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Organizadora Gleicienne Fernandes Poesia feminina de língua inglesa: Dickinson, Plath e Moore Belo Horizonte FALE/UFMG 2010

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poemas de diversas poetisas americanas/inglesas

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OrganizadoraGleicienne Fernandes

Poesia femininade língua inglesa:Dickinson,Plath e Moore

Belo Horizonte

FALE/UFMG

2010

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Diretor da Faculdade de LetrasLuiz Francisco Dias

Vice-DiretoraSandra Bianchet

Comissão editorialEliana Lourenço de Lima ReisElisa Amorim VieiraLucia Castello BrancoMaria Cândida Trindade Costa de SeabraMaria Inês de AlmeidaSônia Queiroz

Capa e projeto gráfi coGlória CamposMangá – Ilustração e Design Gráfi co

Revisão e normalizaçãoLibni Meireles Duarte

FormataçãoJosé Celestino

Revisão de provasUgleivisson CunhaCláudio de Aquino

Endereço para correspondênciaFALE/UFMG – Setor de PublicaçõesAv. Antônio Carlos, 6627 – sala 2015A31270-901 – Belo Horizonte/MGTelefax: (31) 3409-6007e-mail: [email protected]

Sumário

Emily Dickinson

The dying need but little, dear, . 6Quem morre, meu bem, pouco precisa . 7Tradução de Fernanda Mourão

I never saw a moor . 8Nunca vi um campo de urzes . 9Traduzido por Manuel Bandeira

Yesterday is history . 10Ontem é história . 11Traduzido por Augusto de Campos

The pedigree of honey . 12Não interessa à abelha . 13Traduzido por José Lira

Sylvia Plath

Ariel . 16Ariel . 17Traduzido por Rodrigo Garcia Lopes& Maria Cristina Lenz de Macedo

Barren woman . 18Mulher estéril . 19Traduzido por Rodrigo Garcia Lopes& Maria Cristina Lenz de Macedo

The other . 20A outra . 21Traduzido por Rodrigo Garcia Lopes& Maria Cristina Lenz de Macedo

The moon and the yew tree . 24A lua e o teixo . 25Traduzido por Rodrigo Garcia Lopes& Maria Cristina Lenz de Macedo

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Emily Dickinson>>

Marianne Moore

To the peacock of France . 28Ao pavão da França . 29Traduzido por José Antônio Arantes

The fi sh . 30Os peixes . 31Traduzido por José Antônio Arantes

No swan so fi ne . 34Não há cisne tão lindo . 35Traduzido por José Antônio Arantes

To a snail . 36A um caracol . 37Traduzido por José Antônio Arantes

Vida e obra

Um estudo sobre a poesia feminina . 39Libni Meireles Duarte

Ensaio

Tradução de Poesia . 47Cláudio de Aquino

Referências . 53

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6 . Emily Dickinson Emily Dickinson . 7

Quem morre, meu bem, pouco precisa

Tradução de Fernanda Mourão

Quem morre, meu bem, pouco precisaUm Copo d’Água é o bastante, e tambémA face discreta da FlorA pontuar a Estandarte

Um Leque, talvez, o Pesar de um AmigoE a Certeza que alguémNão verá cor no Arco-írisQuando estiveres além.

The dying need but little, dear,

The Dying need but little, Dear,A Glass of Water’s all,A Flower’s unobtrusive FaceTo Punctuate the Wall,

A Fan, perhaps, a Friend’s RegretAnd Certainty that oneNo color in the RainbowPerceive, when you are gone.

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8 . Emily Dickinson Emily Dickinson . 9

Nunca vi um campo de urzes

Traduzido por Manuel Bandeira

Nunca vi um campo de urzes.Também nunca vi o mar.No entanto sei a urze como é,Posso a onda imaginar.

Nunca estive no Céu,Nem vi Deus. TodaviaConheço o sítio como seTivesse em mãos um guia.

I never saw a moor

I never saw a Moor –I never saw the Sea –Yet know I how the Heather looksAnd what a Billow be.

I never spoke with GodNor visited in Heaven –Yet certain am I of the spotAs if the Checks were given -

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10 . Emily Dickinson Emily Dickinson . 11

Ontem é história

Traduzido por Augusto de Campos

Ontem é HistóriaMas está tão longe -Ontem é Poesia -É Filosofi a -

Ontem é mistério -Mas onde está Hoje?Mal especulamosO tempo nos foge.

Yesterday is history

Yesterday is History,‘Tis so far away –Yesterday is Poetry –‘Tis Philosophy

Yesterday is mystery –Where it is TodayWhile we shrewdly speculateFlutter both away

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12 . Emily Dickinson Emily Dickinson . 13

Não interessa à abelha

Traduzido por José Lira

Não interessa à AbelhaSe o Mel tem dinastia –Nem a linhagem do ÊxtaseÀ Borboleta vaiDeter na etérea BuscaDe Algo imperceptível –Poder à TrípoliÉ mais essencial –

Não interessa à AbelhaSe o Mel tem Dinastia –Um Trevo, sempre, para ela,É Aristocracia.

The pedigree of honey

The pedigree of HoneyDoes not concern the bee,Nor lineage of EcstasyDelay the Butterfl yOn spangle journeys to the peakOf some perceiveless Thing –The right of way to TripoliA more essential thing –

The Pedigree of HoneyDoes not concern the Bee –A Clover, any time, to him,Is Aristocracy.

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Sylvia Plath>>

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16 . Sylvia Plath Sylvia Plath . 17

ArielTraduzido por Rodrigo Garcia Lopes& Maria Cristina Lenz de Macedo

Estase no escuro.E um fl uir azul sem substânciaDe rochedos e distâncias.

Leoa de Deus,Como nos unimos,Eixo de calcanhares e joelhos! – O sulco

Divide e passa, irmão doArco castanhoDo pescoço que não posso abraçar,

OlhinegrasBagas lançam escurosGanchos –

Goles de sangue negro e doce,Sombras.Algo mais

Me arrasta pelos ares –Coxas, pelos;Escamas de meus calcanhares.

GodivaBranca, me descasco –Mãos mortas, asperezas mortas.

