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Fundador: Francisco Martins Rodrigues NOVEMBRO / DEZEMBRO 2010 Nº 127 3,00 Não há crise do Estado Às medidas de austeridade seguem- -se agora os ataques abertos dos pa- trões aos salários e pelos despedi- mentos-porque-sim. Sem confrontos violentos, o PS lá vai ajeitando a crise à sua maneira, ten- tando salvar a pele antes das elei- ções, objectivo difícil, mesmo sem uma oposição firme à esquerda. O impasse financeiro destes dois anos encontra assim caminho para ser ultrapassado à custa de um longa crise fiscal que está a ser suportada, e aparentemente por muito tempo, pelas classes subalternas. Em vez de se resolver em proveito dos trabalhadores, a crise tem servi- do para os capitalistas comprimirem o custo da força de trabalho e reduzir o poder dos produtores. A reprodu- ção das relações capitalistas, pesem os sobressaltos, segue o seu curso. A pauperização de segmentos de classe cada vez mais amplos é reco- nhecida pela própria burguesia como um preço a pagar, um fardo a supor- tar, sem solução à vista, abrangendo agora sectores que tradicionalmen- te tinham o emprego e o salário ga- rantidos e se vêem esmagados pelas dificuldades económicas. As reacções visíveis às medidas go- vernamentais continuam a ser enca- beçadas pelos reformistas e expri- mem-se por imponentes manifesta- ções que tanto revelam o desejo de resistência do movimento como a sua falta de autonomia e capacidade para pressionar as cúpulas sindicais e partidárias a romper com a paz so- cial e mobilizar amplos sectores a impulsionar por baixo uma crise do governo, de forma a impedir uma vitória eleitoral da direita que neste momento se afigura inevitável. O caminho não é criar a ilusão de uma espécie de comunidade de luta através do exercício da força para assim criar novas relações sociais. A atomização e o isolamento não se remedeiam com rebeliões urbanas. Nesta fase, os esforços dos que que- rem acabar com este regime têm de estar centrados nos locais de traba- lho e contra o patronato, que domi- na as relações de produção e usa em seu proveito as medidas de Esta- do contra os trabalhadores. Tudo o resto é acessório. NÃO VOTAMOS! Sem um candidato com um programa popular, não há nada a disputar. Ganhe quem ganhar, a burguesia já venceu. Por isso, o melhor resultado para os traba- lhadores e os deserdados deste país será uma grande abstenção. Uma abstenção que cause incómodo e amesquinhe a vitória do vencedor. Os factos não deixam margem a dúvidas: os EUA dispõem as últimas pedras para um ataque fulmi- nante ao Irão. Uma agressão militar delineada desde 1995, como comprovam documentos do Comando Central dos EUA. Mais: um total de sete nações “hostis” (Iraque, Irão, Síria, Líbano, Líbia, Somália e Sudão), preenchendo um “roteiro” para cinco anos, estavam já na mira do Pentágono após a ope- ração afegã, segundo as insuspeitas palavras do general Wesley Clark ao Winnig Modern Wars. (Pág. 13) SUPLEMENTO PO O PCP, a PIDE e a homossexualidade SÃO JOSÉ ALMEIDA Cartas de um preso político a sua filha ANA BARRADAS O PCP ao tempo da ditadura ÂNGELO NOVO O que são os “mercados” ANTONIO DOCTOR É urgente mudar de carreiro! PROFESSORES Tendo em conta a greve geral de 24 de Novembro e agora, decor- ridos escassos dias, este contra- ataque governamental da “refor- ma curricular”, as altas cúpulas da FENPROF neste momento já deveriam ter feito a única coisa que se impunha: romper o ciclo envenenado das reuniõezecas coreográficas na 5 de Outubro. Deviam virar-se para as escolas e para a classe docente, propondo-lhe e decretando greve às avaliações e exames, e, até lá, greves regionais rotativas, culminando no 2º período em massivas greves nacionais. (Pág. 8)

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Política Operária

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Fundador: Francisco Martins Rodrigues NOVEMBRO / DEZEMBRO 2010 Nº 127 3,00

Não há crise do Estado

Às medidas de austeridade seguem--se agora os ataques abertos dos pa-trões aos salários e pelos despedi-mentos-porque-sim.Sem confrontos violentos, o PS lá vaiajeitando a crise à sua maneira, ten-tando salvar a pele antes das elei-ções, objectivo difícil, mesmo semuma oposição firme à esquerda.O impasse financeiro destes doisanos encontra assim caminho paraser ultrapassado à custa de um longacrise fiscal que está a ser suportada,e aparentemente por muito tempo,pelas classes subalternas.Em vez de se resolver em proveitodos trabalhadores, a crise tem servi-do para os capitalistas comprimiremo custo da força de trabalho e reduziro poder dos produtores. A reprodu-ção das relações capitalistas, pesemos sobressaltos, segue o seu curso.A pauperização de segmentos declasse cada vez mais amplos é reco-nhecida pela própria burguesia comoum preço a pagar, um fardo a supor-tar, sem solução à vista, abrangendoagora sectores que tradicionalmen-te tinham o emprego e o salário ga-rantidos e se vêem esmagados pelasdificuldades económicas.As reacções visíveis às medidas go-vernamentais continuam a ser enca-beçadas pelos reformistas e expri-mem-se por imponentes manifesta-ções que tanto revelam o desejo deresistência do movimento como asua falta de autonomia e capacidadepara pressionar as cúpulas sindicaise partidárias a romper com a paz so-cial e mobilizar amplos sectores aimpulsionar por baixo uma crise dogoverno, de forma a impedir umavitória eleitoral da direita que nestemomento se afigura inevitável.O caminho não é criar a ilusão deuma espécie de comunidade de lutaatravés do exercício da força paraassim criar novas relações sociais. Aatomização e o isolamento não seremedeiam com rebeliões urbanas.Nesta fase, os esforços dos que que-rem acabar com este regime têm deestar centrados nos locais de traba-lho e contra o patronato, que domi-na as relações de produção e usaem seu proveito as medidas de Esta-do contra os trabalhadores. Tudo oresto é acessório.

NÃO VOTAMOS!

Sem um candidato com um programa popular, não há nada a disputar. Ganhe

quem ganhar, a burguesia já venceu. Por isso, o melhor resultado para os traba-

lhadores e os deserdados deste país será uma grande abstenção. Uma abstenção

que cause incómodo e amesquinhe a vitória do vencedor.

Os factos não deixam margem a dúvidas: os EUA

dispõem as últimas pedras para um ataque fulmi-

nante ao Irão. Uma agressão militar delineada desde

1995, como comprovam documentos do Comando

Central dos EUA. Mais: um total de sete nações

“hostis” (Iraque, Irão, Síria, Líbano, Líbia, Somália

e Sudão), preenchendo um “roteiro” para cinco

anos, estavam já na mira do Pentágono após a ope-

ração afegã, segundo as insuspeitas palavras do

general Wesley Clark ao Winnig Modern Wars.

(Pág. 13)

SUPLEMENTO PO

O PCP, a PIDE e ahomossexualidade

SÃO JOSÉ ALMEIDA

Cartas de um presopolítico a sua filha

ANA BARRADAS

O PCP ao tempoda ditadura

ÂNGELO NOVO

O que sãoos “mercados”

ANTONIO DOCTOR

É urgente mudarde carreiro!

PROFESSORES

Tendo em conta a greve geral de24 de Novembro e agora, decor-ridos escassos dias, este contra-ataque governamental da “refor-ma curricular”, as altas cúpulas daFENPROF neste momento jádeveriam ter feito a única coisa que se impunha: romper ociclo envenenado das reuniõezecas coreográficas na 5 deOutubro. Deviam virar-se para as escolas e para a classedocente, propondo-lhe e decretando greve às avaliações eexames, e, até lá, greves regionais rotativas, culminando no 2ºperíodo em massivas greves nacionais. (Pág. 8)

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Colaboraram neste número: Ana Barradas, Ângelo Novo, Anjo TorresCortiço, António Barata, Antonio Doctor, José Borralho, Paulo JorgeAmbrósio, São José Almeida

Propriedade: Cooperativa Política Operária

Correspondência: Apartado 1682 - 1016-001 LISBOA | TM: 960 135 270 |

Periodicidade: Bimestral | Tiragem: 1100 exemplares

Publicação inscrita na DGCS com o número 110858

ASSINATURAS

5 números 10 números 5 números(1 ano) (2 anos) (apoio)

Continente e Ilhas 12,50 • 25,00 • 25,00 •Europa 17,50 • 35,00 • 35,00 •Resto do Mundo 20,00 • 40,00 • 40,00 •

Pagamento por cheque ou vale de correio em nome de POLÍTICAOPERÁRIA e endereçado, Apartado 1682, 1016-001 LISBOA, ou por

transferência bancária para o NIB 0033 0000 4535 4654 3330 5

}

}

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2 | NOVEMBRO / DEZEMBRO 2010

PRESIDENCIAIS – O MELHOR RESULTADO: UMAFORTE ABSTENÇÃO – Soares mostrou como pode ser-seafilhado da direita e padrinho de uma esquerda esfarra-pada. Para tal, basta explorar as fraquezas da luta popular,podendo então encaminhar-se com equilíbrio e pondera-ção nos meandros da política nacional. Foi este o milagredo soarismo. Nestas eleições, Soares volta a ser o únicocandidato sério a supervisor dos negócios do capital.Não existe uma corrente revolucionária independente ca-paz de aproveitar uma campanha reformista para intervire jogar com a táctica do voto crítico. Sem forças para tal,qualquer veleidade nesse sentido seria perfeitamente inó-cua, servindo apenas o reformismo.

DIGAMOS NÃO À GUERRA DO GOLFO ANTES QUESEJA TARDE DEMAIS! – Que guerra é esta que Bush eThatcher reclamam em nome da defesa da “cultura oci-dental”? É uma reles cruzada pelo controlo do petróleo epela subjugação dos povos árabes.A ocupação do Kuwait pelo Iraque foi só o pretexto. Éanedótico pôr o mundo em pé de guerra pelo Kuwait quan-do estão em aberto as agressões sobre a Palestina, Líbano,Granada, Afeganistão, Camboja, Timor, Angola, Moçambi-que, Tunísia, Chade…Não precisamos que nos digam que Saddam Hussein éum ditador sem escrúpulos. Já o era quando americanos,russos e franceses o apadrinhavam, usando-o contra o Irão.Querem castigá-lo porque lhes fugiu ao controlo. Masessa ditadura é o povo iraquiano que terá de ajustar contascom ela, não os exércitos ocidentais que ninguém investiuna missão de polícias do mundo.

RESPOSTA AOS COMUNISTAS AMERICANOS – Trotskye outros oposicionistas tinham uma percepção aguda dadoença da burocratização, faziam críticas certeiras aooportunismo da política externa, mas não tinham nenhu-ma alternativa global porque partiam das mesmas premis-sas económico-sociais que Staline. Essa a razão por queficaram politicamente desarmados quando o “novo Bona-parte”, em vez de entregar o poder à burguesia como elesprediziam, se lançou contra ela e realizou o “socialismonum só país”. Staline levou a melhor sobre Trotsky, Zino-viev e Bukarine não por ser mais “astuto”, mas por terinterpretado melhor as necessidades nacional-burguesasque se escondiam sob o slogan do “avanço para o socia-lismo”.

Na PO 26, Novembro / Dezembro de 1990:

- Crise do Golfo - “Nem um soldadopara os lucros das multinacionais!”- Tropas dos EUA fora do Golfo!- Tudo vai bem na Albânia...- URSS - As cem flores- Eleições na Guatemala - O massacresegue dentro de momentos- Filipe Gonzalez mata presos políticos- Bulgária - Governo à espera de serderrubado- Debates no campo de concentração

EM JEITO DE CRÓNICA

A nível nacional há a assinalar a grevede 24 de Novembro, que em Coimbraatingiu a maior adesão entre os trabalha-dores da Câmara Municipal, incluindo ostransportes, as escolas (professores e fun-cionários), hospitais e centros de saúde.Isto é, funcionários públicos e camarários.Os trabalhadores do sector privado jáquase não existem ou estão desemprega-dos (cerâmica, têxteis, metalúrgicas, in-dústria alimentar) já que quase todas asempresas fecharam.

