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p$i~ui=D"i= ~LI•• icQ OUT./DEZ. 1996, VaI. 17 n.- 4 PORTE I'AGO CADEIRA DE PSIQUIATRIA - CLÍNICA PSIQUIÁTRICA - HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE - COIMBRA EDITOR, DIRECTOR E PROPRIETÁRIO: ADRIANO VAZ SERRA CONSELHO DE REDACÇÃO Chefes de Redacção: 1. A. PINTO GOUVEIA A. REIS MARQUES Redactores: J. L. PIO ABREU CARLOS SARAIVA Luís CANA VARRO DE MORAIS M. H. PINTO AZEVEDO HORÁCIO FIRMINO PAULO ABRANTES F. B. ALLEN GOMES CARLOS RAMALHEIRA MARIA ADELAIDE CRAVEIRO J. DELGADO LAMEIRAS MANUEL QUARTILHO ZULMIRA SANTOS M. VALE LIMA ILDA MORAIS GRAÇA SANTOS J. SANTOS RELVAS ANA MARIA FERREIRA ISABEL COELHO A Psiquiatria Clínica é uma publicação trimestral versando temas psiquiátricos e psicológicos de índole essencialmente clínica, voltada para a actualização dos técnicos de saúde interessados nestas matérias. Condições de Assinatura: Publicação Trimestral. Assinatura Anual: Instituições 2500$00. Pessoal 1500$00 Número avulso: 750$00 Correspondência: . Redacção da Revista «Psiquiatria Clínica». Clínica Psiquiátrica dos H.U.C., Novas Insta- lações - 3049 COIMBRA CODEX - Telef. 039-403939 Ext. 12712 - Fax 039-28291 Composto e Impresso na Impressora Económica, Lda. - Figueira da Foz - Tiragem 1 DOOex. - Depósito legal n." 2030/83

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OUT./DEZ. 1996, VaI. 17 n.- 4

PORTEI'AGO

CADEIRA DE PSIQUIATRIA - CLÍNICA PSIQUIÁTRICA - HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE - COIMBRA

EDITOR, DIRECTOR E PROPRIETÁRIO:

ADRIANO VAZ SERRA

CONSELHO DE REDACÇÃO

Chefes de Redacção: 1. A. PINTO GOUVEIA

A. REIS MARQUES

Redactores: J. L. PIO ABREU CARLOS SARAIVA Luís CANA VARRO DE MORAIS

M. H. PINTO AZEVEDO HORÁCIO FIRMINO PAULO ABRANTES

F. B. ALLEN GOMES CARLOS RAMALHEIRA MARIA ADELAIDE CRAVEIRO

J. DELGADO LAMEIRAS MANUEL QUARTILHO ZULMIRA SANTOS

M. VALE LIMA ILDA MORAIS GRAÇA SANTOS

J. SANTOS RELVAS ANA MARIA FERREIRA ISABEL COELHO

A Psiquiatria Clínica é uma publicação trimestral versando temas psiquiátricos e psicológicos de índoleessencialmente clínica, voltada para a actualização dos técnicos de saúde interessados nestas matérias.

Condições de Assinatura: Publicação Trimestral. Assinatura Anual: Instituições 2500$00. Pessoal 1500$00

Número avulso: 750$00

Correspondência: . Redacção da Revista «Psiquiatria Clínica». Clínica Psiquiátrica dos H.U.C., Novas Insta-lações - 3049 COIMBRA CODEX - Telef. 039-403939 Ext. 12712 - Fax 039-28291

Composto e Impresso na Impressora Económica, Lda. - Figueira da Foz - Tiragem 1DOOex. - Depósito legal n." 2030/83

Sumário

INDEP - uma escala para avaliar a personalidade dependente -Adriano Vaz Serra 261

Estudo prospcctivo de um acidente ele viela-Rui Moto Cardoso, Julieta Palhinhas, Raniiro Vcrissimo,Antélia Bcntes Pais, Luciano Moura 277

Epielemiologia do Para-suicídio no Concelho de Coimbra - C B..Saraiva, F. A. da Veiga, R. Prima-vera, C S. de Carvalho, M, Travasses, L. Soares, A. Canhão e O. Torres 291

Doença Psiquiátrica nos Cuidados Primários de Saúde: Estudo Epidemiológico - Centro de Saúde eleGóis -José AugUSlO Simôcs, Maria Emitia Mendes, Isabel Andrlno e João Amí/car Tcixcira 297

Perfil farmacoterapêutico da venlafaxina-She/dol1 H. Preskorn 309

Tricotilornania: Uma revisão a propósito de três casos clínicos - Cor/os Bra; Saraiva, ConstançaFcrnandcs, Octávio Torres e Américo Figueircdo 311

Distúrbios ansiogénios cm crianças: Modelos explieativos comportamentais e cognitivos c sugestõesclínicas desenvolvimentistas--Luísa Barros 319

Ansiedade aos exames: Relação com a Ansiedade Social. o Auto-Conceito e as Estratégias de Reso-lução ele Problemas --Al1a Pau/a Matos, Cristina Canavarro, Adriano Vaz Serra 337

Prêmio de Psiquiatria Clínica Elysio ele Moura 347

Psiquiatria Clínica, 17, (4), pp. 261-276,1996

INDEP - uma escala para avaliar a personalidade dependente

PORADRIANO VAZ SERRAC)

. Resumo

opresente trabalho tem por objectivo referir a criação e o desenvolvimento de uma escala de tipo Likertpara avaliar uma personalidade de tipo dependente.

Constitui um instrumento de auto-avaliação, denominado INDEP, para significar que os traços deindependência/dependência não são mais do que extremos de uma linha contínua na qual dada pessoa se podelocalizar em determinado ponto.

A versão final da escala ficou com 17 questões.Criada a partir de uma amostra de 420 indivíduos da população em geral a correlação "Par/Ímpar" foi

de .715 e o Coeficiente de Spcarman-Brown de .834, reveladores de uma boa consistência interna.O coeficiente a de Cronbach para todos os items apresentou um valor de .809. Este valor baixou sempre

quando à escalafoi excluído algum dos items seleccionados, evidenciando este facto a importância que cada umdeles tem como elemento contributivo para uma boa homogeneidade.

A correlação de cada questão com a nota global foi positiva e altamente significativa, tanto quando nanota global esteve incluído ou excluído o item em análise. Mesmo no caso de exclusão do item da nota globala correlação verificada nunca foi inferior a .2. Estes factos são abonatórios de se terem conseguido itenis que,na seu conjunto, correspondem a uma escala unidimensional, capaz de definir um conceito.

Uma análise factorial de componentes principais seguida de rotação varimax extraiu 3 factores queexplicam 47.187 o/c da variância total. O factor 1, representa uma dimensão tradutora de "falta de auto--confiança", o factor 2, significa "necessidade de aprovação por parte dos outros" e ofactor 3, indica "pedidode ajuda e de orientação",

A correlação teste!reteste foi de .835 (com N = 68), valor altamente significativo (p<,OOO) e abonatáriode uma boa estabilidade temporal.

Numa tentativa de validar a escala pediu-se a cada indivíduo que assinalasse numa de cinco classes deresposta, que iam desde "completamente dependente" até "completamente independente", aquela em que seincluía. Tendo em conta esta auto-classificação as médias da nota global da escala registaram diferençasestatísticas altamente significativas quando os indivíduos auto-classificados C0l110 "muito dependentes" eramconfrontados com os "muito independentes".

No fim do trabalho são feitas considerações sobre aforma de classificar alguém que preencha a escalaem função dos dados obtidos com a amostra utilizada.

OBJECTIVO DO PRESENTE TRABALHO criação e o desenvolvimento de uma escala de tipoLikert para avaliar uma personalidade de tipo

A finalidade do presente trabalho é referir a dependente, tal como é descrita no número 30 I ,6 da

(I) Professor Catedrático de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Coimbra e Director da Clínica Psiquiátricados Hospitais da Universidade de Coimbra.

262 Adriano Vaz Serra

classificação DSM-IV (p. 284), de 1994, da Associaçãode Psiquiatria Americana e no número F60.7 daclassificação CID- I O (p. 206-207), de 1992, daOrganização Mundial de Saúde.

Colocámos à escala a denominação de INDEPpara significar que os traços de independência/dependência não são mais do que extremos de umalinha contínua na qual dada pessoa se pode localizaremdeterminado ponto. É o que tentamos representargraficamente na Figura I.

IndivíduoA

_1

IndivíduoB

________ J _

Independente Dependente

Figura 1

De acordo com a DSM-IV uma pessoa com estetipo de personalidade manifesta uma "necessidadeconstante e excessiva de ser protegida o que a leva aapresentar um comportamento submisso e pegajoso emedo de ser abandonada pelos outros". Surge no inícioda idade adulta e encontra-se presente numa grandevariedade de contextos, como é indicado por cinco oumais dos aspectos seguintes:

(1) apresenta dificuldade em tomar decisões do dia-a-dia para as quais se não tenha apoiado numaquantidade excessiva de conselhos e que nãotenham tido anteriormente aaprovaçãode terceiros:

(2) tem necessidade de que os outros assumam porsi a responsabilidade nas principais áreas dasua vida:

(3) tem dificuldade em exprimir desacordo emrelação aos outros, devido ao medo da perda deapoio ou de aprovação (Nota: este critério nãoinclui um medo realista de retaliação):

(4) sente dificuldade em iniciar projectos ou emrealizar determinadas actividades porsi própria,devido mais à falta de auto-confiança no seujulgamento ou nas suas capacidades do que àfalta de motivação ou de energia:

(5) utiliza meios exagerados para obter a aceitaçãoe o apoio dos outros, ao ponto de se oferecerpara realizar tarefas que são desagradáveis:

(6) sente-se desconfortável ou indefesa quandoestá sozinha devido ao medo exagerado de nãoser capaz de tomar conta de si própria:

(7) quando uma relação íntima acaba procuraurgentemente uma nova relação como fonte deatenção c apoio:

(8) mostra-se irrealisticamentc preocupada com omedo de serdeixada a tomareontade si própria.

Por sua vez a classificação internacional CID-I O,

de 1992, da Organização Mundial de Saúde, ésemelhante em termos de critérios.

Refere que uma personalidade dependente:(a) - encoraja ou permite que os outros tomem

decisões importantes sobre a sua vida:(b) - subordina as suas próprias necessidades às

daqueles de quem está dependente e su bmete-, -sc indevidamente aos seus desejos:

(c) - não tenta efectuar quaisquer exigências,mesmo que razoáveis, às pessoas de quemdepende;

(d) - mostra-se desconfortávcl ou desamparadaquando sozinha devido a medos exageradosde ser incapaz de tomar conta de si;

(e) - preocupa-se com o medo de ser abandonadapor alguém com quem tenha uma relaçãoíntima e de ser deixada ao seu próprio cuidado;

(O - manifesta uma capacidade limitada para tomaras decisões do dia-a-dia sem uma quantidadeexcessiva de conselhos e de aprovação porparte dos outros.