E agoraEspumo com o trigo, um brilho de mares.O choro da criança

Dissolve-se no muroE euSou a fl echa,

Orvalho que avança,Suicida, e de uma vez avançaContra o olho

Vermelho, fornalha da manhã.

Ariel

Stasis in darkness.Then the substanceless bluePour of tor and distances.

God’s lioness,How one we grow,Pivot oh heels and knees! – The furrow

Splits and passes, sister toThe brown arcOf the neck I cannot catch,

Nigger – eyeBerries cast darkHooks-

Black sweet blood mouthfuls,ShadowsSomething else

Hauls me through air –Things, hair;Flakes from my heels.

WhiteGodiva, I unpeel –Dead hands, dead stringencies.

And now IFoam to wheat, a glitter of seas.The child’s cry

Melts in the wallAnd IAm the arrow,

The dew that fl iesSuicidal, at one with the driveInto the red

Eye, the cauldron of morning.

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18 . Sylvia Plath Sylvia Plath . 19

Mulher estéril

Traduzido por Rodrigo Garcia Lopes& Maria Cristina Lenz de Macedo

Vazia, ecôo até o mínimo passo,Museu sem estátuas, grandioso, com pilares, pórticos, rotundas,Em meu pátio uma fonte salta e mergulha em si mesma,Casta e cega para o mundo. Lírios de mármoreExalam sua palidez feito o perfume.

Me imagino com um grande público,Mãe de uma branca Nike vários Apolos de olhos nus.Em vez disso, os mortos me ferem com atenções, nada pode acontecer.A lua pousa a mão em minha testa,Pálida e silenciosa como uma enfermeira.

Barren woman

Empty, I echo to the least football,Museum without statues, grand with pillars, porticoes, rotundas,In my courtyard a fountain leaps and sinks back into itself,Nun-hearted and blind to the world. Marble liliesExhale their pallor like scent.

I imagine myself with a great public,Mother of a white Nike and several bald-eyed Apollos.Instead, the dead injure me with attentions, and nothing can happen.The moon lays a hand on my forehead,Blank-faced and num as a nurse.

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20 . Sylvia Plath Sylvia Plath . 21

A outra

Traduzido por Rodrigo Garcia Lopes& Maria Cristina Lenz de Macedo

Você chega tarde, limpando os lábios.O que deixei intocado no degrau da entrada –

Branca Nike,Flutuando entre minhas paredes?

Sorridente, o relâmpago azulAssume, como um gancho, o peso de suas partes.

A polícia te adora, você confessa tudo.Cabelo brilhante, sapato preto, velho plástico,

Minha vida é assim tão intrigante?É para isso que você abre bem os olhos?

É por isso que as moléculas partem?Não são moléculas, são glóbulos.

Abra sua bolsa. Que mau cheiro é este?É seu tricô, ativamente

Enrolando-se nele mesmo,São seus doces grudentos.

Tenho sua cabeça em minha parede.Cordões umbilicais, vermelhos, azuis, reluzentes,

Guincham em minha barriga como fl echas, e nelas cavalgo.Oh, brilho da lua, oh, doente,

Os cavalos roubados, as fornicaçõesCircundam um ventre de mármore.

Onde vai vocêQue chupa o ar como milhagens?

The other

You come in late, wiping your lips.What did I leabe untouched on the doorstep –

White Nike,Streaming between my walls?

Smilingly, blue lightningAssumes, like a meathook, the burden of his parts.

The police love you, you confess everything.Bright hait, shoe-black, old plastic,

Is my life so intriguing?Is it for this you widen your eye-rings?

Is it for this the air motes depart?They are not air motes, they are corpuscles.

Open your handbag. What is that bad smell?It is your knitting, busily

Hooking itself to itself,It is your sticky candies.

I have your head on my wall.Navel cords, blue-red and lucent,

Shriek from my belly like arrows, and these I ride.O moon-glow, o sick one,

The stolen horses, the fornicationsCircle a womb of marble.

Where are you goingThat you suck breath like mileage?

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22 . Sylvia Plath Sylvia Plath . 23

Sulphurous adulteries grieve in a dream.Cold glass, how you insert yourself

Between myself and myself.I scratch like a cat.

The blood that runs is dark fruit –An effect cosmetic.

You smile.No, it is not fatal.

Adúlteros sulfurosos sofrem em sonho.Vidro frio, como você se insere

Entre mim e mim.Eu arranho feito gato.

O sangue que verte é fruto escuro –Um efeito, um cosmético.

Você sorri.Não, não é fatal.

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24 . Sylvia Plath Sylvia Plath . 25

The moon and the yew tree

This is the light of the mind, cold and planetary.The trees of the mind are black. The light is blue.The grasses unload their griefs on my feet as if I were God,Prickling my ankles and murmuring of their humility.Fumey, spirituous mists inhabit this placeSeparated from my house by a row of headstones.I simply cannot see where there is to get to.

The moon is no door. It is a face in its own right,White as a knucle ant terrible upset.It drags the sea after it like a dark crime; it is quietWith the O-gape of complete despair. I live here.Twice on Sunday, the bells startle the sky ----Eight great tongues affi rming the Resurrection.At the end, they soberly bong out their names.

The yew tree points up. It has a Gothic shape.The eyes lift after it and fi nd the moon.The moon is my mother. She is not sweet like Mary.Her blue garments unloose small bats and owls.How I would like to believe in tenderness ---The face of the effi gy, gentled by candles,Bending, on me in particular, its mild eyes.

I have fallen a long way. Clouds are fl oweringBlue and mystical over the face of the stars.Inside the church, the saints will be all blue,Floating on their delicate feet over the cold pews,Their hands and faces stiff with holiness.The moon sees nothing of this. She is bald and wild.And the message of the yew tree is blackness ---- blackness and silence.

A lua e o teixo

Traduzido por Rodrigo Garcia Lopes& Maria Cristina Lenz de Macedo

Esta é a luz do espírito, fria e planetária.As árvores do espírito são negras. A luz é azul.As ervas descarregam o seu pesar a meus pés como se eu fosse Deus,picando-me os tornozelos e sussurrando a sua humildade.Destiladas e fumegantes neblinas povoam este lugarque uma fi la de lápides separa da minha casa.Só não vejo para onde ir.