A 29 e 30 de Novembro realizaram--se as eleições para a Associação Acadé-mica da Universidade de Coimbra. Venceua lista T (PS) com maioria absoluta – 4299votos. Em segundo lugar ficou a lista R(FER/BE), com 550 votos, e em terceiroa lista A (PCP), com 346 votos. De regis-tar que 470 foram votos brancos; que oCDS, PSD e PCTP/MRPP, que costuma-vam apresentar listas, não concorreramdesta vez; e que só votaram cerca de 6000estudantes num universo de 22 mil.

A nível internacional há a assinalar avitória eleitoral dos nacionalistas da Cata-lunha e do PC da Moldávia, que enfrentauma aliança de três partidos da direita tra-dicional. No Haiti, a últimas notícias indi-ciam uma vitória de um cantor, com 37%dos votos, pelo Partido da ResistênciaCamponesa, seguida da viúva de um ex--candidato conservador pró-americano,com 31%, e em terceiro lugar o candidatodo sistema, do Partido da Unidade (social--democrata).

De registar as provocações americanasà Coreia do Norte, Cuba, Venezuela eEquador, a morte de Abraham Serfaty,marroquino que passou 17 anos preso e 8exilado em França, e que tinha cindidocom o PC (revisionista) de Marrocos ecriado uma nova organização marxista--leninista chamada Avante, com algumaimplantação na União Nacional dos Estu-dantes Marroquinos.

A. Vinhas – Coimbra

E NÓS, CORRUPTOS,

ESPECULADORES, SANGUESSUGAS,VIGARISTAS E ETC,

AGRADECEMOS PELO

SEU DINHEIRO!!

O C O M B AT E À C R I S E

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NOVEMBRO / DEZEMBRO 2010 | 3

O problema do capitalismo português é que a sua

expansão inegável depois da entrada na zona euro

fez-se em simultâneo com o desmantelamento da estru-

tura económica tradicional do país, que assim perdeu

grande parte da sua indústria e agricultura, tornando-se

mais dependente do exterior — tendência não isolada,

porque corresponde ao que se passou em todas as

economias capitalistas europeias menos desenvolvidas

e serve os intuitos da hegemonia franco-alemã.

Este tipo de “crescimento” estagnou depois do im-

pacto inicial da recessão global. Em Portugal apenas o

sector bancário beneficiou da nova situação, porque

não só viu garantidas as condições da sua sobrevivên-

cia, graças ao apoio do Estado, como, sendo Portugal

um anão financeiro, apenas marginalmente esteve ex-

posto aos activos tóxicos.

A crise das finanças do Estado português está rela-

cionada com os traços específicos da dominação bur-

guesa sobre toda a sociedade. O governo mal conse-

gue ter mão no descalabro por várias razões:

1º - O patronato, sobretudo o pequeno e médio,

entrega-se a uma evasão fiscal generalizada para so-

breviver numa economia pouco concentrada e mal

gerida segundo os padrões do mercado mundial.

2º - O sistema de protecção social já era frágil e

está ainda mais depauperado, embora continue aberto

a atropelos e abusos de todo o tipo — não dos mais

pobres, como tenta fazer passar a direita, mas dos que

têm meios para o contornar com fraudes de milhões.

3º - O sector público, burocratizado e pouco efi-

ciente, dificilmente pode ser reformado por estar pre-

sente em inúmeras camadas e estratos sociais que são

base de apoio dos partidos dominantes, a começar

pelos boys do PS.

Por conseguinte, as “reformas estruturais” têm de

ser feitas à custa da massa dos contribuintes pela subida

de impostos sobre os trabalhadores, pela retirada de

regalias sociais e o embaratecimento do custo da mão-

-de-obra.

O peso da dívida pública, das derrapagens orça-

mentais e dos desequilíbrios internos e externos, tra-

duzidos em taxas de juro impostas pelos bancos cen-

trais ao Estado como se este fosse um capitalista indi-

vidual com custos que se repercutem sobre a população,

indica que esta crise não é uma tempestade passageira,

mas um episódio que se prolongará no tempo, com

desfecho ainda imprevisível. Entretanto muitos

acontecimentos se podem produzir.

Mas uma coisa é certa: como representante supre-

mo da classe dominante, o Estado tem o monopólio do

mercado interno e pode lançar o seu défice orçamen-

tal sobre a sociedade em geral. Diz-se que os Estados

não abrem falência e é verdade, porque nós é que

estamos falidos. Mas há excepções na história: a mo-

narquia soterrada pela Revolução Francesa de 1789 e

o czarismo russo, varrido pela Revolução de Outubro

em 1917.

Pesem embora todos os abusos do poder, a crise

produtiva, fiscal e financeira do Estado português deixa

este e o patronato em maus lençóis, porque indicia

uma nova crise social de dimensões perigosas para

ambos. Abriram uma guerra contra os trabalhadores

que estes poderão considerar inaceitável. Uma luta

política generalizada em defesa dos salários e contra

todos os patrões, incluindo o Estado, encabeçada auto-

nomamente pelos sectores mais determinados e cons-

cientes — e não cozinhada nos gabinetes dos sindicatos

e partidos reformistas, que já mostraram o que valem

— poderia impor uma séria derrota à ofensiva capita-

lista.

Estado dos patrões

2010 chega ao fim com o país mergu-lhado numa profunda crise económica,com a classe dominante desorientada esem qualquer alternativa que não seja ade ir aplicando as directivas da EU parasalvar o euro com o zelo de que é capaz.E com uma certeza: 2011 será ainda pior.

Mais que saber se chegámos aqui porcausa deste ou daquele governo, ou se aculpa é do PS ou do PSD, de Sócrates eGuterres ou de Cavaco e Barroso, interes-sa perceber que faliu o modelo de desen-volvimento e crescimento seguido portodos os governos desde a adesão de Por-tugal à União Europeia e ao euro. Estemodelo foi unanimemente aceite e defen-dido por todas as classes e camadas daburguesia e contou com larga aceitaçãopopular. A onda cavaquista que varreu opaís nos anos 80 e 90 correspondeu defacto a uma profunda transformação dopaís, tanto económica como na sua com-posição de classe – desapareceram asindústrias pesadas e com elas as grandesconcentrações operárias, a agricultura eas pescas tornaram-se pouco mais queresiduais, e com isso cresceu a dita classemédia e os sectores de serviços alimenta-dos por uma prosperidade que não duroumais de uma década. Com a torneira doseuros a jorrar milhões de euros, o paísconvenceu-se que ia ser sempre assim,que os fundos seriam eternos e o “capita-lismo popular” uma realidade. O “comu-nismo” estava morto e enterrado, tal co-mo as ideologias. Os poucos que se atre-viam a dizer o contrário eram olhadoscom desdém ou como mentes empeder-nidas e fossilizadas, ainda agarradas a uto-pias que tinham redundado em coisas te-nebrosas.

Passado um quarto de século, os fun-dos secaram, o “capitalismo popular”revelou-se uma fraude e as ideologias per-manecem. O fosso entre ricos e pobresalargou-se, e com ele a miséria. Em vezda paz e da felicidade prometidas porMário Soares, Cavaco Silva, Freitas doAmaral e outros, o país encontra-se denovo envolvido em aventuras militares,agora ao serviço do braço armado dosEUA, a NATO, e com uma dívida externatrês vezes superior à sua capacidade paragerar riqueza. O desemprego tornou-se

estrutural e a fome ameaça tornar-se en-démica. O resultado de 25 anos de “re-formas estruturais”, de participação no“projecto europeu” e de moeda única sãoa pior década de desenvolvimento eco-nómico do país e o seu afundamento.

Se já era reduzida a capacidade de ospaíses periféricos e economicamente maisfracos influenciarem os rumos da UniãoEuropeia, agora, com a crise, isso passoua ficção. Governos de países como o nos-so já não são mais que comissões execu-tivas das decisões do Banco Central Eu-ropeu, do Ecofim e das acordadas pelaAlemanha e a França. Bruxelas tornou--se fonte de onde emanam as ideias queiluminam essas comissões executivas nocombate à crise, ideias que estão a pro-vocar profundas rupturas sociais. Daí essefenómeno estranho que é o de vermosgovernos (uns da União Europeia, outrosde países em processo de adesão) quesupúnhamos distantes ideológica e geo-graficamente e com realidades económi-cas e sociais diversas, como o português,o espanhol, o grego, o irlandês, o italiano,o romeno ou o ucraniano, a convergiremexactamente na mesma receita de com-bate à crise: cortar nos salários, nos servi-ços sociais e facilitar os despedimentos,tornando-os mais baratos para o patrona-to, precisamente quando a pauperizaçãoe o desemprego atinge níveis inimaginá-veis. Convergência que só se explica deuma maneira – limitam-se a aplicar o quedo exterior lhes impõem. O que, no casoportuguês, leva à situação curiosa de ver-mos o governo a avançar com medidasmais duras que as pedidas pela direita epelas confederações patronais, para quem(dizem elas) as actuais leis laborais nãoconstituem qualquer obstáculo aos des-pedimentos. Mas como os burocratas daUnião Europeia pensam que se tem demexer nas leis laborais, a comissão execu-tiva chefiada por Sócrates cumpre. Semoutra coisa para oferecer, lá vai animan-do a malta com os grandes argumentosda “vontade” e da “coragem para vencerdesafios”, porque o crescimento econó-mico é uma questão de “confiança”. Equem disser o contrário é “bota-abai-xista”.

ANTÓNIO BARATA

Que aconteceuao “bom aluno”?

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TRAMÓIAS – António Mexia da EDP comprouuma sinecura em Nova Iorque para ManuelPinho, que recebeu três milhões de euros debónus; Aníbal Cavaco Silva e a família tiveramum lucro anual pago pelo BPN de 147,5 % dasacções da SLN; Manuel Dias Loureiro comproupor milhões coisas que desapareceram na SLNe o BPN pagou depois. (Do artigo “Devem-medinheiro” de Mário Crespo, Penthouse, Novem-bro 2010).

TERRENOS VENDEM-SE – A empresa ANA geramais ou menos 50 milhões de euros de lucro porano. Assim sendo, os 40 anos de concessão pre-vistos para o novo aeroporto de Lisboa nuncachegariam para pagar o novo aeroporto. É porisso que o boy do PS Augusto Mateus quer venderos terrenos da Portela à filha do senhor StanleyHo, ou quaisquer outros especuladores imobi-liários, certamente secundados pelas Ordens dosArquitectos e dos Engenheiros. (António MariaCerveira Pinto, resistir.info).

O mês em relanceOS DOIS PORTUGAIS – Todos os dias nosdizem que a crise toca a todos, que a todosprejudica, sejam ricos ou pobres. No entanto,a fria realidade dos números vai em sentidocontrário. Aquilo que as estatísticas nos mos-tram é que há um Portugal que vai a caminhodos três milhões de pobres e onde mais de 60%da população é obrigada a viver com 360 eu-ros por mês e ainda menos. Um Portugal ondeas camadas mais baixas da pequena e da médiaburguesia (as ditas classes médias) caminhampara a pauperização e onde há décadas se deixoude falar ou ter em conta os pobres, aquelesque, não tendo rendimentos susceptíveis deserem colectáveis, é como se não existissem.

E há o outro Portugal, o daqueles que des-conhecem a crise, toda essa cáfila autocráticade dirigentes, directores, administradores, pa-trões, quadros superiores de instituições, insti-tutos e empresas que vivem à pala do Estado.

Números há tempos divulgados pelo Tri-bunal de Contas revelam que a Direcção-Geralde Contribuições e Impostos gastou num re-pasto comemorativo dos seus 160 anos nadamenos que 220 mil euros; a ANACOM 150mil; a CM de Oeiras 90 mil, a Direcção-Geraldas Artes, com a Bienal das Artes de Veneza,13.500 euros num jantar oferecido à comitiva;que a Águas de Portugal resolveu adquirir 150carros topo de gama para renovar a sua frotade 400 carros…

O SANTOE O SEUANDOR –Sá Carneiromorreu tragi-camente há30 anos, víti-ma involun-tária (peloque se sabe)de um ajustede contas entre a direita. Estava-se no rescaldodo golpe do 25 de Novembro, a extrema-direitabombista sentia-se traída e usada pelos aliadosdo PS, PSD e CDS que não quiseram levar ogolpe até ao fim e feito correr sangue de esquer-da. E porque também começava a ver tolhidosos seus negócios secretos, como o tráfico dearmas. O alvo do atentado bombista seriaAmaro da Costa, figura grada do CDS vindado antigo regime e ministro da AD com a pastada Defesa, por pretender pôr um ponto finalno negócio. Sá Carneiro, primeiro-ministrorecém-empossado da Aliança Democrática(PSD-CDS-PPM), teria sido “um dano cola-teral”, como agora se diz.

