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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DOPARÁ - 2a VARA PROCESSO N. : 24985-22.2011.4.01.3900 CLASSE 7100 : AÇÃO CIVIL PÚBLICA REQUERENTES : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL REQUERIDO : CONSELHO REGIONAL DOS DESPACHANTES DOCUMENTALISTAS DO ESTADO DO PARÁ - CRDD/PA JUIZ FEDERAL : FREDERICO BOTELHO DE BARROS VIANA Tipo: SENTENÇA - RELATÓRIO Cuida-se de ação civil pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra o CONSELHO REGIONAL DOS DESPACHANTES DOCUMENTALISTAS DO ESTADO DO PARÁ - CRDD/PA, em que objetivou em sede de provimento liminar que o requerido fosse obrigado a: a) deixar de exigir dos despachantes documentalistas a inscrição ou aprovação em curso promovido pelo réu, como condição para o exercício da profissão no Estado do Pará; b) deixar de exigir dos despachantes o pagamento de contribuições como condição ao exercício da profissão, no Estado do Pará; c) deixar de utilizar símbolos privativos de órgãos públicos, como o Brasão da República; d) regularizar seus estatutos, a fim de suprimir as competênpisrspróprias de autarquias federais; e) reformular sua estrutura orgâm'ca^eóm extinção de órgãos de fiscalização e exercício de l Processo Juízo Federal da 23 Vara

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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARA

PROCESSO N. : 24985-22.2011.4.01.3900CLASSE 7100 : AÇÃO CIVIL PÚBLICAREQUERENTES : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALREQUERIDO : CONSELHO REGIONAL DOS DESPACHANTES

DOCUMENTALISTAS DO ESTADO DO PARÁ -CRDD/PA

JUIZ FEDERAL : FREDERICO BOTELHO DE BARROS VIANA

Tipo:

S E N T E N Ç A

- RELATÓRIO

Cuida-se de ação civil pública movida peloMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra o CONSELHO REGIONALDOS DESPACHANTES DOCUMENTALISTAS DO ESTADO DO PARÁ- CRDD/PA, em que objetivou em sede de provimento liminar que orequerido fosse obrigado a: a) deixar de exigir dos despachantesdocumentalistas a inscrição ou aprovação em curso promovido pelo réu, comocondição para o exercício da profissão no Estado do Pará; b) deixar de exigirdos despachantes o pagamento de contribuições como condição ao exercício daprofissão, no Estado do Pará; c) deixar de utilizar símbolos privativos deórgãos públicos, como o Brasão da República; d) regularizar seus estatutos, afim de suprimir as competênpisrspróprias de autarquias federais; e) reformularsua estrutura orgâm'ca^eóm extinção de órgãos de fiscalização e exercício de

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poder de polícia; e, f) enviar correspondência, cora aviso de recebimento, aosseus associados, divulgando o teor da decisão, para, no mérito, requerer odeferimento definitivo dos pedidos liminares e a condenação do demandado àpublicação, em jornal de grande circulação no Estado do Pará, da sentençaproferida nos presentes autos.

Narra a inicial que o CRDD/PA, assumindo atribuiçõespróprias de Conselho Federal de Fiscalização Profissional (das quais nãopartilha, por se tratar de pessoa jurídica de direito privado), vem induzindo aclasse a cadastrar-se na entidade, participar de cursos de formação, cobrandoanuidades como exigências para o exercício da profissão de despachantedocumentalista, o que viola o direito constitucional de livre exercício

profissional.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 16/53,incluída a cópia do PA 1.23.000.000739/2011-22.

Pedido de liminar deferido em parte às fls. 44/50.

Apesar de devidamente citado, o demandado não ofertoucontestação (fls. 58), sendo-lhe decretada a revelia.

Oportunizada a especificação de provas, o demandante sedisse satisfeito com as então produzidas (fls. 61-v), quedando-se silente o

requerido.

Em face do descumprimento da liminar, foi aplicado aodemandado a multa coercitiva no valor diário de R$-200,00, e multa pessoal de20% sobre o valor da causa contra a Presidente do CRDD/PA, Sra. Rita deCássia Passos da Fonseca (fls-xS^ e 64), bem como a busca e apreensão dosdocumentos elencados na decisão de fls. 105/108, oportunidade em que

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deferido o bloqueio via BACENJUD de numerários nas contas do réu e de suaPresidente, e indeferido um dos pedidos formulados às fls. 70/98 pelo MPF, nosentido de busca e apreensão de documentos relativos à declarante ANALÚCIA AZEVEDO DE BRITO, Vice-Presidente do Conselho dosDespachantes Documentalistas do Pará.

