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REDATORES

Gabriela SilvaLeonardo CoutoLuana BeneditoRaphael Aleixo

REVISORES

Luana BeneditoRaphael Aleixo

DESIGNERS

Flora ReghelinJúlia Ribeiro

COORDENADORA

Gabriela Silva

PRODUTORA

Júlia Ribeiro

EDITOR

Leonardo Couto

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PLONGÉE #7

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Panorama MundoA Onda

Especial DiretorAlain Resnais

Seleção da Redação

Cinema e Libertação FemininaO Renascimento da Musa

Panorama BrasilA Vanguarda de Ontem e de Hoje

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Brigitte Bardot em E Deus criou a mulher, de Roger Vadim

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A ONDAUma breve história da Nouvelle Vague

Leonardo Couto

O nascimento da Vênus de Vadim

Em 4 de dezembro de 1956, um filme causou um abalo sísmico no cinema francês, que acabou por gerar uma onda que se espalhou pelo mundo inteiro. E Deus criou a mulher representa o nascimento de Brigitte Bardot, como uma Vênus, para o público. Nesse longa-metragem, quase amador e dirigido pelo jovem Roger Vadim, Bardot representa uma “pecadora pura” que enlouquece os homens de sua cidade.

A importância do filme reside menos na sua história, um tanto clichê, e sim nas convenções quebradas por ele. O cinema francês hegemônico na época era dito de “qualidade”, com um star system estabelecido, diretores renomados, uma produção em estúdio e defensor da moral e dos bons costumes. A liberdade com que Vadim filmou Bardot, nua em diversas cenas, mostrando um corpo dotado de uma liberdade e atitudes radicalmente novas, foi um choque. Por isso, a crítica cinematográfica dominante se opôs ao filme.

Les Jeunes Turcs

Enquanto isso, um pequeno grupo de jornalistas considerou Bardot e seu criador uma revolução. Nas revistas Arts e Cahiers du cinéma, jovens críticos, contemporâneos de Brigitte, fizeram a defesa da musa, reconhecendo-a como a primeira jovem heroína do cinema francês de “seu tempo”. Claude Chabrol, Jean-Luc Godard, François Truffaut e Jacques Rivette escreviam para essas revistas e desenvolveram sua cultura cinematográfica vendo filmes de Fritz Lang, de Alfred Hitchcock ou de Roberto Rossellini. Fechando-se nas salas escuras de Paris, especialmente na Cinemateca Francesa, estabelecida por Henri Langlois, esses jovens construíram uma “crítica cinefílica”, polemizando contra a grande imprensa dos anos 50.

Os “jovens turcos”, como ficou conhecido esse grupo, viram Brigitte Bardot como um símbolo de renovação, uma outra maneira de conceber a vida e o cinema. Quatro anos antes, Harriett Anderson em Monika e o Desejo, fez o mesmo, mas acabou de certa forma sendo esquecida. O filme de Ingmar Bergman foi um escândalo, assim como o de Vadim, devido à nudez e liberdade de sua atriz. No momento, o filme não foi bem compreendido, tido como uma “excentricidade erótica nórdica”. Apenas após Bardot, Monika teve seu reconhecimento. Godard, por exemplo, escreve no Cahiers du cinéma: “Como pudemos estar tão cegos? Esse filme retrata em seu apogeu esse renascimento do jovem cinema moderno, de um Fellini na Itália, um Aldrich em Hollywood e um Vadim na França se fazem os grandes sacerdotes. De fato, Monika já é E Deus criou a mulher, mas feito de maneira genial, sem um erro, sem um tropeço, de uma lucidez total no que diz respeito à construção dramática e moral desenvolvidas, dito de outra forma, a mise em scène dos corpos.”

A descoberta de Vadim e Bardot foi essencial para o espírito dos jovens turcos. A visão de um corpo moderno, a escuta da dicção anticonformista de Bardot, a presença da natureza quase no filme inteiro. Isso revelou um cine-ma que a “qualidade” francesa escondia sob os estúdios, a iluminação perfeita, o realismo psicológico, a oposição ao happy ending de Hollywood.

Essa característica já havia sido ressaltada por Truffaut no artigo-mito “Uma certa tendência do cinema francês”, publicado na Cahiers du cinéma em 1954. No texto, o cinema francês da época é atacado por sua produção industrial, hierarquizada, repetida, super produzida, sempre adaptado de obras literárias clássicas, no qual o diretor é um mero cenarista. É nesse texto que se lança a politique des auteurs, base para a Nouvelle Vague. O filme deveria refletir a visão criativa do diretor, como um autor, a câmera seria como um lápis, escrevendo

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uma história. Ou seja, o diretor devia escrever o roteiro, ou pelo menos participar de sua escritura, e não apenas recebê-lo pronto, de forma passiva.

A juventude

O que Brigitte Bardot tornou visível não foi apenas algo que se passava no cinema. É também uma represen-tação de uma geração nova, que aos olhos dos mais velhos, se mostrava como um problema. Havia uma tensão entre os pais trabalhadores, abatidos pela guerra, com um forte sentimento de coletividade, e a juventude ligada ao con-sumo, desmoralizada e desmobilizada.

A percepção da existência de uma identidade própria à juventude levou a uma série de enquetes, feitas por jornalistas e universitários para detalhar melhor o que se passava. Sobretudo, buscava-se saber os gostos, o com-portamento, o life style dos jovens.

É numa das revistas sobre a juventude, L’Express, que se consagra o termo Nouvelle Vague, na edição de outubro de 1957. A expressão, antes de ser designada a um movimento cinematográfico, diz respeito a toda uma geração de jovens franceses de valores, gostos, de escolhas sentimentais, de vestimentas, musicais e cinematográficas em comum.

Primeiros passos

O sistema de produção cinematográfica francês não era nem um pouco favorável à juventude e à renovação. Um cineasta de menos de quarenta anos era algo excep-

cional, e a maior parte dos jovens aspirantes tinha um longo caminho pela frente, como assistentes, até terem a chance de produzirem seus próprios filmes.

Apesar disso, nos anos 50, apareceu uma geração de jovens cineastas que produziam curtas-metragens. Alain Resnais apresenta-se como um talentoso documentarista, tendo Noite e Neblina, exibido pela primeira vez em 29 de abril de 1956 no Festival de Cannes, como um destaque e causador de polêmica, por ter sido um dos primeiros filmes a retratar os campos de concentração após a 2ª Guerra Mundial. Mas foi do campo da ficção, até então não comum no formato de curta, que esses jovens se apropriaram, e foram os jovens turcos da Cahiers du cinéma que bagunçaram as leis do curta-metragem.

A expressão “nouvelle vague” se aplicou pela pri-meira vez ao cinema em fevereiro de 1958, pelo crítico Pierre Billard, numa edição da revista Cinéma 58. Este designa esse nome ao jovem cinema francês e elogia “esses da Cahiers du cinéma, Rivette, Truffaut, Chabrol, e suas tentativas de produções independentes que arriscam con-duzir a interessantes revelações.”

