governo Itamar Franco após o impeachment de Fernando Collor. Na condição de Ministro das Relações Exteriores, colocou-se na posição de melhorar a imagem do Brasil e, para isso, tinha a seu favor sua bem-sucedida carreira no Brasil e nas principais universidades estrangeiras. Outra situação que poderia ter sido desastrosa, para Cardoso, foi a mudança ministerial, pois foi guindado, por Itamar, a Ministro da Fazenda. Buscou reunir um grupo de renomados economistas e, desta forma, equacionar o principal problema da sociedade brasileira: a hiperinflação. Desenhou-se, assim, as bases do Plano Real que além da inflação, lançaria as bases da estabilidade econômica do país. O sucesso de tal empreitada fez de Cardoso, agora, FHC, o sucessor natural de Itamar.

FHC concorreu com Lula, do PT, e venceu o pleito de 1994. Deu continuidade ao Plano Real e, quatro anos depois, conseguiu sua reeleição, vencendo, novamente, Lula. As marcas de seu governo podem ser, resumidamente, encontradas no controle inflacionário, na estabilização da economia, na universalização do ensino básico e na criação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Findado seu mandato, Cardoso voltou a exercer as atividades intelectuais: aulas, conferências, confecção de livros e artigos e a fundação do Instituto Fernando Henrique Cardoso. Foi, ainda, considerado um dos intelectuais mais influentes do mundo, recebeu o Prêmio Kluge (considerado um Nobel para as Ciências Sociais) e eleito imortal da Academia Brasileira de Letras.

4 – Lula: líder sindical e comunicador carismático

Luíz Inácio Lula da Silva - Luíz Inácio de nascimento - é, mais do que FHC, símbolo da mobilidade social que o Brasil vivenciou no século XX. Se, dentro de uma política elitizada, um professor como FHC chegar ao poder era difícil; imagine-se o caso de Lula, saindo da condição de vida miserável, de uma das regiões mais pobres do Brasil .

Lula foi um filho de família numerosa. Viveu a infância e parte da adolescência privado do conforto mínimo, bem como da presença de seu pai, que abandonou a família e se mudou para a cidade de Santos. Num ato de coragem e ousadia, a mãe de Lula decide vender tudo o que a família possuía (o que não era muito) e seguir para o sudeste em busca do marido, na década de 1950. Chega em Santos, com os filhos, e é recebida com desdém pelo seu companheiro, já, naquele momento, com outra família. Não bastassem as privações materiais, a violência rotineira do “provedor” da casa, faz com que, novamente, mude-se em direção do ABC Paulista.

O ABC Paulista tornou-se um cinturão de fábricas e indústrias, importante pólo de desenvolvimento brasileiro. Lula, em novo ambiente, realizará o curso de torneiro mecânico, no Senai (em 1963). O diploma e o emprego no setor industrial o colocam em condição de vida bem melhor do que tinha tido até o momento, sobretudo pela presença do sindicato, garantidor de direitos aos trabalhadores e uma máquina com poder e fornecedora de status aos seus membros. Lula foi levado à política pelo seu irmão, Frei Chico. E, em 1968, entra para o sindicato. Foi eleito primeiro secretário do sindicato em 1972 e, ulteriormente, seu presidente de 1975 a 1978.

Forjado na luta sindical, comunicador e negociador habilidoso, Lula foi, também, atingido pelo arbítrio do Regime Militar: foi preso por comandar greves. Em 1980, Lula será um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e se torna sua principal liderança, até os dias de hoje. Tentou, sem êxito, eleição como governador do estado de São Paulo, em 1982, pois sua plataforma e seu discurso eram encarados por parcela considerável do eleitorado como radical. Foi, contudo, eleito deputado federal e pode conhecer a dinâmica da vida parlamentar. Sendo um símbolo do “trabalhador”, graças sua trajetória tão ímpar, e liderança máxima do PT, foi candidato sucessivas vezes à presidência do país: perdeu para Collor (1989), para FHC (1994 e 1998), até ser eleito e reeleito presidente em 2002 e 2006.

