Planejamento Ambiental de Quintais de Salvador, Bahia

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    1. INTRODUO

    Os ltimos anos registram um crescente interesse por um corolrio de ques-tes conhecido como Problemtica Ambiental. Ressalte-se que tal interesseno manifestado apenas por parte das universidades e dos institutos de

    pesquisa, mas tambm por outros setores da sociedade, como as OrganizaesNo-Governamentais (ONGs). No discurso dessas entidades ambientalistas,uma grande nfase dada s questes ecolgicas globais, como a destruioda camada de oznio e o desmatamento das florestas tropicais, entre outras.

    Entretanto, pouco se discute sobre as cidades, como se seus problemas noguardassem relao com a preservao do ambiente: seriam problemasurbanos; inerentes urbanizao, e no problemas ambientais. ainda correntea idia de natureza como natureza bruta ou museu natural. Ocorre que, comoafirma Anne Spirn (1995: 20), no existe natureza em estado puro, e mesmo os

    SUPERANDO A ANTTESECIDADE/NATUREZA: PLANEJAMENTO

    AMBIENTAL DOS QUINTAIS DE PIRAJ

    (SALVADOR, BAHIA)FBIOANGEOLETTO *

    MARTAMORENO **PATRICIA GUIMARAES PINHEIRO ***

    SARABARRASAGARCIA****

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    mais recnditos ecossistemas sofrem influncia antrpica, direta ou indireta.

    O cidado comum partilha desse iderio: para ele, a natureza situa-se fora doslimites da cidade: so as praias paradisacas que o recebem nas frias ou amais inatingvel floresta tropical, salva da mcula do urbano. Assim, no imagi-nrio da sociedade brasileira a questo ambiental refere-se a problemas deuma ordem distante, como as chuvas cidas. Tim Campbell (1992: 191) noesconde a ironia dessa situao distorcida: enquanto problemas imediatos,circunscritos ao ambiente mais prximo (a casa, o bairro), como a falta de

    saneamento1, so freqentemente ignorados por grupos ambientalistas epoderes pblicos, as atenes internacionais voltam-se para questes como oburaco na camada de oznio.

    Quando o tema Ecologia mencionado, salta aos olhos o fato de que poucasreferncias so feitas ao problema rboreo nas cidades, como se os problemasecolgicos s existissem fora do permetro urbano. Quando h, o planejamento pouco eficiente no tocante ao aumento e conservao das rvores urbanas. Emsuma, enquanto cresce a preocupao com o ambiente, ainda enxerga-se a cidade

    como um lugar de negao da natureza.

    Entre os urbanistas tambm persiste a crena de que cidades so a anttese danatureza. Essa crena dominou a forma pela qual a cidade percebida e conti-nua a afetar a forma como ela construda. Nas palavras da biloga MariaAngela Leite (1994: 140),

    as prticas do urbanismo no fazem uso do conjunto de caractersticas

    naturais e sociais de um lugar da natureza desse lugar paraavaliar, selecionar, emitir juzo ou implantar concepes de organiza-

    o urbana, mas parecem procurar perpetuar, numa atitude temerria,

    a reproduo de modelos parciais, generalizantes e dogmticos que,

    Fbio Angeoletto et al.

    1. Ou, no caso de Salvador, a falta de uma adequada arborizao nas encostas. O

    desmoronamento de encostas acarreta tragdias previsveis e que se repetem, como a de

    maio de 1999, quando toneladas de terra soterraram a Avenida Suburbana, matando

    vrias pessoas.

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    apesar de reduzir a natureza ao urbano, no tm a capacidade de inte-grar o natural e o construdo.