O estranho é que a efeméride não esteja aser aproveitada para se fazer justiça e esclareceras tenebrosas ligações entre a rede bombista,PS, PSD e CDS, o Grupo dos Nove, os mi-litares salazaristas, essa santa aliança de social-

democratas, liberaise extrema-direitacontra a “bagunça”do 25 de Abril e o“anarco-populismo”.Ao contrário, está aservir para boçaisexercícios de endeu-samento de Sá Car-neiro. Ele sabia e pre-via tudo, tinha con-vicções e era clarivi-dente e infalível.Não aquela pessoa deque temos memória:vaidoso, irascível,autoritário, reaccio-nário e beato, capazde todas as reviravol-tas (um táctico, co-mo agora se diz).Num persistente ti-que herdado do sala-zarismo, não faltamas biografias nem pe-ças “jornalísticas”laudatórias, vendonele o ser providen-cial capaz de por sisó moldar a história.Não tivesse morridoe Portugal hoje seriaoutra coisa e não estamiséria, garantem.Um coro ignoranteque parece ter con-taminado comenta-dores, cronistas ejornais, num exercí-

cio de culto de personalidade.Pode parecer bacoco, e é. Mas não deixa de reflectir

as dificuldades e impasses da direita portuguesa que,sentindo-se ideológica e politicamente falida, sem ideiasnem projecto próprio, se volta para o passado “glorioso”.

A CASTA – O sindicato dos juízes ameaçou ir para agreve e paralisar o sistema judicial se o governo não recuarna intenção de reduzir os salários dos magistrados. Nãoporque esteja contra a ideia de cortar nos salários (dosoutros), mas por considerar que a classe que diz repre-sentar se situa acima da populaça, como uma espécie decasta ou aristocracia a quem tudo é devido – os mais altossalários e reformas do país, as casas pagas, etc.

O que para o sindicato dos juízes é intolerável einjusto não é o estatuto de excepção de que estes gozamnem o facto de cada um deles ganhar mais do que aquiloque ganham dezenas de trabalhadores e reformados, maso facto de poder vir a haver funcionários públicos a ganharmais que eles – disse-o com toda a naturalidade o pre-sidente do sindicato.

Para já, e para que o governo veja que não estão abrincar, o sindicato informou que os juízes vão passar a irpara o trabalho em transporte público, porque o governosó lhes paga o passe social, e não no carro próprio(comprado com dinheiro do Estado) como até agora.Chegam tarde ao trabalho, os processos atrasam-se,paciência…

Cancro incurável“A corrupção evoluiu em Portugal como um fenóme-

no viral. Metastizou as funções do Estado Social, da

justiça, da economia. Em pleno século XXI, o Ministério

Público não tem sequer acesso directo às bases de

dados institucionais, patrimoniais, bancárias e mobiliá-

rias que nos permitam detectar e atacar o fenómeno

em tempo real”. (Maria José Morgado, directora do Depar-

tamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa,

Público, 9/12/10).

Virilidade verbal“As vendas de carros de luxo sobem em flecha (70%

os Porsche, 36% Jaguar, 25% BMW e 23% Mercedes) no

ano da explosão da crise, num país em que mais de 40%

das pessoas são pobres ou estão no limiar da pobreza.

Quando vi que o Governo teve a desfaçatez de criar

uma EP para controlar as grandes obras e as parcerias

público-privadas e está num ritmo recorde de 45 novas

nomeações por semana, deu-me logo vontade de abu-

sar da minha proverbial virilidade verbal e começar a

mandar, a torto e a direito, gente para o carvalho (sem

o v).” (Jorge Fiel, DN Opinião, 9/12/10).

Democracia maçónica“O Almeida Santos fez aquilo que faz sempre: uma

pessoa pode inscrever-se primeiro, mas o Almeida San-

tos só dá a palavra a quem acha. Os que acha que vão

dizer o que não quer que digam só vêm no fim. E no

fim: ‘Isto está tarde, está na hora de jantar’. Isto é uma

máfia que ganhou experiência na maçonaria”. (Henri-

que Neto ao Diário Económico, 5/11/2020).

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Daniel Bessa propõe um programa radical deredução do défice (“défice zero” em 2012), atravésda destruição do Estado social, na entrevista quedeu ao Público, em que proclama: “O Estado socialaniquila a economia”.

Diz também que a solução para a crise nacionalpassa por medidas muito mais drásticas do que asprevistas no OE para 2011. Acha que não chega ogoverno português intervir no mercado de trabalhoe na legislação laboral por pressão da ComissãoEuropeia e do FMI, reconhece que a pressão postasobre o orçamento foi resultado de uma pressãoexterior, e que “soberano já não é ninguém”.

Sobre o SNS, diz que “o país deve lutar atéonde for possível, mas não deve conseguir mantero SNS com a abrangência e com o nível de despesaque temos.”

“Não se compreenderá, em Portugal, a subidado salário mínimo depois de todas as medidas quetêm vindo a ser tomadas”, diz. E acrescenta, refor-çando a sua aversão ao salário mínimo: “Os saláriosem geral não cresceram praticamente desde 2000.O crescimento acumulado da economia na últimadécada também foi miserável. Mas o salário míni-mo foi sempre subindo. Vai havendo mais e maistrabalhadores do sector privado apanhados benefi-

Assessor cavaquistaquer mais cortes

Estudantes protestam

Mais de uma centena de estudantes da Universidade de Aveiro

manifestaram-se a 12 de Dezembro junto da Reitoria, dos serviços de

acção social da Universidade de Aveiro e do Governo Civil em protesto

contra as novas regras de atribuição de bolsas de estudo que, dizem,

“são absurdas, injustas e trazem consigo a exclusão de estudantes do

ensino superior”.

Com as novas regras, cerca de 600 dos 3.300 bolseiros irão perder

as bolsas, que também sofreram uma significativa desvalorização. Muitos

dos atingidos são estudantes em fase final do curso. Há também estu-

dantes a recorrer ao banco alimentar para sobreviver.

Além disso, os estudantes criticam a falta de equidade nos critérios

para atribuição de bolsa e exigem que os créditos relativos a disciplinas

extracurriculares sejam contados de forma a ser-lhes permitido con-

cluir o ciclo de estudo com bolsa e que, para continuar a ter acesso

à bolsa, seja necessário um mínimo de 40% de aprovação nas disciplinas

do ano anterior ou 30 créditos.

ciários do salário mínimo”. Mas que grandes malan-dros, esses aproveitadores do salário mínimo!

De Daniel Bessa, nem uma preocupação comos 600.000 desempregados. Nem uma palavra paraacabar com a má gestão (ele que foi administrador

bancário), contra os interesses privados que usaminvestimentos públicos, ou contra a corrupção.

Este senhor, considerado economista de reno-me, faz parte da Comissão Política da candidaturade Cavaco à presidência da República, que aconse-lha e define a linha política do candidato.

Paulo Portas, o tal que,quando era ministro de Bar-roso, viu as tais provas indes-mentíveis de que SaddamHussein estava na posse dearmas de destruição em mas-sa, quando recentementequestionado acerca das reve-lações da Wikileaks sobre aautorização dos governosportugueses dada aos voossecretos da CIA, assunto emque ele e o seu partido nãopodem deixar de estar impli-

cados, voltou a revelar-se umverdadeiro artista da trapaçapolítica. Sem perder a com-postura, o tradicional sorrisodeu lugar ao ar sério e cir-cunspecto e a habitual ver-borreia à contenção. E, comar de grande estadista, lem-brou que nem ele nem o CDS,pessoa e partido responsáveise com sentido de Estadonunca comentaram nem co-mentarão informações obti-das de forma criminosa. Eponto final…

Portas,o habilidoso

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6 | NOVEMBRO / DEZEMRO 2010

Foram muitos os pronunciamen-tos de circunstância, politicamentecorrectos e expressos no momentopróprio: o Dia Internacional contra aViolência Doméstica, em finais de

Continua violência

contra

a mulher

Novembro. Isso não impediu que, nosprimeiros dias de Dezembro, o Tri-bunal da Relação de Coimbra tenhaindeferido o recurso interposto peloMinistério Público para condenar porviolência doméstica um engenheiroelectrónico que deu duas bofetadasna mulher, professora na Universidadede Aveiro, com quem vivera marital-mente durante 14 anos, em Buarcos,Figueira da Foz.

Na primeira instância, o homemfora condenado pelo crime de ofensaà integridade simples, na pena de 140dias de multa, à razão diária de 7 eu-ros, e ainda no pagamento à ex-mulherda quantia de 500 euros a título dedanos não patrimoniais. Neste recur-so, foi absolvido.

Entretanto, dos milhares de agres-sores, só 21 suspeitos da prática deviolência doméstica são obrigados ausar pulseira electrónica, apesar de odispositivo poder ser aplicado, me-diante decisão judicial, a partir daavaliação de risco feita pelas forçasde segurança, mesmo antes do crime.

Os inquéritos-crime dos proces-sos de violência doméstica duraram

em média 12 meses, “um tempo mui-to longo que significa, em muitos ca-sos, novas agressões”, queixou-se acoordenadora do projecto RebecaRita Braga da Cruz, num estudo sobresituações deste tipo.

Um em cada três casos de violên-cia doméstica levados a tribunal eestudados por uma equipa de especia-listas resultaram em absolvição dosalegados agressores.

A única medida de coacção apli-cada na fase de inquérito foi a míni-ma, ou seja, o termo de identidade eresidência, sendo as restantes a apre-sentação periódica às autoridades e oafastamento da residência da vítima.

Nunca foi utilizado, durante oinquérito, o recurso a declarações paramemória futura, o que evitaria que avítima tivesse de reviver tudo em sedede audiência judicial.

Os arguidos nunca confessarama prática dos crimes de que foramacusados e em oito casos os acusadosjá tinham sido ilibados em tribunalpor acusações similares.

Era já expectável que a livre circulação decidadãos da UE no espaço comunitário fosse limi-tada arbitrariamente pelas autoridades portuguesaspara proteger a cimeira da NATO em Lisboa con-tra visitas indesejáveis, tal é o terror desproporcio-nado que evidenciam contra supostos terroristas.

O que não sabíamos é que os dirigentes doPCP se entenderiam com a polícia de choque paraque cercassem manifestantes de forma a impedi--los de entrar na manifestação de 20 de Novembrocontra a NATO, a pretexto de que podiam ser“violentos”. Além disso, numa atitude sectária einsolente, tomaram como sua essa manifestaçãoanunciada como unitária, ao desfraldarem milharesde bandeiras do seu partido, depois de a direcçãoda plataforma convocadora ter exigido ao Blocode Esquerda e a outras forças que não se apresen-tassem com os seus símbolos identificadores. Evi-denciou assim como é servilmente afecta ao PCP,apesar de usar o suposto aval de subscritores dodocumento inicial contra a NATO, assinado noano passado.

De facto, quando esses manifestantes cerca-dos, quase todos jovens e influenciados por forçasanarquizantes e pacifistas, tentavam aproximar--se da cauda da manifestação para se integraremordeiramente, sem qualquer sinal de violência, vi-ram-se ignorados pelo desfile, que prosseguiu asua marcha deixando-os sós e entregues à repressãopolicial.

Só lhes valeu o movimento espontâneo deumas centenas de manifestantes que, vendo-os aliimobilizados e privados do seu direito de expressão,voltaram atrás e rodearam o cordão de polícia dechoque, exigindo explicações sobre tal cerco e re-sistindo aos empurrões com que a polícia de choqueos procurava repelir. Os “choques” rapidamenteformaram segundo cordão para afastar os dois gru-

É assim que se luta contra a NATO?

pos que protestavam indignados contra a prepotên-cia antidemocrática, sem no entanto o consegui-rem. De facto, foi a pressão deste segundo blocoque impediu os dois cordões policiais de actuar,por terem ficado “entalados” entre uns e outros esem espaço físico para se mexerem. Só ao fim datarde e quando caía a noite, cerca de duas horasdepois – o longo tempo que levou a percorrer aAvenida da Liberdade até aos Restauradores – éque as forças repressivas conseguiram fazer umacarga que dispersou os manifestantes já cansadose cientes de que lá mais para diante já havia muitoterminara a manifestação “bem comportada”.