Cannes 1959

Os Incompreendidos, de Truffaut, Hiroshima mon amour, de Resnais, Orfeu Negro, de Albert Camus. Estes foram os três filmes selecionados para representar a França no Festival de Cannes de 1959. Foi a primeira vez em que nenhum filme dito de “qualidade” foi escolhido pela comissão de seleção. Parece que esta havia sido tocada pelo “espírito da juventude” que atravessava a sociedade fran-

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Lola, de Jacques Demy

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cesa inteira, e, assim, fizeram uma escolha surpreendente. Um ano antes, Truffaut havia sido proibido de compare-cer ao Festival por ter ofendido a instituição de Cannes em diversos artigos. Noite e Neblina e As estátuas também morrem, de Resnais, haviam sofrido com a censura.

Ao saber da notícia, Godard publicou o primeiro grito de vitória na Arts:

“Pela primeira vez, um filme jovem é oficialmente designado pelos poderes públicos para mostrar ao mundo inteiro a verdadeira visão do cinema francês... E no ano que vem acontecerá o mesmo. Quinze filmes novos, cora-josos, sinceros, lúcidos, belos, embarreirarão novamente a rota a produções convencionais.”

O desenrolar do Festival de Cannes apenas confir-mou algo que estava sendo pressentido por diversos críti-cos: a juventude havia se apoderado do cinema francês. Pode-se dizer que a noite de 4 de maio de 1959 marca o nascimento público da Nouvelle Vague, com a projeção oficial de Os Incompreendidos no palácio do Festival. O filme foi um triunfo. Na saída, Jean-Pierre Léaud, o ator principal, foi carregado por personalidades como Jean Cocteau para ser apresentado aos fotógrafos e ao público.

“Um diretor de vinte e oito anos: François Truffaut. Uma vedete de quatorze anos: Jean-Pierre Léaud. Um tri-unfo em Cannes: Os Incompreendidos.” France Soir no dia seguinte.

Os quatro filmes inaugurais

Algumas semanas após essa explosão, acompanha-dos de uma crítica numerosa, os três principais filmes

do início da Nouvelle Vague são exibidos em Paris: Les Cousins, de Chabrol, Os Incompreendidos e Hiroshima mon amor. Se for adicionado Acossado de Jean-Luc Godard, apresentado no início de março de 1960, têm-se os qua-tro filmes e diretores que, em alguns meses, impuseram a Nouvelle Vague. Cada um desses filmes foi um grande sucesso de espectadores.

Les Cousins ilustra mais diretamente o retrato da juventude. Paul e Charles, os dois primos, assim como Florence, encarnam o jovem fora do mundo adulto, do trabalho, ocupados pelos estudos e, sobretudo, pelos amores e intrigas. Charles, é o primo provincial, sério e estudioso, que vai morar com seu primo, Paul, cínico e sedutor. Ambos tentam passar no vestibular para direito. Isso não é a única coisa que disputam. Charles se apaixona por Florence, mas Paul a faz sua amante.

Os Incompreendidos impõe o cinema como um autorretrato do diretor. Antoine Doinel, interpretado por Léud, é o alter ego do cineasta. O personagem conta a história vivida por Truffaut na sua infância, nas ruas de Paris. O vemos faltar a aula para ir ao cinema, a sua dificuldade de se adaptar a um sistema educacional rígido e retrógado, uma difícil relação com a mãe, o abandono do pai. Antoine gosta de escrever histórias, uma metáfora para a ideia de diretor-autor.

Hiroshima mon amour traz um aspecto importante da Nouvelle Vague: a construção literária, intelectual e moderna do filme. Resnais é a consciência moderna do movimento, que se exprime de uma maneira bem pessoal. A colagem dos planos por correspondências poéticas, a narrativa fragmentada e sucessivamente repetida. Os

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Jean-Pierre Léaud e François Truffaut

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diálogos escritos por Marguerite Duras narram o encon-tro de uma mulher francesa e um homem japonês mais de dez anos após a 2ª Guerra e a lembrança desta, que por um momento se tenta esquecer.

Acossado, assim como Hiroshima mon amour, é o manifesto estético. Godard reinventa sem limites. Tran-sições sistematicamente cortadas, planos fixos, cortes bru-tos, som dessincronizado, o diálogo com a câmera e as repetições propõem um modo de fazer cinema totalmente diferente. Os personagens, estilizados pelos gestos com-portamentos, de Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg vivem um romance em Paris. No entanto, esse romance não é convencional. As ações tomadas são insólitas, as de-cisões tomadas por eles não são mantidas até o final. Além disso, Acossado é uma paródia-homenagem aos filmes noir americanos, remetendo à defesa feita pelos jovens turcos a diversos realizadores do cinema hollywoodiano criticados pela qualité francesa. A liberdade com a qual Godard fil-mou é uma das maiores rupturas na história da arte con-temporânea.

A verdade

“O cinema de hoje é entregue aos intelectuais, ou seja, às pessoas que, em outras circunstâncias, poderiam ter escrito romances e que, sem dúvida, há alguns anos, teriam preferido escrever romances pelo medo da técnica. Como atualmente a técnica é muito controlável e passa ao segundo plano, a via é aberta. Nós entramos, de uma vez, na época do cinema de autores. Esse cinema corre o risco de se tornar seco e abstrato, mas há também a chance de

se tornar forte e sincero, inteligente e verdadeiro, que no passado.”

Com esse texto escrito por Truffaut, vemos que o que une a Nouvelle Vague não é a técnica, e sim essa “ver-dade”, a possibilidade de tornar visível na tela a personali-dade e as emoções do diretor-autor. É a partir disso que o movimento construiu o seu estilo, e ofereceu um espelho à juventude francesa da época, na qual ela se reconheceu, e por isso, ele se constituiu como um mito. A Nouvelle Vague é o primeiro movimento cinematográfico a ter con-seguido fixar com tamanha acurácia a mitologia de um momento histórico.

A morte

Assim como a sua rápida ascensão, a nova onda em pouco tempo se quebrou. Durante quatro anos, de 1959 a 1963, ela sobreviveu. Mas golpes exageradamente fortes a tombaram por terra. Um dos primeiros foi a força com a qual a televisão entrava na vida dos franceses. A Nouvelle Vague, de certa forma, retardou esse fenômeno, que se in-seriu severa e precocemente em outros lugares do mundo ocidental. Por exemplo, a Inglaterra, entre 1957 e 1959, perdeu mais de 300 milhões de entradas de cinema por ano. Além disso, a Nouvelle Vague foi severamente ataca-da pelos “pais” (jornalistas, cineastas, autores, diretores) que, alguns meses antes, pareciam aceitar o movimento. A revanche da “Velha Onda”. Com isso, as bilheterias que antes estavam obtendo altos lucros, começaram a desabar.

Somado a esses fatores externos, o movimento pas-sou por problemas internos. Truffaut, em 1962, criticou

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Jean Rouch filmando Eu, um negro

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o pai do cinema jovem, Vadim, por não defender o direito de improvisação e a liberdade dos diretores. Isso demonstrou uma crise de confiança que percor-ria a Nouvelle Vague. Por exemplo, Godard escreveu um pequeno texto a Truffaut, num tom de epitáfio:

“Nós não nos vemos nunca, é idiota. Ontem, eu fui ver Claude (Chabrol) filmar, foi terrível, não tínhamos nada a dizer um ao outro. Como diz a música: na pequena manhã pálida, não há mes-mo mais amizade. Nós partimos cada um para seu planeta, e não vemos mais num plano substancial, como antes, somente de modo geral. As meninas com as quais nos deitamos nos separam cada dia mais ao invés de nos reaproximar.”