De acordo com a CID-I O uma pessoa com umapersonalidade de tipo dependente, ao observar-se a siprópria, tende a considerar-se como desamparada.incompetente e sem resistência.

Freernan et ai. (1990) salientam ainda que umapessoa com uma personalidade de tipo dependente ficafacilmente ferida se alguém a critica e encontra-sefrequentemente entre aqueles que aparecem comdepressão. ansiedade e alcoolismo.

Édos transtornos de personalidade mais frequentesassinalados na prática psiquiátrica.

O diagnóstico diferencial levanta-se não só emrelação à personalidade de tipo histriónico comoigualmente em relação a situações clínicas que, pelasua natureza levam a criar dependência, como no casode uma agoraíobia.

Uma pessoa com uma personalidade dependentecostuma revelar-se menos cgocêntrica, menosprovocante c com afectos menos superficiais doque alguém com uma personalidade de tipohistriónico.

Quanto aos agorafóbicos são indivíduosdependentes de uma forma muito específica, que tem aver com as suas saídas para fora de casa. Contudorevelam-se mais activos nas suas tarefas diárias e sãomais afirmativos no seu desejo de dependência emrelação aos medos desenvolvidos.

Os aspectos descritos ajudaram-nos a construir asdiversas questões da escala. Uma vez assinalados vamosagora referir como procedemos.

INDEP - uma escala para avaliar a personalidade dependente

MATERIAL E MÉTODOS

Vamos relatar de seguida os diversos passos quepercorremos para a criação da escala.

Construção dos items do INDEPA selecção das questões que incluímos nesta escala

foi feita segundo os critérios anteriormente expostos.Arran jámos 42 questões iniciais capazes de traduzir

aspectos como a incapacidade de iniciativa pessoal, adificuldade em tomar decisões, a concessão permitidaaos outros de tomarem pela pessoa decisões importantes-para a sua vida, a amargura pelo abandono de terceiros,a dificuldade de afirmação de pontos de vista pessoaise outros aspectos considerados significativos nasreferências mencionadas.

Cada item podia ser respondido em cinco classesde resposta, nomeadamente: "Discordo em absoluto","Concordo pouco", "Concordo moderadamente","Concordo muito" e "Concordo em absoluto". Quandoa resposta dada traduzia "ausência de dependência"era-lhe atribuído o valor O. No caso de "rnarcadadependência" o valor 4.

A fim de evitar vícios de tendência de respostaconstruímos questões que umas vezes eram maispontuadas da esquerda para a direita, num sentidocrescente c, outras, num sentido decrescente. Apontuação e s tabe lcc ida tinha em conta que

263

procurávamos avaliar uma "personalidade dependente"e, por conseguinte, quanto mais alto o valor obtido,mais "dependente" era o respondente.

Instruções iniciaisAntes do indivíduo começar a responder à escala

era solicitado a ler a seguinte informação escrita:

InstruçõesCada uma das frases que a seguir é apresentada refere-

-se à sua maneira de ser habitual. Não há respostas certas ouerradas, pois todas são possíveis. Há apenas a sua resposta.Responda de forma rápida, honesta e espontânea,assinalando com uma cruz (x) no quadrado respectivo a quemelhor representa a sua maneira usual de ser ou de agir.

Constituição da amostraA amostra foi constituída por 420 indivíduos da

população em geral.Decidiu-se recolher uma amostra desta dimensão

porque o estudo de fiabilidade de qualquer escalarequere, segundo NunaJJy (1978), um mínimo de 300casos (citado por Streiner e Norman, p. 87, 1989).

A fim de evitar distorções de informação, porinfluência da idade ou diferenças de sexo, procurámosconstituir uma amostra homogénea em relação a estasvariáveis.

Assim, organizámos 4 grupos etários, dos 20 aos

Total Homens Mulheres p

N 420 205 215Idade

Média 39.32 39.17 39.46 N.S.D.P. 11.54 1l.23 11.86

Grau de instruçãoPrimário e básico 75 39 367.° ao 9.° ano 108 44 64Pré-universitário e superior 237 122 115

Estado civilSolteiros 126 59 67Casados 270 142 128Viúvos 12 IISeparados/Divorciados 12 3 9

Grupos etários20's 101 50 5130's 103 50 5340's 105 51 5450's 111 54 57

Quadro I

264 Adriano Vaz Serra

59 anos, com um número muito semelhante de pessoaspor grupo etário e por sexo. Começámos a recolherelementos a partir da década dos 20 porque a DSM-IVmenciona que este tipo de personalidade se evidenciano começo da vida adulta.

O quadro I revela-nos que a média das idades selocalizou à volta dos 39 anos, sem existirem diferençassignificativas entre homens e mulheres. A maioria doselementos possuía um grau de instrução correspondenteao ensino pré-universitário e universitário, seguidos doensino médio e, finalmente, da instrução primária ebásica. A distribuição é relativamente próxima entreambos os sexos atendendo aos diferentes graus deensino. Mais de metade da amostra correspondeu aindivíduos casados, seguidos dos solteiros e de umaminoria de outras situações.

Estudo da homogeneidade dos itemsReferem Streiner e Norman (1989, p. 44) que, ao

construir-se uma escala unidimensional, é importanteque todos os items sejam capazes de captar aspectosdiversos do mesmo atributo e não partes distintas dediferentes traços. Estes autores querem mencionar queembora as questões devam ser diferentes umas dasoutras é desejável que constituam um conjuntohomogénco.

O estudo de homogeneidade dos items foiconduzido através das seguintes etapas:

• Determinação do coeficiente de correlação dePearson das diversas questões com a nota global.

• Determinação da correlação "Par/Ímpar" e doCoeficiente de Spcarman-Brown.

• Determinação do Coeficiente a de Cronbach.tanto para a global idade dos items como para oconjunto da escala após irem sendo extraídos,um a um, os vários itcrns.

• Determinação da matriz de correlações dosdiversos items.

• Comprovação de que os items seleccionadosnão são sensíveis a diferenças de sexo.

• Comprovação de que os items seleccionadosnão são sensíveis a diferenças de idade.

• Comprovação de que a escala possui uma boaestabi lidadc temporal.

Cada um destes procedimentos tem a sua razão deser.

- A correlação de cada questão com a nota globalindica-nos se cada item se define como um bom"operantc' do "constructo geral" que pretende medir.

- A correlação "Par/ímpar" é uma prova que levaa conhecer se uma das metades dos items da escala é tão

consistente a medir o constructo como a outra metade.Como a correlação "Par/Ímpar" representa a correlaçãoque se estabelece entre duas versões mais pequenas damesma escala, a sua verdadeira fiabilidade ficasubestimada, uma vez que esta é directamenteproporcional ao número de items que a contêm. Estevalor é habitualmente corrigido pela determinação doCoeficiente de Spearman-Brown. que se obtém pelafórmula seguinte: CSI3= kr/l +(k-l)r. O k representa ofactor pelo qual a escala está para ser aumentada oudiminuída (neste caso 2 vezes) e o r corrcspondc àcorrelação "Par/Ímpar" obtida.

- O cálculo do Coeficiente a de Cronbach éimportante por dois aspectos. Quando exprime o valorreferente a todos os items é uma medida da consistênciaglobal da escala, tanto melhor quanto maior a pontuaçãoobtida. Por sua vez. o a de Cronbach pode igualmenteconstituir uma forma de tratamento individual do item,que nos explica se este é ou não significativo para aconsistência interna do conjunto. Quando se retira umdeterminado item e o a de Cronbach sobe esse facto éindicativo de que esse item prejudica a homogeneidadedaescala. Se o valor baixa, então indica que é importantepara a homogeneidade global.

- A matriz de correlações entre os diversos items émais um indicador que se junta aos outros. Se ascorrelações forem entre si demasiado e/evadas o factoindica que os items são redundantes, levando a que aescala perca em termos de validade de conteúdo. Seapresentarem uma correlação moderada entre si.indicam que são sensíveis a aspectos diferentes domesmo eonstrueto. Por outro lado, a forma como secorrelacionarn, é ainda sugestiva da existência dedimensões mais gerais subjacentcs,

- A comprovação de que os items seleccionadosnão são sensíveis a diferenças de sexo é umprocedimento importante na medida em que, ao criaruma escala para avaliar um universo ele homens e elemulheres. pretendemos que registe os aspectos comunse não os aspectos diferentes da forma de reagirem. Umraciocínio semelhante se pode mencionar a respeito daidade.

- Uma boa estabilidade temporal é imprescindívelnuma escala deste tipo. que procura medir traço e nãoestado.

Estudos de validadeStreiner e Morgan (1989) referem que nos estudos

de validade se tem usualmente em conta a "validadedos três c's": de constructo. de conteúdo e de critério.Esta última pode ser subdividida em validade

INDEP - uma escala para avaliar a personalidade dependente

concorrente e validade predictiva.De acordo com Jaeger (1983) a validade de

constructo subordina todas as outras e procura encontrarresposta para a questão seguinte: "Este instrumento demedida mede realmente o constructo que proclamamedir?" E acrescenta: "A vaI idade de constructo nuncaé provada; é simplesmente aceite na medida em que asprovas a favor vão sendo superiores às provas contrárias."

Por desconhecermos a existência de outras escalascriadas para medir os traços de uma personalidadedependente excl uímos qualquer possibilidade de estudode validade concorrente. O único procedimento queutilizámos para o estudo de validade foi incluir naprópria escala experimental a possibilidade do própriose classificar como um indivíduo "Completamentedependente", "Muito dependente", "Nem muito nempouco". "Pouco dependente" e "Completamente inde-pendente". A nota global da escala final foi depoisconfrontada com estas categorias, a fim de analisar oseu comportamento.

Análise estatística efectuadaO estudo estatístico foi efectuado utilizando a

versão 6.0 I do programa Systat, e a versão 5.0 doprograma Stata para o Windows95.

Foram determinadas médias. variâncias, desvios eelTOSpadrões. O estudo de diferenças estatísticas entreos valores dos diversos items foi realizado pelo métodoU de Mann-Whitney. Para as diferenças entre médiasdas notas globais foi utilizado o teste-to para amostrasindependentes.

O teste U de Mann-Whitney, como se sabe, avaliadiferenças estatísticas através de ranks (ou postos) dasvariáveis estudadas. A medidade tendência central maiscorrecta para resumir o que se passa com cada um dosgrupos é a mediana. No entanto, nos estudos queefectuámos, tendo havido muitos indivíduos com" omesmo rank achámos mais expressivo para secompreenderem as diferenças entre variáveis a indicaçãodas médias, embora não seja através destas que oprocedimento estatístico actua. De qualquer forma,sempre que referimos quc utilizámos o U de Mann-Whitney. os valores de P indicados foram os que ométodo extraiu.