    A negao da cidade como uma parte da natureza constitui o que AntonioCarlos Diegues (1996: 13) classifica como mito moderno da natureza intoca-da. O conceito de natural/selvagem fundamentalmente uma percepo urba-na. Da a dicotomia urbano/natural, constituindo o natural aquelas reas quedevem ser preservadas como templos intocveis. O iderio a que se refereDiegues transparece na anlise feita por ele em documentos do Instituto

    Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama)dos anos 80, onde descobriu-se que a referida instituio propunha at mesmoa retirada de populaes tradicionais (como ribeirinhos, caiaras e indgenas)das reservas ecolgicas, ignorando o conhecimento e manejo centenrios dasflorestas que esses povos possuem.

    2. CONSEQNCIAS DA ANTTESE ENTRE CIDADESE NATUREZA PARA O PLANEJAMENTO

    O iderio da cidade como um artefato, em oposio natureza, tem evidente-mente ocasionado erros na conduo do planejamento das cidades. A Orga-nizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco)

    preconiza o planejamento de base ecossistmica como um pr-requisito essen-cial para a sobrevivncia e o bem estar das populaes humanas no presente eno futuro. No obstante, o planejamento das cidades carece de uma viso ecos-sistmica. O planejamento urbano tem sido feito muito mais a partir de cri-

    trios econmicos do que de ecolgicos (cf. Zaremba, 1986: 80). precisorepensar os conceitos ambientais no urbano, visando o estabelecimento de no-vas metodologias e tcnicas aplicveis ao planejamento do ambiente urbano.

    Ao desconsiderar critrios ambentais, o planejamento das cidades agravoualguns problemas e at mesmo causou outros: gua e ar poludos, recursos di-lapidados, demandas crescentes de energia (cf. Spirn, 1995: 21; 44-45). Numexemplo de como a desconsiderao de critrios ambientais podem ser preju-diciais, inclusive em termos estritamente econmicos, recentemente a cidade

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    de Boston (EUA) inaugurou um centro de compras e uma torre de escritrios.lnvestidores esperavam um lucro macio obtido por uma exploso de vendas,o que no ocorreu, pois as speras condies de vento criadas pela torre afas-taram os consumidores. A parte aberta do shopping era sistematicamente fus-tigada por ventos fortes, que atiravam partculas de areia nas pessoas. Comoresultado, a maioria de suas lojas foi fechadas.

    Outro bom exemplo de um planejamento equivocado, que desconsidera pro-cessos naturais, est materializado na barragem de Assu (Egito). Ao ser eri-

    gida no alto do rio Nilo, no foi levada em conta a ecologia do caramujotransmissor da esquistossomose. Se antes da barragem, os caramujos eramlevados pelas guas do rio, depois de construda aumentou o nmero de ca-nais por onde os caramujos puderam proliferar e a doena espalhou-se rapi-damente pelo Egito (idem: 261).

    Felizmente, no campo das polticas urbanas brasileiras vem ganhando espao,ainda que de maneira incipiente, a idia de que uma abordagem integrada dos

    problemas urbanos enfocados sob a tica do meio ambiente pode gerar uma

    nova agenda de questes a serem contempladas no planejamento e gesto dascidades. Porm, preocupante o carter quase sempre corretivo, e no ante-cipativo, dessas polticas urbanas, o que contribui para agravar os problemasambientais enfrentados especialmente pelas grandes cidades brasileiras (cf.Angeoletto, 2000). Alm disto, h uma falta de comunicao entre a comu-nidade cientfica e os responsveis pelo planejamento, gesto e tomada dedecises, de maneira que apenas uma pequena parte da pesquisa ambiental aplicada em planejamento e gesto (cf. Celecia, 1994: 3).

    3. A CIDADE DO PONTO DE VISTA ECOLGICO

    Eugene Odum (1985: 45) desarma a separao cidade/natureza quando clas-sifica a cidade como um ecossistema heterotrfico. Isso significa que, sob o

    prisma da Ecologia, as cidades esto para a natureza assim como as maisrecnditas florestas tropicais. Ecossistemas heterotrficos so aqueles que

    possuem uma produo fotossinttica insuficiente para a manuteno dos

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    organismos hetertrofos (animais, fungos etc.). Sistemas dessa natureza so-brevivem importando insumos de ecossistemas vizinhos. Os assentamentoshumanos sempre se constituram em alguma forma de transformao do meionatural preexistente. Desde a pr-histria, o meio natural vem sendo modifi-cado, transformado ou comprometido.