A força da Nouvelle Vague

Ao longo dos anos 60, o modelo estético e econômico do movimento se espalha pela Europa e outros lugares do mundo. O cinema inglês, japonês, brasileiro, tcheco, o independente americano, polonês e outros foram fortemente inspirados pelos filmes da Nouvelle Vague. Mas a força desta reside realmente na mitologia criada pelo seu imaginário, um universo de gestos, atores, objetos, lugares, um universo que trazem instantaneamente uma nostalgia. ■

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Alain Resnais

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ALAIN RESNAISO homem que retorna da morte

Raphael Aleixo

O ano de 2014 será marcado por grandes perdas no meio do cinema. Ficamos sem o documentarista brasileiro Eduardo Coutinho, encontrado morto em seu apartamento; perdemos o produtor hollywoodiano três vezes ganhador do Oscar de Melhor Filme, Saul Zaent; nos deixou a primeira dama do cinema tcheco Vera Chytilová, destaque da Nouvelle Vague naquele país... Mas nenhum desses grandes talentos nos fará tanta falta como o gênio francês Alain Resnais, que faleceu aos 91 anos no último 1º de março, por causas não reveladas.

Nascido em Vannes (cidade no noroeste da França) em 03 de junho de 1922, o diretor, editor e produtor Alain Resnais representou um dos principais nomes da Nouvelle Vague, sendo também um dos nomes mais im-portantes do cinema francês.

Dirigiu mais de 50 títulos em seus 78 anos de car-reira: seu primeiro curta, L’aventure de Guy, foi realizado em 1936, quando ele tinha apenas 14 anos. Entre suas obras de referência, destacam-se o documentário sobre campos de concentração nazista, Noite e Neblina (1955), Hiroshima, Meu Amor (1959), e o longa O Ano Passado em Marienbad (1961).

Formado em uma família letrada, Alain Resnais se apaixona cedo por todas as formas de artes: a fotografia e a literatura exercem influência em sua obra. Aos 12 anos, o jovem cinéfilo ganha de seu pai sua primeira câmera Kodak.

Apaixonado também pelo teatro, foi matriculado no Cours d’art dramatique René-Simon, até que em 1943 participa da primeira turma de montagem no Institut des Hautes Études Cinématographiques, o IDHEC. Após a guerra, produziu uma série de filmes de arte altamente aclamados, como Van Gogh (1948) e Guernica (1949).

Contemporâneo a Nouvelle Vague, da qual era um dos principais líderes, era próximo do grupo “rive gauche” (em português, margem esquerda), junto com cineastas

como Chris Marker (com quem co-escreveu As Estátuas também morrem, 1953; no premiado com o Prêmio Jean Vigo em 1954) e Agnès Varda (Resnais foi responsável pela edição de A ponte curta em 1955, que foi primeiro filme do diretor).

Em 1956, Resnais ganha o Prêmio Jean-Vigo por A noite a neblina (1955), documentário que se torna um filme marcante sobre a deportação. Em 1959 lança Hiroshima, Meu amor, seu primeiro longa-metragem. O filme se tornou referência no cinema francês, tanto pela ousadia de seu tema – o trauma de uma recente II Guerra Mundial contado através de uma história de amor – e narrativa moderna. Se servindo de um estilo relativamente experimental, Resnais não se esquecia de divulgar a sua mensagem: a memória permanece como um dos temas prediletos do cineasta, como evidenciado pelas duas próximas produções: O ano passado em Marienbad (1961; Leão de Ouro do Festival de Veneza 1961) e Muriel (1964), que teve como pano de fundo as lembranças da recém-findada guerra de independência da Argélia.

Apesar de ser conhecido como cineasta intelectual, o autor de Amor à morte (1984) tem um perfil diversificado: se aproxima da ficção científica (Je t’aime, je t’aime, 1968), do drama (Mélo, 1986), dos quadrinhos (I want to go home, 1989) e ainda assina uma opereta (Pas sur la bouche, 2003). Flerta até com áreas do estudo do comportamento humano, com Meu tio da América (1980; premiado em Cannes 1980 e indicado ao Oscar 1980 na categoria melhor roteiro original), protagonizado por Gérard Depardieu.

Na década de 80, Resnais começa uma parceria com três virtuosos atores, a quem premia com participações sutis e variadas: Sabine Azéma (que foi casada com Resnais desde 1998 até a sua morte), Pierre Arditi e André Dussollier – mesmo que em numa só produção : na sequência Smoking/No smoking (1993), Arditi deu

Especial Diretor

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vida a quatro personagens, enquanto Sabine personificou cinco. Cada um dos três ganhou pelo menos um César (o equivalente francês ao Oscar) por participações em filmes do cineasta.

O maior sucesso de bilheteria de Resnais conta com o trio: o musical Amores Parisienses, lançado em 1997 e ganhador de sete prêmios César, incluindo melhor filme. Mais de dois milhões e quinhentos mil franceses aproveitaram a oportunidade de contemplar a genialidade do autor nos cinemas. O filme conta como a executiva Odile, representada por Sabine Azéma, vive uma fase ruim, com crise conjugal, de consciência e de moradia. Sua irmã Camille (Agnès Jaoui), uma guia turística que sofre de síndrome do pânico, se encanta pelo agente imobiliário Marc (Lambert Wilson), que não é uma pessoa confiável. Simon (André Dussolier) está apaixonado por Camille, que não nota e começa a namorar Marc, que é patrão de Simon, que tenta vender um apartamento para Odile, que é casada com Claude (Pierre Arditi). Tendo Paris como pano de fundo, os personagens tentam se reencontrar, se reconectar usando clássicas músicas francesas, que são dubladas em suas versões originais. Mais uma prova da capacidade de inovar de Resnais.

Sua longeva carreira transpassou o século e o milê-nio. Continua sua sequência de filmes menos densos, como nas últimas décadas, mas não menos detalhista, original, criativo ou inquieto. Em 2003, lançou o mu-sical Pas sur la bouche; em 2006, o drama Medos privados em lugares públicos (Leão de Prata especial no Festival de

Veneza, em 2006); Ervas daninhas, comédia de 2009; em 2012, lança seu penúltimo filme Vocês ainda não viram nada, comédia dramática em que convoca muito dos atores que fizeram com ele trabalhos antigos.

Três semanas antes de sua morte, Resnais nos brin-da com seu último filme, Amar, beber e cantar. Resnais não pode estar presente no lançamento no Festival de Ber-lim, sentindo dores em seu quadril. Ainda assim, ganhou o prêmio Alfred Bauer, oferecido àqueles que abrem novas perspectivas no cinema ou oferecem uma nova e singular visão estética. Basicamente a especialidade do cineasta.

Resnais teve uma carreira de muitos prêmios, além de muitas nomeações. Apenas entre os principais reconhecimentos individuais, foram quatro prêmios do Festival de Berlim, quatro de Cannes, um Globo de Ouro, um BAFTA, cinco César, oito prêmios do Sindicato de Cinema Francês, sete no Festival de Veneza e dois Jean Vigo. Curiosamente, não houve sequer uma indicação ao Oscar - e o azar é todo da academia.