Este incidente coroou tristemente a persistenteseparação e antagonismo entre os dois blocos po-líticos que se organizaram contra a cimeira daNATO e que até ao fim nada fizeram de sério parase entenderem, apesar de iniciativas nesse sentido

de outras forças participantes dos dois, como foio caso da Política Operária, que no princípio desteano promoveu a primeira reunião apelando a umaunificação.

A ironia suprema deste vergonhoso aconteci-mento é que os chamados “comunistas” já se es-queceram do tempo da ditadura, em que eramreprimidos e podiam contar com a solidariedadede forças antifascistas que muitas vezes os apoia-ram contra a polícia. Pela mão do PCP e com osilêncio de outras formações que ignoraram oincidente e que se deviam indignar com tal baixeza,chegámos ao grau zero da política de esquerda. Éassim que se luta contra a NATO? O PCP e aesquerda reformista mostraram mais uma vez quedeseducam a sua base de apoio na senda da con-tra-revolução. Imagine-se o que seria de fossemeles a mandar…

ANA BARRADAS

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INFORMAÇÃO ALTERNATIVA

Diário Liberdade é um projecto jornalísticoalternativo anticapitalista e anti-imperialista,

virado para a realidade social e as lutas de classesna península Ibérica, América Latina e África de

expressão portuguesa e castelhanawww.diarioliberdade.org

NOVEMBRO / DEZEMBRO 2010 | 7

Os elogios desme-surados acerca da com-batividade, maturida-de e responsabilidadedemonstrada pelos tra-balhadores na grevegeral escondem aamarga realidade: agreve geral foi convo-cada a partir de umaplataforma de luta re-cuada e defensista aque o governo chamouordeira e civilizada,habituado que está àsboas maneiras sindi-cais. Por isso, os resul-tados práticos da grevesão equivalentes auma carta de boas in-tenções; “queremosproduzir, queremoscrescimento económi-co, queremos contri-buir para o desenvol-vimento, porque sóassim pagaremos a dí-vida e o défice” – tal é a plataforma do movimentosindical. Por isso, ao contrário da conclusão refor-mista de que nada será como dantes, dizemos quea mobilização de 24 de Novembro só teria conse-quências positivas para o movimento operário epopular se lhe fosse apontado um plano de lutacontra a exploração que pusesse em causa o planode austeridade contido no orçamento geral doEstado e nos PECs e este fosse revogado (no todoou em parte) e em seu lugar fossem impostas me-didas que obrigassem os governantes a declararimpostos sobre as grandes fortunas, o fim das fugasde capitais para offshores, a imposição de IRC aosbancos como pagam as outras empresas, o fim dasmordomias dos ministros, gestores e equiparados,a imposição de pagamento de impostos e o fim daeconomia paralela, a revogação dos cortes salariaise dos subsídios, a imposição de que todo o desem-pregado tem direito a um subsídio ou um empregocompatível no Estado enquanto não tiver conse-guido novo posto, o fim do congelamento das pen-sões. Então sim! Poderíamos gritar que a grevegeral teve consequências positivas. A questão é de

políticas, e principalmente de vontade de combatero capital. Entretanto, todos os políticos, tecno-cratas e estudiosos das situações de crise e dosmovimentos sociais parecem ter chegado à mesmaconclusão; isto só lá vai com o aumento da pro-dução e com o reforço do aparelho produtivo,com a criação de riqueza e com a regulamentaçãodos apetites vorazes do capital financeiro. ‘Muitobem’! E quem paga a factura? A angústia e a im-potência do movimento operário e popular estáexpressa nesta frase mil vezes repetida por operá-rios e operárias, por assalariados e assalariadas,por funcionários públicos, por efectivos e precá-rios, por todo um povo que se vê tratado comomercadoria pelo governo, pelos ricos e beneficiáriosdo sistema, para quem o mundo é feito de prazere luxo; como vamos sair disto, desta crise querevela a podridão do capitalismo? São precisas maisgreves gerais. Uns, a direita, dizem que devem seros mesmos de sempre a pagar: o proletariado, asmassas pobres e o Estado social. Com mais oumenos nuances, é a opinião do PS-PSD-CDS edos patrões e seus lacaios tecnocratas. O orça-

mento e os PECs aí estão comotestemunhos da política de di-reita. Outros, a esquerda doregime, dizem que o povo con-cordará em pagar a meias a suaparte se a receita for a luta con-tra a recessão, pelo crescimentoeconómico, o reforço e a recom-posição do aparelho produtivo.Essa orientação de meias tintastornou-se bem visível nos de-bates sobre o orçamento atra-vés das posições do PCP e doBE, e mais ainda com a grevegeral convocada pelas duascentrais: a CGTP e a “comba-tiva” UGT. Outros, ainda quemal se ouçam, perguntam: háum capitalismo bom? E res-

pondem: não, não existe, nunca existiu, nem exis-tirá um capitalismo bom em parte nenhuma domundo! E nem poderia ser de outro modo. O ca-pitalismo vive para sacar lucros que arranca dostrabalhadores a quem explora e do circo financeiroem que a usura é o actor principal. O erro dosreformistas é sempre o mesmo; pretendem chegarao “socialismo” através do reforço da economiacapitalista e do regime democrático. Quanto maisreforçam a economia, mais reforçam o capitalismo.Nunca mais lá chegam! O combate dos reformistasé tão estéril como o dos esquerdistas (com pro-clamações inversas) que vêem a revolução ao virarda esquina. Libertários, anarquistas e outros so-nham com outro mundo livre do Estado, dos par-tidos e do trabalho. E depois quem lhes faz a papi-nha? A luta revolucionária pressupõe o atingir deum objectivo (o socialismo) através da revoluçãoproletária das amplas massas organizadas em orga-nismos do seu combate, sindicatos, comissões deluta, comissões de trabalhadores e partidos de van-guarda, revolucionários e comunistas. Precisamosde trabalhar com a táctica, reconhecendo que aeducação dos e das comunistas se faz pela luta dodia-a-dia, combatendo as ilusões parlamentaristasda democracia burguesa, e estudando a forma denos aproximarmos do dia da vitória, sabendo queeste longo processo não tem hora marcada paraterminar. Do que estamos convictos é de que ocapitalismo precisa que lhe aprofundemos ascontradições e não que o ajudemos a superar acrise em que está mergulhado e que faz sangrarainda mais as vidas dos explorados. São precisasmais greves gerais, mobilizadoras e com objectivoscombativos, manifestações descentralizadas e nãoapenas passeatas. É pela via da luta organizada ecombativa que vamos sair disto, que os/as jovens,os homens e mulheres explorados sentirão quevale a pena lutar por uma alternativa ao sistemaque lhes nega o futuro.

JOSÉ BORRALHO

Como sair disto?

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8 | NOVEMBRO / DEZEMBRO 2010

A assembleia-geral da AdegaCooperativa de Tomar decidiu cessara sua actividade a 6 de Novembro,evocando falta de condições para con-tinuar. Os problemas começaram em2004, com a adega – que já foi umadas maiores da região e tem mais de800 sócios – a começar a afogar-seem dívidas e hipotecas devido a mágestão. Os sócios da cooperativa pas-

Não se pode despedi-los?

Orgulho bacocoA dois dias da greve geral, Carvalho da Silva

orgulhava-se na RTP, no programa Prós e Contras,de os trabalhadores portugueses dirigidos pelaCGTP sempre terem travado as suas lutas dentrodo maior respeito pelas leis portuguesas, nuncatendo caído na tentação de as não respeitar, comoo fazem os trabalhadores e os sindicatos pelaEuropa e o mundo fora.

No dia da greve, quem não se comoveu foramos gestores dos CTT, que chamaram a polícia paraagredir o piquete de greve que tentava atrasar asaída das viaturas do correio, nem o dono do super-mercado – que, depois de atropelar duas grevistas,ainda teve o desplante de apontar uma arma àcabeça de outros dois – os gestores das empresaspúblicas de transportes e os tribunais arbitrais queimpediram milhares de trabalhadores de fazer greve

(CP, REFER, etc.),ou ainda os patrõesque pressionaram,ameaçaram e chan-tagearam o mais demeio milhão de tra-balhadores precá-rios, forçando-os atrabalhar.

Também nãoconsta que tal defe-rência tenha sido al-guma vez premiadapela burguesia por-tuguesa que, igual a si própria, continua a acharque os trabalhadores têm demasiados direitos e re-galias, não podem ganhar muito e é preciso baixar-

}

}

} Burlões do BPN – O montantedo desvio atribuído a Oliveira e Costa,Luís Caprichoso, Francisco Sanches eVaz Mascarenhas é de quase 10 milmilhões de euros. Com ele poder-se--ia comprar 48 aviões Airbus A380(o maior avião comercial do mundo)e 16 plantéis de futebol iguais ao doReal Madrid. Ou construir sete TGVsde Lisboa a Gaia, cinco pontes paratravessia do Tejo, três aeroportos co-mo o de Alcochete. Distribuídos pelos10 milhões de portugueses, caberia acada um cerca de 971 euros!

Desemprego recorde – Em 2010,durante os primeiros três trimestres,foram destruídos uma média de 221empregos por dia em Portugal. Quera taxa oficial de desemprego, que nãoinclui a totalidade dos desemprega-dos, quer a taxa efectiva de desempre-go, que abrange um número de desem-pregados mais próximo do desempre-go real existente no país, revelam umatendência muita rápida de aumento.No terceiro trimestre deste ano, a taxaoficial de desemprego atingiu 10,9%,mas a efectiva alcançou 13,5%, umapercentagem nunca antes atingida emPortugal. (Eugénio Rosa, 20/11/2010,resistir.info)

Economistas aterrorizados – NaUnião Europeia, os défices públicossão de facto elevados – 7% em médiaem 2010 – mas muito inferiores aos11% dos Estados Unidos. Enquantoalguns estados norte-americanos comum peso económico mais relevantedo que a Grécia (como a Califórnia,por exemplo) se encontram numasituação de quase falência, os mer-cados financeiros decidiram especularcom as dívidas soberanas de paíseseuropeus, particularmente do Sul. AEuropa, de facto, encontra-se apri-sionada na sua própria armadilhainstitucional: os Estados são obriga-dos a endividar-se nas instituições fi-nanceiras privadas que obtêm injec-ções de liquidez, a baixo custo, doBanco Central Europeu (BCE). Porconseguinte, os mercados têm em seupoder a chave do financiamento dosEstados. Neste contexto, a ausênciade solidariedade europeia incentiva aespeculação, ao mesmo tempo que asagências de notação apostam na acen-tuação da desconfiança. (AssociaçãoFrancesa de Economia Política, Manifes-to dos economistas aterrorizados).

-lhes os salários e pensões, aumentar-lhes a cargahorária, fazê-los trabalhar mais anos, despedi-lossem qualquer razão e serem pau para toda a obra.

saram a depositar as uvas noutras ade-gas da região, por terem deixado deconfiar na gestão da cooperativa.

O encerramento deixa 15 traba-lhadores no desemprego. Mais umavez são eles a pagar os erros dos pa-trões, dado que não há falta de maté-ria-prima para trabalhar. E se os tra-balhadores decidissem despedir osgerentes?

Isto de ser-se sindicalista e de-fensor dos interesses dos trabalha-dores e ao mesmo tempo “respon-sável” e “construtivo” não é tarefafácil. Que o digam os nossos líderessindicais Carvalho da Silva (CGTP)e João Proença (UGT), confronta-dos com a patriótica tarefa de aju-dar a burguesia portuguesa a sairda crise sem ter de passar pelosapertos e dores de cabeça das suascongéneres grega, francesa, italianaou romena. Briosamente devota-dos à tarefa de convencer os traba-lhadores de que só têm a ganharcom um clima de concórdia e pazsocial, porque ganhando os patrõesganhamos todos – como se o capi-tal e trabalho comungassem dosmesmo interesses – meteram om-bros à magna tarefa de conciliar oque por natureza é inconciliável.Questionado sobre o Orçamentode Estado, João Proença esclareceuque “achamos que o OE deve seraprovado na AR, mas porque é ummal menor, uma vez que achamosque é um mau orçamento”; e Car-valho da Silva, que “o que nospreocupa é a resolução dos proble-

mas do país. Há formas diversasde o governo conseguir encontrarcaminhos que viabilizem o OE”.Claro que há, e uma delas foi aposição assumida pelas centraissindicais que dirigem, fingindo queestão contra ele e nada fazendopara impedir a sua aprovação.

