PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO … · pretensão deduzida na peça vestibular....
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
23ª CÂMARA CÍVEL
Recurso de Apelação Cível nº 0022341-29.2012.8.19.0023
Apelante: MARCELO DE SOUZA NEVES FERREIRA
Apeladas: CLÍNICA SÃO GONÇALO LTDA. E CENTRAL
NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL
Relator: Des. MURILO KIELING
EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO. Relação jurídica de consumo. A temática
que nutre a demanda está afeta a contrato de prestação de serviço
médico e hospitalar. Alegação de erro médico. Cicatriz hipocrômica
decorrente de reação alérgica do autor à substância aplicada para
assepsia durante ato cirúrgico. Sentença de improcedência. Entidade
hospitalar que responde pelo fato do serviço, independentemente da
averiguação de culpa, sendo, contudo, necessária a demonstração dos
elementos caracterizadores do dever de indenizar, quais sejam: conduta
omissiva ou comissiva; nexo de causalidade e resultado lesivo. Todavia,
não cabe responsabilizar o hospital pelo dano em si, sem adentrar ao
exame da atuação do médico, pois é imprescindível que se comprove que
este agiu como imperícia, imprudência ou negligência, para somente
depois responder objetivamente o nosocômio.
2 - Inexiste nos autos vestígios de prova de que o autor tenha sido vítima
de imperícia, ou de qualquer conduta culposa do profissional médico,
quando do atendimento prestado nas dependências do nosocômio réu. A
imperícia constitui a falta de aptidão, teórica ou técnica, no desempenho
da profissão, a qual não restou demonstrado no caso em apreciação,
precipuamente, porque não ocorreu a inobservância de normas técnicas
recomendáveis pela ciência médica. Laudo técnico apresentado pelo
perito nomeado, que foi contundente em afirmar que “não é de praxe se
fazer teste alérgico para produtos usados em assepsia...”, acrescentando,
inclusive, que “a reação alérgica a estes tipos de produtos são
raríssimas, quase inexistentes” (sic).
3 - Danos suportados pelo autor que decorreram de reação alérgica em
sua epiderme, em razão da aplicação de uma substância para assepsia,
comumente utilizada nos procedimentos cirúrgicos, com raríssima
manifestação alérgica, a qual somente ocorreu em função da
hipersensibilidade do paciente ao produto, circunstância que não
ostentava caráter de previsibilidade, tomando-se como base o nível
médio de capacitação profissional, nas coordenadas de tempo e de
espaço, assim como o que habitualmente se observa na prática médica.
4 – Ausência de evidências de distanciamento do procedimento adotado
pelo nosocômio, daqueles preconizados pela doutrina e prática médica
para o quadro clínico que ostentava o paciente à época do evento. Não se
cogita, igualmente, que o médico cirurgião tenha autuado com
precipitação e sem cautela e, muito menos, em inobservância dos
deveres exigidos pelas circunstâncias, o que aparta a caracterização da
imprudência e negligência. Descaracterização de erro médico.
Inexistência de nexo de causalidade jurídico entre os danos suportados
pelo autor e a conduta das rés, diante da ausência de comportamento
antijurídico. Parte autora que não se desincumbiu do encargo de
comprovar o fato constitutivo de seu alegado direito a sustentar a
pretensão deduzida na peça vestibular. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO
Vistos, relatados e discutidos este RECURSO DE
APELAÇÃO CÍVEL nº 0022341-29.2012.8.19.0023, em que
figuram como Apelante MARCELO DE SOUZA NEVES
FERREIRA, e Apeladas CLÍNICA SÃO GONÇALO LTDA. e
CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL.
ACORDAM os Desembargadores que compõem a Vigésima
Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, por UNANIMIDADE de votos, em CONHECER do recurso
e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator.
