POLARIZAÇÃO E ESTABILIZAÇAO DE TRANSISTORES

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POLARIZAÇÃO E ESTABILIZAÇAO DE TRANSISTORES 1. INTRODUÇÃO Como visto no experimento "Fontes de Tensão a Corrente", o transistor bipolar é um dispositivo eletrônico que pode ser utilizado como amplificador. Neste experimento serão estudadas algumas características do transistor bipolar para que se possa explorar esse efeito de amplificador. Em particular, serão enfatizados aspectos de projeto de circuitos com transistores bipolares considerando variações nessas características, principalmente devido à dispersão de parâmetros e ao efeito da temperatura. 2. 0 TRANSISTOR BIPOIAR DE JUNÇÃO 0 transistor bipolar de junção é um dos dispositivos eletrônicos mais empregados em circuitos amplificadores e em circuitos de chaveamento. Como visto em outras disciplinas, ele é um dispositivo de três terminais formado a partir de duas junções que possuem uma camada semicondutora em comum. Existem dois tipos de transistores bipolares de junção, como apresentado na fig. 1. 0 tipo apresentado na fig. 1a, o transistor pnp, constitui-se de uma camada de material tipo n colocada entre duas camadas de material tipo p. Já o transistor tipo npn, apresentado na fig. 1b, constitui-se de uma camada de material tipo p colocada entre duas camadas de material tipo n. Essas três camadas dão origem aos três terminais do transistor bipolar: o emissor (E), a base (B) a o coletor (C) como apresentado na fig. 1. Figura 1. Tipos de transistores bipolares: a)pnp; b)npn. As simbologias de circuito empregadas para ambos os transistores estão apresentadas na fig.2, onde o sentido de seta de emissor indica a sentido em que a corrente flui quando a junção de base-emissor (isto é, o diodo formado pela camada de material de base a pela camada de

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POLARIZAÇÃO E ESTABILIZAÇAO DE TRANSISTORES

 1. INTRODUÇÃO

 Como visto no experimento "Fontes de Tensão a Corrente", o transistor bipolar é um dispositivo eletrônico que pode ser utilizado como amplificador. Neste experimento serão estudadas algumas características do transistor bipolar para que se possa explorar esse efeito de amplificador. Em particular, serão enfatizados aspectos de projeto de circuitos com transistores bipolares considerando variações nessas características, principalmente devido à dispersão de parâmetros e ao efeito da temperatura.

 2. 0 TRANSISTOR BIPOIAR DE JUNÇÃO

 0 transistor bipolar de junção é um dos dispositivos eletrônicos mais empregados em circuitos amplificadores e em circuitos de chaveamento. Como visto em outras disciplinas, ele é um dispositivo de três terminais formado a partir de duas junções que possuem uma camada semicondutora em comum. Existem dois tipos de transistores bipolares de junção, como apresentado na fig. 1. 0 tipo apresentado na fig. 1a, o transistor pnp, constitui-se de uma camada de material tipo n colocada entre duas camadas de material tipo p. Já o transistor tipo npn, apresentado na fig. 1b, constitui-se de uma camada de material tipo p colocada entre duas camadas de material tipo n. Essas três camadas dão origem aos três terminais do transistor bipolar: o emissor (E), a base (B) a o coletor (C) como apresentado na fig. 1.

Figura 1. Tipos de transistores bipolares: a)pnp; b)npn.

 As simbologias de circuito empregadas para ambos os transistores estão apresentadas na fig.2, onde o sentido de seta de emissor indica a sentido em que a corrente flui quando a junção de base-emissor (isto é, o diodo formado pela camada de material de base a pela camada de material de emissor) estiver polarizada diretamente. Note-se que por uma questão de convenção, as correntes são ditas positivas quando entrando no dispositivo (independentemente se npn ou pnp). Além disso, as tensões nos terminais (relativos ao terra ou ao terminal de referência do circuito) do transistor são indicadas por um único índice (C, B ou E). Logo, VE representa a tensão do terminal emissor do transistor em relação ao terminal de referência. A tensão entre dois terminais é indicada por dois Índices: VBE, por exemplo, representa a queda de tensão VB-VE, ou seja, a queda de tensão do terminal de base para o terminal de emissor do transistor.

