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FERNANDA RODAK POESIA IMAGISTA EM TRADUÇÃO: H.D. E AMY LOWELL EM PORTUGUÊS CURITIBA 2013

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FERNANDA RODAK

POESIA IMAGISTA EM TRADUÇÃO: H.D. E AMY LOWELL

EM PORTUGUÊS

CURITIBA

2013

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FERNANDA RODAK

POESIA IMAGISTA EM TRADUÇÃO: H.D. E AMY LOWELL

EM PORTUGUÊS Monografia apresentada ao Curso de Letras, do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Luci Collin

CURITIBA

2013

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SUMÁRIO

1. Introdução………………………………………………………………………………. 5

1.1 Panorama das Vanguardas…………………………………………………………6

1.2 A linguagem de vanguarda na literatura………………………………………….. 9 1.3 O Imagismo…………………………………………………………………………. 11

2. Traduzindo H. D.…………………………………………………………………...……14

3. Traduzindo Amy Lowell……………………………………………………………….. 39 4. Considerações finais……….………………………………………………………….. 49 Referências bibliográficas Anexos

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RESUMO

Esta pesquisa se propõe a tradução de quatro poemas de Hilda Doolittle (H.D.) e quatro de Amy Lowell, poetas norte-americanas pertencentes ao Imagismo, movimento literário poético do início do século XX que pregava o uso de imagens precisas e econômicas, o uso do verso livre e a liberdade no tema e na forma. Após a tradução, serão comparadas as dicções das duas poetas bem como o processo tradutório com a obra de cada uma. A primeira, H.D. (1886-1961), foi quem, juntamente com Richard Aldington, ajudou Ezra Pound a fundar o Imagismo. A segunda, Lowell (1874-1925), foi quem tornou possível a publicação da maior revista dedicada ao movimento. Ambas são pouquíssimo estudadas no Brasil e nenhuma delas foi traduzida no país. Palavras-chave: Imagismo. H.D. Amy Lowell. Tradução de poesia.

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1. INTRODUÇÃO

Embora o Imagismo tenha sido um movimento literário bastante forte e influente na

poesia moderna, evidenciando já em 1912 a verve de Ezra Pound, um dos fundadores deste

grupo, verificamos que há pouquíssimas traduções de poetas Imagistas para o português. O que

pudemos constatar é que, à exceção de Pound, outros expoentes do Imagismo como H. D., Amy

Lowell e Richard Aldington, têm pouca visibilidade em português, ao menos no Brasil. Dessa

escassez de traduções surgiu o primeiro impulso de pesquisar sobre os Imagistas e, mais

especificamente, sobre a produção de duas poetas desse movimento. Assim, nesta pesquisa

partimos de uma investigação mais abrangente sobre os conceitos básicos de “vanguarda”,

“moderno e “modernismo”; voltamos o foco, então, para o Imagismo e seus pressupostos teóricos

e, por fim, nos debruçamos sobre a produção de H. D. e de Amy Lowell construindo uma

proposta de tradução de seus poemas que intenta contemplar a dicção de cada poeta. Para a seleção dos poemas a serem traduzidos, foi necessária uma ampla leitura das obras

das duas autoras: li cerca de cinquenta e cinco poemas de H.D., e quarenta poemas de Amy

Lowell, depois selecionei vinte que me pareceram mais adequados ao propósito da pesquisa e,

por fim, restringi o corpus a quatro poemas de cada autora que considerei mais interessantes

dentro da proposta de traduzir poemas tipicamente imagistas. Após a seleção, foi feita uma

análise formal, que chamamos de “raio-X”, de cada um dos poemas a fim de permitir uma melhor

visualização do esqueleto do poema, suas rimas, aliterações e repetições a serem mantidas na

tradução. Quanto a este raio-X, é importante ilustrar como ele foi feito e o que significa cada

marcação; para isso, utilizo a seguinte tabela:

Sistematização de cores As cores repetidas marcam os sons que se repetem. Por exemplo, o som /ᶴ/ está marcado com a cor verde, o som /d/ com a cor azul e assim por diante. As cores ajudam a visualizar melhor como se dá o esquema de aliterações e, portanto, de sonoridade.

Letras maiúsculas no

final dos versos

Marcam as rimas. As letras que se repetem representam as rimas que também se repetem. Muitas vezes as rimas não são perfeitas, são apenas sons que se aproximam, mas elas estão marcadas porque na tradução essa aproximação de sons será mantida.

Sublinhado As palavras ou versos sublinhados são aqueles que aparecem mais de uma vez no poema.

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Mas de que serviriam aparatos teóricos, históricos ou analíticos se estes não lançassem luz

a elementos relevantes nas traduções? Assim, já na introdução desta pesquisa gostaria de marcar

que todos os levantamentos analíticos só se justificam pela necessidade de se conhecer o poema –

objeto de tradução – de modo aprofundado. Acreditando que o tradutor de poesia deve realizar

uma leitura extensa é que nos dispusemos a investigar aspectos formais em maior detalhe.

Após a apresentação do poema, juntamente com seu raio-X, serão introduzidas as

traduções e sua análise formal, e, em seguida, os comentários da tradução. Nos comentários, será

mostrado como foi o processo tradutório elucidando as mudanças feitas no decorrer da tradução,

por que essas mudanças foram necessárias, quais aspectos formais foram mantidos e quais foram

compensados, quais foram os critérios para cada escolha e quais as maiores dificuldades e

soluções encontradas.

Nos anexos, serão apresentadas algumas imagens de H.D. e Amy Lowell, assim como as

primeiras e segundas versões da tradução de cada poema.

 1.1 Panorama das vanguardas  

Os termos “vanguarda”, “moderno”, “modernismo” e “modernidade” são constantemente

confundidos e muitas vezes utilizados de forma intercambiável, portanto, vale aqui comentar a

diferença básica entre estes conceitos, que, na visão de Frederick R. KARL (1988: 21), se

estabelece da seguinte forma: A vanguarda é a linha de frente de qualquer espécie de modernismo. Num breve prazo, a vanguarda corrompe-se e é assimilada a algo de mais familiar, a que nós aplicamos o rótulo de moderno. Quando o moderno deixa de ser estranho, mas é mais ou menos associado com uma paisagem familiar, dizemos que é parte do modernismo, uma palavra ampla. No entanto, modernidade é um termo totalmente diverso, que sugere o presente, em contraste com algum passado histórico.

Segundo Karl, a vanguarda é um movimento de origens quase desconhecidas, cuja função

é opor-se à ordem vigente, subverter o que é passado, gerar caos e até mesmo destruição. Ela

difere do modernismo porque não é estática nem previsível, e sim, muda com rapidez, já que se

trata de uma moda. Malcolm BRADBURY e James MCFARLANE, em Modernismo: Guia

Geral, também se preocupam com a diferença entre os termos citados acima, mas não tratam do

termo “vanguarda” diretamente, preferem referir-se a ela como “movimentos”, ou “tendência de

‘ismos’”. Para estes autores,

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O termo [modernismo] tem sido utilizado para abarcar uma ampla variedade de movimentos de subversão do impulso realista ou romântico inclinados à abstração (impressionismo, pós-impressionismo, expressionismo, cubismo, futurismo, simbolismo, vorticismo, dadaísmo, surrealismo), mas mesmo eles não pertencem todos ao mesmo gênero, e alguns são reações radicais contra outros. (1998: 17)

Mais adiante em Modernismo: Guia Geral, Robert SHORT diz ainda que “os movimentos

modernistas do pré-guerra tentaram recriar a sintaxe da arte para fazê-la conter a experiência

moderna, propondo cada vez mais que as ideias de uma realidade fixa e imutável e do homem

como um ser totalmente consciente e racional já não mereciam mais crédito” (1998: 237)

Portanto, o lugar da arte moderna é o de dar conta de um novo mundo, num processo acelerado

de transformação e desenvolvimento. “É também nitidamente a arte de um mundo do qual

desapareceram muitas certezas tradicionais e evaporou-se um certo tipo de confiança vitoriana

não só no progresso da humanidade, mas também na própria solidez e visibilidade do real.”

(p.43)

Cabe agora fazer um breve levantamento das principais vanguardas modernas, analisando

em que ponto elas se tocam e em que pontos se distanciam, porém, primeiramente, cito um

parágrafo de BRADBURY e MCFARLANE (1998: 153), concernente tanto aos movimentos

literários quanto aos movimentos dentro das outras artes: O modernismo foi em boa parte um movimento de movimentos; a tendência abrangente se divide numa sequência de fases, teorias, grupos sociais, ocorrendo em diferentes lugares em movimentos diferentes, mas tendo em comum o suficiente para construir um conjunto dominante de estéticas e temperamentos. Alguns dos movimentos eram grupos sociais; outros eram amplas teorias intelectuais e estéticas que passavam de país para país; outros, ainda, eram pequenos círculos de ativistas. Os movimentos muitas vezes consistiam na dimensão comportamental da escritura modernista; ajudavam a sustentar sua imagem como uma força neopolítica, uma autêntica vanguarda.

O Cubismo teve como preocupação a forma abstrata e geométrica, a fragmentação dos

elementos e a sua reorganização; “o pintor cubista indicava que, além de eliminar objetos na

forma que usualmente os revestia, os objetos podiam ser recolocados em nossa imaginação para

reformar nosso sentido de tudo o que nos ultrapassa.” (1998: 389) O Dadaísmo, por sua vez, era

deliberadamente irracional, uma “anti-arte” que procurava de fato ofender, destruir e protestar, ao

mesmo tempo em que propunha a absoluta liberdade. São apontados como autores cubistas

Guillaume Apollinaire e Oswald de Andrade, enquanto que entre os dadaístas estão Tristan Tzara

e Mário de Andrade.

O Surrealismo preocupava-se com a imaginação e com a investigação do mundo do

inconsciente e dos sonhos, contudo, segundo R. SHORT (1998: 237), o Dadaísmo e o

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Surrealismo se aproximam na medida em que ambos os movimentos questionavam a finalidade

da própria arte, discutindo se, “à luz dos novos conhecimentos sobre a psicologia do homem e a

natureza do universo que o cercava, a produção de obras artísticas ou literárias ainda era factível,

moralmente justificável ou socialmente digna. Os dadaístas consideravam a realidade demasiado

esquiva e incoerente para poder ser formalmente representada”.

O Futurismo, bastante diferente das demais vanguardas, pregava o ódio às bibliotecas e

aos museus, e, portanto, à história, ao passado e à tradição. Ele pregava também a abolição da

sintaxe e da pontuação, o uso de sinais matemáticos e musicais, e o uso de novos recursos

tipográficos. Enquanto o dadaísmo protestava contra a guerra, o futurismo estava intimamente

ligado ao fascismo, e idolatrava tudo que fosse contemporâneo: a máquina e a guerra, como se

pode perceber nos seguintes trechos do manifesto futurista transcritos por Peter NICHOLLS, em

Modernisms: a Literary Guide: “A arte, na verdade, não pode ser nada além de violência,

crueldade e injustiça”1, e “A não ser na luta, não há mais beleza! Nenhum trabalho sem uma

natureza agressiva pode ser uma obra-prima ”2. (1995: 86)

O Simbolismo3, por sua vez, ao contrário do futurismo, demonstrava o mal-estar com a

civilização industrial, se revoltando contra a impessoalidade dos romances realistas e naturalistas.

Para os simbolistas, os artistas deveriam evocar e sugerir sua emoção subjetiva através de

símbolos e metáforas, diferindo mais uma vez do futurismo, que acreditava que a emoção deveria

ser despersonalizada. O Expressionismo, como o Simbolismo, também se opunha ao realismo e

procurava expressar uma realidade interior, mas, além disso, o expressionismo demonstrava um

ódio violento à sociedade burguesa e ao mundo banal da sociedade industrial, rejeitando também

a arte impressionista por preocupar-se demais com a “superfície”, com as técnicas linguísticas, ao

invés de apresentar um conteúdo interno.

Por fim, quanto ao Imagismo e ao Vorticismo, P. NICHOLLS aponta que o primeiro

propõe um tratamento direto do sujeito, sem utilizar nenhuma palavra que não contribua com a

sua apresentação; seu objetivo é o de recuperar a pureza estilística, dando estrutura e valor a uma

modernidade até então sem forma. E o Vorticismo, termo que foi introduzido por Ezra Pound (“A

imagem não é uma ideia. Ela é um nó ou um grupo radiante; é o que eu chamo, necessariamente,

                                                                                                                         1 A partir daqui, todas as traduções são de minha autoria. Texto original: “Art, in fact, can be nothing but violence, cruelty, and injustice” 2 “Except in struggle, there is no more beauty! No work without and aggressive character can be a masterpiece” 2 “Except in struggle, there is no more beauty! No work without and aggressive character can be a masterpiece” 3 Tomado como vanguarda moderna por BRADBURY e MCFARLANE.

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de VÓRTICE, do qual, através do qual e para o qual, as ideias estão constantemente fluindo”4),

prega a abstração e a estilização gráfica dos poemas, bem como a precisão, clareza e economia na

linguagem.

Segundo KARL (1988:11), “o moderno e o modernismo se caracterizam pela linguagem

em que se expressam”; na literatura, há novas palavras, vozes e artifícios narrativos; na pintura há

novos sistemas de cor, novos arranjos e novas utilizações da tela; e na música há novos sons e

agrupamento de sons, novas progressões e novo sentido da sequência harmônica. Para ser

moderno, o artista deve ter “a capacidade de renovar a linguagem de sua arte”, reelaborando

radicalmente a sua forma, “seja pela descoberta de equivalentes verbais do que é preconsciente e

do que é inconsciente, pelo uso das formas geométricas como no cubismo ou pela tentativa de

novas sequências harmônicas - implicava a “mineração” das linguagens”. Segundo SHORT

(1998: 246), “propor uma nova linguagem é propor uma vida transformada para os homens e uma

sociedade alternativa revolucionada”. Para estes autores então, o objetivo de todas as vanguardas,

dentro de todas as manifestações da arte, era o de desacreditar as antigas noções de linguagem e

criar novas formas, novas regras. Os artistas modernos, tanto na pintura, como na música e na

literatura, originaram linguagens completamente diferentes que tudo já havia existido

anteriormente.

1.2 A linguagem de vanguarda na literatura

O modernismo é a arte da transformação, do caos e da destruição, em que as certezas

tradicionais passam a ser questionadas, visto que ele é marcado pelas grandes mudanças: a

urbanização, a industrialização, a evolução tecnológica, o desenvolvimento da ciência, a

influência e Freud e de Marx. Contudo, diferente do Realismo e do Naturalismo, que buscavam a

verdade através de justificações científicas e procuravam descrever a realidade da maneira mais

fiel possível, o modernismo preocupou-se com o eu interior. Ele rejeitou os valores tradicionais,

representou a perda de fé na religião, na ciência e na sociedade. Muito embora o Modernismo

tenha um caráter cosmopolita não se torna contraditório afirmar que os escritores modernistas

estavam cerrados em si mesmos. O pensamento vigente na época do Realismo/Naturalismo era o

de que a ficção não era real nem séria, e o que contava era a decifração através da ciência.                                                                                                                          4 “The image is not an idea. It is a radiant node or cluster; it is what I can, and must perforce, call a VORTEX, from which, and through which, and into which, ideas are constantly rushing”

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Contudo, os modernistas acreditavam que a ficção tem o poder de transformar a realidade, eles

deveriam intensificá-la, ao invés de somente imitar ou descrevê-la. Para eles, a literatura era vital

na sociedade já que ela ia à procura de sentido: “Acredita-se que uma visão criativa dá acesso a

um mundo ideal, separado da realidade e superior a ela (...), que pudesse enriquecer a vida. Além

disso, os modernistas acreditavam que nós criamos o mundo no ato de percebê-lo.”5 É franca,

portanto, esta tendência aparentemente contraditória entre a tensão universalizante e subjetiva.