A matriz de correlações dos diversos items foicalculada através da determinação de correlações deSpcarrnan, Procedemos assim porque os itemsexprimem valores "ordinais". Contudo, nas correlaçõesde cada item com a nota global, foram utilizados osprodutos momento correlação de Pearson, uma vez queas notas globais já têm uma pontuação que as leva a

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poder serem admitidas como valores "numéricos".Decidimo-nos a proceder deste modo porque Streinere Norman (I 989,p. 46) referem que: Se existem mais doque duas respostas alternativas (para cada questão) oproduto momento correlação (de Pearson) ésuficientemente robusto para produzir resultadosrelativamente precisos. mesmo quando os dados nãoobedecem a uma distribuição normal.

Quando já tínhamos seleccionados os items finaisrealizámos, a partir da matriz de correlações, umaanálise factorial para estudo dos componentesprincipais, seguida de uma rotação varirnax paraconhecer as dimensões subjacentes que sãoindependentes entre si. Desprezaram-se os factorescujas raizes latentes fossem inferiores a I.

RESULTADOS

Vamos apresentar agora os resultados obtidos nasdiversas etapas referidas anteriormente.

Selecção dos items para a construção final daescala

. A partir das 42 questões iniciais utilizámos diversoscritérios que nos levaram à exclusão de 25 acabando oinventário por ficar apenas com 17 items. Algumas dasquestões foram excluídas por mais do que um doscritérios que vão ser de seguida apresentados.

Os critérios utilizados podem ser assim sintetizados:• Onze questões foram exc Iuídas por se revelarem

sensíveis a diferenças dc sexo.Na Figura 2 apresentamos dois destes exemplos,

qualquer deles mais pontuados no sexo feminino, nosentido de "dependência". Conforme já referimosanteriormente questões como a que está assinalada:"É-me fácil tomar decisões pessoais", era classificadaem sentido inverso. de 4 a O.

- É-me fácil tomar decisões pessoais- Sinto-me melhor a cumprir ordens do que a dar ordens

Figura 2

• Onze questões foram excluídas por "efeitos detecto" ou "efeitos de chão", isto é, osrespondenteslocalizaram-se, em larga maioria. numa classeextrema. A Figura3 apresenta-nos dois exemplosdeste ti po. Dos 420 elementos da amostra só umescasso número aceitava "ser um incompetente"ou que "os outros mandassem em si",

266 Adriano Vâz Serra

- Sou um incompetente.- Acho que toda a gente manda em mim.

Figura 3

• Três questões foram excluídas pormá correlaçãocom a nota global, de que damos exemplos naFigura 4.

- Gosto de me oferecer aos outros para realizar por elestarefas que lhes custa efectuar.- Gosto de exprimir abertamente perante os outrosaquilo que sinto.

Figura 4

• Uma questão foi retirada porque o respectivo ade Cronbach subia quando excluída, o que

revelava prejudicar a consistência da escala(Figura 5).

- Cumpro usualmente com as exigências que me fazemaqueles de quem sou mais íntimo

Figura 5

Utilizando estes critérios acabámos por ficar apenascom 17 questões, que a seguir vão ser expostas, com arespectiva pontuação assinalada no texto.

Conforme se pode verificar há nove questões cujapontuação é mais elevada no sentido da esquerda paraa direita e oito em sentido inverso. A pontuação destaescala pode oscilar. teoricamente, entre um mínimo deOe um máximo de 68.

Tendo sido estes os items remanescentes vamosreferir de seguida os resultados dos diversos estudoscom eles efectuados.

INDEP

Discordo Concordo Concordo Concordo Concordoem absoluto pouco moderadamente muito em absoluto

I. - Quando tomo iniciativas queme dizem respeito prefirofazê-lo sem a ajuda dos outros

2. - Sou uma pessoa competentenaquilo que faço

3. - Sou um indivíduo persistentequando tenho dificuldades aultrapassar

4

4

4

4. - Quando tenho algum problemapara resolver fico desesperadose não encontro ninguém queme ajude

5. - Quando tenho de tomar umadecisão gosto que os outrosme digam o que devo fazer

o

o6. - Sou um tipo de pessoa que

facilmente organiza a suaprópria vida

7. - Quando tenho dificuldadespeço com frequência o auxíliodas outras pessoas

4

o

3 2 1 o

3 1 o2

3 2 o1

1 2 43

1 3 42

3 1 o2

1 2 3 4

INDEP - uma escala para avaliar a personalidade dependente 267

Discordo Concordo Concordo Concordo Concordoem absoluto pouco moderadamente muito em absoluto

8. - Gosto que os outros meassegurem que está certo tudoaquilo que me proponho fazer O 1 2 3 4

9. - Peço com frequência aos outrosque me ajudem naquilo que faço O 1 2 3 4

10. - Sinto-me confiante quando recaisobre mim uma tarefa que exigeresponsabilidade 4 3 2 1 O

I I. - Sou um indivíduo seguro de sinaquilo que faz 4 3 2 1 O

12. - Só me sinto seguro a fazerqualquer coisa quando sei queos outros aprovam aquiloque faço O 1 2 3 4

13. - Gosto de me apoiar nas outraspessoas quando preciso de tomaruma decisão O 1 2 3 4

14. - Ultrapasso com facilidade c sópor mim as dificuldades que mesurjem na vida 4 3 2 1 O

15. - Detestaria viver sem ninguémque me ajudasse a orientar a vida O 1 2 3 4

16. - Sinto-me facilmente magoadoquando discordam de mim O 1 2 3 4

17. - Sou uma pessoa de iniciativa 4 3 2 1 O

Quadro 2

Estudos da homogeneidade dos itemsVamos mencioná-los pela ordem anteriormente

referida.

que dizem respeito à correlação do item com a notaglobal quando esta não contém esse item específico.Esta última situação compara-se a um "espectador deuma actividade dcsportivu que acompanha uma equipa,quando se desloca, mesmo que não faça parte dela".

Streiner e Norman (1989. pág. 46) mencionam quese aceita como norma que são bons todos os iterns quese correlacionam acima de .20 com a nota global,quando esta não contém o item. O valor mais baixocorrespondeu, neste caso, à questão número 10 com r= .268, apresentando a maioria valores bastante

Correlações de Pearson das diversas questõescom a nota global

O Quadro 3 mostra-nos as correlações obtidas entrecada questão c a nota global quando esta contém opróprio item ou quando este é excluído. Quando a notaglobal contém o próprio item a correlação é inflaccionada.Por conseguinte, as correlações mais relevantes são as

268 Adriano Vaz Serra

CORRELAÇÕES DE CADA ITEM COM A NOTA GLOBAL(N = 420)

Item Nota global Nota global(contendo o item) p (excluindo o item) p

1 .482 .000 .363 .0002 .400 .000 .316 .0003 .440 .000 .345 .0004 .572 .000 .479 .0005 .574 .000 .489 .0006 .468 .000 .375 .0007 .521 .000 .424 .0008 .450 .000 .339 .0009 .503 .000 .412 .00010 .359 .000 .268 .00011 .526 .000 .441 .00012 .564 .000 .474 .00013 .651 .000 .574 .00014 .512 .000 .414 .00015 .519 .000 .401 .00016 .428 .000 .321 .00017 .465 .000 .369 .000

Quadro 3

superiores. Todas as correlações correspondem a umvalor de p < .000.

As questões que mais se realçam são as número 13,5 e 4 que têm a seguinte redacção:

Questão 13 - Gosto de me apoiar nas outras pessoasquando preciso de tomar uma decisão.

Questão 5 - Quando tenho de tomar uma decisão gostoque os outros me digam o que devo fazer.

Questão 4 - Quando tenho algum problema pararesolver fico desesperado se não encontroninguém que me ajude.

Figura 6

Correlação "Par/Ímpar" e Coeficiente deSpearman-Brown.

O Quadro 4 mostra-nos os valores que obtivemospara a correlação par-ímpar e para o coeficiente deSpearman-Brown.

• Correlação par-ímpar• Coef. de Spearman-Brown

.715

.834

Quadro 4

Os valores são elevados. abonatórios de uma boaconsistência intema do instrumento de medida quepretendemos criar.

A média dos items "Par" é cerca de 2 pontos maisbaixa que a das questões "Ímpar", tal como se podeobservarno Quadro 5. A diferença estatística é altamentesignificativa entre as duas médias, facto que é naturalacontecer uma vez que os ímpares têm mais um itemque os pares.

Média geral Par Ímpar p

MédiaD.P.

10.8714.191

12.9195.234

.00023.7908.737

Quadro 5

Determinação do Coeficiente a de Cronbach,tanto para a globalidade dos items como para oconjunto da escala após irem sendo excluídos, um aum, os vários items

No Quadro 6 apresentamos os valores doCoeficiente o.de Cronbach, quer para a global idade dositems do inventário, quer quando o item assinalado éexcluído.

Embora não haja um critério decisivo para um

INDEP - uma escala para avaliar a personalidade dependente 269

Items lndice a de Cronbach Items lndice a de Cronbach

Todos .809(Quando excluídos) (Quando excluídos)

1 .802 10 .8062 .804 11 .7973 .802 12 .7944 .794 13 .7885 .794 14 .7986 .801 15 .8007 .798 16 .8048 .803 17 .8019 .798

Quadro 6: Coeficiente a de Cronbach, quer da global idade da escala, querreferente a cada item quando é excluído do conjunto

coeficiente de fiabilidade é desejável que o seu valorseja superiora +.7. Um coeficiente de fiabilidadeé umamedida da proporção da sobreposição da variância"verdadeira" e "observada", Um teste eom umafiabilidade de .7 significa que 30 % da sua variância éresidual e irrelevante (Hammond, 1995). No casovertente o valor do a de Cronbach, para o conjunto dositcms, é de .809, realçando por esta forma a boaconsistência interna da escala.

Conforme se pode observar, quando alguma das

questões é excluída o a de Cronbach desce sempre, oque significa que cada um dos items seleccionadoscontribui para melhorar a homogeneidade da escalaquando está presente.

Determinação da matriz de correlações dosdiversos items

O Quadro 7 apresenta os resultados da matriz decorrelações de Spearman obtidas para todas as questõesdoINDEP.