Em seu primeiro mandato, de forma bastante pragmática não alterou a política macroeconômica de FHC (câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário). Soma-se a essa manutenção do tripé macroeconômico um cenário internacional (o boom das commodities), e o Governo Lula acaba por ser capaz de diminuir o número de pobres e miseráveis, incrementar a classe média e aumentar o consumo de parcelas consideráveis da população.

Tal êxito, inclusive, faz com que Lula escape incólume pelo chamado “Mensalão” , que, em linhas gerais, tratava-se de compra de apoio parlamentar para garantir a coalizão que sustentava o governo petista .

A grave crise de 2008, deflagrada nos EUA, não chegaram, durante o período de Lula, em seu segundo mandato, a colocar em xeque sua popularidade e os êxitos de sua gestão. O líder sindical havia se mostrado líder nacional, com capacidade de negociação, comunicação competente com os vários setores da sociedade e dotado de um carisma bastante peculiar.

5 – Dilma: um perfil construído – a gestora eficiente

Dilma Vana Rousseff nasceu em 1947, numa família de classe média alta, morando nas Minas Gerais. Formou-se em Economia, mas não deu prosseguimento aos estudos de pós-graduação defendendo dissertação ou tese. Sua juventude foi marcada pela participação na luta armada contra o Regime Militar, tendo participado das organizações COLINA e VAR – Palmares. Foi presa, de 1970 a 1972, e, ainda, torturada.

Nos anos 1980, mudou-se para o Rio Grande do Sul e fez política filiando ao PDT (Partido Democrático Trabalhista). Foi secretária municipal da Fazenda, na gestão de Alceu Collares, prefeito de Porto Alegre. Foi, ainda, Presidente da Fundação de Economia e Estatística e Secretária Estadual de Minas e Energia. Em 2001, deixa do PDT e filia-se ao PT, tendo sido, na sequência, fez parte, em 2002, da equipe que construiu o plano de energia do governo Lula. A participação de Dilma despertou a atenção de Lula que “reparou duas coisas na nova companheira: Dilma recorria toda hora e um laptop recheado de dados e informações e era a única ali com experiência de governo. Tinha jeito de ministra” (AMARAL, 2011, p. 123). E assim foi nomeada por Lula para o Ministério de Minas e Energia. Nesse ponto, assim como tinha ocorrido com FHC, a sorte – a fortuna – se apresentou: em 2005, as proporções do escândalo do Mensalão derrubaram o segundo homem mais poderoso do Governo Lula, José Dirceu. Com isso, a alta cúpula da República, excetuando Lula, estava sob investigação e com a imagem estilhaçada para a opinião pública. A ocasião, somada ao apreço de Lula, fizeram Dilma mudar de posição no tabuleiro do poder: assumiu a direção da Casa Civil da presidência da República – a primeira mulher neste cargo na história do Brasil.

Nesse contexto, o cálculo político de Lula parecia ser infalível: Dilma não era uma política convencional (nunca havia disputado uma eleição), não era de origem no PT (que naquele momento tinha sua imagem e seus símbolos questionados), era uma mulher (fora do padrão patriarcal tradicional da política) e parecia ter capacidade gerencial (embora já fosse notória seu pouco apreço para a conversa política miúda e cotidiana). Quem mal, então,

faria lançar Dilma sua sucessora? Poderia, assim, colocar alguém de confiança de 2010 até 2014 e, posteriormente, poderia voltar a disputar as eleições já em 2014. E mais: a inaptidão de Dilma para o trato político com os eleitores e com seus pares, poderia ser equacionada com uma boa dose de marketing político e, também, com a assessoria de quadros do PT mais bem preparados e experientes.

Uma cara e nacional campanha de marketing foi engendrada e Dilma foi apresentada à nação como uma gestora eficiente, uma gerente, pouco afeita à política, mas assaz preparada para a gestão da coisa pública. Se Lula, na simbologia, sempre quis ser um pai para o imaginário dos brasileiros, Dilma, à frente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ganhou o epíteto de “a mãe do PAC”. Dilma foi eleita, em 2010, e reeleita, em 2014, vencendo o principal partido de oposição ao PT, o PSDB.

