PODER E FAMÍLIA NO MARANHÃO NOS PRIMEIROS DECÊNIOS DO ... · DO SÉCULO XIX Monografia...

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14 EDYENE MORAES DOS SANTOS PODER E FAMÍLIA NO MARANHÃO NOS PRIMEIROS DECÊNIOS DO SÉCULO XIX Monografia apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de graduação no curso de História Licenciatura Plena da Universidade Estadual do Maranhão. Orientadora: Msc. Helidacy Muniz Correa SÃO LUÍS-MA 2006

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EDYENE MORAES DOS SANTOS

PODER E FAMÍLIA NO MARANHÃO NOS PRIMEIROS DECÊNIOS

DO SÉCULO XIX

Monografia apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de graduação no curso de História Licenciatura Plena da Universidade Estadual do Maranhão. Orientadora: Msc. Helidacy Muniz Correa

SÃO LUÍS-MA 2006

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SANTOS, Edyene Moraes dos Poder e Família no Maranhão nos primeiros decênios do século XIX/Edyene Mores dos Santos. – São Luís, 2006. 90 f.: 2il.

Monografia (graduação em História) – Universidade Estadual do Maranhão, 2006.

1.Poder 2.Elite 3.Família 4.Sociedade I. Título

CDU: 929.52 “18”

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EDYENE MORAES DOS SANTOS

Monografia apresentada para obtenção do título de graduação no curso de História Licenciatura Plena da Universidade Estadual do Maranhão.

Área de concentração: História Licenciatura Plena

Aprovada em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________

Msc. Helidacy Maria Muniz Corrêa orientadora ___________________________________ Msc. José Henrique de Paula Borralho ____________________________________

Msc. Marcelo Cheche Galves

PODER E FAMÍLIA NO MARANHÃO NOS PRIMEIROS DECÊNIOS DO SÉCULO XIX

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À minha mãe pelo exemplo de vida e pela

determinação e superação mesmo nos

momentos mais difíceis.

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AGRADECIMENTOS À Deus, presença constante em minha vida;

À minha mãe pela garra, pela dedicação na criação dos filhos, pelo amor

incondicional dispensado a todos e o constante bom humor;

Às minha gêmea Ane pela dedicação e apoio nos momentos críticos e pela

cumplicidade nos momentos felizes;

Às minhas irmãs Edinéia, Josedna e Edna, incentivo precioso desde os

preparativos do vestibular até este ultimo percurso;

Aos meus sobrinhos que eu tanto amo: Júnior, Anderson, Carol, Elane,

Letícia, Ellen, Daniel, Érica e a caçula Ana Luíza, pela felicidade constante que

me proporcionam;

Ao meu namorado Wilson, pelos sete anos de companheirismo,

cumplicidade e amor, presença fundamental em minha vida, minha base em

todos os momentos;

Ao meu amigo-irmão Eloy (co-orientador desta monografia), amizade

preciosa nesses cinco anos de convivência, pelo humor satírico e sempre

inteligente, pelo incentivo e pela companhia sempre agradável;

À minha orientadora Helidacy Muniz, pessoa maravilhosa e excelente

profissional, pela paciência e dedicação na realização deste trabalho;

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Ao professor Marcelo Cheche, excelente pessoa, cujas aulas maravilhosas

me fizeram gostar ainda mais de História;

Aos outros professores do Curso de História: Júlia Constança, Henrique

Borralho, Elizabeth Abrantes, Fábio Monteiro, Lourdinha Lauande e Paulo Rios

pela preciosa contribuição e ensinamentos;

À minha professora de violino e amiga, Betânia, pela compreensão e por

não me cobrar muito nas aulas durante a confecção desta monografia;

Ao casal amigos Esmênia e Sandro pela companhia sempre bem-

humorada e amizade neste árduo percurso;

Aos demais amigos de turma, que ficaram pelo caminho (leia-se fatorial):

Patrícia, Camila, Lívio Bruno, Carol, Leonardo, Elisângela, Kátia e Poliana com

saudades do primeiro período pela manhã, quando éramos apenas nós no prédio

de Administração;

Aos amigos que foram chegando ao longo desses anos: Rafael, amigo

maravilhoso, Ritinha, um amor de pessoa e Gabriela Melo, pelo apoio

profissional;

Aos amigos eternos do Centro de Cultura Popular, onde aprendi muito:

Elisene, Carol, Diego, Marcos Antônio, Cibele, Joselma, Bruno, Elizabeth,

Nelma, Viviane, Simone, Clícia e Flávia;

Aos meus amigos dos tempos do ensino fundamental (na época, 1º Grau),

Manoel, Valdeir, Nadjelena e Joanise (Dorquinhas);

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Por fim, ao grande responsável por eu ter feito História, professor

Fortunato Zago, uma das melhores pessoas que conheci na vida, e cuja

lembrança de suas aulas maravilhosas desperta muitas saudades;

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RESUMO

Os estudos em História da Família têm adquirido, desde a década de 1980, amplo

espaço nas pesquisas acadêmicas, influenciado pelas diretrizes da renovação historiográfica

propostas pela Nova História. Este trabalho insere-se nessa nova perspectiva metodológica,

visualizando a família maranhense de elite e sua relação com o poder político durante as

primeiras décadas do século XIX. Como objeto de análise, a família é vista sob o ângulo do

poder, estruturando em torno de si toda uma rede de estratégias para manutenção, obtenção ou

perpetuação deste. Para o alcance de suas pretensões, as famílias de elite alicerçaram seu

poder na dominação de várias instâncias da vida pública. No meio social, estenderam suas

estratégias aos níveis da vida íntima, estabelecendo laços com outros clãs abastados da

província via casamentos e/ou apadrinhamentos, ou ainda com as demais camadas da

sociedade. No campo do imaginário, construíram sua imagem a partir do uso de simbolismos

contidos na aparição pública em festas, na moradia que identificava seu status, através dos

títulos de nobreza de seus integrantes, entre outros. O estrato social escolhido para análise

compreende as famílias de elite e o período situa-se nos primeiros decênios do século XIX,

mais precisamente entre as décadas de 1822 e 1840, período de intensa atividade política na

província por conta das lutas desencadeadas pela Independência brasileira e as revoltas

populares como a Balaiada no Maranhão.

PALAVRAS CHAVE: poder- elite- família - sociedade

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ABSTRACT

The studies in History of the Family have acquired, since the decade of 1980,

ample space in the academic research, influenced for the lines of direction of the historical

renewal proposals for New History. This work is inserted in this new methodology

perspective, visualizing the maranhense family of the elite and its relation with the power

politician during the first decades of century XIX. As analysis object, the family it is looked at

below the angle of the power, structuralizing around itself all a net of strategies for

maintenance, attainment or perpetuation of this. For the reach of its pretensions, the elite

families had fortified your power in the domination of some instances of the public life. In the

social environment, they had extended its strategies to the levels of the close life, establishing

bonds with other supplied clans of the province through marriages or sponsorships, or still

with the others segments of the society. In the field of the imaginary one, they had constructed

your image from the use of symbolisms contained in the public appearance in parties, in the

housing that identified your status, through the headings of nobility of your integrant ones,

among others. The chosen social segment for analysis includes the elite families and the

period is placed in the first decades of century XIX, more necessarily between the decades of

1822 and 1840, the popular period of intense activity politics in the province for cause of the

fights provoked for Brazilian Independence and revolts as the Balaiada in the Maranhão.

KEYWORD: power - elite - family - society

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ILUSTRAÇÕES

1 Organograma demonstrativo dos entroncamentos familiares no Maranhão................53

2 Brasões de armas de alguns fidalgos maranhenses..........................................................77

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TABELAS

Tabela 1: Relação Demonstrativa dos Empregados, que forão suspensos, edimittidos

dos seos Lugares, e dos meramente providos na conformidade da Ordem da Junta de

Governo dessa Província (1823).......................................................................................32

.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................14 2 POLÍTICA, PODER E FAMÍLIA.....................................................................................26

2.1 Portugueses versus Nacionais: dissonâncias políticas e Independência...........26 2.2 As Juntas Provisórias de Governo.......................................................................33 2.3 Os Conselhos Gerais da Província e a elite política maranhense.....................36 2.4 Balaiada, Partidos Políticos e Eleições................................................................38

3 FAMÍLIA E SOCIABILIDADE ........................................................................................48

3.1 Casamento: endogamia, exogamia e estratégias políticas.................................48 3.2 Parentela e estratos sociais...................................................................................56 3.3 A Mulher a descendência matrilinear.................................................................59

4 AS MENTALIDADES E AS ESTRATÉGIAS DE PODER............................................65 4.1 A construção da imagem familiar........................................................................65 4.2 Bacharéis: símbolos da continuidade familiar....................................................70

4.3 Prestígio e tradição nobre.....................................................................................73 4.4 O Ter e o Ser: Simbolismo e poder familiar.......................................................78

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................83 REFERÊNCIAS.....................................................................................................................86

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1 INTRODUÇÃO

O poder político, no seu sentido prático e ideológico, esteve, em parte, atrelado ao

domínio de algumas famílias maranhenses ao longo do século XIX. Na perpetuação desse

poder, várias estratégias foram empregadas em conformidade com o percurso dos

acontecimentos, ideologias e relações sociais (entre elite e demais estratos sociais). No jogo

do poder, o modelo de dominação da elite empregou-se obedecendo a critérios concebidos no

imaginário popular como lugares comuns, ou, em um outro extremo, seguiu regras próprias,

resultado da combinação de fatores diversos que fogem às regras pré-estabelecidas. As

famílias maranhenses da primeira metade do século XIX experimentaram variantes formas de

exercício do poder (político, ideológico, cultural e social) - entendendo-o em um contexto

mais amplo – tanto no âmbito político quanto no cultural, econômico e social. Para Georges

Duby:

(...) Os documentos só esclarecem diretamente as ideologias que respondem aos interesses e às esperanças das classes dirigentes. Porque apenas esses grupos detêm os meios de construir objetos culturais que não sejam efêmeros e cujos vestígios prestam-se à análise histórica. Mas também porque a repartição de poderes autoriza apenas a essas ideologias exporem-se á luz do dia, espalharem-se, infiltrarem-se em todas as formas de expressão, imporem-se aos poucos através do jogo dos sistemas educacionais de informação e pelo efeito do fascínio que naturalmente exercem os modos e as atitudes das elites sociais sobre os estratos que esses meios sociais dominam. (...) (DUBY, 1995, p.136)

A perpetuação desse poder se fez, portanto, pela utilização de estratégias que

abarcavam vários setores da vida maranhense. A vida pública confunde-se com a vida

privada1, uma vez que estar à frente do comando da administração requer manobras que

necessitam da colaboração de outros membros da família, consangüíneos ou não. A política

funciona, então, como palco de representação de pretensões de cunho social, cultural e

ideológico que extrapolam a linha do meio político. Pensa-se, portanto, o conceito de política

para além de suas dimensões administrativas. Busca-se seu sentido simbólico, sua ação na

1 Sérgio Buarque de Hollanda em “Raízes do Brasil” explora a idéia de público e privado no âmbito do estudo da família em conformidade com o conceito de poder. O autor relaciona a família como o “único setor onde principio de autoridade é indisputado” (...) fornecendo a “idéia mais normal de poder, da respeitabilidade, da obediência e da coesão entre os homens”, predominando, desse modo, “sentimentos próprios à comunidade doméstica (...), uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família”. (HOLLANDA, 1984, p.50).

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vida cotidiana, nas práticas e costumes sociais, na linha, sempre tênue entre o que pertence ao

seio familiar e o que se expõe em público. Nessa perspectiva, Francisco Falcon, vislumbra um

dos enfoques possíveis no estudo do poder e da política não alinhada a um aspecto

burocrático:

(...) Poder e política passam assim ao domínio das representações sociais e de suas conexões com as práticas sociais; coloca-se como prioritária a problemática do simbólico (...). O estudo do político vai compreender a partir daí não mais apenas a política em seu sentido tradicional mas, em nível das representações sociais ou coletivas, os imaginários sociais, a memórias ou memórias coletivas, as mentalidades, bem como as diversas práticas discursivas associadas ao poder (FALCON,1997, p.76).

Jacques Julliard, em artigo sobre política, define a expressão atores políticos,

avançando em relação ao seu sentido estrito, mas percebendo-o como pertencentes aos

quadros institucionais; “a classe política” que “compreende diversos círculos concêntricos

que definem a influência de uma organização e de uma doutrina” (JULLIARD, 1995, p.

185). O autor, por sua vez, opta pela definição de uma sociologia política, em que a

constituição de uma classe dita “política” implique a análise de outras demandas sociais. A

família nesse esboço configura o meio pelo qual o poder político adquire forma concreta,

ganhando status de instituição na qual se exercem as estratégias de dominação social. A

expressão “poder da elite”, por si só, não exprime a maneira pela qual as esferas do poder se

fazem presentes na vida cotidiana. Quem é essa elite? Quem a representa? Seu poder é apenas

nominal? O que define seu poder e influência? Como se caracteriza sua influência?

De acordo com essas considerações, nosso objeto situa-se nas primeiras décadas do

século XIX, mais especificamente entre os anos de 1822 e 1840, período de intensa

movimentação política no Maranhão em torno dos acontecimentos referentes à Independência

do Brasil e discussões acerca da Balaiada. As reflexões sobre as famílias de elite situam-se

nos principais centros administrativos da província no período em questão, a saber, São Luís,

Alcântara, Itapecuru, Pastos-Bons, Brejo, Viana e Guimarães.

No Maranhão do século XIX, a constituição de famílias, cujo renome influenciasse

várias esferas da vida pública, foi um traço marcante da política local. Segundo Jerônimo de

Viveiros, política era, nesse período, “assunto de família”, manipulado pelos principais clãs

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da época, disputada entre as mais influentes e assunto recorrente da imprensa local, retratado

sob a perspectiva da construção de sua imagem, positiva ou negativamente. Os Belfort,

Franco de Sá, Costa Ferreira, Viveiros, Gama, Souto-Maior e os Burgos foram as famílias

mais frequentemente encontradas nas documentações e na bibliografia levantada envolvidas

nas disputas políticas travadas no inicio do século XIX, por isso, constando como os objetos

de análise deste trabalho.

Nesse aspecto, família e Estado confundem-se, uma vez que atuam em campos

bastante parecidos, assumindo conceitos próximos, trabalhando em prol de necessidades

semelhantes e/ou coincidentes. O Estado2 passa a ser o local de atuação da organização

familiar, objeto de disputa, discussão. Pertencer a uma família de renome significava estar no

centro da vida administrativa, ou ao contrário, situar-se fora, ser oposição, nesse caso, por não

pertencer à família detentora do poder, o que por sua vez não significa estar à margem dele.

Necessário analisar se as famílias estavam a serviço do Estado ou se a sentença era contrária,

uma vez que a utilização da máquina estatal foi lugar comum no período estudado.

Nepotismo, fraudes eleitorais, manipulação de pessoas, uso indevido do bem público, arranjos

matrimoniais, apadrinhamentos, entre outras estratégias que regiam as formas de manutenção

ou acesso ao poder administrativo, faziam parte do modo de atuação dos grupos envolvidos.

Percebe-se, portanto, a presença de um poder que não possuía características apenas

nominais e cujo raio de influência tinha conseqüência direta no cotidiano dos demais estratos

sociais. Fazer parte da engrenagem estatal representava objetivo da maioria das famílias

abastadas da província no século XIX, pois estar no centro das discussões políticas significava

também pertencer a outros graus de influência, estar a cima das leis3 e das demais camadas

sociais, ser objeto do olhar público.

2 Pensa-se o conceito de Estado a partir da perspectiva de construção deste pelos setores que compuseram a elite brasileira com advento do Império (FERREIRA, 1999, p.23). Para Oliveira Viana, o Estado monárquico organiza-se a partir de instituições legais como as famílias, as elites, partidos políticos ou por “um gênio político”. (VIANA, 1999) 3 Para a construção de uma base legal administrativa, o poder central optou por reformas que permitissem a centralização do poder. Essas medidas, no entanto, atribuíram um poder excepcional as elites locais, como, por exemplo, a criação dos Conselhos Gerais previsto pela Constituição de 1824. A proposição das leis ficaria a cargo dos ditos Conselhos, compostos, por sua vez, pelos principais membros da elite política das províncias. O Ato Adicional de 1834 também representou medida importante para ampliação do mando das elites locais. A substituição dos Conselhos Gerais pelas Assembléias Legislativas proporcionou às elites provinciais a prerrogativa de fixar leis de acordos com as necessidades dos seus grupos. Desse modo, a criação, supressão ou nomeação para cargos e empregos públicos, por exemplo, obedeceu a critérios estabelecidos pelos próprios grupos no poder, retirando, em parte, as atribuições inicialmente conferidas ao Presidente da província e aumentando grau de influência dos grupos familiares integrantes das Assembléias provinciais (FERREIRA,

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As trocas sociais e culturais estabelecidas entre as famílias também fornecem substrato

interessante de análise, considerando os interesses escondidos por trás de uniões

matrimoniais, apadrinhamentos, laços de amizade, que ultrapassavam a questão da simples

convivência social. Os pactos políticos, assim, também se faziam no campo das relações

privadas, onde o sucesso de uma aliança também dependia da consistência das uniões entre

seus membros. O Maranhão, no entanto, nos apresenta variáveis modelos de relações indo e

extra-familiares, onde os laços afetivos possuem menor evidência que os interesses de ordem

política e econômica. Nesse aspecto, traições, mudanças de posições políticas, rivalidades,

entre outras questões são comuns no roteiro de convivência entre as famílias da elite. O

conceito de fidelidade perde força diante de questões que tenham impacto direto no domínio

de determinado clã.

Partindo desse ângulo, a questão da fidelidade entre os representantes da elite

mostrou-se recorrente nos jornais da primeira metade do século XIX, em especial ligada a

fidelidade partidária, diante das costumeiras mudanças de alinhamento político envolvendo os

cidadãos de maior renome social. A fragilidade das alianças demonstrava a tênue linha em

que se estabeleciam as relações entre as famílias abastadas, considerando que, embora aliadas,

essas famílias possuíam objetivos em comum e, uma vez contrariada as intenções de ambas,

abria-se uma possibilidade de uma dissensão e de uma nova disputa. O binômio

rivalidade/aliança significou embate corriqueiro no cenário político maranhense, em que a

inconstância das ligações partidárias foi a tônica da divisão de poder na província.

A divisão dos poderes entre as famílias também representou parte do processo de

constituição do Estado Nacional, incluindo a organização de células partidárias, que

disputariam o monopólio do poder no novo espaço administrativo aberto pela Independência.

A instituição de uma elite forte e influente economicamente, advinda do negócio da lavoura

de exportação, e/ou da lide do comércio contribuiu no sentido de se estender para o campo da

política o peso de sua influência econômica.

Em relação ao Maranhão, no entanto, a abastança de determinadas famílias não

significava origem nobre, uma vez que a historiografia e os documentos do período registram

casos de ascensão social e de constituição de poderes com a ausência de antecedentes

1999, pp.28-32). O registro de leis do Maranhão encontrado no acervo da BPBL, consta apenas a partir de 1835. (Colleccão das Leis, Decretos e Resoluções da Província do Maranhão, 1835-1840).

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familiares influentes política e economicamente. Esse dado pode se perceber a dissonância

existente entre poder econômico e influência política, aliada ainda à imagem nobiliárquica de

algumas famílias. Em outras palavras, para alguns grupos da elite ter destaque econômico não

significava possuir prestígio social, nem ter seu sobrenome elevado ao panteon das famílias

nobres (MOTA, 2004).

Para tanto, foi comum a prestação de favores financeiros aos órgãos do Estado em

troca de títulos nobiliárquicos, como no caso de José Gonçalves da Silva, segundo a

historiografia e as fontes referentes ao período, o segundo homem mais abastado da província,

cuja boa parte de suas posses foi investido em nobilitar-se (MOTA, 2004). Assim,

consideram-se duas questões passíveis de análise: a primeira refere-se à importância do

prestígio social na sociedade maranhense, que nem sempre era alcançado apenas com o poder

econômico; a segunda versa sobre a proximidade entre o Estado e homens que, teoricamente,

se encontravam à margem do exercício do poder político na província, detendo apenas o

monopólio das finanças.

O prestígio social incluía uma série de pormenores de ordem jurídica, origem social

econômica e descendência familiar, que ultrapassavam o fator da posse de cabedal

econômico. A vinculação ao grau mais alto da sociedade incluía o reconhecimento pela elite

dessa nova célula familiar, reconhecimento esse que não se fazia com certa facilidade, pois a

linhagem (nobre) possuía peso considerável para uma elite bastante atrelada à questão da

origem.

O aspecto nominal distinguia-se consideravelmente em uma sociedade onde

sobrenome e posições políticas eram apreciados como atestados de prestígio e distinção, arma

ideológica, determinante do respeito das demais classes. A “compra” ou o pedido de títulos

honoríficos, assim, foi prática comum entre os cidadãos de ascendência não nobre, pois, como

já exposto, o reconhecimento social representava uma espécie de inclusão em uma galeria

restrita de privilegiados.