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Figura 2. Símbolos de circuito para transistores bipolares: a)pnp; b)npn.

A representação física empregada na fig.1 Mostra que o emissor e o coletor são idênticos e portanto pode-se escolher qualquer uma das duas regiões como emissor ou coletor. Na prática, no entanto, a maioria dos transistores bipolares são construídos utilizando a estrutura planar da fig.3. Nesse caso, observa-se que o emissor é circundado pela base que, por sua vez, é circundada pelo coletor e portanto o emissor e o coletor perdem essa característica de serem idênticos e intercambiáveis.

 

Figura 3. construção de um transistor bipolar de junção do tipo npn empregando-se a tecnologia planar.

 3. MODELOS EQUIVALENTES PARA 0 TRANSISTOR BIPOLAR

Embora não seja objetivo desta disciplina aprofundar-se na teoria física de dispositivos eletrônicos, deve-se conhecer os aspectos físicos o melhor possível para que se possa compreender o comportamento de um transistor bipolar (ou qualquer outro dispositivo) quando empregado em um circuito eletrônico. Para esse fim, costuma-se substituir o transistor por um modelo elétrico (composto de resistores, capacitores, diodos a geradores de tensão/corrente vinculados ou não) equivalentes que descreve, do ponto de vista externo, o seu comportamento. Um modelo muito popular do transistor bipolar, que inclusive é o modelo básico empregado um simuladores de circuito como o SPICE, é o modelo de Ebers-Moll apresentado na fig.4, que nada mais é do que a representação das correntes internas do transistor apresentadas na fig. 1.

 

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Figura 4. Modelo de Ebers-Moll para o transistor bipolar: a)pnp; b) npn-

 Tomando-se como exemplo a fig. 1a e a fig.4a observa-se que a corrente IED (ICD) é a corrente que circula na junção base-emissor (base-coletor) se ela estiver diretamente polarizada e a corrente R.ICD ( F.IED) é a corrente que circula nessa mesma junção se a outra estiver diretamente polarizada (isso ocorre porque o comprimento da base é muito pequeno, de tal forma que quase toda a corrente da junção polarizada diretamente alcança a outra junção i.e., R F são menores que, mas próximos de 1 - essa interação entre as duas junções é conhecida como efeito transistor).

 Cada junção no transistor bipolar pode ser polarizada diretamente ou reversamente, dando origem a modos distintos de operação do transistor. Em particular, o modo de operação onde a junção base-emissor está diretamente polarizada e a junção base-coletor está reversamente polarizada, é de extremo interesse para este experimento.

Lembrando-se que a corrente em uma junção semicondutora é dada por:

  (1)

onde Is é a corrente de saturação reversa de junção, VJ é a tensão aplicada à junção (positiva se no sentido direto) e kT/q é aproximadamente igual a 26 mV a temperatura de operação (270C), baseado no modelo Ebers-Moll conclui-se que, por exemplo, para um transistor bipolar do tipo npn (fig.4b):

(2)

(3)

Como para o modo de operação de interesse VBE > V > 0 (V é a tensão de início de condução da junção) e VBC < 0 pode-se aproximar as express6es acima por:

(4)

(5)

 Ou seja, nesse modo de operando tem-se:

  (6)

 Como, para o transistor, IB + IC + IE = 0 então:

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  (7)

 É muito conveniente expressar-se IC a IE em termos de IB:

  (8)

  (9)

onde

(10)

 Para transistores encontrados na prática, 0,98 F 0,998, ou seja, 49 F 499. Isto quer dizer que, para um transistor bipolar operando com a junção B-E diretamente polarizada e a junção B-C reversamente polarizada, IC e IE são praticamente iguais, proporcionais a IB e muitas vezes ( F) maiores do que esta. Portanto, quando polarizado adequadamente, o transistor pode ser utilizado para amplificar correntes. Uma analise semelhante pode ser realizada para o caso em que a junção base-emissor está reversamente polarizada a junção base-coletor está diretamente polarizada. Essa análise da origem só parâmetro R (<< R), e o seu valor pode ser estimado considerando-se que na pratica situa-se em torno de 0,5 (lembre-se que o emissor e o coletor não são idênticos).