Contudo, o segundo mandato de Dilma não chegou a se iniciar: as fraturas ocasionadas por uma campanha virulenta no enfrentamento dos adversários não tinham sido curadas. A crise econômica que já se mostrava presente no primeiro mandato de Dilma foi se avolumando. Na campanha, sob coordenação de seu marqueteiro, Dilma (candidata) apresenta um país irreal, com intervenção, por exemplo, nos preços da gasolina e da energia elétrica, represando os índices de inflação que viriam a estourar o teto da meta depois de sua eleição. Dilma já eleita teve que agir e realizou políticas contrárias ao que havia dito em campanha. Tal fato foi chamado pela oposição e por muitos eleitores de “estelionato eleitoral”. Conjugou-se a esse difícil quadro econômico, uma crise política, crise de governabilidade, tendo o governo sido, sucessivamente, derrotado no Legislativo. Sua pouca paciência para lidar com os políticos foi, aos poucos, isolando Dilma de seus pares, de seus aliados, do PMDB e até mesmo de Lula e do PT. FHC tem a marca de controle da inflação e estabilidade econômica; Lula firmou-se como atento ao campo social, melhorando a distribuição de renda e consumo; e, por sua vez, Dilma não tem uma marca para indicar como sua, não se descolou dos êxitos e limitações do Governo Lula.

Os balões de ensaio de um provável impeachment foram se adensando até deixar de ser ensaio e fato concreto: Dilma seria processada por crime de responsabilidade, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com supervisão do Supremo Tribunal Federal. Dilma tinha o poder de direito, tinha sito eleita, mas não tinha o poder de fato, não governava e o país ao longo de 2015 e parte de 2016 ficou em compasso de espera. O processo de impeachment seguiu e o governo e aliados conseguiram, no máximo, criar uma narrativa: que o que ocorria era um golpe, golpe parlamentar, já que não havia crime de responsabilidade. Sendo esse processo de caráter político e jurídico, poderia, caso a Presidente Dilma tivesse apoio político, barrado logo de início, mas não houve força para tal ação e isso acarretou em sucessivas

sessões (na Câmara e no Senado) até a derrota de Dilma, sendo impedida de continuar seu mandato.

A ideia original de Lula não tinha se realizado: depois do exercício do primeiro mandato, Dilma insistiu e buscou se firmar para sua reeleição. Foi reeleita, mas não governou. Colocou seu governo e o legado dos anos petistas em xeque junto à opinião pública e o eleitorado. Em recente eleição municipal (2016), os dados indicam uma enorme derrota ao PT e vigorosa vitória dos principais partidos que, hoje, se encontram no poder: o PMDB e o PSDB.

Considerações Finais

A proposta inicial deste artigo foi a de questionar, a partir da natureza da política e do poder político, se os recentes presidentes da república: FHC, Lula e Dilma foram efetivos líderes políticos e, em caso afirmativo, quais os seus estilos de liderança.

Os três políticos – FHC, Lula e Dilma – tiveram, em suas trajetórias, o cenário histórico do Regime Militar. Todos reagiram, mas de formas distintas. FHC foi perseguido e aposentado compulsoriamente e, em resposta, ocupou os espaços disponíveis na sociedade ganhando notoriedade e se apresentando com um intelectual público, aquele que soube ultrapassar os muros da universidade, foi um intelectual que liderou intelectuais e que, finalmente, dentro de um partido político fez política buscando convencer a sociedade, seus companheiros de partido e influenciar as demais instituições sociais. Submeteu-se à escolha eleitoral, tendo colhido vitórias e derrotas. Lula, por sua vez, fez a política sindical, negociou com patrões e empregados. Foi preso e continuou se firmando como liderança até fundar um partido político. Como FHC, submeteu-se à escolha do eleitorado, ganhou e perdeu, mas tinha apreço pelo convívio político. Dilma, na juventude, lutou, também, contra o Regime Militar, mas optou pela luta armada. Se jovens estavam armados, o Regime estava não só armado, mas disposto a torturar e matar. Como realmente aconteceu. Dilma foi presa, mas não optou pela política no sentido eleitoral. Decidiu exercer cargos na burocracia estatal.