Desse modo, a aproximação entre Estado e cidadãos de origem não nobre se fazia de

forma regular na Província, onde a troca de favores beneficiava a ambos. A burguesia

mercantil detinha em parte o monopólio da máquina do Estado, representada principalmente

pelos comerciantes de grosso trato (MOTA, 2004, p.17).

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As disputas de reconhecimento travadas no campo social estendiam-se ainda para o

espaço econômico, numa intrincada rivalidade de interesses que partia de uma concepção bem

particular de divisão trabalho. Os caracteres de uma sociedade escravista se faziam presentes

na diminuição das atividades ligadas ao comércio em confronto com o prestígio das atividades

provenientes do setor agrário. Nesse contexto, a concessão de privilégios de origem oficial se

fazia com certa reserva em relação às famílias ligadas à primeira atividade do que em relação

às que se ocupavam da agricultura. A nobiliarquia era provada, portanto, com base em

concepções ideológicas e sociais baseadas principalmente na idéia de linhagem, mas também

a partir da atividade econômica exercida por determinado grupo familiar.

Para os desprovidos de títulos de nobreza herdados, recursos variados foram utilizados

na busca do reconhecimento social (e oficial): da manipulação do Estado, colocando suas

fortunas à disposição dos administradores, à estratégia das uniões matrimoniais com membros

de famílias renomadas, utilizando-se da quase infalível manobra de união a um sobrenome de

destaque. A essa busca pelo prestígio social, somava-se ainda o fator matrimonial ao

patrimonial, pois facilitava a manutenção e ampliação dos bens de ambas as famílias

envolvidas nessa espécie de acordo em que se transformava o casamento.

As tensões provocadas nas lutas pela Independência do Brasil evidenciaram também

as rivalidades entre as famílias de origem portuguesa e os nacionais. A busca por uma

supremacia política e mais do que isso, a defesa apaixonada de uma causa tanto política

quanto ideológica colocaram como pauta do dia as disputas entre os clãs4 de maior destaque

da província. As famílias desse modo particularizavam uma causa de origem nacional,

pertencente a todos os cidadãos, independente de sua origem social ou étnica. A discussão

coletiva tornava-se, então, restrita aos grupos familiares, monopólio dos interessados na

partilha do poder. Novamente o público e o privado fundem-se, dando vazão às intrigas,

chantagens, ofensas de foro pessoal e outras formas de disputa que ultrapassavam os limites

dos debates políticos e excluíam as demais classes do centro das discussões desencadeadas

pela Independência e posteriormente pela Balaiada.

4A expressão ‘clã’ está sendo explorada nesse trabalho apenas como sinônimo da palavra família. Linda Lewin na obra “Política e Parentela na Paraíba”, define ‘clã’ como um conceito diferenciado da noção de família. Para a autora, o clã se refere a uma organização formada a partir de uma descendência unilinear, ou seja, determinável a partir de apenas um dos pais, e cuja solidariedade possui laços mais estreitos e coesos que uma organização do tipo familiar, podendo ao longo das gerações evitar a fragmentação com a dispersão de seus membros.

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De acordo com o exposto, existem intrincados fatores a serem analisados no estudo

sobre família e poder no Maranhão da primeira metade do século XIX. O tema não se centra

apenas na análise de uma política dita partidária, mas busca os pormenores das relações

familiares no conjunto das estratégias que alimentem ou dêem acesso a esse poder. Afirmar

que todo o poder político esteve em mãos de grupos familiares representa um risco conceitual.

Pertencer a uma família conceituada no século XIX não significou total acesso e monopólio

da administração do Estado, nem domínio absoluto sobre a vida pública das demais camadas

sociais. O que se quer evidenciar é a participação de determinadas famílias nos processos

políticos desencadeados nos primeiros decênios do século em questão, percebendo o tema

como um dos inúmeros vieses pelos quais é possível se refletir acerca do poder no Maranhão

desse período.

A elite maranhense figura como o objeto de análise, ampliada sob a ótica dos grupos

familiares e sua relação com o poder, com o Estado e com os demais estratos sociais. As

categorias de análise estendem o olhar sobre o entrelaçamento entre público e privado, as

relações sociais estabelecidas dentro e fora das famílias, a questão da linhagem e nobreza, as

dissonâncias entre prestígio social contra privilégios econômicos, meios de dominação e

ideologia, entre outros fatores que foram a tônica da vida política da província.

Portanto, três abordagens foram estabelecidas para melhor visualização do tema em

questão. Assim, a discussão a ser levantada em linhas gerais no primeiro capítulo versa sobre

as disputas no campo administrativo entre famílias portuguesas e brasileiras quando dos

acontecimentos desencadeados pelo advento da Independência; sobre a utilização da máquina

estatal e seus órgãos por esses mesmos grupos familiares; e o rearranjo do poder da elite em

meio às lutas durante o período da Balaiada.

O segundo capítulo atém-se à questão da sociabilidade e estratégias políticas como

parte do conjunto das possibilidades de manutenção/obtenção/ampliação do poder político no

início do século XIX. Casamentos, apadrinhamentos, a constituição de uma parentela não

consangüínea, além da participação conjunta dos elementos familiares foram fundamentais na

concretização dos objetivos políticos dos clãs. O olhar da elite sobre as demais camadas da

população também significou objeto de interesse no entendimento e relação proposta entre

sociabilidade e poder.

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As mentalidades e o poder figuram como objeto de análise do terceiro capítulo, cuja

abordagem fixa-se na construção da imagem familiar em meio ao aparecimento da imprensa

maranhense interessada em discutir as questões colocadas pela Independência e pela revolta

popular da Balaiada; na idéia dos bacharéis como elementos de continuidade não só do

sobrenome familiar, mas do poder adquirido pelo seu grupo; da singularidade expressa pelo

título de nobreza concedido aos indivíduos cujo histórico familiar justificasse a titulação

assim como garantisse uma colocação nas esferas do poder provincial; e, ainda, todo o poder

impregnado no simbolismo dos rituais públicos, festas, estruturas de suas moradias como

forma de demonstrar a existência e o alcance desse poder.

No tocante ao estudo sobre família, este ganhou impulso nas últimas décadas por

influência da renovação historiográfica da Nova História, ligado ao movimento dos Annales.

No Brasil, os estudos realizados na década de 1980 foram de fundamental relevância no

avanço e configuração de novas temáticas relacionadas ao estudo da família, respaldadas por

abordagens diferenciadas da historiografia tradicional. Essa renovação acompanhou toda uma

(re) estruturação quanto à classificação das fontes e da utilização destas na pesquisa histórica.

A Nova Historia atribuiu uma visão renovada em termos de participação das famílias nos

processos históricos, elevando-as a um lugar de destaque na apreensão e compreensão da

sociedade, da política, economia e cultura.

A família como objeto de análise foi inicialmente enfocada no Brasil a partir dos

estudos de Oliveira Viana e sua noção de “clã parental”, e Gilberto Freyre e a conceituação de

“família patriarcal”, ambos baseados em uma acepção tradicional do tema. Esses trabalhos,

produzidos na década de 1930, lançavam sua análise sobre a elite e sua constituição familiar,

tomando-a como modelo de organização na sociedade brasileira e desconsiderando as

especificidades familiares das demais camadas sociais brasileiras (FARIA, 1997, p. 252).

No entanto, a família como objeto específico de análise, não esteve no centro das

discussões levantadas por esses autores. A construção das organizações familiares como

elemento principal de interesse foi possível com as pesquisas levantadas na década de 1970,

contando com a relevante influencia dos brasilianistas, apoiados principalmente na

demografia histórica, análise da economia doméstica e estabelecendo um diálogo com as

ciências sociais.(FARIA, 1997, pp. 252-253).

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Hebe Castro, por outro lado, situa os estudos sobre família no Brasil na década de

1980, acompanhando a técnica francesa baseada na demografia histórica e no método

quantitativo adotado pelo chamado grupo de Cambridge. Para Sheila de Castro Faria, os

estudos desse período nasciam com base na contestação ao conceito de família patriarcal

desenvolvido por Gilberto Freyre.

Em todo caso, essa temática angariou espaço entre os pesquisadores brasileiros,

ampliando, desse modo, suas possibilidades em termos de abordagens: da organização

familiar da elite, à economia doméstica, passando para questões como a ilegitimidade (em

relação a filhos e casamentos), parentela e sua imbricação no íntimo da família nuclear, fogos

chefiados por mulheres, poder e a influencia política de certas famílias na vida administrativa

das províncias, clãs constituídos por escravos, forros e brancos pobres, genealogias, entre

outras abordagens possíveis tendo por base a família em todas (ou quase todas) as suas

dimensões. Segundo Sheila de Castro Faria, o estudo direcionado ao entendimento dos

contextos históricos pela perspectiva da organização familiar possui proeminência no sentido

em que o questionamento quanto a imagem da família atual suscitou o interesse dos

historiadores em relação ao tema. (FARIA, 1997, p.244).

A década de 1980, de outro modo, em conformidade com as novas abordagens

sugeridas pela Nova História, o estudo sobre família passou a contemplar outras camadas

sociais, que não só a elite e suas concepções a respeito da idéia de família. Nesse período, as

pesquisas relativas ao estudo da elite perderam força, cedendo espaço à abordagens

relacionadas a escravos, brancos pobres, forros e camadas médias.

No Maranhão, o estudo sobre família tem, lentamente, adquirido espaço e respeito

entre os pesquisadores, explorado com maior freqüência nas monografias de graduação5. As

abordagens contidas nesses trabalhos variam de enfoque, oscilando entre a questão

5 Os trabalhos monográficos referidos foram realizados no curso de História da Universidade Federal do Maranhão: MORAES, Eva Alves de. A Dissolução dos Laços Matrimoniais: Conflitos e Tensões na Família Maranhense do Século XIX; RAPOSO, Richard Oliveira. Família e Poder no Maranhão Colonial: Uma Leitura de Testamentos do Final do Século XVIII; SILVA, Rosiana Freitas da. A Família Possível: Relações Concubinárias no Maranhão Setecentista (1740-1800); MELO, Darlan. Desarmonias no Sagrado Matrimônio das Famílias Setecentistas; SOUZA, Sinara da Silva. Cativas Famílias: Práticas Famílias Escravas em São Luís na Segunda Metade do Século XVIII.

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matrimonial, concubinato e famílias de escravos, cujo recorte temporal fixou-se

principalmente no final do século XVIII.

A historiadora Antônia Mota, tomando por base o ponto de vista econômico, concebeu

importante estudo acerca da constituição das fortunas das famílias maranhenses e sua

contribuição para o desempenho econômico da província. Em “Família e fortuna na

Capitania do Maranhão (1780-1820): estudo em testamentos e inventários”, Mota explora a

questão das fortunas a partir do advento da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, e os

benefícios dessa empresa para a configuração da abastança de determinadas famílias do

Maranhão no final do século XVIII e inicio do século XIX.

Outra obra recentemente lançada e de grande importância para o estudo de

genealogias foi produzida pelo pesquisador Milson Coutinho, voltada para o levantamento

dos indivíduos agraciados com títulos de nobreza e/ou brasões de armas familiares. “Fidalgos

e Barões. Uma História da Nobiliarquia luso-maranhense” (2005) concentra-se na ampliação

dos conhecimentos acerca da elite maranhense através de seus mais influentes representantes

na política, nos postos militares e nas ciências durante o período colonial e imperial.

A obra fundamenta-se na reconstituição do histórico familiar de cada um dos nobres

citados, incluindo levantamento genealógico, transcrição de vasta documentação sobre os

indivíduos e seus ancestrais assim como de sua descendência, brasões de armas e símbolos

heráldicos com os quais foram agraciados por suas contribuições ao Estado português ou

brasileiro, após a Independência. O autor detém-se somente com a descrição e levantamento

de dados dos fidalgos maranhenses biografados, não se comprometendo a fazer nenhuma

análise mais apurada de qualquer fator histórico relevante de sua pesquisa.

Para esse trabalho, o autor utilizou-se de fontes variadas como testamentos, jornais,

inventários, mas lançando mão principalmente da documentação relativa ao Maranhão contida

no Arquivo Ultramarino. “Fidalgos e Barões” possui aspecto de obra de consulta,

funcionando como uma espécie enciclopédia da nobiliarquia do Maranhão, contribuindo

sobremaneira para a identificação dos membros dos elementos da elite, assim como do

histórico de suas famílias.

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Uma outra obra, produzida no ano de 1886 por João Mendes de Almeida cujo título

faz referência ao estudo de família, no entanto foi dedicada à narração da história do

Maranhão do século XVI ao XIX. “Algumas Notas Genealógicas: livro de família”, foca-se

na descrição dos acontecimentos mais importantes da História do Maranhão, desde a origem

do nome Maranhão, até as lutas populares desencadeadas no período Regencial, com destaque

para a Balaiada. A sugestão temática do título perde-se na minuciosa contextualização dos

fatos e o estudo de genealogias aparece somente na ultima parte da obra e forma de manual de

moralização das famílias, traçando todo um histórico do estudo de genealogias desde Roma

Antiga até os estudos sobre o tema lançados no final do século XIX (período em que escreve

o autor).

Há, por outro lado, um déficit de pesquisas especificamente dedicadas ao estudo da

família e do poder no Maranhão, temática esta contemplada ligeiramente por algumas obras

da historiografia tradicional. Nas ditas obras, como “História do Maranhão” de Mario

Meirelles, e “História do Comércio do Maranhão” de Jerônimo de Viveiros, (utilizadas neste

trabalho), não consta à família e o poder como tema central, nem como objeto de análise e

investigação. A família de elite é colocada dentro de um contexto político como agente ativo

dos processos históricos.

Trabalha-se, portanto, nas obras a idéia de contribuição efetiva das elites nos

acontecimentos políticos da província, ressaltando o papel de seus integrantes mais ilustres na

História do Maranhão, embora a família não seja o objeto por excelência das mencionadas

obras historiográficas. Artigos publicados nas revistas do IHGM também contemplam o tema

em questão, embora centralizem a escrita em no histórico de uma só família, ou no

levantamento genealógicos dos principais clãs maranhenses.

Ademais, não existem obras publicadas exclusivamente dedicadas à história da família

na Maranhão, tornando o estudo dessa temática uma árdua tarefa de pesquisa, do

levantamento de uma bibliografia compatível com o tema, ao recolhimento das fontes, na

maioria dos casos em estado de conservação irregular (especialmente a documentação

referente ao início do século XIX). Este trabalho insere-se justamente nesta lacuna

historiográfica, num esforço primeiro de visualizar a elite maranhense e sua relação com o

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poder e suas nuances, percebendo os inúmeros vieses pelo qual essa elite impôs sua

dominação, destacadamente pelo âmbito social, político e cultural.

A documentação utilizada concentrou-se especialmente nos periódicos produzidos

entre as décadas de 1825 e 1840 como “Argos da Lei” (1825), “O Censor” (1825-30), “O

Amigo do Homem” (1826-27), “O Farol Maranhense” (1826-27), “A Bandurra” (1828) e

“Chronica Maranhense” (1838-40).

Quanto aos manuscritos, o mau estado de preservação de fontes referentes à primeira

metade do século XIX como testamentos, certidões de batizados e nascimento, impedem uma

visão mais apurada no que se refere à análises sobre o cotidiano das famílias, da sociabilidade

e das mentalidades. Mais da metade dos testamentos, certidões de batizado e nascimento

encontrava-se classificada como “deteriorada” ou “parcialmente deteriorada”, o que

corresponde a mais ou menos oitenta por cento de todo material disponível sobre os setores da

elite tanto entre os manuscritos do Arquivo Público do Estado (APEM), quanto os da

Biblioteca Pública Benedito Leite (BPBL).

Dificulta ainda a inexistência de fontes de origem pessoal como cartas trocadas entre

membros das famílias, livros de assento, diários, fotos pessoais e de família, entre outros, de

suma importância para a compreensão das relações internas e externas estabelecidas pelas

famílias de elite como forma de preservação do poder. Registre-se ainda o desaparecimento

de fontes e manuscritos contidos nas relações dos locais de pesquisa, mas não encontrados

quando da solicitação para pesquisa. Entre eles os “Documentos relativos à família Viveiros,

incluindo árvore genealógica e brasão, nomeações assinadas pelo Imperador”, pertencente á

BPBL.

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2 POLÍTICA, PODER E FAMÍLIA

2.1 Portugueses versus nacionais: dissonâncias políticas e Independência

A vida política do Maranhão, na primeira metade do século XIX, esteve intimamente

atrelada às questões que envolviam as disputas pelo poder entre setores da elite no quadro

da organização do Estado Nacional. A elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal, e a

mudança da sede da Corte Real para o Rio de Janeiro, contribuíram para o crescimento do

desejo de emancipação política do país, em especial da elite nacional, desejosa de

participar efetivamente dos processos políticos em andamento na nova nação

(CARVALHO, 1996). Uma maior participação da elite nacional contrastava, no entanto,

com a presença maciça de uma burocracia portuguesa secular, detentora dos melhores

cargos administrativos da colônia e diretamente ligada à metrópole. Por outro lado, em

meio à organização do Estado, existiu ainda uma estruturação da elite brasileira

(JANOTTI, 1987), buscando defender seus interesses em meio às conquistas concretas

dos grupos portugueses.

Na definição de Flávio Reis em estudo dos grupos políticos e das oligarquias

maranhenses a formação de um sistema de dominação política sob direção das elites teve

origem a partir da década de 1820:

A reflexão sobre o processo de formação do sistema de dominação política no Maranhão requer a distinção preliminar entre dois períodos. O primeiro compreende o início da década de 1820 até o final da década de 1840 e apresenta uma extrema fragmentação das facções políticas, geralmente expressa nas lutas entre famílias importantes de proprietários rurais das regiões do Itapecurú e da Baixada, as mais significativas economicamente (REIS, 1992, p.1)

No Maranhão, a presença marcante de portugueses no domínio dos principais setores

políticos da província, evidenciava não a total marginalidade, mas certo distanciamento

dos nacionais em relação à vida pública. A clara divisão entre comerciantes portugueses,

detentores dos cargos administrativos, e brasileiros voltados para as atividades agrícolas

foi tema recorrente da historiografia tradicional, apresentando uma divisão estanque das

funções dos principais setores da sociedade.

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A temática “família” se insere no contexto das transformações institucionais

ocorridas na mudança da situação jurídica do país em face dos processos desencadeados

com a vinda da Família Real, culminando com a Independência em 1822. Localizar os

setores da sociedade maranhense envolvidos nessas mudanças estruturais, e sua relação

com o poder proporcionado por essa conjuntura, representa o objeto deste estudo, mais

precisamente a elite e suas facções na partilha do poder diante do impacto desses

processos na província. A família simbolizou, então, a instituição através da qual a elite

representou o seu poder e influência, articulou suas estratégias e encontrou garantias de

maior sucesso em seus empreendimentos. O lugar da família maranhense, no século XIX,

encontrou-se intimamente atrelado ao espaço das discussões políticas da província

(VIVEIROS, 1952, P.13), re-significando a idéia de público e privado. Para alguns setores

da elite maranhense, família ganha status de corpo político gerador de poder e privilégios.

As primeiras décadas do século XIX fornecem substanciais modelos de análise

relacionando famílias de elite, poder e as transformações da condição política do Brasil. A

estruturação do Estado Nacional, resultado de um processo de emancipação controvertido,

aliado às disputas internas pela supremacia do poder e as revoltas de caráter ideológico,

contribuíram para a formação da base das rivalidades e/ou alianças entre as famílias mais

influentes do Maranhão.

A busca por um espaço dentro das estruturas do poder ultrapassava o limite da

simples discussão política, dando ensejo a outras formas de manipulação do espaço

público, incluindo a transformação do Estado em lugar de realização das pretensões

partidárias, da garantia de vantagens e benefícios extra-administrativos e da afirmação da

elite como monopolizadora da vida política maranhense em detrimento das demais

parcelas da sociedade (ASSUNÇÃO, s/d).

A elite maranhense configurava-se dentro de uma divisão de poderes, que incluía os

grupos de portugueses, detentores dos melhores cargos administrativos, e os nacionais,

geralmente voltados para negócios da lavoura de exportação (GAIOSO, 1970), divisão

cristalizada pela historiografia tradicional. Garcia de Abranches6, no entanto, nos dá um

6 João Antônio Garcia de Abranches, jornalista, principal redator do periódico “O Censor Maranhense” publicado a partir de 24 de janeiro de 1825, em defesa da causa lusitana. Rico comerciante, teria cursado,

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resumido panorama da distribuição do poder econômico na província durante as lutas pela

adesão à Independência do Brasil:

(...) a agricultura seria sangue coalhado no corpo do estado se o Comércio lhe não desse movimento: he o Commercio o Officio de huma classe nobre, e nobilissima; são os que a compõe Negociantes, ou Mercadores, e ordinariamente principião esta profição pelo exercicio de caxeiros. (...) também me dizem que muitos de vara e covado possui grandes fazendas de lavouras; e quem possuem taes estabelecimentos, não he possível ser inimigo da Independência e nem do Império, nem podem ser suspeitos; pois com sua união he que elles hão de defender, e augmentar as suas propriedades e seus interesses (O Censor, 05/02/1825, nº2, p.26-30).