A lua não é uma saída. É um rosto de pleno direito,branco como o nó dos nossos dedos e terrivelmente perturbado.Arrasta o mar atrás de si como um negro crime; está mudocom os lábios em o devido a um total desespero. Vivo aqui.Por duas vezes, ao domingo, os sinos perturbam o céu:oito línguas enormes confi rmando a Ressurreição.Por fi m, fazem soar os seus nomes solenemente.

O teixo aponta para o alto. Tem uma forma gótica.Os olhos seguem-no e encontram a lua.A lua é minha mãe. Não é tão doce como Maria.As suas vestes azuis soltam pequenos morcegos e mochos.Como gostaria de acreditar na ternura...O rosto da efígie, suavizado pelas velas,é, em particular, para mim que desvia os olhos ternos.

Caí de muito longe. As nuvens fl orescem,azuis e místicas sobre o rosto das estrelas.No interior da igreja, os santos serão todos azuis,pairando com os seus pés frágeis sobre os bancos frios,as mãos e os rostos rígidos de santidade.A lua nada disto vê. É calva e selvagem.E a mensagem do teixo é negra: negra e silêncio.

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Marianne Moore>>

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28 . Marianne Moore Marianne Moore . 29

To the peacock of France

In “taking charge of your possessions when you saw them” you became a[golden jay.

Scaramouche said you charmed his charm away,but not his color? Yes, his color when you liked.Of chiseled setting and black-opalescent dye,you were the jewelry of sense;of sense, not license; you but trod the paceof liberty in market-placeand court. Molière,the huggermugger repertory of your fi rst adventure, is your own affair.“Anchorites do not dwell in theatres”, and peacocks do not fl ourish in a cell.

Why make distinctions? The results were wellwhen you were on the boads; nor were your triumphs boughtat horrifying sacrifi ce of stringency.You hated sham; you ranted upand down through the conventions of excess;nor did the King love you the lessnor did the world,in whose chief interest and for whose spontaneous delight, your broad tail

[was unfurled.

Ao pavão da França

Traduzido por José Antônio Arantes

Ao “cuidar de seus bens assim que os avistou”, tornou-se um papagaio de[ouro.

Disse o bufão que seu encanto o encanto dele roubou,mas não a cor? A cor, sim, quando lhe agradava.Do cenário esculpido e do corante negro-opalescente,você era a joia do senso;senso, não licença; só seguiu a esteirada liberdade na feirae na corte. Moliére,o repertório confuso de sua primeira aventura, é seu próprio affaire.“Anacoretas não moram em teatros”, e pavões não fl orescem em cela.

Por que motivo fazer distinções? O resultado erabom se você estava no palco; nem seus êxitosforam conseguidos com o horrível sacrifício da premência.Odiava a impostura; dava-sea discursos pela convenção do excesso;do rei teve o amor expresso,ou do mundo, em benefíciodo qual, e para o espontâneo deleite do qual, sua vasta cauda abriu-se.

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30 . Marianne Moore Marianne Moore . 31

The fi sh

WadeThrough black jade.of the crow-blue mussel-shells, one keepsadjusting the ash-heaps;opening and shutting itself like

aninjured fan.The barnacles which encrust the sideof the wave, cannot hidethere for the submerged shafts of the

sun,split like spunglass, move themselves with spotlight swiftnessinto the crevices- in and out, illuminating

theturquoise seaof bodies. The water drives a wedgeof iron through the iron edgeof the cliff; whereupon the stars,

pinkrice-grains, ink-bespattered jelly-fi sh, crabs like greenlilies, and submarinetoadstools, slide each on the other.

Allexternalmarks of abuse are present on thisdefi ant edifi ce-all the physical features of

Os peixes

Traduzido por José Antônio Arantes

vade-ando negro jade.Das conchas azul-corvo um mariscosó ajeita os montes de cisco;no que vai se abrindo e fechando

é quenem ferido leque.Os crustáceos que incrustam o fl ancoda onda ali não encontram canto,porque as setas submersas do

sol,vidro em fi bras sol-vidas, passam por dentro das gretascom farolete ligeireza –iluminando de vez em

vezo oceano turquêsde corpos. A correnteza cravana quina férrea da fragauma cunha de ferro; e estrelas,

grãosde arroz róseos, mães-d’água tintas, siris que nem líriosverdes e fungos submarinosvão deslizando uns sobre os outros.

Asmarcas externasde mau-trato estão todas presentesneste edifício resistente –todo resquício material

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32 . Marianne Moore Marianne Moore . 33

ac-cident -lackof cornice, dynamite grooves, burns, andhatchet strokes, these things standout on it; the chasm-side is

dead.Repeatedevidence has proved that it can liveon what can not reviveits youth. The sea grows old in it.

de a-cidente – ausênciade cornija, machadadas, queima esulcos de dinamite – teima emressaltar; já não é o que era

cova.Repetida provademonstrou que ele pode viverdo que não pode reviverseu viço. O mar nele envelhece.

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34 . Marianne Moore Marianne Moore . 35

No swan so fi ne

“No water so still as thedead fountains of Versailles.” No swan,with swart blind look askanceand gondoliering legs, so fi neas the chintz china one with fawn-brown eyes and toothed goldcollar on to show whose bird it was.

Lodged in the Louis Fifteenthcandelabrum-tree of cockscomb-tinted buttons, dahlias,sea-urchins, and everlastings,it perches on the branching foamof polished sculpturedfl owers – at ease and tall. The king is dead.

Não há cisne tão lindo

Traduzido por José Antônio Arantes

“Não há água tão quieta quanto asfontes mortas de Versailles.” Não há cisne,de olhar cego bistre oblíquoe pernas gondoleantes, tão lindoquanto o de louça com chintz,de olhos cor de corça e coleirade ouro denteada a indicar de quem foi.

Alojado no candelabro deLuís XV, com botões no matiz decrista-de-galo, com dálias,ouriços-do-mar e sempre-vivas,no mar de ramalhetes depolidas e esculpidas fl oresele pousa livre e altivo. O rei é morto.