Diligências do BACENJUD resultaram infrutíferas (fls.111/115 e 120/122, e a busca e apreensão deferida nos autos foi efetuada naforma dos atos de fls. 141/145, formando-se com a documentação apreendidaquatro volumes apensos aos presentes autos, dos quais o autor tomou ciênciaàs fls. 147, informando que encaminhou cópia dos documentos ao NúcleoCriminal do MPF.

Aberta vista dos autos para o requerido, na forma dodespacho de fls. 148, nada foi ponderado.

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E, em essência, o relatório.

II - FUNDAMENTOS E DECISÃO

Inicialmente, determino a remuneração dos autos, a partirdas fls. 53, exclusive.

Para além, há que se determinar o acautelamento emSecretaria dos documentos contidos nos apensos dos autos, notadamenteporque se traduzem em documentação que diz respeito a inúmerosinteressados, possuindo documentos originais, como cadernetas de inscrição eregistro emitidas pelo Ministério da Marinha, Diretoria de Portos e Costas emnome de LUIZ CLÁUDIO DOS CANTOS CARNEIRO, FRANCISCOPAULINO GUIMARÃES / CRIsfÉIRO e LUIZ CARLOS SALVIANO

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QUEIROZ PINHEIRO (fls. 03/05 do volume I apenso), Crachá deidentificação de Vice-Presidente e documento de identificação dadocumentalista ANA LÚCIA AZEVEDO DE BRITO (fls. 02 do volume Iapenso), diploma universitário original do Curso de Bacharelado emAdministração, da Sra. GLACILÂNDIA BRITO DE ALMEIDA (fls. 639-volume IV apenso), e outros tantos documentos pertencentes à Administraçãodo requerido, inclusive o livro de registro dos associados, atas de deliberação,requerimentos de inscrição no CRDD/PA, acompanhados de cópia dosdocumentos pessoais e certidões de órgãos públicos referentes aos processosde inscrição etc.

Cumpre informar que os documentos acima enumeradospertencentes à Sra. ANA LÚCIA AZEVEDO DE BRITO, Vice-Presidente dorequerido, e outros documentos em que figura como interessada, acabaram porser apreendidos juntamente com o acervo resultante da busca e apreensão, eserão devidamente acautelados em Secretaria, para os ulteriores de direito.

Impende acrescentar que os fatos relacionados à gestão daatual Presidente do requerido, noticiados pelo MPF, às fls. 70/74, notadamenteos relacionados a depósitos de numerário pertencentes ao CRDD/PA em contacorrente de terceiros e eventual retaliação à Vice-Presidente, ou qualqueranimosidade entre as duas dirigentes, tendo em conta não só as declarações daSra. ANA LÚCIA BRITO perante o MPF (fls. 75/76), como, de outro lado, umtermo de ocorrência policial evidenciado pela Sra. RITA FONSECA emdesfavor da "ex-Vice-Presidente do CRDD/PA", conforme se depreende dapasta intitulada "Protocolos de Entrada 2012 Secretarias Diversas" (fls. 676,volume IV apenso), ou do Ofício de fls. 125, do volume I apenso, comoexemplos, é matéria estranha aos presentes autos e deve ser enfrentada em sedeprópria. Não se desconsidere que o autor da presente ação cuidou deencaminhar ao seu Núcleo Criminal cópia dos documentos apreendidos poreste Juízo, na forma do que informado às fls. 147.

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Do mérito

A análise dos autos perpassa pela análise dascompetências do requerido, notadamente no que pertine a eventualmalferimento do princípio do livre exercício das profissões, insculpido no art.5°, inciso XIII, da Constituição.

Pois bem. O Conselho Federal dos DespachantesDocumentalistas do Brasil - CFDD/BR e os Conselhos Regionais dosDespachantes Documentalistas dos Estados e Distrito Federal - CRDD, nosquais se inclui o requerido, foram criados pela Lei n° 10.602, de 12 dedezembro de 2002, que, em seu art. 1°, os define como "órgãos normativos ede fiscalização profissional dos despachantes documentalistas, dotados deautonomia administrativa e patrimonial, com personalidade jurídica de direitoprivado."

