Poesias

8
Noite morta Manuel Bandeira Noite morta. Junto ao poste de iluminação Os sapos engolem mosquitos. Ninguém passa na estrada. Nem um bêbado. No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras. Sombras de todos os que passaram. Os que ainda vivem e os que já morreram. O córrego chora. A voz da noite . . . (Não desta noite, mas de outra maior.)

description

Poesias

Transcript of Poesias

Noite morta Manuel Bandeira

Noite morta.Junto ao poste de iluminaoOs sapos engolem mosquitos.

Ningum passa na estrada.Nem um bbado.

No entanto h seguramente por ela uma procisso de sombras.Sombras de todos os que passaram.Os que ainda vivem e os que j morreram.

O crrego chora.A voz da noite . . .

(No desta noite, mas de outra maior.)MUNDO PEQUENO

MANUEL DE BARROS

O mundo meu pequeno, Senhor.Tem um rio e um pouco de rvores.Nossa casa foi feita de costas para o rio.Formigas recortam roseiras da av.Nos fundos do quintal h um menino e suas latasmaravilhosas.Todas as coisas deste lugar j esto comprometidascom aves.Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, osbesouros pensam que esto no incndio.Quando o rio est comeando um peixe,Ele me coisaEle me rEle me rvore.De tarde um velho tocar sua flauta para inverteros ocasos.

Conheo de palma os dementes de rio.Fui amigo do Bugre Felisdnio, de Igncio Rayzamae de Rogaciano.Todos catavam pregos na beira do rio para enfiarno horizonte.Um dia encontrei Felisdnio comendo papel nas ruasde Corumb.Me disse que as coisas que no existem so maisbonitas.

CANO DO EXLIO

GONALVES DIAS

Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabi;As aves, que aqui gorjeiam,No gorjeiam como l.

Nosso cu tem mais estrelas,Nossas vrzeas tm mais flores,Nossos bosques tm mais vida,Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, noite,Mais prazer encontro eu l;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabi.

Minha terra tem primores,Que tais no encontro eu c;Em cismar sozinho, noite Mais prazer encontro eu l;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabi.

No permita Deus que eu morra,Sem que eu volte para l;Sem que desfrute os primoresQue no encontro por c;Sem qu'inda aviste as palmeiras,Onde canta o Sabi.

A esperana

Augusto dos Anjos

A Esperana no murcha, ela no cansa,Tambm como ela no sucumbe a Crena.Vo-se sonhos nas asas da Descrena,Voltam sonhos nas asas da Esperana.

Muita gente infeliz assim no pensa;No entanto o mundo uma iluso completa,E no a Esperana por sentenaEste lao que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,Sirva-te a crena de fanal bendito,Salve-te a glria no futuro - avana!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,Tambm espero o fim do meu tormento,Na voz da morte a me bradar: descansa!

Quase

Mrio de S Carneiro

Um pouco mais de sol - eu era brasa,

Um pouco mais de azul - eu era alm.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa...

Se ao menos eu permanecesse aqum...

Assombro ou paz? Em vo... Tudo esvado

Num grande mar enganador de espuma;

E o grande sonho despertado em bruma,

O grande sonho - dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,

Quase o princpio e o fim - quase a expanso...

Mas na minh'alma tudo se derrama...

Entanto nada foi s iluso!

De tudo houve um comeo ... e tudo errou...

Ai a dor de ser quase, dor sem fim...

Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,

Asa que se elanou mas no voou...

Uma Amiga Antero de Quental

Aqueles que eu amei, no sei que vento

Os dispersou no mundo, que os no vejo...

Estendo os braos e nas trevas beijo

Vises que a noite evoca o sentimento...

Outros me causam mais cruel tormento

Que a saudade dos mortos... que eu invejo...

Passam por mim... mas como que tem pejo

Da minha soledade e abatimento!

Daquela primavera venturosa

No resta uma flor s, uma s rosa...

Tudo o vento varreu, queimou o gelo!

Tu so foste fiel - tu, como dantes,

Inda volves teus olhos radiantes...

Para ver o meu mal... e escarnec-lo!