Passado menos de um mês, aincensada “greve geral histórica”,a “maior de sempre”, com mais de3 milhões de grevistas, sumiu-secomo se nunca tivesse existido. Ostrabalhadores continuam, uns re-signados, outros a fazer o melhorque podem para conservar os pos-tos de trabalho e um salário aofim do mês, se possível sem cortes.Enquanto os patrões e o governocontinuam na ofensiva e, estando--se nas tintas para greves gerais esindicatos, não passam uma sema-na sem anunciar mais um cortenisto ou naquilo. Agora até já que-rem cobrar IVA sobre as rendascamarárias.

Todos sabem que vêm aí alte-rações à Lei do Trabalho, precari-zando-o ainda mais, facilitando osdespedimentos, reduzindo indem-nizações e o mais que se há-de saber.As centrais sindicais apostam tudono diálogo e na concertação social.Tentam tapar-nos os olhos e passarpor grandes e intransigentes defen-sores dos trabalhadores, enume-ram as patifarias do patronato (enisso a CGTP é imbatível), masmais nada. Nada de vir para a ruaprovocar desacatos, porque (di-zem) juntar à crise económica umacrise política é mau para a econo-mia nacional e para o país. E assimlá encaminham os trabalhadorespara novo desastre, acentuando asua crise de confiança e desorien-tação política.

Os ilusionistas

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NOVEMBRO / DEZEMBRO 2010 | 9

Tendo em conta a greve geral de 24 de No-vembro – que também na educação teve o impactoinegável de escolas fechadas, muito por acção dosauxiliares – e agora, decorridos escassos dias, estecontra-ataque governamental da “reforma curricu-lar”, as altas cúpulas da FENPROF neste momentojá deveriam ter feito a única coisa que se impunha:romper o ciclo envenenado das reuniõezecas coreo-gráficas na 5 de Outubro.

Deviam virar-se de vez, de cara levantada,para as escolas e para a classe docente, auscultando--a, propondo-lhe e decretando greve às avaliaçõese exames, e, até lá, greves regionais rotativas, cul-minando no 2º período em massivas greves na-cionais. De vários dias, obedecendo a um planoglobal e coerente de resistência ao esbulho de direi-tos, alguns com mais de 60 anos. Plano com objec-tivos claros, referendados pela classe. Aliás, planoque até já começou a ser esboçado e construído,pois foi aprovado na última Assembleia Geral deSócios do SPGL, proposto pelo Grupo de Sindi-calistas Independentes - Autonomia Sindical.

Mas as direcções sindicais… nada!, como sepode ver com o veto político que a comissão exe-cutiva do SPGL impôs à concentração aprovadaunanimemente pelos seus órgãos de precários parao dia da greve geral… e que acabaria por ser mesmorealizada por estes e por cerca de 30 precários semo apoio das cúpulas sindicais. Estas preferem man-

É urgente mudarde carreiro!

quejar hipnoticamente,de protocolo em memo-rando e de memorandoem acordo.

Aliás, é óbvio quetambém a moleza dasformas de acção da reso-lução do último conse-lho nacional daFENPROF adubou oterreno, de molde a quenele crescesse este assal-to do ME, que, atravésde uma pretensa “refor-ma curricular”, destruiráde uma só penada e deforma irreversível maisde 12 mil postos de tra-balho docente, na suamaioria de contratados,a somar aos 30 mil já cal-culados que serão sub-traídos em 2011, mercêdos PECs e do orçamen-to de Estado.

Perante a dimensãoda agressão, era necessário retomar as greves, voltara encher as ruas com 120 mil. Contudo, esse tempofoi reduzido ao pó da memória histórica, irreme-

diavelmente engolidona madrugada de 8 deJaneiro deste ano, nasede do ministério daEducação, por via deassinaturas colocadasem papel molhado, dealgumas migalhas e...da perda dos profes-sores, por parte dos

sindicatos subscritores do acordo.O sindicalismo reformista de acompanhamen-

to e conciliação cumpre ordeiramente o seu papelde regulador do próprio sistema.  No meio distotudo, pobres professores! A não ser que mudemde rumo e procurem outros carreiros, estarão no-vamente desarmados, à mercê da alcateia esfaimadade Sócrates, Teixeira dos Santos & Alçada.

A carnificina segue dentro de momentos... e asopa dos pobres espera muitos milhares de colegastalvez já para o ano.

 PAULO JORGE AMBRÓSIO

NOVIDADE DINOSSAURO

O SEGREDO DE CONCEIÇÃOCândido Gonçalez Ferreira

Três peças tão diferentes, este

teatro com as suas cerveji-

nhas, autoridades, parises e

pides, meias de nylon, conspi-

rações, linhas justas e Lojas

das Meias, hipermercados e

roubos, cafés e maoísmos em

Paris-de-França já depois de

Maio de 68, este teatro, com

os seus enganos e segredos, é

o subterrâneo por baixo das

casas da salazarista “comé-

dia à portuguesa”, enquanto

lá em cima, no andar nobre

dos prédios da Almirante Reis,

se namorisca Rainhas da Rádio, e cá em baixo, a vida era

difícil, desbragada, divertida, corajosa, complicada, cheia

de trafulhas e gente com esperança, pois melhores dias

virão. (Jorge Silva Melo , do prefácio).

200 páginas - Preço: 16,05 euros

Dezenas de trabalhadores daCâmara Municipal de Lisboa con-centraram-se frente à sede do muni-cípio a 14 de Dezembro, protestandocontra a proposta de estruturaçãodos serviços camarários que o presi-dente Carlos Costa há muito pre-tende fazer aprovar pela AssembleiaMunicipal. A proposta prevê a alie-nação e a contratação a privados devários serviços actualmente presta-dos pela autarquia, o que, além depoder vir a contribuir para o agrava-mento das despesas camarárias, iráprovocar a eliminação de muitos pos-tos de trabalho. Os trabalhadores,que há muito se opõem a este plano

Em defesa dos postosde trabalho

e duvidam que ele contribua para aredução do défice da autarquia, apro-varam em plenário uma moção exi-gindo que sejam os serviços camará-rios a assegurar o saneamento, o fun-cionamento e a manutenção dos mu-seus, dos palácios, das galerias e ate-liês, da unidade de educação e dosrefeitórios, opondo-se a que estessejam adjudicados a privados ou àsfamigeradas empresas municipais,verdadeiros sorvedouros das finan-ças públicas cuja utilidade conhecidaé, na maioria dos casos, a de distri-buir tachos e sinecuras a ex-autarcas,assessores e demais gentinha que giraem torno dos partidos.

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10 | NOVEMBRO / DEZEMBRO 2010

Extradiçõese jogo diplomático

O conflito colombiano está cada vez mais interna-cionalizado. Vários factos recentes o demonstram: porum lado, os pedidos de extradição de militantes deesquerda de vários países por supostos vínculos comas FARC-EP; por outro lado, a negação por parte doTribunal de Estrasburgo da extradição do conotadomercenário israelita Yair Klein; por último, temos oasilo conseguido no Panamá para a ex-directora doDAS, María del Pilar Hurtado, que denuncia uma ima-ginária caça às bruxas do Tribunal Supremo contra si.Em todos os casos, o mais notável do actual contexto éque tanto o imperialismo como o Estado colombianoprocuram avançar para um cenário de maior persegui-ção dos sectores de oposição ou de simpatias revolucio-nárias em todo o mundo, ao mesmo tempo que se re-força a tendência para a impunidade pelos crimes dobloco no poder na Colômbia.

Tal é o caso do pedido de extradição para a Colôm-bia do militante comunista chileno e membro do Movi-miento Continental Bolivariano Manuel Olate, graçasa “provas” sem base jurídica, como são os supostosarquivos do ultramanipulado supercomputador do fa-lecido comandante das FARC-EP Raúl Reyes e a suasimpatia pela causa insurgente na Colômbia, como seexistisse a figura legal do delito de opinião.

Manuel Olate não é o primeiro estrangeiro que pro-curam extraditar mediante supostas provas: mais dedois anos antes, em 2008, com a chamada “OperaçãoCali”, a espanhola María Remedios García foi presapor ser uma das supostas ligações das FARC-EP na Eu-ropa. Da mesma maneira, um número de cidadãos espa-nhóis, italianos, dinamarqueses e australianos estiveramna mira por ser, segundo o paranóico Estado colom-biano, as “figuras-chave” das FARC-EP na Europa.

(…)Por outro lado, não são apenas os regimes da direita

política a colaborar com esta política de perseguiçãotransnacional. Hugo Chávez, na Venezuela, extraditourecentemente três supostos guerrilheiros do ELN e dasFARC-EP para a Colômbia. Esta não é a primeira vezque o governo da Venezuela extradita presumíveisguerrilheiros para a Colômbia, onde não têm possibili-dade de julgamento imparcial e onde enfrentarão todoo tipo de torturas. Para nomear apenas alguns casos,um presumível guerrilheiro do ELN foi extraditadoem 2001 e 5 presumíveis guerrilheiros também do ELNforam extraditados en Maio de 2009, por meio de váriasoperações conjuntas na fronteira colombo-venezuelana.Não é a primeira, nem será a última. Segundo parece,cada vez que Chávez tenta melhorar as relações com aColômbia (e ao mesmo aplacar a estridência do imperia-lismo contra si), sente-se obrigado a sacrificar algunsdesgraçados para fazer prova de “boa fé”. Neste caso,estes três in-surgentes se-riam moeda detroca para aextradição pa-ra a Venezuelado narcotra-ficante WalidMakled, queChávez pro-curava haviatempo.

(José Antonio Gu-tiérrez D., www.anarkismo.net/article/18186)

Palestina, lixeira de Israel?

Os crimesdo capital I

Estima-se que 100 mil minas e outrosengenhos explosivos se encontram espa-lhados pelo mundo. São 70 os países comterrenos contaminados devido ao uso deminas e outros explosivos, e 110 aquelesonde se registaram vítimas.

Os crimesdo capital II

As catástrofes naturais indirectamen-te provocadas pelo desenvolvimento capi-talista não cessam de aumentar. Em 2008,registaram-se 324, que vitimaram 235 milpessoas e afectaram outros 214 milhões.Em Agosto de 2010, as inundações noPaquistão provocaram o deslocamento de17 milhões de habitantes, a maioria cam-poneses.

Os deslocados paquistaneses em re-volta, aos milhares, manifestam-se nasruas, cortam estradas, assaltam camiões earmazém para poderem sobreviver. Estão

sujeitos à servidão e ao feudalismo – assegu-rados por milícias privadas que recorrem àviolência para manter este estado de coisas eimpedir à nascença qualquer reivindicaçãode reforma agrária – e vêem toda a produção,a sua distribuição e a recolha de impostoscontroladas por uma casta de funcionáriosprivilegiados. Na tentativa de prevenir estesataques, o governo cercou os campos de des-locados que sobreviveram à inundações, paraonde enviou polícia fortemente armada, trans-formando-os em campos de concentração.

Lei da balaOs mineiros zambianos que trabalhavam

para a multinacional chinesa Collum CoalMine entraram em greve no fim de Outubro,exigindo que lhes fossem pagos 11 dias detrabalho, referentes a Setembro, por a empre-sa ter declarado o layoff. Revoltados, ataca-ram os quadros chineses, que responderam atiro, ferindo 11 operários.

As condições de trabalho na mina sãobrutais, como a repressão patronal: em 2005uma explosão matou 46 mineiros; em 2006,durante uma greve por aumentos salariais, 6operários foram feridos a tiro. Actualmenteos seus salários são o equivalente a 60 eurosmensais.

72 operários palestinianos entraramem greve, no final de Outubro, exigindoque fossem adoptadas as medidas de segu-rança necessárias à salvaguarda da saúde eao bem-estar da população de Tulkaren,postas em perigo devido à entrada emfuncionamento de uma fábrica de produ-tos químicos israelita, deslocalizada deIsrael com o objectivo de escapar às leisantipoluição em vigor no Estado sionista.

A fábrica encontra-se em NitzaneiShalom, uma zona industrial entre a cida-de cisjordana de Tulkarem e a fronteiracom Israel, em terra que foi expropriadapelo militares israelitas nos anos 80 paraaí criarem um local para as fábricas de

produtos perigosos, ilegais em Israel. É ocaso, por exemplo, de outra fárica altamentepoluente, a Gesur Industries, que produzvenenos, insecticidas e fertilizantes. Origi-nalmente localizava-se na cidade israelita deKfar Saba. Quando em 1982 um tribunal adeclarou um perigo para a saúde pública eordenou o seu encerramento, o proprietáriocontornou as leis ambientais de Israel e trans-feriu a fábrica para Nitzanei Shalom.

