PLANTIO DIRETO Explorar bem o solo exige, antes, …a partir da adoção da braquiária. Vamos aos...

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A GRANJA | 63 Explorar bem o solo exige, antes, resgatar a sua FERTILIDADE PLANTIO DIRETO Luiz Lourenço, presidente do Conselho de Administração da Cocamar Cooperativa Agroindustrial O sistema de plantio direto na pa- lha está entre os diferenciais da atividade agropecuária sustentável que se desenvolve no País. Nas regiões Norte e Noroeste do Paraná – estado que detém apenas 3% do território nacional e responde por 25% da safra de grãos –, essa prática se fortaleceu e se tornou ain- da mais eficaz nos últimos dez anos, após a introdução da braquiária pela Cocamar, utilizando um modelo desenvolvido e orientado pela Embrapa. A braquiária não apenas oferece sustentação a projetos de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), mas também avança – e rapida- mente – entre produtores de grãos que não praticam projetos integrados. Com a intensificação do cultivo de milho no inverno, que passou a ocupar a maior parte das terras na sucessão da soja, começou a haver uma visível perda de qualidade do plantio direto, visto que a palhada remanescente do milho se decom- põe com rapidez sob altas temperaturas, deixando o solo desprotegido no verão. Além disso, alguns produtores erradica- ram ou deixaram de fazer a manutenção de curvas de nível, a pretexto de que elas dificultam a movimentação de máquinas maiores. Como os meses quentes estão geralmente associados a chuvas que po- dem alcançar grande intensidade, é fácil imaginar os danos e efeitos ocasionados por tais fatores – em especial, o processo erosivo. A agropecuária brasileira vive um mo- mento decisivo, em que se faz indispen- sável ajustar o foco no constante aumen- to da produtividade, por meio da adoção de tecnologias atualizadas e práticas sus- tentáveis, seguindo orientação técnica pro- fissional. Na Cocamar, é realizado um tra- balho muito intenso nesse sentido, incen- tivando que produtores cooperados ex- plorem todo o potencial produtivo de suas lavouras, lançando mão de boas práticas a partir da adoção da braquiária. Vamos aos exemplos. No Noroeste paranaense, Fotos: Divulgação Imagem clássica de um solo protegido com palha de braquiária de um sistema de integração lavoura-pecuária

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Explorar bem o soloexige, antes, resgatar a

sua FERTILIDADE

PLANTIO DIRETO

Luiz Lourenço, presidente do Conselho de Administração da Cocamar Cooperativa Agroindustrial

O sistema de plantio direto na pa-lha está entre os diferenciais daatividade agropecuária sustentável

que se desenvolve no País. Nas regiõesNorte e Noroeste do Paraná – estado quedetém apenas 3% do território nacional eresponde por 25% da safra de grãos –,essa prática se fortaleceu e se tornou ain-da mais eficaz nos últimos dez anos, apósa introdução da braquiária pela Cocamar,utilizando um modelo desenvolvido eorientado pela Embrapa. A braquiária nãoapenas oferece sustentação a projetos deintegração lavoura-pecuária-floresta(ILPF), mas também avança – e rapida-mente – entre produtores de grãos quenão praticam projetos integrados.

Com a intensificação do cultivo demilho no inverno, que passou a ocupar amaior parte das terras na sucessão da soja,começou a haver uma visível perda dequalidade do plantio direto, visto que apalhada remanescente do milho se decom-põe com rapidez sob altas temperaturas,deixando o solo desprotegido no verão.Além disso, alguns produtores erradica-ram ou deixaram de fazer a manutençãode curvas de nível, a pretexto de que elasdificultam a movimentação de máquinasmaiores. Como os meses quentes estãogeralmente associados a chuvas que po-dem alcançar grande intensidade, é fácilimaginar os danos e efeitos ocasionadospor tais fatores – em especial, o processoerosivo.