RELATÓRIO
O âmago do recurso de apelação caminha pela busca da
reforma do julgado, cuja temática de fundo versa sobre relação
jurídica de natureza consumerista. Os elementos estruturantes da
controvérsia estão bem alinhados pelo relatório firmado pela
sentença que, regimentalmente, aproveito:
Trata-se de ação proposta por MARCELO DE SOUZA
NEVES FERREIRA, em face de HOSPITAL E CLINICA
SÃO GONÇALO e CENTRAL NACIONAL UNIMED
- COOPERATIVA CENTRAL, alegando que se submeteu a
um procedimento cirúrgico para substituição da válvula mitral. Afira
que o procedimento foi realizado nas dependências do 1º Réu. Informa
que ficou internado por 17 (dezessete) dias por conta de uma
queimadura de terceiro grau, a qual foi produzida após os médicos
aplicarem um líquido no local da cirurgia, vindo a causar uma reação
na sua pele. Alega que não foi feito teste alérgico para verificar a
hipótese de alergia a algum medicamento. Dessa forma requer a
condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos estéticos
e morais.
Com a inicial vieram os documentos de tis. 24/210.
Decisão à fl. 212, deferindo a gratuidade de justiça e determinando a
citação dos réus.
Contestação do 1º Réu às fls. 217/230, acompanhada dos
documentos de fls. 237/358, arguindo preliminar de ilegitimidade
passiva, e no mérito, sustentando ausência de comprovação de erro na
conduta e de nexo causal, inexistência de danos morais.
Contestação do 2º Réu às fls. 359/379, acompanhada dos
documentos de fls. 389/444, arguindo preliminar de ilegitimidade
passiva, e no mérito, sustentando ausência de responsabilidade no caso
dos autos, inexistência do dever de indenizar. Requer a improcedência
dos pedidos autorais.
Réplica às fls. 447/451, reiterando os termos da peça inaugural.
Decisão às fls. 458/459, rejeitando a preliminares arguidas pelos
réus, deferindo a inversão do ônus da prova em favor do autor, e
ainda, deferindo a produção de prova pericial médica e documental
superveniente.
Laudo Pericial às fls. 485/488. Manifestação das partes às fls.
491/501.
A irresignação alveja a disposição do julgado, nos seguintes
termos:
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos
autorais, em consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO
com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do NCPC.
Condeno a parte autora nas custas e em honorários no total de 10%
sobre o valor da causa, com fulcro no artigo 86, Parágrafo único, do
NCPC, suspensa a exigibilidade nos termos do art. 98, § 3ºdo
mesmo diploma.
Transitada em julgado, dê-se baixa e arquive-se.
P.R.I.
A parte autora interpôs recurso de apelação, às fls. 507/532,
pugnando pela reforma da sentença. Alega que “sofreu danos
permanentes em seu corpo e sua aparência, onde ficou provado que
o dano ocorreu por conduta dos médicos, tendo comprovada sua
culpa ou não, o dano foi derivado da conduta dos médicos”.
Assevera que “a não realização de teste alérgico que permitiria a
prescrição de profilaxia contra possíveis reações adversas,
desencadeou uma queimadura de 3º grau no autor (apelante), que
sofre até os dias de hoje”. Afirma a ocorrência de imperícia médica
na hipótese em apreciação. Aponta a imprescindibilidade da
inversão do ônus da prova. Reitera a pretensão de condenação das
rés, solidariamente, ao pagamento de reparação pelos danos morais
e estéticos, com o afastamento da figura da sucumbência recíproca.
Contrarrazões apresentadas pelas rés, às fls. 537/549 e
550/565, prestigiando o julgado.
EIS, EM APERTADA SÍNTESE, O RELATÓRIO.
PASSO ao voto.
Em primeiro passo, importa observar que o pacto avençado
entre os personagens da relação jurídica de prestação de serviços
médicos e hospitalares, em razão do status de seus protagonistas,
acaba alcançado pelos preceitos do microssistema consumerista.
A legislação consumerista visa corrigir a desigualdade
existente entre os polos da relação jurídica frente à impotência da
parte vulnerável nas negociações, haja vista a patente imposição da
vontade da prestadora de serviços na elaboração das cláusulas
contratuais, cujas disposições são apresentadas ao consumidor que a
elas adere sem que lhe seja permitida qualquer alteração.
Todavia, deve o consumidor comprovar os fatos que
envolveram o prestador de serviço no desatendimento de seu dever
jurídico, sendo que na via processual, a realização da prova obedece
às regras estabelecidas no Código de Processo Civil.
Assim, conquanto o Código de Defesa do Consumidor
permita a inversão do ônus probatório, na hipótese de relação de
consumo, quando presentes os requisitos previstos em seu artigo 6º,
inciso VIII, dúvida não remanesce que tal benefício não exime o
consumidor do ônus de comprovar minimamente o fato constitutivo
de seu alegado direito, a teor do artigo 373, inciso I, do Código de
Processo Civil.
