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Vera Pires Coelho: "Toda a indústria da construção pode ser varrida do mapa"»

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Vera Pires Coelho:"Toda a indústriada construção podeser varrida do mapa"»

ENTREVISTA A VERA PIRES COELHOEX-PRESIDENTE DA EDIFER

"Tentámos tudo por tudopara salvar a Edifer"

Venda da construtora aoFundo Vallis deve ser vista"pela positiva". "100% dosector da construção estãoem risco", diz a gestora

A ex-líder da Edifer reconhece

que na atual conjuntura, "todoo sector da construção está emrisco de ser varrido". Conta co-mo tentou, em vão, estimularfusões que envolvessem a Edi-fer até ter de desistir e vendera construtora ao Fundo Vallis.Acredita no potencial de Portu-gal, mas critica a falta de visãoe de decisão de empresários e

gestores portugueses.ElO

Vera Pires Coelho ex-presidente da Edifer

"Falei comvárias empresaspara uma fusão"

Textos PEDRO LIMAe J.F. PALMA-FERREIRA

Fotos ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

Vera Pires Coelho conta como, a meiode março, a sua família foi obrigada avender a Edifer após meses a fio a tentarencontrar uma solução para a construto-ra onde trabalhou durante 20 anos. Aconversa decorreu no Hotel Ritz em Lis-

boa—já não fazia sentido ser na sede daEdifer. Um testemunho do descalabro

que se vive na construção e que a gesto-ra diz estar apenas no princípio: outras

empresas do sector terão de ser compra-das pelo fundo Vallis, que vai procederdepois a uma fusão entre todas, garante.? Como é que a Edifer chegou a umasituação em que a única saída foi servendida ao fundo de recuperação dosector da construção Vallis?BO sector da construção tem vivido

uma queda sistemática desde o início dadécada de 2000, mais ou menos de 5%ao ano, o que obrigou as empresas a

avançar para novas estratégias. Quais

eram as saídas? A diversificação e a inter-

nacionalização. O grupo Edifer apostoufortemente, a partir de 2003, na interna-cionalização. Avançámos para Angola,estamos na Argélia, Cabo Verde, Espa-nha e Moçambique. E, para diversificar,as empresas foram para o negócios das

concessões, que era o que aportavaobra. Ganhámos dois hospitais (Braga eVila Franca), duas rodovias (Baixo Alen-tejo e Algarve) e estávamos posiciona-dos para o concurso da alta velocidade,com a Soares da Costa e a Brisa. Tive-mos sucesso nessas estratégias, masqualquer delas é muito exigente em ter-mos de capitais e investimento. O grupotinha uma dívida baixa e, como não esta-va cotado, não podia ir à Bolsa buscarfinanciamento. Nos 20 anos em que esti-

ve à frente da Edifer foi feito um esforçode capitalização interna, não distribuía-mos dividendos, mas era necessário fi-nanciamento adicional para fazer face aestes projetos. O que aconteceu é que, se

até 2008 bastava ter um bom projeto e

arranjava-se dinheiro, a partir de então

o mundo mudou completamente. Comonão conseguíamos financiamento, fo-mo-nos financiando na atividade corren-te. Foi um erro estratégico, que aconte-ceu porque não conseguíamos arranjardinheiro de outra forma. Isto começa afuncionar mal quando se começam a vi-

ver os constrangimentos financeiros,que são transversais à economia e quelevaram a que todos os nossos clientessofressem o mesmo.? O fim das obras públicas teve natural-mente impacto.BNão afetou de imediato a atividade,mas vai ser relevante daqui a um ano,porque ainda estão em curso muitasobras. O que nos afetou foi termos umadívida baixa, necessidades de investimen-

to, um corte absoluto de financiamento,necessidades de amortização de dívida e,em simultâneo, os nossos clientes, de

uma ponta à outra, começarem a sofrer

restrições de financiamento, a não ven-der e não nos pagavam. Isso impediu-nosde pagar aos nossos fornecedores.