A agropecuária brasileira vive um mo-mento decisivo, em que se faz indispen-sável ajustar o foco no constante aumen-to da produtividade, por meio da adoçãode tecnologias atualizadas e práticas sus-tentáveis, seguindo orientação técnica pro-fissional. Na Cocamar, é realizado um tra-

balho muito intenso nesse sentido, incen-tivando que produtores cooperados ex-plorem todo o potencial produtivo de suaslavouras, lançando mão de boas práticasa partir da adoção da braquiária. Vamosaos exemplos. No Noroeste paranaense,

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onde há cerca de 2 milhões de hectaresde solo de consistência arenosa – o cha-mado arenito caiuá –, é enorme o poten-cial de expansão de uma atividadeagropecuária altamente produtiva, pois oque mais se vê nessa região são pastosdegradados e com modesto retornoeconômico.

Para se ter ideia, segundo dados doDepartamento de Economia Rural (Deral),da Secretaria de Estado da Agricultura edo Abastecimento (Seab), a média nãopassa de meia carcaça animal por hecta-re/ano, o equivalente a três ou quatro ar-robas de carne. Com o atual período deinverno e o prolongado déficit hídrico,esses pastos se encontram ainda maissofríveis, o que acentua a percepção deque a pecuária, salvo exceções, continuasendo mantida com técnicas ultrapassa-das, fruto da notória resistência depecuaristas em incorporar tecnologiasmais modernas.

As exceções referidas estão, principal-mente, em bem conduzidos projetos deILPF, incentivados, há mais de duasdécadas, pela cooperativa, como umaforma de diversificar e equilibrar a receitadas propriedades e reverter a curva de em-pobrecimento econômico regional,observada, em especial, nas pequenas ci-dades. Em concurso de produtividade de

soja promovido pela Coca-mar entre os seus coope-rados, referente à safra2017/18, verificou-se queos dez primeiros colocadosna categoria ILPF apre-sentaram média de colhei-ta que variou de 67,1 a 87,8a sacas por hectare, ao pas-so que, na categoria geral –incluindo concorrentes quecultivam os solos mais fér-teis do Norte do estado –, amédia entre os dez primei-ros situou-se entre 80,5 a94,9 sacas/hectare.

Os números demons-tram que, em algumas re-giões do arenito paranaen-se – onde as condições de

solo e clima são mais desafiadoras para aprodução de soja –, houve médias de pro-dutividade semelhantes ou superiores nacomparação com as dos solos de melhorfertilidade no Norte. Nos dez primeiros co-locados da categoria ILPF, constatou--se,de maneira muito clara, o quanto a presen-ça da braquiária tem sido crucial para a ob-tenção dos bons resultados, que não se li-mitam ao maior volume de palha para pro-teger a superfície do solo no verão, man-tendo-a úmida e fresca por mais tempo apósa chuva. A cobertura de palha minimiza oefeito de estiagens de curta duração, inibeervas daninhas e favorece o desenvolvimen-to da planta, mas há outros benefícios a con-siderar.

Sob a cobertura, uma intensa vida micro-biana se desenvolve, ao mesmo tempo emque o sistema radicular desse capim, que pode

chegar a dois metros de profundi-dade, agrega o solo, suaviza o im-pacto de chuvas fortes, absorve aumidade, controla a erosão e rom-pe a camada compactada, sem es-quecer, ainda, que esse denso en-raizamento promove a reciclagem

Produtor mostra a volumosapalhada de braquiária em

lavoura de soja, consequênciado bom manejo

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de nutrientes das camadas mais profundas dosubsolo, trazendo-os para perto da superfí-c i e .Em resumo: tal conjunto de fatores,combinado com a adoção de tecnologiasrecomendadas por profissionais de reco-nhecida capacidade técnica – entre elas,sementes, fertilizantes e controle fitossani-tário –, se expressará no crescimentosustentável da produtividade. No entanto,se o produtor investir apenas nas melhorestecnologias, deixando em segundo planoos cuidados básicos com o solo, os resul-tados certamente não serão os mesmos.