Com efeito, estando sua natureza jurídica de direitoprivado expressamente definida em lei, é descabida a conduta do CFDD/BR ouCRDD que no exercício de suas atribuições de fiscalização profissional arvora-se a fazer exigências próprias de Conselhos dotados de natureza jurídicaautárquica que, em razão desta natureza, detêm legitimidade para fixar critériospara o exercício das profissões que regulamentam.

Note-se que, desde 07/11/2002, quando foi julgado omérito da ADIN/DF 1.717-6, que declarou a inconstitucionalidade do art. 58 ,

Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em carátcr privado, pordelegação do poder público, mediante autorização legislativa.§ lu A organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos de fiscalização de profissõesregulamentadas serão disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectivaprofissão, garantindo-se que na composição deste estejam representados todos seus conselhos regionais.§ 2" Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direitoprivado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.§ 3°. ...

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caput e §§ 1°, 2°, 4°, 5°, 6°, 7° e 8°, da Lei n° 9.649, de 27 de maio de 1998,caiu por terra a previsão de que serviços de fiscalização de profissõesregulamentadas seriam exercidos em caráter privado, por delegação do poderpúblico, mediante autorização legislativa.

Confira-se excerto do voto do Min. Sydney Sanches,relator da ADIN 1.717-6/DF, por ocasião do julgamento da medida cautelarque antecedeu àquela ação declaratória de inconstitucionalidade, no qual foiexposto raciocínio confirmado no julgamento da mencionada ADIN:

"Não me parece possível, a um primeiro exame, em face do nossoordenamento constitucional, mediante a interpretação conjugadados artigos 5°, X1U, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149e 175 da Constituição Federal, a delegação, a uma entidadeprivada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder depolícia, de tributar e punir no que concerne ao exercício deatividades profissionais."

Saliente-se que, declarada a inconstitucionalidade domencionado art. 58 da Lei n° 9.649/98, os dispositivos da Lei n° 10.602/2002que continham matéria semelhante foram objeto de veto pela Presidência doSenado Federal, conforme Mensagem n° 1.103, de 12 de dezembro de 2002,juntada às fls. 47/49 dos autos, ficando, portanto, excluída a autorização antes

§ 4- Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar ascontribuições anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, bem como preços de serviços e multas, queconstituirão receitas próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditosdecorrentes.§ 5 - O controle das atividades financeiras e administrativas dos conselhos de fiscalização de profissõesregulamentadas será realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conselhos regionais prestar contas,anualmente, ao conselho federal da respectiva profissão, e estes aos conselhos regionais.§ 6° Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, por constituírem serviço público, gozam deimunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços.§ 7° Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas promoverão, até 30 de junho de 1998, aadaptação de seus estatutos c regimentos ao estabelecido neste artigo.§ 8" Compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos de fiscalização deprofissões regulamentadas, quando no exercício dos serviços a^el'és delegados, conforme disposto no capuí.

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concedida ao CFDD/BR e aos CRDD para a cobrança de contribuições anuaisde pessoas físicas e jurídicas, bem como a restrição do exercício da profissãoàs pessoas habilitadas junto ao Conselho Regional. Vide a redaçao dos artigosvetados: arts. 1°, § 4°, 3° e 4° da Lei n° 10.602/2002:

"Art. 1a

(...)

§ 4 ~ O Conselho Federal dos Despachantes Documentalistas doBrasil e os Conselhos Regionais dos DespachantesDocumentalistas exercem as suas atribuições por delegação doPoder Público."Art. 3°"Art. 3- O Conselho Federal de Despachantes Documentalistas(CFDD) e os Conselhos Regionais de DespachantesDocumentalistas, em seus respectivos âmbitos, são autorizados,dentro dos limites estabelecidos em lei, a fíxar, cobrar eexecutar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas oujurídicas, bem como preços e serviços e multas, que constituirãoreceitas próprias, considerando-se título executivo extrajudiciala certidão relativa aos créditos decorrentes."Art. 4°"Art. 4fi O exercício da profissão de DespachanteDocumentalista é privativo das pessoas habilitadas peloConselho Regional dos Despachantes Documcntalistas de suajurisdição, nos termos das normas baixadas pelo ConselhoFederal." (grifos nossos)

