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1 Prof. Cristiano Colombo PARTE GERAL 1. Disserte sobre os requisitos de validade do negócio jurídico. Dos Requisitos de Validade do Negócio Jurídico A validade do negócio jurídico requer: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; c) forma prescrita ou não defesa em lei. 1 a) Agente capaz é o homem adulto, maior de dezoito anos, ou, na forma da lei, o menor emancipado, que tem discernimento, sem estar acometido de qualquer enfermidade ou deficiência, e, portanto, detém a capacidade de direito e a capacidade de fato. Caso o negócio jurídico seja firmado por pessoa absolutamente incapaz, nos termos do artigo 166, I do Código Civil Brasileiro, é nulo de pleno direito. Em tendo sido firmado por relativamente incapaz, a teor do artigo 171, I do Código Civil Brasileiro, é anulável. Importa destacar que o absolutamente incapaz representado (instituto da representação) por seus pais, tutor (sendo menor) ou curador (sendo maior) poderá adquirir e transmitir bens e direitos. O relativamente incapaz deverá ser assistido (assistência) por seus pais, seu tutor (sendo menor) ou curador (maior), e, de igual forma, poderá firmar conjuntamente contratos, que serão válidos. b) Objeto lícito é aquele cuja prestação não ofende o ordenamento jurídico. A obrigação de dar ou de fazer não pode confrontar dispositivo legal, sob pena de nulidade. É nulo, por exemplo, o contrato cujo objeto seja compra e venda de drogas ilícitas ou prestação de serviço de homicídio. Objeto deve ser fisicamente e juridicamente possível. Significa que não se pode contratar, por exemplo, turismo na estrela Sol, incluindo, uma caminhada por sua superfície. É fisicamente impossível. Tampouco é possível a um cidadão vender um bem de uso comum do povo, como uma praça, um monumento ou uma rua. É juridicamente impossível. O objeto não pode ser indeterminado, sob pena de ser nulo o negócio jurídico. O objeto deve ser determinado (por exemplo, obrigação de dar coisa certa, a tela “Rosa-e-Azul” de Pierre Auguste Renoir) ou determinável (é o caso de cem cabeças de gado Jersey). c) Forma Prescrita ou não Defesa em Lei: Importa destacar que os contratos, quanto à forma, classificam-se em: solenes e não-solenes. Os contratos solenes são aqueles que exigem escritura pública 2 , como é o caso do contrato de compra e venda de bem imóvel, acima de trinta salários mínimos nacionais, nos termos do artigo 108 do Código Civil Brasileiro 3 . Os contratos não-solenes são aqueles que não dependem de forma especial, como a compra e venda de bem móvel, nos termos do artigo 107 do Código Civil 1 Código Civil Brasileiro, artigo 104: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.” 2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume 2. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 427. 3 Código Civil Brasileiro, artigo 108: “Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

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PARTE GERAL

1. Disserte sobre os requisitos de validade do negócio jurídico.

Dos Requisitos de Validade do Negócio Jurídico

A validade do negócio jurídico requer: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; c) forma prescrita ou não defesa em lei.1

a) Agente capaz é o homem adulto, maior de dezoito anos, ou, na forma da lei, o menor emancipado, que tem discernimento, sem estar acometido de qualquer enfermidade ou deficiência, e, portanto, detém a capacidade de direito e a capacidade de fato. Caso o negócio jurídico seja firmado por pessoa absolutamente incapaz, nos termos do artigo 166, I do Código Civil Brasileiro, é nulo de pleno direito. Em tendo sido firmado por relativamente incapaz, a teor do artigo 171, I do Código Civil Brasileiro, é anulável. Importa destacar que o absolutamente incapaz representado (instituto da representação) por seus pais, tutor (sendo menor) ou curador (sendo maior) poderá adquirir e transmitir bens e direitos. O relativamente incapaz deverá ser assistido (assistência) por seus pais, seu tutor (sendo menor) ou curador (maior), e, de igual forma, poderá firmar conjuntamente contratos, que serão válidos.

b) Objeto lícito é aquele cuja prestação não ofende o ordenamento jurídico. A obrigação de dar ou de fazer não pode confrontar dispositivo legal, sob pena de nulidade. É nulo, por exemplo, o contrato cujo objeto seja compra e venda de drogas ilícitas ou prestação de serviço de homicídio. Objeto deve ser fisicamente e juridicamente possível. Significa que não se pode contratar, por exemplo, turismo na estrela Sol, incluindo, uma caminhada por sua superfície. É fisicamente impossível. Tampouco é possível a um cidadão vender um bem de uso comum do povo, como uma praça, um monumento ou uma rua. É juridicamente impossível. O objeto não pode ser indeterminado, sob pena de ser nulo o negócio jurídico. O objeto deve ser determinado (por exemplo, obrigação de dar coisa certa, a tela “Rosa-e-Azul” de Pierre Auguste Renoir) ou determinável (é o caso de cem cabeças de gado Jersey).

c) Forma Prescrita ou não Defesa em Lei: Importa destacar que os contratos, quanto à forma, classificam-se em: solenes e não-solenes. Os contratos solenes são aqueles que exigem escritura pública2, como é o caso do contrato de compra e venda de bem imóvel, acima de trinta salários mínimos nacionais, nos termos do artigo 108 do Código Civil Brasileiro3. Os contratos não-solenes são aqueles que não dependem de forma especial, como a compra e venda de bem móvel, nos termos do artigo 107 do Código Civil

1 Código Civil Brasileiro, artigo 104: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume 2. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 427.

3 Código Civil Brasileiro, artigo 108: “Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

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Brasileiro.4 Logo, caso não seja feita a compra e venda de bem imóvel mediante instrumento público, observada, portanto, a determinação legal, o negócio é nulo, por não cumprir um de seus requisitos.

Portanto, devem os negócios jurídicos observar os sujeitos, o objeto e a forma, esta que será especial, quando a lei exigir.

2. O que é o princípio da liberdade de forma na declaração de vontade?

Do Princípio da Liberdade de Forma na Declaração de Vontade

Nos ensinamentos de Washington de Barros Monteiro, depreende-se que: “A forma é o meio de revelação da vontade.” 5 Nos termos do Código Civil Brasileiro, a regra é que a declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei exigir, adotando o princípio da forma livre6, como refere em seu artigo 107: “Art. 107. A validade

da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.” (Grifou-se) Logo, em regra, os contratos em geral e as manifestações de vontade poderão ser redigidos pelos próprios contratantes, o que se denomina de instrumento particular. No entanto, “quando a lei expressamente exigir” deverão as partes manifestar-se de forma especial. É o caso da renúncia de herança, que não pode ser feita por instrumento particular, a saber: “Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.” (Grifou-se)

Da Exigência da Escritura Pública para negócios de imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo nacional

Conforme preceitua o artigo 108 do Código Civil Brasileiro: “Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis

de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.” (Grifou-se) O dispositivo, portanto, estabelece que, não dispondo a lei em contrário7, nos negócios

4 Código Civil Brasileiro, artigo 107: “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

5 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v.1 - 42 ed. rev e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 222. 6 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 22ª. edição, p. 488-489: “Dentro do princípio da liberdade de forma, admite-se que a vontade se manifeste por todos os meios, seja pela linguagem falada ou escrita, seja pela linguagem mímica, gestos, acenos, atitudes, seja ainda pela utilização de caracteres convencionais gráficos.” 7 Excepcionalmente, admitem-se negócios jurídicos sobre direitos reais sobre bens imóveis, em valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente, por instrumento particular, no Sistema Financeiro Imobiliário, Lei n. 9.514/1997, em seu artigo 38, a saber: “Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.”