Matriz de correlações

2 .243 .21 .364 .14 .11 .115 .27 .12 .16 .416 .25 .30 .36 .10 .187 .23 .03 .05 .39 .31 .068 .09 -.05 .01 .33 .27 .04 .339 .21 .11 .03 .37 .37 .10 .47 .2810 .14 .35 .32 .04 .03 .32 .04 -.01 .0811 .21 .49 .42 .12 .13 .36 .08 .02 .17 .5112 .17 .07 .1 I .40 .36 .16 .24 .40 .30 .03 .1613 .30 .12 .14 .45 .47 .18 .40 .31 .44 .11 .22 .4814 .23 .30 .27 .23 .20 .24 .16 .07 .17 .17 .28 .15 .2415 .18 .10 .13 .27 .31 .23 .21 .26 .16 .11 .11 .33 .30 .2416 .05 -.02 .06 .39 .26 .10 .18 .25 .16 -.02 .08 .33 .25 .07 .2917 .17 .35 .37 .12 .19 .35 .04 .08 .06 .32 .45 .14 .15 .32 .13 .06

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

Quadro 7

270 Adriano Vaz Serra

Estudo das diferenças de sexo(Teste U de Mann-Whitney)

HOMENS MULHERES P(N=205) (N=215)

Média Média1 1.483 1.679 .0732 1.146 1.033 .1323 l.063 l.079 .9974 1.210 l.405 .0695 1.171 l.219 .6186 1.234 1.251 .8737 1.995 2.140 .1578 1.844 l.735 .3139 1.483 1.488 .92510 l.093 1.140 .74911 1.229 1.400 .05512 1.141 l.247 .448

13 1.434 1.488 .72414 l.800 l.888 .34115 1.424 1.465 .72316 1.244 1.326 .426

17 1.249 1.330 .327

Quadro 8

Conforme se verifica o sentido de correlação évariável e não há nenhuma que apresente um valor decorrelação particularmente elevado, facto que significanão existirem items redundantes.

Comportamento dos items perante as diferençasde sexo

A fim de manter os items homogéneos, de forma anão favorecerem a informação relacionada comdiferenças de sexo, eliminámos (conforme referimos)todas aquelas questões que lhe foram sensíveis.

O Quadro 8 mostra-nos o resultado do Teste U deMann- Whitncy, aplicado aos diversos items, tendo emconta os 205 homens e as 215 mulheres da amostra,revelando que não há nenhuma diferença estatísticasignificativa entre as diversas questões. Não colocamosas medianas pelos motivos já atrás assinalados. Asmédias existentes são bastante próximas num e noutrogrupo.

Idade e items do INDEPTendo sido efectuada urna correlação de Pearson

entre a nota global da escala (depois de seleccionados

os items finais) e a idade, apurou-se um valor de r =0.018, com um p não significativo.

Preocupámo-nos em saberse a idade teria qualquerintluência em relação a alguma das questões. Urnacorrelação de Pearson entre cada item e a idade revelou--se estatisticamente significativa apenas para um : onúmero 16 (r = .119, P = .044), que tem a redacçãoseguinte.

Questão 16 - Sinto-me facilmente magoado quandodiscordam de mim.

Figura 7

É uma questão corrigida da esquerda para a direitatraduzindo, por conseguinte, que à medida que se enve-lhece há uma discreta tendência para a pessoa se sentirmais facilmente magoada quando discordam de si.

Não retirámos esta questão porque a variânciaexplicada por uma correlação é determinada pelo seuquadrado que corresponde, neste caso, apenas a 0.0 I 9(.o que é uma influência insignificante.

INDEP - uma escala para avaliar a personalidade dependente

Capacidade discriminativa dos items em funçãode grupos extremos

Ao construir uma escala deste tipo é importanteque cada item seja sensível, individualmente, a variaçõesde grupos extremos (neste caso, pessoas muito oupouco dependentes), pois isso atesta a sua capacidadediscriminativa.

A fim de efectuar este estudo seleccionámos todosos casos que estivessem um desvio padrão acima eabaixo da média da nota global do INDEP.

O Quadro 9, a seguir apresentado, mostra-nos oresultado do Teste U de Mann-Whitney, aplicado aosdiversos items, tendo em conta os 69 casos queseleccionámos com um desvio padrão a menos, emrelação àmédia da nota global e 60 casos localizados nosentido inverso. COnf0l111ese comprova registaram-sediferenças estatísticas altamente significativas entre osdois grupos.

Valores de teste/retesteRepresentam uma forma de conhecera consistência

ao longo do tempo de uma dada escala. Neste caso a

271

escala é passada ao mesmo observador (que é o próprioindivíduo) que se auto-avalia em duas ocasiõesdiferentes. Referem Streinere Norman (1989, pág. 86)que se o intervalo de tempo é demasiado longo asituação pode ter mudado; se é demasiado curto osindivíduos podem reJembrar-se da sua primeira resposta.Mencionam estes autores que o intervalo de tempopode variar entre uma hora e um ano, dependendo ofacto do assunto que está a ser estudado. De modousual, de acordo com estes cientistas, o tempo testeireteste oscila entre 2 a 14 dias. Hammond (1995, pág.204) refere, por sua vez, que o intervalo de tempo testeireteste pode variar entre alguns dias e alguns anos masque costuma ser, regra geral, a partir de um mês.

No nosso caso tivemos 68 indivíduos quecompletaram o reteste pelo menos após um período de4 semanas a seguir ao teste. O valor obtido foi bastanteelevado, com um r = .835, a que corresponde um p <.000. Depreendemos destes resultados que é uma escalacom uma boa estabilidade temporal, adequada paraavaliar traços que caracterizam a maneira de ser dedado indivíduo.

Estudo da capacidade discriminativa dos items(Teste U de Mann-Whitney)

Nota global - 1 D.P. Nota global + 1 D.P. P(N=69) (N=60)

Média Média1 0.696 2.583 .0002 0.580 1.650 .0003 0.362 1.667 .0004 0.333 2.300 .0005 0.333 2.150 .0006 0.522 1.950 .0007 1.217 2.800 .0008 1.029 2.583 .0009 0.739 2.200 .00010 0.696 1.717 .00011 0.623 2.183 .00012 0.319 2.217 .00013 0.507 2.650 .00014 1.029 2.750 .00015 0.449 2.533 .00016 0.594 2.033 .00017 0.609 2.000 .000

Quadro 9

272 Adriano Vaz Serra

A seguir apresentamos um diagrama de Bland & totais da escala para o conjunto de elementos daAltman que mostra claramente não haver qualquer tipo nossa amostra.de relação entre as diferenças observadas e o nívelmédio de respostas, uma vez que não é descortinávelqualquer tipo de regularidade nos pontos do gráfico. Densidade probabilística normal

A fim de obtermos grupos com um número maiscomparável de elementos juntámos os casos de"Completamente dependente" e "Muito dependente"representados no Quadro 10,passando a utilizar apenasquatro grupos distintos. Fomos compará-los entre siefectuando uma análise de variância de uma só via em

Apresentamos ainda um outro diagrama que função da nota global do INDEP.ilustra a distribuição probobilistica das pontuações No gráfico da Figura 11 estão representadas as

-20~--~---~----~--~--~O 10 20 40 5030

Média

Figura 8 - Diagrama de Bland & Altman

Histograma de distribuição de frequências dosvalores do INDEP

Na Figura 9 apresentamos um histograrna dadistribuição de frequências, revelando o número decasos (eixo Y) que corrcsponderam a 10 classes dedistribuição, de 0-4, 5-9. 10-14, 15-19,20-24.25-29,30-34,35-39,40-44 e 45-49 (eixo X). Este histogramaassemelha-se bastante a uma distribuição denormalidade, facto que posteriormente comprovámospor outros métodos.

120

1100

102

80 Númerode casos

60

40

20

Valores da no la global do IrrDep

Figura 9 - Valores da nota global do INDEP

4roE 3oc::g 2

~'O

ro'O oo'O~ -1'"o.~ -2 ~"o 8~ro -3>

-4 L-_l..-_.l.-_..I.-_..l-_.Jo 10 20 30

INDEP5040

Figura 10 - Diagrama de densidade probabilística-- comparação com uma distribuição normal

A perfeita linearidade que se pode observar mostraque a distribuição de resultados obtidos é enquadrávelno modelo normal. Este facto permite a fácilinterpretação dos resultados obtidos com outrosindivíduos.

Um estudo de validade da escalaNuma tentativa de validar a escala solicitou-se a

cada respondente dos 420 elementos da amostra inicialque· se auto-classificasse numa de cinco classes deresposta, desde' "Completamente dependente" até"Completamente independente".

Obtivemos as seguintes distribuições:

Completamente PoucoIndependente Dependente

MuitoDependente

CompletamenteDependente

Nem muitonem pouco

55 28 2192 143

Quadro lO

lNDEP - uma escala para avaliar a personalidade dependente

médias, bem como os respectivos intervalos deconfiança de 95%, dos quatro grupos de dependênciaauto-atri buídos.

AnáJi.~eda Variância}-lidia dOI Grupos

no

32.4

17.8..~

za.z

lU

14.0'--_-L __ "--_---'-- __ -'-_-'

GDU de dependl;ndaauto-atribuída

Figura Ii

Na observação deste gráfico toma-se evidente aclara demarcação entre os diferentes grupos,correspondendo os sucessivos níveis médios dedependência medidos com o INDEP ao que seria deesperar considerando o sentido das classificações auto-atribuídas.

A análise de variância que efectuámos revelou quetodas as diferenças entre médias, testadas com acorrecção de Bonferroni, foram estatisticamentesignificativas.

No Quadro Ii expomos as médias obtidas paracada um dos quatro grupos assinalados.

Completamente PoucoIndependente Dependente

Nem muito Muito ou compI.nem pouco Dependente

N 192 30ss 143

INDEPMédia 18.66 21.73 26.74 32.20

Quadro I I

Uma vcz apresentados estes dados vamos aindaconsiderar um outro ponto.

INDEP: as suas dimensões subjacentesPara conhecermos as dimensões sub jacentes desta

escala determinámos inicialmente uma análise factorial

273

de componentes principais, seguida de uma rotaçãoortogonal de tipo varimax.

Vamos apenas referir-nos a esta última.Obtivemos 3 factores que explicam 47.187 % da

variância total. Não forçámos o programa a fornecerum número menor de factores para não excluir toda ainformação que pudesse ser obtida.

O factor 1 explica 18,406 % da variância total eparece traduzir "Falta de auto-confiança".

Factor 1

Item Loading11 .7722 .6753 .660

10 .65817 .6286 .609

14 .491

Quadro 12

No quadro seguinte mencionamos o significado decada uma das questões.

Factor 1 : Falta de auto-confiança (2)

11. - Sou um indivíduo seguro de si naquilo que faz2. - Sou uma pessoa competente naquilo que faço3. - Sou um indivíduo persistente quando tenho

dificuldades a ultrapassar10. - Sinto-me confiante quando recai sobre mim uma

tarefa que exige responsabilidade17. - Sou uma pessoa de iniciativa6. - Sou um tipo de pessoa que facilmente organiza a

sua própria vida14. - Ultrapasso com facil idade e só por mim as

dificuldades que me surgem na vida

Quadro 13

O factor 2 explica 14,602 % da variãncia total etransparece nele a "Necessidade de aprovação porparte das outras pessoas".

(2) Embora este factor pareça traduzir auto-confiança enão a sua falta devemos recordar que a escala écorrigida em ordem inversa para os iterns positivossendo a nota mais elevada atribuída quando oindivíduo refere "discordo em absoluto".