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36 . Marianne Moore Marianne Moore . 37

To a snail

If “compression is the fi rst grace of style”,you have it. Contractility is a virtueas modesty is a virtue.It is not the acquisition of any one thingthat is able to adorn,or the incidental quality that occursas a concomitant of something well said,that we value in style,but the principle that is hid:in the absence of feet, “ a method of conclusions”;“a knowledge of principles”,in the curious phenomenon of your occipital horn.

A um caracol

Traduzido por José Antônio Arantes

Se “compressão é a graça principal do estilo”,você a tem. Contratilidade é uma virtudecomo modéstia é uma virtude.Não é a aquisição de uma coisa qualquercapaz de enfeitar,ou a propriedade acidental que ocorrecomo complemento de algo bem dito,que prezamos no estilo,mas o princípio oculto:na ausência de pés, “um método de conclusões”;“um conhecimento de princípios”,no curioso fenômeno de sua antena occipital.

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Um estudo sobre a poesia feminina

Libni Meireles Duarte

A organização deste caderno Viva Voz surgiu da constatação de que não há no Brasil uma tradição envolvendo publicação de poesia femi-nina traduzida. Raras são as poetisas que tiveram sua obra com-pleta ou grande parte dos seus poemas traduzida para o português. Quando consideramos escritoras de língua inglesa, Emily Dickinson seja, talvez, a exceção, enquanto que obras de Sylvia Plath e Marianne Moore ainda esperam, pacientemente, por tradução.

As três poetas integram nosso objeto de estudo neste trabalho, e o primeiro motivo para justifi car nossa escolha é o fato da tríade, além de possuir identidade marcante, representar em sua poesia um retrato da angústia feminina em períodos diferentes da história – a primeira viveu no século XIX e as duas últimas no século XX. Não só isso, mas também a importância e o reconhecimento que as obras de Dickinson, Plath e Moore alcançaram em todo o mundo, facilitando, assim, nossa pesquisa em busca da tradução de seus poemas.

Dickinson, Plath e MooreEmily Dickinson, poetisa americana, nasceu em 1830 em Amherst, Massachusetts. Proveniente de uma família abastada, Emily, estu-dou em boas escolas e chegou a cursar por um ano um seminá-rio para mulheres, tendo-o abandonado quando se recusou publi-camente a declarar a sua fé. Após terminar os estudos, a jovem Dickinson retornou à casa dos pais, onde viveu o resto de sua vida, sem nunca se casar. Em torno de Emily, construiu-se o mito acerca de sua personalidade solitária, o que a tornou conhecida como “a grande reclusa”. Foi em uma das poucas viagens que a poeta fez para fora do estado que ela conheceu Charles Wadsworth e Thomas Wentworth Higginson, que se tornaram sua infl uência e inspiração poética. Em 1858, deu início à confecção dos fascicles (livros manus-critos com suas composições), produzidos e encadernados à mão. Sua produção poética deu-se principalmente entre 1860 até 1870,

Vida e obra>>

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40 . Vida e obra Vida e obra . 41

quando compôs centenas de poemas por ano. Em 1862, enviou qua-tro poemas ao crítico Thomas Higginson, que não a aconselhou a publicá-los. Uma curiosidade sobre a obra de Emily Dickinson é que, apesar de ter escrito em torno de 1800 poemas e quase 1000 car-tas, ela não chegou a publicar nenhum livro, enquanto viveu. Toda a sua obra foi editada postumamente, sendo reconhecida e aclamada pelos críticos. Emily faleceu em 15 de maio de 1886 em Amherst, Massachusetts.

Sylvia Plath, nasceu em 1932, em Jamaica Plain, Massachusetts, e foi poetisa, romancista e contista. Filha de imigrantes, Sylvia passou grande parte de sua infância na cidade de Winthrop, Massachusetts, onde, aos oito anos de idade, veio a publicar seu primeiro poema na sessão infantil de Boston Herald. Nessa mesma época, o pai de Sylvia, Otto Plath, faleceu vítima de diabetes. Ao ingressar na facul-dade de Smith College, Sylvia logo se destacou, sendo convidada a assumir a edição da revista Mademoiselle quando estava no terceiro ano. Foi em Smith College que a poeta escreveu seu único romance e tentou suicídio pela primeira vez, a partir de uma overdose de nar-cóticos. Após tratamento em uma instituição psiquiátrica, a poetisa formou-se com louvor em 1955 e obteve bolsa integral para estudar na Universidade de Cambrigde, Inglaterra, onde continuou a escre-ver poesia ativamente, publicando seu trabalho ocasionalmente no jornal Varsity, organizado pelos estudantes universitários. Foi na Inglaterra que Plath conheceu o poeta Ted Hughes, que se tornou seu marido. Em fevereiro de 1961, Plath sofre um aborto, tema que será muito presente em sua obra. Apesar do casamento complicado, marcado por uma relação extra-conjugal, Sylvia teve dois fi lhos com Hughes, até se separar do poeta em 1962. Em 11 de fevereiro de 1963, aos 31 anos, Sylvia Plath suicidou-se em seu apartamento, em Londres.

Marianne Moore, foi uma poeta modernista americana, nas-cida em 1887, em Kirkwood, Missouri. Junto com os pais, Marianne morou na casa de seu avô, um pastor presbiteriano, até 1905, quando ingressou na universidade de Bryn Mawr, no estado da Pennsylvania, graduando-se quatro anos depois. Foi professora até 1915, quando

começou a publicar poesia profi ssionalmente, sendo infl uenciada pelo trabalho de grandes nomes como Wallace Stevens, T. S. Eliot e Ezra Pound. De 1925 a 1929, Moore trabalhou como editora do jornal literário The Dial, onde pôde encorajar o trabalho de jovens poetas americanos como Elizabeth Bishop, Allen Ginsberg, John Ashbery e James Merrill. Muito admirada, a poeta recebeu vários prêmios, incluindo o Pulitzer em 1951, por seus Poemas Reunidos, tornando-se uma espécie de celebridade nos círculos literários de Nova York. Seus poemas foram publicados em diversos jornais norte-america-nos, além da publicação de vários livros contendo sua obra poética e crítica. Em 1955, Moore foi convidada pelo departamento de marke-ting da Ford a participar da escolha do nome do novo modelo de carro elétrico da empresa, com “nomes inspiracionais”, algo inédito para o setor. Em 1972, após sofrer uma série de AVCs, Moore faleceu na cidade de Nova York, sem nunca ter se casado.