No ano de 2012, por meio da proposição da emenda n° 83,da Câmara dos Deputados, novamente tentou-se radicar no texto da MedidaProvisória n° 575, a natureza jurídica de direito público, a cobrança deanuidades e multas, ampliando as competências legais dos Conselhos deDespachantes Documentalistas, entrementes, jã durante o processo legislativo,foi esvaziada a pretensão da cobrança de anuidacies^e P°r ocasião da conversão

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Processo n° 24985-22.2011.4.01.3900 (w) JttfesypjKral da 21' Vara

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da MP na Lei n° 12.766/2012, houve novamente veto presidencial, no sentidode negar a referidas entidades a natureza jurídica de direito público, conformesegue descrito:

"Art. 11 e inciso ÍII do art. 13"Art. l L O art. l" da Lei n- 10.602, de 12 de dezembro de 2002,passa a vigorar com as seguintes alterações:'Art. l- O Conselho Federal dos Despachantes Documentalistasdo Brasil - CFDD/BR e os Conselhos Regionais dosDespachantes Documentalistas dos Estados e do DistritoFederal - CRDD são os órgãos normativos e de fiscalizaçãoprofissional dos despachantes documentalistas, dotados deautonomia administrativa e patrimonial.

§ 5a O CFDD/BR e CRDD serão dotados de personalidadejiirídica de direito público.§ 6- É expressamente vedada a criação de mais de um ConselhoRegional para a mesma base territorial do Estado ou do DistritoFederal.

§ 7° O CFDD/BR e os CRDD exercem as suas atribuições pordelegação do poder público.' (NR)""III - desde l- de agosto de 2004, em relação ao art. 11;"Razões do veto"Conforme anteriormente exposto na Mensagem de VetoIntegral n- 67, de l2 de março de 2012, referente ao Projeto deLei n" 28, de 2010, a criação ou extinção de entidades daAdministração Indireta é matéria cuja iniciativa é reservada aoPresidente da República, conforme estabelece o art. 61, § l-,inciso II, alínea 'e', da Constituição. Em virtude do vício de

iniciativa que acomete os dispositivos que transformam os

conselhos em entidades de direito público, estes seguem sendo

entidades de direito privado. Contudo, não é razoável que oEstado regule o funcionamento de associações profissionais

privadas. Por fim, a Constituição, cm seu art. 5°, inciso Xill,assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou

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profissão, cabendo a imposição de restrições apenas guandohouver a possibilidade de ocorrer algum dano à sociedade coma necessidade de protecão ao interesse público." (grifos nossos)

Convém destacar, então, que seguem os Conselhos deDespachantes Documentalistas ostentando natureza jurídica de direito privado,em face dos vetos presidenciais perpetrados na legislação de regência, nãohavendo Lei Federal, por outro lado, que confira ao requerido delegação decompetência para a assunção de atividades típicas de Estados, bem como poderde polícia, de punir, ou de cobrança de contribuições anuais, multas, ou mesmocondicionar a filiação à realização de cursos, mitigando em relação a eles asatividades inerentes aos Conselhos Profissionais, estabelecidos em forma deAutarquias especiais e com competência de fiscalizar e normalizar todas asatividades regulares pertinentes aos profissionais por eles tutelados, inclusiveos requisitos para filiação.

Não podem os Conselhos de Despachantes deDocumentalistas, como o CRDD/PA, agir de fornia ilegal, exercendoatividades como se os dispositivos vetados estivessem em plena vigência, detal modo que pudessem condicionar a inscrição obrigatória dos profissionaisnessas associações corporativas, ou que pudessem exigir que tal inscriçãodependesse de prévia aprovação em curso por eles realizados, bem comocobrar anuidades e outras quantias de caráter compulsório, não lhes cabendotambém eventual instauração e tramitação de procedimentos disciplinares, detal modo a embaraçar o direito constitucional de livre exercício da profissão,não se sustentando, de outro lado, a utilização do brasão da RepúblicaFederativa do Brasil em documentos, bens ou qualquer outra referência,inclusive em sites na internet, considerando que as normas de regência sóautorizam a utilização deste símbolo nacional aos entes públicos.