Destarte, permanece a cargo da parte autora a produção das
provas constitutivas do seu direito, sendo tal fato apenas mitigado
em relação à comprovação que exija certa capacidade técnica, o
que não é o caso, assim como aos fatos negativos, de modo a evitar
que reste prejudicado o direito de defesa do prestador de serviço,
ante a impossibilidade de impor-lhe o ônus de produzir prova
“diabólica” ou impossível.
Vejamos a hipótese em concreto.
Versa o caso sub judice sobre responsabilidade civil em
decorrência de suposto erro médico, ocorrido por ocasião do
atendimento médico dispensado ao autor pela unidade hospitalar
demandada, a qual é credenciada à operadora de plano de saúde
ré.
Impende assinalar que para que emerja a responsabilidade
civil por dano causado à paciente em consequência da atuação
médica, imprescindível que reste concludentemente provado que o
evento decorreu de imprudência, negligência ou imperícia do
profissional, sob pena de decair a autora de sua pretensão,
consoante o disposto no § 4º, do artigo 14 do Código de Defesa do
Consumidor, in litteris:
Artigo 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente
da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos.
(...)
§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será
apurada mediante a verificação de culpa”. (grifei)
A seu turno, a entidade hospitalar responde pelo fato do
serviço, independentemente da averiguação de culpa, sendo,
contudo, necessária a demonstração dos elementos caracterizadores
do dever de indenizar, quais sejam: conduta comissiva/omissiva;
nexo de causalidade e resultado lesivo.
Demais disso, não cabe responsabilizar o hospital pelo dano
em si, sem adentrar ao exame da atuação do médico, pois é preciso
que se comprove que este agiu como imperícia, imprudência ou
negligência, para somente depois responder objetivamente o
nosocômio e a operadora de plano de saúde.
Dito isso e da análise aos elementos coligidos aos autos,
observa-se que, ao contrário do alegado pela parte autora, inexiste
nos autos vestígios de prova de que tenha sido vítima de imperícia,
ou de qualquer conduta culposa do profissional médico, quando do
atendimento prestado nas dependências do nosocômio réu.
De fato, não desponta o aventado erro médico, que é o mau
resultado ou resultado adverso decorrente de ação ou da omissão do
médico. O erro médico pode se verificar por três vias principais. A
primeira delas é o caminho da imperícia decorrente da falta de
observação das normas técnicas, por despreparo prático ou
insuficiência de conhecimento. A segunda hipótese é o da
imprudência e daí nasce o erro quando o médico por ação ou
omissão assume procedimentos de risco para o paciente sem
respaldo científico. A terceira vertente é a da negligência, quando o
profissional negligencia, trata com descaso ou pouco interesse os
deveres e compromissos éticos com o paciente e até com a
instituição. O erro médico pode também se realizar por vias esconsas
quando decorre do resultado adverso da ação médica, do conjunto
de ações coletivas de planejamento para prevenção ou combate às
doenças.
Importa dizer que o erro médico, por muito que impressione, é,
do ponto de vista ôntico-fenomenológico, uma realidade conatural
ao próprio exercício da medicina, como todo o erro é inerente à
própria atividade humana, ocorrendo com inusitada frequência e
provocando, muitas vezes, lesão ou perigo grave para eminentes
bens jurídicos pessoais, tais como a integridade física, a saúde e até a
vida do paciente.
Não têm sido suficientes, entre nós, estudos sobre tal matéria e,
sobretudo comunicações científicas médicas e jurídicas que
abordem esta temática com a profundidade e extensão exigíveis e,
sobretudo, com a frequência que seria desejável. Escasseiam livros
ou mesmo artigos de revista que abordem, com a clareza
indispensável e sem quebra do rigor técnico-científico, esta
realidade, assim como ainda são insuficientes as intervenções orais
adrede realizadas por especialistas na matéria. Situação tanto mais
grave quanto parece haver, entre nós, algum equívoco conceitual
entre o erro médico, a negligência médica, o evento adverso e a
denominada violação das leges artis.