A literatura moderna, então, buscou a “emancipação” da tradição, com um alto nível de

experimentalismo. Os autores começaram a utilizar novos recursos, como a justaposição, a

fragmentação e o fluxo de consciência, por exemplo, e entre seus temas geralmente estavam a

alienação, a busca por um sentido na vida, a desilusão, a decadência, o desespero e a falta de

esperança. A prosa e a poesia modernistas, no entanto, preferem sugerir a afirmar, utilizando

símbolos e imagens, fazendo com que, dessa forma, o leitor precise participar da criação do

enredo ou do poema. Na escrita moderna, a ordem e a sequência e a unidade não são importantes:

“o tempo se converte numa série de instantes fragmentados, e o sentido de continuidade cede

lugar à descontinuidade.” (1998, p.266). Há, então, ênfase na experiência por ela mesma. O

recurso da justaposição, que é bastante utilizado, diz respeito à união de duas imagens que

geralmente não são encontradas juntas, provocando o leitor a reconsiderar o significado do texto

a partir dessas ideias ou imagens contrastantes. Assim, a tarefa do poeta moderno passa a ser a criação de um mundo visionário e redimido da linguagem onde restitui-se algo fundamental à forma e redescobre-se ou preserva-se a dimensão perdida da linguagem e da psique humana. Ele abstrai palavras de seu lugar convencionalizado na linguagem e recombina-as de tal maneira que seu potencial secundário obliterado – propriedades conotativas, possibilidades rítmicas e auditivas, similaridades com outras palavras, significados esquecidos – torna-se primário. O papel tradicional dos adjetivos cai sob suspeição; assim, o poeta moderno dispõe-se a usá-los não tanto para descrever a aparência ou a impressão superficial de um substantivo, mas para desvendar suas dimensões metafóricas latentes. (1998, p.268)

O Modernismo corresponde a um momento em que se exacerba o interesse pelo âmbito

psicológico na literatura e, dessa forma, compreende-se que ela se preocupava com o

funcionamento da mente humana, a qual era apresentada através do fluxo de consciência, recurso

que busca retratar as reações e emoções das personagens por meio de uma sequência de

pensamentos ininterruptos. Ele “apaga fronteiras entre o racional e o irracional, o lógico e o

                                                                                                                         5 “Imaginative vision is thought to give access to an ideal world, apart and above reality (…) which could enrich life. Furthermore, modernists believed that we create the world in the act of perceiving it.” Citação disponível em: http://intranet.asfa.k12.al.us/personal/jslatton/classpages/Document%20Library/Forms/AllItems.aspx

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ilógico, o intuitivo e o mecânico” (KARL, F. 1988, p. 329). “O fluxo é a emanação de palavras,

cores, sons, livremente associados, nem sempre com qualquer ponto claro de referência,

constituindo com frequência voz e linguagem agrupadas e não diferenciadas.” (1988, p. 332) Na

literatura moderna é comum haver mudanças de perspectiva, de voz e de tom, já que uma só

história ou um só poema pode ser “contado” por mais de um narrador ou eu-lírico, não sendo

possível saber quem está dizendo a “verdade”. A literatura moderna se distancia da literatura

tradicional também por omitir explicações e interpretações, dificultando o trabalho do leitor, e

por geralmente apresentar finais vagos ou ambíguos. “O modernismo possui a qualidade do

sonho porque rompe a narrativa linear e consequente, porque mistura experiências sensíveis,

porque acrescenta cor ao que era preto e branco, porque brinca com as expectativas temporais e

espaciais.” (1988, p. 80)

Quanto às diferenças entre prosa e poesia na produção modernista, pode-se dizer que há

um intercâmbio entre essas duas formas, visto que elas muitas vezes compartilham dos mesmos

recursos. Porém, “se a poesia moderna levanta de modo particularmente agudo o problema da

relação entre sujeito e objeto, poeta e mundo, escritor e linguagem, o romance, por sua vez,

devido ao seu caráter de prosa, levanta principalmente questões sobre a representação da

realidade e de estruturas sequências lógicas.” (1998, p. 321) Enquanto a poesia se preocupa em

“desorganizar” a ordem, em abandonar as formas, rimas e ritmos previsíveis através de novas

métricas e estilos, como o verso livre, a prosa modernista preocupa-se, segundo Bradbury e

McFarlane, “com as complexidades da sua própria forma, com a representação de estados íntimos

de consciência, com um sentimento de desordem niilista por trás da superfície ordenada da vida e

da realidade, e com a libertação da arte narrativa diante da determinação de um oneroso enredo.

Em todas essas áreas, o que está sendo questionado é a narrativa linear, a ordem lógica e

progressiva, a construção de uma superfície estável do real.” (p.321) Pode-se apreender, então,

que em ambas prosa e poesia, a intenção dos autores era a questionar os modelos vigentes e

propor uma transformação a partir do caos, da liberdade quanto à forma e ao conteúdo.

1.2 Imagismo  

A escola Imagista teve início no começo do século XX e, apesar de não ter durado muito,

disseminou novas ideias sobre o fazer poético que influenciam escritores até os dias de hoje. O

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movimento buscava uma clareza de expressão através do uso de imagens visuais precisas, sendo

uma reação ao romantismo e sua linguagem abstrata, procurando uma economia de linguagem e a

utilização de apenas observações e metáforas. Entre os principais poetas Imagistas estão: William

Carlos Williams, Ezra Pound, H.D., Amy Lowell, Richard Aldington, F. S. Flint, D. H. Lawrence

e John Gould Fletcher.

Os três princípios do Imagismo, cunhados por seus fundadores Ezra Pound, H.D. e

Richard Aldington em 1912, são os seguintes: 1) tratar diretamente a “coisa”, seja ela subjetiva

ou objetiva; 2) não usar de maneira alguma palavras que não contribuam para a apresentação; 3)

com referência ao ritmo: compor seguindo a sequência da frase musical e não obedecendo a um

metrônomo. Porém, há ainda mais fundamentos no manifesto imagista proposto por Aldington,

que transcrevo aqui: 1. Usar a linguagem coloquial, mas sempre empregar a palavra exata, não a quase exata, nem

uma palavra meramente decorativa. 2. Criar novos ritmos – como a expressão de novos tons – e não copiar ritmos velhos, que

meramente ecoam tons velhos. Não insistimos no “verso livre” como o único método de se escrever poesia. Lutamos por ele como um princípio de liberdade. Acreditamos que a individualidade do poeta na maioria das vezes seja expressa melhor em verso livre do que em formas convencionais. Na poesia, uma harmonia nova significa uma ideia nova.

3. Permitir liberdade absoluta na escolha de tema. Não é boa arte escrever mal sobre aviões e carros, nem é má arte, necessariamente, escrever bem sobre o passado. Acreditamos entusiasticamente no valor artístico da vida moderna, mas gostaríamos de ressaltar que não há nada mais decepcionante e ultrapassado que um avião do ano de 1911.

4. Apresentar uma imagem (daí o nome: "Imagista"). Não somos uma escola de pintores, mas acreditamos que a poesia deve render partículas exatas e não lidar com generalidades vagas, ainda que grandiosas e sonoras. É por esse motivo que nos opomos ao poeta cósmico, que nos parece encolher as dificuldades reais de sua arte.

5. Produzir uma poesia dura e clara, nunca embaçada ou indefinida. 6. E por último, a maioria de nós acredita que concentração é a própria essência da poesia.6

Portanto, o movimento Imagista postulava a valorização da imagem, que por sua vez deve

ser exata e precisa, o tratamento direto do objeto, economia de palavras, sequência da frase

                                                                                                                         6 1. To use the language of common speech, but to employ always the exact word, not the nearly-exact, nor the merely decorative word; 2. To create new rhythms -as the expression of new moods -- and not to copy old rhythms, which merely echo old moods. We do not insist upon "free-verse" as the only method of writing poetry. We fight for it as for a principle of liberty. We believe that the individuality of a poet may often be better expressed in free-verse than in conventional forms. In poetry a new cadence means a new idea; 3. To allow absolute freedom in the choice of subject. It is not good art to write badly of aeroplanes and automobiles, nor is it necessarily bad art to write well about the past. We believe passionately in the artistic value of modem life, but we wish to point out that there is nothing so uninspiring nor so old-fashioned as an aeroplane of the year 1911; 4. To present an image (hence the name: "Imagist"). We are not a school of painters, but we believe that poetry should render particulars exactly and not deal in vague generalities, however magnificent and sonorous. It is for this reason that we oppose the cosmic poet, who seems to us to shirk the real difficulties of his art; 5. To produce poetry that is hard and clear, never blurred nor indefinite; 6. Finally, most of us believe that concentration is of the very essence of poetry. Disponível em: http://www.english.illinois.edu/maps/poets/g_l/amylowell/imagism.htm

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musical, máxima concisão, o uso do verso livre, já que seria a forma mais adequada para

expressar a individualidade do poeta, liberdade absoluta quanto à escolha do tema e o uso de uma

linguagem do uso cotidiano. Pound afirma que o poeta Imagista não deve utilizar palavras

supérfluas, como adjetivos, conforme este exemplo dado por ele: “dim lands of peace”, no qual o

abstrato e o concreto são misturados, obscurecendo a imagem. Para Pound, a imagem “é aquilo

que apresenta certo/complexo intelectual e emocional num determinado instante. A apresentação

instantânea desse “complexo” é que dá o sentido de súbita libertação; de emancipação dos limites

de espaço e tempo; de crescimento repentino que experimentamos diante das maiores obras de

arte.”7 Pound ainda escolheu um de seus poemas como exemplo de uma construção Imagista,

que, coerente com sua pregação, alcança o efeito poético com uma só imagem:

The apparition of these faces in the crowd: Petals on a wet, black bough.

Cabe agora ressaltar a importância de duas outras integrantes do movimento, Hilda

Doolittle, que preferia assinar seu nome apenas como H.D., e Amy Lowell, apresentando quatro

de seus poemas seguidos de suas traduções.

 

                                                                                                                         7 POUND, E. A arte da poesia. SP: Cultrix, 1986.

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2. TRADUZINDO H.D.  

Hilda Doolittle nasceu em 1886, em Bethlehem na Pensilvânia, Estados Unidos, filha de

um professor de matemática e astronomia, Charles Leander Doolittle, e de Helen Eugenia Wolle

Doolittle, pertencente a uma ordem protestante. Segundo suas anotações autobiográficas, seu pai

era autoritário e sua mãe, inacessível; a poeta tinha insegurança quanto ao afeto da mãe,

acreditando que esta preferia o irmão. Essa pode ser uma explicação para o fascínio de H.D. pelo

classicismo, pela evocação desse mundo distante, que lhe parecia mais feliz e amável do que ela

conhecia em casa.

Em 1904, H.D. entrou para a Universidade Bryn Mawr, mas teve de abandoná-la dois

anos depois por motivos de saúde e passou a escrever integralmente, dedicando-se à literatura

grega e latina. H.D. foi encorajada a escrever por Ezra Pound, que havia conhecido em 1901,

quando tinha apenas quinze anos e ele dezesseis, e com quem teve um breve relacionamento

amoroso. Segundo uma descrição de 1905 de William Carlos Williams sobre o casal, H.D. tinha

uma impaciência de tirar o fôlego e uma indiferença provocativa à ordem e às regras, como cita

Vincent QUINN (1967: 20) Hilda, alta, loira, com uma mandíbula proeminente e alegres olhos azuis, eu acho, muito parecida com o pai, apesar de eu nunca ter prestado muita atenção nele (...) Ezra estava encantadoramente apaixonado por ela e exagerava demais a sua beleza, eu achava. Para mim ela era somente alguém legal e eu gostava, desconfortavelmente, de estar com ela.8

Pound guiou H.D. em suas leituras e comentava seus poemas, servindo de grande

influência para ela, contudo, seu relacionamento terminou em 1908 quando ele foi à Europa. Três

anos depois ela também foi, e passou a morar na Inglaterra, onde entrou em contato com outros

poetas que partilhavam os mesmos interesses estilísticos. H.D. ganhou reputação tanto na

Inglaterra como nos Estados Unidos através de publicações de poemas na revista Poetry. Essa

revista foi o meio que Pound encontrou para promover as causas do futuro movimento Imagista:

a dicção econômica na poesia, o uso de imagens novas, uma irregularidade proposital no ritmo e

fuga dos sermões. Foi em Poetry que Pound começou a divulgar o grupo de poetas que depois

ficaram conhecidos como “Imagistas”: “Imagism refers to the theory and practice of a group of

                                                                                                                         8 “Hilda, tall, blond and with a long jaw but gay blue eyes was, I think, much like her father, though I never saw her pay him any particular attention (…) Ezra was wonderfully in love with her and I thought exaggerated her beauty ridiculously. To me she was just a good guy and I enjoyed, uncomfortably, being with her.”.

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poets who, between 1912 and 1917, joined in reaction against the careless technique and extra-

poetic values of much nineteenth-century verse.” 9(QUINN, 1967: 21)

Dessa forma, então, Pound criou e promoveu o Imagismo, sendo H.D. seu membro mais

representativo (Pound aconselhou-a a assinar seus poemas como “H.D., Imagista”) e em torno da

qual, juntamente com Richard Aldington, ele moldou o movimento. H.D. havia conhecido

Aldington em 1911 e nele encontrou o mesmo interesse pela poesia grega e latina; os dois se

casaram em 1913. Enquanto isso, a culminação dos esforços de Pound foi a publicação de Des

Imagistes: An Anthology, porém, essa publicação também marcou o fim do interesse de Pound

pelo movimento, devido à influência de Amy Lowell, que ele acreditava ser excessiva; ele achava

que Amy estava transformando o Imagismo em algo que significava apenas qualquer poema em

verso livre, ao passo que para ele o Imagismo consistia em precisão, economia, concretude e

inovação estilística, obrigatoriamente.

Em 1915, Amy Lowell conseguiu que fosse publicada uma antologia anual do Imagismo

contendo tanto poetas americanos como ingleses. O primeiro volume foi: Some Imagist Poets: An

Anthology. Nele está presente a lista do que é essencial em toda grande poesia, “The Imagist

Credo” (os seis fundamentos do manifesto imagista de Aldington, citados anteriormente). Em

1916, foi publicado o primeiro livro de H.D., Sea Garden, com 27 poemas. Em 1917, sai a última

edição de Some Imagist Poets.

No ano seguinte, Aldington, que havia participado da guerra, volta em segurança para

casa, mas o casamento apresentava problemas. H.D. e Aldington se separaram em 1919, ano em

nasceu sua filha, Perdita, mas só se divorciaram em 1938. Em 1918, H.D. havia conhecido

Bryher, uma romancista britânica milionária, de quem se tornou amiga e com quem manteve um

relacionamento até o fim de sua vida.

Bryher admirava H.D.:

Eu tinha uma amiga com quem ao menos podia falar sobre poesia e que não ria das minhas fracas tentativas de escrever. (Não que eu as considerasse fracas naquela época!) Foi meu primeiro contato de verdade com uma artista e H.D. era a figura mais bela que eu já tinha visto na minha vida, com um rosto que saiu direto de uma estátua grega e, quase até o fim, o corpo de uma atleta.10 (QUINN, 1967: 28)

                                                                                                                         9 “O Imagismo se refere à teoria e à prática de um grupo de poetas que, entre 1912 e 1917, se juntaram em reação à descuidada técnica e aos valores extra-poéticos de grande parte da poesia do século XIX”. 10“I had a friend at least who talked to me about poetry and did not laugh at my meager attempts at writing. (Not that I thought them meager at the time!) It was my first real contact with an artist, and H.D. was the most beautiful figure

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Em 1920, H.D. e Bryher viajam para a Grécia, em 1921, para os Estados Unidos, depois

para o Egito, até se instalarem na Suíça. Em 1925, sai Collected Poems of H.D., contendo seus

outros três volumes publicados anteriormente: Sea Garden (1916), Hymen (1921) e Heliodora e

Outros Poemas (1924) e várias traduções do grego. Como o Imagismo acabou em 1925, pensou-

se que o trabalho de H.D. também havia acabado, e por isso também pensa-se nela somente como

Imagista, mas H.D. continuou escrevendo pelos 35 anos seguintes. Foram treze volumes nesses

últimos anos da sua carreira.