Portanto, ambas as atividades se complementavam na construção da vida econômica

da província, pois comerciantes portugueses poderiam também exercer atividades ligadas

à lavoura. A referência a esta ser uma classe “nobilíssima” poderia sugerir uma dúvida

quanto à nobiliarquia dos lavradores brasileiros, registrando uma distância hierárquica

entre ambos os grupos. A importância atribuída aos portugueses na construção do novo

Império através de sua contribuição econômica, segue como destaque do artigo do jornal,

aliada ao prestígio proporcionado pela nobreza de seus membros, contrastando com a

ausência de títulos nobiliárquicos dos brasileiros, além de sua inexperiência

administrativa.

Esta diferenciação era refletida também na questão do reconhecimento social,

principalmente no que se refere à origem familiar. Embora não totalmente determinante, o

sobrenome exercia forte influência no tocante à posição social ocupada por determinado

cidadão. No entanto, a origem portuguesa não foi garantidora de títulos imediatos de

nobreza, diante da ausência de um sobrenome tradicional, como a exemplo do

comerciante de origem portuguesa José Gonçalves da Silva, o Barateiro. Detentor da

maior fortuna da província, entretanto, submeteu grande parte de seus bens em troca de

títulos e honrarias, garantindo, por sua vez, vultosos empréstimos ao Estado7. Por outro

lado, nem todos os integrantes da chamada “elite política” maranhense possuíam títulos de

segundo seu neto Dunshee de Abranches a Universidade de Coimbra, não apresentando, no entanto, documentação que comprovasse sua formação acadêmica. (JORGE,2000, pp. 31-34). 7 Consta dos testemunhos de Spix e Martius, que visitaram o Maranhão no ano de 1819, que José Gonçalves da Silva teria sido o cidadão que mais vezes emprestou dinheiro ao Governo da Capitania, chegando a emprestar ao Erário Público cerca de oitenta contos de réis em troca de títulos e honrarias. (MOTA, 2004, pp.04-16).

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nobreza8. Nesse contexto, portugueses e brasileiros, disputaram não apenas a supremacia

econômica em meio aos acontecimentos desencadeados pela emancipação política do país,

mas também o reconhecimento social e de sua posição ideológica.

De todo modo, a divisão da elite maranhense entre portugueses e brasileiros natos,

coloca em evidência a chamada “coesão da elite” (ASSUNÇÃO, s/d, p.02), sublinhando a

existência de duas facções em disputa por um mesmo espaço (portugueses e brasileiros),

embora juntas no topo da pirâmide social. Analisando a ideologia das sociedades, Georges

Duby enfatiza a existência de vários “sistemas de representações” coexistindo em um

mesmo espaço:

(...) numa determinada sociedade, coexistem vários sistemas de representações, que ainda naturalmente, são concorrentes. Essas posições são em parte formais e respondem à existência de vários níveis de culturas. Sobretudo refletem antagonismos que por vezes nascem da justaposição de etnias separadas, mas que são sempre determinadas pela disposição das relações de poder (DUBY, 1995, P.132).

As relações de poder, nesse caso, eram travadas dentro da própria elite,

demonstrando uma rivalidade que ultrapassava os limites da simples ideologia ou da

defesa apaixonada de um ideal. A luta pelo poder ganhava forma concreta a partir das

investidas de ambos os grupos: as acusações públicas, formação de partidos antagônicos,

intrigas, atentados, entre outros métodos de intimidação do oponente.

As reformas Pombalinas9 implementadas a partir do final do século XVIII,

favoreceram a constituição de uma elite forte economicamente, com o incentivo à lavoura

de exportação baseada principalmente no cultivo do arroz e algodão, consequentemente,

elevando os agricultores ao topo da pirâmide social no Maranhão. Esta superioridade

8 Da relação de nobres e fidalgos maranhenses levantada pelo pesquisador Milson Coutinho, não constam, por exemplo, membros do primeiro Conselho Provincial do Maranhão como Joaquim Vieira da Silva e Sousa, Patrício Diniz de Almeida e Silva, João Bráulio Muniz, Joaquim José Sabino, Raimundo Felipe Lobato, entre outros, não relacionados como indivíduos titulados, o que leva a crer que nem todos os elementos da chamada elite política maranhense possuíam titulações de nobreza, embora fizessem parte do seleto grupo à frente do poder provincial através de estratégias que incluíam casamentos, apadrinhamentos políticos, laços de amizade, etc. ( COUTINHO, 2005) 9 A Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, fundada em 1755, foi criada com o objetivo de introduzir mão-de-obra escrava na capitania e alavancar o comércio do Estado do Grão-Pará e Maranhão. O impulso dado ao comércio e à agricultura de exportação, proporcionou às famílias ocupadas dessas atividades maiores possibilidades no âmbito econômico e social. (MEIRELLES, 2001. pp. 169-170).

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econômica da lavoura, entretanto, não significou para os brasileiros acesso irrestrito às

benesses do poder, uma vez que existia o monopólio dos portugueses e a necessidade de

associar esse poder econômico a uma origem nobre.

Por outro lado, nem todos os cidadãos envolvidos diretamente nas decisões políticas

da província eram provenientes de famílias ilustres, por isso o pedido de títulos de nobreza

foi comum durante o período (COUTINHO, 2005). Ou seja, o simbolismo inerente ao

título nobiliárquico, era sinônimo de diferenciação social, tão importante quanto a posição

jurídica ocupada por determinadas famílias durante o século em questão.

Portanto, as lutas durante os acontecimentos de 1822, abriram um novo espaço de

reivindicações aos brasileiros de famílias abastadas, vendo no conflito de adesão dos

maranhenses à Independência uma oportunidade de pleitear um lugar na posição de

mando e poder antes pertencente aos portugueses.

O poder proporcionado pelo Estado passa a ser o escopo das disputas entre os dois

grupos, embora, de acordo com Mathias Assunção em sua análise sobre as estruturas de

poder, a substituição do mando dos portugueses pelos brasileiros fosse, na prática, difícil

de ser implementada. As intrigas, calúnias e acusações públicas funcionavam como uma

espécie de arma de defesa dos lusitanos. Da mesma forma, o envolvimento de famílias

portuguesas e nacionais, ligadas por vínculos familiares, sociais ou profissionais

(ASSUNÇÃO, s/d), impedia o avanço da elite brasileira à posição de mando.

Em síntese, a convulsão social provocada pelos episódios de 1822, resultou na

perseguição dos portugueses, acusados da manipulação e uso particular da máquina do

Estado. A constituição de juntas provisórias de governo, formadas principalmente por

nacionais favoráveis à causa da Independência, representou fato importante na tomada do

poder pelos brasileiros. A medida de 29 de março de 1824, a partir da deliberação do

Conselho Militar, decidiu pela expulsão dos portugueses solteiros da província, visando

enfraquecer a influência destes na vida política do Maranhão. O jornal “O Argos da Lei”

de 1825 nos dá a medida dos enfrentamentos entre as facções pelo poder e a imagem dos

lusitanos diante da tentativa quase fracassada de deportação dos mesmos:

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(...) Sim, mesmo trazermos á lembrança das injustiças que, há séculos, nos fizeram filhos de Portugal, guardando para si os empregos todos, e deixando nos a porta franca para sermos unicamente capelães da Sé, e por ultimo escreventes do Erário(...). Caso raro na historia. Practicão os portugueses este attentado, e querem que todos o achem justo; applaudem-no. (...) Se for injusta a ordem do Bruce, que não se executou, mandando-os para seu pais natal, que rasão pois não temos de clamar contra esses monstro infernaes sustentadores do systema Portuguez?(...). Assim como devemos ficar mais obrigados a um Luso-Brasileiro quando ama a nossa pátria, assim devemos com mais rasão desprezar e excluir dos empregos a qualquer brasileiro nato quando, com o auctor da carta descaradamente se mostre tão amantetico dos ferros de Portugal (...) Diz mais que os brazileiros natos das principaes famílias da província chorão pelos ferros de Portugal (...) E sabendo-se que os de Portugal, como ja confessou o meu antagonista, tem affeição natural ao seu paiz, e pelo contrario os brazileiros natos, fica provado que o desejo de ser politicamente Português deve incomparavelmente arder mais em um filho da metrópole, do que em um brazileiro nato; pricipalmente sendo elle das principaes famílias, que pensão melhor; que tem boa educação; que sabem attribuir ás verdadeiras causas as desordens do Maranhão (O Argos da Lei, 15/02/1825, nº12, pp.1-6).

O jornal chama a atenção para três questões importantes: primeiro para o monopólio

dos portugueses dos principais cargos públicos da administração provincial, relegando aos

brasileiros cargos de menor amplitude política; em segundo, uma possível repressão aos

brasileiros que se mostrassem alinhados as pretensões portuguesas; e terceiro a suposição

quanto à fidelidade das principais famílias nacionais à causa lusitana. A menção à

incompatibilidade ideológica entre as facções em disputa teve, no artigo citado, como

escopo a posição das famílias nesse contexto, destacando a importância do

posicionamento de cada uma no jogo das relações de poder.

Um documento produzido em 21 de outubro de 1823, intitulado “Relação

Demonstrativa dos Empregados, que forão suspensos, edimittidos dos seos Lugares, e dos

meramente providos na conformidade da Ordem da Junta de Governo desta Província”,

traz em seu corpo a demonstração da ideologia anti-lusitana em vigor no início dos

Oitocentos. O manuscrito contém uma relação dos empregados de vários setores

administrativos de São Luís, a definição dos empregados demitidos e dos novos admitidos

e a descrição da ocupação, seguido de observações a respeito do posicionamento do

empregado em relação ao momento político da província. A comparação entre brasileiros

e portugueses é clara na exposição dos empregados:

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EMPREGO NOME OBSERVAÇÕES

Escrivão da

Ementa-

demitido (sic)

Jozé Agostinho

Vianna

Europeo, inimigo declarado do Systema da Independ.ª, e

do Império sem circunstancia alguma attendivel, até o

passo de ser destituído de caracter.

A ser

admitido (sic)

Jozé Marcelino

Cantanhede

Brasileiro, amante da Causa Brazilica, com as

circunstancias de honrado, capaz, e bem affiançado.

Administrador

demitido (sic)

João Jozé de

Moraes

Europeo muito aferrado a todos os planos portugueses

contra os Brazileiros, e notadamente contrario ao Systema

Imperial do Brazil.

A ser

admitido (sic)

Raymundo Jozé

Bruce

Brasileiro, muito hábil, e hum dos mais antigos oficiaes da

Fasenda desta Cidade, que há annos servia o Lugar do

Inspector do Algodão: he abertamente amigo do Systema

Brasilico.

Tabela 1: Relação Demonstrativa dos Empregados, que forão suspensos, edimittidos dos seos Lugares, e dos meramente providos na conformidade da Ordem da Junta de Governo dessa Província (1823).

Esses dois exemplos demonstram o claro objetivo de expulsão dos portugueses dos

órgãos administrativos. Vários empregados são listados, entre brasileiros e portugueses,

relacionados em ocupações da Tesouraria da Junta, Alfândega, entre outros, para informe

dos demitidos de seus cargos e para admissão dos brasileiros nos lugares vagos. Dois

aspectos se destacam no documento em questão: a intenção com que fora elaborado e as

observações de caráter pessoal, fazendo claro juízo de valor a partir do posicionamento

político do funcionário demitido ou admitido. A alusão à inabilidade, incompetência, falta

de caráter, entre outros adjetivos pouco elogiosos aos lusitanos contrastava com a eficácia,

habilidade, competência e inteligência dos nacionais. Constam da lista, em média, trinta e

cinco nomes, sendo que apenas alguns poucos são registrados como reinóis alinhados com

a causa da Independência. O documento, produzido no calor dos acontecimentos, servia

como demonstração da força da causa nacional e do poder de decisão dos brasileiros.

Em artigo de “O Argos da Lei” de 1825, a possibilidade da volta dos reinóis aos

cargos era motivo de alarme aos brasileiros. Um ano depois da expulsão dos portugueses

da província, tomada pela primeira Junta constituída após a adesão, os portugueses

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retomaram os cargos na administração provincial, recuperando seus bens e predomínio

(ASSUNÇÃO, s/d, p.10) No jornal anti-lusitano, Odorico Mendes10 alerta:

(...) S.M.I. e C. tem por vezes determinado que não sirvão os cargos públicos homens de quem haja a mais leve sombra de suspeita de inmizade à causa da pátria: ir se-há cara a cara contra o Imperial mandado, caso se empregue alguns dos acérrimos contrários da nossa independência e liberdade; os quais se conhecem pelos feitos anteriores, até pela má cara com que olhão para tudo que lhes faz perder as esperanças de ver o Brasil recolonizado (O Argos da Lei, 14/02/1825, nº. 3, p.3).

A volta dos portugueses aos principais cargos representava de certa forma uma

retomada do poder da metrópole da colônia recém-emancipada. O respeito “à causa da

pátria” implicava em obediência ao Império. Para afastar a possibilidade dos lusitanos

reaverem seus antigos postos, a criação das Juntas Provisórias de Governo funcionou

como medida emergencial pós-Independência.

2.2 As Juntas Provisórias de Governo

A Junta Provisória de governo do ano de 1823, formada após a adesão à causa

brasileira foi a primeira de caráter nacional, uma vez que a junta anterior, sob o comando

do bispo D. Fr. Joaquim de N. Senhora do Nazaré possuía elementos claramente opostos à

emancipação política do país. De modo geral, a constituição de juntas provisórias possuía

caráter emergencial, ante a convulsão social e os impasses administrativos entre os setores

da elite e, de outro modo surgia como alternativa para a divisão dos poderes entre as

famílias abastadas da província.

A segunda Junta Provisória (1823) foi formada a partir da região do Itapecuru,

completada por elementos da capital dentre os nomes mais influentes de São Luís. A

dicotomia capital/interior, endossada pela grande importância atribuída à São Luís em

detrimento das demais cidades maranhenses foi reflexionada a partir da tomada de decisão

do interior de adesão ao Império. Esse fato mostra a força econômica e política 10 Odorico Mendes, jornalista, redator do jornal “O Argos da Lei”, periódico de 1825 e principal opositor dos portugueses. Foi eleito para a Assembléia Legislativa do Império em 1825 pelo partido liberal e deputado provincial na legislatura da Câmara temporária de 1830 a 1833.

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proveniente dos clãs do interior, em sua maioria formado de grandes latifundiários

nacionais, atingidos em seus interesses com a gerência portuguesa. A união dos setores da

elite da Baixada Maranhense e do Itapecuru às famílias ludovicenses, sugere importante

ligação da capital ao interior, monopólio que excluía famílias de outras regiões, embora

esse acordo desse margem também a rivalidades e desentendimentos dentro do grupo

durante o governo da junta, uma vez identificada a desarmonia de objetivos entre os

grupos.

A criação de juntas de “final de semana”, segundo expressão cunhada pelo

pesquisador Milson Coutinho, colocou em evidência o nível da rivalidade entre os grupos

na contenda pelo domínio da província e o despreparo do governo central em controlar as

facções em disputa pelo acesso às benesses do novo poder instituído. A disputa

cristalizada pela historiografia tradicional como “a guerra dos três Bês”, foi marcada pela

contenda entre três das mais influentes famílias do Maranhão (Burgos, Belfort e Bruce),

pleiteando o controle das quatros fontes de poder da província: “a Prefeitura e o povo de

São Luís, o poder naval do Lord Cochrane, e o restante do Exército patriota que

permanecia na capital” (ASSUNÇÃO, s/d, p.09),exemplifica bem a lacuna administrativa

pós-Independência. A presença de Lord Cochrane, ao mesmo tempo em que garantia ao

governo central o controle da situação, também fazia crescer entre as famílias abastadas o

desejo de estar à frente no comando do novo império estabelecido. O jornal Argos da Lei

de Odorico Mendes ressalta a preocupação com o acesso ao poder das supracitadas

famílias na formação de uma nova Junta Provisória:

(...) Que se officie a Câmara da cidade com outra copia igual, para a convocação de huma nova Assemblea geral, na qual se eleja interinamente hum governo temporário de cidadãos hábeis, beneméritos, e litteratos, com exclusão expressa por ora nelle cidadão algum das famílias intrigadas; isto é; de Burgos, Bruces, Belfordes, e mais membros do extincto governo.(O Argos da Lei, 15/02/1825, nº12, p. 1-2)

O envolvimento das famílias de elite nos acontecimentos de 1822, provocou

dissensões no núcleo dos mais importantes clãs do período, demonstrando a fragilidade da

organização e coesão do grupo familiar diante do repartimento dos poderes. Um exemplo

de cisão envolveu os Belfort, poderosa família da região do Itapecuru, de longa árvore

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genealógica e importante colocação social. Sebastião Gomes da Silva Belfort fora eleito

secretário da Junta Governativa de 1822, junta formada sob o impacto da Independência,

após governo de Paulo José da Silva Gama e favorável à causa colonialista dos renóis. A

opção de Raimundo Belfort pelo lado português provocou a divisão dos Belfort em duas

frentes opostas: Vieira da Silva, Bráulio Muniz, Corrêa Leal e Leocádio Pimentel

favoráveis à causa brasileira; e o grupo liderado por Raimundo Belfort, fiéis aos

Braganças pelos favores devidos a estes (COUTINHO, 2005, p. 239).

A coesão familiar estava sempre colocada à prova, diante de diferenças ideológicas

dentro de um mesmo núcleo familiar. Divergências familiares foram comuns nesse

período de disputas, podendo separar membros e aproximá-los de outros núcleos

familiares. Por outro ângulo, possuir parentes em partes opostas da disputa poderia

funcionar como estratégia de dominação, pois, posicionada a família em um dos lados da

contenda, daria amplas garantias de não ter anulada sua influência ao final da altercação.

A eleição de uma quarta Junta em 1824, no entanto, levou Raimundo Belfort a

apoiar a causa dos nacionais, mudando seu posicionamento político de acordo com as

circunstâncias, visto irreversível a volta do domínio dos lusitanos, assinando, inclusive o

termo de adesão à causa imperial. Em 1823, José Félix Pereira de Burgos, futuro barão do

Itapecuru-Mirim, inicialmente alinhado aos portugueses, inclina-se para a causa brasileira,

instituindo, meses depois, a Junta do Itapecuru, da qual fora escolhido comandante de

armas (HOLLANDA, 1995); (COUTINHO, 2005).

Os dois exemplos citados, e que não constituíram exceção, colocam em evidência

dois questionamentos importantes para análise: a fidelidade a causa defendida e a defesa

de uma ideologia até às ultimas conseqüências, e até que ponto a defesa dessa ideologia

era feita em prol de uma causa coletiva ou por questões e interesses particulares. No

tocante ao predomínio das famílias no poder, a mudança de direção se fez evento comum

entre os elementos da chamada elite política do Maranhão. Na maioria dos casos, a defesa

dos interesses particulares esteve à frente dos objetivos da coletividade, causando a

mudança para o lado em que o poder se fazia mais forte. Dentro das próprias Juntas de

Governo, as relações de cooperação e cordialidade corriam por um fio, determinadas pelo

andamento dos acontecimentos. Estar à frente do poder, deter os melhores cargos da

administração, controlar a criação e regência das leis, estava acima de qualquer paixão

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doutrinária. O Estado Nacional em formação é o espaço de disputas na constituição da

nova ordem, e também ambiente em que os interesses familiares encontravam

ressonância, ocultos sob a capa da defesa dos interesses nacionais.

O Estado funcionou, nesse contexto, como sustentáculo dos desígnios da elite, tanto

de brasileiros como portugueses, utilizando-o não somente como fonte de poder, mas

também como receptáculo de parentela desejosa de granjear uma posição na vida pública

da província e do novo Império. Nesse aspecto, a distribuição de cargos públicos foi

prática comum já entre os administradores portugueses.