    Todavia, a rpida urbanizao que temos assistido nos ltimos sessenta anostem mudado a fisionomia do planeta mais do que qualquer outra atividadehumana. A constatao da forte influncia da urbanizao pode parecer um

    equvoco quando verifica-se que a rea ocupada pelas cidades situa-se entresomente 1 e 5% da parte terrestre do globo2. Ocorre que, por seu carter he-terotrfico, os ecossistemas importam grandes quantidades de energia e mate-riais de outros sistemas e exportam os dejetos produzidos. Este ciclo contnuode importao/exportao altera sobremaneira a natureza dos rios, florestas,campos, oceanos e a prpria atmosfera. por isso que as cidades, mesmoocupando uma rea nfima da superfcie terrestre, contribuem para o consumode 76% da madeira industrializada e de 60% da gua doce do planeta (cf.Girardet, 1997: 9; Worldwatch Institute, 1999)3

    Isto significa que, embora as cidades sejam descritas como entidades geogr-ficas isoladas, elas dependem dos recursos naturais de vastas regies muitoalm de suas fronteiras. Para quantificar o volume de recursos consumidos

    pelas cidades, Mathis Wackernagel e Willian Rees (1996) criaram um concei-to, apegada ecolgica (ou ecological footprints), para medir a dependnciaentre as cidades e seus hinterlands.

    2. Mesmo aps a intensa urbanizao ocorrida nos ltimos cem anos, a rea ocupada

    pelos espaos urbanos uma pequena frao da superficie dos continentes. Os Estados

    Unidos, por exemplo, tm 53% de sua populao ocupando apenas 0,7% do territrio

    nacional (apud Serra, 1987: 7). Metade da populao mundial vive em cidades com mais

    de vinte mil habitantes e ocupam uma rea inferior a 2% dos continentes.

    3. Para se ter uma idia da capacidade de alterao dos ecossistemas urbanos, cientis-

    tas encontram resduos qumicos de origem industrial na neve da Antrtida, nos peixes de

    mares profundos e nas guas subterrneas (cf. Santos, 2000).

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    A pegada ecolgica definida como o total da rea de terra produtiva e guarequeridos permanentemente para produzir todos os recursos consumidos eabsorver todos os dejetos produzidos por uma determinada populao. A pega-da ecolgica de cidades como Los Angeles ou Londres provavelmente pos-suem reas entre cem e trezentas vezes maiores que a ocupada pelos prpriosassentamentos. A pegada ecolgica de Londres, com 12% da populaaobritnica, estende-se hoje por cerca de vinte milhes de hectares, o que equi-vale ao total de terras produtivas da Gr-Bretanha (cf. Girardet, 1997: 11). Seo padro dos londrinos fosse estendido ao resto das populaes urbanas do

    mundo, seriam necessrios trs planetas Terra para sustentarem a todos.

    4. IMPACTOS DOS ECOSSISTEMAS URBANOS SOBRE A BIODIVERSIDADE

    O principal impacto dos ecossistemas urbanos sobre a biosfera a contnuaperda de biodiversidade devido s suas pegadas ecolgicas. reas urbanas sosinnimos de perturbao de ecossistemas e de eroso de diversidade biol-gica, aqui entendida como o grau de variedade na natureza, incluindo tanto onmero quanto a freqncia de gens, espcies e ecossistemas em determina-da regio. normalmente considerada em trs nveis diferentes: diversidadegentica, de espcies e de ecossistemas (cf. Murphy, 1997: 89-97).