H.D. continuou explorando os mesmo temas, mas acrescentando novas dimensões a suas

antigas preocupações, como comenta QUINN (1967: 29): “O trabalho de H.D. é como uma

espiral: um circuito contínuo ao redor da mesma área. Seus temas são poucos, mas seu

entendimento deles muda quando ela os vê de diferentes ângulos.” 11

Em relação à poesia de H.D. e, mais especificamente, sua temática, pode-se afirmar que

sua marca característica é o classicismo, principalmente o interesse pela Grécia antiga. Em

Collected Poems, mais de 20 poemas são monólogos dramáticos de personagens da literatura

grega clássica ou imaginários; outros 20 são líricos e de tema helenístico, cinco são adaptações de

fragmentos de Safo, e vários que descrevem a natureza se referem a paisagens gregas. Segundo

Douglas Bush, “H.D. é uma poeta da fuga. Seu refúgio é um mundo dos sonhos de beleza ideal

que ela chama de Grécia”.12 (QUINN, 1967: 33) Outro tema fundamental em H.D. é o da rejeição

da vida urbana em favor da natureza; o prazer nos aspectos não-domados, perigosos (como

tempestades, por exemplo); ela é “uma poeta civilizada alheia à civilização”.13 (QUINN, 1967:

37).

H.D. considerava a poesia como uma vocação e esperava usar seu talento para criar uma

beleza austera; ela buscava a satisfação transcendental e desejava a realização através da

natureza, da arte e do amor, renunciando aos atrativos buscados pela maioria das pessoas Quanto

à natureza, H.D. vê dificuldade em enfrentar sua violência, mas quer esse perigo; e quanto ao

amor, ela vê o corpo e o espírito como conflitantes, o amor físico é uma ameaça ao espírito. O

que a tortura é a ilusão do que procura, especialmente já que seus propósitos tendem a entrar em                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          that I have ever seen in my life, with a face that came directly from a Greek statue and, almost to the end, the body of an athlete.” 11 “H.D.’s works is like a spiral: a continuous circuit over the same area. Her subjects are few, but her understanding of them changes as she views them from different heights.” 12 “H.D. is a poet of escape. Her refuge is a dream-world of ideal beauty which she calls Greece” 13 “a civilized poet unaware of civilization”.

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conflito um com o outro; o amor disputa com a poesia, que disputa com a natureza, contudo, ela

permanece firme na sua busca por todos eles. Dadas sua profundidade e suas alusões ao mundo

clássico, a sofisticada poesia de H.D. requer uma leitura e uma análise cuidadosas. Dentro da

tradição do verso livre, H.D. estabeleceu padrões altamente complexos tanto em dimensões

linguísticas como também psicológicas e histórico-mitológicas.

Como metodologia de desenvolvimento da pesquisa apresento os poemas que escolhi

traduzir seguidos de sua análise formal, que eu chamo aqui de “raio-X”, sua tradução, a análise

formal da tradução e por último os comentários a respeito do processo tradutório.

Eurydice O original

I So you have swept me back, I who could have walked with the live souls above the earth, I who could have slept among the live flowers at last;

so for your arrogance and your ruthlessness I am swept back where dead lichens drip dead cinders upon moss of ash;

so for your arrogance I am broken at last, I who had lived unconscious, who was almost forgot;

if you had let me wait I had grown from listlessness into peace, if you had let me rest with the dead, I had forgot you and the past.

I So you have swept me back, I who could have walked with the live souls above the earth, I who could have slept among the live

flowers at last;

so for your arrogance and your ruthlessness I am swept back A where dead lichens drip dead cinders upon moss of ash; A

so for your arrogance I am broken at last, I who had lived unconscious, who was almost forgot;

if you had let me wait I had grown from listlessness into peace, if you had let me rest with the dead, A I had forgot you and the past. A

A tradução

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I Então você me varreu para trás, eu que poderia ter andado com as almas

vivas sobre a terra, eu que poderia ter dormido entre as flores

vivas enfim; então por sua arrogância e sua frieza sou varrida para trás onde líquens mortos gotejam cinzas mortas sobre limo de brasa; então por sua arrogância enfim estou despedaçada, eu que tinha vivido inconsciente, que fui quase esquecida; se você tivesse me deixado esperar eu teria surgido da indiferença para a paz, se você tivesse me deixado descansar com os

mortos, eu teria esquecido você e o passado.

I Então você me varreu para trás, eu que poderia ter andado com as almas

vivas A sobre a terra, eu que poderia ter dormido entre as flores

vivas A enfim; então por sua arrogância e sua frieza A sou varrida para trás onde líquens mortos gotejam cinzas mortas sobre limo de brasa; A então por sua arrogância enfim estou despedaçada, eu que tinha vivido inconsciente, que fui quase esquecida; se você tivesse me deixado esperar eu teria surgido da indiferença para a paz, se você tivesse me deixado descansar com os

mortos, eu teria esquecido você e o passado.

Comentários da tradução

“Eurydice” é o poema mais longo dos selecionados aqui. Ele é composto de sete partes

que “dialogam” entre si, há repetição de ideias, de palavras e até de versos. O poema faz

referência à história de Orfeu e Eurídice, da mitologia grega. Segundo o mito, Orfeu, filho do

deus Apolo, havia se apaixonado por Eurídice, mas ela, ao tentar fugir de Aristeu, que a estava

assediando por sua beleza, foi picada por uma serpente e acabou morrendo. Orfeu, não aceitando

a morte da amada, vai até o inferno procurá-la. Hades permite que Orfeu busque-a com uma

única condição: que ele não olhasse para Eurídice até que ela estivesse sob o sol. Ele consegue

resistir à tentação de atravessar o inferno sem olhá-la, mas quando estavam quase chegando, para

ter certeza que ela ainda estava ali, Orfeu olha para trás por um instante e, neste momento,

Eurídice se transforma em espectro novamente e retorna para o mundo dos mortos. A história é

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importante para a compreensão do poema, e só após ter pesquisado a respeito dela, pude concluir

minha tradução.

O original

II

Here only flame upon flame and black among the red sparks, streaks of black and light grown colourless;

why did you turn back, that hell should be reinhabited of myself thus swept into nothingness?

why did you glance back? why did you hesitate for that moment? why did you bend your face caught with the flame of the upper earth, above my face?

what was it that crossed my face with the light from yours and your glance? what was it you saw in my face? the light of your own face, the fire of your own presence?

What had my face to offer but reflex of the earth, hyacinth colour caught from the raw fissure in the rock where the light struck, and the colour of azure crocuses and the bright surface of gold crocuses and of the wind-flower, swift in its veins as lightning and as white.

II Here only flame upon flame and black among the red sparks, streaks of black and light grown colourless;

why did you turn back, that hell should be reinhabited of myself thus swept into nothingness?

why did you glance back? why did you hesitate for that moment? why did you bend your face caught with the flame of the upper earth, above my face?

what was it that crossed my face A with the light from yours and your glance? A what was it you saw in my face? A the light of your own face, A the fire of your own presence? A

What had my face to offer B but reflex of the earth, hyacinth colour B caught from the raw fissure in the rock where the light struck, and the colour of azure crocuses C and the bright surface of gold crocuses C and of the wind-flower, swift in its veins as lightning and as white.

A tradução

II Aqui apenas flama sobre flama e negras entre rubras faíscas,

II Aqui apenas flama sobre flama e negras entre rubras faíscas,

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feixes de negror e luz que surgem sem cor; por que você se virou, aquele inferno deveria ser repovoado de mim mesma então varrida para o nada? por que você olhou para trás? por que você hesitou naquele momento? por que você inclinou sua face flagrada com a flama da terra acima, sobre minha face? o que foi que atravessou minha face com a luz da sua e o seu vislumbre? o que foi que você viu na minha face? a luz da sua própria face, o fogo da sua própria presença? O que tinha a minha face a oferecer além do reflexo da terra, tom violáceo capturado da crua fissura na pedra onde a luz incidiu, e o tom azul do açafrão e a brilhante superfície do dourado açafrão e da flor do vento, veloz em suas veias tão luminosa e tão branca.

feixes de negror e luz que surgem sem cor; por que você se virou, aquele inferno deveria ser repovoado de mim mesma então varrida para o nada? por que você olhou para trás? por que você hesitou naquele momento? por que você inclinou sua face flagrada com a flama da terra acima, sobre minha face? o que foi que atravessou minha face A com a luz da sua e o seu vislumbre? o que foi que você viu na minha face? A a luz da sua própria face, A o fogo da sua própria presença? A* O que tinha a minha face a oferecer B* além do reflexo da terra, tom violáceo B* capturado da crua fissura na pedra onde a luz incidiu, e o tom azul do açafrão C e a brilhante superfície do dourado açafrão C e da flor do vento, veloz em suas veias tão luminosa e tão branca.

Comentários da tradução Nessa segunda parte do poema a familiaridade com a história de Orfeu se faz

imprescindível, pois, em “why did you turn back” o verso só faz sentido se o leitor souber que no

mito, Orfeu olhou para trás e causou a volta de Eurídice para o inferno. Antes de procurar a

respeito dele, havia traduzido esse verso como “por que você se voltou”, o que não corresponde

com a história. É interessante notar também os contrastes entre claro e escuro presentes no

poema, como: “flama”, “rubra”, “faísca”, “luz”, ”brilhante”, “luminosa”, “branca”, que se opõem

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a “negras”, “negror” e “sem cor”. Essas antíteses também fazem parte do mito, em que Orfeu e

Eurídice estão tentando ir do inferno/escuridão para a terra/luz.

Quanto à rima B, ela está marcada por um asterisco por não ser exatamente uma rima, e

sim uma aproximação com o “ce” de “oferecer” e de “violáceo”. No original, as rimas são “offer”

e “hyacinth colour”. A cor do jacinto é roxa, mas nem “jacinto” nem “roxo” rimam com

“oferecer” e por isso, a palavra que mais se aproximou de “oferecer” em questão de sonoridade e

que mantinha a referência do tom roxo foi “violáceo”.

O original III

Saffron from the fringe of the earth, wild saffron that has bent over the sharp edge of earth, all the flowers that cut through the earth, all, all the flowers are lost;

everything is lost, everything is crossed with black, black upon black and worse than black, this colourless light.

III Saffron from the fringe of the earth, A wild saffron that has bent over the sharp edge of earth, A all the flowers that cut through the earth, A all, all the flowers are lost; B

everything is lost, B everything is crossed with black, C black upon black C and worse than black, C this colourless light.

A tradução III Açafrão das cercanias da terra, açafrão selvagem que se curvou sobre a aguda margem da terra, todas as flores que irromperam da terra, todas, todas as flores estão perdidas; tudo está perdido, tudo está atravessado pelo negro, negro sob negro e pior que negro, esta luz descolorida.

III Açafrão das cercanias da terra, A açafrão selvagem que se curvou sobre a aguda margem da terra, A todas as flores que irromperam da terra, A todas, todas as flores estão perdidas; tudo está perdido, tudo está atravessado pelo negro, B negro sob negro B e pior que negro, B esta luz descolorida.

Comentários da tradução

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Nessa parte do poema, as principais mudanças foram: “cut through”, que antes eu havia

traduzido como “atravessou”, mas por achar que o termo deveria ser mais abrupto, troquei por

“irrompeu”; e “colourless light”, que havia traduzido como “cor sem luz”, o que acabou retirando

a poeticidade da palavra “colourless” e então troquei por “descolorida”.

O original IV

Fringe upon fringe of blue crocuses, crocuses, walled against blue of themselves, blue of that upper earth, blue of the depth upon depth of flowers, lost;

flowers, if I could have taken once my breath of them, enough of them, more than earth, even than of the upper earth, had passed with me beneath the earth;

if I could have caught up from the earth, the whole of the flowers of the earth, if once I could have breathed into myself the very golden crocuses and the red, and the very golden hearts of the first saffron, the whole of the golden mass, the whole of the great fragrance, I could have dared the loss.

IV

Fringe upon fringe of blue crocuses, crocuses, walled against blue of themselves, blue of that upper earth, blue of the depth upon depth of flowers, lost;

flowers, if I could have taken once my breath of them,

A enough of them, A more than earth, B even than of the upper earth, B had passed with me beneath the earth; B

if I could have caught up from the earth, B the whole of the flowers of the earth, B if once I could have breathed into myself the very golden crocuses and the red, C and the very golden hearts of the first saffron, the whole of the golden mass, C the whole of the great fragrance, I could have dared the loss.

A tradução

IV Margens após margens de açafrões azuis, açafrões, cercados contra seus próprios azuis, azul daquela terra superior, azul da profundeza sobre profundeza de flores, perdidas;

IV Margens após margens de açafrões azuis, açafrões, cercados contra seus próprios azuis, azul daquela terra superior, azul da profundeza sobre profundeza de flores, perdidas;

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flores, se uma vez eu pudesse tê-las sorvido, o suficiente delas, mais que terra, ainda mais que a terra superior, teriam passado comigo para baixo da terra; se eu pudesse ter extraído da terra, o todo das flores da terra, se uma vez eu pudesse ter sorvido em mim

mesma os próprios açafrões dourados e os rubros, e os próprios corações dourados do primeiro

açafrão, o todo dos dourados maços, o todo da magnífica fragrância, eu poderia ter arriscado a perda.

flores, se uma vez eu pudesse tê-las sorvido, o suficiente delas, mais que terra, A ainda mais que a terra superior, teriam passado comigo para baixo da terra; A se eu pudesse ter extraído da terra, A o todo das flores da terra, A se uma vez eu pudesse ter sorvido em mim

mesma os próprios açafrões dourados e os rubros, e os próprios corações dourados do primeiro

açafrão, o todo dos dourados maços, o todo da magnífica fragrância, eu poderia ter arriscado a perda.

Comentários da tradução

A principal dificuldade da parte IV foi a expressão “take my breath of them”, que poderia

ser traduzida como “respirar delas”, porém, em português, isso não faz muito sentido, e então,

resolvi mudar para “tê-las sorvido”, que reproduz de uma maneira melhor e mais natural o que a

autora quis dizer, que ela inalou o perfume das flores.

O original V

So for your arrogance and your ruthlessness I have lost the earth and the flowers of the earth, and the live souls above the earth, and you who passed across the light and reached ruthless;

you who have your own light, who are to yourself a presence, who need no presence;

V

So for your arrogance and your ruthlessness I have lost the earth A and the flowers of the earth, A and the live souls above the earth, A and you who passed across the light and reached ruthless;

you who have your own light, who are to yourself a presence, B who need no presence; B

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yet for all your arrogance and your glance, I tell you this:

such loss is no loss, such terror, such coils and strands and pitfalls of blackness, such terror is no loss;

hell is no worse than your earth above the earth, hell is no worse, no, nor your flowers nor your veins of light nor your presence, a loss;

my hell is no worse than yours though you pass among the flowers and speak with the spirits above earth.

yet for all your arrogance C and your glance, C I tell you this:

such loss is no loss, D such terror, such coils and strands and pitfalls of blackness, such terror is no loss; D

hell is no worse than your earth A above the earth, A hell is no worse, no, nor your flowers nor your veins of light nor your presence, a loss;

my hell is no worse than yours though you pass among the flowers and speak with the spirits above earth.

A tradução V Então pela sua arrogância e sua crueldade eu perdi a terra e as flores da terra, e as almas vivas sobre a terra, e você que passou através da luz e alcançou cruel; você que tem sua própria luz, que é para você mesmo uma presença, que nem precisa de presença; contudo, por toda sua arrogância e sua mirada, eu lhe digo isso: tal perda não é perda, tal terror, tais tumultos, fracassos e armadilhas do negrume,

V Então pela sua arrogância e sua crueldade eu perdi a terra A e as flores da terra, A e as almas vivas sobre a terra, A e você que passou através da luz e alcançou cruel; você que tem sua própria luz, que é para você mesmo uma presença, B que nem precisa de presença; B contudo, por toda sua arrogância e sua mirada, eu lhe digo isso: tal perda não é perda, C tal terror, tais tumultos, fracassos e armadilhas do negrume,

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tal terror não é perda; o inferno não é pior que a sua terra sobre a terra, o inferno não é pior, não, nem suas flores nem suas veias de luz nem sua presença, uma perda; meu inferno não é pior que o seu embora você passe entre as flores e fale com os espíritos sobre a terra.

tal terror não é perda; C o inferno não é pior que a sua terra A sobre a terra, A o inferno não é pior, não, nem suas flores nem suas veias de luz nem sua presença, uma perda; meu inferno não é pior que o seu embora você passe entre as flores e fale com os espíritos sobre a terra.