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jurídicos acerca de direitos reais sobre imóveis (a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a hipoteca e a anticrese) de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (salário mínimo nacional) é essencial à validade a escritura pública, ou seja, deverá ser feito por instrumento público. Logo, a venda de um imóvel avaliado em R$ 510.000,00 (quinhentos e dez mil reais), portanto, acima de trinta vezes o salário mínimo vigente, deverá ser feita mediante instrumento público. Entretanto, a venda de uma vaga autônoma de estacionamento, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que, como se verifica, está abaixo do montante correspondente a trinta vezes o salário mínimo nacional, poderá ser feita mediante instrumento particular. Importa destacar, ainda, que não há obstáculo para que a transferência de imóveis abaixo de trinta vezes o valor do salário mínimo nacional seja feita mediante instrumento público, contudo, não é essencial à validade do negócio. Saliente-se que, somente com o registro do título translativo (instrumento público, no primeiro caso referido, e, particular, no segundo), tonar-se-á o comprador proprietário.8

3. Qual a diferença entre boa-fé objetiva e subjetiva?

Da Interpretação dos Negócios Jurídicos à luz da Boa-Fé

Nos termos do que preceitua o artigo 113 do Código Civil Brasileiro, tem-se que: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” Neste sentido, o dispositivo traz normas de interpretação dos negócios jurídicos, de hermenêutica jurídica.

A boa-fé referida no dispositivo em comento é a “boa-fé objetiva”, que se diferencia da boa-fé subjetiva. A boa-fé objetiva, nos ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, assim se conceitua: “O intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio, naquele caso concreto, levando em consideração os aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se traduz de forma mais perceptível como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com os padrões sociais estabelecidos e reconhecidos.” 9 O célebre jurista Clóvis Veríssimo do Couto e Silva assim preceituou, acerca dos deveres secundários decorrentes do Princípio da boa-fé objetiva: “Consistem em indicações, atos de proteção, como o dever de afastar danos, atos de vigilância, guarda, de cooperação, de assistência.” 10

Importa destacar que a boa-fé subjetiva se difere da boa-fé objetiva, uma vez que na boa-fé subjetiva há um aspecto psicológico a ser verificado, como, nas hipóteses de possuidor de boa-fé e de má-fé, em que o possuidor de boa-fé desconhece o vício de sua

8 Código Civil Brasileiro, artigo 1.245: “Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. § 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.”

9 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume 2. São Paulo: Editora Atlas, 2009, 9ª edição, p. 368. 10 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Obrigação como Processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006,1ª edição, 3ª reimpressão, p. 93.

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posse, enquanto o possuidor de má-fé é plenamente conhecedor da violência, clandestinidade ou precariedade.

DEFEITOS DO NEGÓCIOS JURÍDICOS

Da Conceituação dos Defeitos do Negócio Jurídico

Os defeitos do negócio jurídico são vícios (máculas, impurezas) que contaminam a vontade do sujeito11 (erro ou ignorância, dolo e coação ou violência, estado de perigo ou lesão), ou, ainda, afrontam a lisura, a honestidade, a regularidade do negócio jurídico (fraude contra credores).12

4. O que são vícios de consentimentos e vícios sociais. Exemplifique.

Dos Vícios de Consentimento e Dos Vícios Sociais

Os vícios de consentimento são aqueles que atingem a vontade humana, a saber: o erro ou ignorância, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão. Em havendo vício de consentimento, os negócios jurídicos são anuláveis.13

Por sua vez, os vícios sociais são aqueles que, em não havendo vício ou mácula no consentimento, na manifestação de vontade, há má-fé do agente14, que usa de desonestidade para trazer prejuízo a outrem. É o caso da fraude contra credores, que, nos termos do artigo 171 do Código Civil, é anulável.

Importa destacar, por último, que a doutrina também conceitua como espécie de “vícios sociais” a simulação, no entanto, não está entre os “defeitos do negócio jurídico”, sendo que o Novo Código Civil não lhe arrolou entre eles, estando no capítulo da “invalidade do negócio jurídico”, visto que, em havendo simulação, o negócio é nulo.15

11 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.1 - 42 ed. rev e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 253. 12 DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, 27.ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 467.

13 Código Civil Brasileiro, artigo 171: “Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: (...) II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.”

14 AMARAL, Francisco. Direito Civil Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 5ª. edição, p 498. 15 AMARAL, Francisco. Direito Civil Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 5ª. edição, p. 531: “Simulação é uma declaração enganosa de vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado. Não é vício de vontade, pois não atinge sua formação. É antes uma disformidade consciente da declaração, realizada de comum acordo com a pessoa a que se destina, com o objetivo de enganar terceiros. Não existe defeito na vontade, mas no ato concreto da sua declaração, para o fim de obter efeito diferente do que a lei estabelece, pelo que não se inclui no elenco dos defeitos do negócio jurídico, juntamente com os vícios de consentimento, como fazia o Código Civil de 1916, (CC, arts. 102 a 105), mas sim nas hipóteses de nulidade (CC, art. 167).” (Grifou-se)

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Do Conceito de Erro ou Ignorância

Nos ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira, tem-se que: “Quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, age de modo que não seria sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação, diz que procede com erro.” 16 Ao erro se equipara a ignorância, que significa ausência de conhecimento.17

O artigo 138 do Código Civil Brasileiro dispõe: “Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia

ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.” (Grifou-se)

Do Erro passível de Anulação de Negócio Jurídico (Escusável)

O erro que autoriza a anulação de um negócio jurídico é o “erro substancial que poderia ter sido percebido por pessoa de diligência normal”, o que parte da doutrina denomina de “erro escusável” (desculpável e perdoável). Não poderá ser anulado o negócio jurídico quando se trata de erro grosseiro18 ou do erro denominado de “inescusável”, imperdoável. Não pode ser objeto de anulação do negócio jurídico, por exemplo, um contrato de locação, em que o locatório alega que não sabia que tinha que pagar aos locativos (aluguéis), que é um conceito de conhecimento de qualquer pessoa de diligência normal, sendo, portanto, inescusável (indesculpável).