2.3 Os Conselhos Gerais da Província e a elite política maranhense

Em 1924 fora previsto pela Constituição a criação dos chamados Conselhos Gerais,

entendendo-se, pois, a dificuldade das Câmaras Municipais de legislar sobre toda

província. O primeiro Conselho Geral do Maranhão entrou em funcionamento apenas no

ano de 1829 e fora integrado pelos principais nomes da elite política do Maranhão

(COUTINHO, 2005, pp.276-277). Como órgão do Estado, o Conselho de Governo do

Maranhão, adaptou-se rapidamente às pretensões administrativas da classe dirigente,

descentralizando a jurisdição das leis, e servindo como recinto de defesa dos interesses

familiares. A citação extraída do periódico O Farol Maranhense, ilustra o modo pelos

quais os poderes atribuídos ao Conselho eram utilizados pelos seus integrantes:

O Exm. Conselho Presidial se acha hoje com os seguintes membros em exercício _ O Sr. Dr. Antônio Pedro da Costa Ferreira, o Sr. Joze Assença Costa Ferreira, irmão do Sr. Doutor Antônio Pedro _ O Sr. Romualdo Antônio Franco de Sá, cunhado do dois acima mencionados, e o Sr. Felippe Antônio Sá, sobrinho do Sr. Romualdo!!!. Poderão estes ilustres Conselheiros exercer conjuntamente as sua funcções?. Parece-vos que não, e o motivo é este. Posto que a Ley que serve de Regimento nos Presidentes não falle na exclusão de Parentes, do Conselho Presidial, com tudo se parece que se deve subentender, que n’uma repartição Administrativa impossível é existirem indivíduos unidos pelos laços de parentesco, que sempre é de supor sejão firmados pelos de uma estreita amisade; e tornarem-se assim as suas decisões viciosas, e parciaes, e tanto mais nos persuadimos d’esta verdade, que nas Camaras não pódem servir o Pay, o Filho, o Irmão ou Cunhado, porque sempre se supõe, que voltem parcialmente no que lhes respeitar . E de mais a maioria do Conselho está composta de parentes em grau mui próximo; ainda quando estes serão mui

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probos, e imparciaes; com tudo sempre se presume que lhes se unão e deidão como melhor lhes convier. Supponha-se que se trata de uma pertenção do Sr. Romualdo: ainda quando este se não vote, votão dois cunhados seus: a decisão pode ser recta, mas sempre se supõe que elles queirão favorecer e ninguém duvida que isto não possa assim existir. A Ley também não falla das occasiões, em que é por isso, que o deixarão votar nos negócios do seu peculiar interesse. Em fim circunstancias há tão claras que os Legisladores se julgarão dispensados de declarar, porque elles pela natureza das Corporações devem ser subentendidas. (o Farol Maranhense, 09/06/1829,nº96,p.117,118).

A citação enfatiza a composição do Conselho como monopólio quase que

exclusivo das famílias Costa Ferreira e Franco de Sá, dois dos clãs mais importantes de

Alcântara - segunda cidade mais importante da província - e a citada parcialidade das

decisões de seus integrantes, agindo em defesa do seu grupo de influência. A articulação

dos poderes se fazia de modo inverso do Conselho em relação ao presidente da província.

Este era geralmente originário de outras províncias, por se entender que representava o

Governo Central e por ser elemento neutro no que se referiam aos problemas da província,

em contraposição os elementos do Conselho, escolhidos dentre as principais famílias da

região. Desse modo, o Conselho possuía poder de decisão sobre as questões locais e de

seus interesses, tendo influência substancial nas decisões do presidente de província, uma

vez que o vice-presidente era originário do citado órgão (ASSUNÇÃO, s/d, p.03).

O nepotismo foi prática severamente combatida pelos órgãos de imprensa da época,

no entanto, como no artigo citado de O Farol Maranhense, não existia nenhum código

previsto em lei que proibisse tal prática, ao contrário, o Ato Adicional de 1834 permitiu às

elites no poder o manuseio dos cargos, dando-lhes a jurisdição na criação ou supressão de

destes, assim como da nomeação de qualquer indivíduo para a ocupação destes postos.

O jornal “A Chronica Maranhense” de 1838 reforça a argumentação, que não provinha

apenas das camadas médias da população, mas de vários outros setores da sociedade

maranhense: (...) Nestas treze nomeações, tudo é deputado ou parente de deputado, tudo é

da facção dominante (...) (Chronica Maranhense, 30/08/1838, nº63, p.253). O periódico

refere-se às nomeações para cargos-chaves da administração provincial como Inspetor do

Tesouro, Contador, Tesoureiro, Secretário, Oficial-Mor e Prefeito, feitas pelo presidente

da província em benefício das famílias mais atuantes da região. As nomeações, postas em

prática no período das lutas da Balaiada, colocaram em destaque os principais elementos

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da elite e seus locais de jurisdição, entenda-se, as comarcas e municípios mais importantes

do período: São Luís, Itapecurú, Caxias, Pastos-Bons, Brejo, Viana, Guimarães e

Alcântara. Portanto, a admissão nos cargos vinha acompanhada da criação de outros mais

que pudessem englobar a parentela do nomeado e afins alinhados aos seus propósitos.

2.4 Balaiada, partidos políticos e eleições

Durante a Balaiada, a movimentação das elites em torno dos acontecimentos,

preocupada com a perda momentânea do controle sobre a vida política da região,

contrastava com a utilização indevida dos poderes e dos órgãos públicos (o que incluía a

criação de vários outros com objetivos bem determinados), em proveito de necessidades

criadas pelas mesmas elites, mas não de fundamental importância para outros setores

sociais ou para o funcionamento do Governo:

Já nos fizemos ver que a illustrissima câmara criou dous empregos um de 800, e outro de 500 mil reis para arranjar a dous de seus parentes e afilhados, e a pretexto do bem publico erigiu o ridículo tribunal das tulhas que so tem servido para lhe fazer mal com as aprehensões por falta de manifestos e outras formalidades. (Chronica Maranhense, 10/02/1838, p.49).

Como destacado no artigo da Chronica Maranhense, as ações tendiam a serem feitas

“a pretexto do bem público”, como se os resultados beneficiassem a todas as camadas da

população. O periódico pertencente ao liberal João Francisco Lisboa, representava

naquele momento oposição ao governo conservador instituído, portanto, nada mais natural

que a crítica aberta a qualquer medida tomada pelas autoridades no comando. O que, por

sua vez, não diminuiu a responsabilidade das elites em suas atuações em favor de seus

próprios interesses. Por mais que a crítica venha de um setor cuja principal função como

oposição é duvidar das boas intenções das classes dirigentes, a argumentação não deve ser

ignorada.

Para Assunção, a eclosão do movimento popular da Balaiada significou momento de

fragilidade da elite diante das massas exploradas, continuidade das lutas pela adesão à

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Independência e da Setembrada. Motivado pelas medidas tomadas pelos Conservadores

cabanos no governo, como o recrutamento forçado e Lei dos Prefeitos, o movimento

encontrou eco em duas frentes socialmente díspares: a população marginalizada do

interior e a elite liberal opositora dos cabanos. O avanço dos revoltosos, formado pelas

classes marginais do campo, permitiu a estruturação de quadro adverso: o perigo da

tomada da Capital mobilizou os brasileiros a colocarem-se ao lado dos insurgentes, por

outro lado, possibilitou a organização de corpo de portugueses “para defender a

legalidade do Império Brasileiro recém-emancipado de Portugal contra os patriotas

brasileiros” (ASSUNÇÃO, 1988, p.21).

Note-se a mudança de direcionamento dos portugueses frente a um estado de

convulsão popular e de um forte argumento sustentado pela oposição. As famílias

lusitanas, antes sensivelmente prejudicadas em seus interesses com a emancipação do

país, encontraram na mesma emancipação, discurso de justificativa para as medidas

tomadas pela sua administração. Apesar das lutas e estratégias das elites nacionais, os

renóis continuavam a ter domínio da vida pública maranhense, reavendo suas posições tão

logo passados os embates do primeiro momento.

Para Maria de Lourdes Janotti (1998), no pós-Independência cresciam as

manifestações anti-lusitanas e a impopularidade do Imperador D. Pedro I. Nesse espaço de

negociações políticas, foram definidos os pólos de poder, dando base para o

alicerçamento, coesão e divisão das facções da classe dominante.

A revolta, desencadeada durante o período da Regência, agregou duas frentes de

reivindicações distintas: o povo, contrário aos recrutamentos forçados impostos pelo

governo cabano; e os bem-te-vis, facção da elite dominante excluída do poder e desejosas

de excluir os conservadores do governo. A Lei dos Prefeitos (em substituição aos Juízes

de Paz) e das Guardas Nacionais, estabelecidas durante o governo do conservador Araújo

Lima, provocaram a desestruturação dos agricultores e acenderam a revolta das

populações exploradas do interior. Tais medidas evidenciavam a tendência centralizadora

do Império e descontentavam de forma geral as elites regionais, detentoras da jurisdição

da lei e do mando em suas localidades de influência. Para os liberais, a instituição da Lei

dos Prefeitos, feriu a estrutura de dominação dos latifundiários liberais, apoiada nos

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cargos de Juízes de Paz, que tradicionalmente representavam os interesses das famílias

mais poderosas da província. (JANOTTI, 1998).

A Balaiada, portanto, possuía carga ideológica e pauta das reivindicações baseadas

nos interesses dos quadros da elite alinhados aos bem-te-vis. Em um primeiro momento, a

junção camadas populares e elite, apresentou efeito satisfatório diante do temor das

autoridades cabanas, mas perdeu força com a possibilidade de invasão da capital pelas

massas. No início da revolta, os Bem-te-vis responsabilizavam os cabanos pelas

dimensões tomadas pelo levante e a ineficiência de sua administração, assim como a

corrupção da Guarda Nacional. Janotti define a participação dos bem-te-vis e medida de

sua colaboração com os insurgentes:

Desde o início do movimento, os bem-te-vis estiveram implicados na evolução dos acontecimentos da Balaiada, quer pela conivência de autoridades municipais, quer pelos suprimentos que fazendeiros forneciam aos revoltosos durante todo o tempo em que percorreram o sertão (JANOTTI, 1998, p.50-51).

Após conseguirem a revogação da Lei dos Prefeitos e das Guardas Nacionais, os

bem-te-vis retiram o apoio ao movimento dos balaios. Esse episódio caracterizou-se pela

utilização da massa pela elite afim de conseguir alcançar seus intentos. Uma vez atendidas

suas reivindicações, conseguidas por meio da luta das massas, tornou-se oneroso

politicamente para os bem-te-vis continuar a apoiá-los. Em artigo publicado em 30 de

novembro de 1839 pelo jornal bem-te-vi Chronica Maranhense intitulado

“Representação”, os liberais manifestaram preocupação com a dimensão tomada pela

revolta, pedindo a urgente intervenção das autoridades em relação à violência das

investidas dos balaios. O termo, assinado pelos negociantes de São Luís e Caxias e ainda

pelos agricultores desta cidade, era uma espécie de abaixo-assinado em nome da ordem

pública e uma manifestação contra as “atrocidades” cometidas pelos revoltosos. Dessa

forma, os liberais retiravam publicamente seu apoio a causa sertaneja, deixando às

autoridades instituídas o ônus de uma luta que contou inicialmente com seu apoio.

Ainda segundo análise de Maria de Lourdes Janotti, o prélio travado no Maranhão

assemelhava-se ao contexto nacional, principalmente ao que se refere às intenções da

elite:

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A luta política no Maranhão era a mesma que se dava em nível nacional, resultante das divergências dentro do grupo dominante, acerca da melhor forma de governar o país. Confundiam as demais camadas sócias para afastá-las dos reais motivos de suas dissidências, com argumentos ideológicos de fundo nacionalista (JANOTTI, 1998, p.46).

Não se afirma, no entanto, que as massas, convencidas das boas intenções dos bem-

te-vis tenham se deixado convencer ingenuamente pelo discurso da elite. Ao contrário, sua

base de reivindicações esteve viva durante todo o movimento, impulsionada pela luta

contra a exploração não apenas dos dirigentes do Maranhão, mas contra toda uma política

centralizadora do Império. Para os liberais, a revolta popular representou uma chance de

reaver o domínio do poder em mãos dos conservadores, vendo no levante dos balaios a

oportunidade de demonstrar a fragilidade da administração cabana.

A rivalidade entre brasileiros e portugueses, agora ancorados sob a insígnia de bem-

te-vis e cabanos, respectivamente, para além da questão do monopólio do poder requerido

pelos dois grupos, sustentava-se ainda pela não conciliação de ideologias políticas:

(...) Não queremos conciliação alguma com os que regressam ao absolutismo, com os que violam a liberdade individual e da imprensa com recrutamentos illegaes, com os que devoram a fortuna publica, criando empregos tam inúteis como attentatorios das leis gerais e liberdades publicas (Chronica Maranhense, 06/06/1838, p.208)

A citação sugere uma tentativa de aliança por parte dos cabanos e, considerando-se a

data do protesto publicado pelos liberais, anterior aos acontecimentos do levante, embora

as medidas que levaram à revolta dos camponeses, já estivessem em vigor. De todo modo,

a política de alianças entre grupos teoricamente contrários, não foi uma prática incomum

aos setores da elite no Maranhão. A adesão à causa do grupo adversário esteve atrelada à

conciliação ao interesse de ambos, em que pesavam o ganho de lado a lado para que se

firmasse a união.

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Caso oposto exemplifica um artigo do jornal “Chronica Maranhense”, respondendo

ao redator do jornal conservador “O Investigador Maranhense” sobre uma possível

proposta de aliança entre os cabanos, representados pelos Belfort e a família Franco de Sá

de Alcântara. A recusa dos Franco de Sá em “partilharem a dominação”, diferentemente

do que sugere o artigo, não estava sustentada apenas no medo em trair suas “convicções”

e “amigos”, mas residia também no fato que, embora houvessem perdido o predomínio

político em Alcântara, ainda representavam força tradicional na região. Uma vez feita

aliança com os Belfort, o predomínio de uma única família estaria ameaçado, podendo

“suscitar divisões”. A divisão do poder de mando de cidade tão importante como

Alcântara poderia enfraquecer a influência dos Franco de Sá, no caso de uma possível

retomada da administração da província pelos liberais:

(...) Deve-se confessar que o nosso colega do Investigador é ruim de contentar, e de entender-se. A principio, suppondo que os srs. Sás caballavam para serem eleitos deputados, clamou que eram ambiciosos, que queriam rehaver o predominio perdido; sabe agora que elles não querem ser deputados (e prefeitos muito menos) são ambiciosos, querem dominar exclusivamente! Se os srs. Sás porem houvessem feito a alliança que lhes foi propor em pessoa o sr. Gomes Belfort, se houvessem traido as suas convicções, e os seus amigos, para partilharem a dominação com os actuais opressores da provincia, então seriam anjos, não se teriam annullado as eleições de Santa Ellena(...)( Chronica Maranhense, 25/09/1838, nº69, p.278

As eleições, portanto, sugeriam uma oportunidade ímpar nas realizações de alianças

que beneficiassem ambos os envolvidos, como não ocorreu entre os Belfort e os Franco de

Sá:

(...) Em 1828, vendo ella que estava arriscada a perder as eleições, mandou o Snr. Gomes Belfort em pessoa, e mais outro cidadão para concertarem um plano de alliança com a família Sá, que hoje se insulta e calumnia; mas a alliança foi regeitada com dignidade, por que era deshonrosa por ser parcial, pérfida por se dirigir a suscitar divisões, e insultante, por envolver ameaças acerca de annulamento de eleitores. (...). (Chronica Maranhense, nº229, p.918).

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No período de eleições, a possibilidade de alianças alargava-se diante das estratégias

de composição de quadros de cidadãos com maior força política, adaptados aos objetivos

do grupo a ser formado. As fraudes eleitorais foram comuns nesse ambiente, praticadas

paralelamente a outras formas de abater o partido opositor. João Lisboa em sua Chronica

Maranhense, registra uma das estratégias dos opositores para enfraquecer politicamente a

família Franco de Sá em artigo cujo sugestivo título “Os Sás oprimem Alcântara”,

denuncia até em que ponto podia ir as intrigas no jogo do poder, especialmente em época

de eleição:

Para prova-se essa opressão citou-se em 1838 um facto adulterado, o do espancamento de um tal José Adão, adoptivo, em 1840 o facto de uma mulher que mandou espancar outra, porque as suas filhas, meninas de escola, se haviam esbofeteado reciprocamente, citou-se em 1838 o roubo escandaloso de uma innocente avesinha, de um periquito, feito ao tal José Adão por membro da família; citam-se finalmente hoje defloramentos de virgens, e outros factos da vida privada, que o collaborador da Revista tem a impudencia de sustentar que pertencem ao domínio da imprensa, porque são públicos, visto serem sabidos desta e daquella famila! Se é ridículo citar factos acontecidos com intervallos de annos para demonstrar uma oppressão terrível e flagrante, é infame recorrer para o mesmo fim a torpezas da vida privada, que a serem verdadeiras, provariam a corrupção e relaxamento dos costumes, que é geral, e nunca a existência de despotismo local. (...). (Chronica Maranhense, 16 de abril de 1840, nº229, p.918-919).

Nesse contexto, o debate político extrapola os limites da discussão circunscrita

apenas ao âmbito da prática política, ganhando contornos que se estendem à vida privada

das famílias envolvidas, passando a ser utilizada como instrumento de convencimento das

camadas excluídas dos processos políticos. Não está em julgamento aqui a veracidade dos

acontecimentos, nem o nível de “provas” produzidas por ambas as partes em disputa, mas

a intenção e o peso de cada afirmação e/ou insinuação nos resultados do pleito realizado

nesse período, assim como a imagem das famílias construída por cada grupo rival. No

artigo, resposta às acusações promovidas pelo periódico “A Revista”, a Chronica

Maranhense defende sua facção, conduzida pela família Franco de Sá, salientando o

desrespeito em citar “factos acontecidos com intervallos de annos”, sem contudo prestar

maiores informações sobre a verdade das acusações. Não há, neste caso, uma preocupação

em provar a inocência ou não da família envolvida nas acusações citadas, mas apenas de

ratificar que não havia nenhum despotismo político por parte dos Franco de Sá.

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As ofensas de cunho pessoal e acusações de outras naturezas tornavam-se mais

comuns nos períodos eleitorais, pois esse representava um dos principais veículos de

acesso ao controle dos órgãos do Estado. A constituição de chapas eleitorais, de acordo

com a lógica atual, se opera por via dos partidos políticos formados a partir da conciliação

dos interesses e objetivos em comum. A realização de um pleito eleitoral considerado

legal necessita, como estrutura básica, da existência de partidos políticos cujos desígnios

concorrentes levem à disputa pela hegemonia em um espaço político determinado.

Para o século XIX, entretanto, a lógica partidos/eleições ganhava uma nova

configuração. De acordo com José Murilo de Carvalho (1996, p.184), até 1837 não há

organizações que possam ser denominadas como partidos políticos no Brasil. Para o autor,

“as organizações políticas ou parapolíticas que existiam antes da Independência eram do

tipo sociedade secreta, a maioria sob influência maçônica”. O embrião do que poderia ser

considerado como organizações mais abertas, formou-se após a abdicação de D. Pedro.

Somente com a instituição do Código de Processo Criminal de 1832, o Ato Adicional de

1834 e a rebeliões provinciais ocorridas durante o período da Regência, é que se

constituíram partidos, infiltrados na brecha da descentralização promovida por essas

medidas (CARVALHO, 1996).

Fazendo análise historiográfica sobre os estudos dos partidos políticos no Brasil,

José Murilo de Carvalho identifica três modelos explicativos para o caso brasileiro: Caio

Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Nestor Duarte, Maria Isaura Pereira de Queirós e

Vicente Licínio Cardoso negam qualquer diferença entre os partidos, cujo escopo de

metas era estruturalmente semelhante; Raymundo Faoro, Azevedo Amaral Afonso Arinos

de Melo Franco distinguem os partidos com base nas classes sociais, dividindo os grupos

sociais nos partidos de acordo com sua origem, mas ambos os autores discordando quanto

ao posicionamento de cada grupo; e, Fernando de Azevedo João Camilo de Oliveira

Torres separando os integrantes dos partidos por origem regional, rural ou urbano.

Matthias Röhrig Assunção e Sérgio Buarque de Hollanda11, por sua vez, não aduzem

à existência formal de partidos políticos no Maranhão no início do século XIX, embora se

11 Referente às obras “Estruturas de poder e Evolução Política – 1800-1841”, de Mathias Röhrig Assunção; e “O Brasil Monárquico” de Sergio Buarque de Hollanda.

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refiram às organizações políticas existentes nesse contexto como partidos ou grupos

políticos liderados pelas famílias abastadas da província. O jornal “O Amigo do Homem”

de 1825, utiliza-se da expressão “partido” com o sentido de organização não formal,

composta pelos cidadãos politicamente influentes da província. Na concepção de ordem

do periódico, “os partidos, as entrigas e as insurreições populares” são os principais

responsáveis pela desordem no país e o atraso, só atenuado pelo estabelecimento de uma

ordem Imperial. A palavra partido, portanto, adquire um sentido pejorativo, aliado às

ingerências de uma elite preocupada apenas com o seus próprios interesses:

Mas diffundio-se por todas as partes o espírito de suspeita, e de innovação; os partidos, as entrigas, as insurreições populares tem atrazado sensivelmente o Brasil; e nos terião levados ao abymos se não tivéssemos a ancora do Sceptro Imperial ( O Amigo do Homem, 16/06/1825, nº. v, p.36).

Antes da existência de partidos formalizados e ideologicamente definidos, existiam

grupos políticos formados a partir da intersecção de interesses, constituídos por facções

econômicas e politicamente ativas. O Argos da Lei, como supracitado, em outra ocasião,

utilizou a expressão “partidos” no sentido de organizações ligadas a famílias, cuja

existência girava em torno do poder do Estado. A presença do Lord Chrocrane, no

momento das lutas pela adesão do Maranhão à Independência, suscitou no redator do

jornal a discussão acerca da ambição das famílias em monopolizar os meios de acesso ao

poder do Estado. Portanto, o desejo de liderança política é automaticamente identificado

pelo autor do artigo com as organizações familiares mais influentes na província em

princípios do século XIX:

(...) Se sou Brunista, por asseverar que há aqui famílias ambiciosas de governar, também o é Lord Chrocrane, por isso que assim o disse em um impresso, quando nomeou Presidente interino a quem de presente occupa esse cargo: por Lord Chrocrane até poz fora do Maranhão ao ex-Presidente; logo eu não sou de similhante partido, por dizer que há aqui familias que se querem empoleirar no governo da província (O Argos da Lei, 15/02/1825, nº12, p.2-6)

A década de 1830 proporcionou novas perspectivas institucionais com as medidas

descentralizadoras do governo central (Ato Adicional de 1834 e Código de Processo

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Criminal de 1832), dando impulso às pretensões dos grupos políticos até então

organizados sob a insígnia das famílias de renome nas províncias. Nesse período, há a

formação dos grupos que originarão as organizações posteriormente conhecidas como

partidos: os Restauradores, Liberais Monarquistas e Republicanos.