O original VI

Against the black I have more fervour than you in all the splendour of that place, against the blackness and the stark grey I have more light;

and the flowers, if I should tell you, you would turn from your own fit paths toward hell, turn again and glance back and I would sink into a place even more terrible than this.

VI

Against the black I have more fervour than you in all the splendour of that place, A against the blackness and the stark grey A I have more light;

and the flowers, if I should tell you, you would turn from your own fit paths B toward hell, turn again and glance back B and I would sink into a place even more terrible than this.

A tradução VI Perante o negro eu tenho mais fervor que você em todo o esplendor daquele local, contra o negrume e o cinza total eu tenho mais luz; e as flores, se eu pudesse lhe contar,

VI Perante o negro eu tenho mais fervor que você em todo o esplendor daquele local,

A contra o negrume e o cinza total A eu tenho mais luz; e as flores,

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você desviaria dos seus próprios trajetos adequados

em direção ao inferno, viraria de novo e olharia para trás e eu afundaria num lugar ainda mais terrível que este.

se eu pudesse lhe contar, B você desviaria dos seus próprios trajetos

adequados em direção ao inferno, viraria de novo e olharia para trás e eu afundaria num lugar B ainda mais terrível que este.

O original VII

At least I have the flowers of myself, and my thoughts, no god can take that; I have the fervour of myself for a presence and my own spirit for light;

and my spirit with its loss knows this; though small against the black, small against the formless rocks, hell must break before I am lost;

before I am lost, hell must open like a red rose for the dead to pass.

VII

At least I have the flowers of myself, and my thoughts, no god can take that; I have the fervour of myself for a presence and my own spirit for light;

and my spirit with its loss A knows this; though small against the black, small against the formless rocks, A hell must break before I am lost; A

before I am lost, hell must open like a red rose for the dead to pass.

A tradução VII Pelo menos tenho as flores de mim mesma, e meus pensamentos, nenhum deus pode tirar isso; tenho o fervor de mim mesma para uma

presença e meu próprio espírito para luz; e meu espírito com sua perda sabe disso; apesar de pequeno perto do negror, pequeno perto das pedras sem forma, o inferno deve quebrar antes que eu esteja

perdida; antes que eu esteja perdida, o inferno deve se abrir como uma rosa rubra

VII Pelo menos tenho as flores de mim mesma,

A e meus pensamentos, nenhum deus pode tirar isso; tenho o fervor de mim mesma para uma

presença A e meu próprio espírito para luz; e meu espírito com sua perda sabe disso; apesar de pequeno perto do negror, pequeno perto das pedras sem forma, o inferno deve quebrar antes que eu esteja

perdida; antes que eu esteja perdida,

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para os mortos passarem. o inferno deve se abrir como uma rosa rubra para os mortos passarem.

Sea Gods O original I They say there is no hope-- sand--drift--rocks--rubble of the sea-- the broken hulk of a ship, hung with shreds of rope, pallid under the cracked pitch. They say there is no hope to conjure you-- no whip of the tongue to anger you-- no hate of words you must rise to refute. They say you are twisted by the sea, you are cut apart by wave-break upon wave-break, that you are misshapen by the sharp rocks, broken by the rasp and after-rasp. That you are cut, torn, mangled, torn by the stress and beat, no stronger than the strips of sand along your ragged beach.

I They say there is no hope-- A sand--drift--rocks--rubble of the sea-- the broken hulk of a ship, B hung with shreds of rope, A pallid under the cracked pitch. B They say there is no hope to conjure you-- C no whip of the tongue to anger you-- C no hate of words you must rise to refute. C They say you are twisted by the sea, you are cut apart by wave-break upon wave-break, that you are misshapen by the sharp rocks, broken by the rasp and after-rasp. That you are cut, torn, mangled, torn by the stress and beat, B no stronger than the strips of sand along your ragged beach. B

A tradução I Eles dizem que não há esperança-- areia--duna--pedregulhos—cascalho do mar-- o casco de um navio quebrado, pendurado com pedaços de trança, pálido sob o piche rachado. Eles dizem que não há esperança para invocar você-- nenhum açoite da língua para irritar você-- nenhuma raiva das palavras que você deva levantar para rebater.

I Eles dizem que não há esperança-- A areia--duna--pedregulhos—cascalho do mar-- o casco de um navio quebrado, B pendurado com pedaços de trança, A pálido sob o piche rachado. B Eles dizem que não há esperança para invocar você-- C nenhum açoite da língua para irritar você-- C nenhuma raiva das palavras

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Eles dizem que você é retorcido pelo mar, você é dividido por ondas quebrando sobre ondas quebrando, que você é desfigurado pelas pedras agudas, quebrado pela lima e pelo depois da lima. Que você é cortado, rasgado, dilacerado, rasgado pelo cansaço e pela ruína, não é mais forte que as faixas de areia ao longo da sua praia maltrapilha.

que você deva levantar para rebater. C Eles dizem que você é retorcido pelo mar, você é dividido por ondas quebrando sobre ondas quebrando, que você é desfigurado pelas pedras agudas, quebrado pela lima e pelo depois da lima. Que você é cortado, rasgado, dilacerado, rasgado pelo cansaço e pela ruína, D não é mais forte que as faixas de areia ao longo da sua praia maltrapilha. D

Comentários da tradução No segundo verso da segunda estrofe há o verbo “conjure”, que, automaticamente traduzi

como “conjurar”, porém, após fazer uma segunda pesquisa a respeito dos significados de

“conjure” e “conjurar”, percebi que se tratava de um falso cognato, pois, apesar de serem muito

parecidas, não significam a mesma coisa. Segundo o dicionário Houaiss, “conjurar” é: associar a

um partido político, tramar, conspirar, conclamar; ao passo que “conjure”, segundo o dicionário

de Cambridge, é: fazer algo aparecer através de mágica ou feitiço, influenciar por invocação.

Desse modo, a palavra escolhida foi “invocar”.

Quanto a “drift” já no segundo verso do poema, pensei primeiramente se tratar de um

verbo (“ficar à deriva”), mas como nesse verso só há substantivos, procurei por outro significado

de “drift” e descobri que a palavra também quer dizer “monte/amontoado de areia”, por isso

traduzi como “duna”. E quanto a “beat”, a dificuldade se encontra nas várias significações que a

palavra possui, desde “bater” e “ganhar” até “derrota”. Depois de ver que no poema, “beat” se

referia à “derrota”, e que esta não rima com “maltrapilha” no último verso, escolhi a palavra

“ruína”.

O original II But we bring violets, great masses--single, sweet, wood-violets, stream-violets, violets from a wet marsh. Violets in clumps from hills,

II But we bring violets, great masses--single, sweet, wood-violets, stream-violets, violets from a wet marsh. Violets in clumps from hills,

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tufts with earth at the roots, violets tugged from rocks, blue violets, moss, cliff, river-violets. Yellow violets' gold, burnt with a rare tint-- violets like red ash among tufts of grass. We bring deep-purple bird-foot violets. We bring the hyacinth-violet, sweet, bare, chill to the touch-- and violets whiter than the in-rush of your own white surf.

tufts with earth at the roots, violets tugged from rocks, blue violets, moss, cliff, river-violets. Yellow violets' gold, burnt with a rare tint-- violets like red ash among tufts of grass. We bring deep-purple bird-foot violets. We bring the hyacinth-violet, sweet, bare, chill to the touch-- A and violets whiter than the in-rush A of your own white surf.

A tradução II Mas trazemos violetas, grandes maços--sós, doces, violetas-do-campo, violetas-da-água, violetas de um pântano molhado. Violetas em moitas de colinas, tufos com terra nas raízes, violetas arrancadas de pedras, violetas azuis, do musgo, do penhasco, violetas-do-rio. Ouro das violetas amarelas, bronzeadas com raro matiz-- violetas como rubras cinzas entre tufos de relva. Trazemos o roxo profundo de violetas pés-de-passarinho. Trazemos as violetas-jacinto, doces, nuas, se arrepiam quando tocadas-- e violetas mais brancas que a entrada das suas próprias alvas ondas quebrando.

II Mas trazemos violetas, grandes maços--sós, doces, violetas-do-campo, violetas-da-água, violetas de um pântano molhado. Violetas em moitas de colinas, tufos com terra nas raízes, violetas arrancadas de pedras, violetas azuis, do musgo, do penhasco, violetas-do-rio. Ouro das violetas amarelas, bronzeadas com raro matiz-- violetas como rubras cinzas entre tufos de relva. Trazemos o roxo profundo de violetas pés-de-passarinho. Trazemos as violetas-jacinto, doces, nuas, se arrepiam quando tocadas-- A e violetas mais alvas que a entrada A das suas próprias alvas ondas quebrando.

Comentários da tradução

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Ao traduzir “Sea Gods”, minha maior dificuldade foi encontrar os nomes em português

para as violetas: “wood-violets”, “stream-violets”, “river-violets”, “bird-foot violets” e “hyacinth-

violet”. Foi necessária uma longa pesquisa em sites e livros de botânica para descobrir que elas

não têm nomes correspondentes aqui no Brasil, sendo usado somente o nome da espécie em

latim. Assim, fiz um levantamento dos nomes de violetas mais comuns no Brasil, e entre eles

estão: violeta-africana, branca-do-campo, brava, da-água, da-lua, da Pérsia, de São Paulo, do

campo, do mato, dos matos, roxa e tricolor (amor-perfeito). Em seguida, foi necessário encaixar

esses nomes no poema de acordo com a imagem que o nome original invoca. Por exemplo, “bird-

foot violet” não existe em português, e traduzi-la simplesmente como “amor-perfeito”, digamos,

não teria a mesma referência da flor original, me parecendo mais profícuo traduzi-la como

“violetas pés-de-passarinho”, já que esse é o apelo visual buscado, uma violeta cujas pétalas se

parecem com a pata de um passarinho, como pode-se perceber pela foto:

Viola pedata

Desse modo, “wood-violets” virou “violetas-do-campo”,

Viola odorata

“stream-violets” ficou como “violetas-da-água”,

Viola glabella

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“river-violets” ficou “violetas-do-rio”, e esta, já no original não é o nome de uma espécie de

verdade, e “hyacinth-violet”, que também não é uma espécie, virou “violetas-jacinto”:

O original III For you will come, you will yet haunt men in ships, you will trail across the fringe of strait and circle the jagged rocks. You will trail across the rocks and wash them with your salt, you will curl between sand-hills-- you will thunder along the cliff-- break--retreat--get fresh strength-- gather and pour weight upon the beach. You will draw back, and the ripple on the sand-shelf will be witness of your track. O privet-white, you will paint the lintel of wet sand with froth. You will bring myrrh-bark and drift laurel-wood from hot coasts! when you hurl high--high-- we will answer with a shout. For you will come, you will come, you will answer our taut hearts, you will break the lie of men's thoughts, and cherish and shelter us.

III For you will come, you will yet haunt men in ships, you will trail across the fringe of strait and circle the jagged rocks. You will trail across the rocks and wash them with your salt, you will curl between sand-hills-- you will thunder along the cliff-- break--retreat--get fresh strength-- gather and pour weight upon the beach. You will draw back, A and the ripple on the sand-shelf will be witness of your track. A O privet-white, you will paint the lintel of wet sand with froth. You will bring myrrh-bark and drift laurel-wood from hot coasts! when you hurl high--high-- we will answer with a shout. For you will come, B you will come, B you will answer our taut hearts, C you will break the lie of men's thoughts, C and cherish and shelter us. B

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A tradução III Pois você chegará, você ainda assombrará os homens nos navios, você se arrastará pelas margens dos canais e circulará entre as pedras pontiagudas. Você se arrastará pelas pedras e as lavará com seu sal, você se enrolará nos morros de areia-- você trovejará ao longo do penhasco-- quebrará--recuará—conseguirá uma nova força-- reunirá e derramará o peso sob a praia. Você recusará, e a onda na plataforma de areia será testemunha do seu percurso. Ah pétalas brancas, você pintará a verga da areia molhada com espuma. Você trará o casco da mirra e balançará o loureiro da quente beira-mar! quando você urrar alto--alto-- nós responderemos com um grito. Pois você chegará, você chegará, você responderá nossos corações apertados, você romperá a mentira dos pensamentos humanos, nos estimará e nos protegerá.

III Pois você chegará, você ainda assombrará os homens nos navios, você se arrastará pelas margens dos canais e circulará entre as pedras pontiagudas. Você se arrastará pelas pedras e as lavará com seu sal, você se enrolará nos morros de areia-- você trovejará ao longo do penhasco-- quebrará--recuará—conseguirá uma nova força-- reunirá e derramará o peso sob a praia. Você recusará, A e a onda na plataforma de areia será testemunha do seu percurso. Ah pétalas brancas, você pintará A a verga da areia molhada com espuma. Você trará o casco da mirra e balançará o loureiro da quente beira-mar! quando você urrar alto--alto-- nós responderemos com um grito. Pois você chegará, B você chegará, B você responderá nossos corações apertados, C* você romperá a mentira dos pensamentos humanos, C* nos estimará e nos protegerá. B

Comentários da tradução Nesta última parte do poema, as principais mudanças foram os verbos do futuro composto

(“você vai recusar”) para o simples (“você recusará”), por não ser tão informal, e alterações nas

expressões “fringes of strait”, “drift” e “coasts” para deixa-las mais naturais aos ouvidos do leitor

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falante de português, que talvez estranhasse a palavra “costas” ou “costeiras” (equivalente de

“coasts”), por exemplo.

Lethe O original Nor skin nor hide nor fleece Shall cover you, Nor curtain of crimson nor fine Shelter of cedar-wood be over you, Nor the fir-tree Nor the pine. Nor sight of whin nor gorse Nor river-yew, Nor fragrance of flowering bush, Nor wailing of reed-bird to waken you, Nor of linnet, Nor of thrush. Nor word nor touch nor sight Of lover, you Shall long through the night but for this: The roll of the full tide to cover you Without question, Without kiss.

Nor skin nor hide nor fleece A Shall cover you, B Nor curtain of crimson nor fine C Shelter of cedar-wood be over you, B Nor the fir-tree A Nor the pine. C Nor sight of whin nor gorse Nor river-yew, B Nor fragrance of flowering bush, Nor wailing of reed-bird to waken you, B Nor of linnet, Nor of thrush. Nor word nor touch nor sight Of lover, you Shall long through the night but for this: D The roll of the full tide to cover you Without question, Without kiss. D

A tradução Letes Nem carne nem pele nem velo Cobrirão você, Nem cortina de carmim nem rico Abrigo dos cedros estejam sobre você, Nem o pinheiro, Nem o pinho. Nem a visão da carqueja nem do tojo Nem do teixo, Nem a fragrância do arbusto florescendo,

Letes Nem carne nem pele nem velo A Cobrirão você, B Nem cortina de carmim nem rico C Abrigo dos cedros estejam sobre você, B Nem o pinheiro, A Nem o pinho. C Nem a visão da carqueja nem do tojo Nem do teixo, Nem a fragrância do arbusto florescendo,

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Nem o lamento do pardal a te despertar, Nem do pintarroxo, Nem do tordo. Nem palavra nem toque nem visão Do amante, você Deverá ansiar através da noite, a não ser por isso: O quebrar da maré alta a cobrir você Sem pergunta, Sem beijo.

Nem o lamento do pardal a te despertar, Nem do pintarroxo, Nem do tordo. Nem palavra nem toque nem visão Do amante, você Deverá ansiar através da noite, a não ser por isso: O quebrar da maré alta a cobrir você Sem pergunta, Sem beijo.