Tudo é tratado, sobretudo nos meios de comunicação social,
sob o denominador comum e sempre estigmatizante de “negligência
médica”, até mesmo nos casos em que a diligência dos profissionais
de saúde se revelou notória.
De igual sorte, a abundante informação noticiosa sobre casos
denominados, sem qualquer precisão terminológica também, de
erro médico.
Tal equivocidade de conceitos prejudica não apenas aqueles
que direta e profissionalmente lidam com a problemática do erro
médico – designadamente ao nível clínico e forense – mas a todos os
que se interessam por questões relacionadas direta ou
mediatamente com a saúde e a atividade médica, o que vale dizer
que importa a um público cultural e profissionalmente heterogéneo
e diversificado já que respeita a um património comum a todos,
constituído por valores e bens jurídicos eminentemente pessoais,
como a saúde, o corpo e a vida, que são ou podem ser atingidos por
erros médicos.
Assim, o que estará em causa será aferir se o médico, segundo
os seus conhecimentos e as suas capacidades pessoais, e, tendo ainda
em conta a sua liberdade na escolha dos meios de diagnóstico e
tratamento se encontrava em condições de cumprir o dever de
cuidado que integra o tipo negligente. Só respondendo
afirmativamente a esta questão poderá afirmar-se que o médico
documentou no fato qualidades pessoais de descuido ou leviandade
perante o Direito e as suas normas, pelas quais tem de responder, ou
seja, só assim se poderá concluir que o médico atuou com culpa
negligente. E, para determinar se o médico se encontrava ou não em
condições de cumprir o dever de cuidado que integra o tipo
negligente, há de ter-se em conta não o poder (de fazer) do médico
concretamente em causa, mas sim os conhecimentos e as
capacidades pessoais dos outros médicos como o agente, ou seja, se,
de acordo com a experiência, os outros, agindo em condições e sob
pressupostos fundamentalmente iguais àqueles que presidiram à
conduta do agente, teriam previsto a possibilidade de realização do
tipo de ilícito e a teriam evitado.
Quanto às chamadas legis artis, elas emergem de um conjunto
de regras fixadas pelos profissionais da medicina, expressas no
Código Deontológico da Ordem dos Médicos, em declarações de
princípios emanadas de Organizações Internacionais e Nacionais de
Médicos, das chamadas guidelines resultantes de protocolos de
atuação e de reuniões de consenso e dos pareceres das Comissões de
Ética.
E, não haverá que esquecer que como legis artis, se trata de um
conceito dinâmico sempre em atualização com o progresso científico
e, muitas vezes, de regras não reduzidas a escrito. Em resumo, não é
uma questão fácil e simples a averiguação da violação do dever
objetivo de cuidado (sobretudo quando o temos de aferir por uma
figura-padrão) e, por essa razão deve ser cuidadosamente fundado e
objetivado.
Pelo conjunto dos elementos colacionados ao processo, não se
visualiza na atuação do médico o afastamento do bom caminho, da
boa conduta, devido a uma percepção errônea dos fatos. Ao revés, a
circunstâncias sinalizam no sentido de um atuar pautado nos
protocolos médicos pertinentes ao caso concreto, sem que se possa
extrair com clareza alguma evidência de erro médico.
Com efeito, o laudo técnico apresentado pelo perito
nomeado, às fls. 485/488, foi contundente em afirmar que “não é de
praxe se fazer teste alérgico para produtos usados em assepsia...”,
acrescentando, inclusive, que “a reação alérgica a estes tipos de
produtos são raríssimas, quase inexistentes” (sic).
Nessa toada, não merece acolhida a asseveração de que
“inexistiu qualquer cuidado por parte do cirurgião, no manuseio da
ferramenta utilizada durante o ato cirúrgico. É incontroverso o total
despreparo do profissional em foco. Atuara com o mais completo
desconhecimento de noções primárias das técnicas de procedimento
cirúrgico”, precipuamente, porque sequer há vestígios de prova de
que a cirurgia cardíaca, individualmente considerada, não tenha
sido exitosa, sendo certo que os danos suportados pelo autor
decorreram de reação alérgica em sua epiderme, em razão da
aplicação de uma substância para assepsia, comumente utilizada
nos procedimentos cirúrgicos, com raríssima manifestação alérgica,
a qual somente ocorreu em função da hipersensibilidade do
paciente ao produto, circunstância que não ostentava o caráter de
previsibilidade, tomando-se como base o nível médio de
capacitação profissional, nas coordenadas de tempo e de espaço,
assim como o que habitualmente se observa na prática médica.