Três poetas escolhidasEmbora cada uma das poetisas, personalidades poéticas diferentes, tenha trilhado um caminho diverso, as três se identifi cam pela soli-dão, pelo brilhantismo e pelo amor às palavras. A poesia de Emily é marcada de grande existencialismo que se refl ete em temas univer-sais como a Vida, a Morte, o Amor, a Imortalidade, a Espiritualidade e a Natureza. Os quatro poemas selecionados nesse caderno “Quem morre, meu bem, pouco precisa”, “Nunca vi um campo de urzes”, ”Ontem é história” e “Não interessa à abelha”, traduzidos por Fernanda Mourão, Manuel Bandeira, Augusto de Campos e José Lira, refl etem bem a universalidade da poeta em retratar a morte, a espiritualidade ou transcendentalidade e, por último, a efemeridade do tempo.

Já Sylvia Plath retrata em sua obra poética toda a tragicidade de sua própria vida. Os poemas presentes nesta antologia perten-cem a sua obra póstuma Ariel, publicada dois anos após sua morte por seu marido e poeta Ted Hughes. Esta obra fala sobre a traição do marido, otimismo e fé na superação da crise, além de eventos histó-ricos trágicos, experiências comuns, entre outros temas. Os poemas selecionados para essa edição retratam um pouco esse confl ituoso

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período. Foram selecionados “Ariel”, poema homônimo à obra e tam-bém nome do cavalo da poeta e que carrega consigo o ideal de liber-dade; “Mulher estéril” e “A outra” possuem em comum a referência à traição do marido, que os retirou da organização feita por Plath no período da 1a edição do livro, por considerá-los muito ferozes. O último, “A lua e o teixo”, foi escolhido por sua natureza paradoxal.

Como muitos outros escritores de seu tempo, Marianne Moore estava interessada no processo criativo e na relação entre expressão e coisas reais. Seus poemas são tão herméticos que alguns críticos a consideram como “a poeta dos poetas”, diante da complexidade de sua obra. Os poemas revelam grande trabalho com a linguagem, apresentando uma série de experimentalismos que envolvem varia-das percepções. Uma delas está na maneira como a poetisa utiliza de comportamentos bizarros dos animais para abordar temas que a mente humana tem difi culdade de entender, como honestidade, independência, a integração da arte e também da natureza. Os poe-mas selecionados para esta antologia têm em comum o emprego de animais como metáfora para o comportamento humano.

Sobre os tradutoresCom relação aos tradutores, o que nos chama a atenção é o fato de a maioria possuir algum tipo de envolvimento com a produção lite-rária, atuando não somente como tradutores, mas como contistas, críticos literários e poetas. Além disso, outro dado que deve ser res-saltado é o fato de praticamente todos possuírem a formação supe-rior na área de Letras, já tendo também atuado como professores universitários. Abaixo uma breve biografi a de cada um deles.

Augusto de Campos é poeta, tradutor e ensaísta brasileiro, nas-cido em São Paulo. Estreou em 1951 com o livro Rei menos o reino, quando ainda era estudante da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Foi um dos criadores da poesia concreta: junto com seu irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari romperam com o Clube de Poesia e lançaram a revista Noigandres. Além de traduzir Stéphane Mallarmé, James Joyce, Ezra Pound, Vladimir Maiakóvski, Emily Dickinson, Arnaut Daniel e E. E. Cummings, publicou as anto-logias Re-Visão de Sousândrade (1964) e Re-Visão de Kilkerry (1971).

Seus textos críticos são lidos em Teoria da poesia concreta, Balanço da bossa, À margem da margem, e o Anticrítico, entre outros. Assim como seu irmão Haroldo, refl etiu sobre a tradução poética; a tra-dução, para Augusto, passa de um caráter de inferioridade, como o propõe a tradição logocêntrica, e alcança um patamar de visibilidade. Ao promover uma desierarquização entre as categorias texto original e texto traduzido, Augusto de Campos traz à tona sua maneira de considerar a tradução:

[...] a tradução é crítica, como viu Pound melhor que ninguém. Uma das melhores formas de crítica. Ou pelo menos a única e verdadeiramente criativa, quando ela – a tradução – é criativa.1

José Lira é escritor, poeta, tradutor e professor, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), de estudos da tradução e linguís-tica aplicada. Nascido na Paraíba em 1946, já traduziu para o portu-guês diversos poemas de Emily Dickinson. Escreveu também diver-sos artigos sobre a poetisa americana como “A invenção da rima na tradução de Emily Dickinson” e “Emily Dickinson e a Poética do estranhamento”. Como escritor, publicou em 1999 um conto intitu-lado “Since you went away”, em Breves Histórias do Brasil, sobre a tradução de um dos poemas de Dickinson. Em 2006, publicou Emily Dickinson: alguns poemas, livro que reúne 245 traduções, sendo a mais extensa coletânea de poemas da autora já publicada no Brasil, e que foi fi nalista do Prêmio Jabuti de 2007 na área de tradução lite-rária. Segundo José Lira, “o poema traduzido é um móbile, algo frá-gil e instável, girando ao sabor dos ventos das opiniões que sopram de todos os lados”.