Em suas obras, o cineasta abordava as questões políticas relacionadas com uma preocupação metafísi-ca sobre o imaginário, o tempo e a reformulação do su-jeito após o desastre. Ou, como o filósofo francês Gilles Deleuze bem define: “Resnais só tem uma temática: a do homem que retorna da morte”.

Alain Resnais deixa não só sua esposa, mas também um vazio criativo no cinema mundial e uma vasta herança cultural para todos nós. Sentiremos falta desse grande gênio. ■

Especial Diretor

Alain Resnais

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Em meio à premiação do folclórico O pagador de promessas (Anselmo Duarte) no Festival de Cannes em 1962 despontava no Rio de Janeiro, um filme sem firulas e folclore, muito pelo contrário. A proposta dos jovens cariocas era fazer um cinema como instrumentalização da arte e da política. E assim os integrantes do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Es-tudantes), fariam Cinco Vezes Favela, dirigido por cinco diretores: Cacá Diegues, Miguel Borges, Marcos Farias, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirzsman, um filme em cinco segmentos dirigido por cada um deles.

Enquanto Glauber Rocha estava filmando o Nordeste, focado no interior em Barravento, os jovens cariocas traziam para o cinema a cidade e suas desigualdades, com a temática da favela nos mais diferentes assuntos: criminalidade, desapropriação de terra, o samba e o espírito de comunidade. O interessante é ver como o universo das favelas era encarado naquele contexto e, sobretudo a ideia de que esses jovens tinham da população.

O primeiro segmento é O Favelado, dirigido por Marcos Farias e conta a história do favelado João que não tem o dinheiro para pagar o aluguel, por isso é espancado pelo cobrador da dívida, na tentativa de pedir ajuda a um amigo se envolve em um assalto. A história é pessimista, sem esperança e conformista.

Zé da Cachorra é dirigido por Miguel Borges e conta a história de Zé que se revolta com um grileiro que pre-tende construir um edifício no lugar. O filme traz uma boa discussão sobre a luta de classes, mas peca ao deixar subentendido uma possível passividade dos mais pobres frente às adversidades, sem lutar, ignorando um sistema muito maior e complexo.

Escola de Samba, Alegria de Viver é o segmento mais fraco dos cinco. Traz o dilema entre o prazer em relação ao trabalho. Um sambista assume a direção de uma escola de samba às vésperas do Carnaval, mas ele não sabe

como usar o dinheiro da favela e por conta disso tem que lidar com uma infinidade de problemas. Além disso, o protagonista ainda enfrenta algumas adversidades com a esposa. O filme de Cacá Diegues é um pouco confuso, não há uma problematização muito explícita das adversidades enfrentadas pelo protagonista desse segmento.

No quarto segmento, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, temos a melhor história do filme. Couro de Gato mostra o dilema de um garoto entre a amizade pelo gato e o dinheiro para sobreviver – o couro dos gatos eram usados para fabricar tamborins – uma história emocionante, porém triste e que continua, de certo modo, atual.

O quinto segmento é dirigido por Leon Hirzman, Pedreira de São Diogo, é único dos cinco que tem uma postura anticonfirmista e otimista, trazendo uma força poética. Os operários de uma pedreira alertam os mora-dores da favela que moram em cima dela sobre o risco de desabamento como conseqüência a explosão de dina-mites. Com isso os operários incitam um movimento de resistência por parte dos moradores para que não aconteça um desastre. O segmento de Leon mostra como pessoas podem ser donas dos seus próprios destinos, mudarem a realidade que lhe foi imposta e como pessoas que ocupam uma classe inferior podem sim resistir, lutar, diferente-mente do segmento Zé da Cachorra.

Cinco vezes favela, apesar da postura conformista de alguns segmentos, vale muito a pena ser visto, para compreender uma realidade e assistir um dos filmes fun-damentais do Cinema Novo, com teor político, feito por militantes até então da UNE, o único filme finalizado pelo CPC, o filme de Eduardo Coutinho Cabra marcado para morrer foi interrompido pelo Golpe de 64 e ver o despertar dos grandes cineastas que estavam por vir, Joa-quim Pedro de Andrade e Leon Hirzman. ■

CINCO VEZES FAVELAMarcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim

Pedro de Andrade e Leon Hirszman: Brasil, 1962

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Você pode pensar: se é uma edição especial da Plongée sobre os anos 60, porque há uma resenha de um filme de 1959?

Facilmente explicável: além de ser a primeira grande obra de Alain Resnais, Hiroshima, Meu amor certamente é um dos filmes mais marcantes e relevantes do cinema con-temporâneo, além de ser o precursor da Nouvelle Vague, movimento que preencheu a década seguinte. Tamanha é a importância do filme que ele está sendo restaurado para ser exibido entre setembro e outubro no Festival de Cine-ma Nova Iorque, durante o momento “Revivals”.

Inicialmente o filme fora idealizado para ser um documentário em curta metragem retratando o legado triste e prejudicial deixado pela bomba ao povo japonês, mas foi acrescentado por Resnais o ingrediente ficcional. O desafio de escrever uma história de amor com o pano de fundo do recente ataque nuclear foi dado a Margarite Duras autora do argumento da película.

O filme aborda desde as suas primeiras cenas uma das dualidades mais amadas pelo renomado cineasta: memória e esquecimento. Nus e entrelaçados em um quarto de hotel, a atriz francesa, chamada apenas de Elle (interpretada por Emmanuelle Riva), que vai à Hiroshima fazer um filme “sobre a paz” e explica tudo aquilo que ela acredita ter visto na cidade: os hospitais, o museu, o trata-mento dado às vítimas, as crianças malformadas por conta do ataque de com força de dez mil sóis. No entanto, seu parceiro - o arquiteto japonês apresentado como Lui (Eiji Okada) - interrompe a narração para afirmar e reafirmar que todos esses relatos não fazem parte de sua memória de fato, mas são por ela inventados. Esse confronto é mostra-

do desde a primeira fala do filme: “Você não viu nada em Hiroshima!”.

Durante a descrição dos fatos pelos protagonistas, nós temos a visão materializada do que é exposto por eles, quebrando as imagens do quarto fechado em que eles dialogam; alternam-se a sensualidade dos corpos dos protagonistas e os vitimizados pela guerra.

Na trama, não podemos saber o que ela efetivamente sabe, mas podemos vê-la recordando o que aparentemente seria o que mais se desejava esquecer. Enquanto ainda em sua cidade natal na França, viu o seu amado soldado alemão morrer em seus braços, tragédia pessoal para ela da mesma proporção que as bombas foram pros milhares de japoneses. Na verdade, a atriz teme esquecê-lo, e contar sua história é uma forma de mantê-lo vivo; no entanto, memórias esmaecem, pessoas se esquecem e são esquecidas: esse sentimento é inevitável e, para chegarmos ao futuro talvez seja necessário largar o passado.

Enquanto fala de memórias, Resnais reinventa a forma de fazer cinema, ignorando a lógica cronológica; não há uma linha temporal em sequência, com passado, presente e futuro se transpassando frequentemente, desa-fiando a narrativa clássica do cinema, além da descrição de um mundo frágil e emocional no período pós-guerra.