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Na hipótese, compulsando as peças de informaçãocoletadas pelo MPF no curso do PA 1.23.000.000739/2011-22, e osdocumentos carreados aos autos nos apensos por ocasião da busca e apreensão,observo, às fls. 50/51, que o Conselho Regional de DespachantesDocumentalistas do Pará - CRDD/PA, divulgou em sua página eletrônica(http://crddpara.webnode.com.br/tabela-anuidade) tabela de preços válida parao ano de 2011, comprovando a cobrança de anuidade, no valor de R$-700,00para pessoa física e R$-l.000,00 para cada dez mil reais em capital social daspessoas jurídicas, além de taxa de inscrição (R$- 600,00, para pessoa física eR$-2.000,00, para pessoa jurídica), emissão de carteirinhas (R$-100,00 aunidade) e emissão de diplomas (R$-250,00 a unidade e R$-350,00 para 2a

via). No mesmo sentido, o recibo de fls. 127, do volume I apenso, queevidencia o recebimento de anuidade com relação a três associados, e o reciboque antecede o documento de fls. 335, do volume II apenso, que noticia opagamento de anuidade referente ao ano de 2007, o mesmo se diga comrelação ao de fls. 528, do volume III apenso. Para além, o documento de fls.550, volume III apenso, noticia que em caso de atraso nas obrigações oinscrito seria definitivamente suspenso de suas atividades profissionais.Persiste a cobrança de anuidade mesmo após a decisão liminar desteJuízo, conforme se depreende do documento de fls. 659/660, do volume IVapenso.

A mesma prova de fls. 50/51 dos presentes autos, bemcomo os inúmeros documentos pertencentes aos quatro volumes do apenso,dentre eles as fichas de inscrição, como a de fls. 89 do volume I, e o crachá deidentificação e carteira de inscrição da Sra. ANA LÚCIA e da Presidente dorequerido RITA FONSECA (fls. 02 e 136, volume I), comprovam a utilizaçãopelo CRDD/PA do Brasão da República, que, símbolo nacional, serve comoidentificador de órgão da Administração Federal, na qual não se inclui orequerido. Ressalte-se que tal prática aconteceu mesmo após o deferimentoda liminar., quando se observa, por exemplo^sfls. 204/204-v, do volume

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II, e 668, volume IV, que foram emitidas carteiras de inscrição, com datasde expedição de 24/08/2012 e 07/03/2013. No mesmo sentido, às fls. 656, dovolume IV.

Também foi divulgada eletronicamente a realização decurso de Formação de Despachante Documentalista, com duração de 10 dias,no valor de R$-720,00, para aqueles que "não possuem registro nesteConselho, mas queiram registrar-se", com data de início em 04/04/2011.

O documento de fls. 66 do volume I apenso tambémevidencia a ideia de que só os profissionais inscritos no CRDD/PA estariamlegalmente exercendo a profissão. No mesmo sentido, o Ofício n° 001/2011,endereçado à Capitania dos Portos da Amazónia, juntado às fls. fls. 676, dovolume IV, na pasta denominada "Protocolos de Entrada 2012 SecretariasDiversas". Documentos como o de fls. 236, do volume II, evidenciam, poroutro lado, que a inscrição no CRDD/PA daria ensejo à emissão de diplomaque reconhece a condição de profissional despachante em todo o territórionacional.

Dito isto, considerando os documentos juntados aos autos,frutos do procedimento administrativo instaurado pelo MPF e de busca eapreensão realizada pelo Juízo, entendo manifestas as irregularidadesdetalhadas pelo autor, eis que a exigência de curso de formação como requisitopara o registro no CRDD/PA, como forma de regularização do exercício daprofissão de despachante documentalista, bem como a cobrança de taxas deinscrição, anuidades e até emissão de carteirinhas e diplomas, nos valoresdesproporcionais de cem reais a trezentos e cinquenta reais a unidade,configuram restrição indevida ao exercício de profissão e exercício irregular depoder de polícia, em face do que determina o art. 5°, XIII da ConstituiçãoFederal, a declaração de inconstitucionalidade do^artrSS da Lei n° 9.649-98 e oveto aos artigos 1°, § 4°, 3° e 4° da Lê; n^lr0^62/2002.