EM DIRETO

COMO A EDIFER CAIU

"O que nos afetoufoi termos uma dívidabaixa, necessidades deinvestimento, um cortede financiamento,necessidades de

amortização de dívidae, em simultâneo,os nossos clientes

começarem a nãovender e a não nos

pagar. Isso

impediu-nos de pagaraos fornecedores"

FALTA DE PAGAMENTOS

"O que se está a passaré miserável, é triste, há

pessoas desesperadasporque para onde querque se virem ninguémlhes paga"

A VENDA AO FUNDO VALLIS

"Comecei um anoantes a tentar queo grupo Edifer entrassena solução do fundo

da construção"

TRABALHADORES

"O esforçoe o sacrifício

que os trabalhadoresda Edifer fizeramé extraordinário.Estiveram quatromeses sem recebere não houveum problema"

? Não deveriam ter alocado mais recur-sos à área internacional?B Nós alocámos recursos à área inter-nacional, e esse foi o drama. Nomeada-mente investimos muito em Angola,mas temos um sócio com 50% (o grupoGema), o que restringiu a liberdade no

repatriamento de capitais, não podía-mos tirar de Angola o dinheiro que que-ríamos. Cheguei a ter milhões lá e aquinão tinha como pagar as dívidas.

? Havia também dívidas do Estado an-golano.E Sim, mas quem está em Angola temde perceber que é assim, faz parte, temde ser capaz de gerir essa realidade.

?O peso dos atrasos de pagamentospor parte de entidades públicas em Por-

tugal era muito elevado?B Entre €30 milhões a €40 milhões.

? Há quem diga que apostaram excessi-vamente na área imobiliária...E Nada disso. A nossa atividade imobiliá-ria própria só pesava 5% a 10% do volu-me de negócios. Temos apenas três pro-jetos imobiliários de pequena dimensão.O nosso problema surgiu das dificulda-

des de acesso a financiamento, acresci-das das dificuldades de recebimento. Asconcessões rodoviárias pararam porquea dado momento, com as descidas de ra-ting de Portugal e do sector financeiro,as garantias que tínhamos apresentado à

banca portuguesa deixaram de ser acei-tes pelos bancos internacionais, queeram os financiadores. Disseram-nos

que ou metíamos o capital ou tínhamosde substituir as garantias bancárias poroutras. Começámos então a procurar al-

ternativas na banca para a prestação de

garantias, em vão. A banca estrangeiranão se atravessa com garantias bancá-rias para projetos em Portugal desde quese vive este período de falta de confiançae credibilidade. Era cultura do grupo Edi-fer ter um endividamento baixo. Apren-di na faculdade que se devia ter uma dívi-da baixa, mas hoje chego à conclusão de

que se calhar é melhor ter três ou quatrovezes mais pois assim não teríamos tido

os problemas que tivemos.

? Quando percebeu que não havia ou-tra solução senão vender a Edifer?B Quando fomos forçados a finan-ciar-nos através dos fornecedores e co-

meçaram a sair notícias de pedidos deinsolvência da Edifer, colocados por pes-soas que não tinham nada a perder, porcausa de dívidas de €20 mil ou €30 mil.A legislação é a coisa mais aberrante queexiste porque provoca um dano brutalao permitir que se diga que uma empre-sa está insolvente e depois é preciso pro-var que não está, mas até lá há um pro-blema sério de imagem. Eu até nem criti-co essas empresas, porque como têm a

mão de obra para pagar, jogam todas as

armas para cima da mesa. Atendi várias

empresas e o que se está a passar é mise-rável, é triste, porque são pessoas deses-

peradas, para onde se viram ninguémlhes paga. Isto está a acontecer em todoo sector. Só há uma empresa que nãoestá a fazer isso, a Teixeira Duarte. Deuma ponta à outra ninguém paga a tem-

po e horas. E agora está a agravar-se ain-

da mais. É insustentável. Mas o que ago-ra parece negativo, a venda da Edifer aofundo Vallis, daqui a seis meses veremos

que não foi negativo. Fizemo-lo porquecomecei a trabalhar nesse dossiê há umano. Reassumi funções executivas emmarço de 2011 e logo aí fiz imediatamen-te uma nova ronda pelo mercado e disse

a diversas empresas que os acionistas daEdifer estavam disponíveis para, a tem-po—e ainda íamos a tempo — de nos