 Baseando-se nessas relações e não esquecendo qual nessa situação VBE é praticamente constante, pode-se estabelecer um novo modelo para o comportamento do transistor como apresentado na fig. 5. Observa-se que, neste caso, o transistor bipolar opera como uma fonte vinculada de corrente.

 

Figura 5. Modelo equivalente de um transistor bipolar quando a junção base-emissor está polarizada diretamente a junção base-coletor esta polarizada reversamente: a) pnp; b) npn.

 A curva característica mais importante de um transistor bipolar é a curva característica de saída, que apresenta a corrente de saída (normalmente IC) em função de tensão de saída (normalmente VCE) parametrizadas em relação a corrente ou tensão de entrada (normalmente IB ou VBE). Com a ajuda do modelo de fig.5 pode-se traçar no plano ICXVCE o comportamento do transistor para a região onde a junção base-emissor está diretamente polarizada e a junção base-coletor está reversamente polarizada, conhecida como região linear (já que IC é função linear de IB). Note que

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nesta situação VCE > V pois VCE = (VCB)+(VBE) = ( >0 ) + ( >V ). A fig.6 apresenta a família de curvas obtidas, que nada mais são do que as curvas de uma fonte vinculada de corrente.

 

 Figure 6. Comportamento do transistor bipolar de junção tipo npn na regido linear de operação: a) para o modelo proposto na fig.5b ; b) para um transistor real (BC547A).

 Comparando-se a fig.6a a fig.6b observa-se que, para o transistor real, quando IB = 0 tem-se IC = ICEO 0, diferentemente do previsto pela expresses (8). No entanto, isso era esperado considerando-se que para a construção do modelo da fig.5 (relacionado à expressão (8)) foi negligenciada a contribuição de segunda parcela da expressão (3), que é significativa justamente para pequenos valores IC. Assim, uma expressão mais precisa para IC seria:

  (11)

 onde ICEO é a corrente que flui do coletor para o emissor quando a base está aberta ("open"), isto é, quando IB=0. 0 valor de ICEO por sua vez, para um transistor bipolar real, pode ser dado por:

  (12)

 onde ICBO é a corrente que flui do coletor para a base quando emissor está aberto ("Open"), isto é, quando IE=0. 0 valor de ICBO a 250C é da ordem de dezenas de A para transistores de silício, e de alguns A para transistores de germânio. Um transistor de silício de baixa potência (<500mW) pode ser considerado "com fuga" quando ICBO>l0nA.

Note que, em um transistor real, quando IB=0 e IC=IE=ICEO, a junção base-emissor não está mais diretamente polarizada e portanto o transistor já não se encontra na sua região linear.

 Ainda por comparação da fig.6a com a fig.6b, observa-se que na região linear, para o transistor real, F (que é aproximadamente a razão ICn./IBn.) varia de acordo com o valor de ICn. Isso ocorre por que em um transistor real F não é constante, variando com a corrente IC, a tensão VBC e a temperatura. A variação de F com essas grandezas pode ser apreciada na fig.7.

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Figura 7. Variação de F com a corrente de coletor (IC) , com a

tensão de base-coletor (VBC) e com a temperatura para o modelo PSPICE do transistor BC547A

 No entanto, para valores fixos de IC, VBC e de temperatura a variação em F, devido às tolerâncias no processo de fabricação do transistor, é muito pequena, da ordem de ±0,1% (compare essa tolerância com a tolerância no valor de um resistor!). Essa pequeníssima variação em F tem um efeito pronunciado em F: suponha o caso do transistor BC547A, que para IC=20mA, VBC=10V, T=200C possui F = 0,995 e portanto F = 199. Se F sofrer uma variação de 0,I% então 0,994< F<0,996 e portanto 165< F<250, ou seja, tem-se uma variação de até 25% em F. Esse é o motivo pelo qual observam-se grandes variações nos valores de F para exemplares diversos de um dado tipo de transistor (p. ex. BC547A), como mostra a fig.8.

 

Figura 8. Dispersão no valor de F em função de IC para o transistor BC547A.

 0 comportamento de F observado na fig.7 e na fig.8 tem importância fundamental em projetos de circuitos empregando transistores bipolares: qualquer circuito que dependa de um valor exato de F para operar satisfatoriamente é um mau circuito.