Retomando Nogueira (2008), na distinção entre o líder e o chefe, no exercício do poder político, é possível crer que as trajetórias e as ações de FHC e Lula os posicionam como efetivos líderes: são, cada um à sua maneira, com seus estilos, dotados de qualidades técnicas, intelectuais, políticas. Ambos exerceram a liderança política com ou sem cargos, seja na universidade, seja no sindicato. Foram detentores de conhecimento técnico,

seja oriundo de carreira acadêmica, seja obtido na luta e negociação sindical. FHC e Lula foram eficientes comunicadores, seus discursos foram objeto de estudos, como, por exemplo, de Prando (2009) e Kamel (2009). Ambos – FHC e Lula – exerceram papel de dirigentes, comandaram equipes e dialogaram objetivando o convencimento. Dilma, a seu modo, não conseguiu firmar-se como líder, mas como chefe. Dilma mandou e encontrou obediência, graças a seu posto. No entanto, não convenceu, não dialogou, não conseguir liderar, comandar. Não reuniu qualidades técnicas e intelectuais, nem políticas. Sua forma de comunicação, por exemplo, foi severamente criticada e seus discursos, não raros, desconexos, sem sentido mesmo, já se consolidaram na memória coletiva brasileira a ponto de, num estudo, ser chamdo de “dilmês” (ARAÚJO, 2015).

Sobre uma das qualidades apontadas por Nogueira (2008) está a qualidade moral. Até o momento, FHC parece ser detentor desse elemento, ao passo que Lula figura como réu em três processos federais distintos e Dilma sob investigação federal. FHC e Lula foram efetivos líderes e Dilma não alcançou esse patamar de exercício do poder.

Os anos Lula e FHC podem, em linhas gerais, ser colocados no campo do que Nogueira (2001) chamou de “política com pouca política”, ou seja, a política dos políticos. Não foram capazes de governar e consolidar um período de “política com muita política”. Dilma, em seus mandatos, mas, antes, na sua primeira candidatura, apresentou-se como distante da política, como gestora, como técnicas eficiente e eficaz. Aproxima-se, portanto, da “política sem política”. Sua dificuldade de governar pode ser bem balanceada a partir das reflexões de Nogueira (2001; 2008).

Desses três atores políticos, que governaram o Brasil de 1995 até 2016, dentro de seus partidos, PSDB e PT, houve períodos de efetiva liderança política, com ganhos positivos e pontos negativos, sob FHC e Lula.

Com Dilma, houve o cenário de crise política e econômica, mas não só. Coaduna-se ao quadro geral: 1) a aposta política de Lula, indicando sua sucessora, que, até aquele momento, não tinha exercido poder para além da chefia no bojo das burocracias públicas; 2) a personalidade de Dilma mais afeita à centralização e com pouco apreço ao diálogo e negociação política miúda; 3) a perda da base parlamentar de sustentação do governo; e, por fim, 4) a memória recente de uma campanha virulenta e com discurso descolado da realidade social vigente, levando a formulação da ideia de um “estelionato eleitoral”, levando às ruas milhões de brasileiros em protestos contrários ao governo.

O estilo de liderança de FHC conjugou o poder racional-legal (seu conhecimento científico e compreensão das normas e regras estatísticas) ao

carisma, mas carisma elitizado, por assim dizer. Lula tem estilo de liderança singular: foi líder carismático e com ampla popularidade, mas não deixou de, racionalmente, adequar os meios disponíveis para atingir os fins visados. Dilma não teve um efetivo estilo de liderança, pois só chefiou. Foi-nos apresentada – por obra do marketing político – como gestora eficiente, mais próxima do poder racional-legal, entretanto, os resultados empíricos de sua gestão não confirmam a imagem que lhe foi atribuída.

Construir uma argumentação afirmando que FHC e Lula foram líderes e Dilma apenas chefe, bem como que os dois primeiros fizeram a “política com pouca política” e a última a “política sem política” não pode, é certo, explicar o quadro político e social brasileiro em sua totalidade. Pode, contudo, adicionar questões e oferecer pistas para ulteriores reflexões e investigações científicas, objetivando, com isso, deslindar não só estilos de liderança política, bem como os resultados do exercício do poder político no bojo da sociedade brasileira.

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Recebido: 10/11/16

Aprovado: 15/11/16