juntarmos, sentarmos a banca à mesa e

fazermos uma operação conjunta. Abor-dei três grupos e nunca tive resposta,mais uma vez não tive resposta.? Porque é que não lhe responderam?E 3Tem a ver com falta de visão. Os acio-nistas das outras empresas acreditam

sempre que vão conseguir fazer não sei

bem o quê. E eu não via nada. Abordei os

bancos e disse-lhes que o sector no finaldo ano ia estar de pantanas e por isso

achava que deveríamos atuar a montan-te. Perguntei se patrocinariam um movi-mento de fusão. Vários bancos me disse-

ram para lhes levar um projeto, para ir lá

com outros acionistas de outras empre-sas com um projeto. Nunca consegui,não tinha interlocutores para isso. Hou-ve empresas que me disseram que não,que ainda não era oportuno, "vamos vercomo é que isto evolui..." Mais à frente,em junho, disse aos bancos: "Forcem vo-cês as empresas, porque eu não consi-

go." Há uma inércia neste país que éuma coisa extraordinária, não consigoentender. Está sempre tudo à espera nãosei do quê. Os bancos pediam-me que es-

perasse e de repente dizem-me que tal-vez se consiga replicar na construção al-

go que estava a ser feita no turismo, a

criação de um fundo que fosse promotordesse movimento de consolidação. Nessaaltura começo a fomentar essa solução,comecei um ano antes a tentar que o gru-po Edifer entrasse nessa solução.

? Entretanto reduziram a dimensão da

empresa.E 3Mas isso custa muito dinheiro. Em no-vembro, já tínhamos reduzido o núme-ro de pessoas em 700 e não tínhamosmais forma de o fazer. A Edifer nego-ciou muito abaixo do sector, 0,7 salários

por cada ano de indemnização a pes-soas antiquíssimas na casa, sem uma cri-

se, o que é inédito. Isto tem a ver comuma cultura empresarial. Inclusive é iné-dito as pessoas terem estado quatro me-ses com salários em atraso e não haverum problema. Eu reunia muitas vezescom os trabalhadores, explicava-lhesque estava a tentar encontrar uma solu-

ção e até lhes dizia que, se não quises-sem ir trabalhar, não podia exigir quefossem. Havia pessoas que nem sequertinham dinheiro para os transportes pa-ra irem trabalhar. O esforço e o sacrifí-cio que aqueles trabalhadores fizeram é

extraordinário. Havia pessoas que mediziam: "Eu já não aguento mais, tenhoa escola, a casa para pagar, uma série decoisas" e diziam-me que precisavam de

avançar com a rescisão de contrato por-que era uma forma de irem para o fun-do de desemprego, mas depois diziam"mas eu não quero fazer isso, dê-me láuma esperança...".

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"Geri sempredificuldades na Edifer"? Em 2010 deixou de ter funções exe-cutivas no grupo Edifer, que depoisreassumiu em 2011. Porque é que issoaconteceu?O Sempre achei que era extremamen-te importante um movimento de con-solidação no sector da construção,sempre defendi isso. Na fase em queestávamos, não tínhamos capacidade,por não estarmos cotados, para ummovimento de integração. Eu acredi-tava que, para se consumar essa con-centração, não podia ser por aquisi-ção mas sim por troca de participa-ções. Logo em 1996 fizemos uma apro-

ximação à Engil que não conseguimosconcretizar, foram seis meses de nego-ciações. Em 2004 pensei: muitas ve-zes estes movimentos não se fazempor causa das lideranças, porque háuma fronteira muito pouco clara en-tre o que é a vontade e o ego do gestore o que é interesse estratégico do gru-po. Nessa altura achei que poderia es-tar eu a ser um entrave. Saí então dapresidência para perceber se eu eraum obstáculo e se conseguia ir buscaralguém que fosse um facilitador. Fo-mos então buscar Jorge Armindo pa-ra presidente do grupo Edifer. Fize-mos uma aproximação à Opway, esti-

vemos a negociar e concluímos que o

problema também não era eu e sim adificuldade das pessoas em distinguirentre interesses de curto prazo e inte-resses de longo prazo.B O que falhou nessa aproximação?? Não sei explicar, mas na altura a

Opway avançou por outro caminho eacabou por comprar a Sopol. Nessemomento acabámos as conversas.Mas tínhamos tido aí mais uma opor-tunidade muito interessante de fazeralguma coisa. Quando cheguei a2008 conclui que era importantíssi-

mo porque previa dificuldades muitograndes. Olhando para trás, concluo

que geri sempre dificuldades, desde o

princípio ao fim.