Dois exemplos de práticas correntes, ajuntar a tantas outras, como despejar os esgo-tos provenientes dos colonatos nas zonashabitadas por palestinianos ou privá-los doacesso à água potável.

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Quem tem medoda verdade?

A WikiLeaks tem uma história de publicação de quatroanos. Durante esse tempo, mudámos governos inteiros e nemuma só pessoa, que se saiba, foi maltratada. Mas os EUA, coma conivência do governo australiano, mataram milhares só nosúltimos meses.

O secretário da Defesa dos Estados Unidos Robert Gatesadmitiu numa carta ao Congresso dos EUA que nenhumasfontes de informação ou métodos sensíveis tinham ficado com-prometidos pela revelação dos diários de guerra afegãos. O

Pentágono afirmou que não havia nenhuma prova de queos relatórios da WikiLeaks tinham levado alguém

a ser maltratado no Afeganistão. A NATO emCabul disse à CNN que não pôde encontraruma só pessoa que precisasse de protecção. ODepartamento de Defesa Australiano disse omesmo. Nenhumas tropas australianas ou

fontes foram prejudicadas por nada que tivéssemospublicado.

Mas as nossas publicações estão longe de ser insignificantes.Os telegramas diplomáticos dos EUA revelam alguns factosalarmantes:

Os EUA pediram aos seus diplomatas que roubassemmaterial humano pessoal e informação a funcionários da ONUe a grupos de direitos humanos, incluindo ADN, impressõesdigitais, exames de íris, números de cartão de crédito, palavras-

-passe de Internet e fotos de identifi-cação, numa violação de tratados in-ternacionais.

O rei Abdullah da Arábia Sauditapediu que os representantes dos Esta-dos Unidos na Jordânia e no Bahrainexigissem que o programa nuclear doIrão fosse detido por qualquer meiodisponível.

O inquérito britânico sobre o Ira-que foi ajustado para proteger os “in-teresses dos EUA”.

A Suécia é um membro encobertoda NATO e a partilha de informaçãode espionagem dos EUA é escondidado parlamento.

Os EUA estão a jogar duro paraconseguir que outros países recebamdetidos libertados da baía de Guan-tánamo. Barack Obama concordouencontrar-se com o presidente eslo-veno apenas se a Eslovénia recebesseum preso. Ao nosso vizinho doPacífico Kiribati foram oferecidosmilhões de dólares para aceitar de-tidos.

No acórdão no caso dos Docu-mentos do Pentágono, o SupremoTribunal dos EUA disse que “só umaimprensa livre e sem restrições podeexpor eficazmente as fraudes do go-verno”. A tempestade que gira hojeem torno da WikiLeaks reforça a ne-cessidade de defender o direito de to-dos os meios de comunicação a re-velar a verdade.

JULIAN ASSANGE,(The Australian, 7/12)

TORTURA-SE EM ESPANHA

Entre 2000 e 2008, o Ministério do Interior espa-nhol quantificou em 1231 as pessoas relacionadas coma ETA detidas, das quais, pelo menos, 957 estiveramincomunicáveis. Destas, 634 alegaram ser tortu-radas, mas “só” 446 interpuseram denúncias judiciais.Segundo afirma Jorge do Cura, porta-voz da Coorde-nadora para a Prevenção da Tortura (plataforma de40 organizações de direitos humanos) “destas 446 de-núncias, só os casos de Maite Orue, Igor Portu e MattinSarasola chegaram a ser julgados, ainda que outrosestejam em fase de instrução”. (www.diagonalperiodico.net,1/12).

CADEIA COM ELES

Economistas como Joseph Stiglitz e George Ake-lof vêm dizendo durante os últimos meses e em repe-tidas ocasiões que “é impossível resolver a crise econó-

mica sem que os criminosos que cometeram fraudesestejam na cadeia”.

O Nobel de economia George Akerlof criticouque não se castiguem os delinquentes de colarinhobranco e que se facilite com as novas medidas económi-cas as condições para cometer este tipo de delitos, oque provocará maior destruição da economia no fu-turo.

O também Nobel de Economia Joseph Stiglitzdenuncia que o sistema está concebido para fomentaresse tipo de coisas, e que as pessoas que tiveram amaior responsabilidade na situação actual não estão aser sancionadas, e ainda que os multassem com 5% ou10% dos lucros que obtiveram, continuariam a viverem luxuosas casas e com centenas de milhões de dóla-res. (www.larepublica.es)

MUDARAM AS MOSCAS...

Obama “agora está a reactivar a guerra contra o‘terrorismo’, o seu governo não avançou em matériade direitos e está a alargar as leis repressivas, a sobre-vigilância electrónica, a classificação de informaçãocomo segredo de Estado e outras práticas que são umperigo para os cidadãos e os imigrantes nos EstadosUnidos, e porque a extensão do poder militar destepaís sob o manto da guerra contra o terror é um perigopara o mundo”, declarou o advogado DouglasVaughan, veterano jurista e investigador estado-uni-dense que participou em Madrid num seminário daAssociação Livre de Advogados. (www.diagonalperiodico.net, 1/12).

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A jovem guerrilhacamponesa fortalece-se

PARAGUAI

Os camponeses paraguaios são vítimas há dé-cadas de todo o tipo de perseguições e assassinatos,cometidos tanto pela polícia, como pelos parami-litares contratados pelos latifundiários. Os cam-poneses pobres, sem terra, ou com propriedadesaté 5 hectares (6,2 milhões de pessoas) são 42,6%da população e quase metade são mulheres. Oslatifundiários, 1% da população, detêm 77% daterra. 32% da população é pobre, 15% vive empobreza extrema e sofre de desnutrição. A maiorianão tem acesso à educação, sendo o Paraguai odetentor do mais elevado índice de analfabetismodo continente americano. O quadro é semelhanteno que se refere a cuidados de saúde.

Em 2006 começaram a constituir-se no nortedo Paraguai, principalmente nas regiões que nosúltimos 50 anos têm sido bastiões das lutas campo-nesas (Concepción, San Pedro Caaguazú), gruposde autodefesa formados por militantes clandestinose jovens camponeses porque, segundo um dirigenterural de San Pedro, “até há pouco os camponesesapenas se defendiam dos atropelos, só faziam de-núncias por rádio ou através de organismos dedireitos humanos. Porém, o Ministério Públicodesvalorizava essas denúncias e nunca se fazia jus-tiça.” Dos grupos de autodefesa à criação nessemesmo ano do EPP, Exército do Povo Paraguaio,que começou por desenvolver acções para recolhade armas e dinheiro, foi um pequeno passo. Depois,em Março de 2008, passaram a incendiar as máqui-nas agrícolas dos latifundiários e a raptá-los, só oslibertando em troca de grandes quantias e da distri-buição de alimentos a famílias pobres. Em Dezem-bro começaram a realizar atentados e a atacar pos-tos militares e de polícia.

O EPP declara-se como uma força de auto-defesa armada justificada pelas continuadas perse-guições e execuções de que são vítimas os campo-neses sempre que tentam reivindicar. Diz-seideologicamente inspirada pelo marxismo-leni-nismo, pelo “nacionalismo latino-americanista” e

pelos seus pioneiros paraguaios, como GasparRodrigez de Francia e Francisco Solano López.

Carmen Villalva, que com o seu companheiroAlcides Oviedo se encontram presos há seis anos(cumprem uma pena de 15 anos de prisão, seguidade mais três de “medidas de segurança” por teremsequestrado a latifundiária Borbón de Bernardi),é a porta-voz da guerrilha. Foi ela quem em 2009reivindicou, a partir da prisão, o primeiro atentadodo EPP na capital, Asunción, com a colocação deum carro bomba (que não foi detonada) no interiordo Palácio da Justiça.

A região onde actua o EPP é também aquelaem que o actual presidente, o ex-bispo FernandoLugo, seguidor da teologia da libertação e simpa-tizante do chavismo, teve maior apoio nas eleiçõesque o catapultaram para a presidência, em 2009.Esse apoio traduzia a esperança, tanto dos campo-neses pobres – garantido com o compromisso docandidato presidencial de que realizaria, urgente-mente, uma reforma agrária nos termos acordadosentre ele e os representantes dos camponeses –como da generalidade da esquerda paraguaia: final-mente algo ia mudar e começariam a ver as suasreivindicações atendidas.

Bastou um mês para que as ilusões se desvane-cessem. Chegado à presidência, Lugo desculpou--se com a actividade da guerrilha para quebrar oscompromissos eleitorais. Depressa se entendeucom o ex-presidente narcotraficante da Colômbia,Uribe e, em nome do combate ao narcotráfico eao terrorismo, começa a militarização do norte doParaguai, com a polícia a entrar nas aldeias, a assal-tar casas, a agredir, torturar e assassinar camponesesdesarmados mas referenciados como comprometi-dos com a luta pela terra e contra a pobreza.

Com os ataques do EPP aos aquartelamentos,a repressão intensifica-se e, com ela, a guerra suja.Em Janeiro de 2009 é assassinado em ColoniaHugua Nanú, em Concepcion, Martín OcamposPáez, director da rádio comunitária que funcionava

numa escola construída pela comunidade. Segundodenúncia do Bispo de Concepción e de médicosindependentes, também os restantes detidos pelosmilitares, policiais e oficiais de justiça foram bru-talmente torturados, tendo ainda sido executadoo dirigente camponês de Itakyry Juan Ramón Gon-zalez. Ainda no mesmo mês, foram sequestrados etorturados, em Curuzú del Hierro, seis camponeses.Como noutras ocasiões, foram acusados de darapoio logístico ao EPP, apesar de Lugo saber quea maior parte dos presos eram dirigentes históricosdos camponeses, como Sindulfo Aguero, que lutoucontra Strossener e, selvaticamente torturado, per-deu um olho. Agora, com mais de 70 anos, conti-nua lutando e está preso com a sua filha sob aacusação de “ser simpatizante da guerrilha”.

José Vilalba, dirigente camponês muito popularem Concepción, foi detido ao abrigo das medidasde excepção decretadas pelo governo. Está acu-sado de ser colaborador do EPP. Depois de o pren-derem metralharam-lhe a casa, aterrorizando a suafamília.

São vários os membros do EPP assassinados.Em Abril, Severiano Martinez, que se encontravaescondido numa mata de Agua Dulce, Alto Para-guai, foi preso pela polícia, que o torturou e exe-cutou. O mesmo aconteceu a Gabriel Zárate, quefazia trabalho político na sua terra natal, Sidepar.Quando o prenderam trazia uma espingarda M16que tinha sido roubada em Tacuarí. Foi executadona madrugada de 13 de Setembro. Segundo o ir-mão, eram visíveis as marcas da tortura.

Apesar da apertada vigilância policial e da mi-litarização, cerca de um milhar de camponesesacompanharam o funeral do guerrilheiro.

Em Maio deste ano, mais de 300 militaresassaltaram a 27ª Esquadra de Hugua Nandu, emConcepción, quando perseguiam Magna Meza, ummembro do EPP. Os militares, que pareciam dro-gados, metralharam o posto de polícia e agrediramos polícias, tal como às cozinheiras, tendo maistarde pedido desculpas.

LUGO E O GOVERNO COLOMBIANO

A primeira coisa que Lugo fez quando tomouposse foi ir à Colômbia ratificar acordos de segu-rança. A cooperação militar com a Colômbia havia--se iniciado a pedido do Ministério da Defesa para-guaio em dificuldades para conter a guerrilha, dadaa longa experiência das autoridades colombianascontra as FARC.

Desde então os militares colombianos têmenviado instrutores e executado operações mili-tares no Paraguai.

Paradoxalmente, durante a campanha eleito-ral, Lugo denunciou este tipo de relações, peloque a sua mudança de opinião só se pode entendercomo uma cedência às pressões do imperialismonorte-americano, aliás na linha do que Chavez tam-bém vem fazendo no sentido de aplacar a ira dotodo-poderoso vizinho do norte. Lembremos arepetida condenação das FARC e da luta armada,ou a entrega de mais de 20 guerrilheiros e militantesdo ELN e das FARC às autoridades colombianas,havendo igualmente pressões do governo espanholpara que faça o mesmo relativamente a membrosou ex-membros da ETA a residir na Venezuela.