    Historicamente, as reas urbanas foram as primeiras regies onde houvematana excessiva de vida selvagem para a obteno de alimento, peles e

    penas. Outro fator de reduo de biodiversidade a introduo de espcies ani-mais exticas que caam as populaes nativas e competem por recursos limi-tados. A biodiversidade tambm pode ser impactada de outros modos, atravsda emisso de poluentes na atmosfera e em cursos dgua. Esse conjunto defatores contribui para a extino de espcies. A taxa natural de extino, quedurante os ltimos 600 milhes de anos foi de cerca de uma por ano, hoje cerca de cem ou, talvez, milhares de vezes maior (cf. Myers, 1997: 36).

    Com a reduo da biodiversidade, servios ecolgicos essenciais, como a re-gulamentao da qualidade e quantidade da gua, a regenerao de plantas eanimais, a ciclagem de nutrientes e a excluso de extremos climticos podem

    Fbio Angeoletto et al.

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    ser prejudicados ou totalmente perdidos, o que preocupante (cf. Brady, 1997:522). Essa a razo antropocntrica mais importante para a preservao dabiodiversidade: o papel que os microrganismos, as plantas e os animais desem-penham no fornecimento de servios ambientais sem os quais no possvel asobrevivncia da humanidade. Podemos citar como servios ambientais amanuteno de reservas de gua doce, a estabilizao climtica global, a poli-nizao de lavouras, a manuteno da fertilidade dos solos pelos microrganis-mos e a diminuio da poluio atmosfrica, entre milhares de outros.

    Os ecossistemas urbanos influenciam negativamente a biosfera, mas h tam-bm diversos aspectos positivos a serem destacados. A idia da cidade comoum conjunto de ecossistemas torna possvel visualiz-la como um lugar emque uma grande variedade de recursos naturais, humanos e sociais soentrelaados, criando-se uns, consumindo-se outros, enquanto alguns sodeixados como resduo. Trata-se, portanto, de uma idia valiosa para as prti-cas de educao ambiental, na medida em que contribui para a negao daanttese cidade/natureza.

    Do ponto de vista ecolgico, melhor que as pessoas concentrem-se emcidades, pois suas necessidades so atendidas mais facilmente. O uso de ener-gia mais eficaz nas cidades do que em assentamentos dispersos (cf. Alberti,1997: 3). Tambm mais fcil corrigir eventuais impactos ambientais, bemcomo melhorar a qualidade de vida dos urbanitas (cf. Lugo, 1991: 34). J do

    ponto de vista da sociedade, as cidades produzem uma grande quantidade deinformao, conhecimento, cultura e tecnologia, exportando-os para outrossistemas (cf. Celecia, 1997: 5). Na medida em que seus cidados podem

    aproveitar os recursos de informao disponveis nas cidades, nelas ondepodem ser encontradas as solues para uma boa parte de seus problemas (cf.Campbell, 1992: 182).

    O problema no est nas cidades em si, mas na maneira ecolgica e social-mente desequilibrada pela qual so construdas. Urge que sejam abandonadasformulaes simplistas como as de Helena Sobral (1995) e Sharon Ede(1999), que classificam as cidades como um cncer, como uma doena pro-

    gressiva e sem cura, que se espalha pelo mundo. Pens-las como comparti-

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    mentos destacados da natureza contribui para o agravamento de seus impac-tos, j que corrobora uma inrcia dos planejadores, preocupados apenas emverificar as condies tcnicas para a execuo de uma obra e no em discu-tir, por exemplo, limites ecossistmicos para a urbanizao ou a elaborao detcnicas arquitetnicas que permitam uma coexistncia entre os ecossistemasurbanos e a biosfera.

    Tambm desanimadora a posio de bilogos e ambientalstas ao insistiremnuma ideologia onde o humano aparece sempre como vilo, como um destru-

    idor, necessariamente incompatvel com qualquer outro sistema que no osurbanos, sendo necessrio sempre criar reservas que o excluam. Afinal, coma expanso do fenmeno urbano, torna-se impossvel a compreenso (e re-soluo) dos grandes temas nacionais (entre eles a questo ambiental) semrelacion-los com a questo urbana.