Na final da década de 1830, essas organizações encontram-se formalizadas e

divididas de acordo com o modo de conceber a estrutura administrativa do Império. De

um lado, o partido Liberal, cujo programa constava a instituição de maior autonomia

provincial, de uma justiça eletiva, separação da polícia e da justiça e redução do poder

moderador; por sua vez, os Conservadores, adeptos do fortalecimento do poder central,

controle centralizado da magistratura e da polícia e fortalecimento do poder moderador.

As organizações partidárias não contavam, no entanto, com estruturas fortes,

demonstrando sua fragilidade com as constantes rupturas de membros e mudanças de

direção ideológica:

... Por enquanto vemos todos os dias pessoas que se mudam de um partido para outro, e não se diser que um homem que mudou de credo pertença ao partido de que se affastou. Ora com o mesmo direito que a facção, que regeita tam sem caridade os seus alliados, nos poderemos diser que a oposição nada tem de commum com homens que abandonaram a bandeira política a que se achavam ligados, ou que a foram arvorar no meio de assassinos e de ladrões, para com ella disfarçarem os seus verdadeiros crimes, ou acarearem maior numero de proselytos (Chronica Maranhense,16 de agosto de 1840,nº257,p. 1.031).

Sensivelmente atrelados a essas organizações partidárias, as famílias de elite

constantemente utilizaram-na no sentido de preservar suas posições nas esferas

administrativas do Governo, ou para alçar melhor situação em relação às demais classes

sociais, dentre outros modos de justificar ou manter seu poder e influência na sociedade.

Os expedientes da burocracia política não foram os únicos artifícios utilizados pelas

famílias abastadas da província no intuito de angariar melhores posições no espaço

político do pós-Independência. A concepção de poder da elite maranhense era concebida

de acordo com todas as possibilidades à disposição que justificassem e dessem força às

pretensões políticas dos grupos envolvidos. As estratégias de base social representaram

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importantes arma para a manutenção do domínio das famílias abastadas nas questões

político-administrativas da elite. Constituir parentela, definir alianças matrimoniais,

apadrinhar elementos externos ao núcleo familiar foram estratégias que possuíam clara

conotação política, não configurando-se apenas como formalidade social, mas cumprindo

seu objetivo prático no jogo das relações de poder. Política, poder e sociedade eram

alinhados em um mesmo espaço, complementares na sua utilização pelos grupos da elite

no domínio.

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3 FAMÍLIA E SOCIABILIDADE

3.1 Casamento: endogamia, exogamia e estratégias políticas

Os acontecimentos políticos nos primeiros decênios do século XIX no Maranhão,

não incluíam apenas as relações burocráticas, mas englobavam outras formas de

demonstração do poder das famílias de elite. Mais do que a demonstração de um poder

que possui tentáculos sob vários ângulos da vida da província (social, cultural, econômica

e política), esta instituição buscava a afirmação constante de sua influência não só por

meio de suas estratégias políticas, mas também através de manobras culturais.

Os arranjos matrimoniais endo e exo-familiares, a prática dos batizados, a existência

de uma parentela não ligada consanguineamente ao núcleo familiar, a utilização do

sobrenome para a obtenção de vantagens, a compra de títulos de nobreza, a relação com os

demais estratos sociais, entre outros, representaram as formas pelas quais a elite

demonstrou social e culturalmente seu raio de ação em prol de manutenção de seu poder e

influência.

As estratégias no campo político encontravam ressonância também no âmbito das

relações sociais. Embora o enfoque deste trabalho se relacione ao poder, este não está

dissociado de sua base produtora. Em outras palavras, o poder, especificamente pautado

nas relações familiares no início do século XIX, é um dos vários produtos resultantes das

construções e vivências sociais concretas e suas nuances. Hebe Castro, fazendo um

balanço sobre os estudos na área de História Social, pondera a respeito de uma abordagem

política atrelada a um enfoque na sociedade:

... creio que poucos historiadores discordariam da afirmação de Duby de que o homem em sociedade constitui o objeto final da pesquisa histórica. Atualmente, mesmo a história política, até mais recentemente atrelada a uma abordagem tradicional, passa a fazer parte do campo de atuação desta história- problema, como dimensão específica da vida em sociedade. Neste sentido, é lícito questionar se existiria uma história que não a do social. (CASTRO, 1997, p.46).

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Georges Duby, (apud Castro), por sua vez, situa o social com base em uma análise

das estruturas materiais, “a organização de grupos, das comunidades familiares”,

tentando identificar o lugar e “a situação dos indivíduos nesse conjunto de relações”. A

Duby interessa situar o objeto de análise em um lugar real, tornando visíveis suas ações,

modos de organização, comunicação, exploração dos diversos espaços à disposição,

enfim, tirando-o de um lugar apenas idealizado e independente (neste caso o espaço do

poder político) e agregando elementos concretos (DUBY, 1995, p.130).

As famílias da elite maranhense transitaram, como qualquer elemento social, nas

várias esferas da vida pública, por vezes prezando pela manutenção do que comumente se

nomeia de status quo ou, por outro modo, disposta a redirecionar suas ações em benefício

de seus interesses. Para alguns setores da elite, não detentora de reconhecimento social

(leia-se reconhecimento oficializado com títulos de nobreza), o uso de estratégias se

estendiam para além do repertório de dominação política. A união matrimonial foi

exemplo de estratégia social com intenções políticas, regularmente usada pelas famílias e

que incluía, para além da junção sanguínea, a conciliação de interesses.

Portanto, não se pode pensar no casamento como ritual que cumpria funções apenas

sociais, como rito de passagem ou finalidade comum de qualquer ser humano, mas

também como prática que englobava pretensões políticas e econômicas, possuindo, assim

um sentido prático-utilitário na manutenção, ampliação ou obtenção do poder.

A união de famílias de linhagem nobre objetivando a manutenção do poder e do

patrimônio através do casamento, conviveu com os matrimônios cuja finalidade gravitava

sob a órbita da ligação de famílias de renome com outros setores da elite economicamente

influentes, mas considerados não-nobres. Como exemplo, Luísa Maria do Espírito Santo

Silva Gama, filha de José Gonçalves da Silva, o Barateiro, dono da quinta das

Laranjeiras12, cujo casamento em 10.02.1813, unia a herdeira do rico comerciante José

Gonçalves a Paulo José da Silva Gama, pertencente a uma das famílias mais influentes da

província e cujos títulos nobiliárquicos garantiam-na entre as de maior destaque e

prestígio social.

12 A Quinta das Laranjeiras, localizada na Rua Oswaldo Cruz (Rua Grande) conhecida também por “Quinta do Barão” (referência ao seu segundo dono, genro de Jose Gonçalves da Silva, Paulo José da Silva Gama, Barão de Bagé) adquirida pelo Barateiro em 1781 como pedido ao Senado da Câmara de terreno para construir casa. (MOTA, 2004, p. 4).

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A família Gama, porém, profundamente envolvida nos acontecimentos

desencadeados pela emancipação política do Brasil, perdeu muito de sua estrutura

econômica. Por outro lado, José Gonçalves da Silva, considerado um dos homens mais

ricos da província, ressentia a falta de títulos que o identificassem como nobre, já que na

sociedade maranhense titulação era reconhecidamente símbolo de distinção social.

Interesses coadunados, o casamento proporcionou a ambos a aquisição de vantagens: a

união de um sobrenome de preponderância socialmente menor ao de uma tradicional

família mas economicamente decadente; agregou-se o importante sobrenome Gama ao

nome de Luísa de Espírito Santo; e tornou-se Paulo da Silva Gama herdeiro da fortuna e

bens do Barateiro, após falecimento deste, recuperando seu prestígio financeiro

prejudicado durante as lutas de Independência. (COUTINHO, 2005, pp.431-435).

Em testamento, José Gonçalves da Silva reconhecia a distinção do nome de Paulo

José da Silva Gama ao legitimar seu casamento com Luisa Maria e legar ao genro a

administração de um quarto de suas posses após seu falecimento, vinculados em morgado.

O mesmo reconhecimento não estendeu ao outro genro o tenente coronel José da Silva

Rapozo, marido de sua segunda filha, Maria Quitéria Gonçalves da Silva, talvez por este

não figurar entre os membros de nenhuma família distinta:

Declaro que tenho uma filha chamada donna Luisa Maria do Espírito Santo da Silva legitimada por provizãm do dezembargo do paço de onze de outubro de mil oitocentos e dez, a qual de minha vontade se acha cazada com o brigadeiro Paullo José da Silva Gama filho do excellentissimo almirante o baram Paullo José da Silva Gama (...). Declaro mais tenho outra filha chama da donna Maria Quitéria Gonçalves da Silva também ilegítima cazada com o tenente coronel José da Silva Rapozo que reconheço elegitimo por minha filha quanto em direito me he garantido sem que desta legitimaçam e reconhecimento que ora lhe faço possa deduzir direito algum para pertender jamais a administração do vinculo de que tenho feito mençam seja qual for o motivo em que lhe haja de fundar.(...). Declaro mais que desde o dia do meu falecimento em diante será igoalmente contemplado do sócio no outro quarto que me respeita meu genro terceiro Paullo José da Silva Gama. (Testamento de José Gonçalves da Silva, p. 3,4,5 e 7/ APEM).

O outro exemplo, o casamento de José Félix Pereira de Burgos com Rita Carneiro

Souto-Maior em 1815 foi, nas palavras de Milson Coutinho, um “consórcio” que lhe

acarretou muitas vantagens, podendo, por meio do matrimônio, subir na carreira militar

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por sua noiva ser filha do coronel Aires Carneiro Homem de Souto-Maior, comandante-

geral da 4ª Companhia. Com o falecimento prematuro de Rita Carneiro, o agora sargento-

mor, contraiu núpcias com sua cunhada, Mariana Carneiro Homem Souto-Maior,

permanecendo, pois, José Félix na circunscrição do mesmo núcleo familiar, mantendo

dessa forma, os mesmos privilégios adquiridos com o primeiro matrimônio.

Percebe-se, nos dois casos, a nítida troca de favores de cunho político, dando ao ato

matrimonial o status de empreitada, negócio que precisava ser vantajoso para ambas as

partes. Neste caso a idealização do amor homem/mulher é substituída pela necessidade de

preservação de um patrimônio, de uma posição política, ou da arregimentação de

vantagens para os dois lados, que excede em importância em relação a qualquer possível

sentimento que possam ligar os noivos. (ARIÈS & DUBY, 1991) Não afirmamos, no

entanto que não havia, em absoluto, espaço para envolvimentos amorosos entre membros

de famílias distintas, pois o casamento por junção de interesses não foi uma regra

intransponível, mas foi uma prática recorrente entre as famílias por significar, além das

vantagens concretas para os envolvidos, o enlace entre membros da elite, mesmo que essa

“união” fosse apenas nominal.

Por outro lado, os casos acima citados, embora aparentemente semelhantes, guardam

aspectos diferenciados, no que diz respeito à posição de cada família. No primeiro caso,

há a junção de interesses de uma família nobre à outra, esta representada pela figura de

seu principal membro, desejosa de adquirir “postura fidalga”, para isso utilizando o

casamento de sua filha (ilegítima), para unir-se a um sangue nobre.

O segundo caso figura uma estratégia de uso comum pelas famílias de linhagem

nobre, que se constituía na preponderância dos casamentos entre familiares, evitando,

assim, a mistura com sangue não-nobre. Assim, já existia anteriormente um

entroncamento familiar entre os Burgos e os Souto-Maior, pois as primas com quem José

Félix contraiu matrimônio, eram netas de Lourenço Belfort de quem, por sua vez, José

Félix também era neto (COUTINHO, 2005, p.346). Para Gilberto Freyre, na consagrada

obra “Sobrados e Mucambos”, o casamento para a elite precisava ter uma função definida

que não somente a realização amorosa dos cônjuges:

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O casamento foi o meio de vários desses triunfadores, de origem burguesa ou plebéia, se elevarem socialmente até à classe rural, ao hábito de Cristo, ao título de sargento-mor ou capitão nos tempos coloniais, ao de Barão ou visconde no tempo do Império (FREYRE, 2003, p.112)

Os entroncamentos entre clãs de linhagem, comuns no Brasil, sugerem uma

inclinação para o conservadorismo da elite no que se refere às ligações externas ao

ambiente familiar nuclear, formando, desse modo, sobrenomes com origens comuns. Para

Georges Duby, o olhar conservador da elite sobre outros elementos sociais sobrevém do

“medo do futuro”, uma vez que esse “conservadorismo apóia-se na própria hierarquia

social”. Por isso, “mostram-se atentas a se defender contra todas as mudanças menos

superficiais que poderiam vir a colocar em questão os poderes e vantagens que detêm”

(DUBY, 1995, p. 133). Nessa perspectiva, o casamento entre indivíduos de classes sociais

diferenciadas representou um risco que as elites tentavam evitar sempre que possível. A

aliança com setores baixos da elite não-nobre também significou risco, a não ser que o

outro lado envolvido lhe representasse algum tipo de vantagem.

Desse modo, a sucessão de ligações familiares, dentro de um mesmo núcleo

fechado, transformou, no Maranhão, as relações externas em relações internas, pela

proximidade de origens e sobrenomes. De maneira geral, as uniões deram margem ao

entrelaçamento de linhagens, acabando por atribuir-lhes ligações consangüíneas bastante

próximas. No Maranhão, por exemplo, os Maias uniram-se à família Leal, Rochas, e

também os Coutinhos; os Gomes de Castro aos Belforts; os Jansen Müller aos Barros e

Vasconcelos; os Gonçalves aos Belforts e Ewertons; os Costa Ferreira aos Franco de Sá;

os Burgos aos Belforts, Ewertons, Farias, Furtado de Mendonça, Gomes de Castro e

Azevedo Coutinho, entre tantos outros consórcios realizados pelas famílias da elite

maranhense ao longo dos séculos. (COUTINHO, 2005).

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ORGANOGRAMA DEMOSTRATIVO DOS ENTRONCAMENTOS FAMILIARES NO MARANHÃO

BELFORT

GOMES DE CASTRO

GONÇALVES

EWERTON

BURGOS

FURTADO DE MENDONÇA

FARIAS

AZEVEDO COUTINHO

COUTINHO

LEAL

MAIAS

ROCHAS

HOMEM DE SOUTO-

MAIOR

GOMES DE

SOUSA

NUNES

GONÇALVES

NUNES

HENRIQUES

VIVEIROS

JANSEN MULLER

BARROS E

VASCONCELOS

VIEIRA

DA SILVA

Organograma baseado nas informações extraídas de: COUTINHO, Milson. Fidalgos e Barões.Uma História da Nobiliarquia Luso-Maranhense.São Luís: Ed. Instituto Geia, 2005.

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Os casamentos realizados dentro de um mesmo núcleo familiar também

representaram soluções no que tange à preservação do patrimônio e a coesão do grupo

familiar no exercício do poder político. Desse modo, as uniões matrimoniais entre

parentes, em especial primos e primas (a partir mesmo do primeiro grau) foi estratégia

comumente utilizada pela elite a fim de manter todos os benefícios “em família” e não

dividi-lo com qualquer outro elemento externo.

Os casamentos endogâmicos eram, portanto, elemento agregador da família,

evitando, além da questão política e patrimonial, - nas palavras de Linda Lewin – a

segmentação do grupo familiar (LEWIN, 1986). Para Lewin, a manutenção das redes de

poder político e econômico, assim como a coesão social da família justificavam as uniões

endogâmicas. O casamento com irmãs (se entre primos, significava o modelo ideal),

demonstrava a força da união política entre cunhados no monopólio do poder local. A

articulação de estratégias políticas entre estes representou garantia de sucesso na

empreitada e partilha dos benefícios entre as famílias consorciadas.

Como exemplo de endogamia no Maranhão, Sebastião Gomes da Silva Belfort

contraiu núpcias com Ana Rita Henriques, filha do sargento-mor Joaquim José Henriques

e de Isabel Maria Belfort Freire, sendo Ana Rita, portanto, sua parenta. Para Sebastião

Belfort o enlace redeu-lhe tripla vantagem: alcance de melhor colocação profissional

(morreu no posto de brigadeiro do regimento de milícias do Itapecurú, sem contar os

outros cargos acumulados ao longo da vida profissional); a reafirmação da união entre os

Belforts e os Henriques, espécie de confirmação de seus laços consangüíneos; e a coesão

familiar para a realização de suas pretensões políticas, dando mais consistência a qualquer

manobra em prol do favorecimento do clã. (COUTINHO, 2005, p.237).

Felipe Gomes da Silva Belfort, filho de Sebastião Belfort, por sua vez, casou-se com

Inácia Maria Freire, filha de seu tio Antônio Gomes da Silva Belfort, portanto, sua prima.

Felipe Belfort apenas manteve a regra familiar da prática dos casamentos endogâmicos

entre os Belforts do Maranhão.

Outro exemplo foi Antônio Pedro da Costa Ferreira, um dos mais destacados

integrantes da família Costa Ferreira. Antônio Pedro casou-se com uma tia materna, Rosa

Francisca Ribeiro, seguindo o comportamento usual da maioria das famílias da elite. O

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consórcio dos Costa Ferreira com os Franco de Sá aconteceu a partir do casamento de

Estela Francisca da Costa Ferreira, irmã de Antônio Pedro, com o major Romualdo

Antônio Franco de Sá. A união das duas famílias garantiu, anos depois aos Franco de Sá,

cargos no Senado do Império com a ajuda indispensável de Antônio Pedro, especialmente

a Joaquim Franco de Sá, filho do casal Romualdo/Estela e um dos grandes nomes da

política maranhense do início do século XIX. (COUTINHO, 2005, pp. 274-281).

Percebe-se, então, que uma aliança político-matrimonial realizada em um

determinado período poderia beneficiar as famílias envolvidas a curto ou em longo prazo,

ou ter vida efêmera, de acordo com a conciliação de vantagens para ambos os lados. Os

casamentos entre membros de famílias distintas não significou pactos eternos de amizade

e cooperação, podendo ser vir a ser rescindidos de acordo com a conveniência. Durante os

acontecimentos da adesão do Maranhão à Independência do Brasil, por exemplo, a

expulsão dos portugueses solteiros da província possuiu um significado que ultrapassava o

âmbito político, encontrando também uma justificativa cultural, nas palavras do redator do

jornal O Censor:

(...) era esse o melhor modo de estinguir para o futuro a semente refinada e propagadora dos indignos pussas abjecta progenie, para que as Patricias perdessem por huma ves a louca mania de os admitir em cazamento.(O Censor, 24/03/1825,nº7,p.118)

Este exemplo é apenas uma pequena amostra das relações estabelecidas entre as

famílias de elite durante o período estudado em que o casamento fora apenas uma das

muitas estratégias de manutenção, acesso ou fortalecimento do domínio político na

província. Vários outros casos são registrados nas documentações referentes ao século

XIX, nas certidões de casamento e nos inventários, infelizmente alguns deles de difícil

acesso em virtude do estado de conservação em que se encontram, dificultando o

manuseio.

De forma geral, Gilberto Freyre tratando da dificuldade do casamento para alguns

setores da sociedade colonial, reflete acerca do motivo pelo qual as famílias da elite

fecharam-se em casamentos endogâmicos, apresentando uma justificativa menos

burocrática para tal prática. Segundo Freyre, as famílias ilustres evitavam a mistura do seu

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sangue nobre com a de qualquer aventureiro em busca de posição social, ou pelo

preconceito de raça, já que a miscigenação, comum na estrutura social do Brasil, poderia

ocultar algum “falso fidalgo”. Tais cuidados dificultavam, no entendimento de Freyre, a

progressão do número de casamentos no Brasil. E descreve ainda:

Em Pernambuco, em São Paulo, e no recôncavo da Bahia, o problema resolveu-se mais docemente, com os casamentos entre primos ou de tios com sobrinhas: a endogamia patriarcal. Casamentos que foram fazendo de várias famílias iniciadoras do povoamento quase uma só; e tornando tão claros os limites para as relações matrimoniais que os aventureiros do Reino e os mulatos da terra, ansiosos de se limparem pelo casamento, com dificuldade, e só por exceção, conseguiram unir-se a moças afidalgadas (FREYRE, 2003, p.242).

