Pobreza: concepções e implicações para políticas públicas · • Pobreza e desigualdade como...

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Pobreza: concepções e implicações para políticas públicas Carla Bronzo Escola de Governo da Fundação João Pinheiro Seminário Legislativo Pobreza e Desigualdade 24 outubro de 2011 ALMG

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Pobreza: concepções eimplicações para políticas

públicas

Carla BronzoEscola de Governo da Fundação João Pinheiro

Seminário Legislativo Pobreza e Desigualdade24 outubro de 2011

ALMG

“Dor é próprio da vida humana, um aspectoinevitável....O sofrimento é a dor mediada pelas

injustiças sociais. É o sofrimento de estarsubmetido à fome e à opressão, e pode não ser

sentido como dor por todos”(Bader Sawaia, 2004).

1. Dor, sofrimento e injustiça social

2. Pobreza, desigualdade, coesãosocial

• Pobreza em um cenário deabundância

• O que é intolerável?• Pobreza e desigualdade como questão

que interroga nosso modelo desociedade.

• Em que tipo de sociedade queremosviver?

As causas estruturais da pobreza: políticaseconômicas (laborais, financeiras) e denatureza macro estrutural (comourbanização, transporte, regularizaçãofundiária, dentre outras).

- As relações entre crescimento,desigualdade e pobreza. A distribuição deativos aos indivíduos e grupos édeterminante e não meramente umresultado do crescimento.

• O conteúdo distributivo do problema.Administração da pobreza ou formasestratégicas para sua superação?

• “La necesidad de discutir nuevosconceptos que modifiquen los queprevalecen actualmente en los modosde organización de nuestrassociedades no se limita a un objetivoni a una política en particular. El temade la pobreza se inscribe en unadiscusión mas amplia sobre la falta deracionalidad y la injusticia del tipo desociedad que se está imponiendo” (LoVuolo, 1999, p. 299).

3. Concepções importam?• “Detrás de cada estilo de política publica

siempre existe, en forma implícita oexplicita, una determinada perspectivateórica, es decir, un modo especifico de verlas cosas. Una teoria, en sintesis, es unsistema de categorias de percepción”(Fanfani, 1991, p. 92).

• Como definimos pobreza? Qual a teoriaque informa nossa leitura da pobreza e aspoliticas para seu enfrentamento?

Concepção/enfoque

Operacionalização/mensuração

Estratégias deintervenção

Toda estratégia de intervenção temuma teoria - mais ou menos explícitaou implícita – sobre o problema, quefornece o arcabouço para a ação.

“A definição de pobreza é o motorpara a seleção de políticas”

Mensurar envolve identificar os públicospotenciais e legítimos das ações no campoda proteção social.

“Uma vez identificado o mal,tem-se o remédio para seu

enfrentamento”(E. Fanfani)

- Enfoque monetário: pobreza como privação derenda

- Necessidades básicas insatisfeitas: acessoprecário a bens e serviços

- Capacidades: privação de capacidades dosindivíduos para ser e fazer coisas que julgamrelevantes. Desenvolvimento como Liberdade(Amartya Sen)

- Exclusão social: aspecto relações sociais,processos, pertencimento, identidade, coesãosocial. Trabalho, proteção social, sociabilidade

- Vulnerabilidade e riscos: multidimensionalidade dasprivações, dimensões objetivas e subjetivas, noçãode ativos, estratégias de resposta e estrutura deoportunidades.

Renda: Parâmetro nutricional

Transporte

Trabalho

Qualificacao profissional

Infra estrutura

Educacao

Saneamento

Saude

Moradia

Dimensões psico sociais: valores,

crencas, comportamentos.

Dimensoes objetivasinterrelacionadas

Dimensoes subjetivas: Aspectos sociais e

psico sociais

Sociabilidade (politica e

capital social)

Pobreza co

mo pr ivacao m

ultipla

Pobreza co

mo pr ivacao de

liberd

ade e ca

pacidades

Ativos materiais e ativos menos tangíveis

Enfoque monetário

Necessidades Basicas Insatisfeitas

Exclusao social

Vulnerabilidade

Capacidades

• Dimensão econômica, a ausência de renda.• Capacidades limitadas em termos de ativos

produtivos e humanos.• Precariedade do acesso a bens e serviços• Fragilidade do trabalho, para além da renda,

envolve identidade e dignidade social.• Fragilidade dos laços sociais e de mecanismos

de solidariedade e reciprocidade.• Aspectos subjetivos, relativos a valores e

atitudes.• Dimensão da territorialidade, estigma e da

segregação, elementos que podem agregaroutro componente aos processos de exclusão.