Manuel Bandeira foi poeta, crítico literário e de arte, profes-sor de literatura e tradutor brasileiro, nascido em Recife em 1886. Foi integrante da geração de 22 da literatura modernista brasi-leira, sendo seu poema “Os Sapos” o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922. Bandeira publicou diversos livros de poesia, crô-nica e crítica literária. Enquanto tradutor, verteu para o português,

1 CAMPOS, Augusto. Verso, reverso, controverso, p.7.

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dentre outros, poemas de Goethe, Gabriela Mistral, Emily Dickinson e Omar Khayyam. Além de poesia, Bandeira também traduziu diver-sos livros em prosa e peças de teatro – algumas delas patrimônio da cultura nacional, por suas altas qualidades estilísticas e poéticas. Sobre suas traduções, Bandeira afi rmou:

Antes, houve, sim, o que costumo fazer, sempre quando traduzo: deixar o poema como que fl utuar por algum tempo, dentro do meu espírito, à espera de certos pontos de fi xação. Aliás, só traduzo bem os poemas que gostaria de ter feito, isto é, os que exprimem coisas que já estavam em mim, mas informuladas. Os meus achados, em traduções como em originais, resultam sempre de intuições.2

Fernanda Mourão é tradutora, além de atuar na área de língua portuguesa, língua inglesa, literatura, redação, revisão e editoração de textos. Possui doutorado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (2008), na área de Literatura Comparada, com a tese de título 117 e outros poemas: à procura da palavra de Emily Dickinson, onde a tradutora procura, a partir da experiência de lei-tura e tradução de poemas e cartas de Dickinson, chegar a um pen-samento sobre a tradução e um modo – um método – de traduzir, uma poética extraída da própria escrita da poeta. Traduziu poemas e cartas de Dickinson publicadas no livro A branca dor da escrita: três tempos com Emily Dickinson, de Lucia Castello Branco. Sobre sua tradução de Dickinson, Fernanda, embasada na obra de vários teóri-cos e tradutores, afi rmou:

Emily Dickinson, particularmente estrangeira em sua própria língua, pede para continuar estrangeira. Assim, a forma como vejo a tarefa da tradução passa sobretudo pelo outro sentido da palavra no alemão – “die Aufgabe” –, que também quer dizer “renúncia”. Renúncia à comunicação, a uma compreensão totalizadora, a uma apreensão, que seria um aprisionamento, de um sentido e de um espírito que se querem dinâmicos como a língua – tanto a do original quanto a da tradução. Por isso, o que se vê nas traduções que aqui ouso fazer é uma despudorada tentativa, mesmo que vã, de fazer o texto de Emily falar, em um português anglicizado, de seu arrebatamento, sua loucura e seu desejo que, por mim escolhidos, são também meus – embora eu creia muito mais que os poemas que “escolhi” traduzir aqui, na verdade, foram eles que escolheram

2 BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada, p. 120.

ser traduzidos, na medida em que me foram impostos por um modo de pensar a tradução, um modo também ditado por eles. 1

Rodrigo Garcia Lopes é tradutor, poeta e editor da revista de arte Coyote. Nascido em Londrina em 1965, possui doutorado em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Trabalhou em jornais e veículos literários em São Paulo e Curitiba. De 1990 a 1992 viveu nos Estados Unidos, onde realizou mestrado na Arizona State University, com tese sobre os romances de William S. Burroughs. Neste período, também reuniu material para seu livro de 19 entrevis-tas com escritores e artistas como John Ashbery, William Burroughs, Marjorie Perloff, Allen Ginsberg, Nam June Paik, Charles Bernstein e John Cage. De sua autoria, publicou Vozes & Visões: Panorama da Arte e Cultura Norte-Americanas Hoje, e Solarium, que reúne sua produção poética desde 1984. Ao longo destes anos traduziu, entre outros, a poesia de Ezra Pound, Sylvia Plath, William Carlos Williams, Robert Creeley, Gertrude Stein, Laura Riding, Gary Snyder, Charles Bukowski, John Ashbery, Jim Morrison e Samuel Beckett. Sua tra-dução do livro Folhas de Relva, de Walt Whitman, foi indicada ao Prêmio Jabuti em 2005.

Cristina Macedo é tradutora e contista. Formada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com mestrado em Literatura pela UFRGS, estreou na tradução literária em 2007, com o lançamento de Ariel, da poetisa americana Sylvia Plath. A obra foi vertida pela primeira vez para o português brasileiro em par-ceria com o escritor, tradutor e doutor em Letras Rodrigo Garcia Lopes. Cristina teve contos publicados nos livros Ponto de Partilha 1, com textos de outros ofi cineiros de Valesca de Assis, e Arca de Impurezas, que reúne material de diferentes profi ssionais organiza-dos pela artista multimídia Liana Timm. Outro trabalho de tradução foi passar para o inglês um texto da amiga Liana para o livro Olhar Estrangeiro – Foreign Look – New York.

José Antônio Arantes é tradutor e revisor, bacharel em língua e literatura pela USP. Sua obra de tradução é extensa, tendo vertido

1 MOURÃO, Fernanda. 117 e outros poemas: à procura da palavra de Emily Dickinson, p. 58.

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46 . Vida e obra

para a língua portuguesa obras de grandes autores como Virginia Woolf, William Blake, James Joyce, Seamus Heaney, Marianne Moore, W. H. Aunden, Jeffrey Archer, entre outros. Recebeu, em 2003, o Prêmio Monteiro Lobato de melhor tradução jovem “hors concours”, por sua tradução da Coleção contos e poemas para crianças extrema-mente inteligentes de todas as idades (primavera, outono, verão), de Harold Bloom, publicada pela editora Objetiva.

Tradução de Poesia

Cláudio de Aquino

A tradução foi, por muito tempo, vista simplesmente como uma forma de trazer a informação de um determinado idioma para outro, sem mudar mais do que o estritamente necessário para o entendi-mento da mensagem. Tinha-se antigamente, também, a proposta de traduzir certos termos relativos a comportamentos ou fatos cul-turais por outros de nossa língua. Isso seria o equivalente a dizer que para traduzir um termo como hamburger, por exemplo, tería-mos que usar arroz com feijão em português, que seria o equiva-lente cultural brasileiro do alimento mais consumido pela popula-ção americana. Era uma época de respeito e valorização da própria cultura e língua de chegada, e uma menor valorização da cultura de partida. Contudo, a língua, como todo linguista proclama, é um organismo vivo que está em constante evolução, sempre mudando, se aperfeiçoando, ganhando e perdendo. Assim como a língua evo-lui, nós também devemos evoluir, pois somos nós que provocamos essas mudanças na língua. Por isso, na contemporaneidade, o que se prega é uma maior fi delidade à cultura de chegada, sem, con-tudo, minimizar ou ignorar fatos culturais relevantes da cultura de partida, ou seja, uma boa tradução se baseia no conhecimento das duas culturas e línguas para que se possa trazer certo elemento cul-tural para um equivalente da língua de chegada. Nesta nova modali-dade de tradução opta-se às vezes por manter certos termos da lín-gua de partida, hamburger é o mesmo sanduíche em inglês ou outro idioma qualquer e arroz com feijão é a mistura perfeita em qualquer

Ensaio>>

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48 . Ensaio Ensaio . 49

outro idioma, seja o português brasileiro ou não, e é bem mais gos-toso assim.