O professor GENIVAL VELOSO DE FRANÇA, professor
titular de medicina legal na Universidade Federal da Paraíba,
membro efetivo da junta diretiva da Sociedade Ibero-Americana
de Direito Médico e autor de diversos livros sobre medicina legal
também define o erro médico, verbis:
[...] Em primeiro lugar, é necessário distinguir o erro médico do
acidente imprevisível e do mal incontrolável.
O erro médico, quase sempre por culpa, é uma forma atípica e
inadequada de conduta profissional que supõe uma
inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à
saúde do paciente. É o dano que possa ser caracterizado como
imperícia, imprudência ou negligência do médico, no exercício
regular de suas atividades profissionais. Devem ser levados em
conta as condições do atendimento, a necessidade da ação e ou
meios empregados (grifo do autor). (FRANÇA, 2012, p. 547).
Destarte, como dito alhures, a responsabilidade do hospital,
embora objetiva, não é absoluta, podendo ser afastada quando
inexistir a culpa do profissional médico. Não é preciso que a culpa
do médico seja grave: basta que seja certa. Tem que haver certeza na
presença de culpa, no agir do médico, pois a atribuição de
responsabilidade e condenação por erro médico exige elementos
objetivos e seguros e não meras possibilidades ou conjecturas de que
males que surgem após a intervenção médica sejam frutos dessa
intervenção.
Esse agir culposo do médico necessita do nexo causal, ou seja,
deve ser o causador do dano ao paciente. Assim, tem-se os três
pressupostos da responsabilidade civil, no caso, do médico, o ato
lesivo (culposo), o dano e o nexo causal. Esses, quando ocorrem
juntos, geram a obrigação de indenizar. Na falta de um deles, no caso
o nexo causal, não há porque haver indenização.
Não se olvida que o nexo de causalidade indicado pelo
perito médico não se refere à ligação do ato jurídico ao fato, mas sim
do evento com a fisiopatologia da lesão, sequela ou doença. O
expert perquire se o evento ocorrido foi causador de uma lesão,
considerando no seu mister, somente, se há nexo técnico, ficando a
cargo do magistrado investigar a existência do nexo de causalidade
jurídico.
No presente caso, restou sobejamente demonstrada a
inexistência de nexo de causalidade jurídico entre os danos
suportados pelo autor e a conduta das rés, diante da ausência de
erro médico imputável ao cirurgião.
Nesse passo, em análise à dinâmica dos fatos retratada nos
autos, constata-se que a assertiva de imperícia não resiste ao acervo
probatório neles produzido, restando afastado o nexo de
causalidade jurídico entre a conduta das rés e o resultado danoso.
Assim, forçoso reconhecer que a parte autora não se
desincumbiu do encargo de comprovar o fato constitutivo de seu
alegado direito a sustentar a pretensão deduzida na peça vestibular.