B Porquê?? Em 1990 morreu o meu pai, que eraa cara da empresa. Eu entrei nesse anomas fiquei na área dos novos negócios,comprámos então a Luságua e diversifi-cámos para a área do ambiente. Duran-te toda a década de 90, a Edifer tevemuitas mudanças de liderança — em se-te anos teve sete presidentes —

, não

conseguimos nessa década potenciar ocrescimento que se verificou nessa altu-

ra no sector. Eu assumo a presidênciaem 1997 e ainda geri durante dois anosa instabilidade criada pelo fracasso dafusão com a Engil e depois entramosem 2000 e a situação começou a agra-var-se. Em 2009 comecei a pensar queera extremamente importante esse mo-vimento de consolidação. Uma das

questões que muitas vezes as empresascom quem negociámos apontavam co-mo gerando reticências era o facto determos um cariz familiar muito gran-de, de os acionistas estarem envolvidosna gestão. Fiz então um movimento deretirada dos acionistas da gestão, reti-rei-me também, apesar de me manter

como presidente da administração, en-treguei a gestão ao Carlos José, que es-tava no grupo há muitos anos. Verifi-quei que também não se conseguiu nes-sa fase fazer qualquer acordo nesse sen-tido. Talvez as pessoas envolvidas nãotivessem um posicionamento que facili-tasse um acordo pelo que tive de re-cuar e em 2011 assumi novamente fun-ções executivas, dois meses antes de atroika entrar em Portugal. E em janei-ro deste ano assumi as presidências detodas as empresas do grupo até concre-tizarmos a venda.

"Isto está cheiode gente com medode tomar decisões"

A ANA rescindiu o contratocom a Edifer relativo às obrasdo aeroporto de Lisboa.Agora as duas empresas estãoa travar "um litígio brutal"

A ANA — Aeroportos de Portugal res-cindiu o contrato com a Edifer numaobra do aeroporto da Portela — o BusGate — contratada por €38 milhões. De-pois de terem sido realizadas empreita-das no valor de €21 milhões e quandoainda havia cerca de €17 milhões emobras a efetuar, a ANA pôs termo aocontrato e reclamou uma multa à Edi-fer no valor de €6 milhões.A situação torna-se ainda mais compli-

cada porque noutra obra anterior — oPier Norte do aeroporto, todo concluí-do—a ANA tem de pagar, segundo Ve-ra Pires Coelho, €6 milhões, mais €3,8milhões de obras a mais, num total de

€9,8 milhões. Agora abriu-se um con-tencioso e serão os tribunais a julgar o

problema.

Neste último ano ocorreu um fenó-meno entre os gestores públicos, quefoi o medo de tomar decisões. Foi o queaconteceu na ANA. Não tomavam deci-sões, nem queriam saber. Eu tinha€3,8 milhões para receber das obras doBus Gate do aeroporto da Portela, járealizada há mais de dois anos. Até re-cebemos elogios da ANA pela forma co-mo essa empreitada correu", recorda a

ex-presidente da Edifer.Apesar dos elogios, Vera Pires Coe-

lho refere que, logo a seguir, a Ediferfoi desconsiderada. "Passámos a seruns nabos?", questiona a gestora. Se-

gundo diz, isso aconteceu quando pe-diu à ANA que pagasse obras já con-cluídas, para a Edifer poder "pagaraos subempreiteiros, que estavam a

parar a obra. Mas a ANA não tomouqualquer decisão".

"Como nem sequer queriam ir parauma arbitragem, a melhor solução serádecidir isto daqui a 20 anos, em tribu-nal — e sei o que estou a dizer —

, que é

como se resolve tudo. Então, aplica-ram-nos uma multa de €6 milhões. Es-tou a fazer-me entender? Já havia inten-ção de rescisão e aplicaram-nos a multaa seguir", afirma.