Do Erro Essencial ou Substancial

Nos termos do artigo 138 do Código Civil Brasileiro19, somente o erro substancial ou essencial é que anula o negócio jurídico. O erro acidental não gera a anulação do negócio jurídico. Segundo Francisco Amaral: “Erro essencial, também dito substancial, é aquele de tal importância que, sem ele, o ato não se realizaria. Se o agente conhecesse a verdade, não manifestaria a vontade de concluir o negócio jurídico.” 20 O artigo 139 do Código Civil Brasileiro arrola as hipóteses de erro substancial, a saber: “Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo

16 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 22ª. edição, p. 517. 17 GOMES, Orlando, Introdução ao Direito Civil, 20ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p.325. 18 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 387: “O erro grosseiro, facilmente perceptível pelo comum dos homens, não pode ser idôneo para autorizar a anulação do ato. O princípio geral é do homem médio. Por essa razão, o atual Código reporta-se ao erro que pode ser percebido por pessoa de diligência normal para as circunstâncias do negócio. Trata-se do conceito de homem médio para o caso concreto. Assim, poderá ser anulável o negócio para um leigo em um negócio, para o qual não se admitiria o erro de um técnico na matéria. Todo vício de vontade, e principalmente o erro, deve ser examinado sob o prisma da declaração de vontade. Doutra parte, não podemos deixar de levar na devida conta a situação do declaratório, principalmente na situação que não obrou, não colaborou para o erro do declarante. Nesse caso, a anulação do ato jurídico para o primeiro será sumamente gravosa. Tendo em vista esse aspecto, não podemos deixar de levar em consideração a escusabilidade do erro. Se o erro facilmente perceptível pudesse trazer a anulabilidade ao negócio jurídico, estaria instalada a total instabilidade das relações jurídicas.”

19 Código Civil Brasileiro, artigo 138: “Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.” 20 AMARAL, Francisco. Direito Civil Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 5ª. edição, p. 502.

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relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.”

Do Erro quanto à natureza do negócio, objeto principal ou qualidades essenciais

O artigo 139, I do Código Civil Brasileiro21 refere-se à hipótese de erro substancial quanto à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração ou qualidades a ele essenciais.

Quanto à natureza do negócio jurídico, dá-se o erro substancial quando, por exemplo, uma instituição beneficente intenciona receber doações de brinquedos e, no entanto, acaba por se realizar uma compra e venda com um lojista, que não compreende o objetivo da campanha natalina (error in ipso negotio).22 Quanto ao objeto da declaração principal, ocorre quando o comprador acredita estar adquirindo a casa n. 02 do loteamento, e, na verdade, o contrato refere-se à casa de n. 112, que está bem mais distante do centro urbano. (error in corpore).23 Quanto à qualidade, quando o sujeito adquire um anel pensando ser de ouro e é uma bijuteria. Ou, ainda, um casaco de lã animal, quando, na verdade, é de lã sintética (error in substantia).24

Erro quanto à pessoa

Nos termos do artigo 139, II do Código Civil Brasileiro25, em sendo a pessoa causa determinante para a contratação, pode vir a ser anulado o negócio jurídico (error in persona)26. É o que ocorre, por exemplo, quando Túlio contrata Pedro para tocar piano em seu casamento, pensando que este tem formação acadêmica música clássica, e, na verdade, Túlio sequer sabe tocar piano. Ou, ainda, quando Augusto, acreditando estar contratando Acácio, um artista plástico famoso por sua técnica neo-renascentista, na realidade, está contratando um homônimo, que sequer domina os fundamentos da arte de pintar telas.

Importa destacar que as hipóteses elencadas de erro substancial decorrentes da natureza do negócio jurídico, do objeto, das qualidades essenciais, bem como relativos à pessoa (139, I e II do Código Civil Brasileiro) são classificadas como “erro de fato”, pois dizem com situações fáticas (error facti).

Do Erro de Direito

O erro de direito (error iuris) é substancial 27 e gera anulação do negócio jurídico. É o que ocorre, por exemplo, quando alguém, de boa-fé, contrata importação de mercadoria, sem

21 Código Civil Brasileiro artigo 139: “Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;”

22 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.1 - 42 ed. rev e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 235. 23 AMARAL, Francisco. Direito Civil Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 5ª. edição, p. 502. 24 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.1 - 42 ed. rev e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 236.

25 Código Civil Brasileiro artigo 139: “Art. 139. O erro é substancial quando: (...) II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;”

26 AMARAL, Francisco. Direito Civil Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 5ª. edição, p. 502. 27 Código Civil Brasileiro, artigo 139: “Art. 139. O erro é substancial quando: (...) III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.”

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ter conhecimento de que esta é proibida em território brasileiro.28 Ora, neste caso, o desconhecimento da lei não poderá ser alegado para não ser cumprida a norma29, ou seja, não se dará a importação do bem, em face da vedação legal. Todavia, o adquirente poderá buscar a anulação do negócio jurídico, inclusive, pleiteando a devolução dos valores pagos, em face de ser o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Do Erro e o Princípio da Conservação dos Negócios Jurídicos

O artigo 144 do Código Civil Brasileiro dispõe que: “Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.” É o princípio da conservação dos negócios jurídicos, em matéria de erro, no sentido de preservar as relações contratuais havidas, uma vez que a parte a quem a manifestação se dirige, oferece-se para executá-la, nos termos da vontade real do manifestante. Como exemplo, reprisa-se a situação em que o comprador acredita estar adquirindo a casa n. 02 do loteamento, e, na verdade, o contrato refere-se à casa de n. 112, que está bem mais distante do centro urbano. Neste caso, no sentido de preservar o negócio jurídico, o incorporador entrega a casa n. 02, afastando a possibilidade jurídica de anulação do negócio jurídico, executando o negócio de acordo com a vontade real do adquirente.

Do Conceito de Dolo

Conforme as lições de Caio Mário da Silva Pereira: “Inscrito entre os vícios de vontade, o dolo consiste nas práticas ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito ou a terceiro.” 30 Orlando Gomes, por sua vez, preceituou: “O dolo consiste em manobras ou maquinações feitas com o propósito de obter uma declaração que não seria emitida se o declarante não fosse enganado.” 31 Em síntese, o dolo é o ardil, o estratagema, a astúcia, a manipulação da vontade do declarante, com o objetivo de induzir maliciosamente a manifestar-se de tal forma, que o sujeito que age com dolo tenha proveitos e vantagens pessoais. O dolo é provocado32, é induzido, enquanto o erro decorre de um equívoco da própria vítima.33

Da Classificação do Dolo

Do Dolo Essencial ou Principal (Dolus Causam Dans)

O dolo principal é determinante para o ato34 e torna o ato anulável35, como, por exemplo, o consumidor que quer adquirir um automóvel novo e acaba sendo enganado, induzido a comprar determinado veículo que já foi objeto de um acidente, inclusive, tendo

28 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 394. 29 Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto n. 4657/42, artigo 3º: “Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.” 30 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 22ª. edição, p. 526. 31 GOMES, Orlando, Introdução ao Direito Civil, 20ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p.327. 32 AMARAL, Francisco. Direito Civil Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 5ª. edição, p. 505. 33 DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, 27.ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 477. 34 AMARAL, Francisco. Direito Civil Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 5ª. edição, p. 505. 35 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 405.