A grandeza F é definida pela expressão (10). No entanto, pela facilidade de medida, os fabricantes de componentes introduziram uma nova grandeza chamada de DC ou hFE:

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  (13)

 que, pela expressão (11) , é praticamente igual a F na região linear de operação do transistor e por esse motivo na prática costuma-se referir a F ou hFE indistintamente:

  (14)

  

A f fig. 9 apresenta comportamento de hFE superposto ao comportamento de F em função de IC

para VBC e temperatura constantes.

 

Figura 9. Comportamento de hFE ( DC) e F em função de IC para o modelo PSPICE do transistor BC547A.

 Observando-se ainda a fig.6a e a fig.6b, percebe-se que mesmo para IB=IBN constante (na região linear) , IC varia levemente com VCE. Isso eqüivale a dizer que a fonte vinculada de corrente da fig. 5 não possui impedância infinita (dai a colocação na fig.5 de resistência RO) . Normalmente, o efeito dessa impedância finita pode ser desconsiderado durante o projeto de um circuito.

 4. MODOS DE OPERAÇÃO DE UM TRANSISTOR BIPOLAR

 0 transistor bipolar pode operar em outras regi6es al6m da região linear, bastando para isso polarizar as junção base-emissor e base-coletor de modos diferentes daquele exposto anteriormente. A fig.10a apresenta os possíveis modos de operação para um transistor bipolar do tipo npn considerando-se as polarizações VBE a VEC; a fig.10b apresenta as regiões da curva característica IC x VCE correspondentes a tais modos de operação. A tabela I apresenta as características a principais aplicações dos diversos modos de operação.

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Figura 10. a) Modos de operação para um transistor bipolar npn; b) Regiões da curva característica IC X VCE relacionadas aos modos de operação do transistor bipolar.

 Note-se que na tabela I a coluna polarização apresenta os valores de tensões práticos para os quais pode-se considerar um transistor bipolar de silício em cada uma das regiões citadas. Por exemplo, é claro que para VBC < 0 e para 0 < VBE < V o transistor bipolar npn encontra-se na região linear. No entanto, como para o caso de um diodo, se VBE < V na prática considera-se que a corrente que flui pela junção base-emissor não é apreciável e portanto a junção "não está" polarizada diretamente.

 TABELA I. Modos de operação do transistor bipolar, suas tensões de polarização para silício (V =0,5V), principais características a aplicações.

  

Modos de operação Polarização Principais Características e

  npn pnp Aplicações

REGIÃO LINEAR

Junção B-E diretamente polarizada

Junção C-B reversamente polarizada

VBE V

VBC 0

VCE>0,3

VEB V

VCB 0

VEC>0,3

Valem as expressões 8 e 9

IC é bas. função de IB

Única região de interesse na amplificação linear.

REGIÃO DE SATURAÇÃO

Junção B-E diretamente polarizada

Junção C-B diretamente polarizada

VBE>V

VBC>V

VCE 0,3

VEB>V

VCB>V

VEC 0,3

IC é bas. função de IB

O transistor se comporta como um curto-circuito

Região de interesse em circuitos de chaveamento

REGIÃO DE CORTE

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Junção B-E reversamente polarizada

Junção C-B reversamente polarizada

VBE V

VBC V

VEB V

VCB V

IC= IB= ICB0; IE=0

O transistor se comporta como um circuito aberto

Região de interesse em circuitos de chaveamento

REGIÃO REVERSA

Junção B-E reversamente polarizada

Junção C-B diretamente polarizada

VBE<V

VBC V

VCE>0,3

VEB<V

VCB V

VEc>0,3

Valem as expressões 8 e 9 substituindo-se R

Sem aplicação prática pois R é muito baixo entre 1 e 5 normalmente

  

5. CIRCUITOS DE POLARIZAÇÃO

 Como visto anteriormente, para polarizar o transistor bipolar na região linear deve-se impor tensões de base-coletor a base-emissor convenientes. 0 interesse pela polarização do transistor bipolar na região linear de operação pode ser compreendido a partir de fig.11 e da fig.12.