Quando chegou ao poder, Lugo não só rati-ficou os acordos que antes condenara, como viajouaté aos EUA para discutir o assunto. Depois, coma chegada de Juan Manuel Santos à presidência daColômbia, voltou a ratificar os acordos e aceitouo apoio militar de Israel e dos EUA.

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Poderia ser argumento de filme ou de uma“teoria da conspiração”. Só que os factos não dei-xam margem a dúvidas: os EUA dispõem as últimaspedras no xadrez de um ataque fulminante e catas-trófico à República Islâmica do Irão.

Não uma aventura ou fuga para a frente, masuma agressão militar delineada desde 1995, comocomprovam documentos do Comando Central dosEUA. É a sequência lógica das ocupações do Afega-nistão e Iraque, traduzindo a necessidade de expan-são geoestratégica do império naquela zona doglobo, aliada ao controlo da produção petrolífera.Mais: um total de sete nações “hostis” (Iraque,Irão, Síria, Líbano, Líbia, Somália e Sudão), preen-chendo um “roteiro” para cinco anos, estavam jána mira do Pentágono após a operação afegã, se-gundo as insuspeitas palavras do general WesleyClark ao Winnig Modern Wars. E na montagemdestas agressões, é considerado pelo Pentágononos vários cenários traçados o papel provocador

do Estado sionista como aparelho de igniçãodestes conflitos – e a ser “secundado” pelos EUAe a NATO.

Os actuais pretextos (perigosidade do programanuclear de Teerão, ameaça a Israel, apoio integristaàs insurgências iraquiana, palestiniana e libanesa)não diferem dos invocados para o esmagamentodo Iraque (posse de armas de destruição maciça ebase de apoio à Al-Qaeda para atentados).

Também no caso iraniano o embuste é evi-dente: Teerão não tem fornecido armas atravésdas suas fronteiras, segundo investigações do NewYork Times, Los Angeles Times e das chefias militaresbritânicas. A própria CIA referiu que, mesmo queisso fosse uma propridade para o regime, o Irãonão estará em condições de produzir uma únicaarma nuclear antes de 2017. Ao invés, tem cum-prido as orientações do Tratado de Não Prolife-ração Nuclear, do qual foi subscritor pioneiro etem facilitado todas as inspecções de rotina. A

Irão, solidariedade! Agência Internacional de Energia Atómica nuncao mencionou por suspeito de desviar o seu pro-grama civil para fins militares. E, contrariamenteaos EUA e Israel, o Irão pratica a não-agressão. Oseu último conflito ocorreu há 20 anos, quandoinvadido pelo Iraque de Saddam, então armado esuportado pelos EUA.

Desde 2003 o Pentágono baptizou deCONPLAN 8022 o bombardeamento do Irão e ainvasão massiva pelos marines. Bombardeiros ame-ricanos têm desde então efectuado missões simula-das. Milhares de alvos iranianos foram identificad-os para uma blitzkrieg.

Em 2004, Cheney encomendou um “plano decontingência” contra o Irão, que previsse o assaltoaéreo em grande escala, empregando tanto “armasconvencionais, como nucleares tácticas, visandoa destruição de cerca de 450 alvos estratégicosimportantes”. Uma destas bombas nucleares tác-ticas, a B61-11, tem um potencial explosivo deum terço a seis vezes a bomba de Hiroshima.

Em 2009, Israel instalou com apoio técniconorte-americano o “radar de banda X”, integrantedo sistema de detecção planetário de mísseis dosEUA e NATO com recurso a bases espaciais, ra-dares Patriot, aeronaves não-tripuladas e naviossedeados no mar Vermelho, golfo Pérsico e Medi-terrâneo. Igualmente estão previstas armas electro-magnéticas, de modificação ambiental, espelhosionosféricos, etc. O arsenal nuclear israelita estáde prevenção para teste real contra Teerão, sendoque o sistema de mísseis Jericó III, com um raio deacção de 6.500 kms, mantém o Irão ao seu alcance.Em Outubro de 2009, o Departamento da Defesaanunciou que tenciona utilizar a “mãe de todas asbombas” contra o Irão e encomendou quatro des-tas armas, ao custo unitário de 14,6 milhões dedólares. A Massive Ordenance Air Blast Bomb(MOAB) é conhecida “como a mais poderosa armanão-nuclear existente no arsenal de armas conven-cionais dos EUA, vocacionada para destruir estru-turas subterrâneas, produzindo uma nuvem emcogumelo de tipo nuclear”.

Em Abril de 2010, na Nuclear Posture Review,Obama caucionou a doutrina bushista de “recursopreventivo a ogivas nucleares contra Estados não--nucleares”, nomeadamente contra o Irão, mesmoque só em auxílio de Israel, em caso de “provoca-ção” iraniana, a solo ou “articulada com o Hamasou o Hezbollah”.

No Verão deste ano, o Congresso norte-ameri-cano agravou as sanções contra o Irão e as puniçõesàs empresas que com ele cooperem. O jornal doexército dos EUA Military Review recomendou àadministração que o ataque se estenda também àsinfra-estruturas civis. Entretanto, a armada dosEUA informou que colocou na sua base de ataqueao Médio Oriente e Ásia (a ilha de Diego Garcia,no Índico) equipamento para apoiar os submarinoscom mísseis com capacidade para transportar ogi-vas nucleares, 387 destruidores de bunkers, aero-bombardeiros e um dispositivo de mísseis que po-dem arrasar 10 mil alvos em poucas horas.

E por cá? A subserviência portuguesa aos EUAé proverbial e já lendária. O recente e repugnanteepisódio do bufo do BCP que se ofereceu aos EUApara revelar segredos bancários iranianos fala por si.

Perante estes sinais assustadores, a palavra deordem dos povos à escala mundial deve ser já:“Irão, solidariedade!”. Caso contrário, sob o nossoautismo, desatenção, preconceito ou indiferença,a barbárie pode seguir o seu curso em roda livre.

PAULO JORGE AMBRÓSIO

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SIMÓN BOLÍVAR –LIBERTADOR

DE NAÇONS, CRIADORDA PÁTRIA GRANDE,

Associaçom Galega de Amizadecom a Revoluçom Bolivariana,

Maio 2010.

Nesta edição comemorativa dos200 anos das nações sul-americanaslibertadas por Simón Bolívar, traça--se o seu perfil histórico e pessoal,dando a conhecer a modernidade doseu pensamento e a luta que travoupara construir a América Latina detodos os povos e sem fronteiras – aPátria Grande – e as circunstânciasdo seu assassinato. A edição é acompa-nhada de excelentes reproduções depinturas relativas aos grandes comba-tes que travou contra os exércitos

CELA 211,de Daniel Monzón, com Luís Tosar,Alberto Amann e Carlos Bardem,

vencedor de 8 prémios Goya 2010.

Um jovem guarda, apanhadonuma revolta na ala de alta segurançada cadeia onde trabalha, faz-se passarpor preso insurrecto. Procurando fa-zer jogo duplo, acaba por ficar incon-dicionalmente ao lado dos prisionei-ros quando um dos carcereiros, tortu-rador reconhecido, mata a mulhergrávida do guarda durante uma ma-nifestação dos familiares que procu-ram saber o que se passa na cadeiaincomunicável.

A um ritmo frenético, os aconteci-mentos alucinantes mostram-nos ummundo carcerário cruel, despótico esem regras, em que vencem os astutos,os traidores ou os marginais. Claroque no fim impera a ordem prisional.Mas antes ficamos a conhecer os ban-didos que a comandam sob a aparên-cia hipócrita da legalidade democrá-tica.

A LENDA DE GAIA, de JoséCarretas, autor e encenador,

interpretações de Linda Rodrigues,Pedro Fiuza e André Brito, música

de Joaquim Pavão, AssociaçãoCultural Panmixia, Porto.

A lenda de Gaia é um texto dosfinais do século X inscrito no segundodos quatro Livros de Linhagens, quedescrevem a genealogia das principaisfamílias do reino de Portugal na IdadeMédia e publicado por AlexandreHerculano no séc. XIX.

José Carretas contou a históriaem verso e montou-a com cenáriosfeitos de bonecos de cartão como

UN METRODE TRESCIENTAS

CINCUENTA PALABRAS,edição da Confederação SindicalSolidaridad Obrera, 2010, 3 •.

São 24 relatos sobre o metro pre-miados no Certame de Relato Breveorganizado pela Secção Sindical daSolidaridad Obrera entre 2003 e2007, no metro de Madrid.

Algum sindicato no nosso país selembrou de fazer um concurso e umlivrinho simples como este? É quenão custava mesmo nada…

AGORA É QUE CONTA,TVI-

Quando pensamos que já não épossível descer mais em termos televi-sivos, eis que surge a abjecção emforma de diversão de fim de tarde,configurando um verdadeiro caso deviolação dos direitos humanos. Passa--se na TVI e tem como “apresenta-

dora” Fátima Lopes, recentementeadquirida à SIC por 40 mil euros men-sais, salário que é uma afronta numpaís onde mais de dois terços daspensões e um terço dos trabalhadoresnão ganha sequer 500 euros.

O “concurso” abre com uma pla-teia de dezenas de pessoas a agitarpapéis, que são contas por pagar –obras em casa, prestação do carro,contas da água, gás, electricidade,telefone, etc. Tudo gente pobre, coma “corda na garganta”.

Porque os tempos são de crise eem capitalismo tudo se vende e com-pra, os concorrentes candidatos à “ge-nerosidade” da TVI só têm que serebaixar à condição de patéticos ani-mais de circo. A troco de uns míseros200 ou 300 euros, prestam-se a humi-lhantes e tristes figuras: tentam darde comer a familiares enquanto a ca-deira em que estão sentados se agita,rebolam no chão dentro de espumasenormes ou esforçam-se por apanharbolas de pingue-pongue no ar. Tudoservido pela indigente apresentadoracomo um alegre e divertido acto debondade, carregado das mais genero-sas intenções e justificado pelos “tem-pos que correm”.

É esta a “beleza” do capitalismo:pôr a crise a render – no caso, pondoos pobres a entreter-se com a sua pró-pria miséria e ganhar algum com isso;não há nada que não tenha um preço,mesmo as pequenas desgraças quoti-dianas dos que não conseguem pagaro que lhes vendem.

coloniais e por desenhos recentes daartista combatente Inti Maleywa.

aqueles que se vêem nos livros paracrianças que, quando se abrem, mos-tram castelos, cavaleiros em combate,donzelas, princesas e reis façanhudos.

A história de Aldora, que de cristãse fez moura, amou um infiel e porisso morreu às mãos do rei seu maridopode não ter uma grandeza shakes-peariana, mas é o pequeno Othello por-tuguês que o teatrinho da Rua doFreixo soube inventar para miúdos egraúdos.

ABRAHAM SERFATY(1926-2010)

Aos 84 anos morreu, vitimadopor doença pulmonar, Abraham Ser-faty, marroquino de origem judaica,dissidente comunista e opositor in-transigente ao colonialismo e ao regi-me inaugurado por Hassan II com aprotecção da França. Nascido e fale-cido em Casablanca, numa família daclasse média judia oriunda de Tânger,adere em 1944 à Juventude Comu-nista Marroquina. No ano seguinteforma-se em engenharia de minas, emFrança, e adere ao Partido Comu-nista, que abandona na sequência dacisão do movimento comunista in-ternacional após o 20º Congresso doPC da URSS. Funda, mais tarde, umaorganização marxista-leninista.

Inimigo feroz do regime semifeu-dal e ditatorial de Hassan II, cumpre17 anos de prisão (sendo barbaramentetorturado no centro clandestino deDerb Moulay Cherif, por ordem di-recta do rei) por apoiar a luta do povosarauí pela independência nacionalcontra as pretensões coloniais de Mar-rocos. Sai da cadeia para um exíliode 8 anos em França, após uma cam-panha internacional pela sua liber-tação, em 1991.

Sefarty foi um dos opositores deesquerda mais torturado por ordemdirecta de Hassan II, que lhe retiroua nacionalidade.

Apoiante da causa palestiniana,Sefarty opôs-se à “Lei do Regresso”do Estado sionista (que confere a na-cionalidade israelita e o direito a viver

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Se a Revolução Russa for derrubada pela violência contra-revo-lucionária da burguesia, ressuscitará de novo como a fénix;contudo, se perder o seu carácter socialista, desapontandoconsequentemente as massas operárias, o golpe terá conse-quências dez vezes mais terríveis para o futuro da revoluçãorussa e internacional.