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sido maquiado seus arranhões e marcas pelo setor mecânico, contando com sérias avarias em seu motor. O negócio, portanto, não se realizaria caso o consumidor tivesse esta informação, sendo o dolo essencial, principal, determinante para a causa.

É o que dispõe o artigo 145 do Código Civil Brasileiro, a saber: “Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.”

Do Dolo Acidental (dolus incidens)

O dolo acidental não gera anulação do negócio jurídico, somente obriga à satisfação das perdas e danos. O negócio se realizaria, em que pese de outro modo, caso uma das partes não tivesse agido com dolo. É o caso do negócio jurídico em que o vendedor de um bem, sob a modalidade de forma financiada, maliciosamente aplica índices de correção inadequados para atualizar as prestações a serem pagas, importando em injusta estipulação do preço do contrato.36 Neste caso, não tem interesse o adquirente na anulação do negócio jurídico, mas, tão-somente ajuíza ação indenizatória quanto às diferenças inadequadamente enxertadas no preço. É o que o artigo 146 do Código Civil Brasileiro preceitua: “Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.”

Do Dolo Bilateral (Torpeza Bilateral)

Em havendo dolo de ambas as partes (torpeza bilateral), não haverá anulação do negócio jurídico, tampouco indenização em perdas e danos. É o que preceitua o artigo 150 do Código Civil Brasileiro: “Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.” Conforme Orlando Gomes: “Se o dolo é bilateral, há compensação.” 37 Imagine-se uma compra e venda, em que o sujeito “A” vende seu automóvel, com problemas gravíssimos no motor, enganando o adquirente “B”, induzindo que o veículo está em ótimo estado e, de outro lado, o adquirente “B”, ao pagar o preço, maliciosamente, dá em pagamento um imóvel espaço-estacionamento (box) sobre o qual pende gravame (penhora). Neste caso, não haverá anulação, nem perdas e danos, em face da torpeza bilateral.

Do Conceito de Coação

A coação ocorre quando o paciente é forçado a uma declaração de vontade, mediante violência física (vis absoluta) ou pela violência moral (vis compulsiva). Caio Mário da Silva Pereira referiu: “No primeiro caso, da violência física, não se pode dizer que houve uma emissão volitiva do agente, como se daria na hipótese de ser ele levado, contra a vontade e pela força assinar documento, ou de que se despojou de seus bens sob a ameaça de uma arma apontada à cabeça. Não há uma declaração de vontade, nem mesmo qualquer vontade na vítima, e esta falta completa de consentimento dever implicar nulidade total do ato. No outro caso, da violência moral ou vis compulsiva, há uma declaração volitiva, embora imperfeita, porque ela não aniquila o consentimento do agente."

36 DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, 27.ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 479. 37 GOMES, Orlando, Introdução ao Direito Civil, 20ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p.329.

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Portanto, quando se trata de coação mediante violência física (vis absoluta), há nulidade do ato, e, somente quando há violência moral (vis compulsiva ou coação relativa) é que importa em vício de consentimento, sendo o negócio jurídico anulável. É o que refere Sílvio de Salvo Venosa: “Nessa hipótese (coação relativa), a vitima da coação não fica reduzida à condição de puro autômato, uma vez que pode deixar de emitir a declaração pretendida, optando por resistir ao mal cominado. Daí por que a vis relativa é ato simplesmente anulável, como vício de vontade que é.”38 A coação, como vício de consentimento, está disposta no artigo 151 do Código Civil Brasileiro, a saber: “Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.” Neste sentido, deve a coação incutir temor de dano iminente ao paciente (coacto), que pode atingir à sua pessoa e à sua família (estendido à pessoa não pertencente à família do paciente, conforme as circunstâncias do caso, como, por exemplo, sujeito que tem profundos laços de amizade com o coacto), bem como ao seu patrimônio.

Das Condições Pessoais do Paciente

Quando da apreciação da coação, há que se ter em conta as condições pessoais do paciente. É o que o artigo 152 do Código Civil Brasileiro determina: “Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.” Neste sentido, na apreciação do fundado temor, deve-se levar em conta que um homem adulto, em condição atlética, sofre níveis de coação diferentes de uma senhora idosa, que se locomove com dificuldade, aos seus 90 anos ou, ainda, ao se tratar de uma jovem de 19 (dezenove) anos. Nestor Duarte refere: “Aquilo que é suficiente para abalar o equilíbrio de uma pessoa madura e sã pode ser irresistível para o mais jovem e para o idoso ou para o enfermo.” 39

Do Temor Reverencial e do Exercício Normal de Direito

Nos termos do artigo 153 do Código Civil Brasileiro: “Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.” A ameaça do exercício normal de um direito não configura coação, visto que decorre de ato lícito e justo. É o caso do credor que ameaça seu devedor de ajuizar cobrança judicial relativamente à dívida vencida e não paga, ou, ainda, encaminhar o título a protesto40. Nestas hipóteses, não poderá o devedor alegar coação. O temor reverencial, segundo Washington de Barros Monteiro, assim é conceituado: “Por temor reverencial se entende receio de desgostar pai, mãe, superior hierárquico ou outra pessoa a quem se deve

38 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 417. 39 DUARTE, Nestor. Código Civil comentado, doutrina e jurisprudência. Coordenador Ministro Cesar Peluso. Editora Manole, 2010, p. 124. 40 DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, 27.ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 487-488.

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respeito ou obediência. (...)”41 Completou o referido jurista: “(...) mero receio de desagradar aos genitores, ou a outras pessoas consideradas nas relações sociais e profissionais, sem os requisitos básicos de coação, não é vício de consentimento (...)”42 Em síntese, o filho que é avalista de uma amigo da família, a pedido de sua mãe, não pode alegar que foi coagido por sua mãe a firmar esta garantia fidejussória.

Do Estado de Perigo

O estado de perigo compõe-se dos seguintes elementos: a) situação de necessidade de salvar-se ou pessoa de sua família; b) iminência de dano atual e grave; c) nexo de causal entre a manifestação e o perigo de grave dano; d) conhecimento do perigo pela outra parte; d) assumir obrigação excessivamente onerosa.43 É o que se depreende do artigo 156 do Código Civil Brasileiro: “Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.” Como se depreende do parágrafo único, pode o magistrado, analisando as circunstâncias do caso concreto, estender o estado de perigo também à pessoa não pertencente à família do agente, quando, por exemplo, ficarem comprovados os profundos laços de amizade havidos. Em estando configurado o estado de perigo, o negócio jurídico é anulável.