 

Figura 11. a) circuito gen6rico para o estudo do comportamento do transistor bipolar npn operando na região linear; b) circuito equivalente empregando o modelo do transistor bipolar npn para a região linear.

 Imagine que, na fig.11a, VBE > V e VBC < 0 (isto é VCE>V ). Portanto o transistor está operando na região linear e pode ser substituído pelo seu modelo para essa região, resultando no circuito de fig. 11b. Neste caso, ele se comporta entre os terminais de emissor a coletor como uma fonte de corrente vinculada a IB e, portanto, a curva característica de saída IC x VCE do transistor é aquela apresentada na fig.12b:

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Figura 12: a) Sinal IB de entrada em função do tempo; b)Sobreposição das características do transistor bipolar npn (segundo o modelo da fig. 11b) e da reta de carga imposta pelo circuito externo; c) Sinal IC de saída resultante em função do tempo.

 Observando-se a malha de saída do circuito em questão (fig. 11a) , composta por VCC, Rc e VCE

pode-se escrever que:

  (15)

 A expressão (15) nada mais é do que uma reta no plano IC X VCE, como mostrado na fig. 12b. Portanto, dado um Is tem-se um par (ICQ,VCEQ) univocamente determinado e que no plano IC X VCE

vai ser a intersecção da característica interna do transistor (referente a determinado IB) com a reta característica imposta pelo circuito externo. Por exemplo, o encontro da curva característica IC x VCE para IB3 com a reta imposta pelo circuito externo resulta no ponto (ICQ,VCEQ) assinalado na fig.12. 0 ponto assim determinado é freqüentemente denominado de ponto quiescente (PQ) e a reta característica imposta pelo circuito externo de reta de carga. Se IB variar lentamente no tempo, por exemplo de uma forma senoidal como mostrado na fig.12a, o ponto quiescente mover-se-á sobre a reta de carga correspondendo a novos pares (IC, VCE). A variação de IC

correspondente a variação de IB sugerida está apresentada na fig.12c. Observe que a forma de onda de IC, para este exemplo é uma reprodução fiel da forma de onda de Is (desde que o transistor se encontre na região linear de operação para qualquer valor IBN), só que hFE ( F) vezes maior. Pode ser verificado que a forma de onda de VCE, neste exemplo, também é uma reprodução fiel de forma de onda de IB. Portanto, se o transistor for polarizado na região ativa ele pode ser empregado como amplificador.

5.1 POLARIZAÇÃO IB CONSTANTE

 0 circuito de fig.13a apresenta uma forma bastante simples de polarizar o transistor bipolar adequadamente na região linear. Através dele pode-se fixar um valor de IB e portanto obter-se o correspondente par (IC,VCE) no saída, dai porque este circuito é chamado de circuito de polarização com IB constante. Note no entanto que existem duas grandezas (VBB e RB) que podem ser variadas e apenas uma grandeza a ser determinada (IB) já que VBE na região linear pode ser assumido constante. Como pode-se adotar qualquer valor para uma delas, por conveniência assume-se VBB = VCC, simplificando-se o circuito da fig.13a para o circuito de fig.13b.

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Figura 13: Circuito de polarização do tipo lE constante com a)duas fontes de tensão; b) com uma fonte de tensão.

Escrevendo-se a equação de malha de entrada para o circuito da fig.13b, obtém-se:

 

(16)

  (17)

 e portanto se VBE pode ser assumido constante, então IB também é constante. Além disso, como a malha de saída do circuito da fig.13b é a mesma do circuito da fig.11a, a expressão (15) é válida e IC pode ser calculado como sendo:

  (18)

 Um requisito essencial de um circuito de polarização é manter o par (IC,VCE) (isto é, o ponto quiescente) o mais constante possível quanto a variações indesejáveis. isso significa que o circuito de polarização deve absorver quaisquer variações nos parâmetros envolvidos, sejam elas causadas per tolerâncias de fabricação (resistores, F, VBE), por envelhecimento de componentes (resistores e transistores) ou por alterações de temperatura (resistores, F, VBE ou ICEO).