274 Adriano Vaz Serra

Factor 2

Item Loading

16 .73012 .67215 .6054 .5728 .549

13 .435

5 .402

Quadro 14

A seguir é exposto o significado de cada um dositems.

Factor 2 : Necessidade de aprovação por partedas outras pessoas

16. - Sinto-me facilmente magoado quando discordamde mim

12. - Só me sinto seguro a fazer qualquer coisa quandosei que os outros aprovam aquilo que faço

15. - Detestaria viver sem ninguém que me ajudasse aorientar a vida

4. - Quando tenho algum problema para resolver ficodesesperado se não encontro ninguém que meajude

8. - Gosto que os outros me assegurem que está certotudo aquilo que me proponho fazer

13. - Gosto de me apoiar nas outras pessoas quandopreciso de tomar uma decisão

5. - Quando tenho de tomar uma decisão gosto que osoutros me digam o que devo fazer

Quadro 15

o factor 3 explica 14,179 % da variância c traduz"Pedido de ajuda c de orientação".

É constituído pelos items que a seguir seapresentam, compartilhando três deles com o factor 2.

Factor 3

Item Loadíng

9713514

.769.734.592.528.497.425

Quadro 16

o seu significado é exposto no quadro a seguirapresentado.

Factor 3 : Pedido de ajuda e de orientação

9. - Peço com frequência aos outros que me ajudemnaquilo que faço

7. - Quando tenho dificuldades peço com frequênciao auxílio das outras pessoas

13. - Gosto de me apoiar nas outras pessoas quandopreciso de tomar uma decisão

5. - Quando tenho de tomar uma decisão gosto que osoutros me digam o que devo fazer

1. - Quando tomo iniciativas que me dizem respeitoprefiro fazê-lo sem a ajuda dos outros

4. - Quando tenho algum problema para resolver ficodesesperado se não encontro ninguém que meajude

Quadro 17

Uma vez abordados estes aspectos passemos agorapara um último ponto.

Utilização prática dos valores da escalaTendo sido criada a escala para avaliar uma

personalidade dependente é útil conhecer os valoresque nos podem indicar as pessoas que são muito oupouco dependentes.

Para tal podemos prosseguir por dois caminhos.Um deles consiste na utilização de valores

quantilicos de referência com os quais se pode compararo valor obtido por um indivíduo, ao preencher a escala.Podemos assim enquadrar este indivíduo nos sub-grupos de uma população a que pertence, ficando aconhecer o seu grau maior ou menor de dependência.

Um outro processo é possibilitado pelaspropriedades do modelo da distribuição normal.

Vamos tentar clarificar estes pontos dandoexemplos práticos.

Na tabela seguinte apresentam-se os limitesinferiores e superiores dos decis bem como os valoresmédios obtidos a partir da amostra original de 420elementos. Estes valores, COnf0J111ejá mencionámos,podem ser utilizados como referência para enquadrarqualquer indivíduo que preencha o INDEP (').

(.') Esta conclusão deve ser extraída com a ressalva deque o indivíduo analisado deve possuir característicasdemográficas semelhantes aos elementos da amostraoriginal.

[NDE? - uma escala para avaliar a personalidade dependente

Se verificarmos que uma rapariga, depois depreencher a escala, obtém uma pontuação de 16 podemosconcluir que é uma pessoa enquadrável no segundodecil e, por conseguinte, independente, uma vez que80 Ifc das pessoas que integraram a amostra dereferência se localizam acima deste valor. Se o valorencontrado fosse de 34 então perceberíamos quecorrespondia ao 9.° decil, sendo portanto enquadrávelno grupo dos 20 % dos indivíduos mais dependentes daamostra inicial.

Decis Valor mínimo Valor máximo Valor médio1.0 Decil . O 12 8.522.° Decil 12.1 17 15.063.° Decil 17.1 19 18.42

4.° Decil 19.1 22 21.075.° Decil 22.1 24 23.686.° Decil 24.1 26 25.557.° Decil 26.1 28 27.498.° Decil 28.1 30 29.369.° Decil 30.1 35 32.7510.° Decil 35.1 68 40.91

Tabela I - Valores quantílicos de referência

Uma outra forma de apreciarmos a pontuaçãoobtida com dado indivíduo consiste, conforme jáassinalámos, numa aproximação aos valores deprobabilidade da distribuição normal centrada ereduzida.

Um dos processos tradicionais em psicometriaconsiste em simultaneamente se re-ccntrar o valor damédia da amostra de referência para um valor maisfácil de fixar e em simultâneo se proceder a um re-cscalonamcnto do desvio padrão da mesma amostra.

Em termos práticos pode utilizar-se a fórmulaseguinte:

275

InDep total recentrado = {(InDep total bruto-Médiageral da amostra de referên-cia)/(DP/ IO)}+ I00

= {(InDep bruto - 23.79) /0.8737}+ I00

Por exemplo, se um homem apresentar umapontuação de 42 no INDEP basta introduzir este valorna fórmula anterior para que se fique a conhecer que,em termos de escala recentrada (ou seja, para umamédia de 100 e um desvio padrão de 10) a sua pontuaçãoé de 120.84.

= {(42 - 23.79) / 0.8737}+ tOO= 120.84

Ora um valor de 120 indica que esta observação seencontra a mais de dois desvios padrão acima da médiade referência (100), uma vez que cada desvio padrãocorrcsponde a 10 unidades da escala transformada. Umvalor deste nível apenas ocorre em menos de 2.5 % dasobservações retiradas de uma distribuição normal.

Para maior precisão poderia consultar-se a probabi-lidade exacta numa tabelado distribuição normal centrada(com média O) c reduzida (com D.P. = 1), para um valorde z > 2.084 [urna ver: que (120.84- 100)/1 0= 2.084].

Agradecimentos

o autor agradece sensibilizado à Senhora Enf." AidaMaria Cruz Mendes. Mestre em Saúde Ocupacional c àsLicenciadas. Anabela Araújo, Luísa Rolim, Márcia MariaMendes, Carla Maísa Paiva, Maria Augusta Silva, RaquelRedondo. Sandra Maria Vilarinho, EIsa Vicira, Ana PaulaAlves, Teresa Fcrraz da Silva e Ana Cláudia Machado aajuda prestada não só na colheita de elementos da amostracom a versão experimental da presente escala, bem como arecolha dos testes/retestes que foram efectuados.

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Estudo prospectivo de um acidente de vida

PORRUI MOTA CARDOSOC), JULIETA PALHINHASe), RAMIRO VERÍSSIMOC), AMÉLIABENTES PAIS(2), LUCIANO MOURA(2)

Resumo

Os AA apresentam o estudo prospectivo de um Acidente de Vida.Estudaram um grupo de alunos recém-matriculados nas Faculdades de Medicina e de Medicina Dentâria da

Universidade do Porto, na primeira semana da sua vida universitária.Tratava-se de um grupo altamente seleccionado por um numerus c/ausus muito restrito, com classificações

no ensino secundário muito elevadas, e por certo desconhecedor de insucesso escolar.Os AA tornaram a estudar a mesma amostra, depois desta ter sido submetida ao seu primeiro exame na

Universidade; 719c não atingiu nota compatível com a sua expectativa e 319c obteve mesmo nota negativa.Este acontecimento foi considerado subjectiva e objectivamente um Acidente de Vida.Os resultados da análise estatística demonstram o efeito significativo deste Acidente de Vida nas pontuações

mais elevadas obtidas nas dimensões Obsessão e Depressão. não só pelo subgrupo dos alunos com nota negativa.como também no com nota elevada.

OsAA discutem estes resultados, referindo-os ao modelo causal que testaram anteriormente aquando do seuestudo retrospectivo efectuado em 1988.

Discutem ainda. a esta /lova luz. a questão da especificidadc causal dos Acidentes de Vida no campo daPsicopatologla.

Summary

The AA study prospectively aforeseen life eventoThey tested a higltly selecta I group of university students immediately after their entrance in thefirst medical

and dentistr» scholar year. These students hadjust been submitted TO a severe sclective process in arder To by-pass a narrow numerus clausus, according to thc official criteria oftheirprevious grammar school success. Aftertaking theirfirst college cxamination, the AA retested this very same satnple; 7J 9cfailed in the sense of fulfillingtheir 0\1"11 expectations and nioreover 3 J 9c l1'ere even excluded.

7'l1Ís event has been objectively and subjectively considered in the analysis as a Life Event.7'l1C results came to prove. by statistical means, that this event had a significant effect on the higher scores

ofobscssionality and depression rated by the excluded subgroup, as well as by the most succeeded one.The AA discuss these resu/ts and referrcd theni to the causal modcl they had previously advanced in their J 988

retrospective study.They also discuss the topic of the specificity of Life Events in psychopathology, within the scope of the

coherense of their results.

(1) Professor Associado de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do Porto.(2) Especialista de Psiquiatria. Hospital de S. João.(1) Assistente de Psicologia da Faculdade de Medicina do Porto.

278 Rui Mota Cardoso, Julieta Palhinhas, Ramiro Veríssimo, Amélia Bcntes Pais e Luciano Moura

INTRODUÇÃO

A - O construct ACIDENTE DE VIDA forneceuma perspectiva instrumental e micro-sociológica aoparadigma histórico da Relação Pessoa - Meio (de queo Stress é exemplo privilegiado), pelo que tem vindo aser inc1uídoem numerosos modelos causais da patologiamédica, inclusive da psicopatologia.

Uma questão permanece contudo em aberto: sãoos Aeidentes de Vida causas específicas e necessárias(se bem que não suficientes) da doença (Holrncs eMasundcr, 1974), ou simples factores precipitantes einespecíficos da mesma (Paykcl, 1971, Hinklc, 1974),sinalizadores de uma reacção de alarme e de strcss, eomfalência dos meeanismos de superação?

Esta questão "Especificídade versus Incspccifi-cidade" dos Acidentes de Vida só terá resposta, a nossover, quando se verificarem dois pressupostosinvestigacionais:

a) A ultrapassagem dos estudos causais isolados elineares (Acidentes de Vida - Doença) - onde oseu podcr cxplicativo é reconhecidamente baixo- e a sua integração em modelos causaisinteractivos com variáveis da Pessoa emSituação que os vive, os vivencia numdeterminado estilo pcrceptivo e atributivo, e osassimila num projecto de superação e de coping,Num trabalho anterior (Mota Cardoso et al,1988) testámos um modelo causal em quefizemos depender os Traços Psicopatológicosdos Acidentes de Vida, não enquantoacontecimentos objectivos mas enquantoatribuições avaliadoras do meio. doAu toconceito, const ruct total izador daespccificidade do sujeito na sua horneocincsia,necessidades e prospecçõcs, e dos Mecanismosde Coping usados na tentativa assimi ladora dosmomentos de tensão e crise.Esse modelo não só potenciou o poderexplicativo dos Acidentes dc Vida como osdeterminou como fonte de variânciaindependente dos outros factores causais. Osresultados obtidos são favoráveis ainda àexistência de uma certa espccificidade causal.

b) A ultrapassagem da fragilidade metodológicaresultante dos estudos retrospectivos em quequase sempre se baseia a construção dessesmodelos causais. O nosso trabalho. acimarefcrenciado, sofre desta mesma fragilidade.A inexistência quase universal de estudosprospectivos de Acidentes de Vida resulta de

uma dificuldade muito precisa: como anteverpelo menos um Acidente de Vida numa largapopulação, de modo a estudá-la antes e apósesse acontecimento e saber depois do efeitodeste último naquela? No fundo, como prever ofuturo histórico de um grupo de pessoas?