Comentários da tradução

“Lethe”, ou “Letes” em português, na mitologia grega, é um dos rios do Hades (o mundo

subterrâneo, o mundo dos mortos), e a palavra significa “esquecimento”. Segundo o mito, quem

bebesse do rio ou apensas tocasse em suas águas esqueceria de toda sua vida, sua memória se

apagaria por completo; antes de entrarem para o Hades, então, as almas primeiro tomavam um

gole de água do rio para esquecerem sua existência anterior .

O poema gera dificuldade para a tradução graças às referências a elementos da natureza

(uma das características mais marcantes de H.D.), neste caso, nomes de plantas e pássaros. O

primeiro nome que aparece é “cedar-wood”, cuja equivalência em português é bosque ou floresta

de cedros, mas como o verso ficaria muito longo, optei apenas por “cedros” para manter o apelo

visual do poema. As próximas referências à natureza são “fir-tree” e “pine”, e ambos significam

“pinheiro” ou “pinho”, por isso utilizei estes dois nomes. Quanto a “whin” e “gorse”, encontrei

que são plantas bastante parecidas, mas o nome para “whin” seria carqueja e para “gorse” seria

tojo. Segue uma foto de “whin” ou “gorse”:

Contudo, o nome mais difícil de encontrar em português foi “reed-bird”, no quarto verso

da segunda estrofe. O nome desse passarinho no Brasil é “escrevedeira-dos-caniços”, nada

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econômico e muito menos poético. Pensei, primeiramente, em deixar como “rouxinol”, por ser

um pássaro conhecido pelo seu canto e também por motivos de sonoridade. Contudo, o rouxinol é

um pássaro que canta à noite, e se eu mantivesse essa escolha, comprometeria o sentido do

poema, já que o “reed-bird” é uma ave que canta de dia. Dessa forma, procurei por pássaros da

mesma família de “reed-bird”. Esse passarinho pertence à ordem dos Passeriformes, que inclui

mais de 4000 espécies, e à família Emberizidae, presente em maior número nas Américas, sendo

seu nome popular em português escrevedeiras ou pardais do Novo Mundo, apesar destes

pertencerem à família Passeridae. Os emberizídeos brasileiros mais comuns são os tico-ticos,

porém, pelo fato de o pardal ser um pássaro mais conhecido que o tico-tico, optei, então, traduzir

“reed-bird” por “pardal”, já que são aves semelhantes, e produzem a mesma imagem, a do

passarinho comum que canta de dia.

At Baia O original I should have thought in a dream you would have brought some lovely, perilous thing, orchids piled in a great sheath, as who would say (in a dream), "I send you this, who left the blue veins of your throat unkissed." Why was it that your hands (that never took mine), your hands that I could see drift over the orchid-heads so carefully, your hands, so fragile, sure to lift so gently, the fragile flower-stuff-- ah, ah, how was it You never sent (in a dream) the very form, the very scent, not heavy, not sensuous,

I should have thought A in a dream you would have brought A some lovely, perilous thing, orchids piled in a great sheath, B as who would say (in a dream), B "I send you this, B who left the blue veins of your throat unkissed." Why was it that your hands (that never took mine), your hands that I could see C drift over the orchid-heads so carefully, C your hands, so fragile, sure to lift so gently, the fragile flower-stuff-- ah, ah, how was it You never sent (in a dream) B the very form, the very scent, not heavy, not sensuous, D

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but perilous--perilous-- of orchids, piled in a great sheath, and folded underneath on a bright scroll, some word: "Flower sent to flower; for white hands, the lesser white, less lovely of flower-leaf,"

or

"Lover to lover, no kiss, no touch, but forever and ever this."

but perilous--perilous-- D of orchids, piled in a great sheath, B and folded underneath on a bright scroll, some word: "Flower sent to flower; for white hands, the lesser white, less lovely of flower-leaf," B

or

"Lover to lover, no kiss, B no touch, but forever and ever this." B

A tradução Em Baia Eu devia ter previsto que num sonho você teria trazido alguma coisa adorável, perigosa, orquídeas empilhadas num belo estojo, como alguém diria (num sonho), “Eu lhe envio isto, alguém que deixou as veias azuis da sua garganta imbeijada.” Por que foi que suas mãos (que nunca tomaram as minhas), suas mãos que eu pude ver vagar em pétalas de orquídeas com tanto cuidado, suas mãos, tão frágeis, prontas para levantar, tão gentilmente, a essência frágil da flor – ah, ah, como foi isso Você nunca enviou (num sonho) a mesma forma, o mesmo cheiro, não denso, não libidinoso, mas perigoso—perigoso— das orquídeas, empilhadas num belo estojo e dobradas sob um brilhante pergaminho,

Em Baia Eu devia ter previsto A que num sonho você teria trazido A alguma coisa adorável, perigosa, orquídeas empilhadas num belo estojo, B como alguém diria (num sonho), B “Eu lhe envio isto, alguém que deixou as veias azuis da sua garganta imbeijada.” Por que foi que suas mãos (que nunca tomaram as minhas), suas mãos que eu pude ver vagar em pétalas de orquídeas com tanto cuidado, suas mãos, tão frágeis, prontas para levantar, tão gentilmente, a essência frágil da flor – ah, ah, como foi isso Você nunca enviou (num sonho) B a mesma forma, o mesmo cheiro, não denso, não libidinoso, C mas perigoso—perigoso— C das orquídeas, empilhadas num belo estojo B e dobradas sob um brilhante pergaminho,

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algumas palavras:

“Flor enviada para flor; para alvas mãos, a menos alva, menos adorável das folhas de flor,”

ou

“De amante para amante, sem beijo, sem toque, mas para todo o sempre assim.”

algumas palavras:

“Flor enviada para flor; para alvas mãos, a menos alva, menos adorável das folhas de flor,”

ou

“De amante para amante, sem beijo, sem toque, mas para todo o sempre assim.”

Comentários da tradução

As maiores dificuldades que encontrei ao traduzir esse poema foram as rimas. Nos dois

primeiros versos do original estão “thought” e “brought”, que na tradução se tornaram “previsto”

e “trazido”, que, por sua vez, não são rimas perfeitas, mas as duas palavras têm sons semelhantes.

A segunda rima (B) “sheath” e “dream” já não é perfeita no original e na tradução escolhi

“estojo” e “sonho”. Quanto à palavra “sheath”, primeiramente havia traduzido-a como “bainha”,

já que, na biologia, “sheath” significa a parte da folha que envolve o caule da planta, e como H.D.

faz muito uso de referências à natureza e à botânica, pensei, num primeiro momento, se tratar de

uma bainha. Contudo, numa segunda análise, percebi que “sheath” se referia a um maço, um

buquê, ou qualquer tipo de embalagem que contivesse muitas flores; e, como essa palavra deveria

rimar com “sonho” (“dream”), optei então por “estojo”.

A terceira rima (C) é “see” e “carefully”; em português, “ver” e “cuidadosamente” ou

“com cuidado” não rimam, e nem se aproximam em questão de sonoridade, portanto, decidi

manter o sentido dos versos, abrindo mão da rima. Na terceira estrofe, a rima “sonho”/”estojo” se

repete e aparece uma nova: “sensuous” e “perilous”, que traduzi como “libidinoso” e “perigoso”,

e nas últimas duas estrofes há novas ocorrências da rima B: “leaf”, “kiss” e “this”, que não foram

possíveis de manter na tradução, pois alteraria o sentido e o impacto do fechamento do poema.

No último verso da primeira estrofe, a palavra “unkissed” eu havia traduzido como “não-

beijada”, mas depois de procurar a respeito dela, vi que se tratava de um neologismo, uma

palavra não-dicionarizada, e, portanto, em português também deveria haver um neologismo, por

isso troquei “não-beijada” por “imbeijada”, que causa o mesmo estranhamento em português que

“unkissed” causa no inglês. No caso de “orchid-heads” (“cabeças de orquídeas”), mudei a palavra

“cabeças” por “pétalas”, já que, além de ser mais poética, em português, o termo para essa parte

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da flor seria “corola”, porém, este é um termo da botânica, não muito utilizado nem conhecido no

discurso informal, do dia-a-dia; então, dessa forma, optei por “pétalas de orquídeas”.

Outra expressão que gerou dificuldade ao traduzir foi “flower-stuff” na segunda estrofe.

Primeiramente pensei se tratar de um termo técnico, mas depois de pesquisar em sites de

biologia, não encontrei nenhum significado para esse vocábulo. Em seguida, procurei pelos

vários significados de “stuff”, um termo bastante vago, que pode ter o sentido de “coisa”, de

“material”, ou, como verbo, de “encher”. No poema, “flower-stuff” pode ser interpretado como o

que é próprio da flor ou que pertence à flor ou faz parte dela. Minha primeira escolha ao traduzi-

lo foi “enchimento”, mas, num segundo momento, preferi a palavra “essência” pela sonoridade e

por ser mais poética, ao mesmo passo que transmite melhor a ideia de algo que é inerente à flor.

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3. TRADUZINDO AMY LOWELL

Amy Lowell nasceu em 1874 em Massachusetts, USA, numa família rica e influente.

Seu avô havia desenvolvido a indústria de algodão de Massachusetts, duas cidades nos estados

foram nomeadas em homenagem à família, o primo do seu avô foi o poeta James Russell Lowell,

seu irmão mais velho tornou-se astrônomo e ficou conhecido por descobrir os canais de Marte e

outro de seus irmãos foi presidente da Universidade de Harvard. No total eles eram em cinco

irmãos, (Lowell a mais nova) e a casa da família se chamava “Sevenels” por causa dos sete

“Lowells”. Amy, por ser mulher, não pode ir à universidade, então ela mesma foi responsável

por sua educação, passando bastante tempo na biblioteca de seu pai, onde havia 7000 livros.

Em 1897, Lowell viajou para a Europa e para o Egito a fim de se recuperar de uma dieta

que supostamente iria curá-la de um problema de peso, mas que na verdade acabou piorando sua

condição. Em 1900, quando seus pais já haviam falecido, ela comprou a casa da família e

continuou sua vida de socialite com muitas festas. Segundo a própria Lowell, ela escreveu seu

primeiro poema em 1902, um tributo à atriz Eleonora Duse. Porém, somente em 1910 ela teve

seu primeiro poema publicado, e, em 1912, sua primeira coletânea: A Dome of Many-Colored

Glass. Neste mesmo ano, Amy conheceu quem seria sua companheira até sua morte, a atriz Ada

Dwyer Russel.

Amy Lowell teve o primeiro contato com o Imagismo quando leu um poema na revista

Poetry, em 1912, assinado por “H.D., Imagista”. Naquele momento, Lowell se identificou com o

movimento e decidiu que também era uma Imagista e, então, foi para Londres conhecer Ezra

Pound e os demais poetas do Imagismo, porém, ela e Pound não se deram muito bem, ele achou

que Amy estaria desvirtuando o movimento e chamou a versão dela do Imagismo de “Amygism”.

Em 1914, ela publicou seu segundo livro de poemas, Sword Blades and Poppy Seeds, e, em 1915,

graças a sua influência e seu poder aquisitivo, conseguiu publicar uma antologia Imagista, Some

Imagist Poets, que teve outro volume em 1916 e o último em 1917. Segundo Elisabeth

ROUDINESCO (2012:15), “Lowell dedicava uma paixão febril às imagens brutas, aos jardins, à

arte japonesa e a John Keats”.

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Lowell era conhecida por suas excentricidades, ela era obesa (Pound a chamava,

inclusive de “hipopoetess”), dormia até às três da tarde, se vestia como um homem, dormia com

dezesseis travesseiros, fumava charutos, além de outras singularidades. Gilberto Freyre, que

conheceu Amy, frequentava sua casa e trocava correspondência com ela, escreveu num artigo no

Correio da Manhã: Amy  Lowell,  pelo  physico,  prestava-­‐se  á  caricatura  e  ao  ridiculo  mais  do  que  outro  qualquer  poeta  da  "New  Poetry".  Era  gorda,  vermelha,  bochechuda,  de  pince-­‐nez:  a  negação  do  typo  poetico,  em  geral,  e  do  typo  "modernista",  em  particular.  Quem  a  avistasse  como  eu  a  vi  pela  primeira  vez,  a  estourar  de  gorda  das  rendas  amarellas  e  das  sedas  pretas  de  um  vestido  que  me  pareceu  extremamente   justo  para  o  seu  corpo,   não   a   suppunha   capaz   de   lyrismo   tão   fino,   de   esthetismo   tão   agudo,   de  experimentalismo   tão   arrojado   e   ao  mesmo   tempo   tão   preciso   nos   seus   effeitos,  como  os  dos  seus  poemas  mais  caracteristicos.  A   impressão  que  ella  primeiro  nos  communicava  era  a  de  uma  governante  allemã  vestida  para  ir  ao  officio  lutherano;  ou  a  de  menagère  de  hotel  suisso.  Mas  essa  impressão,  ella  a  desmanchava  lendo-­‐nos  os  seus  primeiros  poemas  ou  os  de  Keats.  Ou  conversando,  maliciosa,  subtil,  ás  vezes  cruel,  sobre  os  poemas  alheios,  os  criticos,  os  doutores  das  universidades.  Ou  sobre  porcellanas,  pintores,  charutos.14  

Em 1916, ela publicou seu terceiro livro, Men, Women and Ghosts, seguido de outro em

1917 (uma coleção de ensaios), outra coletânea de poesia em 1918 e em 1919 e um livro de

adaptações de mitos e lendas em 1921. Em seguida, Amy dedicou-se a escrever uma biografia de

John Keats, cuja obra vinha colecionando desde 1905. Em 1925, ela teve uma hemorragia

cerebral e faleceu. Sua companheira, Ada, queimou toda a correspondência pessoal entre elas,

mas publicou mais três volumes de poemas de Lowell. Um deles, What’s O’Clock ganhou o

Prêmio Pulitzer de poesia em 1926.

Amy Lowell construiu uma sólida reputação não somente como um das principais

escritoras inovadoras do seu tempo, mas também, em seus anos mais ativos, como líder

intelectual no seu país, pois contribuiu para a constituição de uma voz genuinamente norte-

americana. Seu primeiro livro não havia sido bem recebido, por haver muita influência de Keats e

Tennyson, ao passo que o segundo trazia as novidades formais que a colocavam ao lado dos

demais poetas Imagistas. Lowell, inclusive, criou um termo para a sua poesia: “prosa polifônica”,

já que, segundo ela, é uma poesia que faz uso de suas muitas vozes, ou seja, métrica, verso livre,

assonâncias, aliterações e rimas, juntamente com as vozes da prosa. Além disso, Lowell deu

muitas palestras sobre a nova poesia Imagista e sobre o verso livre, tendo muita audiência devido

ao seu forte poder de persuasão. Ela inclusive foi descrita por T.S. Eliot como uma “demon                                                                                                                          14  Disponível em: http://bvgf.fgf.org.br/portugues/biografias/AmyLowell.html

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saleswoman of poetry” (“uma demoníaca vendedora de poesia”), o que ela não negou, dizendo

sobre si mesma: “God made me a businesswoman and I made myself a poet.” (“Deus me fez uma

mulher de negócios, mas eu me fiz poeta.”)

Apresento agora os quatro poemas selecionados, juntamente com sua análise formal,

suas traduções e os comentários da tradução.

The Giver of Stars O original Hold your soul open for my welcoming. Let the quiet of your spirit bathe me With its clear and rippled coolness, That, loose-limbed and weary, I find rest, Outstretched upon your peace, as on a bed of ivory. Let the flickering flame of your soul play all about me, That into my limbs may come the keenness of fire, The life and joy of tongues of flame, And, going out from you, tightly strung and in tune, I may rouse the blear-eyed world, And pour into it the beauty which you have begotten.