"Recebemos elogios da ANApela forma como correua empreitada. Passado algumtempo tínhamos passadoa ser uns nabos?"

"A partir de determinada altura ficá-mos atrasados nos trabalhos da obra,porque os nossos subempreiteiros tra-balhavam e não recebiam. Critico a ati-tude da ANA porque não tinha o direitode fazer o que fez, prejudicando as em-presas que atravessam uma profundacrise", comenta.

"Estive à frente de um grupo e sei queé preciso tomar decisões, sem medo. Is-to está cheio de gente que tem medo detomar decisões. Que vão para casa. Nãopodem estar a liderar um grupo empre-sarial", conclui.

"Toda a indústriada construção podeser varrida do mapa"Vera Pires Coelho diz que só lamentanão ter conseguido chegar mais cedo à

solução de venda de todo o grupo Edi-fer ao fundo Vallis. E traça um cenáriodramático do sector da construção.BA venda ao fundo Vallis foi a melhor

solução para a Edifer?D Comecei a trabalhar arduamentenum processo de consolidação no iní-cio de 2011 — numa altura em que ain-da nem existia o fundo Vallis — e porisso estou muito contente por ter conse-guido chegar aqui. Havia vários cami-nhos. Ou íamos buscar financiamento a

algum lado e sabemos que isso não erapossível; ou deixávamos cair o grupo;ou caminhávamos para uma solução es-

truturada, que é a que defendemos hámuitos anos e que implica a consolida-

ção. Tentámos tudo por tudo.

? O que vai agora a Vallis fazer?? Têm de lhes perguntar. A Edifer foi o

primeiro grupo a entrar. Foi tudo traba-lhado com os acionistas do princípio aofim. Só lamento que não tenha sidomais cedo. Ainda quis fechar o acordoem novembro, mas o processo envol-veu várias entidades, entre as quais os

bancos. Sabíamos que estávamos a ga-rantir a sobrevivência de um universode pessoas e de uma organização numoutro cenário, infelizmente num con-texto altamente adverso, implicandoque os acionistas não fariam parte da

solução futura. Paciência. Era impor-tante para o futuro do sector que a Edi-fer fosse a âncora deste movimento. Já

muitas empresas que me perguntaramcomo efetuámos este processo.? Há outras empresas que vão aderirao fundo? Dentro de quanto tempo?

? Tenho toda a certeza disso. Dentrode dois a três meses.? Teme que a Edifer desapareça, assim

como tudo o que representou?? É uma inevitabilidade. Não será fácil.Juntando várias empresas, continuará ahaver redução de postos de trabalho,mas é uma oportunidade única para for-mar um grande grupo com capacidadede atuação internacional. Não temos hi-

pótese se não nos unirmos. Quem anda

pelo mundo só vê os maiores grupos aconcorrer às grandes obras, além dasconstrutoras portuguesas. É por isso quedigo que os portugueses são fantásticos.

? Quanto é que o fundo Vallis pagou pa-ra comprar a Edifer?

? Foi assinado um acordo que me impe-de de falar de valores. Acredito que vainascer um movimento de consolidaçãoque será bom para todos, para os acionis-

tas, para os bancos, para todas as pes-soas envolvidas. Devo ter uma palavrade apreço para com o Governo, porquefoi um profundo dinamizador deste mo-vimento. Há uma consciência do tipo de

devastação económica que a crise no sec-

tor da construção poderia provocar.? Quantas empresas estão em risco?

? Toda a indústria da construção, deuma ponta à outra, pode ser varrida do

mapa. São milhares de pessoas em ris-co de desemprego. Estamos a falar dos

mármores, das tintas, dos ares condicio-nados, da indústria cerâmica... Temosde salvaguardar os postos de trabalho.Na Edifer eu tinha 2000 trabalhado-res. Foram infligidos muitos sacrifíciosàs suas famílias. Ninguém imagina o

que é as pessoas pedirem €20 para pa-garem a eletricidade e €10 para paga-

rem a alimentação diária para um filho.? Acha que os portugueses no geraltêm noção desta situação?? Não têm. Quem não vive num meiocom problemas nem sabe o que isso é.