O presente trabalho parece ter conseguido, dealgum modo, ultrapassar esta dificuldade, pelo que ésingular na literatura especializada, ao fazer o EstudoProspectivo de um Acidente de Vida.

B -No início de um ano lectivo recente, frequentavaa disciplina de Anatomia I da Universidade do POIto,uma população de jovens alunos da Faculdade deMedicina e da Escola Superior de Medicina Dentária,recentemente seleccionados através de um numerusclausus muito restrito em tempos anteriores à P.G .A. eàs provas de selecção específicas.

Eram alunos muito novos. com elevadas médiasobtidas nos três últimos anos do ensino complementar(de 16,4 a 19,5 valores) e quase por certodcsconhccedores de um insueesso escolar, talvezorganizados na equivalência entre sucesso escolar esucesso pessoal.

Sabíamos contudo, por experiência de anosanteriores, que. se esta população não diferisse das queas precederam, um provável Acidente de Vida asesperava dentro de muito pouco tempo: a primeiraFrequência de Anatomia T, a acontecer cerca de quatromeses depois e em regra com uma elevada taxa dereprovações e notas de aprovação muito inferioresàquelas a que estavam habituados.

Bastava então estudar estes rico-universitários naprimeira semana de aulas (Outubro), esperar pelaFrequência de Anatomia I e reestudá-los na primeirasemana de aulas do segundo semestre (Março). Assimo fizemos, utilizando a mesma mctodologia de estudoda do trabalho de 1988 (Mata Cardoso et al, 1988).

POPULAÇÃO E MÉTODOS

A-POPULAÇÃO1- Os Critérios de Inclusão na amostra foram os

seguintes:a) alunos que se matricularam, nesse ano, na

F.M. e na E.S.M.D. da Universidade doPorto,

b) inscritos no primeiro ano dos respectivoscursos.

c) a frequentarem a disciplina de Anatomia I

Estudo prospectivo de um acidente de vida

comum, com o mesmo corpo docente e semseparação dos cursos, e

d) submetidos ao mesmo processo de selecção:a nota ponderada do Curso Complementardo Ensino Secundário (sem P.G.A. e semProvas de Acesso específicas).

A população possível era de 80 alunos, 45 daF.M.P. e 3S da E.S.M.D.P.

2- Foram pois Excluídos os seguintes alunos:a) repetentes;b) candidatos por contingente especial- Açores,

Madeira e Macau (N=5);c) supranumerários (N=9);d) com idades superiores a 20 anos (N=O).

3- A Constituição da Amostra obedeceu à

seguinte metodologia:a) Em Outubro, na primeira observação,

estudaram-se todos os alunos que,obedecendo aos critérios de inclusão,frequentaram a primeira semana de aulaspráticas de Anatomia I (n=72 - 90% dapopulação ).

b) Em Março, na segunda observação,estudaram-se todos os alunos que, tendosido observados em Outubro do ano anterior,frequentaram a primeira semana de aulaspráticas de Anatomia Ino segundo semestre(n=55 - 76,4% da amostra da primeiraobservação: 68,8% da população total).

4- Os quadros I a IV sumarizam as CaracterísticasGerais da Amostra. De realçar:

279

Características Gerais da Amostra I

N =55

SexoF M 1

N. Socioeconómico2 3 4 5

IdadeM DP Rol

FaculdadeFMP ESMD

34 21 o 25 26 18.3 0.7 17-2021 34 4 o

Características Gerais da Amostra 11

Sexo*

N =55

FaculdadeFMP ESMD

Total

FemininoMasculino

1123

2134

1011

Total 34 21 55

Características Gerais da Amostra 111

N =55

Idade* Sexo Faculdade TotalF M FMP ESMD

N 21 34 34 21 55

Média 18.1 18.3 18.2 18.3 18.3D. Padrão 0.7 0.7 0.7 0.8 0.7

mm 17 17 17 17 17Max 20 20 20 20 20

280 Rui Mota Cardoso, Julieta Palhinhas, Ramiro Veríssimo, Amélia Bentes Pais e Luciano Moura

Nota de Entrada Nota de Anatomia

Características Gerais da Amostra IV

Faculdade"

F MédiaM D, Padrãop min

Max

E MédiaS D. PadrãoM minD Max

17.60.7

12.13.0

16.619.5

717

16.80.4

11.0

2.716.418,3

716

a) O maior número de indivíduos do sexomasculino e a concentração das idades e donível sócio-económico.

b) A diferença entre os sexos, relevanteapenas na F.M.P. (quase o dobro) e quenão parece dever-se a diferençasvocacionais, mas apenas à bonificaçãoobtida por um ano de espera de entrada noEnsino Superior; na realidade, forammuitos mais os homens do que as mulheresque esperaram um ano por nota compatível,pelo que, comparando as notas nãobonificadas, as diferenças entre os sexosnão são estatisticamente significativas(neste trabalho utilizamos os valores nãobonificados das notas):

c) A ligeiramente inferior (se bem queestatisticamente signi ficativa) nota de entradados alunos da E.S.M.D.P. (0,8 valores).

5- Finalmente a Amostra agrupa-se, no que dizrespeito aos resultados na Frequência deAnatomia I, do seguinte modo:1- Faltosos: 4 (7,39"c):2- Excluídos: 10 (l8,2(10):3- Com nota inferior a 14: 25 (45,5%):4- Com nota superior ou igual a 14: 16 (299(.).

B- INSTRUMENTOS DE AUTO-AV ALIA-çÃO

A bateria psicornétrica do estudo incluíu osseguintes instrumentos de auto-avaliação:

t = 4.599 p = 0.000* t = 1.327 p = 0.190

1- Para AVALIAÇÃO DO MEIO, percepcionadoe atribuído de acordo com o grau de desconforto!necessidade de readaptação:- QUESTIONÁRIO DE A. REIG (versãoexperimental de 1986) adaptado ao contextoportuguês por Reis Marques e HorácioFirmino. Este questionário indaga problemasvivenciais repartidos pelas áreas:- ESTUDO- ECONOMIA- VIDA PESSOAL- RELAÇÕES INTERPESSOAIS- SAÚDE

2- Para estudo do AUTOCONCEITO:- INVENTÁRIO CLÍNICO DE AUTOCOl'i-CEITO (V AZ SERRA, 1986), com osrespectivos factores:FI: ACEITAÇÃO / REJEIÇÃOF2: AUTO-EFICÁCIAF3: MATURIDADE PSICOLÓGICAF4: IMPULSIVIDADE / ACTIVIDADE

3- Para estudo das DIMENSÕES PSICOPA-TOLÓGICAS:- QUESTIONÁRIO DO HOSPITALMIDDLESEX (Crown e Crispo 1970), com asseguintes variáveis:- ANSIEDADE - FOBIA - OBSESSÃO -SOMA TIZAÇÃO - DEPRESSÃO -HISTERIA - TOTAL.

-ESCALA DE AUTO-AVALIAÇÃO DADEPRESSÃO DE ZUNG (1965).

Estudo prospectivo de um acidente de vida

4- Para avaliação dos MECANISMOS DECOPINO:-ESCALA DE AUTO-AVALIAÇÃO DOSMECANISMOS DE LIDAR COM A TENSÃO(Tank e Robins, 1979), conforme adaptaçãoportuguesa de Cristina Faria, Vaz Serra eFirmino (1986). Esta escala individualiza osseguintes factores:FI: INSTABILIDADE/ APATIAF2: AFASTAMENTOF3: COMPARTILHAR DO PROBLEMAF4: EVASÃO PELA FANTASIAF5: DISTRACÇÃOF6:BUSCA DE ALTERNATIVA

SAUDÁVELF7: RECURSO À AUTORIDADE

C-DEFINIÇÃO OPERACIONAL DOACIDENTE DE VIDA

Diferentes critérios poderiam ser estabelecidospara a definição operacional do Acidente de Vida.

1- Poder-se-ia considerar Acidente de Vida aFrequência de Anatomia I em si,independentemente do resultado da mesma, ouseja, sem agrupamento dos indivíduos consoanteo grau de sucesso obtido na sua superação.Assim se procedeu em primeiro lugar. Osresultados obtidos podem dever-se, contudo, aoutros factores não controlados peloexperimento (por exemplo, à adaptação ao modode vida universitário) ou à simples variação porrepetição e aprendizagem das mesmas escalas,num intervalo de tempo curto (apenas quatromeses).

2- Seria pois importante agrupar os indivíduos deacordo com critérios intergrupais e estespoderiam ser de dois tipos:a) Subjectivos: por avaliação do próprio aluno

do grau de desconforto / necessidade deadaptação sentido e/ou da concordância doresultado com as expectativas anteriores:

b) Objectivos: comparando entre si os gruposconstituídos pelos (l) faltosos, os (2)excluídos, os (3) com notas inferiores aBOM e os (4) com notas superiores.

Optámos pelos critérios objectivos, porventura comacerto, uma vez que, conel uído o trabalho estatístico, orepetimos utilizando os critérios subjectivos, agoraporém sem qualquer resultado em termos designificância estatística.

281

D- TRA T AMENTO ESTATÍSTICO DASVARIÁVEIS

OS resultados foram submetidos ao seguintetratamento estatístico:

1- t-TESTE COM EMPARELHAMENTOAnálise da diferença emparelhada entre asmesmas variáveis estudadas ANTES e DEPOISda Frequência de Anatomia L

2- A NOVA tonc-way repeated) SEM e COMAGRUPAMENTO FACTORIAL.Análise da variância ANTES e DEPOIS damesma Frequência.

Todo este tratamento foi processado emcomputador com o Programa de estatística SYSTATda Systat Inc. (Wilkinson, 1986).

RESULTADOS

A-ANÁLISE DA VARIÂNCIA DAS VARIÁ-VEIS ANTES c APÓS A FREQUÊNCIA DEANATOMIA r. SEM AGRUPAMENTOFACTORIAL DOS INDIVÍDUOS.

Considerando a Frequência de Anatomia I comoAcontecimento Geral para toda a amostra,independentemente do grau de sucesso conseguido, avariãncia das variáveis em estudo encontra-sereproduzida nos quadros V a VIII.