Hold your soul open for my welcoming. Let the quiet of your spirit bathe me With its clear and rippled coolness, That, loose-limbed and weary, I find rest, Outstretched upon your peace, as on a bed of ivory. Let the flickering flame of your soul play all about me, That into my limbs may come the keenness of fire, The life and joy of tongues of flame, And, going out from you, tightly strung and in tune, I may rouse the blear-eyed world, And pour into it the beauty which you have begotten.

A tradução Trazendo Estrelas Mantenha sua alma aberta para minhas boas-vindas. Deixe que a quietude do seu espírito me banhe Com seu frescor límpido e ondeado, Que, com o corpo exausto e entregue, eu encontre descanso, Estendida sobre a sua paz, como se numa cama de marfim.

Trazendo Estrelas Mantenha sua alma aberta para minhas boas-vindas. Deixe que a quietude do seu espírito me banhe Com seu frescor límpido e ondeado, Que, com o corpo exausto e entregue, eu encontre descanso, Estendida sobre a sua paz, como se numa cama de marfim.

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Deixe a chama cintilante da sua alma brincar sobre mim, Que ao meu corpo possa vir a avidez das chamas, A vida e a alegria das línguas de fogo, E, ao sair de você, firmemente amarradas e em sintonia, Eu possa despertar este mundo de olhos baços, E nele despejar a beleza que você gerou.

Deixe a chama cintilante da sua alma brincar sobre mim, Que ao meu corpo possa vir a avidez das chamas, A vida e a alegria das línguas de fogo, E, ao sair de você, firmemente amarradas e em sintonia, Eu possa despertar este mundo de olhos baços, E nele despejar a beleza que você gerou.

Comentários da tradução

Os problemas de tradução deste poema começam já no título “The Giver of Stars”, que,

em seu original, não marca gênero e, dessa forma, não é possível saber se o “doador de estrelas” é

um homem ou uma mulher. Em português, não há como não marcar o gênero, pois ao traduzir o

título do poema ao pé da letra, seria necessário escolher entre “o doador” ou “a doadora”, o que

acaba interferindo na interpretação do poema. Por esse motivo, escolhi traduzi-lo como

“Trazendo estrelas”, que mantém a dúvida de quem está trazendo ou doando estrelas, como no

original.

Outro problema foi o verso “That, loose-limbed and weary, I find rest”, no qual, “loose-

limbed” quer dizer literalmente “com os membros soltos ou relaxados”. Contudo, a palavra

“membro” em português não é muito utilizada ao expressar cansaço, por isso, troquei-a por corpo

e “loose-limbed” por “corpo exausto”, que apesar de perder a sonoridade (“loose-limbed”),

mantém a imagem de uma pessoa extremamente cansada e entregue.

A Tulip Garden O original

Guarded within the old red wall's embrace, Marshalled like soldiers in gay company, The tulips stand arrayed. Here infantry Wheels out into the sunlight. What bold grace

Guarded within the old red wall's embrace, A Marshalled like soldiers in gay company, B The tulips stand arrayed. A Here infantry B Wheels out into the sunlight. C What bold grace A

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Sets off their tunics, white with crimson lace! Here are platoons of gold-frocked cavalry, With scarlet sabres tossing in the eye Of purple batteries, every gun in place. Forward they come, with flaunting colours spread, With torches burning, stepping out in time To some quick, unheard march. Our ears are dead, We cannot catch the tune. In pantomime Parades that army. With our utmost powers We hear the wind stream through a bed of flowers.

Sets off their tunics, white with crimson lace! A Here are platoons of gold-frocked cavalry, B With scarlet sabres tossing in the eye C Of purple batteries, every gun in place. A Forward they come, with flaunting colours spread, D With torches burning, stepping out in time C To some quick, unheard march. Our ears are dead, D We cannot catch the tune. In pantomime C Parades that army. B With our utmost powers E We hear the wind stream through a bed of flowers. E

A tradução

Um Jardim de Tulipas Protegidas no abraço da velha parede avermelhada, Dispostas como soldados em alegre companhia, As tulipas estão ordenadas. Aqui a infantaria Corre em direção à luz solar. Que graça ousada Realça suas túnicas, alvas com renda carminada! Aqui os dourados pelotões da cavalaria, Com sabres escarlates lançados no olhar De roxas baterias, cada arma bem colocada. Avante eles vem, com seus tons espalhafatosos, Saindo a tempo, com tochas a queimar Para alguma rápida, desconhecida marcha. Nossos ouvidos estão mortos, Não logramos estar em sintonia. Num pantomimar

Um Jardim de Tulipas Protegidas no abraço da velha parede avermelhada, A Dispostas como soldados em alegre companhia, B As tulipas estão ordenadas. A Aqui a infantaria B Corre em direção à luz solar. C Que graça ousada A Realça suas túnicas, alvas com renda carminada! A Aqui os dourados pelotões da cavalaria, B Com sabres escarlates lançados no olhar C De roxas baterias, cada arma bem colocada. A Avante eles vem, com seus tons espalhafatosos, D Saindo a tempo, com tochas a queimar C Para alguma rápida, desconhecida marcha. Nossos ouvidos estão mortos, D Não logramos estar em sintonia. B Num pantomimar C

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Paradas que o exército formaria. Com nossos máximos poderes Ouvimos o passar do vento pelo canteiro de flores.

Paradas que o exército formaria. B Com nossos máximos poderes E Ouvimos o passar do vento pelo canteiro de flores. E

Comentários da tradução

Neste poema, o maior problema de tradução foram as rimas, que acontecem em todos os

versos, com exceção do décimo terceiro e do décimo quinto. A rima “A” (“embrace”, “arrayed” –

imperfeita-, “grace”, “lace” e “place”) foi transformada em rima “ada” na tradução:

“avermelhada”, “ordenadas”, “ousada”, “carminada” e “colocada”. A rima “B” (“company”,

“infantry”, “cavalry” e “army”) transformou-se numa rima “ia”: “companhia”, “infantaria”,

“cavalaria” e “formaria”. A rima “C” (“sunlight”, “eye”, “time” e “pantomime”) foi traduzida

pela rima “ar”: “solar”, “olhar”, “queimar” e “pantomimar”. A rima “D” (“spread” e “dead) não

foi possível manter, havendo, na tradução, apenas uma aproximação dos sons vocálicos

“espalhafatosos” e “mortos”. E a última rima, “E” (“powers” e “flowers”) foi transformada em

“poderes” e “flores”.

Diferente de H.D., cujos poemas são bastante livres em relação à forma, Amy Lowell tem

uma preferência por poemas com rimas, por isso escolhi este poema para ilustrar essa

característica da poesia de Lowell.

A Japanese Wood-Carving O original

High up above the open, welcoming door It hangs, a piece of wood with colours dim. Once, long ago, it was a waving tree And knew the sun and shadow through the leaves Of forest trees, in a thick eastern wood. The winter snows had bent its branches down, The spring had swelled its buds with coming flowers, Summer had run like fire through its veins, While autumn pelted it with chestnut burrs,

High up above the open, welcoming door It hangs, a piece of wood with colours dim. Once, long ago, it was a waving tree And knew the sun and shadow through the leaves Of forest trees, in a thick eastern wood. The winter snows had bent its branches down, The spring had swelled its buds with coming flowers, Summer had run like fire through its veins, While autumn pelted it with chestnut burrs,

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And strewed the leafy ground with acorn cups. Dark midnight storms had roared and crashed among Its branches, breaking here and there a limb; But every now and then broad sunlit days Lovingly lingered, caught among the leaves. Yes, it had known all this, and yet to us It does not speak of mossy forest ways, Of whispering pine trees or the shimmering birch; But of quick winds, and the salt, stinging sea! An artist once, with patient, careful knife, Had fashioned it like to the untamed sea. Here waves uprear themselves, their tops blown back By the gay, sunny wind, which whips the blue And breaks it into gleams and sparks of light. Among the flashing waves are two white birds Which swoop, and soar, and scream for very joy At the wild sport. Now diving quickly in, Questing some glistening fish. Now flying up, Their dripping feathers shining in the sun, While the wet drops like little glints of light, Fall pattering backward to the parent sea. Gliding along the green and foam-flecked hollows, Or skimming some white crest about to break, The spirits of the sky deigning to stoop And play with ocean in a summer mood. Hanging above the high, wide open door, It brings to us in quiet, firelit room, The freedom of the earth's vast solitudes, Where heaping, sunny waves tumble and roll, And seabirds scream in wanton happiness.

And strewed the leafy ground with acorn cups. Dark midnight storms had roared and crashed among Its branches, breaking here and there a limb; But every now and then broad sunlit days Lovingly lingered, caught among the leaves. Yes, it had known all this, and yet to us It does not speak of mossy forest ways, Of whispering pine trees or the shimmering birch; But of quick winds, and the salt, stinging sea! An artist once, with patient, careful knife, Had fashioned it like to the untamed sea. Here waves uprear themselves, their tops blown back By the gay, sunny wind, which whips the blue And breaks it into gleams and sparks of light. Among the flashing waves are two white birds Which swoop, and soar, and scream for very joy At the wild sport. Now diving quickly in, Questing some glistening fish. Now flying up, Their dripping feathers shining in the sun, While the wet drops like little glints of light, Fall pattering backward to the parent sea. Gliding along the green and foam-flecked hollows, Or skimming some white crest about to break, The spirits of the sky deigning to stoop And play with ocean in a summer mood. Hanging above the high, wide open door, It brings to us in quiet, firelit room, The freedom of the earth's vast solitudes, Where heaping, sunny waves tumble and roll, And seabirds scream in wanton happiness.

A tradução

Um Entalhe Japonês

Acima da porta aberta e acolhedora

Um Entalhe Japonês Acima da porta aberta e acolhedora

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Fixou-se uma peça de madeira fosca. Há tempos foi uma árvore que balançava E via o sol e a sombra entre as folhas Da mata, num denso bosque oriental. No inverno a neve fazia inclinar seus galhos, Na primavera os botões com flores futuras, No verão um fogo correra por suas veias, O outono a cobria de espinhos da castanha E espalhava as bolotas no chão forrado de folhas. Tormentas noturnas haviam urrado e tombado Seus galhos, até quebrando alguns dos seus membros; Mas volta e meia largos dias de sol Belos e longos eram presos entre as folhas. Sim, vivera isso, e, contudo, a nós Não fala das trilhas de musgo da floresta, De pinheiros gemendo e nem da bétula trêmula; Mas dos ventos fortes, do salgado e incisivo mar! Um artista uma vez, com dócil e ciosa faca, A moldara como se fosse o indomado mar. Aqui levantam-se ondas, as cristas sopradas Pelo vento, feliz e solar, que açoita o azul E as quebra em brilhos e em centelhas de luz. Entre as rútilas ondas há dois pássaros brancos Que atacam, planam e gritam a cada gozo No jogo feroz. Agora o mergulho rápido, As penas gotejantes brilham ao sol, Enquanto as gotas como lampejos de luz, Caem tamborilando no mar protetor. Deslizando pelos frescos vãos de espuma Ou tirando a branca camada prestes a quebrar, Até os espíritos do céu a se inclinar E a brincar com o oceano num humor de verão. Pendendo acima da ampla porta aberta,

Fixou-se uma peça de madeira fosca. Há tempos foi uma árvore que balançava E via o sol e a sombra entre as folhas Da mata, num denso bosque oriental. No inverno a neve fazia inclinar seus galhos, Na primavera os botões com flores futuras, No verão um fogo correra por suas veias, O outono a cobria de espinhos da castanha E espalhava as bolotas no chão forrado de folhas. Tormentas noturnas haviam urrado e tombado Seus galhos, até quebrando alguns dos seus membros; Mas volta e meia largos dias de sol Belos e longos eram presos entre as folhas. Sim, vivera isso, e, contudo, a nós Não fala das trilhas de musgo da floresta, De pinheiros gemendo e nem da bétula trêmula; Mas dos ventos fortes, do salgado e incisivo mar! Um artista uma vez, com dócil e ciosa faca, A moldara como se fosse o indomado mar. Aqui levantam-se ondas, as cristas sopradas Pelo vento, feliz e solar, que açoita o azul E as quebra em brilhos e em centelhas de luz. Entre as rútilas ondas há dois pássaros brancos Que atacam, planam e gritam a cada gozo No jogo feroz. Agora o mergulho rápido, As penas gotejantes brilham ao sol, Enquanto as gotas como lampejos de luz, Caem tamborilando no mar protetor. Deslizando pelos frescos vãos de espuma Ou tirando a branca camada prestes a quebrar, Até os espíritos do céu a se inclinar E a brincar com o oceano num humor de verão. Pendendo acima da ampla porta aberta,

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Ela nos traz num quarto quieto e claro, A liberdade das solidões da terra, Onde montes de ondas solares rolam E aves marinhas gritam em pleno deleite.

Ela nos traz num quarto quieto e claro, A liberdade das solidões da terra, Onde montes de ondas solares rolam E aves marinhas gritam em pleno deleite.

Comentários da tradução

Este poema representou um desafio extra em todo o processo de tradução em função de

um aspecto formal bastante relevante que é a escolha da poeta por privilegiar uma métrica

bastante formal. Assim sendo, as duas primeiras versões focalizaram mais em aspectos lexicais e

de caráter conteudistico; já numa terceira versão, nos dedicamos então a respeitar e tentar manter

as equivalências do poema original. Buscamos privilegiar uma métrica que caracteriza o poema:

aquela onde prevalecem pentâmetros iâmbicos, Portanto, a versão em português esforça-se por

replicar as cinco sílabas fortes a cada verso, tentando ainda manter a alternância (quando

possível) entre iambos (fraca/forte). Contudo, vale aqui destacar que no poema original não

temos uma constante perfeita do uso de iambos, muito embora os pentâmetros sejam mantidos.

Mediante a dificuldade de reproduzir a métrica do original e pensando em evidenciar o

movimento rítmico do poema, nossa solução tradutória foi manter uma metrificação que nos

parece mais fluida em português. Contudo, cremos que nosso procedimento e nossa metodologia

não se anula pelas escolhas finais.

Vintage O original

I will mix me a drink of stars,— Large stars with polychrome needles, Small stars jetting maroon and crimson, Cool, quiet, green stars. I will tear them out of the sky, And squeeze them over an old silver cup, And I will pour the cold scorn of my Beloved into it, So that my drink shall be bubbled with ice. It will lap and scratch As I swallow it down; And I shall feel it as a serpent of fire,

I will mix me a drink of stars,— Large stars with polychrome needles, Small stars jetting maroon and crimson, Cool, quiet, green stars. I will tear them out of the sky, And squeeze them over an old silver cup, And I will pour the cold scorn of my Beloved into it, So that my drink shall be bubbled with ice. It will lap and scratch As I swallow it down; And I shall feel it as a serpent of fire,

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Coiling and twisting in my belly. His snortings will rise to my head, And I shall be hot, and laugh, Forgetting that I have ever known a woman.

Coiling and twisting in my belly. His snortings will rise to my head, And I shall be hot, and laugh, Forgetting that I have ever known a woman.

A tradução

Vintage Farei para mim um drink de estrelas, --- Grandes estrelas com agulhas policrômicas, Pequenas estrelas jorrando grená e carmim, Vívidas, caladas e calmas estrelas. Irei rasgá-las do céu, E espremê-las num velho copo prateado. E nele despejarei o gélido desdém da minha Amada, Para que a minha bebida possa borbulhar com o gelo. Ela se revolverá e arranhará Ao sorve-la; E devo senti-la como uma serpente de fogo, Trançando e enrolando em meu estômago, Seus ruídos subirão à minha cabeça, E deverei ficar quente, e rir, Esquecendo que um dia conheci uma mulher.

Vintage Farei para mim um drink de estrelas, --- Grandes estrelas com agulhas policrômicas, Pequenas estrelas jorrando grená e carmim, Vívidas, caladas e calmas estrelas. Irei rasgá-las do céu, E espremê-las num velho copo prateado. E nele despejarei o gélido desdém da minha Amada, Para que a minha bebida possa borbulhar com o gelo. Ela se revolverá e arranhará Ao sorve-la; E devo senti-la como uma serpente de fogo, Trançando e enrolando em meu estômago, Seus ruídos subirão à minha cabeça, E deverei ficar quente, e rir, Esquecendo que um dia conheci uma mulher.