Do Conceito de Lesão

Conforme leciona Arnaldo Rizzardo: “De um modo bem simples, define-se como lesão ou lesão enorme o negócio defeituoso em que uma das partes, abusando da inexperiência ou da premente necessidade de outra, obtém vantagem manifestamente desproporcional ao proveito resultante da prestação, ou exageradamente exorbitante dentro da normalidade.” 44 É o que se depreende do artigo 157 do Código Civil Brasileiro, a saber: “Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.”

A premente necessidade dá-se, por exemplo, para a pessoa jurídica que, para evitar a falência, vende imóvel seu, em quantia inferior ao mercado, com a finalidade de saldar seus débitos, decorrente de condições econômico- financeiras.45 Por sua vez, a

41 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.1 - 42 ed. rev e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 257. 42 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.1 - 42 ed. rev e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 257. 43 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 428-429. 44 RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil: Lei n º 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 5ª. Edição, p. 495. 45 DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, 27.ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 489; 492.

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inexperiência, dá-se pela ausência de vida no mundo dos negócios, falta de habilidade, assumindo o contratante, por exemplo, em um contrato de prestação de serviços, obrigação de fazer (serviço, enfim, prestação) manifestamente desproporcional ao valor que irá receber a título de retribuição.

Do Conceito de Fraude Contra Credores

O conceito de “fraude contra credores” compõe-se de três elementos, a saber: a anterioridade do crédito, o eventus damni e o consilium fraudis.46 O elemento denominado de “anterioridade do crédito” está no artigo 158, parágrafo 2º, ou seja, para haver fraude, o crédito tem que existir antes dos atos a que se busca anular. 47 O eventus damni ocorre quando os atos praticados pelo devedor acabam por lhe reduzir à insolvência, que significa que o seu ativo (patrimônio) é inferior ao passivo (suas dívidas, obrigações).48 O último elemento é o consilium fraudis que é a má-fé, o propósito malicioso de prejudicar (animus nocendi).49 Importa destacar que a fraude contra credores é um vício social, não um vício de consentimento.

Da Fraude Contra Credores

O artigo 158 do Código Civil Brasileiro preceitua que: “Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. § 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente. § 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.” (Grifou-se)

A partir do texto do artigo 158 do Código Civil Brasileiro, verifica-se que, nos negócios jurídicos gratuitos, quando há transmissão gratuita de bens (doação) ou a remissão de dívidas (perdão), basta a existência do elemento eventus damni para a configuração de fraude contra credores. O consilium fraudis não é elemento necessário. É o que Nestor Duarte revela: “A observação acerca da exigência do ‘consilium fraudis’, no caso, mais se impõe na medida em que a lei atual não exige, em regra, para a caracterização da fraude contra credores, que o devedor conheça seu estado de insolvabilidade – ‘ainda quando o ignore’, diz o texto legal -, diversamente do Código

46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 449.

47 Código Civil Brasileiro, artigo 158: “Art. 158. (...) § 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.”

48 AMARAL, Francisco. Direito Civil Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 5ª. edição, p. 513. 49 RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil: Lei n º 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 5ª. Edição, p. 504.

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anterior (art. 106), de modo que hoje, basta o animus damni. Por idêntico motivo, perdeu o interesse da indagação sobre se deve existir o animus nocendi.” 50

É o que Maria Helena Diniz exemplifica: “Contudo, não mais se exige a scientia fraudis para anular negócio gratuito ou remissão de dívida com fraude contra credores. Mesmo que o devedor, ou beneficiário do contrato benéfico, transmitindo algo, ou do perdão do débito, ignore que tal ato reduzirá a garantia ou provocará a insolvência do devedor, esse negócio será suscetível de nulidade relativa. A causa de anulação é objetiva, por ser suficiente que haja a redução do devedor ao estado de insolvência.” (Grifou-se) 51 Ressalte-se, ainda, que os legitimados a buscar a anulação do negócio jurídico são os credores quirografários, ou seja, desprovidos de quaisquer garantias ou privilégios, bem como, a teor do parágrafo 1º, do artigo 158, “aos credores cuja garantia se tornar insuficiente”, como no caso do credor hipotecário, que tem este bem penhorado por outro credor.

5. Qual a diferença entre fraude contra credores e fraude à execução?

Da Fraude Contra Credores versus Fraude à Execução

Enquanto a fraude contra credores é defeito do negócio jurídico, a fraude à execução é incidente do processo judicial, portanto, já em curso uma ação de execução.52 É o que se depreende do artigo 593 do Código de Processo Civil: “Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III - nos demais casos expressos em lei.” A semelhança dos institutos é que ambos são aplicáveis quando o devedor não tem patrimônio para suportar suas dívidas. Em tendo o devedor bens para suportar suas dívidas, não é caso de fraude.

Portanto, se a venda fraudulenta deu-se antes do ingresso da cobrança judicial pelo credor, a medida cabível é a Ação Pauliana (Revocatória), contudo, se a venda for feita, quando já há ação em curso, trata-se de fraude à execução. É o que ensina Sílvio de Salvo Venosa: “Na fraude contra credores, o devedor adianta-se a qualquer providência judicial de seus credores para dissipar bens, surrupiá-los, remir dívidas, beneficiar certos credores, etc. (...) Na fraude de execução, o interesse é público, porque já existe demanda em curso; não é necessário, portanto, que se tenha sido proferida a sentença.” 53

50 DUARTE, Nestor. Código Civil comentado, doutrina e jurisprudência. Coordenador Ministro Cesar Peluso. Editora Manole, 2010, p. 128. 51 DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, 27.ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 511. 52 AMARAL, Francisco. Direito Civil Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 5ª. edição, p. 517. 53 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 461.

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Outra diferença é que para o reconhecimento de fraude contra credores faz-se necessário o ajuizamento de Ação Pauliana (Revocatória), não sendo possível buscar a anulação em embargos de terceiro, em face da Súmula 195 do Superior Tribunal de Justiça 54, enquanto, por sua vez, em matéria de fraude à execução, os atos são declarados ineficazes nos próprios autos. Logo, cumpre destacar que os negócios jurídicos em fraude de credores são anuláveis, enquanto os atos que estão em fraude à execução são ineficazes.55

6. Qual a diferença entre Nulidade e Anulabilidade?

Da Invalidade do Negócio Jurídico: Nulidade e Anulabilidade

A invalidade dos negócios jurídicos abrange os conceitos de nulidade e anulabilidade. Nos ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira: “É nulo o negócio jurídico, quando, em razão de defeito grave que o atinge, não pode produzir o efeito almejado.” 56 É o caso de contrato de compra e venda de imóvel, em que uma das partes é absolutamente incapaz, sem estar representado.57 É, portanto, defeito grave, que interessa à ordem pública. 58 Quanto à anulabilidade, por sua vez, “não se vislumbra o interesse público, porém a mera conveniência das partes, já que na sua instituição o legislador visa à proteção de interesses privados. O ato é imperfeito, mas não tão grave ou defeituoso, como nos casos de nulidade.” 59 É o caso do contrato firmado por relativamente incapaz ou quando presente vício decorrente de erro, dolo ou coação, por exemplo.60

Importa destacar que o Código Civil de 1916 valia-se da nomenclatura “nulidade absoluta” e “nulidade relativa. Em face do advento do Novo Código Civil, Lei 10.406/2002,

54 Súmula 195 do STJ: “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores.”

55 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 3ª. Edição, p. 512. 56 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 22ª. edição, p. 638.