Todos temos memórias e Hiroshima, meu amor - um dos mais importantes filmes do século XX e um dos marcos do universo cinematográfico - brinca com elas. É fundamental acrescentar nossa vivência de mundo; do contrário, corre-se o risco de nada ser visto em Hiroshima. ■

Seleção da Redação

HIROSHIMA, MEU AMOR (HIROSHIMA, MON AMOUR)

Alain Resnais: França, 1959

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Enquanto a Tchecoslováquia (atual República Tcheca e Eslováquia) vivia sob um governo comunista, repressivo e autoritário, somos apresentados a duas jovens (Ivana Karbanová e Jikta Cerhová) desiludidas com o mundo e que buscam adequar-se a ele sendo más. A partir desse ponto, vemos as duas vivendo a perversidade que buscavam, quebrando percepções aceitas e vivendo e fazendo o que queriam no momento em que queriam fazê-lo. A isso incluem banhos de sol intermináveis, jantares com homens mais velhos que são facilmente descartados em seguida, divagações sobre a vida, etc.

A juventude é exposta como um presente que guarda a vitalidade e beleza, mas que pode ser um tormento, pois requer uma busca por conhecimento no prazer constante. O hedonismo é muito presente e marcado pela simbologia, por elementos repetidos ao longo da história. O uso dos homens, que lhes pagam presentes e jantares e lhes dão amor; os passeios por diversos lugares, muitas vezes proibidos e que são um desafio à distração; e o mais presente, o da comida. Este é recorrente e ocorre a qualquer momento. Há uma fome nessas meninas que nunca é preenchida. Nos jantares, nas tardes no quarto, sempre a comida é vista em abundância, contudo nunca agrada o suficiente. Nem mesmo em um banquete preparado quase que para essa satisfação tão almejada consegue satisfazê-las. Pelo contrário, quando cansam da refeição, começam a destruir tudo, quebrando copos e pratos, e a fazer guerra de comida, dançando e sorrindo naquele ambiente desolado. Elas só querem se divertir, só querem ter fome. De que têm fome, nem elas mesmas sabem bem. Diversas vezes vemos uma mudança abrupta

de cenário (de um cômodo qualquer para um campo; do campo para um quarto de dormir; do quarto de dormir novamente para um cômodo qualquer), que nos ajuda a perceber as constantes mudanças de humor e de volúpia das jovens. Uma busca sem fim e sem propósito, que culmina em poucas descobertas. Estão sempre em busca de diversão, mas no fim terminam entediadas.

O filme faz uso de diálogos curtos, banais e sem sentido a primeira vista, mas que ganham dimensão com o uso de símbolos, sons e cores/filtros que são sobrepos-tos a cada cena. Isso dá agilidade ao filme e nos leva a percorrer com as protagonistas seus tortuosos caminhos sem perguntar onde e quando; só aceitar a empreitada. A mistura de ambientes, entre o concreto e a natureza, os cômodos fechados e os campos floridos, entre a realidade opaca e os delírios criativos é outro elemento. A colagem de imagens/sons/diálogos permeia toda a história, e tem seu ápice em uma das cenas finais, em que as meninas, fugindo do tédio, começam a recortar pedaços de papéis, até que acabam recortando a si próprias, rindo do resulta-do. Não há um enredo e ele é escrito pelas duas protago-nistas que, ao serem más, como se propunham, cometem excessos e zombam da sociedade em que vivem.

O tempero transgressor em pleno regime comunista era o que pretendia Chytilová com a mistura explosiva de duas personalidades fortes e que andam em compasso, somados as variadas técnicas que quebram e ao mesmo tempo unem as peças que compõe a película. Ela não tem uma ordem, vai seguindo os sonhos do autor e aproximando o espectador da obra. É uma obra de inspiração surrealista, na qual tabus são postos de lado e no lugar deles aparece uma vida comum longe de repressões,

AS PEQUENAS MARGARIDAS (SEDMIKRASKY)

Vera Chytilová: Tchecoslovaquia, 1966

Seleção da Redação

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com a genialidade de quem busca fazer uma forte crítica a uma vida controlada e rígida fazendo uso de recursos que brincam com a realidade de forma exagerada e livre. E essa liberdade é dada a duas jovens mulheres - das quais se espera uma liberdade mais privativa –, que figurariam o caminho para uma reconciliação entre indivíduos e sociedade. Outra inspiração para a diretora é notória: trata-se de um filme pertencente à Nouvelle Vague, movimento artístico nascido na França que mais tarde se espalhou pela Europa e desembocou em diversos movimentos pelo mundo. A importância do autor no momento criativo, usando variados recursos narrativos, cortes inesperados e cenários diversos, e sua busca por contestar o sistema de mundo em que está inserido, são marcas desse movimento que marcou a década de 1960.

A cena final é a apoteose do moralismo, com as depravadas sendo esmagadas por seus próprios excessos. O lustre, que mais cedo serviu de brinquedo para suas sandices, as enterra na escuridão do nada, castigando-as por tentarem compreender as engrenagens do mundo. Mas o que está feito está feito. Suas buscas por prazer e conhecimento já criaram efeito, e esse efeito foi dar ao espectador uma visão de mundo totalmente nova, em que é possível se divertir em meio ao nada e descobrir-se nessa brincadeira. Essas meninas que aparecem e desaparecem com a mesma rapidez não eram más, como pretendiam; são meninas, apenas, que viveram com a liberdade que todos almejam, mas poucos têm coragem de viver. ■

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A imagem que o Ocidente tem da juventude ja-ponesa, de forma geral, está fundada naquilo que sempre se escuta da cultura nipônica: jovens disciplinados, estu-diosos, com grande senso cívico e respeitosos com os mais velhos. No entanto, Nagisa Oshima, em seu filme Contos cruéis da juventude de 1960, nos mostra a sua geração de jovens de modo diferente da conhecida por nós.

A década de 1960 representa no mundo inteiro uma década em que a juventude se rebelou contra os pais, contra os governos autoritários, contra a tradição, ou seja, ela procurava a liberdade. No Japão, isso não foi diferente. E é sobre esses jovens revoltados, ou pelo menos insatis-feitos com a sua situação no mundo, que Oshima trata em seu filme.

Nagisa Oshima era um jovem ele mesmo quando produziu o filme. Tinha apenas 28 anos. Formou-se em direito na Universidade de Kyoto e era bastante ativo no movimento estudantil. Em 1954, começou a trabalhar como assistente de diretor, e em 1959 foi promovido a di-retor, e passou a ser uma figura central da Nouvelle Vague Japonesa. Oshima introduziu uma ruptura no cinema ja-ponês pós-guerra, ao fazer filmes com temáticas políticas e de forma radical.

Contos cruéis da juventude é o seu segundo filme, e foi lançado no meio do tumulto político e manifestações contra a renovação do Tratado de Mútua Cooperação e Segurança entre os Estados Unidos e o Japão. Contos cruéis estabeleceu Nagisa Oshima como líder da nova geração de diretores que se rebelaram contra o sistema de produção hierarquizado.