 Quando se analisa um circuito quanto a sua estabilidade é interessante ter-se em mente qual é a variação típica de cada parâmetro. A tabela II apresenta essas variações para diversos componentes encontrados no mercado (para que um circuito seja confiável, no momento de especificação dos componentes, deve-se consultar o manual do fabricante, mesmo para resistores e capacitores).

Tabela II. Variação típica de parâmetros para capacitores, resistores e transistores bipolares de silício.

 FONTE DE CAPACITORES RESISTORES DE TRANSISTORES DE SILICIO

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VARIARAO DIVERSOS CARBONO

TOLERÂNCIA DE FABRICAÇÃO

ELET.: -10/+80%

TANI.: ±20%

CER.: ±10% ±5%

POL.: ±20% ±1O%

5%

ICBO: <l0 nA (25'C)

hFE: ±25%

VBE: ±80mv

TEMPERATURA

(K Kelvin)

ELET.: +3.10-3 /K

TANT.: +1.10-3 /K.

CER.: ±3.10-4 /K

POL.: +3.10-4 /K

-3.10- 4/K

ICBO: dobra a cada aumento de 10OC.

hFE: aumenta 0,67%/OC Vdiminui 2,5mV/OC

  

Portanto, é interessante observar o comportamento do circuito de polarização IB constante apresentado acima quanto a essas variações.

 Em primeiro lugar, suponha que o circuito da fig.13.b possua VCC=20V, que o transistor (de silício e portanto VBE 0,65V na região linear) empregado possua F=50 e o par (ICQ,VCEQ) desejado seja (5mA,5V). Aplicando-se a expresso (18) obtém-se RC=(20-0,65)/5mA=3K . Além disso, como IB = IC/ F = 5mA/50 = 100 A, empregando-se a expressão (17) obtém-se RB=(20-0,65)/100 A) 190k . 0 circuito IB constante obtido está apresentado na fig.14:

 

Figura 14: Circuito de polarização IB constante para um transistor com F=50 e um par (ICQ,VCEO) desejado de (5mA,5V) .

 

Para analisar a estabilidade desse circuito de polarização IB constante deve-se empregar a expressão (16) e as expressões (11) e (12) (que são adequadas para avaliar a influência de lCBO

na estabilidade do ponto quiescente). Então, pode-se escrever que:

(19)

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Logo a sensibilidade do valor de IC face à cada variável será:

(20)

  (21)

  (22)

  (23)

 Considerando-se as tolerâncias típicas de fabricação de tabela II e uma variação de temperatura de +100OC (note que esta variação é razoável, ao menos para o transistor, uma vez que o que importa é a temperatura atingida pelo componentes durante a operação), tem-se que:

  

(24)

  

Note que neste caso é melhor considerar lC como sendo a soma algébrica das variações em IC

devidas a ICBO, VBE, F e RB uma vez que essas variações têm uma fonte comum predominante, que é a temperatura, e portanto as contribuições em IC não são independentes entre si. Calculando-se os termos:

  (25)

  (26)

  (27)

 

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(28)

 e portanto:

 

(29)

 

(30)

Isto é, considerando-se um aumento de temperatura de 1000C ,e variações típicas, IC real pode variar em aproximadamente 100% do previsto !

 Empregando-se a expressão (18) pode-se fazer uma análise semelhante quanto a variação de VCE.

 Observando-se atentamente a expressão (30), nota-se que a maior parte da variação em IC é introduzida por F e ICBO. Isto era esperado pois pela expressão (11) manter IB constante garante que IC constante desde que F constante, o que não é razoável, e desde que ICEO, ou ( F+1)ICBO, seja desprezível, o que pode não ser verdade se a temperatura de operação é maior que a ambiente.

 Portanto, manter IB constante não é uma boa prática do ponto de vista de estabilidade do ponto quiescente (IC,VCE) (tanto quanto variações de temperatura quanto a tolerâncias em F, como atesta expressão (30). Na verdade, deve-se permitir que IB varie para compensar variações em outros parâmetros de tal forma a manter o ponto quiescente constante.