57 Código Civil, artigo 166, I: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;”

58 DUARTE, Nestor. Código Civil comentado, doutrina e jurisprudência. Coordenador Ministro Cesar Peluso. Editora Manole, 2010, p. 133. 59 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 22ª. edição, p. 639.

60 Código Civil, artigo 171: “Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.”

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a “nulidade absoluta” denomina-se simplesmente por “nulidade”, enquanto a “nulidade relativa”, nos termos do Novo Código, é chamada de “anulabilidade”.61

Das Hipóteses de Nulidade do Negócio Jurídico

O artigo 166 do Código Civil Brasileiro (CCB) dispõe sobre as hipóteses de nulidade do negócio jurídico, em seus incisos de I a VII, a saber:

Da Nulidade do Negócio Jurídico celebrado por Absolutamente Incapaz (Artigo 166, I, CCB)

O negócio celebrado por pessoa absolutamente capaz é nulo. São absolutamente incapazes, nos termos do artigo 3º do Código Civil Brasileiro, a saber: “Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.” Neste sentido, por exemplo, tendo sido firmado contrato em que uma das partes é uma criança de cinco anos de idade ou um deficiente mental que não tem o necessário discernimento o negócio jurídico é nulo.

Da Nulidade do Negócio Jurídico quando o objeto é ilícito, impossível ou indeterminável (Artigo 166, II, CCB)

A obrigação de dar ou de fazer não pode confrontar dispositivo legal, sob pena de nulidade. É nulo, por exemplo, o contrato cujo objeto seja compra e venda de drogas ilícitas ou prestação de serviço de homicídio. Objeto deve ser fisicamente e juridicamente possível. Significa que não se pode contratar, por exemplo, turismo na estrela Sol, incluindo, uma caminhada por sua superfície. É fisicamente impossível. Este negócio é nulo. Tampouco é possível a um cidadão vender um bem de uso comum do povo, como uma praça, um monumento ou uma rua. É juridicamente impossível. Quando o objeto é indeterminável o negócio jurídico é nulo. O objeto deve ser determinado (por exemplo, obrigação de dar coisa certa, a tela “Rosa-e-Azul” de Pierre Auguste Renoir) ou determinável (é o caso de cem cabeças de gado Jersey).

Da Nulidade do Negócio Jurídico quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito (Artigo 166, III, CCB)

61 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 22ª. edição, p. 633: “O Código Civil de 1916, no que foi seguido pelo novo Código, procurou, a propósito, adotar uma sistemática mais simples, inscrevendo, de um lado, a nulidade, que é sempre pleno iure, e suscetível de proclamação por iniciativa de qualquer interessado ou órgão do Ministério Público, e , de outro lado, a anulabilidade, que é a decretação da ineficácia sob a inspiração do direito privado. Abandonou, portanto, a antiga divisão de nulidade em absoluta e relativa, que veio do Regulamento n. 737, de 1850 (...). No

sistema do Código Civil, portanto, o vocábulo nulidade já por si tem o sentido absoluto, e é de pleno direito; a expressão nulidade relativa deve dar lugar à anulabilidade.”(Grifou-se)

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É o que se exemplifica no caso da compra e venda de um prostíbulo (casa de tolerância, lupanar) 62, em que o “ponto comercial ilícito” é valorado, estando, portanto, ambas as partes cientes do motivo determinante ilícito. Neste caso, o negócio jurídico é nulo. Se somente uma das partes tiver motivo determinante ilícito, não há nulidade, em face deste inciso, visto a exigência de que o motivo seja comum a ambas as partes.

Da Nulidade do Negócio Jurídico por não revestir a forma prescrita em lei (Artigo 166, IV, CCB)

Dispõe o Novo Código Civil Brasileiro, em seu artigo 54163, que o negócio jurídico gratuito de doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular, admitindo-se somente sob a forma verbal a doação de bens móveis, desde que de pequeno valor e com a imediata entrega do bem. Suponha-se, por exemplo, a doação feita de forma verbal de bem imóvel. Neste caso, o negócio jurídico é nulo, por não revestir a forma prescrita em lei.

Da Nulidade do Negócio Jurídico por ser preterida alguma solenidade que a lei considere essencial à sua validade (Artigo 166, V, CCB)

É o caso da compra e venda de bem imóvel, de valor superior a trinta vezes o salário mínimo nacional, em que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos.64 Neste sentido, em sendo celebrada a compra e venda mediante instrumento particular o negócio jurídico é nulo.

Da Nulidade do Negócio Jurídico por ter por objetivo fraudar lei imperativa (Artigo 166, VI, CCB)

O artigo 1.428 do Código Civil assim dispõe: “Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.” É a vedação ao credor de ficar com o bem objeto

62 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. São Paulo: Editora Atlas, 2010, 10ª edição, p. 495.

63 Código Civil Brasileiro, artigo 541: “Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular. Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.”

64 Código Civil Brasileiro, artigo 108: “Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

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da garantia, o que a doutrina denomina de proibição do pacto comissório.65 Suponha-se, portanto, que o credor hipotecário, com o objetivo de fraudar este dispositivo de lei, para mascarar a intenção de ficar com o objeto da garantia, celebra um “contrato de compra e venda”. Neste caso, o “contrato de compra e venda” é nulo, por fraudar lei imperativa.

Da Nulidade do Negócio Jurídico em face da lei taxativamente declarar nulo ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção (Artigo 166, VII, CCB)

É o caso do artigo 1.548 do Código Civil Brasileiro66, em que preceitua ser nulo o casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil.67 Em tendo sido, mesmo assim, contraídas as núpcias, o casamento é nulo. É caso de proibir ao doador a prática de doação universal, sem reserva de parte, ou renda suficiente para sua subsistência68, a teor do artigo 548 do Código Civil Brasileiro69. Em se realizando a doação universal, não havendo subsistência do doador, a doação é nula.

Da Simulação (Artigo 167, CCB)

Segundo Caio Mário da Silva Pereira “consiste a simulação em celebrar-se um ato, que tem aparência normal, mas que, na verdade, não visa ao efeito que juridicamente devia produzir. Como em todo negócio jurídico, há aqui uma declaração de vontade, mas enganosa.” 70 Importa ressaltar que a simulação é um vício social, não um vício de consentimento.

A simulação classifica-se em:

a) Absoluta: quando o negócio jurídico contém confissão, declaração, condição ou cláusula não verdadeira (artigo 167, § 1º, II do Código Civil Brasileiro), como, por exemplo,

65 DUARTE, Nestor. Código Civil comentado, doutrina e jurisprudência. Coordenador Ministro Cesar Peluso. Editora Manole, 2010, p. 133.