Base para o ciclo seguinte — No casoda ILPF, vale frisar, ainda, que a braquiá-ria, semeada logo após a colheita da sojapara servir de base ao plantio direto no cicloseguinte, terá papel decisivo, nesse inter-valo, para o fortalecimento da atividadepecuária. Seu volume abundante de massaverde é utilizado durante os meses maiscríticos do inverno, em que os pastos tra-dicionais escasseiam, como pastagem dealta qualidade. No caso da ILPF, é a lógicada lavoura financiando a pecuária aoreestruturar, física e quimicamente, o solo,

resgatando a sua fertilidade natural. Se, por um lado, as médias baixíssi-

mas observadas nos pastos degradadosdo Noroeste do Paraná, de três a quatroarrobas de carne por hectare/ano, levama uma previsível situação de insolvênciada pecuária tradicional, de outro, há umforte impulso de produtividade em proje-tos integrados. Graças à disponibilidadede alimento farto com a presença da bra-quiária, se torna possível engordar animaisa pasto mesmo no inverno e atingir médiassuperiores a 20 ou até mesmo a 25 arrobaspor hectare.

Não estamos falando de sonhos oufazendo meras conjecturas: essa agrope-cuária dinâmica e vibrante é algo que já seobserva na prática em inúmeras proprie-dades do Noroeste do estado, como tam-bém em muitas outras regiões brasileiras,onde os produtores compreenderam anecessidade de buscar novas propostaspara viabilizar os seus negócios eencontraram, na ILPF, a melhor alternati-va. Números da Associação Rede ILPF,que incentiva a expansão de projetos inte-grados, estima que esse modelo produtivojá atinja mais de 15 milhões de hectares noPaís. Com a decisão de aceitar eimplementar as orientações técnicaspreconizadas, na firme decisão de adotarum projeto duradouro e que seja bem feito,produtores ligados à Cocamar têmdemonstrado que a agropecuária pode sermuito maior e mais forte do que se imagina.

Em meio aos grandes contrastes quese enxerga atualmente no referido areni-to paranaense, com produtores de grãose carne alcançando patamares de produ-tividade bastante respeitáveis, ao lado deoutros que continuam refratários etendem a se inviabilizar no curto prazo,pode-se fazer uma reflexão do quanto épossível crescer e gerar riquezas na inex-plorada imensidão de solos arenosos doParaná e estados vizinhos – Mato Gros-so do Sul e São Paulo. Ora em grandeparte subaproveitados, apresentam po-tencial e características semelhantes, to-talizando perto de 7 milhões de hectares,quase uma vez e meia a área cultivadacom grãos no Paraná.

Em sistema ILPF, ao reestruturarfísica e quimicamente o solo, revitalizan-do-o, a lavoura financia a pecuária e, maisdo que isso, impulsiona os seus resulta-dos, promovendo maior fluxo de caixa,modernizando a gestão, reduzindo o tem-po de abate e assegurando a melhoria da

Pastejo em braquiária no invernono Paraná, em área que foi

ocupada por lavoura desoja no verão

qualidade da carne. Completando, o “F”do sistema é o plantio intercalar de florestade eucaliptos para, com o sombreamento,oferecer maior conforto térmico ao rebanhoe uma fonte adicional de renda.

Ainda sobre a braquiária, vale fazermenção ao seu crescente avanço na mo-derna agricultura de grãos, que caminhapara atingir, também, padrões aceitáveis desustentabilidade. Na região da Cocamar, amaior consciência dos produtores danecessidade de proteger o solo no verão,criar um ambiente mais favorável aodesenvolvimento da lavoura e minimizaros efeitos da irregularidade climática fezcom eles se rendessem aos benefíciostrazidos por esse capim. Com a orientaçãoda cooperativa, ele é semeado de formasolteira ou em consórcio com o milho deinverno, em áreas maiores a cada ano. Paramuitos, “plantar mato” parecia absurdo,mas é medida imprescindível no amplo es-forço de reinventar a agricultura, sob oentendimento de que, para explorar o solo,é necessário, primeiro, reconstruir a suafertilidade, o que – importante ressaltar –não se faz de uma hora para a outra, masao longo dos anos e de maneirapermanente.