 

5.2 POLARIZAQAO IE CONSTANTE

0 circuito da fig.15 pode ser utilizado para melhorar a estabilidade do ponto quiescente. Observa-se que nesse circuito, caso IC tende a aumentar - por exemplo devido só aumento de ICBO com a temperatura - a corrente em RE tende a aumentar. Como conseqüência do aumento de queda de tensão em RE a corrente IB diminui (supondo-se em primeira análise VBE constante). Portanto, IC

aumentará menos do que deveria aumentar se não existisse o resistor RE. Como na verdade este circuito procura manter IE constante ele é conhecido como circuito de polarização IE constante.

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Figura 15. Circuito de polarização IE constante

 0 circuito de fig.15 deve ser analisado mais detalhadamente para se apreciar a sua estabilidade. Conclui-se facilmente analisando-se as malhas de saída e de entrada que:

  (31)

  (32)

  

ou então, observando-se que IRE=IC+IB e aplicando-se as expressões (11) e (12):

  (33)

 ou:

 (34)

 e IC pode então ser expresso por:

  (35)

 Logo a sensibilidade do valor de IC face a ICB0, para o circuito de polarização IE constante serão:

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  (36)

  

Pode-se destacar duas condições extremas para essa expressão:

 se isto é : (37)

 

se : (38)

  Observe-se que a expressão (37) nada mais é do que a expressão (20), obtida para o circuito de polarização IB constante, e a expressão (38) apresenta intrinsecamente uma condição de melhoria de estabilidade .

 A sensibilidade do valor de IC face a VBE, para o circuito de polarização IE constante será:

  (39)

 que, novamente, se e se , reduz-se a:

 

(40)

 

Por sua vez, a sensibilidade do valor de IC face a F, para o circuito de polarização IC constante, será dada pela expressão (41), obtida após a diferenciarão e alguma manipulação matemática:

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  (41)

  

que, se e se :

 

(42)

 Já as sensibilidades de IC com relação a RB e RE podem ser expressas como:

  

 

(43)

  (44)

 Considerando-se o exemplo anterior, onde (IC,VCE) = (5mA,5V), F=50, Vcc=20V obtêm-se, empregando a expressão (31), que RC+RE = Adotando-se RE = 2,5K e como, para garantir uma boa estabilidade deseja-se RE >> RB/( F+1), ou RB<<RE.( F+1), adotou-se RB=lOK. Assim, das express5es (32), (36), (39), (41), (43) a (44):

 

(45)

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 que, utilizando-se os resultados das expressões (25) a (28) devidamente adaptada para o novo RB a para RE, resulta em:

 

(46)

 Portanto, para o circuito de polarização IE constante a variação esperada em IC é da ordem de 15% (compara-se com o valor de 100% do circuito de polarização IB constante!).

 No circuito de polarização IE constante, a expressão (46) mostra que a precisão no valor de RE

torna-se muito importante, sugerindo que, para aplicações críticas, utiliza-se um resistor de maior precisão (1% por exemplo). Essa forte dependência é causada por que o resistor RE é visto pela malha de entrada como se fosse de um valor ( F+1)RE.

 Da mesma forma que no caso do circuito de polarização IB constante, é possível empregar-se apenas uma fonte de alimentação para o circuito IE constante. Para isso, deve-se observar que o circuito da fig.16a é equivalente ao circuito da fig.16b aplicando-se o teorema de Thevenin.

 

Figure 16: Circuito de polarização IE constante com: a) duas fontes de tensão; b) apenas uma fonte de tensão.

 Para que a equivalência dos circuitos da fig.16 seja válida, é necessário que:

  (47)

  (48)

 

 6. PROCEDIMENTO PARA PROJETO DE CIRCUITOS DE POLARIZAÇÃO

 Os circuitos de polarização têm como finalidade impor um par (ICQ,VCEQ) quiescente ao transistor, como explicado anteriormente por meio de fig.12b. Normalmente, o valor de ICQ é fornecido diretamente, ou então por meio de regras práticas como "adote ICQ como 10% do valor de ICmáx. suportado pelo transistor". Por outro lado, VCEQ não costuma ser fornecido. 0 que se faz, na prática, é adotar VCEQ=VCC/2 de tal forma que, pela fig.12b, o ponto quiescente encontre-se no

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meio da reta de carga. Nota-se que com esse procedimento, obtêm-se a máxima excursão possível Para o sinal le da fig.12a sem que o transistor saia da região linear.