66 Código Civil Brasileiro, artigo 1.548: “Art. 1.548. É nulo o casamento contraído: I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;”

67 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 3ª. Edição, p. 529. 68 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 3ª. Edição, p. 529.

69 Código Civil Brasileiro, artigo 548: “Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.”

70 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 22ª. edição, p. 636.

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uma compra e venda firmada que não existe na realidade, inexistindo qualquer negócio entre as partes; 71

b) Relativa: é a dissimulação, quando o negócio busca encobrir outro de natureza diversa; vindo a aparentar conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem (artigo 167, § 1º, I do Código Civil Brasileiro). É o caso da doação celebrada por escrito, que, em verdade, se trata de uma compra e venda de bem imóvel. É uma simulação relativa, visto que há negócio entre as partes, no entanto, de natureza diversa. 72

Ainda, também haverá simulação quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. (artigo 167, § 1º, III do Código Civil Brasileiro) Nesta hipótese, deverá ser analisado se a avença firmada se trata de simulação absoluta (não existe o negócio jurídico) ou simulação relativa (busca-se encobrir negócio jurídico existente, por outro).

Da Legitimidade para alegar as Nulidades

Nos termos do artigo 168 do Código Civil Brasileiro73, as nulidades podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.74

Do Conhecimento de Ofício pelo Juízo das Nulidades

Nos termos do parágrafo único do artigo 168, as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz de ofício, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.75 Portanto, em sendo juntado aos autos contrato firmado por menor de 16 anos, deverá o julgador de ofício pronunciar a sua nulidade.

71 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 22ª. edição, p. 637. 72 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 22ª. edição, p. 637.

73 Código Civil Brasileiro, artigo 168: “Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.”

74 Código de Processo Civil, artigo 82: “Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir: I - nas causas em que há interesses de incapazes; II - nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.”

75 Código Civil Brasileiro, artigo 168: “Art. 168. (...) Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.”

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Do Negócio Jurídico Nulo insuscetível de Confirmação

Conforme preceitua o artigo 169 do Código Civil Brasileiro: “Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.” Neste sentido, como ensina Nestor Duarte, o negócio jurídico nulo é incurável.76 O negócio jurídico não pode ser “consertado”, pois, por exemplo, não é possível juridicamente que um contrato firmado por um menor de cinco anos de idade venha a ser confirmado por seus representantes legais, mediante aditivo contratual.

Do Negócio Jurídico Nulo que Não se Convalesce no Tempo

Tampouco o negócio jurídico nulo se convalesce pelo tempo77, ou seja, o passar dos anos não afasta a possibilidade de declará-lo nulo, em face de seus graves defeitos. Por exemplo, um contrato firmado por um menor de quinze anos pode ser declarado nulo a qualquer tempo, independentemente o fato de terem se passado vinte, trinta, quarenta ou cinqüenta anos. Não poderão ser alegadas a prescrição e a decadência. Opera-se a imprescritibilidade. É o que o Superior Tribunal de Justiça, em Agravo Regimental em Agravo de Instrumento sob o n. 84867 / PR, decidiu:

“AGRAVO REGIMENTAL. AÇÕES DE USUCAPIÃO E REIVINDICATORIA. TITULOS NULOS. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. ATOS JURIDICOS NULOS NÃO PRESCREVEM, PODENDO SER DECLARADOS NULOS A QUALQUER TEMPO, NÃO VIOLANDO LEI FEDERAL O ACORDÃO QUE, ACOLHENDO ESSE ENTENDIMENTO, JULGA PROCEDENTE AÇÃO DE USUCAPIÃO E IMPROCEDENTE AÇÃO REIVINDICATORIA. 2. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.” (Grifou-se)

Da Possibilidade de Confirmação do Negócio Anulável

Diferentemente do negócio nulo, o negócio jurídico anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro, forte no artigo 172 do Código Civil Brasileiro.78 Logo, uma venda de bem imóvel feita por um menor com dezessete anos de idade, sem assistência, é anulável, e, portanto, poderá ser confirmada, em ato posterior de ratificação, pelos seus pais, que, pelo instituto da assistência, deveriam já ter firmado o contrato quando de sua celebração.

76 DUARTE, Nestor. Código Civil comentado, doutrina e jurisprudência. Coordenador Ministro Cesar Peluso. Editora Manole, 2010, p. 135. 77 Código Civil Brasileiro, artigo 169: “Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.”

78 Código Civil Brasileiro, artigo 172: “Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.”

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No entanto, Washington de Barros Monteiro adverte quanto à ressalva ao direito de terceiro, a saber: “Mas aquela ratificação, insista-se, só pode ser efetuada desde que se respeitem direitos de terceiros. Assim, por exemplo, menor relativamente incapaz aliena prédio de sua propriedade sem observância das formalidades legais; mais tarde, depois de haver adquirido plena capacidade civil, vende o mesmo imóvel a terceiro. É evidente que, nesse caso, não poderá ratificar a primeira alienação, porque tal ratificação afeta os direitos do segundo adquirente.” 79

Portanto, em regra, é pode ser confirmado pelas partes o negócio anulável, desde que não viole direito de terceiro.

Da Alegação da Anulabilidade somente pelos Interessados

A anulabilidade não tem efeito antes de ser julgada (portanto, os efeitos do reconhecimento de anulabilidade são ex nunc80) e somente poderá ser alegada pelos interessados, não podendo ser pronunciada de ofício pelo julgador da causa, a teor do artigo 177 do Código Civil Brasileiro.81

Ademais, somente aproveita a anulabilidade para quem a alegou, não aos demais devedores, a não ser no caso de solidariedade82 e indivisibilidade83.

Assim, em regra, por exemplo, caso em um contrato de mútuo três sejam os devedores do valor total de R$ 3.000,00 (três mil reais), sem constar expressamente tratar-se de obrigação solidária, bem como não havendo indivisibilidade, cada um deverá o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Neste caso, o pródigo, por exemplo, poderá alegar a anulação do negócio jurídico, no entanto, prosseguirá a cobrança do saldo de R$ 2.000,00 (dois mil reais) contra os demais devedores, sendo o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) contra cada um, pois são plenamente capazes.

No entanto, caso o pródigo busque a anulação de negócio jurídico que tenha como prestação a entrega de um cavalo para corrida, que é um bem indivisível, a anulação do

79 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.1 - 42 ed. rev e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 331. 80 A partir de agora.

81 Código Civil Brasileiro, artigo 177: “Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.”

82 Código Civil Brasileiro, artigo 264: “Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.”

83 Código Civil Brasileiro, artigo 258: “Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico.”

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negócio jurídico aproveitará os demais devedores. O artigo refere que o mesmo ocorre quando a obrigação for solidária.