Pobreza em múltiplas dimensões

O que as concepções ampliadasde pobreza apontam?

• Multidimensionalidade dos fatores de privação.Multideterminação.

• Heterogeneidade/diversidade da pobreza. Adimensão territorial da pobreza.

• Dimensão psico social (relações sociais,vínculos, subjetividade). Baixa auto estima,resignação, apatia, ressentimento,subalternidade, dependência, baixaexpectativa quanto ao futuro. Fatalismo.Desesperança.

Duas questões:

Faz diferença conceber a pobrezasob um ou outro aspecto em termosda identificação do problema?

Quais as consequências do ponto devista do conteúdo e da forma daspolíticas públicas?

Incidência da pobreza absoluta erelativa em MG

Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís tica (IBGE) Pesquisa Nacional por Amostrade Domicílios (PNAD), Minas Gerais, 2001-2008.

2005 2006 2007 2008 2009

Pobreza 1 21,04 18,05 16,65 14,22 13,38

Pobreza 2 38,61 34,88 33,54 29,90 27,72

renda_pc 408,90 469,67 505,20 576,54 629,92

Pobreza relativa 49,44 50,74 49,45 47,99 47,70

Elaboração: Equipe de Desenvolvimento Humano (Funda ção João Pinheiro - FJP)

pobreza 1: Linha de 1/2 salário mínimo de 2000. Eq uivalente a R$ 141,22pobreza 2: Linha de 1/2 salário mínimo de 2009. Eq uivalente a R$ 232,50Observação: As linhas de Pobreza estão a preços de Agosto de 2009

Incidência da pobreza absoluta e relativaem MG

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

2005 2006 2007 2008 2009

Pobreza 1

Pobreza 2

Pobreza relativa

Trabalhadores (as) em idade de 20 a 65 anos comrendimento mensal inferior a

R$ 232,50 (Minas Gerais)

Fonte: Pesquisa por Amostra de Domicílio, 2009. Fundação João Pinheiro,

Incidência de Pobreza na população de 20 a 65 anos2,8

3,013,22

3,22

3,26

3,91

4,06

5,155,37 5,63

11,52

13,16

norte

jequitinhonha

mucuri

noroeste

rio doce

central

campo das vertentes

zona da mata

metropolitana

sul/sudoeste

oeste

triÂngulo/alto parana

Um experimento: diferentes resultadosda mensuração a partir de distintas

concepções (Priscila Santos, FP, 2010)

• Renda– Renda familiar per capita

• Necessidades Basicas Insatisfeitas:– Material predominante nas paredes– Acesso adequado a abastecimento de água– Coleta adequada de esgoto.

• Vulnerabilidade social:– Sexo do chefe domicílio– Raça do chefe domicílio– Escolaridade do chefe domicílio– Condição de ocupação do chefe de domicilio

Incidencia da pobreza no Brasil e em MinasGerais segundo distintas concepções

% Brasil% Minas

Gerais

Pobres 16,08 11,04

Vulneráveis 30,43 34,69

Alguma necessidadeinsatisfeita 32,24 20,17

Todas as necessidadesinsatisfeitas 2,20 0,39

Fonte: Priscila Santos, 2010

Indicadordepobrezamonetária

Todas asnecessidadesbásicasinsatisfeitas

Algumanecessidadeinsatisfeita

Todas asnecessidadesbásicassatisfeitas

Total

Pobres 0,70 30,00 69,36 100,00

Nãopobres

0,36 18,67 80,97 100

Fonte: Priscila Santos, 2010

Minas Gerais: cruzamento entre a perspectiva monetá ria e a de necessidades básicas insatisfeitas

Minas Gerais: cruzamento entre a perspectiva monetária evulnerabilidade social

Indicador depobreza

monetária

Indicador de vulnerabilidade social

Nãovulneráveis Vulneráveis Total

Pobres

44,87 55,13 100,00

Não pobres

67,74 32,26 100,00

Fonte: Priscila Santos, 2010

4. Consequências para políticas

MultidimensionalidadeIntersetorialidade

Integracao

Heterogeneidade

Dimensões subjetivasAutonomia

CapacidadesEmpoderamento

Flexibilidade na ofertaRedes de serviços e

foco no território

Ausência ou precariedade dainserção no mercado detrabalho/Fragilidade nageração de renda

Fragilidade doslaços familiares,comunitários eprecária proteçãosocial

Acesso precário abens e serviçospúblicos

Ausência ouprecariedadede ativos.