O longa-metragem narra a história do casal Ma-koto (Kuwano Miyuki), uma jovem colegial, e Kiyoshi (Kawazu Yusuke), um universitário delinquente, ambos atormentados por uma raiva interior e um sentimento de impotência. O filme se inicia com Makoto e uma amiga pegando carona com homens mais velhos, e apesar de seu sorriso inocente, percebe-se na protagonista o seu desdém

pela geração dos mais velhos. Kiyoshi aparece quando Ma-koto é quase abusada sexualmente por um desses homens com quem pega carona. Kiyoshi a salva do abusador, o espanca e extorque dinheiro deste. Então, Kiyoshi tem uma ideia para conseguir dinheiro facilmente - repetir o que havia acontecido, só que de forma consciente. Assim, ele e Makoto passam a extorquir dinheiro de homens de negócios que são seduzidos pela jovem.

Ao longo do filme, os dois personagens deixam cla-ro seu descontentamento com as gerações anteriores que põem o dinheiro em primeiro lugar. No entanto, eles mes-mos são alienados a esse tipo de sociedade e o que pode parecer uma punição aos homens ricos de meia-idade é na realidade uma hipocrisia. Os sentimentos iniciais do casal de emoção e excitação são rapidamente extintos, quando percebem que venderam seus próprios corpos e mentes. Com o tempo, fica impossível para que os dois troquem palavras de carinho sem que no final acabem machucando um ao outro, o que leva ao trágico final, onde cada um tem uma morte trágica de formas diferentes.

De maneira geral, Contos cruéis da juventude é um filme sobre a juventude que após a Segunda Guerra Mundial teve uma representação na cultura japonesa. Diversos filmes com a temática foram produzidos, mostrando jovens rebeldes contra a sociedade e os adultos. Assim como James Dean, muitos desses não têm uma causa aparente. Enquanto anda de motocicleta, um símbolo de liberdade, vemos Kiyoshi vivendo num apartamento precário. O figurino, composto por camisas havaianas e óculos de sol dão a ideia de escapada da vida cotidiana. A abundância mostrada (motocicletas, lanchas, carros importados) é contraposta a uma pobreza, o que enfatiza o sentimento do protagonista de aprisionamento, frustração. É daí que vem a raiva, que não é articulada, e acaba sendo exteriorizada com lutas, confusões, abuso de álcool e criminalidade. ■

Seleção da Redação

CONTOS CRUÉIS DA JUVENTUDE (Seishun Zankoku Monogatari)

Nagisa Oshima: Japão, 1960

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Anna Karina em Viver a Vida, de Jean-Luc Godard

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O RENASCIMENTO DA MUSA

A década de 1960 foi de grande efervescência, sobretudo no cinema. Foi durante esse momento que alguns grupos ou movimentos igualitários surgiram e promoveram discussões não só no plano real, mas no da sétima arte. Um desses, o movimento feminista, lutava contra os valores vigentes na sociedade, que oprimiam as mulheres, rebaixadas a filhas obedientes ou donas de casa recatadas, e que no trabalho não possuíam os mesmos direitos a salário e respeito que os homens. Esse quadro começava a mudar e não poderia ficar fora do foco do cinema, que também passava por alterações fundamentais na história por sua técnica e narrativas diferenciadas. Além disso, a importância não só das musas que surgiram nessa época, mas das diretoras que direcionavam seus filmes para o mundo feminino: seus dilemas, seus desejos, seus infortúnios.

A voz feminina nas narrativas

A Nouvelle Vague, movimento artístico surgido no cinema francês, atuou com força como revelador de mulheres fortes e independentes, provando uma vez o empoderamento feminino. Em Cléo de 5 à 7, de Agnès Varda, vemos a protagonista que dá título ao filme em seu cotidiano, que é dividido em capítulos que vão determinando cada momento das duas horas em que acompanhamos a cantora que sofre de uma doença grave e que, entre uma ação e outra, divaga sobre sua vida, cada vez mais amargurada por seus sentimentos. Em As Pequenas Margaridas, de Vera Chitylová, vemos duas jovens revirando o mundo em que vivem à procura do significado de suas vidas; na empreitada bagunçam tudo o que veem, partem corações de homens carentes e desfilam por diversos cenários, rindo de tudo e procurando por mais.

De Cléo podemos encontrar semelhanças com Mrs.

Dalloway, livro da inglesa Virginia Woolf, famosa por tratar dos dilemas femininos em suas histórias. No livro, assim como no filme, encontramos uma mulher que, ao preencher seu tempo com coisas banais do dia a dia, faz uma divagação sobre o mundo e suas impressões. Num simples ato de ir ao café ou comprar flores para um jantar, elas são capazes de se despirem aos nossos olhos e mostra-rem o quanto se sentem solitárias ao desempenharem suas funções como mulher. Já em Margaridas, as protagonistas não se importam com regras, desejam viver suas vidas do jeito contrário ao que esperam delas, querem ser “más” em um mundo cruel. O que liga essas histórias, tanto de Woolf, Varda ou Chitylová é que são três mulheres que em suas histórias dão voz às mulheres, assim como elas. Superam os “heróis” de maneira espetacular. Não que os homens não tenham importância em algum momento, mas é a ocasião em que elas devem falar.

O novo olhar sobre a mulher e as figuras libertadoras

A visão nova da mulher na sociedade surgiu a partir do estudo importante que culminou no célebre livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. A filósofa existencialista e escritora atenta para o fato de a mulher, mais do que determinada pelo seu sexo biológico, é uma construção social que foi internalizada e perpetuada, o que gerou a frase conhecida “não se nasce mulher; torna-se mulher”. A mulher ao longo do tempo foi subjulgada e tratada como o Outro, a ela sendo apenas permitido por seu “superior” uma “igualdade dentro da diferença”. Contudo, Beauvoir ao verificar “em que pé se encontra a questão”, mostrou um caminho às feministas até a desconstrução do mito do “eterno feminino” que vinculou um esquema que começou a ser quebrado pela mulher contemporânea.

A importância da nova presença feminina no cinema e no mundo

Gabriela Silva

Cinema e Libertação Feminina

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Uma das mais famosas figuras femininas foi a atriz Brigitte Bardot. Conhecida por sua beleza e espírito libertário, foi musa de E Deus Criou a Mulher, de Roger Vadim, filme que possibilitou o surgimento de uma nova linguagem e uso do artista. Nele Bardot encarna uma jovem que com sua beleza desperta o desejo dos homens, mas que por seu comportamento liberal sofre com o preconceito da sociedade. Sensual, o filme diversas vezes mostra sua atriz nua ou remete a uma nudez consentida, desconstruindo a visão de até então.

Se a Nouvelle Vague foi o principal movimento contestatório da década, sua estrela maior foi a atriz dinamarquesa Anna Karina. Ela, que se mudou para Paris sem muitos recursos e mal falando francês, percorreu diversos cafés até notarem sua beleza e a convidarem para fotos publicitárias. Era então modelo quando foi “batizada” como Anna Karina (seu nome real é Hanna Karin) por ninguém menos que Coco Chanel quando trabalhou para sua marca. Modelou até conhecer Jean-Luc Godard (com quem se casou), quando passou a ser a musa de seus filmes, como Uma Mulher é uma Mulher, de 1961, Viver a Vida, de 1963, e Alphaville, de 1965. Ficou marcada por seu carisma e pela força que depositava em suas personagens. Godard disse sobre ela: “É difícil se encontrar uma garota que atire em um homem e depois saia cantando”. Karina é uma inspiração não só para a época, como ainda é vista como a grande musa da Nova Onda francesa, sendo posta ao lado de Audrey Hepburn, estrela hollywoodiana da mesma época.