Em isoédrica cadência, confiram-se os precedentes desta
Corte Estadual:
DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPOSTO ERRO MÉDICO. HISTERECTOMIA SUBTOTAL REALIZADA APÓS PARTO. PRETENSÃO REPARATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA PELA PARTE AUTORA VISANDO À REFORMA INTEGRAL DO DECISUM. PROVA PERICIAL ROBUSTA NO SENTIDO DA INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ANTIJURÍDICA IMPUTÁVEL AO RÉU. AUTORA QUE APRESENTOU INVERSÃO UTERINA, COM DIAGNÓSTICO DE PLACENTA ACRETA. TENTATIVA DE REVERSÃO DO QUADRO SEM SUCESSO, PERMANECENDO COM PERDA SANGUÍNEA ININTERRUPTA, QUE PODERIA LEVAR A PACIENTE AO ÓBITO. CONDUTA MÉDICA CORRETA, DIANTE DO QUADRO DA PACIENTE. DEVER DE INDENIZAR INOCORRENTE NO CASO CONCRETO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1) O Código de Proteção e Defesa do Consumidor consagrou, de maneira induvidosa, a responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços pela reparação dos danos causados aos consumidores pelos fatos ou vícios de produtos ou de serviços (artigos 12, 14, 18 e 20, Código de Proteção e Defesa do Consumidor), independentemente da existência de culpa, desconsiderando, no campo probatório, quaisquer investigações relacionadas à conduta do fornecedor - ressalva se faz à responsabilidade civil dos profissionais liberais que, nos termos do artigo 14, §4º, da Lei nº 8.078/90, se estabelece mediante verificação de culpa. 2) A responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo, que surge para recompor dano (patrimonial ou extrapatrimonial) decorrente da violação de um dever jurídico originário (legal ou contratual). 3) Destarte, para que se configure o dever de indenizar, não basta a simples existência de danos; mais do que isso, é preciso que decorram de conduta (comissiva ou omissiva) ilícita do sujeito a quem se imputa responsabilidade, sem o que não se estabelece o necessário e indispensável nexo causal. O comportamento antijurídico,
portanto, deverá ser a causa eficiente, direta e imediata dos danos reclamados. 4) O vocábulo erro possui larga sinonímia (falta, falha, engano, desacerto, equívoco, desvio, incorreção, inexatidão, entre outros significados). Erro pressupõe distanciamento do acerto, divórcio do desejado, distorção do planejado. O erro médico significa, em última instância, contrariar o correto. Encarando-se a doença como uma perversão do correto biológico, identificamos a doença como um erro da natureza. Ao médico, a responsabilidade de enfrentar os erros da natureza, corrigindo-os, quando possível. Daí, de se exigir dele a aplicação de conhecimentos adequados, das técnicas usuais disponíveis, probidade e zelo no trato dos enfermos. Aí residirá a distinção entre erro e insucesso. O erro está calcado na figura da culpa; o insucesso, na imponderabilidade biológica. 5) O médico tem o dever de agir com diligência e cuidado no exercício da sua profissão, exigíveis de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica. Daí decorre que, uma vez ministrado regular tratamento ao paciente, não haverá que se falar em responsabilidade civil médica, ainda que daquele tratamento não advenha o resultado curativo esperado. Tem-se que a responsabilidade civil médica é subjetiva, dependente da real prova da conduta culposa daquele profissional, resultante de sua imprudência, negligência ou imperícia. 6) Baseado na prova técnica produzida, verifica-se que a paciente seria portadora de placenta acreta, o que provocou a hipotonia uterina e inversão do útero, uma complicação rara, grave, do terceiro estágio do trabalho de parto, podendo levar a paciente a óbito. O laudo pericial concluiu que não ocorreu erro médico ou qualquer fato do serviço atribuível ao estabelecimento médico-hospitalar a justificar a procedência do pleito reparatório da parte autora, não se podendo confundir erro com intercorrência. 7) Recurso conhecido e não provido. (AC nº 0255672-80.2009.8.19.0004, Rel. Des. Werson Franco Pereira Rêgo, julgamento: 03/05/2017, Vigésima Quinta Câmara Cível). APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SUPOSTO ERRO MÉDICO. MEDICAMENTO (AZELAN) QUE SOMADO PREDISPOSIÇÃO PESSOAL DO AUTOR, BEM COMO À EXPOSIÇÃO SOLAR, CAUSOU-LHE REAÇÕES ADVERSAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ACERTO. Tanto a clínica quanto a médica assistente asseveram que os fatos decorreram de um efeito adverso, totalmente imprevisível e inesperado e potencializado em razão das características genéticas do autor e de exposição solar. Das provas carreadas aos autos, verifica-se que não há elementos suficientes para imputar qualquer responsabilidade aos réus. Laudo pericial conclusivo (I.E. 000489) dando conta de que não há nexo de causalidade entre as manchas encontradas na dato do exame pericial e o uso do medicamento Azelan. Deste modo, não tendo a perícia concluído pela ocorrência de erro médico, afigura-se correta a sentença de improcedência, que merece ser integralmente mantida, por seus próprios fundamentos.
Recurso conhecido e ao qual se nega provimento. (AC nº 0192357-58.2007.8.19.0001, Rel. Des. Wilson do Nascimento Reis, julgamento: 20/04/2017, Vigésima Sexta Câmara Cível).
Por tais fundamentos, conduzo o VOTO no sentido de
CONHECER do recurso interposto e NEGAR-LHE
PROVIMENTO, mantendo a sentença vergastada em sua
integralidade.