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Nesse sentido, julgado recente do TRF 1a Região:

"AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DOS EFEITOS DALIMINAR. CONSELHO FEDERAL DOS DESPACHANTESDOCUMENTALISTAS DO BRASIL - CFDD/BR.IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE EXIGÊNCIA DEANUIDADES, PREÇOS, MULTAS, INSCRIÇÃO OUCURSOS.1. O deferimento da suspensão prevista no art. 4° da Lei8.439/1992 pressupõe que o requerente demonstreobjetivamente, com substrato jurídico, que a decisãoimpugnada poderá acarretar grave lesão à ordem, à saúde, àsegurança e à economia públicas.2. Os vetos praticados em relação à Lei 10.602, de 12/12/2002,acabaram por impedir o pleno funcionamento dos ConselhosRegionais dos Despachantes Documentalistas - CRDD e doConselho Federal dos Despachantes Documentalistas do Brasil -CFDD/BR, limitando, em relação a eles, as atividades que sãoinerentes aos conselhos profissionais. Não resta, assim, previsãolegal para a exigência de anuidades, preços ou multas, nem deinscrição ou cursos.3. Improvimento do agravo regimental.(AGRSLT 14609/MG, Desembargador Federal Olindo Menezes,Corte Especial- TRF-1a Região, 14/06/2011)

No mesmo sentido, Reclamação n° 13487/DF-STF e AI2009.03.00.006812-4/SP-TRF-3a Região.

Por outro lado, entendo que a manutenção de taisexigências é causa de prejuízo aqueles que exercem a profissão de despachantedocumentalista, na medida em que vêm sendo induzidos a se inscrever emcursos de formação (mediante o pagamento de quantias vultosas), bem como,manter o pagamento de taxas, as mais diversas, cuja-cobrança é evidentementeirregular.

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No que concerne aos pedidos referentes ao estatuto eestrutura orgânica do CRDD/PA, as irregularidades também avultam,conforme se depreende do estatuto juntado às fls. 677, do volume IV apenso,

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onde se evidencia a existência de um Tribunal de Ética e Disciplina (arts. 4° V,6° e 16-17), e ainda uma série de atribuições em seus diversos órgãos própriasdos Conselhos Profissionais constituídos em forma de autarquias federais,como fiscalizar o exercício da profissão de despachante no território do Estadodo Pará (art. 4°, XIV), cobrança de anuidades, taxas e multas (art. 5°, I), com amenção a provimento e vacância de cargo, funções e empregos (art. 11, incisoh), estabelecimento de critérios de inscrição, como possuir curso superior (art.29), estabelecendo como motivos de cancelamento do registro, como apenalidade de exclusão (art. 31), constituindo falta no exercício da profissão dedespachante deixar de pagar as anuidades (art. 32, XIV), estabelecendosanções disciplinares (art. 33), a exigência de requerer o registro (art. 41),arrogar-se o direito de conferir o título de habilitação profissional (art. 42) edemais dispositivos correlates.

Neste contexto, a demanda merece prosperar em face dasinúmeras irregularidades perpetradas pelo acionado, conforme comprova avasta documentação colacionada aos autos, devendo o demandado cuidar dadivulgação em sua home page ou sítio eletrônico o teor da presente sentença,no prazo máximo de 30 (trinta) dias, o que deverá também ser realizadopor meio de publicação em jornal de grande circulação no Estado doPará, no mesmo prazo.

Por fim, considerando a recalcitrância pelo réu e por suaPresidente RITA DE CÁSSIA PASSOS DA FONSECA no cumprimento datutela de urgência, foram arbitradas multa coercitiva (art. 461, § 4°, CPC), deRS-200,00 (duzentos reais) por dia, a partir da intimação do despacho de fls.64, alcançando a cifra de R$-22.202,73, eni_ novembro/2012 (fls. 112),

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relativos a 111 dias de descumprimento, e multa pessoal (art. 14, V, parágrafoúnico, CPC), limitada a 20% sobre o valor da causa, respectivamente.

Com efeito, a postura da ré e de sua Presidente, emdescumprir as decisões judiciais, reiteradamente, conforme visto nos autos,apesar de concitados diversas vezes pelo Juízo para adimplir as obrigações defazer e não fazer, demonstra atitude temerária e atentatória contra a dignidadeda justiça e das pessoas inscritas no CRDD/PA, pelo que nem mesmo porocasião desta sentença o réu ou sua dirigente informou acerca do cumprimentodas ordens judiciais, de modo que as multas hão que ser mantidas, porém háque se limitar o valor, que se tornou excessivo, posto que se fôssemos calcularas astreintes até os dias atuais, teríamos uma cifra que estaria proporcional amais de 540 dias de descumprimento, considerando o valor diário de R$-200,00, redundando no vultoso montante de R$-108.000,00 (cento e oito milreais), o que se mostra irrazoável, considerando, inclusive, o valor da causa, eao que aparenta da situação financeira do demandado, que pelos documentosfiscais de fls. 14/15 e 19/24 fls. 27, do volume I apenso, não teve sequermovimentação financeira apta a ser declarada, configurando-se aparenteinatividade do Conselho Regional do Pará naqueles exercícios. Não sedesconsidere que a situação financeira do próprio Conselho Federal não eradas melhores, chegando a recorrer às unidades regionais visando angariarrecursos, conforme demonstra o documento de fls. 27, do volume I apenso.