3.2 Parentela e estratos sociais

No entanto, o casamento não constituiu única estratégia de manutenção de

privilégios políticos e sociais. A filiação por laços de amizade também esteve na pauta de

manobras na composição de uma parentela fiel aos propósitos familiares, vinculada

política e socialmente e funcionando como base e garantia de acesso a amplos setores da

sociedade. A parentela tinha por função ampliar as possibilidades de mando, dando à

família uma estrutura tentacular, capaz de dominar vários setores da vida pública

provincial. Linda Lewin define bem a função e o uso de estratégias como o casamento e

filiações não consangüíneas como o batizado:

No interior do grupo familiar, o parentesco determinava em ampla medida a disparidade de acesso a recompensas materiais, status e participação no processo decisório. Visto de outra perspectiva, o sistema de parentesco refletia o quanto o grupo familiar tinha de levar em consideração a sociedade mais ampla e a maneira como organizava a sua interação com ela. O grupo familiar selecionava pessoas de fora, particularmente através do casamento, acomodando-as como membros do grupo segundo categorias definidas de recrutamento. As regras não escritas do sistema de parentesco ajudavam-no a selecionar com sucesso, no sentido de adquirir ou manter o poder para defender-se na sociedade inclusiva. Além disso, e pela mesma razão, o sistema de parentesco influenciava a extensão da mobilidade na estrutura social e, por conseguinte, a capacidade da elite oligárquica de manter a sua posição privilegiada na sociedade politicamente organizada. (LEWIN, 1986, p.115).

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A partir dessas considerações, observa-se (em especial na região Nordeste do Brasil)

uma estruturação familiar que não está alheia aos elementos externos, conjugando-os,

pois, quando necessários às suas pretensões. A prática dos apadrinhamentos informais ou

batizados sacramentados pela igreja funcionou como modelo de arregimentação de uma

base externa ligada à família por laços de amizade ou, em outro caso, troca de favores (ou

as duas modalidades ao mesmo tempo). Com esta base, a família garantia, além da

fidelidade “partidária”, a construção de uma imagem favorável que poderia lhe render

apoio popular.

No testamento do já citado José Gonçalves da Silva, a menção a afilhados incluiu

mais de seis (não foi possível identificar a quantidade exata), além de amigos, sócios,

filhos de sócios, testamenteiros e, parentes em primeiro e segundo graus, todos inclusos na

partilha dos bens, beneficiados pela proximidade de alguém tão influente financeiramente.

Desse modo, outra questão deve ser levantada: a conjunção de uma parentela não

consangüínea em torno da família não era lucrativa apenas para o clã, mas atendia aos

interesses dos agregados de uma possível retribuição que aliança pudesse lhes

proporcionar. Seria, de certo modo, e guardada as devidas proporções, raciocínio errôneo

visualizar a existência de vantagens apenas de forma unilateral. Os interesses se

complementavam, embora para as famílias abastadas, os seus ganhos contemplassem

maior amplitude.

Linda Lewin aprofunda o debate acerca da parentela, destacando sua participação

partidária concreta em torno da organização familiar:

Muito mais que uma organização social, a parentela estava subjacente à base da rede parentes e amigos de um político. O núcleo dos seguidores políticos que a ele se vinculavam de maneira personalística constituía-se dos membros de sua parentela. Os membros deste grupo de base familiar organizavam localmente o eleitorado para fornecer-lhes os votos, defendiam seus interesses partidários e seu município natal e o serviam lealmente nos cargos políticos que fossem detentores ou nos postos do serviço público em que ingressavam por nomeação. (LEWIN, 1986, p.113).

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Essa inserção de elementos sociais externos não se fazia senão por uma seleção

criteriosa, partindo do princípio de conservação da intimidade familiar. Na vida prática, a

relação das elites com os demais estratos sociais reconheceu o distanciamento de

oportunidades políticas e direitos de classes em relação às camadas desfavorecidas da

sociedade maranhense. A exclusão de escravos, forros, livres pobres e índios dos

processos políticos estiveram ligados à concepção de classe da elite, por se considerar

única detentora, por direito, das benesses do poder.

A imagem de massas submissas e incapazes moral e intelectualmente para o

exercício de qualquer atividade, senão o trabalho braçal, divulgadas pelo meio de

comunicação mais influente da época, a imprensa escrita, colocava em evidência dois

aspectos: a afirmação da superioridade social da elite diante da idéia de uma massa

dependente de uma outra classe forte e a ideologia de uma elite a quem cabia por direito

natural o controle dos meios de mando, pelo acúmulo de qualidades morais que lhe eram

inerentes. O artigo intitulado “A Igualdade” do jornal A Bandurra de 1828 demonstra de

forma concisa a idéia de massa social para a elite maranhense do século XIX, destacando,

ao contrário do título, as desigualdades entre as camadas da sociedade:

(...) Como succede áquelles povos civilizados, onde as riquezas, os conhecimentos, o poder, em huma palavras todos os meios de felicidade se acham amontoados em poucas mãos, e repartidos com huma desigualdade mostruosa.

Esta desigualdade, he, pela maior parte, o effeito dos vícios, ou pelo menos dos negligentes ou da inobservância da Leys. Os homens não nascem iguaes em fôrça, em talento, e em aptidão para procurarem huma situação feliz: huns são robustos e sãos, outros débeis e enfermos; huns são engelhosos, outros estúpidos; huns aptos para tudo, e outros inepto. Esta desigualdade é irremediavel, porque ninguém é mais forte que a natureza; porém não tem tanta influencia sobre a felicidade do homem social, como aquella desigualdade, que provem da Ley, cujos efeittos são incalculáveis. (...) A desigualdade das riquezas procede pois em parte da Ley: na primeira parte he irremediável; porém na segunda póde remedia-se, se existe, e prevenir-se , se ainda se não acha estabelecida.(...) E por outra parte, se os homens fossem iguaes todos quererião mandar, e nenhum obedecer; e faltaria aquella subordinação, sem a qual he impossível a existência de huma ordem social”.(A Bandurra, 24/02/1828,nº3,p.121-122).

Para a elite a lei é a grande responsável pela diferença “irremediável” entre os

estratos sociais, embora a submissão e a inabilidade sejam “qualidades” inerentes às

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camadas baixas da sociedade. A existência de uma classe superior seria a garantia de

“huma ordem social”, justificando assim a impossibilidade de uma igualdade entre

indivíduos. De acordo com George Duby, as ideologias populares encontram dificuldades

de acesso aos “instrumentos culturais capazes de traduzir em forma duráveis uma visão

do mundo”. E completa:

Somente a atenção que eventualmente lhes dirigiram os estratos dominantes permite por vezes adivinhá-las, uma a imagem que se revela através desse intérprete é sempre nebulosa, parcial e singularmente deformada (DUBY, 1995, p.135).

Durante os debates acerca da formação das estruturas institucionais do Brasil pós-

Independência, a menção a expressões como nação e cidadãos, ressaltava as diferenças

sociais entre a classe ativamente participante do processo e camadas marginalizadas. Leia-

se os que tem “o direito de reprimir os que abusão do poder”, como os outros setores da

elite em competição na divisão do poder, e não, como possa sugerir a citação abaixo, as

classes excluídas do processo político:

(...) É unicamente ao corpo inteiro da nação que compete o direito de reprimir os que abusão do poder. Quando ella se calla e obedece, julga-se que approva os procedimentos dos superiores, ou ao menos que o acha suportável. Por tanto não pertence a um pequeno numero de cidadãos pôr o Estado em perigo, debaixo do pretexto de o reformar. Se parte do povo esta queixosa de algumas autoridades, fica-lhe o direito de representar ao Imperante. Por esquecimento destes princípios, os maranhenses, e outros brasileiros, tem mais de uma vez rompido em guerras intestinas, e o que mais é, por particulares interesses e por odios de famílias (O Argos da Lei, 21/01/1825, nº05, pp. 3-4).

3.3 A mulher e a descendência matrilinear

O papel da mulher na família burguesa nos Oitocentos não esteve restrito apenas a

administração da casa e educação dos filhos, possuindo uma participação mais efetiva na

demanda política da família. O sucesso e a imagem da família dependiam, de toda forma,

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da postura assumida pela mulher em auxílio aos maridos e filhos envolvidos no processo

de constituição das estruturas administrativas no início do século em questão.

O modelo de família burguesa, baseado em uma conjuntura européia, versava sobre

uma mulher cuja função incluía a de proporcionar a mobilidade social da família ou a

manutenção da posição da família através do casamento e de sua postura como anfitriãs

nas festas. (D’INCAO, 2000, p.229) A mulher, era, portanto, símbolo da distinção e boa

origem familiar, garantia de boa educação dos filhos e alicerce do marido. Maria Ângela

D’Incao define a posição feminina em relação a família e aos homens na sua contribuição

para o processo político desencadeado em princípio dos Oitocentos:

Da esposa do rico comerciante ou do profissional liberal, do grande proprietário investidor ou do alto funcionário do governo, das mulheres passa a depender também o sucesso da família, quer em manter seu elevado nível e prestígio social já existentes, quer em empurrar o status do grupo familiar mais e mais para cima. (...). Num certo sentido, os homens eram bastantes dependentes da imagem que suas mulheres pudessem traduzir para o restante das pessoas de seu grupo de convívio.(...) significava um capital simbólico importante, embora a autoridade familiar se mantivesse em mãos masculinas, do pai ou do marido. Esposas, tias, filhas, irmãs, sobrinhas (e serviçais) cuidavam da imagem do homem público; esse homem aparentemente autônomo, envolto em questões de política e economia, estava na verdade rodeado por um conjunto de mulheres das quais esperava que o ajudassem a manter sua posição social. (D’INCAO, 2000, pp.129-130).

A imagem de uma mulher apenas e unicamente como ornamento da casa,

desinteressada dos empreendimentos políticos do marido, voltada única e exclusivamente

para os assuntos caseiros, foi a efígie trabalhada por Gilberto Freyre em “Sobrados e

Mucambos”. Freyre atribui uma participação exígua das mulheres nos processos políticos

tanto do período colonial quanto do período Imperial. A figura forte e determinante

politicamente do homem sobrepunha-se à silhueta frágil e pouca afeita as questões

burocráticas das mulheres. Estas, segundo o autor, eram como que vultos, quase nunca

participando dos assuntos masculinos, resumidas às suas funções domésticas.

No Brasil quase ninguém sabe o nome da mulher de José Bonifácio ou da esposa de Pedro de Araújo Lima. Da mulher-esposa, quando vivo ou ativo

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o marido, não se queria ouvir a voz na sala, entre conversas de homem, a não ser pedindo vestido novo, cantando modinha, rezando pelos homens; quase nunca aconselhando ou sugerindo o que quer que fosse de menos domestico, de menos gracioso, de menos gentil; quase nunca metendo-se em assunto de homem. (...). O tipo mais comum de mulher brasileira durante o Império (...). muito boa, muito devota, mas só se sentindo bem entre os parentes (...), conservando um apego doentio à casa e à família; desinteressando-se dos negócios e dos amigos políticos do marido. (FREYRE, 2003, pp.224 e 229).

Freyre apresenta uma imagem feminina cujo arquétipo caricato ficou cristalizado na

historiografia brasileira e tem sido ainda hoje o modelo de mulher introjetado na memória

coletiva. Os estudos mais recentes baseados na perspectiva da Nova História,ou,

especificamente, dos estudos sobre Gênero, de maneira oposta, têm demonstrado uma

visão diferenciada dessa mulher Oitocentista em que a participação na vida política fora

fundamental para o sucesso nos empreendimentos familiares. Ao contrário do que afirma

Gilberto Freyre, apenas saber o nome da mulher de José Bonifácio, ou da esposa de Pedro

de Araújo Lima, ou de qualquer outra esposa de destacada figura política não é o dado

mais importante. O nome por si só não revela o plano de ação pelos quais essas mulheres

agiram e contribuíram para o logro familiar. Se os citados cidadãos alcançaram prestígio

social e profissional, subtende-se que possuíam uma estrutura, entre familiares e

agregados, agindo em conjunto para a obtenção dos objetivos políticos postos em pauta.

O autor ainda assevera que “nunca em uma sociedade aparentemente européia, os

homens foram tão sós no seu esforço, como os nossos no tempo do Império” (FREYRE,

2003, p.229), desconsiderando que, no jogo das relações políticas, investidas feitas a partir

de um grupo organizado e coeso, possuíam muito mais chances de êxito. Nesse contexto,

a mulher assumia o seu papel como colaboradora do marido ou do pai, agindo sob a

proteção da intimidade do sobrado ou da casa da fazenda. A participação feminina foi

mais efetiva do que sugere a historiografia tradicional. O Jornal O Argos da Lei de 1825

(edição de 15 de fevereiro nº 12) assim se refere à imagem das mulheres durante o período

de lutas entre brasileiros e portugueses:

Também reprehende-se por eu dizer que há mulheres que clamão a contra independência, não negando o facto, e antes confirmando, pois até da o motivo de ellas assim pensarem. (...). Quanto a não terem ellas, como diz, conhecimento real das causas e jugarem tudo pelo effeitos, digo-lhe que é

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ser muito áspero como bello sexo, momente com as do Maranhão, que são muito entendidas, menos as que proferem palavras contra a independência. Ora, a este respeito, tenho de notar-lhe que as mulheres não são tão nullas, como pensam. (...). (O Argos da Lei, 15/02/1825, nº 12, pp. 2-6).

A presença da mulher na sociedade, em especial no centro da elite, não esteve

restrita às estratégias anteriormente citadas. O sobrenome familiar esteve, de forma

significativa, atrelado à descendência matrilinear. O sistema brasileiro de determinação de

parentesco consangüíneo não possuía regras pré-estabelecidas, amparadas na legalidade,

podendo adotar características bilaterais em que os indivíduos estabeleciam sua

descendência com base no sobrenome de apenas um dos pais ou de ambos.

Portanto, essa descendência ambilinear não levava em consideração apenas o

sobrenome paterno. (LEWIN, 1986, pp.119-123). A linha matrilinear foi preferida, em

alguns momentos, a do homem nos casos em que o sobrenome materno mais forte que o

paterno ajudasse a projetar social e politicamente um indivíduo, “donde os casos de filhos

que tomaram das mães não só mais ilustres pelo sangue e mais poderosas pelo prestígio da

fortuna (...), os nomes de família” (FREYRE, 2003, p.210).

Desse modo, uma ancestral feminina que no passado estivesse experimentado a

superioridade do poder político e econômico, tornava-se referência na escolha dos

sobrenomes, ou por ser de linha superior, ou de status semelhante a da patrilinear.

(LEWIN, 1986, P.122). Por isso, a ausência de padrões no Brasil no que tangia a respeito

de uma nomenclatura familiar, ocasionou a adoção de sobrenomes que priorizavam a

história e influência de algum ancestral, em detrimento dos nomes dos pais. Ou, ao

contrário, incorporavam-se os sobrenomes dos pais de forma conjunta, ressaltando a união

de duas famílias importantes. Ou ainda, acrescentando o nome de um dos pais, e

preterindo o sobrenome do outro, a que Linda Lewin define como ascendência

“ambilinear”.

Para Gilberto Freyre, a opção pela linha materna foi resultado de um processo

gradual de desprestígio do modelo patriarcal e a influência de instituições como a igreja, o

governo, a fábrica, entre outras, na vida social das províncias. A repercussão destes

processos proporcionaram, de acordo com Freyre, mais credibilidade à linhagem

feminina, nesse momento mais independente da sombra do marido ou do pai. No

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Maranhão, entretanto, a adoção de sobrenomes obedeceu a critérios estabelecidos dentro

das necessidades da família, sendo prática comum desde o período colonial, continuando

durante boa parte do século XIX.

Em todo caso, o elemento político predominava:

Na verdade, o que se verificava em tais casos era a vitória do elemento sociológico sobre o biológico. Era a preferência pelo nome prestigioso da família como um nome que protegesse melhor o indivíduo incerto de seu futuro como indivíduo. Também, em mais de um caso, um processo de dissimulação: o indivíduo com nome de família pelo lado paterno – normalmente dominante – obscuro ou desprezível (às vezes por ser nome de imigrante ou africano ou ostensivamente plebeu), refugiava-se no nome da família materna ou no nome da família do padrinho, para proteger-se, proteger o seu futuro e proteger os descendentes. (FREYRE, 2003, p.250).

No Maranhão, a opção pela descendência materna não foi uma exceção, pelo que

consta da escolha dos sobrenomes nas famílias mais abastadas da província. Um exemplo

foi Antônio Corrêa Furtado de Mendonça, senhor de terras, vereador da Câmara de São

Luís, entre outros cargos, era filho de Constantino Corrêa de Araújo e Leonarda Mendes

de Amorim, neto pela via paterna de Inácio Coutinho de Cerveira e sua mulher Semeana

Furtado de Mendonça. Note-se a opção feita pela família com descendência baseada na

linha paterna, mas enfatizada na avó, matriarca de grande renome, por ser bisneta de

Diogo de Campos, sargento-mor do Estado do Brasil e “herói” quando da expulsão dos

franceses de terras maranhenses. (COUTINHO, 2005, p.81).

Portanto, a escolha do sobrenome recaiu sobre o nome mais prestigioso da família, a

descendência que poderia render melhor colocação social ao indivíduo portador do nome.

Subtende-se ainda que, para as famílias de menor nome social, resgatar através de seus

antepassados essa distinção seria fundamental tanto para a afirmação social quanto para a

sobrevivência no ambiente político, sendo os filhos os meios pelos quais esse sobrenome

nobre teria visibilidade, uma vez que a ausência de uma regra oficial de atribuição de

sobrenomes possibilitava esse resgate de nobreza.

Outros exemplos de opção pela descendência baseada em figuras femininas foram

comuns como no caso de Antônio Gomes da Silva Belfort, desembargador de grande

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renome no Maranhão, teve agregado ao deu prenome o sobrenome de sua mãe, Inácia

Maria Belfort, de maior relevância social que o do pai, Felipe Marques da Silva. Outra

modalidade de atribuição de sobrenomes foi a associação dos nomes de ambos os pais.

Assim, Manoel Antônio Gomes de Castro, patriarca da família Gomes de Castro no

Maranhão, teve a junção de dois sobrenomes influentes, de seu pai, Manoel Francisco de

Castro, e de sua mãe, Luísa Gomes de Castro. Tanto os Castro, quanto a família Gomes

possuíam ascendestes de renome em Portugal. Da família Gomes, também descendiam o

ramo dos Gomes de Sousa.

O sobrenome, símbolo de identificação da família, receptáculo de toda uma história

ancestral também foi arma política, utilizada em conformidade com as pretensões do

grupo e de acordo com a garantia de acesso aos instrumentos de dominação. Para as

facções da elite, o sobrenome possuía o peso da garantia da continuidade do domínio

familiar e da imposição do respeito perante as demais camadas sociais. Para tanto

contribuiu de forma significativa, além do sobrenome familiar, o alicerçamento desse

poder por meio da concepção de uma imagem familiar, baseada nos elementos abstratos,

mais não menos significativos de seu poder. Os elementos simbólicos de representação

também significaram modelo de dominação das famílias de elite.

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4 AS MENTALIDADES E AS ESTRATÉGIAS DE PODER

4.1 A construção da imagem familiar

Para obtenção de privilégios proporcionados pelo monopólio da vida pública, as

famílias de elite lançavam mão de expedientes político-administrativos e sociais, como já

exposto anteriormente, com a intenção de ter acesso aos meios de mando em todas as suas

instâncias. A formação de grupos conceitualmente homogêneos, a utilização da máquina

administrativa do Estado, o favorecimento de parentes e amigos, a criação desmedida de

cargos e o controle de setores estratégicos da administração provincial, o nepotismo, a fraude

eleitoral, entre outras estratégias foram utilizadas em proveito da hegemonia familiar no

Maranhão do início do século XIX.

No aspecto cultural, a dominação se fez por via de casamentos exogâmicos e

endogâmicos, batizados ou apadrinhamentos informais, da conjugação de uma parentela

selecionada a partir de elementos externos ao ambiente familiar, das relações diretas e

indiretas estabelecidas com outros segmentos da sociedade, e da utilização de membros

familiares consangüíneos para obtenção, ampliação ou manutenção do poder político.

No campo das mentalidades as estratégias obedeciam a critérios muitas vezes ocultos

sob a forma de gestos, rituais, cerimônias, hábitos, ou, utilizando expressão cunhada por

Michel de Certeau, o não-dito, não oficializado e baseados nos sinais de distinção social. A

construção da imagem burguesa esteve baseada, primeiramente, na representação dessa

imagem, no modo de exibição dessa imagem com base nas insígnias sociais de identificação,

e, em seguida, nas formas pela quais essas imagens foram divulgadas e trabalhadas no

imaginário social. Peter Burke na obra “O Que é História Social?” discute, a partir de um

levantamento bibliográfico, a noção adotada pela Nova História Cultural acerca da idéia de

representação. Burke avalia:

Tome-se a idéia de “representação”, por exemplo, um conceito central na Nova História Cultural (sic). Ela parece significar que imagens e textos simplesmente refletem ou imitam a realidade social. No entanto, vários praticantes da Nova História Cultural (sic) há muito se sentem desconfortáveis com essa implicação. Em decorrência, tornou-se comum pensar e falar em “construção” ou “produção” da realidade (de

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conhecimento, territórios, classes sociais, doenças, tempo, identidade e assim por diante), por meio das representações. (BURKE, 2005, p.99).