Até agora estava tratando da tradução da prosa literária, ou mesmo de textos jornalísticos e afi ns. Mas, como fi ca a tradução de poesia? A poesia é considerada por alguns estudiosos como “intra-duzível”. Seria, então, correto afi rmar que quem a traduz não é tra-dutor? “Traditori” talvez? A tradução de poesia não consiste ape-nas em uma transferência de termos, como é possível fazer com a prosa informativa, é preciso reescrever a poesia para que ela man-tenha sua beleza quando levada para outra língua. “Toda experiên-cia cognitiva pode ser traduzida e classifi cada em qualquer língua existente”.2 Assumindo esta afi rmação como verdadeira, o que acon-tece é o desmantelamento da teoria da intraduzibilidade e percebe-mos que há esperança para a tradução de poesia.

Poesia é música. A musicalidade é um dos princípios da poe-sia. Uma música pode ser ouvida e compreendida em qualquer lugar. Uma boa adaptação de uma canção será, certamente, muito apre-ciada. A tradução, desde que consiga trazer para o idioma de che-gada a melodia do poema, será boa, mesmo que os críticos digam que não, por crerem na intraduzibilidade. Este fundamento tem sua raiz na pseudo-especiação,

fenômeno que ocorre sobretudo com minorias perseguidas que constituem a sua identidade de modo normativo e rígido em resposta às tendências homogeneizantes da cultura dominante. A cultura/religião judaica seria um exemplo de tal “pseudo-especiação de segundo grau” (Assmann, 1996, 29); outro exemplo é a cultura egípcia sob domínio macedônico. Aqui introduz-se o paradigma da intraduzibilidade: o único modo de acesso a essas culturas é a conversão, a passagem total para a outra cultura.3

À fi gura do tradutor cabe a realização desse processo tradutó-rio no qual às vezes se faz necessária a recriação de algum trecho para que se possa assim fazer com que o poema se faça “compreen-sível” no idioma de chegada. Ou seja, para que o poesia permaneça

2 JAKOBSON. Aspectos lingüísticos da tradução, p. 68.3 SELIGMANN-SILVA. Globalização, tradução e memória, p.154-155.

no verso – melhor – para que o verso continue sendo verso é pre-ciso que o tradutor seja criativo. É importante saber recriar o poema, sem deixá-lo perder sua alma, sua essência, é preciso saber trans-criar. Nesse momento o tradutor se torna co-autor da obra em que inseriu sua essência, sua vida.

A tradução, assim como a própria poesia, deve ser considerada uma arte, e o tradutor, um artista de inúmeras artimanhas, pois é necessário muito malabarismo para conseguir fazer a transcriação de obras de alto teor poético, a exemplo de Guimarães Rosa. Esse é um grande desafi o, pois quanto mais difícil o texto, mais arte requer a tradução,4 mais suor, mais de si o tradutor terá que dar em prol dessa arte. Por todo esse sangue e suor derramados pela arte é que o tradutor é o co-autor da obra literária, servindo de portal entre o leitor e o escritor da obra.

Ao longo de toda a Idade Média as pessoas pensavam a tradução não em termos de uma versão literal, mas em termos de algo sendo recriado. De um poeta, tendo lido uma obra, desenvolver essa obra a partir de si mesmo, de sua própria força, das possibilidades até ali conhecidas de sua língua.5

Sendo assim, por que então na contemporaneidade, com tanta informação e tanta técnica desenvolvida, se faria o contrá-rio? Por que ter um pensamento tão “retrógrado”, considerando que no passado se tinha uma visão tão ampla e pluralista como esta da transcriação? Ampla, pois é capaz de enxergar as diferen-ças culturais e adequá-las ao receptor da mensagem, ou da musi-calidade poética, e abrangente, uma vez que com esta atitude pre-tende chegar a todas as camadas culturais e sociais. Essa visão tradicionalista – de querer congelar a linguagem no tempo em um estado permanente - dada aos gramáticos não deve se aplicar ao tradutor, pois seu papel não é conservar a língua e sim modifi cá-la, trazê-la de uma forma de entendimento para outra sem tirar o que dá a ela identidade, buscando soluções criativas para as maiores difi culdades.

4 BEZERRA. Traduzir é uma arte, p.6.5 BORGES. Música da palavra e tradução, p.78.

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Como afi rma Paulo Rónai no apêndice do livro Escola de tradu-tores, em que discorre sobre traduções do poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade, houve muitas soluções brilhantes para as traduções estrangeiras e outras mais simples e óbvias que passa-ram desapercebidas. Uma questão é que Drummond escolheu o José por ser um nome comum. Este nome poderia ser substituído por um equivalente de um dos idiomas em que fora traduzido, porém os tra-dutores preferiram mantê-lo. Acredito que esta escolha se deva ao fato da presença de outro item lexical do português, Minas, man-tido nas traduções, uma vez que só no Brasil existe este estado. O nome do personagem poderia até ser mudado para Joseph ou John no inglês, ou para Jean no francês, mas seria muito estranho ter um Jean ou um John no poema de um brasileiro. Se o nome do estado fosse mudado – para Texas, por exemplo – aí John poderia até estar no poema, mas não seria mais de Drummond.

Há como produzir um belo texto sem ter que se manter fi el palavra a palavra, pode-se trair a língua de partida sem fazer com que a obra perca sua beleza e sua autoria.