Não se busca com as astreintes o enriquecimento do autor,mas desestimular o requerido em descumprir a decisão judicial, porém, nãoatingindo o seu objetivo há que se convertê-la em desvantagem patrimonial, demera feição pecuniária mesmo. Nesse sentido nos ensina, Luiz Guilherme

Marinoni :

MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela Espe^-a: arís. 461, CPC e 84, CDC, p. 106.14

Processo n° 24985-22.2011 A01.3*Mrí#f Juízo Federal da 2;i Vara

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"Se a multa não atinge os seus escopos, não levando odemandado a ísdimplir a ordem do juiz, converte-seautomaticamente em desvantagem patrimonial que reeai sobreo réu inadimplente. Neste momento, é certo, acaba por assumira mera feição de sanção pecuniária; entretanto, tal feição,assumida pela multa justamente quando ela não cumpre os seusobjetivos, é acidental em relação à sua verdadeira função enatureza."

Neste contexto, pela faculdade conferida no § 6°, do art.461, do CPC, modifico a multa coercitiva aplicada, para o valor de R$-10.000,00 (dez mil reais), e determino que seja aplicada a multa pessoal àPresidente do CRDD/PA, em seu valor máximo, portanto, R$-2.000,00 (doismil reais).

Diante do exposto, reafirmando a medida liminar,julgo procedente a ação, com base no artigo 269, inciso I, do Código deProcesso Civil, para determinar ao Conselho Regional de DespachantesDocumentalistas do Pará - CRDD/PA que:

a) deixe de exigir dos despachantes documentalistas ainscrição ou aprovação em curso promovido pelo réu, como condição para oexercício da profissão no Estado do Pará;

b) deixe de exigir dos despachantes o pagamento decontribuições corno condição ao exercício da profissão, no Estado do Pará;

c) deixe de utilizar símbolos privativos de órgãospúblicos, como o Brasão da República;

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Processo n°24985-22.20H.4.01.3900 (w Juízo Federal da 2a Vara

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d) regularize seus estatutos, a fim de suprimir ascompetências próprias dos Conselhos Profissionais estabelecidos em forma deautarquias federais;

e) reformule sua estrutura orgânica, com a extinção deórgãos de fiscalização e exercício de poder de polícia;

e) divulgue, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, em suahome page ou sítio eletrônico, aos seus associados o teor da presente sentença,o que deverá também ser realizado por meio de publicação em jornal de grandecirculação no Estado do Pará, no mesmo prazo.

O descumprimento de qualquer das medidas oradeterminadas implica no pagamento de multa de R$-100,00 (cem reais) por diade omissão.

Condeno, ainda o demandado, a depositar, em favor dofundo de que cuida o art. 13, da Lei n° 7.347/1985, o valor da multacoercitiva de R$-10.000,00, na forma da fundamentação.

Condeno, ainda, a Presidente do CRDD/PA, a Sra. RITADE CÁSSIA PASSOS DA FONSECA, a depositar, no mesmo fundoelencado no parágrafo anterior, a multa pessoal de R$-2.000,00 (dois milreais).

Custas pelo requerido. Arbitro o pagamento doshonorários advocatícios (REsp 957369) em R$-3.000,00 (três mil reais), naforma do art. 20, §§ 3° e 4°, do CPC, a ser suportado pelo demandado.

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Processo nú 24985-22.2011.4,01.3900 ( Juízo Federal da 2L1 Vara

53, exclusive.

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Determino a renumeração dos autos, a partir das fls.

Para além, há que se determinar o acautelamento emSecretaria dos documentos contidos nos apensos dos autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Belém, /2014.

Frederico Botelho de Barros VianaJuiz Federal Substituto no exercício

da titularidade da 2a Vara

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