Conheço muita gente que não entendeo que estou a dizer. Basta ir a determi-nados bairros para perceber o que se

passa. É mesmo miséria. Eu lidei com

pessoas que não têm comida para daraos filhos. Não têm empregos. Quantosde nós conhecemos o drama das famí-lias desempregadas? Há uma parte dasociedade que está a passar muito mal.

? O que o Governo está a fazer paraajustar as contas públicas é correto?? É correto. O ministro das Finanças,Vítor Gaspar, foi meu professor. Masnão chega. Sou muito positiva porquesei que Portugal tem potencialidadesincríveis, mas temos uma série de inefi-ciências atávicas. Até percebo as mani-festações. Mas também sei o que pas-sam as 2000 famílias que dependemda Edifer. Perguntem-me porque é

que eles não fizeram manifestações à

porta da Edifer. Porquê? Porque háuma forma de estar nas empresas e háum dever de prestar informação. Pes-soas que não são informadas não en-tendem nada. Partilha. Exemplos. Seisto não acontecer é impossível que a

população aceite algumas coisas. Con-cordo que as pessoas ganhem bemmas há coisas que não se podem pas-sar, como um gestor ganhar €600 mil.Se estão a impor sacrifícios, a popula-ção não aceita as medidas se não forpassada uma imagem de austeridadepor quem está em cima. Do outro lado,as manifestações integram pessoasque não estão disponíveis para abdicarde direitos adquiridos. E quem está atrabalhar não tem tempo para estarnas manifestações.? O abanão que o país está a sofrer vaieliminar as ineficiências?? Pelo menos está-se a tentar. Háquantos anos andamos todos a ouvir

falar em reformas estruturais?

? Quando voltará a haver obras públi-cas em Portugal?? Durante uns anos vamos fazer uma tra-vessia no deserto. Até posso entender queo momento não é oportuno mas é umatristeza os recursos financeiros que o paístem desperdiçado, como aconteceu na li-

gação ferroviária em alta velocidade.

? O que vai acontecer aos fundos comu-nitários?n Perdem-se. Agora tudo parou.

"Vou paraqualquerárea. Masconstruirpontes...é fascinante"? O que ficou por fazer na Edi-fer?

E 3É um trabalho nunca acaba-do. Tínhamos uma estratégia de

recursos humanos, lançada em2000, que tive de cortar por cau-sa da redução de pessoal. Todosos anos contratava 10 a 20 jo-vens. As primeiras pessoas quetiveram de sair da Edifer foramprecisamente esses jovens.Quando encontro alguns, aindame falam do tempo em que esti-veram na Edifer.? Quando, há mais de 20 anos,entrou para o grupo, algumavez pensou ficar tanto tempo?? A decisão foi difícil. Achei queestava a assinar uma sentençade prisão perpétua. Agora con-quistei a minha liberdade. Mas averdade é que eu só sei traba-lhar dedicada a causas e comum grande sentido de humor.Sou incapaz de trabalhar numambiente muito cinzento. Paraestarem preparados para a mu-dança, já disse a todos na Ediferpara esperarem uma liderançadiferente.B E agora, o que vai fazer?? Vou descansar 15 dias. Vou fa-

zer férias. De moto para Marro-cos, com o meu marido. Vou atéao Atlas. Gosto muito de andarde moto. No outro dia fui de moto

para a Edifer na minha vespinha.É um meio de transporte baratís-simo. Depois das férias vou pen-sar nos próximos anos, porque te-nho de trabalhar, porque sou as-salariada e também não sou ca-

paz de estar quieta. Ao fim demais de 20 anos a gerir um grupode dimensão, qualquer gestornão consegue dedicar-se a peque-nos projetos. A estrutura mentalnão está formatada para uma lojaou um pequeno negócio.? Há alguma área que gostassede experimentar em termos pro-fissionais?? Vou para qualquer área. Massei que o meu conhecimento é

na construção. Também traba-lhei nos seguros... Mas acho a

construção um sector fantásti-co. É uma luta diária. Paga-se a

pronto e recebe-se a prazo.Construir pontes... é fascinante.