O estudo das famílias de elite enquadra-se no conceito de “construção” mencionado

por Burke na medida em que a classe dominante produz uma imagem de si baseada em suas

aspirações diante dos andamentos dos acontecimentos políticos. Uma imagem inspirada no

espectro em que a elite desejaria ser visualizada e não no que realmente era. A configuração,

ou melhor, a fabricação de um modus vivendi fundamentado no modelo burguês de

representação esteve calcado, por sua vez, na existência de meios pelos quais essa figuração

se tornava conceitualmente perceptível. A força do sobrenome, a cargo político, o

reconhecimento social, a moradia, enfim, símbolos que possuíam a tarefa de definí-la e

identificá-la como classe dominante, reforçado pelo uso do meio mais eficaz (novidade na

época), na divulgação ou depreciação dessa imagem: a imprensa escrita.

Em sintonia com essa construção, havia toda uma estrutura cuja função era (re)

afirmar e/ou legitimar a preponderância de uma classe sobre a outra e a família foi o modelo

pelo qual se moldava socialmente esta pintura, embora, de acordo com Peter Burke os novos

estudos em História Cultural lancem dúvida sobre a suposição de que uma representação

“corresponde” ao objeto representado. Adotando a mesma perspectiva Ângelo Emílio Pessoa

define: (...) a imposição da autoridade exige um exercício contínuo de afirmação, que busca

desde mecanismos de diversos de legitimação até a repressão em casos-limite (...) (PESSOA,

2003, p.43).

Essa afirmação social foi necessária à manutenção da força e amplitude política das

famílias de elite, funcionando como mais uma das estratégias de sobrevivência desse setor da

sociedade. Para a classe dominante o nominalismo foi tão importante quanto o poder em seu

aspecto prático e cotidiano. Possuir nome familiar de destaque foi equitativamente tão

essencial quanto ter renome social. Nesse contexto a imprensa foi arma fundamental e

indispensável na construção assim como na desconstrução dessa imagem familiar.

As discussões travadas nas páginas dos periódicos, veículo inovador no início dos

oitocentos, foram importantes na formulação de uma representação da elite maranhense,

favorável ou negativamente. Os primeiros jornais a circularem na província a partir de 1821

alimentaram-se do debate político em curso, divididos ante a emergência de um novo Estado

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amparado por uma elite nacional em franca ascensão, e uma burocracia lusitana enfraquecida

diante da perda eminente de sua maior colônia (MOREL & BARROS, 2003); (LUSTOSA,

2003). Atenta às transformações da vida pública, a elite percebeu na circulação de idéias

proporcionada pela imprensa a possibilidade de “publicizar” – usando um termo atual – suas

perspectivas em torno da eminência de uma nova ordem político-administrativa. Em conluio

com essa socialização de idéias associadas a interesses particulares, moldava-se um

estereótipo da elite como classe dominante e da família como organização política – e, até

certo ponto partidária - focada na entronização dos espaços do poder criados por essa

conjuntura. Nas palavras de Michel Foucault, “os discursos como práticas sistematicamente

constroem os objetos de que falam” (FOUCAULT apud BURKE, 2005, p.102), atribuindo-

lhes qualidades e defeitos de acordo com o contexto. Em certo sentido, esse foi a modo pelo

qual a imprensa maranhense colidiu participação nos processos políticos com os interesses

familiares.

A imprensa funcionou, então, como um dos meios pelos quais os clãs nominal e

politicamente fortes defendiam seus interesses, arregimentavam parcerias, atacavam

adversários, posicionavam-se publicamente sobre assuntos de interesse geral e principalmente

particular, enfim emolduravam um discurso político que lhes trouxessem resultados práticos.

Como exemplo o jornal maranhense bem-te-vi “Chronica Maranhense” cujo redator, João

Lisboa, utilizava as páginas em defesa apaixonada da família Franco de Sá da cidade de

Alcântara.

Noventa por cento do jornal distribuído entre 1838 e 1840 teve seus artigos dedicados

a rebater possíveis críticas aos Franco de Sá provenientes de jornais opositores, entre eles “A

Revista” e “O Investigador” e/ou enfatizar uma imagem positiva desta renomada família

alcantarense. O jornal estava diretamente associado à imagem dos Franco de Sá e, ao mesmo

tempo, construía a imagem dessa família para o grande público (leitores passivos e ativos). O

Franco de Sá eram tratados nas páginas da Chronica Maranhense ora defendendo-se dos

ataques, ora “assumindo” uma certa neutralidade em relação aos acontecimentos decorrentes

da Balaiada e de forma clara reiterando a oposição à família Belfort e os laços com os

Ribeiros, Costa Leite e Costa Ferreira, entre outros aliados:

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(...) a influencia dos senhores Sas é pelo menos manifesta; mas dessa de devem eles honrar, porque têm todos os títulos legítimos para exercê-la. Família numerosa, riqueza, talentos e alianças pelos laços de parentesco, amizade, e conformidade de idéias políticas, com outras famílias que se acham na mesma posição, como sejam as dos Ribeiros, Costas Ferreiras, Costas Leites... Ora, todas essas famílias possuem em propriedade grande parte do território e tem por si a simpatia das classes inferiores, mas moralizadas por aqueles lugares, que nenhum outro da província. (Chronica Maranhense, 16/04/1840, nº 229, p. 919).

A citação extraída do Jornal “Chronica Maranhense” do ano de 1840 empenha-se

tanto na afirmação do poder e inflência dos Franco de Sá em Alcântara como da confirmação

dos laços políticos estabelecidos com outros clãs. A “simpatia da classes inferiores” aparece

de modo enfático, uma vez que há o reconhecimento da importância do apoio das camadas

populares para concretização do domínio da vida pública pelo citado clã. A menção à posse

de extensas propriedades também representava traço de reforço do domínio familiar. Ter

ampliava idéia de ser e esse jogo de representações foi imprescindível como estratégia

política.

Enfatizando a questão da imprensa e sua utilidade à realização dos empreendimentos

políticos familiares da elite, Peter Burke conceitua a categoria “classe” nos estudos da história

cultural, dando visibilidade a um elemento discursivo na construção deste estrato social:

“Classes”, que antes era também tratada por marxistas e não-marxistas – por mais que discordassem de sua definição – como uma categoria social objetiva, é atualmente vista, cada vez mais, como um constructo cultural, histórico ou discursivo (BURKE, 2005, p. 108)

Não afirmamos aqui, todavia, que esse discurso se tornava visível unicamente a partir

do surgimento dos periódicos, mas sim que o aparecimento de uma imprensa livre facilitou o

acesso ao discurso público e à divulgação de idéia que defendessem os interesses da elite.

Espaço de vaidades e rivalidades, os jornais foram palco de intrigas, debates

acalorados ou do mais baixo nível, dentro da perspectiva da idéia e do discurso da elite no que

se refere aos acontecimentos desencadeados no inicio do século XIX. A luta pelo poder,

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desencadeada mais efusivamente durante a adesão à Independência e as rebeliões populares

do Período Regencial elevaram os debates por via impressa, enfocando disputas entre

indivíduos componentes das principais famílias da província em meio aos objetivos políticos.

O jornal tornou-se, então, uma das armas cujo objetivo visava desestruturar

adversários políticos. A rivalidade entre as famílias Ribeiro e Viveiros, inimigos históricos,

não passou desapercebida aos leitores dos periódicos “O Progresso” e “Estandarte”, pelos

quais trocavam ofensas e acusações mútuas. A construção de uma imagem associada à

corrupção, desmandos, assassinatos praticados pelos Viveiros descritas pelo jornal “O

Progresso” sob o comando de Carlos Fernando Ribeiro, ganhava o seu reflexo com a

associação à inapetência política, ausência de caráter e talento administrativo admitido aos

Ribeiros pelo jornal de Francisco Mariano de Viveiros Sobrinho, “O Estandarte”.

(VIVEIROS, 1952).

O debate explorado por Jerônimo de Viveiros em artigo publicado em 1952 na Revista

do Instituto Historio e Geográfico do Maranhão (IHGN) com o título de “Uma luta política

do Segundo Reinado”, destacou esse rivalidade entre os Ribeiros e os Viveiros que

extrapolava o limite do discurso político, conferindo as farpas trocadas em público como uma

forma de “novela”, acompanhada diariamente pelos leitores dos citados jornais, e cuja função

também era atrair interesse sobres essas famílias colocando-as sempre em evidência.

A imprensa foi, portanto, peça fundamental nos passos estratégicos dados pelas

famílias na garantia de acesso ao poder. Assim, na visão de Jerônimo de Viveiros, “uma

fortifica-se e afirma o seu prestígio, na mesma zona de influência do chefe adversário”

(VIVEIROS, 1952, p.15), utilizando-se as famílias de elite da imprensa como um dos muitos

veículos à disposição para a construção da própria imagem, assim como da representação da

família adversária.

A oficialização dos partidos políticos em fins da década de 1830 e início dos anos de

1840, polarizou os grupos políticos e seus discursos, dando ensejo ao aparecimento de jornais

alinhados aos dois grandes partidos do período: o Conservador e o Liberal. Essa divisão se

deu também no âmbito das famílias de elite, distribuídas entre os partidos. Nessa perspectiva,

a imprensa agia no sentido de associar a imagem de determinada família à posição ideológica

defendida por um ou outro partido, de modo que os artigos publicados fixavam-se na defesa

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ou depreciação dos clãs envolvidos, criando uma representação de domínio público das

esferas de poder da ditas famílias.

4.2 Bacharéis: símbolos da continuidade familiar

O progresso econômico vivenciado pela província a partir das mudanças trazidas pela

Companhia do Maranhão e Grão-Pará, possibilitou a classe dominante um avanço para além

da questão financeira, proporcionado a muitas famílias enviar seus filhos para completar seus

estudos nos principais centros universitários europeus.

A formação de bacharéis em Direito, Letras, Medicina, etc., forneceram às famílias um

substrato fundamental na perpetuação do poder adquirido ou significou um degrau a mais para

obtenção de um lugar no espaço político-administrativo. O bacharel carregava em si, uma

importante carga simbólica, largamente utilizada pelos clãs da província, logo do retorno

destes profissionais ao Brasil: significavam a capacidade de investimento do clã (sendo eles

próprios resultado desse investimento); a porta de entrada de novas idéias e concepções

políticas, filosóficas e literárias, provenientes do Velho Continente; e, principalmente,

simbolizavam a continuidade da família nas esferas do domínio político, assim como, a

manutenção de privilégios, cargos e influência social.

O artigo publicado na “Chronica Maranhense” do ano de 1840 exemplifica bem a

idéia de continuidade do predomínio familiar associado à figura do bacharel e sua

contribuição na perpetuação da influência dos clãs nas principais cidades do Maranhão no

período da Balaiada.

Em Guimarães os senhores Coelhos tem feito ate o presente quanto querem, mas a se perguntarem ao illustre redactor da Revista, quaes são os seus títulos de influencia, hade ver-se bem embaraçado para achar a resposta. (...). No entanto o único deputado provincial que reside em Guimarães é Coelho; de dous mais que se dão por representantes daquella commarca, posto la não residam, um é Coelho e outro seu apparentado; os Coelhos tem resumido em si os principaes postos, e cargos, e se outros em Guimarães os tem obtido, é porque a família não tem membros de sobra; mas deixem vir uns Coelhos estudantes, e Guimarães terá aventura de possuir juizes de direito e de orphãos dessa raça (Chronica Maranhense, 16/04/1840, nº 229, p. 919).

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O artigo supracitado faz referência a duas questões de suma importância no que tange

a manutenção e a ampliação do domínio familiar em lugares de importante relevância política

para a província: a influência social e a continuidade do poder de determinadas famílias por

meio dos bacharéis. A influência social recaía sobre a idéia de um poder alicerçado sobre os

outros setores da sociedade, mas também, referendava a respeito do controle dos instrumentos

legais de monopólio do poder (cargos administrativos, controle das cidades, leis, etc.) e a

imagem construída diante do poder central. A presença de novos elementos familiares,

munidos de conhecimento científico criava uma expectativa da sociedade em geral e do

próprio núcleo familiar quanto ao desempenho desse bacharel e da sua capacidade de articular

os seus conhecimentos recém adquiridos e as necessidades da família em face da conjuntura

oferecida no início dos oitocentos.

Esse profissional era uma espécie de garantia, não só da continuidade de mando

político, mas da perpetuação do sobrenome familiar. Possuíam, igualmente, o prestígio

associado ao sobrenome, a confiança inerente ao conhecimento das ciências e uma trajetória

política familiar a zelar, manter, e, se possível, ampliar. Ainda tendo por base o artigo do

Jornal “Chronica Maranhense”, a imagem dos bacharéis esteve associada ao domínio dos

principais postos de comando:

Cumpre-nos noticiarmos que motivo de tratar-se de Elleiçoens para Deputados Proviciais se organisou hum terceiro partido nesta Capital compostos de huns vinte ou vinte e dois Bacharéis d’Olinda os quais (salvos honrozas excepçoins) unidos a quasi todos os Juízes de Direito, e de Orphãos estabeleceram um Club, onde rezolverão que, só elles compete direito a honra de serem Deputados Provinciais ( Chronica Maranhense,13/11/1838, nº80, p.01).

Gilberto Freyre nos apresenta uma versão diferenciada da função e destino desses

bacharéis, uma vez habilitados a exercerem suas profissões, montando um quadro em que a

oposição cidade/campo, Estado/família foi a tônica imediata desses filhos da elite:

O bacharel - magistrado, presidente de província, ministro, chefe de polícia –seria, na luta quase de morte entre a justiça imperial e a do pater famílias rural, o aliado do governo contra o próprio pai ou o próprio avô. O

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médico, o desprestigiador da medicina caseira, que era um dos aspectos mais sedutores da autoridade como que matriarcal de sua mãe ou de sua avô, senhora de engenho. Os dois, aliados da cidade contra o engenho. Da praça contra roça. Do Estado contra a família. Além do que, bacharéis e médicos raramente voltavam às fazendas e engenhos patriarcais depois de formados. Com seu talento e sua ciência foram enriquecendo a Corte, abrilhantando as cidades, abandonando a roça. A diplomacia, a política, as profissões liberais, às vezes a alto indústria, absorveram-nos. Empolgaram-nos. (FREYRE, 2003, p.122).

Ao contrário do que pondera Freyre, o bacharel não foi de encontro às pretensões

paternas, e sim, aliado do Governo para a manutenção das aquisições do pai. A constante

centralização administrativa do Império com a confecção da Carta Constitucional de 1824,

porém, não transformou o bacharel em um livre opositor das tradições familiares em que ele

mesmo era herdeiro. Antes, auxiliado pelo grupo familiar, encontrou o seu espaço, angariando

promoções suficientes para fazer seu próprio nome, elevando consigo o prestígio familiar. Ou,

em um outro extremo, foi justamente a influência e o renome familiar que o ajudou a ter

destaque social e a conseguir fazer carreira nos quadros da administração provincial.

Nesse contexto, esteve a importância das Câmaras Municipais, especialmente das

cidades de pequeno e médio porte. Foi através dessas instituições que muitos bacharéis

adquiriram experiência política, dando o primeiro passo na escalada profissional

(ASSUNÇÃO, s/d, p.03). Desse modo, mantinha-se um monopólio na medida em que as

Câmaras eram geralmente controladas por grupos familiares, que agregavam os recém-

formados como forma de iniciá-los na vida política e garantir a continuidade do trabalho

realizado pelos familiares. Sob a ótica da centralização do Estado, Lilia Moritz Schwarcz não

acredita na proeminência desta na condução administrativa das províncias, dando espaço,

assim, à política familiar dos órgãos regionais continuada pelos bacharéis:

(...) Não se pode acreditar na idéia da centralidade absoluta do Estado e do imperador. Na verdade, a maior parte das grandes decisões da política nacional eram tomadas pelos representantes do Executivo e do Legislativo, além dos conselheiros de Estado, ministros, senadores e deputados, (SCHWARCZ, 1998, p. 119).

De todo modo, “bacharel (...), aos poucos, transformou-se em um termo que

carregava, além de uma qualificação, um capital simbólico fundamental” (SCHWARCZ,

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1998, p.119). Embora, durante o Segundo Reinado a conjuntura tenha atribuído uma outra

situação diante do excedente de bacharéis produzidos nesse período: “São advogados sem

clientes, os médicos sem clínicas, os escritores sem leitores, os magistrados sem juizados que

fazem do diploma uma distinção, uma forma de sobrevivência estável e facilitada”

(SCHWARCZ, 1998, p.119). Portanto, a formação excessiva de bacharéis, ociosos já na

segunda metade do século XIX, demonstra a dimensão da importância do diploma de

advogado e médico para a elite, representando ainda o símbolo da continuidade do nome e da

política familiar, além da capacidade dessa elite de renovar-se acrescentando novos

conhecimentos ao seu domínio.

4.3 Prestígio e a tradição nobre

Ser nobre no Brasil carregava em si todo um capital simbólico através do qual os clãs

que almejassem tal distinção, elaboravam uma imagem baseada na superioridade da origem e

da tradição familiar. Possuir título de nobreza, esteve entre as listas de pretensões dos

cidadãos cujo reconhecimento social teria papel fundamental em sua colocação nos postos de

mando regional.

A facilidade de ascensão na escalada aos postos de mando por alguns setores da elite,

todavia, contrastava com a dificuldade de alguns indivíduos, ascenderem às melhores

posições, uma vez comprovada a sua origem “duvidosa”. Ter nobreza significava não só

possuir títulos, mas comprovar uma nobreza “sanguínea”, como herança familiar dos

antepassados. Em outras palavras, a condição nobre no Brasil esteve diretamente relacionada,

não só ao alcance de posições políticas pela elite, mas por todo um jogo simbólico inerente a

essa colocação diante da sociedade.

(...) Nesses mecanismos de perpetuação do poder dessas famílias, está a cuidadosa exploração do prestígio adquirido pelas distintas gerações da família. Prestígio esse baseado na tradição, ou seja, na capacidade de afirmar a sua condição especial de nascimento, baseada numa supremacia natural do sangue nobre, que seria condição mesma de sua superioridade inata; mesmo as famílias de origem modesta à medida em que adquiriam fortuna, adquiriam esse comportamento, de forma a agregarem a seu poder

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econômico esse prestígio e essa tradição que provinham de um nome honrado. (PESSOA, 2003, p.46)

A vinda de D. João VI para o Brasil inaugurou o estabelecimento de uma heráldica

brasileira, nesse momento desvinculada do padrão de titulação português com a criação da

Corporação de Armas em 1810 vinculada à Casa Imperial. Em conjunto à empresa

centralizadora do Império, o projeto de 1823 decretava que somente ao imperador cabia o

direito de conceder títulos, honras, ordens militares e distinções como recompensa aos

serviços prestados por determinados cidadãos ao Estado. (SCHWARCZ, 1998, p.160) Essa

medida articulava em torno do imperador uma elite visceralmente ligada a imagem do poder

central.

Para a concessão de brasões de armas, títulos e honrarias, a legislação portuguesa

exigia a comprovação de linha ascendente fidalga do pretendente, como prova de parentesco

que incluíam os bisavós paternos e maternos. Na falta de títulos de nobreza destes, os

candidatos buscavam a ascendência fidalga até cinco, seis gerações antepassadas

(COUTINHO, 2005, p. 149). O resgate de antepassados que ultrapassassem várias gerações

foi a saída para aquele que desejasse se nobilitar, embora fosse de ascendência bastarda.

No Maranhão, o caso do capitão de infantaria José Luís da Rocha exemplifica a

diferenciação social dispensada aos cidadãos de origem bastarda. Quando de sua promoção a

coronel em 1802, teve requerimento recusado por d. Diogo de Sousa, governador da província

no período, embora tenha investido por diversas vezes do próprio bolso nas iniciativas

militares em que esteve envolvido:

O requerimento incluso de José Luís da Rocha, tenente-coronel dos Índios, não parece estar em circunstância de ser atendido, pois o suplicante, cujo ofício é o de pintor, acha-se bastantemente honrado e remunerado com a patente do posto que ocupa no qual foi proposto em atenção a seus mesmos poucos serviços que alega ter feito. Ademais, facilitar as graduações extraordinárias, destrói a estimação em que devam conservar-se. Maranhão, 16 de agosto de 1802. d. Diogo de Sousa. (Catálogo, doc. 9364 apud. COUTINHO, 2005, p. 173)

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A carta de brasão concedida ao tenente-coronel responsável pelo projeto da Fonte do

Ribeirão e reconstrução da Fonte das Pedras, foi possível com a comprovação da participação

do suplicante nessas duas importantes obras arquitetônicas e, principalmente, da comprovação

da origem nobiliárquica das famílias Araújo e Cerveira “fidalgos de linhagem” das quais

descendia José da Rocha. Como demonstra a carta de aceite:

(...) os quais seus pais e avôs foram pessoas nobres das famílias dos apelidos de Araújos e Cerveiras, que neste reino são fidalgos de linhagem, cota de armas e de solar, e como tais conhecidos. (...) e cujas armas o dito José Luís da Rocha usará assim como a usaram os ditos nobres e antigos fidalgos, presentes e passados em tempo dos senhores reis meus antecessores, e com elas poderá entrar em batalhas, campos, reptos, escaramuças e exercitar todos os mais atos lícitos da guerra e da paz, e assim mesmo, as poderá trazer em seus sinais, anéis, sinetes e divisas, pô-las em suas casas, capelas e mais edifícios e deixá-las sobre a sua própria sepultura e finalmente se poderá servir, honrar, gozar e aproveitar delas em todo o tempo como a sua nobreza convém. (...) Ass. rainha. (APEM, liv. reg. geral, anos 1803-1805, apud. COUTINHO, 2005, p.175).