K. Radek, Passados cinco meses, Kommunist, 1918

Não sonhem

Não sonhem

piquem o ponto

trabalhem trabalhem no duro esmifrem-se a trabalhar

trabalhem como uns mouros matem-se a trabalhar

Não sonhem

A electrónica sonhará por vós

Não leiam

O electroleitor lerá por vós

Não façam amor

O electrocoital fá-lo-á por vós

Piquem o ponto

Trabalhem trabalhem afincadamente e esfalfem-se a

trabalhar trabalhem com uns mouros matem-se a

trabalhar

Não descansem

O trabalho descansa em vós

Jacques Prévert (1900/1977)

Fez teatro, cinema, poesia e canções. Antimilitarista

e surrealista, foi comunista, sem nunca ter militado

no PCF. Fundou o grupo de teatro operário e militante

Outubro.

O contacto directo com o público popular e o uso de

termos sarcásticos são marcas da sua obra, que

sempre se dirigiu contra o poder, as hipocrisias

morais, as discriminações raciais e sociais.

Dezembro – De quarta a sábado, às23 horas e aos domingos, às 16,00horas, está em cena no Teatro Aberto(Praça de Espanha) a peça de BertoltBrecht, O senhor Puntila e o seucriado Mati, encenada por JoãoLourenço e com dramaturgia de VeraSan Payo Lemos.

29 e 30 Dezembro - MANIFestaMundo - empreendedorismo so-cial, interculturalidade e desen-volvimento local. Organizado pelarede de associações Animar e a eETNIA, esta realização pretendemostrar a diversidade cultural e so-cial decorrente dos processos migra-tórios nos bairros antigos da capital.

em Israel e na Palestina ocupada aqualquer um que se declare judeu), erepudiou a ocupação israelita desde1967 dos territórios palestinianos.

O livro Nottre ami le roi, de GillesPerrault, publicado pela Gallimardem 1990, denúncia implacável do re-gime terrorista de Hassan II e doslaços vitais deste com a França, foiescrito em boa parte a partir dos rela-tos de Serfaty sobre a sua prisão etortura e continua proibido em Mar-rocos.

Decorre na Junta de Freguesia deSantos-o-Velho e no Centro Inter-culturaCidade, em Santos. Haverá de-bates, oficinas, mostras de ofícios eprojectos, música, gastronomia eexposições.

27 e 29 Dezembro – A Comédia doPoder, de Claude Chabrol. Cinema-teca Portuguesa, Sala Luís de Pina,às 19:30. Um filme inspirado no casoElf Aquitaine, muito publicitado emFrança em 2003 como o mais notórioescândalo político-industrial da Eu-ropa do pós II Guerra. O filme abremaliciosamente com um aviso:“Qualquer semelhança com factosreais e personagens conhecidas será,como se diz, fortuito…”

Octubre, 40, MadridResumen Latinoamericano, Nov/Dez,Donostia/San SebastianCommunist Voice, Nov, DetroitÉxodo, 105, MadridLutte de Classe, 131, ParisMonthly Review, Nov, Nova IorqueDans le monde une classe en lutte, Out.,ParisO militante socialista, 86, LisboaChallenge, v. 42, 26, Brooklyn, NovaIorqueLutte ouvrière, 2210, ParisIl communista, 118, MilãoA Batalha, 241, LisboaPartisan, 243, Parisn+1, 28, Turim Échanges, 134, ParisChe fare, 73, Roma

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A 6 de Novembro, a capital da Galiza viveu a experiênciaque estava chamada a dar a conhecer o nosso país em todo omundo, segundo a propaganda do governo autonómico dirigidopola extrema-direita espanhola do Partido Popular e do governomunicipal de Compostela chefiado polos “progressistas” PSOEe BNG. O chefe do Estado Vaticano e infalível representantedo deus católico na Terra, chamado Joseph Ratzinger, mas tam-bém conhecido polos seus como Bento XVI, pujo os seus sagra-dos pés nestas terras e passou umhas horas em Compostela,tendo tempo até para oficiar umha missa na Praça do Obradoiro.

Foi a culminaçom do que os católicos denominam “AnoSanto Jacobeu”, a decorrer neste 2010, e que estava chamado anos deixar um sem fim de benefícios espirituais e materiais. Épor isto que a Junta da Galiza, o governo que fai gala de auste-ridade em tempos de crise capitalista (concretizada nos ataques,cortes e privatizaçom dos serviços públicos), decidiu gastar até4 milhons de euros na organizaçom, publicidade e coberturainformativa deste magno evento.

A propaganda do governo dizia-nos que a visita de BentoXVI ia deixar uns rendimentos milionários durante esse mesmofim-de-semana e, ainda, iria fazer com que a Galiza fosse muitomais conhecida como destino turístico no futuro, aprofundandona aposta económica na turistificaçom como grande esperançapara situar o nosso país à altura dos territórios mais ricos doEstado espanhol. Calculavam que mais de 200.000 pessoas iamvir à capital da Galiza, mas a realidade desmentiu estas previsons.As imagens da TVG mostravam umhas ruas com pouca gente areceber o papa e a mesma Junta da Galiza reconhecia mais oumenos indirectamente o fracasso, ratificado polos dados ofere-cidos a posteriori polo sector da hotelaria.

Além do mais, e tentando garantir que o espectáculo corressesegundo o previsto, a populaçom foi obrigada a padecer o jáhabitual cerco policial de Compostela, especialmente em datascomo o Dia da Pátria Galega ou quando há algum evento “im-portante”. A cidade estivo absolutamente controlada polos 6.000efectivos dos corpos repressivos despregados pola Delegaçomdo governo espanhol, tanto no núcleo urbano como na áreaenvolvente, para evitarem que as pessoas e os sectores sociaiscontrários a esta visita pudessem tornar visível a sua opiniomcom liberdade. A abafante presença policial começou dias antesda chegada do que já foi convencido jovem hitleriano, comagentes e veículos a controlar as ruas ou a registar ilegalmentemoradas e retirando as bandeiras com a legenda “Eu nom teespero” penduradas às centenas em janelas e varandas compos-telanas. Continuou com a repressom violenta das mobilizaçonspopulares que se produzírom nesses dias e que contestárom odiscurso oficial sobre a visita do papa, um discurso oficial querecuperou as formas e o fundo do nacional-catolicismo franquis-ta, ideologia que continua a estar no cerne do ADN político--ideológico do PP.

A oposiçom foi protagonizada por diversas iniciativas po-pulares. Naturalmente, o feminismo organizado tivo um papelprotagonista nestas iniciativas e mobilizaçons. A Rede FeministaGalega estivo na rua o mesmo dia da visita para denunciarumha instituiçom que é baluarte do patriarcado, da misoginia eda homofobia. Aliás, organizaçons políticas, sindicais ou juvenisda esquerda real manifestárom de variadas maneiras o seu rejei-tamento à utilizaçom dos recursos públicos para beneficiar aigreja católica, instituiçom que sempre se situou do lado dosopressores e contra o povo trabalhador.

O fracasso da visita papal pujo de manifesto, enfim, umhamudança social produzida nas últimas décadas na sociedade gale-ga, a progressiva secularizaçom e, portanto, a perda de influênciade umha igreja católica que tradicionalmente tivo umha grandeforça e poder na Galiza. Umha perda de influência social que oEstado espanhol, que nom é laico mas (teoricamente) aconfessio-nal, compensa com a manutençom dos históricos privilégioseconómicos, educativos e simbólicos desta confissom religiosa.

ANJO TORRES CORTIÇO

Visita fracassadado papa a Compostela

A um mês das eleições presidenciais, odado mais relevante e significativo é o totalalheamento do cidadão comum. O que nãoespanta ninguém, dada a mediocridade doscandidatos: não se consegue vislumbrar umrasgo, uma ideia, para além de uma retóricamole e generalista sobre coisa nenhuma.Em vez de alternativas e ideias políticasde combate à crise, ao desemprego e aocrescimento da miséria, temos as velhasreceitas da moral e da caridadezinha, api-mentadas de longe em longe com uns re-moques estafados sobre os malefícios dos“mercados sem regras” e o neoliberalismo.Depois, convencidos que o povo é igno-rante, debitam a cassete da moda, que é ade demarcar-se da governação de Sócratese dizer que o Orçamento de Estado é pés-simo, muito mau mesmo, só vai agravar ascondições de vida dos trabalhadores e pro-vocar retracção eco-nómica e aumentar odéfice; ou seja, que osseus efeitos não vãoser outros que os deagravar a crise que sepropõe combater.Mas, debitado este dis-curso com que pre-tendem cativar o elei-torado de esquerda,segue-se outro, aquelecom que procuramcair nas boas graças dopatronato, dos “mer-cados”, dos donos daUnião Europeia, dadireita e da outra par-te do centrão quetende mais para a di-reita – pior que ter umOrçamento de Estadomau ou péssimo é nãoter nenhum, dizem.Por isso, demonstrando bom senso e“sentido de Estado”, também o aceitam.O único candidato que não alinha por estediapasão é o do PCP, mas o seu discurso,de tão mole, tão previsível e bafiento, nãoconsegue cativar nem mobilizar ninguém,nem sequer a sua base partidária.

Enveredam (sem qualquer surpresa)por este tipo de registo oportunista, que éo de simultaneamente serem a favor e con-tra as medidas supostamente anticriseditadas pela União Europeia, os “merca-dos” e o FMI – postas em marcha pelacomissão executiva em que se transformouo governo português. E, estando contra assuas más consequências, não fazem maisque interpretar “os sinais do tempo”, talcom de resto fazem os partidos do chamadoarco do poder – PS, PSD, CDS. Por isso,tanto Cavaco (até agora a sua grande pro-posta para combater a miséria foi a de ape-lar aos restaurantes para que dêem as sobrasaos pobres) e Manuel Alegre, como os can-didatos fantasma Fernando Nobre e De-fensor Moura, dizem-se simultaneamentea favor de uma coisa e do seu contrário –são pelo Estado social, mas também achamque o Serviço Nacional de Saúde, a Se-gurança Social e o ensino acessível a todos

são insustentáveis; nada têm contra os cor-tes “justificados”, nem contra a privatiza-ção de serviços, a redução e/ou eliminação“justificada” das reformas, pensões e outrosapoios sociais; não admitem que se toquena Lei do Trabalho, se liberalizem os despe-dimentos e se acabe com o despedimentocom justa causa, mas são pela flexibilizaçãodas leis laborais e dos despedimentos; sãocontra os cortes nos salários e nas reformas,mas acham que seria aventureiro e irres-ponsável os partidos terem chumbado oOrçamento de Estado que consagrou essase outras medidas antipopulares. Cavaco,esse então, tornou-se um verdadeiro mestreda trafulhice – promulga as leis e depoisvem para a comunicação social anunciarque está contra o que promulgou.

Sendo este o quadro, em que não háum único candidato de ruptura com este

regime de “chicos--espertos, em que a es-querda anti-reformistaestá ausente e nada estáem jogo, o que fazsentido é não votar.

Tudo seria diferen-te se nestas eleiçõesaparecesse um candi-dato presidencial afir-mando, por exemplo,que tomaria como pri-meira medida, casofosse eleito, a disso-lução da Assembleia daRepública e se com-prometesse a não em-possar um governo quenão mandasse para olixo este Orçamento deEstado e, em sua sub-stituição, apresentasseum programa de gover-no que passasse pelo

julgamento dos responsáveis pela crise emque o país mergulhou; o combate à eco-nomia paralela e ao uso dos postos doEstado como trampolim para os altos car-gos nas empresas públicas e privadas; adefesa e reposição dos direitos e salários,pensões e outros apoios sociais aos traba-lhadores; a criação de um tecto máximopara o valor das reformas e a proibição deacumulação de várias reformas; a imposiçãode um sistema fiscal progressivo, de formaa fazer os ricos contribuir mais que os po-bres; a criação de mecanismos que garan-tam uma mais equilibrada distribuição dariqueza e a redução do escandaloso fossoque separa os mais ricos dos mais pobres; adefesa da saída de Portugal da NATO e oregresso dos contingentes portugueses aoseu serviço e da ONU.

Como não há um candidato com umprograma popular, não há nada a disputar.Ganhe quem ganhar, a burguesia já venceu.Por isso, o melhor resultado para os traba-lhadores e os deserdados deste país seráuma grande abstenção. Uma abstenção quecause incómodo e amesquinhe a vitória dovencedor.

ANTÓNIO BARATA

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