Conclui-se que a Amostra no seu todo, pelasignificância estatística de uma probabilidade inferiora 0,05, difere da primeira para a segunda observação,no seguinte:

a) maior ponderação de vivências de ameaça c detensão na área dos ESTUDOS:

b) melhor auto-conceito (Total), por melhoravaliação da ACEITAÇÃO SOCIAL e daMATURIDADE PSICOLÓGICA:

c) menor recurso a uma AL TERNATIV APOSITIVA como Mecanismo de Coping;

d) diminuição quantitativa das dimensõespsicopatológicas (Total do MHQ), sobretudopor diminuição da OBSESsAo e daSOMATIZAÇAo.

B- TESTE DE SIGNIFICÂNCIA DA DIFE·RENÇA (t-TESTE EMPARELHADO) ENTREAS VARIÁVEIS EM ESTUDO, PORSUBGRUPOS DA AMOSTRA. CON-SOANTE OS RESULTADOS NA FRE-QUÊNCIA DE ANATOMIA L

Uma vez dividida a amostra em 4 grupos,respectivamente constituídos pelos alunos que fal taram

282 Rui Mota Cardoso, Iulieta Palhinhas, Ramiro Veríssimo, Amélia Bentes Pais e Luciano Moura

Quasro V: ANOV A (One-way) para medições repetidas. Antes versus Depois

a) Avaliação do meio

FONTE Soma Quadr GL QuadrMéd F 12ESTUDO 572.763 1 572.736

..

23.364 0.000***residual 1323.764 54 24.514

ECONOMIA 6.154 1 6.145 3.077 0.085residual 107.855 54 1.997

PESSOAL 5.682 I 5.682 0.574 0.452residual 534.818 54 9.904

RELAÇÕES 28.509 28.509 2.137 0.150residual 720.491 54 13.342

SAÚDE 14.545 I 14.545 3.804 0.056residual 206.455 54 3.823

Quadro VI: ANOVA (One-way) para medições repetidas. Antes versus Depois

b) Autoconceito (ICA)

FONTE Soma Quadr GL QuadrMéd F EACEIT/REJEI 38.409 38.409 12.266 0.001***

residual 169.091 54 3.131AUTO-EFICAC 1.782 I 1.782 0.701 0.406

residual 137.218 54 2.541MATURPSIC 4.809 1 4.809 3.953 0.052***

residual 65.691 54 1.216IMPULSI ACTIV 0.327 0.327 0.216 0.644

residual 81.673 54 1.512TOTAL 102.145 102.145 6.853 0.011 ***

residual 804.855 54 14.905

Quadro VII: ANOVA (One-way) para medições repetidas. Antes versus Depois

c) Mecanismos de Coping

FONTE. Soma Quadr GL QuadrMéd F EINST ABIAPATIA 12.445 I 12.445 2.778 0.101

residual 241.055 54 4.464AFAST AMENTO 2.045 I 2,045 0.917 0.343

residual 120.455 54 2.231COMPARTILHAR 1.536 1.536 0.734 0.395

residual 112.964 54 2.092EVASÃO FANTASIA 1.100 1 1.100 0.748 0.391

residual 79.400 54 1.470DISTRACÇÃO 4.809 4.809 0.878 0.353

residual 295.691 54 5.476ALTERNA TIVA + 4.400 J 4.400 5.099 0.028***

residual 46.600 54 0.863REC. AUTORIDADE 0.327 I 0.327 0.191 0.664

residual 92.673 54 1.716TOTAL 16.036 1 16.036 0.590 0.446

residual 1466.964 54 27.166

Estudo prospectivo de um acidente de vida 283

Quadro VIII: ANOV A (One-way) para medições repetidas. Antes versus Depois

d) Dimensões psicopatológicas

FONTE Soma Quadr GL Quadr Méd F EANSIEDADE 9.900 I 9.900 2.912 0.094

residual 183.600 54 3.400FOBIA 0.145 I 0.145 0.067 0.797

residual 117.855 54 2.182OBSESSÃO 28.509 I 28.509 10.655 0.002***

residual 144.491 54 2.676SOMA TIZAÇÃO 32.727 32.727 11.309 0.001***

residual 156.273 54 2.894DEPRESSÃO 0.736 0.736 0.200 0.599

residual 141.764 54 2.625HISTERIA 0.909 1 0.909 0.271 0.605

residual 181.091 54 3.354TOTAL 268.945 I 268.945 12.955 0.001 ***

residual 1021.055 54 20.760

DEPRESSÃO-Zung 55.309 55.309 1.736 0.193residual 1720.691 54 31.865

(n=4), que foram excluídos (n=IO), que tiveram umanota positiva mas inferior a BOM (n=25) e os restantescom notas equiparadas às suas expectativas iniciais(n=16), a provado t-teste emparelhado permitiu analisarou tendências gerais de variação ou possíveiscontradições entre os grupos. Assim:

a) A A VALIAÇÃO DO MEIO foi, de um modogeral, mais gravosa cm todas as áreas c emtodos os grupos, reflectindo uma vivênciaquantitativa e qualitativamente maiorde estadosde ameaça c tensão e atingindo valores revestidosde significado estatística na área dos ESTUDOS.Não houve, no entanto, contradição entre osdiferentes grupos, pelo que a tendência devariação foi geral.

b) O AUTO CONCEITO foi, no seu total e emtodos os seus factores. auto-avaliado maispositivamente. com significância estatística noTOTAL. na ACEITAÇÃO SOCIAL e naMATURIDADE PSICOLÓGICA.Também aqui a tendência de variação foi geral,com excepção do grupo dos íaltosos. cujonúmero é muito pequeno e logo estatisticamentedifícil de valorizar. No entanto, é apenas nogrupo dos aprovados que estas variáveis atingemdiferenças significativas, c, no respeitantc aoTOTAL e àMATURIDADE PSICOLÓGICA.apenas no grupo dos aprovados com nota inferioraBOM.

c) No respeitante aos mecanismos de Coping, atendência geral é para maior recurso a todos osmecanismos disponíveis, com excepção dorecurso a uma ALTERNATIVA POSITIVA.onde o decréscimo registado atinge significânciaestatística.Mas há contradições entre os grupos:- o grupo dos excluídos difere dos restantes por,da primeira para a segunda observação, passara utilizar menos o mecanismo AFAS-TAMENTO, enquanto os outros utilizam mais;uma análise da variância, que este relato nãoine lui, comprova esta di screpância com o valorde F = 8.768 (p = .005);

- o grupo dos excluídos juntamente com o grupodos melhores sucedidos (com notas superioresa Bom) passaram a usar mais o recurso àINSTABILIDADE / APATIA, enquanto osoutros dois (íaltosos e aprovados com notainferior a Bom) o usaram menos (Quadro IX).

d) Nas DIMENSÕES PSICOPATOLÓGICAS atendência geral é para uma menor pontuação,logo para uma possível melhoria das mesmas.Mas, pelo menos duas dimensões, a OBSESsAoe aDEPRESSÃO (esta última sobretudo quandoavaliada pela Escala de Zung), apresentamcontradições entre os grupos, pois enquantovariam negativamente na Amostra Total.agravam-se em dois subgrupos particulares: o

284 Rui Mota Cardoso, Julieta Palhinhas, Ramiro Yerissimo, Aniélia Bentes Pais e Luciano Moura

Quadro IX: Tendência de variação por grupos: Antes versus Depoist-Teste emparelhado.

a) Mecanismos de Coping; dados relevantes

Faltosos Excluídos NA < 14N = 4 N = 10 N = 25

NA>= 14N= 16

A>D A>D A>D

Afastamento4.5 i

5.5 6.2 " i 6.04.8 5.3

Instabilidade/Apatia 13.8 H 13.8 i 16.7 15.4 "14.5 15.3

A>D

i5.1

5.6

i15.4

14.4

Quadro X: Tendência de variação por grupos: Antes versus Depoist-Teste emparelhado.

b) Dimensões psicopatológicas: dados relevantes

FaItosos Excluídos NA < 14N = 4 N = 10 N = 25

NA> = 14N= 16

A>D A>D A>D

Obsessão 10.3 7.7 9.8 *" i "(MHQ) 9.8 7.5 8.0Depressão 35.3 " 22.3 27.1 :::

i "(Zung) 31.5 21.5 23.6

* P < 0.5

dos excl uídos e o dos aprovados com notas altas(Quadro X).

C- ANÁLISE DA VARIÂNCIA DAS VA-RIÁVEIS ANTES E APÓS A FREQUÊNCIADE ANATOMIA I, COM AGRUPAMENTOFACTORIAL DOS INDIVÍDUOS.

Restava saber do significado estatístico destadiscrepância, a saber: enquanto os alunos excluídos eos alunos aprovados com notas iguais ou superiores aBOM se revelaram mais obsessivos e deprimidos, commaior recurso à Instabilidade / Apatia, os restantes, quefaltaram ou que foram aprovados com notas inferioresa BOM, acompanharam a tendência geral de melhoria.

Construímos então um FACTOR Q com duascategorias: a primeira com os indivíduos dos doisprimeiros grupos e a segunda com os indivíduos dosdois outros grupos. E testámos o seu efeito numaAnovaOne-Way Repeated com Agrupamento Factorial.

Os quadros XI a XVIII transcrevem os resultadosobtidos:

a) Na análise entre grupos, nenhuma variável é

A>D

9.6 " 8.9i 27.3

26.3

fonte de variância com significado estatístico, oque pode traduzir que os dois grupos não eramdiferentes ab initio.

b) Na análise intragrupal, as variáveis assinaladasem A- voltam a demonstrar vari ânc iasignificativa na Amostra Total, com excepçãoda MATURIDADE PSICOLÓGICA, a qualnão chega a atingir significado estatístico.

c) O Efeito do FACTOR Q na variância intragrupaldo Mecanismo de Coping INSTABILIDADE /APATIA e das dimensões psicopatológicasOBSESSÃO E DEPRESSÃO (na Escala deZung) confirma-se, com valores de Festatisticamente significativos.

DISCUSSÃO

1- Estudámos prospectivamente oque nos pareceuser um Acidente de Vida numa populaçãoseleccionada. Este acontecimento vital foisubjectivamente confirmado pelos indivíduosinquiridos e objectivamente aceite pelo efeito

Estudo prospectivo de um acidente de vida 285

Quadro XI: ANOVA para medições repetidas com AGRUPAMENTO FACTORIAL.