Jorge Luis Borges declarou que muitas vezes preferia ler as traduções do que os originais, já leu inúmeras traduções de épicos gregos e cada vez que lia uma nova se deleitava com a criatividade tradutória e se condenava por ter lido Dom Quixote em seu origi-nal antes de ler uma de suas traduções. Por essa razão nunca leu a Ilíada ou Homero em seus originais. A infi delidade por vezes se faz necessária para manter bela a estrutura, a sonoridade do poema. “O ato de traduzir é visto por Steiner como uma atividade envolvida na apropriação do texto fonte, de modo que a captura do texto pelo tra-dutor deve ser compensada por um gesto de restituição.”6

“O conceito tradicional é que a tradução entre línguas é possí-vel, devido à existência prévia de uma equivalência nocional entre sistemas linguisticos”.7 Embora haja controvérsias, a traduzibilidade se prova pela necessidade e aclamação. Se não houvesse traduto-res, muitos autores estrangeiros – e digo estrangeiros para qualquer

6 OLMI. Tradução e literatura comparada: multidisciplinaridade e transculturalismo, p.16. 7 OLMI. Tradução e literatura comparada: multidisciplinaridade e transculturalismo, p.17.

idioma – talvez não tivessem suas obras lidas fora de seu país. Imaginem um autor como Yukio Mishima, se alguém não resolvesse traduzir sua obra. Provavelmente permaneceria conhecido apenas no Japão, não teria sua obra espalhada pelo mundo.

Infere-se que a tradução pode ser tão ou mais importante que a própria crítica, a qual, conforme Benjamin, é também um elemento de sobrevida da obra literária, embora um elemento bem menor donde ressalta a importância e a responsabilidade do tradutor.8

É grande o número de traduções indiretas disponíveis, que são, em sua maioria, feitas por escritores de renome, que por sua vez “não têm o tempo e o interesse necessários para o estudo de idio-mas de grande expressividade cultural, como o russo, o alemão e línguas escandinavas”.9

Este processo de tradução indireta está sendo eliminado em vários países europeus, e principalmente naqueles que são referên-cia cultural, como França, Inglaterra, Itália por exemplo. No Brasil, no entanto, por falta de profi ssionais qualifi cados, persiste o sis-tema de retradução. “Seus inconvenientes poderiam pelo menos ser diminuídos. Muito depende da escolha da tradução intermediária”.10 Utiliza-se o francês como principal língua intermediária, apesar do cenário estar mudando, pois o inglês está ganhando espaço. O fran-cês é considerado uma boa língua para a tradução intermediária devido ao processo de “cristalização completa” a que chegou “com vocabulário fi xo e inteiramente defi nido”.11

“Já nos últimos decênios, na França também, observa-se cada vez mais rigor nas traduções.” Há casos em que o tradutor interme-diário “deforma o original não por motivos ‘estéticos’, mas partidá-rios”, constituindo um grande “inconveniente da tradução indireta”. Ter um tradutor competente em cada língua seria o ideal, mas seria necessária a “profi ssionalização do ofício de tradutor”.12

8 OLMI. Tradução e literatura comparada: multidisciplinaridade e transculturalismo, p.16.9 RONÁI. Traduções indiretas, p.25.10 RONÁI. Traduções indiretas, p.26.11 RONÁI. Traduções indiretas, p.27.12 RONÁI. Traduções indiretas, p.28-29.

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52 . Ensaio Poesia feminina de língua inglesa . 53

Nesse caso talvez se faça necessário buscar, então, o texto fonte em sua origem para que a “bela infi el” não se torne a “feia infi el”, que além de trair o texto de partida - ou seja, o texto produ-zido pelo autor - no intuito de aperfeiçoá-lo, ainda trairá, sem que-rer, o texto do “autor-criador”- texto produzido pelo primeiro tradu-tor. Então toda a beleza de um poema poderia estar comprometida, uma vez que a recriação a partir de outro recriador tentaria manter a beleza da tradução e não do “autor-criador”.

Podemos contudo seguir o raciocínio de Borges e simplesmente esquecer-nos do original. Lermos todas as recriações e nos deleitar-mos no novo, no criativo de cada co-autor, sem pensar que a tradu-ção seja melhor ou pior do que a criação original, mas ambas dife-rentes em suas soluções e por isso mesmo belas.

Referências

BANDEIRA, Manuel. Alguns poemas traduzidos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.

BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

BEZERRA, Paulo. Traduzir é uma arte. Boletim UFMG, Belo Horizonte, n. 1440, p. 6, 2004. Entrevista concedida a Murilo Gontijo.

BORGES, Jorge Luis. Música da palavra e tradução. In: ______. Esse ofício do verso. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 64-81

CAMPOS, Augusto. Verso, reverso, controverso. São Paulo: Perspectiva, 1978.

DICKINSON, Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira. São Paulo: Editora Iluminuras, 2006.

DICKINSON, Emily. Não sou ninguém. Trad. Augusto de Campos. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.

JAKOBSON, Roman. Aspectos lingüísticos da tradução. In: ______.Lingüística e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 63-72.

MOORE, Marianne. Poemas. Trad. e posfácio José Antônio Arantes. Seleção de João Moura Junior. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

MOURÃO, Fernanda. 117 e outros poemas: à procura da palavra de Emily Dickinson. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2008.

OLMI, Alba. Tradução e literatura comparada: multidisciplinaridade e transculturalismo. TradTerm, São Paulo, n.9, p. 11-26, 2003.

PLATH, Sylvia. Ariel. Trad. Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo. Campinas: Verus Editora, 2007.

RÓNAI, Paulo. Traduções indiretas. In: ______. Escola de tradutores. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. p. 25-29.

SELIGMANN-SILVA, Márcio. Globalização, tradução e memória. Cadernos de Tradução, Florianópolis, UFSC, v. 1, n. 4, p. 151-166, 1999.

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Edições Viva Vozde interesse para a área de tradução

A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin:quatro traduções para o portuguêsWalter BenjaminTraduções de Fernando Camacho, Karlheinz Barck e outros, Susana Kampff Lages e João Barrento

Poética do traduzir, não tradutologiaHenry MeschonnicTraduções Márcio Werberde Faria, Levi F. Araújo e Eduardo Domingues

Tradução, literatura e literalidadeOctavio PazTrad. Doralice Alves de Queiroz

Glossário de termos de edição e traduçãoSônia Queiroz (Org).

Da transcriação:poética e semiótica da operação tradutoraHaroldo de Campos

As Edições Viva Voz estão disponíveis também em versão eletrônica no site: www.letras.ufmg.br/labed

Esta publicação é resul-tado de trabalho elabo-rado por alunos da disci-plina Estudos Temáticos de Edição, no segundo semestre de 2009.

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