Rio de Janeiro, 19 de maio de 2017.
MURILO KIELING
Desembargador
Compete ao juiz, pois, verificar se houve culpa. Não é preciso que a
culpa do médico seja grave: basta que seja certa. Tem que haver
certeza na presença de culpa, no agir do médico, pois a atribuição de
responsabilidade e condenação por erro médico exige elementos
objetivos e seguros e não meras possibilidades ou conjecturas de que
males que surgem após a intervenção médica sejam frutos dessa
intervenção.
Esse agir culposo do médico necessita do nexo causal, ou seja,
deve ser o causador do dano ao paciente. Assim, tem-se os três
pressupostos da responsabilidade civil, no caso, do médico, o ato
lesivo (culposo), o dano e o nexo causal. Esses, quando ocorrem
juntos, geram a obrigação de indenizar. Na falta de um deles, no
caso o nexo causal, não há porque haver indenização.
Esse agir culposo do médico necessita do nexo causal, ou seja,
deve ser o causador do dano ao paciente. Assim, tem-se os três
pressupostos da responsabilidade civil, no caso, do médico, o ato
lesivo (culposo), o dano e o nexo causal. Esses, quando ocorrem
juntos, geram a obrigação de indenizar. Na falta de um deles, no
caso o nexo causal, não há porque haver indenização.
Nessa linha de compreensão, inobstante se reconheça que a
cicatriz hipocrômica ostentada pelo autor tenha decorrido da
reação alérgica à aplicação de uma substância de assepsia durante
a realização do ato cirúrgico, por outro lado, não restou
caracterizado o aventado erro médico, consubstanciado em uma
conduta profissional inadequada, com inobservância técnica,
caracterizada por imperícia, negligência ou imprudência.
Não se olvida que o nexo de causalidade indicado pelo
perito médico não se refere à ligação do ato jurídico ao fato, mas sim
do evento com a fisiopatologia da lesão, sequela ou doença. O
expert perquire se o evento ocorrido foi causador de uma lesão,
considerando no seu mister, somente, se há nexo técnico, ficando a
cargo do magistrado investigar a existência do nexo de causalidade
jurídico.
No presente caso, restou sobejamente demonstrada a
inexistência de nexo de causalidade jurídico entre os danos
suportados pelo autor e a conduta das rés, diante da ausência de
erro médico ou de qualquer comportamento antijurídico a elas
imputável.
Nesse passo, em análise à dinâmica dos fatos retratada nos
autos, constata-se que a assertiva de imperícia não resiste ao acervo
probatório neles produzido, restando afastado o nexo de
causalidade jurídico entre a conduta da ré e o resultado danoso.
Assim, forçoso reconhecer que a parte autora não se
desincumbiu do encargo de comprovar o fato constitutivo de seu
alegado direito a sustentar a pretensão deduzida na peça vestibular.
Em isoédrica cadência, confiram-se os precedentes desta
Corte Estadual:
DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPOSTO ERRO MÉDICO. HISTERECTOMIA SUBTOTAL REALIZADA APÓS PARTO. PRETENSÃO REPARATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA PELA PARTE AUTORA VISANDO À REFORMA INTEGRAL DO DECISUM. PROVA PERICIAL ROBUSTA NO SENTIDO DA INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ANTIJURÍDICA IMPUTÁVEL AO RÉU. AUTORA QUE APRESENTOU INVERSÃO UTERINA, COM DIAGNÓSTICO DE PLACENTA ACRETA. TENTATIVA DE REVERSÃO DO QUADRO SEM SUCESSO, PERMANECENDO COM PERDA SANGUÍNEA ININTERRUPTA, QUE PODERIA LEVAR A PACIENTE AO ÓBITO. CONDUTA MÉDICA CORRETA, DIANTE DO QUADRO DA PACIENTE. DEVER DE INDENIZAR INOCORRENTE NO CASO CONCRETO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1) O Código de Proteção e