    Para corrigir essa viso distorcida dos problemas ambientais, Campbell(1992: 192) prope a adoo de um novo ethos ambiental, que leve em contatanto o bem-estar das populaes humanas quanto a importncia da preser-

    vao da diversidade biolgica. Procurando contribuir para a diminuio dosimpactos ambientais ocasionados pela urbanizao no Brasil, e para a melho-ria da qualidade de vida dos urbanos, apresentamos nas pginas seguintes osresultados de um projeto de pesquisa e extenso executado no bairro dePiraj, em Salvador (BA).

    5. PLANEJAMENTO DA ARBORIZAO DOS QUINTAIS DE PIRAJ

    Neste projeto, decidimos investigar os quintais do bairro de Piraj. Infeliz-mente, o quintal no tem merecido a ateno dos planejadores urbanos bra-sileiros. Em pases como Cuba, o plantio de frutferas e outras plantas de carteralimentcio nos quintais fortemente incentivado atravs de polticas pblicas(cf. Pinderhughes, 2004). Se bem projetados, os quintais podem diminuir o con-sumo de energia eltrica, ao mesmo tempo que proporcionam alimentos ricosem vitaminas e fibras aos seus usurios. Podem, portanto, diminuir a pegadaecolgica das cidades. Basta arboriz-los com rvores frutferas.

    Fbio Angeoletto et al.

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    A escolha do bairro no foi casual: Piraj contguo ao Parque Metropolitanode Piraj, um enclave de Mata Atlntica com cerca de 1550 hectares. Locali-zado no Subrbio Ferrovirio de Salvador, uma zona de pobreza extrema, oParque vem perdendo sua cobertura vegetal por diveras presses antrpicasdos bairros que o circundam. Defendemos que a maneira mais eficaz dereduzir essas presses atuando na melhoria da qualidade de vida dos bairrosvizinhos ao Parque.

    lnicialmente optou-se por pesquisar os quintais mais prximos ao Parque

    Metropolitano de Piraj, pois havia a inteno de que as rvores frutferas ali-mentassem tambm polinizadores e dispersores de sementes no interior damata. Contudo, a literatura sobre esses animais descreve uma grande capaci-dade de movimentao para obteno de alimentos, no ocorrendo portanto anecessidade de concentrar os plantios. Tinhamos como hiptese que os quin-tais mais prximos ao Parque seriam mais vegetados. Verificamos, contudo,que no h uma segmentao ntida, ou seja, quintais com alta diversidadevegetal ocorrem prximos e distantes do Parque.

    Os moradores do bairro foram entrevistados em relao vegetao existentenos quintais e ao interesse em receber mudas de frutferas para plantio nosquintais. J os quintais pesquisados foram discriminados em quatro catego-rias, quanto presena de vegetao, a saber: (1) quintais com diversidadevegetal inexistente; (2) com diversidade vegetal baixa (de 1 a 5 espcies); (3)com diversidade vegetal mdia (de 6 a 15 espcies) e (4) com diversidadevegetal alta (mais de 15 espcies). Assim, dos 142 quintais pesquisados,18,3% no possuem qualquer espcie vegetal, 39,43% possuem baixa diver-

    sidade vegetal, 28,87% apresentam mdia diversidade e 13,4% a tm alta.Ademais, 79,57% das famlias entrevistadas declararam-se interessadas emreceber mudas para plantio em seus quintais. significativo o nmero dequintais com nenhuma ou baixa diversidade vegetal (57,73%), o que pode serexplicado em parte pela grande demanda por espao: as famlias crescem eacabam construindo nos espaos ociosos de seus lotes.