Territóriosestigmatizados,espaços urbanossegregados.Isolamento rural

Fatoresindissioncráticos

Condutorespara pobrezacrônica

Pobreza crônica:severidade,

multidimensionalidadedas privações, longa

permanência,transmissão

intergeracional

Relações entre elementos condutores, pobreza e estr atégias de superaçãoEstratégias depolíticas

INTERSETORIALIDADE

Foco noterritório e infra-estrutura social.Estrutura deoportunidadesAcesso a bens eserviçospúblicos esociais. Redesde serviços

Criação efortalecimentode ativosmateriais e nãomateriais:capital social,autonomia eempoderamento.

1. Intersetorialidade• Uma compreensão ampliada do fenômeno

exige um olhar pautado pela integralidade.• Requisito de uma visão integral da pobreza.

Supõe compartilhamento de recursos,responsabilidades e ações.

• Resistências de se incorporar lógicasespecíficas às políticas existentes. Aheterogeneidade de interesses e visões

• Criação de “comunidades de sentido”,quese refere a visões e objetivoscompartilhados.

• Sistemas de informação comoinstrumento fundamental para viabilizarconstrução de sentido e visão partilhadae integrada dos fenômenos sociais.

• O orçamento pode atuar como umimportante mecanismo produtor deintersetorialidade, se e na medida emque as diretrizes conjuntas sejammaterializadas em planos e metas.

• A necessária construção de capacidadeestatal, capacidade de gestão, capacidadede formulação de políticas, monitoramentoe avaliação. Capacidade institucional nosmunicipios

• Recursos (humanos, financeiros,institucionais, políticos...) adequados paradesenvolvimento das ações estratégicas.

• Mecanismos e instancias de construçãode legitimidade, pactuação, participação(intra e interinstitucional e da sociedade).

2. Flexibilidade na oferta e território

• Território, a rede de serviços e a proteçãosocial para famílias vulneráveis

• Noção de rede sócio assistencial. Basenormativa: definições da PNAS e doSUAS.

• O suposto fundamental é que existemredes a serem mobilizadas, porosas àsdemandas levantadas, com capacidadepara atendê-las com qualidade.

• Gestão ativa do território: maioradequação entre a oferta de serviços e asdemandas e necessidades existentes, naperspectiva de fortalecimento da infra-estrutura social.

• O papel dos CRAS na articulação da redede serviços que possam atender asdemandas e necessidades das famílias.

• A questão da existência, qualidade,adequação e funcionamento das redes deserviços torna-se vital para a efetividadeou não das estratégias de inclusão social.Heterogeneidade das condições da oferta.

Dados de uma pesquisa demandada pelaSecretaria de Desenvolvimento Social deMinas Gerais (SEDESE), realizada pelaFundação João Pinheiro (FJP) em 2008-2009(235 gestores e 355 coordenadores de CRAS)apontam que existe, no geral, umainsuficiência ou inadequação da redeexistente para o atendimento às demandassocioassistenciais em todas as faixas etárias,com uma situação mais grave para o públicode jovens adultos e no campo da inclusãoprodutiva, onde essa inexistência ouinadequação se mostra mais severa.

3. Foco na autonomia eempoderamento

• Empoderamento como fundamento de ummodelo de ação ou como conteúdo centraldas políticas de proteção.

• Envolve maior controle externo dospobres sobre recursos diversos e tambémno âmbito das crenças, valores e atitudes(capacidade de auto-expressão e auto-afirmação).

• A autonomia só se processa, de fato, seexiste uma estrutura de oportunidadeadequada para responder às demandaspor trabalho e renda, por educação e saúdede qualidade e universal, por condições demoradia e infra estrutura, por proteçãosocial.

• A baixa qualificação, os déficits deescolaridade e de ativos, de forma geral,constrangem o acesso das populaçõesmais pobres ao mercado de trabalho.

• Os serviços sócio assistenciaisdesenvolvidos no âmbito do PAIF (serviçodesenvolvido nos CRAS) têm o objetivomanifesto de fortalecer tanto o acesso abens e serviços quanto os vínculoscomunitários e familiares das famílias desua área de abrangência, principalmentefamílias beneficiárias do Bolsa Família.

• Pesquisa realizada pela FJP, financiada pelaFapemig, concluída em 2011: objetivo demensurar os efeitos dos programas deproteção social (Bolsa Familia e PAIF-CRAS)nos aspectos de natureza psico social dasfamílias beneficiárias.