A sensualidade como arma

Segundo Freud, todo poder é libidinal. Ao saber-mos que as relações humanas são sempre relações de poder, o desejo é um dos objetos de uso feminino para atrair reconhecimento dos homens. A mulher sempre foi colocada como subalterna ao homem; porém, ao se co-locar na posição de mito, é ela quem tem o poder, que é dominante; e, assim, consegue chamar atenção aos seus desejos. Essa é a importância da sensualidade feminina. E mesmo que ela se apresente de forma pura - que não seja uma estratégia, mas algo intrínseco à mulher retratada -, acaba por ter o mesmo efeito. As personagens sensuais aparecem como mais seguras de si. Sua sensualidade é a medida de sua força e vontade sobre seu mundo. Elas não são dependentes.

A musa contemporânea

A encarnação da nova mulher nos anos 60 leva a uma nova figura de musa: feminina, forte, empenhada em escrever sua história, envolver homens em seu laço amoroso, viver paixões, responder questões pessoais, desenvolver perguntas, e repetir tudo quando possível. Em um equilíbrio de beleza e incongruência, hesitação e desenvoltura; contraditória, sensual, imperfeita, complexa. Assim deve ser toda musa que tenha como ordem a de retratar a mulher de nossos dias. Uma inspiração contra toda opressão de sentimentos e desejos. Que caia a tirania! Que venham as donas do universo em que habita toda arte e amor. ■

Cinema e Libertação Feminina

Corrine Marchand em Cléo de 5 à 7, de Agnès Varda

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Cena do filme Terra em Transe de Glauber Rocha

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A VANGUARDA DE HOJE E DE ONTEM

Duas correntes

Em 1952, aconteceu em São Paulo o I Congresso Paulista de Cinema e no Rio de Janeiro o I Congresso Nacional de Cinema. Esses dois Congressos foram um divisor de águas para o Cinema brasileiro, neles foram de-batidas novas ideias inerentes à concepção e a produção cinematográfica.

O cinema brasileiro, até aquele momento vivia di-vidido entre duas correntes: a Chanchada e uma tentativa de Hollywoodização.

A primeira corrente surgiu no Rio nos anos 40 com a Atlântida Cinematográfica, a companhia foi a responsável de criar e gerenciar os projetos artísticos da Chanchada, que consistia num gênero popular de cinema e que visava o entretenimento acima de tudo com histórias com uma perspectiva romanesca, nutrida de muita confusão e com viés cômico, isso que a caracterizou e a define.

Na sua fase inicial seu enfoque era no Carnaval e depois foi se estendeu para o Folclore, com o jeito de fazer cinema norte-americano – apesar do seu baixo orçamento e suas produções serem de baixo custo – mas parodiando usando dos estereótipos brasileiros.

Paralelo a essa corrente com viés cômico, existia em São Paulo a vontade de se fazer cinema nos moldes hollywoodianos, com infraestrutura e técnica. A vonta-de tornou-se realidade quando alguns integrantes da elite paulista - como, por exemplo, Francisco Matarazzo - se juntaram ao produtor italiano Franco Zampari com a proposta de filmar a temática genuinamente brasileira, mas com o aparato técnico e a linguagem do cinema norte-americano, tido por eles como “ o melhor cinema”.

E assim nasceu a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, com estúdios grandiosos com enfoque nos personagens clássicos do regionalismo brasileiro, como o Caiçara, o caipira com Mazzaropi e o O Cangaceiro de

Lima Barreto que teve repercussão internacional. No en-tanto, o jeito de fazer cinema não era brasileiro, não tinha uma identidade brasileira, estava respaldado no american way of life.

Durante os Congressos de 52, essa falta de “brasilidade no fazer cinema” foi um dos grandes de-bates e os jovens frustrados com a realidade cine-matográfica brasileira, saíram de lá com uma ideia fixa, uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Estavam certos de que não queriam fazer um cinema com orçamentos exorbitantes e produções grandiosas, nem histórias alienantes de um cinema meio fast food como as chanchadas.

Eles queriam mais! Ansiavam por um cinema de qualidade e de baixo custo, que tivesse uma realidade e uma linguagem pertinente à situação do Brasil naquele momento.

O mestre e professor

Inspirado no Neo-Realismo italiano, movimento que ficou reconhecido por usar fundamentos da reali-dade numa obra de ficção e que se assemelhava ao docu-mentário, usava de locações reais e temas sociais. Nelson Pereira dos Santos lançou em 1955 o filme que iria revo-lucionar o cinema brasileiro, Rio, 40 Graus.

O filme conta a história de cinco garotos negros que residem na Zona Norte e vendem amendoim na Zona Sul carioca, nos seus principais pontos turísticos, como Corcovado, Copacabana e Pão de Açúcar. A narrativa que mistura ficção e realidade se passa num domingo típico de verão, os protagonistas não são atores profissionais, foram escolhidos no próprio Morro da Cabuçu onde a história se passa.

A obra cinematográfica gerou um mal estar com muitos setores da classe média, que se recusavam a ver

Cinema Novo

Luana Benedito

Panorama Brasil

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realidade social, bem como a pobreza, retratada no cine-ma. Um mês após sua estreia sofreu censura dos militares que alegavam que o filme promovia uma desagregação do país, só apresentava aspectos negativos e atendia a interesses comunistas em alusão à militância de Nelson favorável ao PCB.

Uma série de mobilizações de intelectuais e políti-cos se iniciou com o intuito da exibição do filme, mas somente em 1956, com a posse de JK, o filme pode ser exibido. Nelson produziu nos anos seguintes Rio, Zona Norte e Vidas Secas, tido como um dos melhores filmes do cinema brasileiro.

O cinema experimental e autoral com a finalidade de retratar a realidade brasileira de Nelson Pereira dos Santos abriu caminhos para toda uma geração do cinema na década de 60 e um novo movimento que já havia sido rascunhado por Nelson, seria escrito efetivamente.

Cinema Novo

Durante a década de 60, o cinema mundial vivia uma efervescência com um novo movimento artístico, a Nouvelle Vague, que tinha uma nova proposta estética, câmeras em qualquer ângulo ou posição, cortes repenti-nos, narrativa descontínua em oposição à linearidade que era característica do cinema até então, produção de baixo custo e a amoralidade.

No Brasil, um grupo de estudantes integrantes do jornal O Metropolitano e do CPC (Centro Popular de Cul-tura) são influenciados por essa nova estética, mas com enfoque na realidade brasileira. Influenciados pelo cinema

de Nelson Pereira de Santos e pela admiração por ele, não apenas na esfera cinematográfica, como também política.

Nesse cenário, Cacá Diegues, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Paulo Cesar Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, entre outros, formam um dos importantes núcleos do que viria se chamar Cinema Novo. Cacá Diegues é um dos pioneiros desse movimento, em 1961 faz um curta-metragem, Domingo.