Comentários da tradução

Em “Vintage”, o problema foi descobrir a que o pronome “his” se refere no décimo

terceiro verso. No início da estrofe há o pronome “it”, se referindo ao “drink”, e, possivelmente,

“his” seja uma personificação da bebida, já que nela está contido também uma parte da Amada

(seu desdém). A outra possibilidade é que “his” se referisse ao “beloved” e isso significaria que o

“beloved” é um homem, porém, no último verso, o eu-lírico diz que queria esquecer que

conheceu uma mulher. Dessa forma, apesar de em português o “his” , nesse caso, só poder ser

traduzido como “seus”, já que é seguido de “ruídos”, uma palavra masculina, permanece a dúvida

de a quem o eu-lírico se refere quando fala “his snotings”, o que poderia mudar o sentido do

poema.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de H.D. e Amy Lowell terem pertencido ao mesmo movimento literário, e,

portanto, acreditarem nos mesmos princípios de como a poesia deveria ser, é nítida a diferença

entre os aspectos que caracterizam os poemas de cada uma delas; assim é que, como poetas

consagradas, confirmamos que cada uma possui uma dicção toda própria. H.D. parece ter vivido

na Antiguidade, seus poemas não são do mundo moderno, mas do clássico. Amy Lowell, por

outro lado, mesmo percorrendo o universo de H.D. em alguns poemas, é contemporânea, tratando

de temas como a cidade, a guerra, os trabalhadores, ou como “Vintage”, que descreve o eu-lírico

preparando um “drink” com o desdém da pessoa amada. Além disso, Lowell também é mais

diversificada em relação à forma, pois escreveu sonetos, canções para crianças, prosa poética,

poemas completamente livres, muitos poemas rimados, como “A Tulip Garden” e muitos

metrificados, como “A Japanese Wood-Carving”. Já H.D. preocupou-se em trabalhar com a

sonoridade, como aponta Marjorie BOULTON (1953: 150): “[H.D.] tentou produzir o efeito

vívido, nítido e comedido da lírica grega, com padrões de vogais ou consoantes fazendo grande

parte de sua técnica.”15

Dessa forma, como traduzir duas autoras do mesmo movimento, mas com estilos tão

diferentes? De acordo com Haroldo de CAMPOS (2013: 14), “a tradução de poesia (ou prosa que

a ela equivalha em problematicidade) é antes de tudo uma vivência do mundo e da técnica do

traduzido” e, portanto, a fim de chegar a uma tradução dos poemas de H.D. e de Amy Lowell, foi

necessário, em um primeiro momento, situá-las historicamente, passando por todo o contexto no

qual as autoras se encaixavam, pesquisando e estudando o Modernismo, as vanguardas, a nova

linguagem literária até chegar no Imagismo, e, por fim, buscar elementos nas próprias poetas,

suas biografias e obras. Sem compreender a época e situação em que os poemas foram

produzidos, não teria sido possível realizar uma tradução satisfatória.

Contudo, há uma questão ainda mais abrangente: a própria tradução literária, que para

muitos ainda é considerada “impossível” devido à dificuldade do texto literário, suas

ambiguidades, jogos de palavras, rimas, aliterações, ritmo, musicalidade e muitos outros aspectos

formais a serem mantidos além do significado em si. Como aponta BRITTO (2012: 12): As pessoas tendem a pensar (i) que traduzir é, na verdade, uma tarefa relativamente fácil; (ii) que o principal problema do tradutor consiste em saber que nomes têm as

                                                                                                                         15  “[H.D.] has tried to give something of the cool, crisp, restrained effect of Greek lyric, with patterns of vowels or consonants playing a large part in her technique”.

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coisas num idioma estrangeiro; (iii) que este problema se resolve com a consulta de dicionários bilíngues; e (iv) que, com os avanços da informática e o advento da internet, em pouco tempo a tradução será uma atividade inteiramente automatizada, feita sem a intervenção humana.

A visão tradicional que se tem de um tradutor é a de que ele simplesmente tem o dever de

passar palavras, sentenças ou textos que estão em uma língua para outra sem acrescentar ou

retirar nenhuma informação, e jamais interpretá-los, contudo, o apagamento do tradutor no

processo de traduzir não é possível, pois a partir do momento em que ele lê um texto, ele já está

imediatamente interpretando-o, como coloca Rosemary ARROJO (1986: 44) “nossa tradução de

qualquer texto, poético ou não, será fiel não ao texto original, mas àquilo que consideramos ser o

texto original.” No senso comum, as críticas feitas às traduções, assim como às adaptações de

livros pra o cinema ou para a televisão, se baseiam muitas vezes no critério de que o tradutor não

soube transportar todos os sentidos ou emoções do texto da língua/cultura de partida para o de

chegada, porém, julgamentos do tipo bom/ruim acerca das traduções são meramente uma questão

de gosto pessoal.

A fidelidade absoluta é claramente inatingível, visto que os textos podem ter mais de uma

leitura e também pelo fato de as línguas não serem sistemas equivalentes, havendo diferenças

tanto na gramática como no léxico. Contudo, segundo BRITTO (2012: 37), “o tradutor

responsável é aquele que, com os recursos de que dispõe e com as limitações a que não pode

escapar, produz um texto que corresponda de modo razoável ao texto original”. Não existe uma

fórmula para se traduzir literatura, como diz Paulo RÓNAI (1981: 110): “uma das falácias da

tradução é a ilusão de poder aprendê-la por tratados. Ora, como organizar um manual da

tradução, se esta arte escapa toda sistematização? Na verdade, a tradução aprende-se traduzindo”.

E como Rónai apontou, tradução é uma arte, um trabalho criativo, ou ainda, uma recriação, na

qual, de acordo com Haroldo de CAMPOS (2012: 5), “quanto mais inçado de dificuldades esse

texto, mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação”.

No caso específico da poesia, conforme buscamos realizar nesta pesquisa, o trabalho do

tradutor é o de identificar as principais características formais do poema (o que fiz através do

“raio-X” com os poemas de H.D. e Lowell) e hierarquizar estes elementos a fim de escolher quais

são mais imprescindíveis de serem reproduzidos na tradução. Para fazer esta escolha é preciso

seguir o que foi postulado por Haroldo de Campos, e que já citei aqui: viver o mundo e a técnica

do traduzido. A fim de conseguir escolher o que era mais importante manter na poesia de H.D. e

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de Amy Lowell, foi necessário compreender o que elas acreditavam sobre a poesia e o que o

movimento a que elas pertenciam postulava. Em H.D., sendo maior a sua preocupação com as

imagens, estas são as prioridades da tradução e, por isso, antes de manter a rima, por exemplo,

me parece mais relevante recriar a mesma imagem do texto original (como aconteceu com os

nomes de violetas em “Sea Gods”). Na poesia de Lowell, por outro lado, por mais que ela

também se preocupasse com as imagens, em alguns poemas, como “A Tulip Garden” e “A

Japanese Wood-Carving”, a forma também tem um papel igualmente importante, não podendo

ser sacrificada. E quando não é possível manter um elemento considerado fundamental? Segundo

BRITTO (2012: 146), “a perda é inevitável”, mas o tradutor pode utilizar a estratégia da

compensação, ou seja, criar um outro efeito para compensar o perdido.

Por fim, levando em consideração que é a tarefa do tradutor fazer a seleção do que é mais

importante em uma obra e precisa ser mantido na tradução, pode-se dizer que o tradutor, antes de

mais nada, é o melhor leitor que essa obra pode ter, assim como o melhor crítico, já que cabe a

ele fazer tais julgamentos. Ao eleger os poemas de H.D. e Lowell a serem traduzidos, estava

fazendo crítica, pois estava analisando quais poemas continham mais características Imagistas em

sua forma e conteúdo, posto que essa era a proposta da pesquisa: traduzir poemas desse

movimento. E, por sua vez, essa seleção só foi possível de ser realizada através de amplo estudo e

leitura sobre as autoras.

Por tudo que argumentamos e exemplificamos acima, percebe-se que é intensa e

trabalhosa a jornada do tradutor de poesia, mas o prazer de fazer existir um poema em um idioma

no qual ele não existia é uma emoção igualmente intensa. Esperamos, com a presente pesquisa,

contribuir, ainda que minimamente, para alguma reflexão em torno da prática tradutória e, em

alguma medida, (modesta, sabemos), contribuir também para a difusão da obra destas duas poetas

e do movimento Imagista.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARROJO, R. Oficina de Tradução: A teoria na prática. São Paulo: Ática, 1986.

BRADBURY, M., MCFARLANE, J. Modernismo: guia geral. São Paulo: Companhia das Letras,

1998.

BRITTO, P.H. A reconstrução da forma na tradução de poesia. Caderno de Letras (UFRJ), n.26,

26 junho 2010. Disponível em:

<http://www.letras.ufrj.br/anglo_germanicas/cadernos/numeros/062010/textos/cl26062010Paulo.

pdf>. Acesso em: 28/07/2013.

BRITTO, P.H. A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

BOULTON, M. The Anatomy of Poetry. Londres: Routledge & Kegan Paul Limited, 1953.

CAMPOS, H. Da Tradução como Criação e Como Crítica. In: _______. Transcriação.

Organização Marcelo Tápia, Thelma Médici Nóbrega. 1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. p.1-

18.

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ANEXOS Hilda Doolittle

Amy Lowell

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Primeiras e segundas versões das traduções Eurydice I Então você me deixou para trás, eu que poderia ter andado com as almas vivas sobre a terra, eu que poderia ter repousado entre as flores

vivas enfim;

Então você me varreu para trás, eu que poderia ter andado com as almas vivas sobre a terra, eu que poderia ter repousado entre as flores

vivas enfim;

então pela sua arrogância e sua crueldade estou deixada para trás onde os líquens mortos gotejam cinzas mortas sobre limo de brasa;

então por sua arrogância e sua crueldade sou varrida para trás onde os líquens mortos gotejam cinzas mortas sobre limo de brasa;

então pela sua arrogância enfim estou quebrada, eu que vivi inconsciente, que quase fui esquecida;

então por sua arrogância enfim estou destruída, eu que tinha vivido inconsciente, que fui quase esquecida;

se você tivesse me deixado esperar eu teria crescido da indiferença para a paz, se você tivesse me deixado descansar com os

mortos, eu teria esquecido você e o passado.

se você tivesse me deixado esperar eu teria surgido da indiferença para a paz, se você tivesse me deixado descansar com os

mortos, eu teria esquecido você e o passado.

II Aqui apenas flama sobre flama e negro entre rubras faíscas, feixes de negro e luz criados sem cor;

Aqui apenas flama sobre flama e negras entre rubras faíscas, feixes de negror e luz surgidos sem cor;

por que você se voltou, aquele inferno deveria ser repovoado com eu mesma desse modo varrida para o nada?

por que você se virou, aquele inferno deveria ser repovoado de mim mesma desse modo varrida para o nada?

por que você olhou de volta? por que você hesitou naquele momento?

por que você olhou para trás? por que você hesitou naquele momento?

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por que você inclinou sua face flagrada com a flama da terra acima, sobre minha face?

por que você inclinou sua face flagrada com a flama da terra acima, sobre minha face?

o que foi que atravessou minha face com a luz da sua e o seu relance? o que foi que você viu na minha face? a luz da sua própria face, o fogo da sua própria presença?

o que foi que atravessou minha face com a luz da sua e o seu relance? o que foi que você viu na minha face? a luz da sua própria face, o fogo da sua própria presença?

O que tinha a minha face a oferecer além do reflexo da terra, tom violáceo capturado da crua fissura na pedra onde a luz incide, e o tom azul do açafrão e a brilhante superfície do dourado açafrão e da flor do vento, veloz em suas veias como um clarão e como a alvura.

O que tinha a minha face a oferecer além do reflexo da terra, tom violáceo capturado da crua fissura na pedra onde a luz incidiu, e o tom azul do açafrão e a brilhante superfície do dourado açafrão e da flor do vento, veloz em suas veias tão luminoso e tão branco.

III Açafrão das cercanias da terra, açafrão selvagem que se dobrou sobre a aguda margem da terra, todas as flores que atravessavam a terra, todas, todas as flores estão perdidas;

Açafrão das cercanias da terra, açafrão selvagem que se curvou sobre a aguda margem da terra, todas as flores que irromperam da terra, todas, todas as flores estão perdidas;

tudo está perdido, tudo está cruzado em negro, negro sob negro e pior que negro, esta luz sem cor.

tudo está perdido, tudo está atravessado pelo negro, negro sob negro e pior que negro, esta luz descolorida.

IV Cercanias sobre cercanias de açafrões azuis, açafrões, cercados contra o azul deles mesmos,

Margens após margens de açafrões azuis, açafrões, cercados contra o azul deles mesmos, azul daquela terra superior,

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o azul daquela terra de cima, o azul da profundeza sobre profundeza de flores, perdidas;

azul da profundeza sobre profundeza de flores, perdidas;

flores, se eu pudesse uma vez ter respirado delas, o suficiente delas, mais que a terra, ainda mais que a terra de cima, tinha passado comigo sob a terra;

flores, se eu pudesse uma vez ter respirado delas, o suficiente delas, mais que terra, ainda mais que a terra superior, tinha passado comigo sob a terra;

se eu pudesse ter alcançado da terra, o todo das flores da terra, se eu pudesse uma vez ter respirado em mim mesma os mesmos açafrões dourados e os rubros, e os mesmos corações dourados do primeiro açafrão, o todo dos dourados maços, o todo da magnífica fragrância, que eu poderia ter arriscado perder.

se eu pudesse ter extraído da terra, o todo das flores da terra, se eu pudesse uma vez ter inalado em mim mesma os mesmos açafrões dourados e os rubros, e os próprios corações dourados do primeiro açafrão, o todo dos dourados maços, o todo da magnífica fragrância, eu poderia ter arriscado a perda.

V Então pela sua arrogância e sua crueldade eu perdi a terra e as flores da terra, e as almas vivas sobre a terra, e você que passou através da luz e alcançou cruel;

Então pela sua arrogância e sua crueldade eu perdi a terra e as flores da terra, e as almas vivas sobre a terra, e você que passou através da luz e alcançou cruel;

você que tem sua própria luz, que é pra você mesmo uma presença, que não precisa de nenhuma presença;

você que tem sua própria luz, que é para você mesmo uma presença, que nem precisa de presença;

mas ainda por toda sua arrogância e seu relance,

contudo, por toda sua arrogância e seu vislumbre,

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eu te digo isso:

lhe digo isso:

tal perda não é uma perda, tal terror, tais tumultos, fracassos e armadilhas do negrume, tal terror não é uma perda;

tal perda não é perda, tal terror, tais tumultos, fracassos e armadilhas do negrume, tal terror não é perda;

o inferno não é pior que a sua terra sobre a terra, o inferno não é pior, não, nem suas flores nem suas veias de luz nem sua presença, uma perda;

o inferno não é pior que a sua terra sobre a terra, o inferno não é pior, não, nem suas flores nem suas veias de luz nem sua presença, uma perda;

meu inferno não é pior que o seu apesar de você passar entre as flores e falar com os espíritos sobre a terra.

meu inferno não é pior que o seu embora você passe entre as flores e fale com os espíritos sobre a terra.

VI Contra o negro eu tenho mais fervor que você em todo o esplendor daquele local, contra o negrume e o cinza total eu tenho mais luz;

Perante o negro eu tenho mais fervor que você em todo o esplendor daquele local, contra o negrume e o cinza total eu tenho mais luz;

e as flores, se eu devo te contar, você desviaria dos seus próprios trajetos ajustados em direção ao inferno, viraria de novo e olharia para trás e eu afundaria num lugar ainda mais terrível que este.

e as flores, se eu devo lhe contar, você desviaria dos seus próprios trajetos adequados em direção ao inferno, viraria de novo e olharia para trás e eu afundaria num lugar ainda mais terrível que este.