7. Disserte sobre a Teoria do Fato Jurídico.

1.1. Do Conceito de Fatos Jurídicos em Sentido Amplo (Lato Sensu)

Segundo Pontes de Miranda: “Os fatos do mundo ou interessam ao direito, ou não interessam. Se interessam, entram no subconjunto do mundo que se chama mundo jurídico e se tornam fatos jurídicos, pela incidência das regras jurídicas, que assim assinalam.”84 (Grifou-se) Exemplifica o festejado jurista: “(...) a morte de A abre a sucessão de A, dissolve a comunhão de bens entre A e B, dissolve a sociedade A & Companhia, exclui a A na lista de sócios do Jockey Club e de professor do Instituto de Biologia ou membro do corpo diplomático.”85 Assim, a morte, que se dá no mundo dos fatos e interessa para o mundo jurídico, trata-se de “fato jurídico”, acarretando “efeitos jurídicos”, como a herança e a extinção da condição de associado ou de membro de corpo diplomático.

1.2. Da Classificação dos Fatos Jurídicos

Assim, os fatos que interessam para o mundo jurídico são denominados de fatos jurídicos em sentido amplo ou lato sensu. É o que se verifica da lição de Orlando Gomes: “No sentido lato, é todo acontecimento, dependente, ou não, da vontade humana, a que o direito atribui eficácia.”86 São fatos jurídicos, portanto, os acontecimentos que podem ocasionar efeitos jurídicos: aquisitivos, modificativos e extintivos de direito.87

Os fatos jurídicos em sentido lato dividem-se em: fatos jurídicos em sentido estrito (stricto sensu), atos jurídicos lícitos (atos meramente lícitos; negócios jurídicos e atos-fatos jurídicos) e atos ilícitos.

1.2.1. Dos Fatos Jurídicos em Sentido Estrito (Stricto Sensu)

Os fatos jurídicos em sentido estrito são aqueles que não dependem da vontade humana. Segundo Pontes de Miranda: “Fatos Jurídicos stricto sensu são os fatos que entram no mundo jurídico, sem que haja, na composição deles, o ato humano, (...) e.g., nascimento, morte, idade; adjunção, mistura, confusão, produção de frutos, aluvião, aparição de ilha.”88 Os fatos jurídicos em sentido estrito dividem-se em: a) acontecimentos ordinários: maioridade, nascimento, morte, avulsão, álveo abandonado; b) acontecimentos extraordinários: força maior, tais como: raio que provoca danos em veículo, inundação; caso fortuito: como greve, motim.89

84 PONTES DE MIRANDA,, 1999, Tomo I, p. 52.

85 Ibid., p. 52.

86 GOMES, 2010, p.187.

87 VENOSA, 2010, v. 1, p. 324.

88 PONTES DE MIRANDA, 1999, Tomo II, p. 225.

89 DINIZ, 2010, p. 405.

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1.2.2. Dos Atos Jurídicos Lícitos

Os fatos jurídicos lato sensu que são voluntários denominam-se “atos jurídicos”90. Os atos jurídicos lícitos dividem-se em: atos meramente lícitos, negócios jurídicos e ato-fato jurídico.

1.2.2.1. Dos Atos Meramente Lícitos

Os atos meramente lícitos são aqueles que ocorrem por simples declarações de vontade que produzem efeitos já estabelecidos na lei, como é o caso da fixação do domicílio e do reconhecimento de paternidade.91 Importa destacar que, por exemplo, uma vez reconhecida a paternidade, não pode o pai limitar os efeitos de tal ato lícito, não há um “querer especial” quanto a determinados efeitos, eis que decorrem da lei, como o dever de alimentos, de proteção do menor, entre outros.

1.2.2.2. Dos Negócios Jurídicos

Os negócios jurídicos são aqueles em que os efeitos jurídicos são ajustados pela vontade das partes. É o que se depreende da lição de Orlando Gomes: “Negócio jurídico é toda a declaração de vontade destinada à produção de efeitos jurídicos correspondentes ao intento prático do declarante, se reconhecido e garantido a lei.”92 Sílvio de Salvo Venosa assim refere: “Quando existe por parte da pessoa a intenção específica de gerar efeitos jurídicos ao adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, estamos diante de um negócio jurídico.”93 Os negócios jurídicos podem ser unilaterais (testamento), como bilaterais (compra e venda, locação).

1.2.2.3. Do Ato-Fato Jurídico

O ato-fato jurídico decorre da vontade humana, no entanto, é irrelevante para o direito se a pessoa teve ou não a intenção de praticá-lo.94 É o clássico exemplo da criança de nove anos que adquire balas de goma em um bar, realizando típico contrato de compra e venda. A princípio, analisando com o rigor da lei, o contrato é nulo de pleno direito, todavia, o direito considera irrelevante para este caso a intenção de praticá-lo. É o que refere Sílvio de Salvo Venosa: “Nesse sentido, costuma chamar-se à exemplificação os atos praticados por uma criança, na compra e venda de pequenos confeitos. Não se nega, porém, que há um sentido de negócio jurídico do infante que compra confeitos em um botequim.”95 Este é o ato-fato jurídico. Segundo Pontes de Miranda: “Os atos-fatos jurídicos são os fatos jurídicos que escapam às classes dos negócios jurídicos, dos atos jurídicos stricto sensu, dos atos ilícitos, inclusive, atos de infração culposa das obrigações, da posição do réu e de excetuado (ilicitude infringente contratual), das caducidades por culpa e dos fatos jurídicos stricto sensu. Abrangem os chamados atos reais, a responsabilidade sem culpa, seja contratual seja extracontratual e as caducidades sem culpa (exceto o perdão).” 96

90 AMARAL, 2003, p. 344.

91 Ibid., p. 344.

92 GOMES, 2010, p. 213.

93 VENOSA, 2010, v. 1, p. 325.

94 VENOSA, 2010, v. 1, p. 324-325.

95 Ibid., p. 325.

96 PONTES DE MIRANDA, 2000, Tomo II, p. 421.

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1.2.3. Dos Atos Ilícitos

Conforme leciona Arnaldo Rizzardo: “O ato ilícito, pois, é toda ação ou omissão que não se mantém dentro da ordem jurídica, ou que o ordenamento condena e aplica sanções.”97 Importa destacar que o Código Civil Brasileiro traz em dois dispositivos legais o conceito de ato ilícito. O primeiro, na linha da teoria clássica: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” E, de acordo com a vedação do Abuso do Direito, a saber: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

8. Os direitos de personalidade protegem de forma exclusiva as pessoas naturais e os nascituros.

Não, RESP 1032014. Conforme comentado, poderão também as pessoas jurídicas serem protegidas pelos direitos de personalidade.

9. O ato ilícito e a Boa-Fé?

Lembrando acerca de que a boa-fé tem conteúdo integrativo, podendo haver ilícito contratual, além das regras contratuais, levando-se em conta as justas expectativas, o dever de cooperação, lealdade, a ser empregado na relação contratual.

97 RIZZARDO, 2007, p. 560.