• Survey com 608 famílias e grupos focais comtécnicos de dois Cras em BH e com famíliasbeneficiárias

• Tais programas contribuem para a alteraçãodos ativos das famílias e indivíduos, para alémda renda, principalmente aqueles de naturezamenos tangível?

• É bastante presente a percepção demudanças nos aspectos maispropriamente de sociabilidade, dainteração social (no ambiente comunitárioou intra-familiar), da expansão dehabilidades de comunicação e deexpressão de si.

• O BF produz alguma mudança nosaspectos socio relacionais? Participar dasatividades socio assistenciais do CRASproduz alguma mudança?

Indice Sócio Relacional (12 variáveis):• disposição para procurar emprego;• acesso a informações de emprego;• disposição para sair de casa e freqüentar

locais de lazer;• manutenção de laços sociais/redes e

constituição de laços de solidariedade;• acesso a informação sobre serviços públicos;• aumento da auto-estima;• melhora da relação intradoméstica;• empoderamento (entendido como maior

capacidade de auto afirmação e departicipação comunitária).

Participação no Cras e Índice Sócio-relacional

Alguns pontos, para fechar• A concepção importa. Para mensurar e para atuar.• Estratégia de superação envolve políticas de caráter

estrutural e intersetorial.

• Combinação e articulação necessária detransferência de renda, serviços sócio assistenciaise rede de serviços de outras políticas e de outrossetores sociais para além do governo.

• Políticas complementares, como as relativas aocampo da inclusão produtiva, não estão dentro nemsão subordinadas ao Bolsa Família.

• Os serviços socio assistenciais“esbarram” nas demandas nãoequacionadas de moradia e oferta deserviços de saúde e educação e nafragilidade da oferta de respostasefetivas à questão do trabalho e degeração de oportunidades produtivas.

• Não são suficientes para evitar osofrimento e a desolação da falta de renda,emprego e qualificação, a violência eabandono.

• Pobreza como problema que diz respeito aoconjunto das políticas públicas e não apenas àspolíticas sociais, ou à política de assistência social.

• Questão que deve ser equacionada pelos distintasáreas e níveis de governo e setores da sociedade.AGENDA. COMPROMISSO.

• Temos dados suficientes, informações abundantessobre as múltiplas necessidades dos indivíduos,famílias, domicílios, territórios; sobre a oferta debens e serviços e as falhas de cobertura equalidade das políticas (IBGE; PAD-FJP; IMRS-FJP; IDH-FJP; PED-FJP; déficit habitacional-FJP;IDS – SEDESE; etc).

• Reconhecimento de critériospolítico–normativos para definição dasnecessidades sociais, o que remete a direitos.

• Definições sobre volume / qualidade da ofertade serviços decorre de diagnósticos e sãofrutos de decisão política e programática enão realizada de forma errática e altamentedependente das modificações do entorno oude interesses particularistas.

• Só assim a superação da pobreza seconfigura como estratégica para a construçãoda sociedade na qual queremos viver.

• “Me lembro da visita de mobilização do BF quefizemos na Vila Ecológica... a situação é tãodifícil, a condição de miséria é tão grande, quenão tem uma família mais vulnerável que a outra.É tudo tão ruim... a estrutura da casa, a própriaviolência da comunidade. É tudo tão ruim e euchego aqui para convidar para uma oficina... Eeu penso... nem eu iria, se vivesse nessascondições de tanta miséria. O que eu vou proporpara uma família como essa?”

(técnica do CRAS)

Algumas falas dos que se encontramcotidianamente frente a frente com a pobreza

• “o menino sai mais cedo da escola paratrabalhar, não tem uma oportunidade de lazer,cultura... os campos de futebol estão detonados,jogados a traças... tem uma escola de ensinomédio que seleciona... não tem escola deeducação infantil suficiente... a que tem é muitodistante e a gente anda pelos becos e elesestão lotados de crianças... olhando tudo isso,que perspectiva de mudança podemos ter?”

(Técnica CRAS)

Algumas falas das famílias...• “Onde moro, a Casas Bahia só entrega coisas lá com

escolta”.• “Quando tem campanha de vacinação de idosos, nem

o médico da família desce lá”.

• “Quem tá lá embaixo não sobe e quem está em cimanão desce”.

• “lá embaixo tem muito problema, muita criança semescola, muita mãe querendo trabalhar sem escolapara deixar as crianças, muitas adolescentes de 13 e14 grávidas, famílias sem estrutura e sem ter comoresolver, adolescentes sem estudo e sem futuro”.