Defesa do Consumidor consagrou, de maneira induvidosa, a responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços pela reparação dos danos causados aos consumidores pelos fatos ou vícios de produtos ou de serviços (artigos 12, 14, 18 e 20, Código de Proteção e Defesa do Consumidor), independentemente da existência de culpa, desconsiderando, no campo probatório, quaisquer investigações relacionadas à conduta do fornecedor - ressalva se faz à responsabilidade civil dos profissionais liberais que, nos termos do artigo 14, §4º, da Lei nº 8.078/90, se estabelece mediante verificação de culpa. 2) A responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo, que surge para recompor dano (patrimonial ou extrapatrimonial) decorrente da violação de um dever jurídico originário (legal ou contratual). 3) Destarte, para que se configure o dever de indenizar, não basta a simples existência de danos; mais do que isso, é preciso que decorram de conduta (comissiva ou omissiva) ilícita do sujeito a quem se imputa responsabilidade, sem o que não se estabelece o necessário e indispensável nexo causal. O comportamento antijurídico, portanto, deverá ser a causa eficiente, direta e imediata dos danos reclamados. 4) O vocábulo erro possui larga sinonímia (falta, falha, engano, desacerto, equívoco, desvio, incorreção, inexatidão, entre outros significados). Erro pressupõe distanciamento do acerto, divórcio do desejado, distorção do planejado. O erro médico significa, em última instância, contrariar o correto. Encarando-se a doença como uma perversão do correto biológico, identificamos a doença como um erro da natureza. Ao médico, a responsabilidade de enfrentar os erros da natureza, corrigindo-os, quando possível. Daí, de se exigir dele a aplicação de conhecimentos adequados, das técnicas usuais disponíveis, probidade e zelo no trato dos enfermos. Aí residirá a distinção entre erro e insucesso. O erro está calcado na figura da culpa; o insucesso, na imponderabilidade biológica. 5) O médico tem o dever de agir com diligência e cuidado no exercício da sua profissão, exigíveis de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica. Daí decorre que, uma vez ministrado regular tratamento ao paciente, não haverá que se falar em responsabilidade civil médica, ainda que daquele tratamento não advenha o resultado curativo esperado. Tem-se que a responsabilidade civil médica é subjetiva, dependente da real prova da conduta culposa daquele profissional, resultante de sua imprudência, negligência ou imperícia. 6) Baseado na prova técnica produzida, verifica-se que a paciente seria portadora de placenta acreta, o que provocou a hipotonia uterina e inversão do útero, uma complicação rara, grave, do terceiro estágio do trabalho de parto, podendo levar a paciente a óbito. O laudo pericial concluiu que não ocorreu erro médico ou qualquer fato do serviço atribuível ao estabelecimento médico-hospitalar a justificar a procedência do pleito reparatório da parte autora, não se podendo confundir erro com intercorrência. 7) Recurso conhecido e não provido. (AC nº 0255672-80.2009.8.19.0004, Rel. Des. Werson Franco Pereira Rêgo, julgamento: 03/05/2017, Vigésima Quinta Câmara Cível).
APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SUPOSTO ERRO MÉDICO. MEDICAMENTO (AZELAN) QUE SOMADO PREDISPOSIÇÃO PESSOAL DO AUTOR, BEM COMO À EXPOSIÇÃO SOLAR, CAUSOU-LHE REAÇÕES ADVERSAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ACERTO. Tanto a clínica quanto a médica assistente asseveram que os fatos decorreram de um efeito adverso, totalmente imprevisível e inesperado e potencializado em razão das características genéticas do autor e de exposição solar. Das provas carreadas aos autos, verifica-se que não há elementos suficientes para imputar qualquer responsabilidade aos réus. Laudo pericial conclusivo (I.E. 000489) dando conta de que não há nexo de causalidade entre as manchas encontradas na dato do exame pericial e o uso do medicamento Azelan. Deste modo, não tendo a perícia concluído pela ocorrência de erro médico, afigura-se correta a sentença de improcedência, que merece ser integralmente mantida, por seus próprios fundamentos. Recurso conhecido e ao qual se nega provimento. (AC nº 0192357-58.2007.8.19.0001, Rel. Des. Wilson do Nascimento Reis, julgamento: 20/04/2017, Vigésima Sexta Câmara Cível).
Por tais fundamentos, conduzo o VOTO no sentido de
CONHECER do recurso interposto e NEGAR-LHE
PROVIMENTO, mantendo a sentença vergastada em sua
integralidade.
Rio de Janeiro, 31 de maio de 2017.
MURILO KIELING
Desembargador