    A falta de conhecimento dos moradores dos benefcios advindos da presena devegetao em seus lotes leva-os a atitudes extremas, como arrancar todas as r-

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    vores e arbustos e cimentar as reas livres de seus quintais, o que certamentecontribui para um aumento da temperatura das residncias, causando desconfor-to ambiental e aumento do consumo de energia eltrica. Tambm importantecomentar que parte dos quintais com mdia ou alta diversidade apresentamgrande parte das plantas em vasos, de forma que a rea para plantio de artreas diminuto ou inexistente. Dada a afinidade desses moradores s pIantas,recomenda-se o estmulo ao cultivo de vegetao em vasos, os quais podem con-tribuir para o abrandamento de pequenas ilhas de calor geradas nas residncias.

    Por fim, foi significativo constatar o grande interesse pelo recebimento demudas, presente em quase 80% dos entrevistados. Seguramente, pode-se esta-

    belecer uma relao entre as famlias entrevistadas que no possuem qualquertipo de planta (18,3%) e os 20% que declararam no estar interessados emreceber mudas, pela falta de espao.

    6. ARBORIZANDO OS QUINTAIS DE PIRAJ

    Luiz Mello Filho (1985: 118; 122) classifica a arborizao de espaos priva-dos como importante pelo aumento da concentrao de rvores cujo custo demanuteno no onera o errio pblico. O espao, que muitas vezes falta nascaladas e passeios, pode sobrar nos espaos privados, da a importncia de

    plantios nesses locais. O primeiro passo para concretizao de plantios de mu-das de frutferas nos quintais do bairro foi a elaborao e realizao de umminicurso aos estudantes do ensino mdio do Colgio Estadual AlbertoSantos Dumont, em Piraj.

    O Curso, denominado A importncia da arborizao para o nosso bairro,com 6 horas aula de durao, teve cerca de sessenta participantes. Os conte-dos ministrados versaram sobre a cidade do ponto de vista ecolgico, oParque Metropolitano de Piraj, os benefcios da arborizao e os resultadosda pesquisa acerca da diversidade vegetal realizada nos quintais do bairro. Nofinal do minicurso os estudantes foram convidados a participar como volun-trios de um plantio de duzentas mudas de rvores frutferas (cujos gnerosesto discriminadas na Tabela 1, abaixo) em 29 dos quintais pesquisados.

    Fbio Angeoletto et al.

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    A maior dificuldade dos plantios residiu no deslocamento das mudas pelobairro, que possui relevo bastante irregular. Mesmo com o aluguel de umaKombi para o transporte, havia alguns quintais onde s se chegava a p,descendo ladeiras ngremes. Isso limitou os quintais contemplados em 29 dototal de 142 pesquisados. Por outro lado, a receptividade dos moradores foitima, mesmo que muitos no se lembrassem mais de nossa visita anterior,

    por ocasio da pesquisa nos quintais. Muitas pessoas nos abordavam pergun-tando se ramos do governo, da prefeitura ou do Ibama. E a maioria delassolicitava uma ou mais mudas para plantio em seus quintais. Tais fatos so

    indicativos de que um programa de plantios em larga escala nos quintais dobairro teria um macio apoio popular.

    TABELA 1

    GNEROS PLANTADOS NOS QUINTAIS

    Nome popular Gnero

    Abio Lucuma spAbric Prunus sp

    Ameixa Prunus spAmora Morus sp

    Fruta-do-Conde Annona spGraviola Annona spGroselha Rubus spJambo Jambosa spLaranja Citrus spManga Mangifera sp

    Pitanga Eugenia spTamarindo Tamarindus spTangerina Citrus sp

    7. COMENTRIOS SOBRE OS PLANTIOS NOS QUINTAIS

    Os quintais com alta diversidade de espcies vegetais atuam como pequenosfragmentos florestais, capazes de cumprir com eficincia as funes atribudas