Embora tivesse inúmeros serviços prestados a Coroa, o pardo José Luís da Rocha

encontrou certa dificuldade na obtenção do brasão de armas. Neste caso, o entroncamento

familiar a duas clãs portuguesas de origem fidalga contribuiu para a aceitação dirigida a

rainha d. Maria I de Portugal; por outro lado, o envolvimento na prestação de serviços

militares também teve peso fundamental na atribuição conferida ao peticionário. Para Lília

Schwarcz, a origem da nobreza portuguesa esteve relacionada ao valor militar. Entre os

pedidos de títulos, honrarias e cartas de brasão constavam, na maioria dos casos, a justificação

de serviços de ordem militar prestados a Coroa Portuguesa, diferentemente das atribuições

conferidas aos nobres franceses, geralmente ligado a posse de terras. (SCHWARCZ, 1998,

p.163).

A alocação nos quadros de comando do serviço militar exigia uma origem nobre. Para

o ingresso no ministério sacerdotal, também os candidatos precisavam submeter-se a um

apurado processo de levantamento de suas origens familiares (COUTINHO, 2005, p. 212). Os

traços nobiliárquicos de uma linhagem familiar carregavam em si o peso de uma

representação, significativa não só para o indivíduo proprietário da titulação ou honra, mas

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para gerações subseqüentes. Funcionava, desse modo, como uma marca de distinção

perpetuada e usufruída pelas gerações futuras.

A especificidade das atribuições no Brasil garantia a existência de pelo menos duas

facções de nobres no Império. De um lado, uma nobreza meritória, alcunhada por títulos com

base nos serviços prestados ao Estado (políticos, militares, religiosos, artísticos, etc.); de

outro, uma nobreza fundamentada na tradição, uma nobreza de nascimento, cujos privilégios

são assegurados costumeiramente de acordo com sua origem fidalga. No primeiro caso, os

serviços prestados à Coroa ou ao Estado (quando da emancipação política) por si só não

garantiam as mercês. O nome familiar era sempre requisitado como atestado de competência e

limpeza moral e de origem. “Ser nobre no Brasil” representava a distinção que superava a

questão do poder econômico ou “bens materiais”, nas palavras de Lílian Schwarcz:

Oficialmente, no país, os titulares formavam um nível mais alto da sociedade local, mas na prática (...) eram uma elite selecionada com base no mérito ou na projeção sem privilégios ou pressupostos de bens materiais ou de vínculos à terra. Comerciantes, professores, médicos, militares, políticos, fazendeiros, advogados, diplomatas, funcionários, representavam e se faziam representar, por meio dos próprios brasões, como os melhores em seu ramo. Sem a hereditariedade, que garantia a perpetuação, era preciso provar no ato a importância da conquista. Recente como a nação, tão jovem como seus imperadores era a nobreza titulada no Brasil. (SCHWARCZ, 1998, p.161).

A prestação de serviços ao Estado como forma de valoração deste foi o principal valor

para a atribuição de títulos de nobreza. De acordo com citação, a vinculação à terra ou à

proteção de territórios não foi mais significativa quanto a contribuição individual (embora sob

a égide de um nome familiar) para o crescimento e fortalecimento do novo Império. A

titulação representava, assim, o e reconhecimento oficial do esforço de um indivíduo,

amparado sob uma origem familiar reconhecidamente nobre.

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Extraído de COUTINHO, Milson. Fildalgos e Barões. Uma História da Nobiliarquia Luso-Maranhense. São Luís: Ed. Instituto Geia, 2005.

BRASÕES DE ARMAS DE ALGUNS BARÕES E FIDALGOS MARANHENSES

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4.4 O Ter e o Ser: simbolismo e poder familiar

O imaginário em torno das famílias abastadas não esteve circunscrito apenas à

montagem de uma imagem através da imprensa, da simbologia calcada na continuidade

familiar através dos bacharéis ou da acumulação de títulos e brasões em honra

à origem e feitos familiares. A força das representações simbólicas contidas nas moradas

(sobrados e quintas), nas cerimônias e rituais públicos, nas festas, etc. e que demonstravam o

alcance do poder da classe dominante nos mínimos movimentos da vida cotidiana.

No interior desta classe, a distinção significou o mais alto grau de reconhecimento

social, distinção essa marcada pela imponência de seus símbolos representativos (privilégios

sociais, cargos políticos, títulos de nobreza, concessões de sesmarias, manutenção/ampliação

do status econômico e político, entre outros). Essa visibilidade e diferenciação no íntimo da

sociedade estiveram agregadas à concessão das posições de comando na organização político-

administrativa do Império. O capital simbólico de suas posses não foi apenas nominal. O

nominalismo foi interessante na medida em que exercitou no imaginário popular um poder

abstrato indissolúvel, mas esteve a cima da ordem prática dos acontecimentos.

O poder nominal foi um auxiliar indispensável na aquisição de privilégios e correu

paralelamente em importância às conquistas concretas realizadas no jogo das relações

políticas. Os cargos ocupados por membros de determinadas famílias, a relação destas com

outros clãs de igual visibilidade social, a posição em relação ao poder central, a imagem

construída junto às camadas desfavorecidas da sociedade, foram índices pelos quais se

referendou as garantias de continuidade do poder familiar.

Os símbolos de distinção foram ainda indicativos de poder especificamente político. A

distinção não foi um fim em si, desvinculada dos pormenores da vida prática e suas

implicações. O Estado Monárquico brasileiro, dividido entre os binômios

portugueses/brasileiros, cidade/campo, descentralização/centralização, interesses

privados/interesses públicos, adotou uma política baseada na troca de favores entre os

dirigentes nacionais e as elites regionais. O poder central tentava, dessa forma, abarcar sob

sua jurisdição uma crescente e ansiosa elite nacional representada pelos grupos familiares,

atentos às transformações ocasionadas pela emancipação política do país. É bem verdade que

aos clãs portugueses não foram prontamente lesados em seus desígnios, mas foram obrigados

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a dividir os espaços de poder com os grupos nacionais em evidência, nesse momento mais

participativos da vida política. O periódico “O Argos da Lei” fez referência ao nível das

disputas entre Portugueses e Nacionais e da vitória apenas parcial desses últimos quando da

expulsão daqueles da província pelo presidente Miguel Inácio Bruce:

Se foi injusta a ordem do Bruce, que se não executou, mandando-os ir para seu paiz natal, que rasão pois não temos de clamar contra esses monstros infernaes sustentadores dos systema Portuguez? (O Argos da Lei, 15/02/1825, nº 12, pp. 2-6).

Nesse contexto a construção de uma imagem familiar ligada ao ato de ter (posses

concretas representativas) e ao ser (distinção, honra e posição social), foi de fundamental

importância na configuração dessa elite tanto mais urbana como europeizada:

Categorias perceptíveis diferenciaram esses homens do resto da multidão. Não só as habitações, mas todo o vestuário, as expressões, cores, hábitos e festas organizaram de maneira visível elementos que faziam parte de uma profunda concepção de mundo e de suas diferenças. É assim que, nessa corte das marcas exteriores, cada detalhe se converte em símbolo de status., cada forma é uma demonstração de hierarquia, cada detalhe é uma regra de prestígio. Em tais sociedades “fetiche do prestígio”, desenvolve-se na sensibilidade estética que pode ser resumida na concepção da etiqueta: um conjunto de regras que ordenava modos de vestir, agir e se comportar. A etiqueta, por sua vez, transforma-se em elemento fundamental para essa coletividade da exibição, cuja influencia implicava possuir uma serie de privilégios. Era a etiqueta que garantia a maquinaria do cerimonial, o rigor do ritual, mas era também por meio de uma leitura dela que se identificava a intricada hierarquia do mundo dos titulares e de fidalgos da corte. (SCHWARCZ, 1998, P.163).

A casa, as festas, a etiqueta foram símbolos de demonstração de força e de

imortalidade do poder nominal familiar, poder atemporal, portador de uma ideologia acima do

bem e do mal. A ritualística familiar foi uma espécie de afirmação no campo do imaginário

das relações estabelecidas na esfera do poder político. As rivalidades também se faziam notar

no espaço de sociabilidade das festas, como exemplificou o jornal “O Farol Maranhense” a

respeito de uma festa acorrida no Teatro União (atualmente Arthur Azevedo) e como essas

rivalidades se transferiam para o momento de aparição em eventos públicos freqüentados por

essas famílias.

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(...) “Todas as famílias que costumão ir ao Theatro o fizerão naquela noute com pequenas exepções; que vem a ser dos Desembargadores, que fizerão muito bem em não se quererem juntar com as famílias dos Belforts, Frazões, Teixeiras, e outras da mesma plana, que lá forão!” (16/10/1828, nº133, p.564)

A presença em um mesmo recinto ou evento público de famílias rivais desencadeava a

lembrança das disputas travadas no campo político entre elas. O evento foi o momento de

exibição da distinção social atribuída as essas famílias, mas não configurava-se apenas como

uma simples festa, mas como oportunidade de reafirmação das rivalidades entre os principais

clãs da província.

Elemento constituinte dessa ritualística, a morada exercia forte poder de representação

e status social, ou até mesmo de identificação da família proprietária. Sinônimo de distinção,

“(...) a casa de um nobre era um distintivo de classe e seu aspecto exterior era o símbolo de

posição, da importância e da hierarquia de seu chefe” (SCHWARCZ, 1998, p.207). Uma

importância atribuída por vários setores da sociedade:

Não eram os brasileiros da primeira metade do século XIX para quem a gente boa, o casal de bem, a família bem construída segundo a ortodoxia patriarcal, devia residir, nas cidades, em sobrado ou casa assobradada , deixando para os indivíduos socialmente menos sólidos as casas térreas de qualquer espécie. Alguns apologistas do sobrado como residência da gente de bem partiam de considerações higiênicas, a que não eram estranhas preocupações de classe, de raça e de status patriarcal. (FREYRE, 2003. p. 420).

No que se refere às moradas, não se pode deixar de citar o “Engenho Kerlu”, fundado

pelo irlandês Lourenço Belfort, patriarca dos Belfort no Maranhão, engenho este localizado

na região do Itapecurú e símbolo do crescimento do poder e influência dos Belfort em terras

brasileiras (COUTINHO, 2005, p. 97). Outro exemplo, citado no jornal “O Censor”

identifica os casarões construídos pelos comerciantes portugueses como um indicativo de

contribuição destes para o crescimento da província:

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Logo que cheguei, como curiozo político, dei alguns passeios, e foi ver algumas procissões: e para dar exercício a minha curiozidade foi proguntando: de quem he aquella caza no Largo do Carmo, tão bonita que parece hum palacete (...)?. he de Francisco Coelho Rezende (...) e elle he puça e he de vara e covado estou adimirado lhe disse eu: esse homem he util ao Estado. (...). E vendo quase defronte da Sé esta se alli edificando huma bella propriedade(...) pergunte: que he este, que não obstante achar-se ainda em convulsão a máquina política asim mesmo esta levantando tão bonito edefício(...). Depois de examinar outros edifícios novos bem formados, também de puçás, que aquella praça goarnece; voltei pela Praia Grande e (...) e divizei noutra rua sobre o lado esquerdo huma formoza caza de cantaria fina (...) que me disserao ser de Faustino Antônio da Rocha (...) (O Censor Maranhense, 05/02/1825, nº 2, pp. 26-30).

A menção às propriedades dos comerciantes portugueses carregava em si mais do que

uma demonstração de poder econômico, mas uma justificativa da extensão desse poder

econômico ao refinamento de seus hábitos no que se refere às suas moradas. O estilo de vida

burguês era sinônimo de poder no sentido de posse de bens, demonstrado a possibilidade de

extensão deste para os setores de mando na administração da província.

O mesmo valia para as quintas, o casarão do latifúndio ou sobrado da cidade. A

residência funcionava, nesses termos, como um dos símbolos identitários da família nobre

brasileira, abastada não só financeiramente, mas moral e intelectualmente. Em passagem por

São Luis, M. Alcide d’Orbigny associou o casario colonial a uma imponência só presenciada

em uma civilização de hábitos avançados: “sobrados que refletiam um contato da parte dos

maranhenses da capital com a mais alta civilização européia da época”, abstraiu Gilberto

Freyre das observações de d’Orbigny.

Henry Koster, também em passagem por São Luís no ano de 1811, relatou ter se

hospedado com a “respeitável família de São Luís” cujas acomodações constavam de uma

“tolerável sala, ornada com grande leito e três bonitas redes armadas (...) e ainda havia no

apartamento uma cômoda e diversas cadeiras” (KOSTER apud CALDEIRA, 1991, p.26).

Outros dois estrangeiros em visita ao Maranhão, Spix e Martius observaram o empenho dos

habitantes da província e imitar os costumes europeus. Nesse aspecto, d’Orbigny foi mais

enfático:

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A população branca do Maranhão é, verdadeiramente, notável, pela elegância de seus modos e sua educação esmerada (...) o desejo de imitar os costumes europeus (...) a liberdade, a boa educação, a polidez e doçura das maranhenses”, relatou o viajante quando de sua passagem pela capital da província. (d’ORBIGNY apud CALDEIRA, 1991, p. 27).

Os relatos acima mencionados escrevem não só o esmero da morada, mas também dos

costumes em sintonia com a idéia de “viver burguesmente” próprio da sociedade européia. A

elite representava e se fazia representar através de seus hábitos. A constante europeização dos

modos refletiu-se nas opções de moradia, confluindo europeização e urbanização. (FREYRE,

2003, p. 422). O gosto pela cidade também o conheceu o latifundiário da baixada maranhense,

dono de inúmeros sobrados na capital, centro do poder e prestígio maranhense. (LACROIX,

s/d, p.58). Poder e família também estabeleceram sua base simbólica nas relações sociais no

Maranhão, retirando de aspecto todo o potencial necessário à perpetuação/

manutenção/obtenção do poder familiar.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação família e poder possuiu estreita ligação no contexto da Independência do

Brasil e das rebeliões provinciais durante o período da Regência. No Maranhão, o suporte

político das elites foi feito por via das famílias abastadas da província, interessadas na

afirmação de seu poder. Para isto, as estratégias agrupavam uma série medidas tanto no

campo político, quanto no social e no cultural. Essas estratégias estendiam-se sobre as

camadas desfavorecidas da sociedade maranhense, articulando elementos externos às famílias,

ou propiciando alianças entre clãs abastadas para o alargamento desse poder. As relações

familiares entre os grupos da elite maranhense não se fez de forma unilateral. A vantagem das

alianças precisava ser dividida entre as famílias envolvidas em caso de consórcios que

envolvessem casamentos ou apadrinhamentos formais. A vida social, as cerimônias e ritos

associados à tradição familiar, a convivência com os demais estratos sociais estiveram

voltados para a posse do poder em todas as suas dimensões.

A pesquisa relativa a esse tema inclui uma série de questionamentos acerca da

natureza desse poder e do grau de influência dessas famílias na vida pública maranhense no

início do século XIX. Para que essa questões fossem passiveis de resposta, foi necessário,

primeiramente delimitar quem era elite no contexto das lutas políticas em torno da

Independência e da Balaiada. Em seguida a verificação do espaço geográfico em que se

operou a disputa familiar pelo poder. Ainda, como se definia, para essas famílias, esse poder e

em que circunstâncias ele proporcionou mais do que cargos e posição política, mais a

elevação social do sobrenome familiar.

Para a demanda conceitual necessária para esta análise, a História política representou

base para as argumentações levantadas neste trabalho sob a perspectiva de uma política como

constructo social, resultante das relações estabelecidas entre os grupos sociais. A política foi

percebida em seu sentido menos burocrático, alinhada às pretensões de facções da elite

maranhense em torno do exercício e domínio do poder, que para tanto incluíam estratégias de

cunho cultural e social. O social significou o lugar das ações e da origem dos agentes sociais

envolvidos, embasando as pretensões políticas de acordo com a origem e a distinção social.

Para a apreensão dos conceitos relativos ao estudo de sociedades, a História Social possuiu

peso relevante na identificação dos grupos sociais envolvidos nas disputas pós-Independência,

ou melhor, das facções da elite rivais de princípios do século XIX. As relações travadas com

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os demais estratos sociais ou entre os membros das famílias abastadas não podem ser

encaradas apenas da perspectiva das ligações por laços de afetividade que eventualmente

pudessem unir as citadas famílias. As estratégias sociais (casamentos, apadrinhamentos)

possuíam uma função definida de acordo com a sua acessibilidade ao poder, tendo portanto

peso fundamental na elevação do nome familiar.

No tocante ao aspecto cultural, a Nova História Cultural forneceu importante substrato

de análise partindo da concepção de construção da imagem familiar como também uma das

estratégias de acesso e manutenção do poder. As representações se fizeram constantes como

forma de divulgar uma imagem familiar naturalmente associada ao poder e ao mando. A

utilização de símbolos como a origem nobre, os bacharéis ou as moradias significaram objetos

de afirmação do poder e prestígio familiar na medida em que evidenciavam (ou pretendiam

evidenciar) a elite representada pelas organizações familiares como únicas detentoras por

direito natural dos meios de mando político.

Em relação às fontes pesquisadas, às de maior recorrência dos pesquisadores para

estudo de família e de genealogias são em geral os documentos cartoriais, embora, para o

período escolhido para a realização deste estudo (século XIX), a produção desses documentos

estivesse a cargo da Igreja. Nessas fontes incluem-se a certidões de casamento, registros de

batizados e de nascimento. Documentações como testamentos, correspondências pessoais,

fotografias, diários, árvores genealógicas, enfim, documentos de origem pessoal auxiliam

consideravelmente na conceituação acerca do tema. Para o caso dos últimos documentos

citados, apenas os testamentos encontram-se mais razoavelmente à disposição dos

pesquisadores, sendo que os demais ou não foram preservados o suficiente para serem

conhecidos pela posteridade, ou ainda estão em poder dos descendentes das famílias

impedindo o conhecimento e acesso a estes por pesquisadores.

Quanto ao enfoque político, a pesquisa em jornais do período em questão tem como

função dar o suporte necessário á compreensão dos acontecimentos, dos debates políticos em

voga no período, dos conceitos acerca do poder desenvolvido por esses periódicos, da

definição de elite, assim como do posicionamento desses jornais em relação aos às disputas

políticas entre os clãs envolvidos. Os jornais utilizados neste trabalho foram classificados

tendo como prerrogativa visões díspares a respeito dos fatos e também sob a perspectiva do

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posicionamento desses periódicos e relação ás família a que se referem. Os lados das questões

(não numerando apenas dois) foram confrontados através da escolha dos jornais.

Desse modo, durante as lutas da Independência, na defesa da causa nacional agiu o

jornal “O Argos da Lei” e o “Farol Maranhense”; em lado oposto, advogando em favor dos

portugueses, “O Censor Maranhense”; do lado liberal durante a Balaiada a “Chronica

Maranhense”; em outro ângulo, alinhado ao discurso conservador no governo “A Bandurra”.

Vários outros periódicos sobre o século XIX encontram-se à disposição dos pesquisadores na

Biblioteca Pública Benedito Leite e no Arquivo Público do Estado, oferecendo ao pesquisador

outras possibilidades de análise do tema, mas o pouco tempo disponível para este estudo

especificamente, não possibilitou a contemplação de todos os jornais existentes produzidos no

século XIX.

Embora ganhando gradativo espaço nas pesquisas acadêmicas, o estudo sobre família

em um âmbito político no Maranhão ainda recente-se de maior visibilidade quanto às

inúmeras possibilidades de exploração do tema.

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REFERÊNCIAS

FONTES

JORNAIS

Argos da Lei (1925)

O Censor (1825-30)

O Amigo do Homem (1826-27)

O Farol Maranhense (1826-27)

A Bandurra (1828)

Chronica Maranhense (1838-40)

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• Mapas estatísticos do Maranhão. São Luís do Maranhão, etc. 1819-1823. 6 docs.

Manuscritos da BPBL.

• Registro do testamento com que nesta cidade faleceo o alcaide mor brigadeiro José

Gonçalves da Silva. Acervo da Arquidiocese do Maranhão/ APEM.

• Relação demonstrativa dos Empregados, que forão suspensos, edimittidos dos seos

Lugares, e dos meramente providos na conformidade da Ordem da Junta de

Governo desta Província. Manuscritos da BPBL.

• Testamento do doutor físico-mor Antônio do Rego e testamenteira Maria dos

Prazeres (10/11/1825). Acervo da Arquidiocese do Maranhão/ APEM.

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