A Nouvelle Vague é inspiração, mas é ressignificada no Brasil. As histórias de amor, as inquietações do indivíduo e os tabus são deixados de lado, para discussões sobre problemas sociais que nada tinham a ver com A Insustentável Leveza do Ser da Nouvelle Vague e estavam mais para a insustentável leveza do viver perante a realidade desigual brasileira

O cinema proposto por esse movimento brasileiro é uma renúncia a tudo que estava sendo feito, até então, com locações externas em vez de estúdio, luzes estouradas, não havia películas adequadas para a luz tropical, eles en-tão, assumiram isso como estética, as câmeras eram subje-tivas, elas participavam ativamente das cenas.

O Cinema Novo pode ser considerado uma expressão tardia do modernismo no cinema, que já havia se consolidado na literatura na década de 20. No entanto, muitos desses clássicos da literatura são revisitados e servem de inspiração para essa geração de cineastas.

Em 1963, Nelson Pereira dos Santos transporta para as telas de forma brilhante a obra emblemática de Graciliano Ramos, Vidas Secas, que foi indicada a Palma de Ouro como melhor filme. Anos depois, com o movimento já consagrado, em 1969, Joaquim Pedro de Andrade filma Macunaíma.

Panorama Brasil

Cena do filme Vidas Secas de Nelson Pereira

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Estética da Fome

O filme Vidas Secas traz uma nova estética que iria caracterizar o Cinema Novo, que tinha como proposta a crítica social e assumir a pobreza e o subdesenvolvi-mento que assolava o Brasil. A escassez dos recursos técnicos seria usada como linguagem cinematográfica. A roupa e o cenário transmitiam a realidade, os conflitos e inquietações. Uma estética que não era bonita, não era agradável de consumir, mas que era necessária e precisa.

Essa estética foi concebida nos filmes entre 63 e 64 e o Nordeste é o cenário, os filmes que seguem Vidas Secas como, Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha e Fuzis, de Ruy Guerra, ambos de 64, trazem a temática nordestina, abordando o sertão, a fome e a miséria.

Um ano após Deus e o Diabo na Terra do Sol, em 1965, Glauber Rocha chamaria essa estética de Estética da Fome e acerca disso ele diz em seu Manifesto:

“A fome latina, por isso, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do cinema novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida. De Aruanda a Vidas secas, o cinema novo narrou, descreveu, poetizou, discursou, analisou, excitou os temas da fome: personagens comendo terra, personagens comendo raízes, personagens roubando para comer, personagens matando para comer, personagens sujas, feias, descarnadas, morando em casas sujas, feias, escuras; foi esta galeria de famintos que identificou o cinema novo com o miserabilismo tão condenado pelo

Governo, pela crítica a serviço dos interesses antinacionais, pelos produtores e pelo público – este último não suportando as imagens da própria miséria.” (EZTETYKA DA FOME 65 – Glauber Rocha)

A História de um Gênio

Em Vitória da Conquista, na Bahia, em 14 de março de 1939 nasceu Glauber Rocha que viria se tornar um dos maiores, quiçá o maior cineasta brasileiro. Anos depois se mudou com a família para Salvador. Na escola tinha aptidões artísticas, sobretudo para performance , gostava de estar envolvido com Arte, escreveu e atuou em peça de teatro, envolveu-se com o rádio e com o cinema.

Já na Universidade de Direito da Bahia o seu en-volvimento com cinema se intensificou e começou a pro-duzir filmagens, sua paixão pelo cinema era tão grande que abandonou o curso de direito, para uma breve carrei-ra como jornalista, escrevendo sobre cinema.

Glauber decide então o seu destino e passa a produzir filmes, o primeiro vem em 1959, um curta-metragem O Pátio. Em 1962 vem sua primeira direção em um longa-metragem Barravento.

Influenciado pela liberdade artística e de câmera da Nouvelle Vague e pelo cinema com uma proposta de crítica social de Nelson Pereira dos Santos, em 1964, lança Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme de prestígio internacional e que consagrou Glauber como o grande cineasta brasileiro.

O filme é a narrativa de um vaqueiro que se revolta contra a exploração imposta pelo Coronel daquela região, o acaba resultando na morte deste e o vaqueiro passa a ser

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Cena do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha

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perseguido por jagunços. A temática da morte continua ao longo do filme juntamente com o ritual e o simbolis-mo da igreja católica, que num primeiro momento é apre-sentada como salvação, mas no fim se mostra tão corrupta e suja quanto os coronéis e latifundiários.

Glauber Rocha traz uma inovação estética para o cinema e mostra um Brasil faminto, injustiçado, reli-gioso e oprimido. Um ponto importante é que o filme foi lançado 19 dias antes do Golpe de 64, que passaria a censurar muitas produções artísticas das mais diferentes linguagens.

“Precisamos resistir! Resistir! E eu preciso cantar! Eu preciso cantar!”

O segundo filme de Glauber foi produzido durante os anos de 64 e 67, num momento em que os militares preparavam o Ato Institucional 5 e o filme foi de imediato censurado.

O filme contava com planos de imagens incomuns e tinha um sincretismo entre o real e o fantástico. A narrativa contava o nascimento e a colonização do país fictício Eldorado, mas que fazia alusão ao momento político brasileiro daquele momento, contava com inúmeras metáforas.

A censura ao filme mobilizou diversos intelectuais do Brasil e internacionais, sobretudo da Sorbonne, como por exemplo, Sartre. Tanta mobilização resultou na exibição do filme em maio de 67 e diversas premiações, um dos prêmios foi em Cannes.

Em 1968 lança o Dragão da Maldade contra o Santo

Guerreiro que traz uma narrativa sobre os ritos folclóricos

da cultura nordestina, por esse filme levou o prêmio de

melhor diretor em Cannes.

Exílio e Morte

Insatisfeito com os rumos políticos brasileiros e

com a radicalização cada vez maior do regime militar,

Glauber partiu para o exílio onde realizou filmes sobre

os movimentos populares pela África e Europa e passou

a escrever para jornais como Pasquim, Folha de S. Paulo e

Jornal do Brasil.

Em 1977, publicou seu único romance, Riverão

Suassuna, o livro é uma fusão entre narrativa, teatro, poe-

sia e jornalismo.

O ano de 1980 ficaria marcado pelo seu último

filme, A Idade da Terra que tem seu roteiro baseado no

poema de Castro Alves e retrata as figuras messiânicas. O

filme reconta os mitos cristãos da perspectiva da mestiça-

gem étnica brasileira e sua cultura, símbolos e costumes.

Como de costume Glauber foi premiado pela obra.

No ano de 1981, em Agosto, Glauber é internado

devido à complicações pulmonares, permanece em coma

por cerca de um mês após ser transferido para o Rio de

Janeiro, mas não resiste. Falece aos 42 anos deixando um

legado e sendo o maior cineasta brasileiro até os dias de

hoje. ■

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Glauber Rocha

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Imagem da capa e contra capa: Cena do filme Os IncompreendidosImagem da página 1: Cena do filme Barravento

Imagens do índice de cima para baixo: Jean-Luc Godard, Allain Resnais, cena do filme As Pequenas Margaridas, Anna Karina e cena do filme Terra em Transe

Julho/2014

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PLONGÉE #7