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    arborizao e s reas verdes urbanas (cf. Macedo, Jos et al, 1997: 23). Porisso no optou-se somente por plantios em quintais de baixa diversidade mastambm naqueles de alta diversidade vegetal. Os quintais e jardins de residn-cias so o habitatde dezenas de espcies animais. No caso de Piraj, espera-seque os quintais sejam prdigos na atrao de insetos polinizadores, aves e, prin-cipalmente, morcegos. Estes mamferos voadores so polinizadores e disper-sores de sementes de um conjunto de espcies de plantas, nunca de uma nicaespcie. Eles podem viajar grandes distncias (at 16 km) em busca de alimen-to. Outro fato interessante que esses animais podem memorizar trajetos, o que

    lhes permite voltar s mesmas plantas diariamente (cf. Janzem, 1980: 24).

    Vrios estudos demonstram que mais de 95% das sementes de espcies pio-neiras e secundrias que chegam s clareiras, ou reas desmatadas, no caso doParque, so trazidas pelos morcegos, deixando clara a importncia destes ani-mais para a recomposio natural das florestas tropicais. Maria das GraasRodrigues, Anglika Bredt et al (1994: 316) alertam para os transtornos quemorcegos podem trazer populao, que em geral tem averso a eles, pordesinformao. O mesmo ocorre com as corujas, eficientes predadores

    urbanos de ratos e ratazanas, e que, infelizmente,so perseguidas em pratica-mente todo o mundo, inclusive no Brasil, por serem tidas como agourentas(cf. Costa-Neto, 1999). Cabe aos educadores a tarefa de desmistificar lendase preconceitos, esclarecendo o papel importante que esses animais desempe-nham nos ecossistemas urbanos.

    REFERNCIAS BIBLOGRFICAS

    Alberti, Marina. Sustentabilidade e gesto ambiental urbana. Desenvolvimento Ur-bano & Meio Ambiente, 31. Curitiba, Universidade Livre do Meio Ambiente, 1997.

    Angeoletto, Fbio. Piraj, um bairro e um parque: a vegetao como fator de aumen-to da biodiversidade e da qualidade de vida nos biomas urbanos. Dissertao deMestrado em Arquitetura e Urbanismo. Salvador, Universidade Federal da Bahia,2000. (mimeo)

    Brady, Nyle C. Desenvolvimento internacional e a proteo da diversidade biolgica. lnWilson, Edward O. (org.). Biodiversidade. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997.

    Campbell, Tim. Desenvolvimento urbano no Terceiro Mundo: dilemas ambientais e

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    pobres urbano. In Leonard, H. J. Meio ambiente e pobreza: estratgias de desen-volvimento para uma agenda comum. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992.

    Celecia, John. Towards a Resourceful City. All of Us - Environmental EducationDossiers, 6. Barcelona, Unesco, 1994.

    ______. As cidades como ecossistemas. Desenvolvimento Urbano & Meio Ambiente,29. Curitiba, Universidade Livre do Meio Ambiente, 1997.

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    * Fbio Angeoletto bilogo, doutorando em Ecologia e Meio Ambiente

    pela Universidade Autnoma de Madrid (UAM) e bolsista da

    Universidade Aristteles de Tesalnica (Grcia).

    Do mesmo Autor, ver Planejamento participativo num bairro popular (uma

    experincia em Piraj, Salvador/BA) (Cadernos do CEAS, 213: 71-87.Salvador, Centro de Estudos e Ao Social, set.-out., 2004).

    [ffabio. henriquesoares@estudiante. uam. es]

    ** Marta Moreno professora de Ecologia Humana e Meio Ambiente e

    Sociedade da Universidade de Educao Distncia de Madrid.

    [mmoreno@poli. uned. es]

    *** Patrcia Guimaraes Pinheiro doutoranda em Medicina e Sade

    Pblica pela UAM. [[email protected]]

    **** Sara Barrasa Garcia doutoranda em Ecologia e Meio Ambiente pela

    UAM. [[email protected]]

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    Fbio Angeoletto et al.

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