VII Enfim eu tenho as flores de mim mesma, e meus pensamentos, nenhum deus

Pelo menos tenho as flores de mim mesma, e meus pensamentos, nenhum deus

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pode tirar isso; tenho o fervor de mim mesma para uma

presença e meu próprio espírito para luz;

pode tirar isso; tenho o fervor de mim mesma para uma

presença e meu próprio espírito para a luz;

e meu espírito com sua perda sabe disso; apesar de pequeno perto do negro, pequeno perto das pedras sem forma, o inferno deve quebrar antes que perdida eu

esteja;

e meu espírito com sua perda sabe disso; apesar de pequeno perto do negro, pequeno perto das pedras sem forma, o inferno deve quebrar antes que perdida eu

esteja; antes que eu esteja perdida, o inferno deve abrir como uma rubra rosa para os mortos passarem.

antes que eu esteja perdida, o inferno deve se abrir como uma rosa rubra para os mortos passarem.

Sea Gods I Eles dizem que não há esperança-- na areia--deriva--pedregulhos—cascalho do mar-- o casco de um navio quebrado, preso com retalhos de corda, pálido sob o piche rachado.

Eles dizem que não há esperança-- areia--duna--pedregulhos—cascalho do mar-- o casco de um navio quebrado, pendurado com pedaços de trança, pálido sob o piche rachado.

Eles dizem que não há esperança para conjurar você-- nenhuma chicotada da língua para provocar você-- nenhuma raiva nas palavras que você deva levantar para rebater.

Eles dizem que não há esperança para invocar você-- nenhum açoite da língua para irritar você-- nenhuma raiva das palavras que você deva levantar para rebater.

Eles dizem que você é contorcido pelo mar, você é dividido pela quebra de ondas sob quebra de ondas, que você é deformado pelas pedras agudas, quebrado pela lima e depois da lima.

Eles dizem que você é retorcido pelo mar, você é dividido por ondas quebrando sob ondas quebrando, que você é desfigurado pelas pedras agudas, quebrado pela lima e pelo depois da lima.

Que você é cortado, rasgado, desfigurado, dilacerado pelo cansaço e pela batida, não é mais forte que as faixas de areia ao longo da sua praia maltrapilha.

Que você é cortado, rasgado, dilacerado, rasgado pelo cansaço e pela ruína, não é mais forte que as faixas de areia ao longo da sua praia maltrapilha.

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II Mas nós trazemos violetas, grandes massas--sós, doces, violetas-madeira e violetas-bravas violetas de pântanos molhados.

Mas trazemos violetas, grandes maços--sós, doces, violetas-do-campo, violetas-da-água, violetas de um pântano molhado.

Violetas em moitas de colinas, tufos com terra nas raízes, violetas arrancadas das pedras, violetas azuis, musgo, penhasco, violetas-africanas.

Violetas em moitas de colinas, tufos com terra nas raízes, violetas arrancadas de pedras, violetas azuis, do musgo, do penhasco, violetas do rio.

O ouro das violetas amarelas, queimadas com uma tintura rara-- violetas como cinzas vermelhas entre tufos de relva.

Ouro das violetas amarelas, bronzeadas com raro matiz-- violetas como rubras cinzas entre tufos de relva.

Nós trazemos violetas-do-campo de um roxo profundo.

Trazemos o roxo profundo de violetas pés-de-passarinho.

Nós trazemos os amores-perfeitos, doces, nus, o arrepio quando tocadas-- e violetas mais brancas que o fluxo das suas próprias ondas quebradas.

Trazemos as violetas-jacinto, doces, nus, arrepio quando tocadas-- e violetas mais brancas que a entrada das suas próprias alvas ondas quebradas.

III Pois você vai chegar, você ainda vai assombrar os homens nos navios, você vai se arrastar pelas cercanias do apuro e circular as pedras pontiagudas.

Pois você chegará, você ainda assombrará os homens nos navios, você se arrastará pelas margens dos canais e circulará entre as pedras pontiagudas.

Você vai se arrastar pelas pedras e lavá-las com seu sal, você vai se enrolar nos morros de areia-- você vai trovejar ao longo do penhasco-- quebrar--recuar—conseguir uma nova força-- reunir e derramar o peso sob a praia.

Você se arrastará pelas pedras e as lavará com seu sal, você se enrolará nos morros de areia-- você trovejará ao longo do penhasco-- quebrará--recuará—conseguirá uma nova força-- reunirá e derramará o peso sob a praia.

Você vai recusar, e a onda na plataforma de areia será testemunha do seu percurso.

Você recusará, e a onda na plataforma de areia será testemunha do seu percurso.

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Ah pétalas brancas, você vai pintar a verga da areia molhada com espuma.

Ah pétalas brancas, você pintará a verga da areia molhada com espuma.

Você vai trazer o casco da mirra e vaguear o loureiro da quente costeira! quando você urrar alto--alto-- nós responderemos com um grito.

Você trará o casco da mirra e balançará o loureiro da quente beira-mar! quando você urrar alto--alto-- nós responderemos com um grito.

Pois você vai chegar, você vai chegar, você vai responder nossos corações apertados, você vai romper a mentira dos pensamentos humanos, e nos estimar e nos proteger.

Pois você chegará, você chegará, você responderá nossos corações apertados, você romperá a mentira dos pensamentos humanos, nos estimará e nos protegerá.

Lethe Nem a carne, nem a pele, nem o velo Cobrirão você, Nem a cortina de carmim, nem o rico Refúgio do bosque de cedro estarão sobre você, Nem o pinheiro, Nem o pinho.

Nem carne nem pele nem velo Cobrirão você, Nem cortina de carmim nem rico Abrigo do bosque de cedro estarão sobre você, Nem o pinheiro, Nem o pinho.

Nem a visão da carqueja nem do tojo Nem do teixo do riacho, Nem a fragrância do arbusto florescendo, Nem o lamento do rouxinol para te despertar, Nem o do pintarroxo, Nem o do tordo.

Nem a visão da carqueja nem do tojo Nem do teixo, Nem a fragrância do arbusto florescendo, Nem o lamento do pardal a te despertar, Nem do pintarroxo, Nem do tordo.

Nem a palavra, nem o toque, nem a visão Do amante, você Deverá ansiar através da noite, a não ser por isso: O rolar da maré alta para cobrir você Sem dúvida, Sem beijo.

Nem palavra nem toque nem visão Do amante, você Deverá ansiar através da noite, a não ser por isso: O quebrar da maré alta a cobrir você Sem dúvidas, Sem beijo.

At Baia Eu devia ter previsto Eu devia ter previsto

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num sonho você teria trazido alguma coisa adorável, perigosa, orquídeas empilhadas numa bela bainha, como, num sonho, alguém diria, “Eu te envio isto, quem deixou as veias azuis da sua garganta não beijada.”

que num sonho você teria trazido alguma coisa adorável, perigosa, orquídeas empilhadas num belo estojo, como alguém diria (num sonho), “Eu lhe envio isto, aquele que deixou as veias azuis da sua garganta imbeijada.”

Por que foi que suas mãos (que nunca tomaram as minhas), suas mãos que eu pude ver vagar sobre as pétalas de orquídeas tão cuidadosamente, suas mãos, tão frágeis, seguras para levantar, tão gentilmente, o enchimento frágil da flor – ah, ah, como foi isso

Por que foi que suas mãos (que nunca tomaram as minhas), suas mãos que eu pude ver vagar em pétalas de orquídeas com tanto cuidado, suas mãos, tão frágeis, prontas para levantar, tão gentilmente, a essência frágil da flor – ah, ah, como foi isso

Você nunca (num sonho) enviaria a mesma forma, o mesmo cheiro, não pesado, não libidinoso, mas perigoso—perigoso— das orquídeas, empilhadas numa bela bainha e dobradas debaixo de um brilhante pergaminho, alguma palavra:

Você nunca enviou (num sonho) a mesma forma, o mesmo cheiro, não pesado, não libidinoso, mas perigoso—perigoso— das orquídeas, empilhadas num belo estojo e dobradas debaixo de um brilhante pergaminho, algumas palavras:

“Flor enviada para flor; para alvas mãos, as menos alvas, menos adoráveis das folhas de flor,”

“Flor enviada para flor; para alvas mãos, a menos alva, menos adorável das folhas de flor,”

ou “De amante para amante, sem beijo, sem toque, mas para todo o sempre isto.”

ou “De amante para amante, sem beijo, sem toque, mas para todo o sempre assim.”

The Giver of Stars O Doador de Estrelas Aguarde sua alma aberta para as minhas boas-vindas. Deixe a quietude do seu espírito me banhar Com seu frescor claro e ondeado, Que, fatigada e com os membros relaxados, eu encontre descanso,

Trazendo Estrelas Mantenha sua alma aberta para minhas boas-vindas. Deixe que a quietude do seu espírito me banhe Com seu frescor límpido e ondeado, Que, com o corpo exausto e entregue, eu encontre descanso,

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Estendida sobre a sua paz, como se numa cama de marfim. Deixe a chama cintilante da sua alma brincar sobre mim, Que em meus membros possa vir a avidez do fogo, A vida e a alegria das línguas da chama, E, saindo de você, apertadas e em sintonia, Eu possa despertar o mundo de olhos embaçados, E nele despejar a beleza que você criou.

Estendida sobre a sua paz, como se numa cama de marfim. Deixe a chama cintilante da sua alma brincar sobre mim, Que ao meu corpo possa vir a avidez das chamas, A vida e a alegria das línguas de fogo, E, ao sair de você, firmemente amarradas e em sintonia, Eu possa despertar este mundo de olhos baços, E nele despejar a beleza que você gerou.

A Tulip Garden Guardadas no abraço da velha parede avermelhada, Levadas como soldados em alegre companhia, As tulipas estão emparelhadas. Aqui a infantaria Corre em direção à luz do sol. Que graça alentada Realça suas túnicas, alvas com renda carminada! Aqui estão pelotões de dourada cavalaria, Com sabres escarlates arremessando nos olhos De roxas baterias, e a postos armada. Avante eles vem, ostentando tons espalhados, Com tochas queimando, saindo a tempo Para alguma rápida, desconhecida marcha. E com mortos ouvidos, Não conseguimos pegar a sintonia. Em pantomima Paradas que formam tropas. Com nossos máximos poderes Ouvimos a corrente de vento por uma cama de flores.

Protegidas no abraço da velha parede avermelhada, Dispostas como soldados em alegre companhia, As tulipas estão ordenadas. Aqui a infantaria Corre em direção à luz solar. Que graça ousada Realça suas túnicas, alvas com renda carminada! Aqui os dourados pelotões da cavalaria, Com sabres escarlates lançados no olhar De roxas baterias, cada arma bem colocada. Avante eles vem, com seus tons espalhafatosos, Saindo a tempo, com tochas a queimar Para alguma rápida, desconhecida marcha. Nossos ouvidos estão mortos, Não logramos estar em sintonia. Num pantomimar Paradas que o exército formaria. Com nossos máximos poderes Ouvimos o passar do vento pelo canteiro de flores.

A Japanese Wood-Carving

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Alto acima a aberta, acolhedora porta Está pendurado, um pedaço de madeira com cores foscas. Uma vez, tempos atrás, era uma árvore que balançava E conhecia o sol e a sombra entre as folhas Das árvores da floresta, numa espessa madeira oriental. A neve do inverno havia inclinado seus galhos, A primavera havia inchado seus botões com flores futuras, O verão havia corrido como fogo por suas veias, Enquanto o outono a atacava com os espinhos da castanha E espalhava suas bolotas no chão forrado de folhas. Escuras tempestades no meio da noite haviam urrado e tombado Seus galhos, quebrando aqui e ali alguns membros; Mas volta e meia grandes dias ensolarados Adoravelmente demorados, preso entre as folhas. Sim, ela já sabia tudo isso, e, contudo, para nós Ela não fala dos caminhos musguentos da floresta, Dos pinheiros sussurrando ou da bétula trêmula; Mas dos ventos rápidos e do salgado, ardido mar! Um artista uma vez, com uma paciente e cuidadosa faca, Havia a moldado como se fosse o indomado mar. Aqui as ondas levantam a si mesmas, seus picos assoprados Pelo alegre, ensolarado vento, que açoita o azul E o quebra em brilhos e faíscas de luz. Entre as ondas cintilantes estão dois pássaros

Alto acima da porta aberta e acolhedora Está pendurada, um peça de madeira com cores foscas. Uma vez, tempos atrás, ela foi uma árvore que balançava E conhecia o sol e a sombra entre as folhas Das árvores da floresta, numa espessa madeira oriental. A neve do inverno fizera inclinar seus galhos, A primavera havia inchado seus botões com futuras flores, O verão havia corrido como chamas por suas veias, Enquanto o outono a atacava com os espinhos da castanha E espalhava suas bolotas no chão forrado de folhas. Densas tempestades noturnas haviam urrado e golpeado entre Seus galhos, quebrando alguns membros aqui e ali; Mas volta e meia grandes dias ensolarados Adoravelmente demorados, ficaram presos entre as folhas. Sim, ela já vivera tudo isso, e, contudo, para nós Ela não fala das trilhas de musgo da floresta, Dos pinheiros sussurrantes ou da bétula trêmula; Mas dos ventos fortes e do salgado, incisivo mar! Um artista uma vez, com uma paciente e cuidadosa faca, A moldara como se fosse o indomado mar. Aqui as ondas levantam a si mesmas, seus picos assoprados Pelo alegre e ensolarado vento, que açoita o azul E o quebra em raios e centelhas de luz. Entre as ondas cintilantes estão dois

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brancos Que atacam e planam e gritam para cada regojizo No esporte feroz. Agora mergulhando rápido, Suas penas gotejando brilham no sol, Enquanto as gotas molhadas como lampejos de luz, Caem tamborilando no mar protetor. Deslizando pelos verdes e espumados vãos Ou retirando a branca cobertura prestes a quebrar, Os espíritos do céu dignando-se a se inclinar E brincar com o oceano num humor de verão. Pendendo acima a alta, ampla porta aberta, Ela nos traz num quarto quieto e iluminado, A liberdade da vasta solidão da terra, Onde amontoadas e ensolaradas ondas rolam E aves marinhas gritam em deliberada felicidade.

pássaros brancos Que atacam, planam e gritam a cada gozo No esporte feroz. Agora mergulhando rápido, Suas penas gotejando brilham ao sol, Enquanto as gotas molhadas como lampejos de luz, Caem tamborilando no mar protetor. Deslizando pelos verdes e espumados vãos Ou retirando a branca cobertura prestes a quebrar, Os espíritos do céu dignando-se a se inclinar E brincar com o oceano num humor veranil. Pendendo acima a porta alta, ampla e aberta, Ela nos traz, num quarto quieto e iluminado, A liberdade das vastas solidões da terra, Onde cumuladas as solares ondas rolam E aves marinhas gritam em deliberada felicidade.

Vintage Farei para mim um drink de estrelas, --- Grandes estrelas com agulhas de policromo, Pequenas estrelas jorrando castanho e carmim, Estrelas verdes, caladas e calmas. Irei rasgá-las do céu, E espremê-las num velho copo prateado. E nele despejarei o frio desdém da minha Amada, Para que o meu drink possa borbulhar com o gelo. Ele vai se enrolar e arranhar Ao degluti-lo; E devo senti-lo como uma serpente de fogo, Trançando e torcendo em meu estômago, Seus roncos subirão à minha cabeça, E deverei ficar quente, e rir, Esquecendo que um dia conheci uma mulher.

Farei para mim um drink de estrelas, --- Grandes estrelas com agulhas policrômicas, Pequenas estrelas jorrando grená e carmim, Vívidas, caladas e calmas estrelas. Irei rasgá-las do céu, E espremê-las num velho copo prateado. E nele despejarei o gélido desdém da minha Amada, Para que a minha bebida possa borbulhar com o gelo. Ela se revolverá e arranhará Ao sorve-la; E devo senti-la como uma serpente de fogo, Trançando e enrolando em meu estômago, Seus ruídos subirão à minha cabeça, E deverei ficar quente, e rir, Esquecendo que um dia conheci uma mulher.

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