 6.1 CIRCUITO IB CONSTANTE

0 projeto de um circuito de polarização IB constante resume-se em determinar os valores de RB a RC (fig.13b), uma vez que VCC normalmente é fixado em valores facilmente obtidos (por meio de baterias ou reguladores de tensão). Assim, dado um par (ICQ,VCEQ) utiliza-se as expressões (18) a (17) para determinar RC a RB, e a seguir, as expressões (20) a (28) para avaliar a estabilidade do circuito.

 Por exemplo, suponha que se deseja projetar um circuito de polarização IB constante tal que ICQ=5mA e VCC=10V. Como nada foi dito a respeito de VCEQ adota-se VCEQ=VCC/2=5V. Assim, pela expressão (18) tem-se:

  (49)

 Para a escolha inicial do transistor, deve-se observar que o mesmo suporta uma corrente IC pelo menos 10 vezes maior que ICQ, que VCEmáx. do transistor seja maior que VCC e que Pmáx(potência máxima) do transistor seja maior que VCC

2/(4.Rc). No caso do exemplo citado pode-se escolher tranqüilamente um transistor com lCmáx.=200mA, VCEmáx=50V e Pmáx=300mW, tal como o transistor BC547A (características em anexo). Pela curva hFE x IC desse transistor, observa-se que hFE 200 para lC=5mA (note que o fabricante fornece esses dados apenas para temperatura de junção de 250C e VCE=5V, que é o caso deste exemplo. Se os dados de manual não fornecerem as características para um caso particular de interesse, adota-se as características fornecidas mais próximas das do projeto). Assim, como o transistor deve estar na região linear de operação:

  (50)

 Como na região linear VBE 0,6V (embora não seja necessário, pode-se extrair um valor mais preciso para VBE por meio da curva VBE x IC fornecida pelo fabricante), pela expressão (17) tem-se:

  (51)

  Supondo-se que a junção do transistor possa atingir 350C e que os resistores permaneçam a temperatura ambiente (note que o fabricante normalmente fornece as resistências térmicas dos componentes e como utiliza-las) a considerando que ICB0 5 A (dado do fabricante), empregando-se as expressões (20) a (28) e a tabela II conclui-se que:

(52)

Observa-se, pela composição de expressão (52) que o valor de ICB0 fornecido pelo fabricante é extremamente elevado, comprometendo o desempenho do circuito de polarização IB constante.

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 6.2 CIRCUITO IE CONSTANTE

 Neste caso, dado um par (ICQ,VCEQ) deve-se determinar R1, R2, RE e RC (fig.15) empregando-se as expressões (31), (32), (47) o (48) e verificar a estabilidade do ponto quiescente de acordo com as expressões (38), (40), (42), (43) a (44), impondo-se que RE>>RB/( F+1) .

 Para o exemplo anterior, considerando-se novamente o ponto quiescente como (5mA,5V), VCC=I0V e o transistor BC547A (hFE 2OO e IC=5mA), obtém-se pela expressão (31) que:

  (53)

 

 Esses parâmetros podem ser visualizados no plano ICxVCE através de reta de carga CC da fig. 17:

 

Figura 17: Visualização da reta de carga CC Para o PQ proposto.

 

Além disso, deve-se impor que RE>>RB/201. Por razões que ficarão claras no experimento "Amplificador de Pequenos Sinais.- a que estão ligadas só desempenho do circuito Para freqüências alternadas, não é conveniente adotar-se RB<10K nem fazer-se RC muito pequeno (na prática adota-se 2RE RC 5RE). Neste exemplo será adotado RB = 10K e portanto RE>>50. Devido a essas considerações é razoável adotar-se RE=400 e RC=600 ). Pela expressão (32) tem-se que:

  (54)

 

Por outro lado, pelas expressões (47) e (48):

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  (55)

e

(56)

Logo R1 35K e R2=14K .

 Empregando-se as expressões (38), (40), (42) a (44) para análise de estabilidade do circuito, pode-se concluir que:

 (57)

 Assim, o circuito de polarização IE constante completo será:

 

Figura 18: Circuito de polarização IE constante para o PQ proposto

 Portanto o circuito de polarização IE constante, do ponto de vista de estabilidade, pode ser considerado adequado para este exemplo.