Factor Q: I -Excluídos + Nota de Anatomia> = 14 (n = 26)2 - Faltosos + Nota de Anatomia < 14 (n = 29)

a) Avaliação do meio

> Entre indivíduos <

FONTE Soma Quadr GL Quadr Méd F 12ESTUDO 7.639 I 7.639 0.092 0.763

residual 4396.85 I 53 82.959, ECONOMIA 47.603 47.603 3.315 0.074

residual 761.855 53 14.360PESSOAL 36.966 I 36.966 0.970 0.329

residual 2019.706 53 38.108RELAÇÕES 0.353 I 0.353 0.010 0.922

residual 1926.502 53 36.349SAÚDE 5.724 I 5.724 0.569 0.454

residual 532.767 53 10.052

Quadro XII: ANOVA para medições repetidas com AGRUPAMENTO FACTORIAL.

Factor Q: I -Excluídos + Nota de Anatomia> = 14 (n = 26)2 - Faltosos + Nota de Anatomia < 14 (n = 29)

a) Avaliação do meio

< Dentro dos indivíduos>

FONTE Soma Quadr GL Quadr Méd F EESTUDO 589.776 589.776 24.557 0.000***

factor Q 50.867 50.867 2.118 0.151residual 1272.897 53 24.017

ECONOMIA 6.585 6.585 3.32\ 0.074factor Q 2.766 I 2.766 1.395 0.243

residual 105.088 53 1.983PESSOAL 6.443 I 6.443 0.649 0.424

factor Q 8.406 I 8.406 0.846 0.362residual 526.412 53 9.932

RELAÇÕES 30.061 30.061 2.235 0.141factor Q 7.697 7.697 0.572 0.453

residual 712.794 53 13.449SAÚDE 14.037 I 14.037 3.626 0.062

factor Q 1.274 I 1.274 0.329 0.569residual 205.181 53 3.871

estatístico do mesmo sobre as variáveis emestudo.Trata-se de uma população especial, jovem,recém-universitária. de nível sócio-culturalsuperior e inicialmente com valores de

AUTO CONCEITO mais baixos e valores deDIMENSÕES PSICOPATOLÓGICAS maiselevados que a população portuguesa em geral(ver Mota Cardoso et ai, 1988b).Quando observámos esta população pela

286 Rui Mota Cardoso, Julieta Palhinhas, Ramiro Veríssimo, Amélia Bentes Pais e Luciano Moura

Quadro XIII: ANOVA para medições repetidas com AGRUPAMENTO FACTORIAL.

Factor Q: I - Excluídos + Nota de Anatomia> = 14 (n = 26)2 - Faltosos + Nota de Anatomia < 14 (n = 29)

b) Autoconceito (ICA)

> Entre indivíduos <

FONTE Soma Quadr GL Quadr Méd F PACEIT/REJEI 27,164 27.164 1.928 0.171

residual 746.690 53 14.088AUTO-EFICAC 1.633 1.633 0.105 0.747

residual 820.422 53 15.480MATURPSIC 0.905 1 0.905 0.139 0.710

residual 344.313 53 6.496IMPULS! ACTIV 4.268 4.268 1.194 0.280

residual 189.550 53 3.576TOTAL 25.001 25.001 0.339 0.563

residual 799.507 53 15.085

Quadro XIV: ANO VA para medições repetidas com AGRUPAMENTO FACTORIAL.

Factor Q: 1 - Excluídos + Nota de Anatomia> = 14 (n = 26)2 - Faltosos + Nota de Anatomia < 14 (n = 29)

b) Autoconceito (ICA)

< Dentro dos indivíduos>

FONTE Soma Quadr

ACEIT/REJEI 39.168factor Q 1.435

residual 167.656AUTO-EFICAC 1.759

factor Q 0.014residual \37.204

MATUR PS!C 4.399factor Q 2.871

residual 62.820IMPULS/ACTIV 0.328

factor Q 0.001residual 81.550

TOTAL 99.312factor Q 5.348

residual 799.507

GL

53

531I·

53I

53I

53

primeira vez. na semana primeira da sua vidauniversitária (Mota Cardoso et al. 1988b)levantámos a hipótese causal de estadiscrepância em relação à população em geralse dever ao processo selectivo configurado no

Quadr Méd F P39.108 12.363 0.001 ***1.435 0.454 0.5043.1631.759 0.680 0.4130.014 0.005 0.9422.5894.399 3.711 0.0592.981 2.422 0.1261.1850.328 0.213 0.6460.001 0.001 0.980\.54\

99.312 6.583 0.013*':'*5.348 0.355 0.55415.085

numerus clausus que, ao escolher os maiscotados. convocaria. simultânea e subterra-neamente. dimensões psicológicas epsicopatológicas não desejáveis.

2- Estudada de novo quatro meses depois e após a

Estudo prospectivo de um acidente de vida 287

Quadro Xl": ANOVA para medições repetidas com AGRUPAMENTO FACTORIAL.

Factor Q: I - Excluídos + Nota de Anatomia> = 14 (n = 26)2.- Faltosos + Nota de Anatomia < 14 (n = 29)

c) Mecanismos de Coping

> Entre indivíduos <

FONTE Soma Quadr GL Quadr Méd F 12lNST ABiAPATIA 0.133 I 0.133 0.017 0.898

residual 423.322 53 7.987AFASTAMENTO 0.616 I 0.616 0.155 0.695

residual 210.239 53 3.967COMPARTILHAR 9.021 1 9.021 1.453 0.233

residual 329.070 53 6.209EVASÃO FANTASIA 1.580 1 1.580 0.621 0.434

residual 134.838 53 2.544DISTRACÇÃO 19.324 I 19.324 3.370 0.072

residual 303.894 53 5.734ALTERNATIVA + 1.035 I 1.035 0.337 0.564

residual 162.656 53 3.069REC. AUTORIDADE 6.233 1 6.233 1.130 0.293

residual 292.258 53 5.514TOTAL 286.305 I 286.305 5.272 0.026***

residual 2878.295 53 54.307

Quadro XVI: ANOVA para medições repetidas com AGRUPAMENTO FACTORIAL.

Factor Q: I - Excluídos + Nota de Anatomia> = 14 (n = 26)2 - Faltosos + Nota de Anatomia < 14 (n = 29)

c) Mecanismos de Coping

< Dentro dos indivíduos>FONTE Soma Quadr GL Quadr Méd F 12INSTABi APATIA 14.037 1 14.037 3.319 0.074

factor Q 16.874 1 16.874 3.989 0.050***residual 224.181 53 4.230

AFASTAMENTO 1.668 I 1.668 0.774 0.383factor Q 6.250 1 6.205 2.901 0.094

residual 114.204 53 2.155COMPARTILHAR 1.502 1 1.502 0.705 0.405

factor Q 0.048 1 0.048 0.022 0.881residual 112.916 53 2.130

EVASÃO FANTASIA 1.114 1 1.114 0.744 0.392factor Q 0.023 1 0.023 0.016 0.901

residual 79.377 53 1.498DISTRACÇÃO 5.220 1 5.220 0.945 0.335

factor Q 3.038 I 3.038 0.550 0.461residual 292.653 53 5.522

ALTERNA TIVA + 4.413 I 4.413 5.021 0.029***factor Q 0.013 1 0.013 0.015 0.903

residual 46.587 53 0.879REC. AUTORIDADE 0.353 1 0.353 0.202 0.655

factor Q 0.171 1 0.171 0.098 0.756residual 92.502 53 1.745

TOTAL '18.689 1 18.689 0.692 0.409factor Q 35.379 1 35.379 1.310 0.258

residual 1431.584 53 27.011

288 Rui Mota Cardoso, Julieta Palhinhas. Ramiro Yeríssimo, Amélia Bentes Pais e Luciano Moura

Quadro XVII: ANOVA para medições repetidas com AGRUPAMENTO FACTORIAL.Factor Q: 1 - Excluídos + Nota de Anatomia> = 14 (n = 26)

2 - Faltosos + Nota de Anatomia < 14 (n = 29)d) Dimensões psicopatológicas

> Entre indivíduos <FONTE Soma Quadr GL Quadr Méd F PANSIEDADE 0.149 1 0.149 0.011 0.915

residual 686.070 53 12.947FOBIA 20.314 1 20.314 1.852 0.179

residual 581.286 53 10.968OBSESSÃO 4.816 1 4.816 0.429 0.515

residual 595.239 53 11.231SOMA TIZAÇÃO 3.038 1 3.038 0.390 0.535

residual 412.653 53 7.786DEPRESSÃO 18.271 1 18.271 2.047 0.158

residual 472.948 53 8.924HISTERIA 30.213 1 30.213 1.761 0.190

residual 909.205 53 17.155TOTAL 346.003 1 346.003 1.983 0.165

residual 9247.597 53 174.483

DEPRESSÃO-Zung 66.868 1 66.868 0.478 0.492residual 7412.950 53 139.867

Quadro XVIII: ANOVA para medições repetidas com AGRUPAMENTO FACTORIAL.Factor Q: 1 - Excluídos + Nota de Anatomia> = 14 (n = 26)

2 - Faltosos + Nota de Anatomia < 14 (n = 29)d) Dimensões psicopatológicas

< Dentro dos indivíduos>FONTE Soma Quadr GL Quadr Méd FANSIEDADE 9.701 1 . 9.701 2.804 0.100

factor Q 0.247 1 0.247 0.71 0.791residual 183.353 53 3.459

FOBIA 0.162 1 0.162 0.073 0.788factor Q 0.162 1 0.162 0.073 0.788residual 117.692 53 2.221

OBSESSÃO 26.624 1 26.624 10.484 0.002***factor Q 9.897 1 9.897 3.897 0.054*"'*residual 134.584 53 2.540

SOMATIZAÇÃO 32.587 I 32.587 11.052 0.002***factor Q 0.005 1 0.005 0.002 0.968residual 156.268 53 2.948

DEPRESSÃO 0.547 I 0.547 0.211 0.648factor Q 4.620 1 4.620 1.785 0.187residual 137.144 53 2.588

HISTERIA 1.078 I 1.078 0.320 0.574factor Q 2.496 I 2.496 0.471 0.393residual 178.595 53 3.370

TOTAL 261.261 I 261.261 12.520 0.001 ***factor Q 15.043 I 15.043 0.721 0.400residual 1106.011 53 20.868

DEPRESSÃO-Zung 46.271 1 46.271 1.542 0.220factor Q 130.743 1 130.743 4.358 0.042***residual 1589.948 53 29.999

Estudo prospectivo de um acidente de vida

primeira prova académica do seucomportamento escolar, até aí por certodesconhecedor do insucesso e sinalizadorprivilegiado da estima pessoal, os resultadosforam algo surpreendentes:- Enquanto o meio continuou fonte de ameaçae tensão, com natural acréscimo na área dosESTUDOS, e os Mecanismos de Coping porALTERNA TIVA POSITIVA continuaram aser menos usados, o AUTO CONCEITOmelhorou, sobretudo por vivência de maiorACEITAÇÃO SOCIAL e MATURIDADEPSICOLÓGICA. e as DIMENSÔESPSICOPATOLÓGICAS d im inu irarn ,nomeadamente em OBSESSÃO eSOMA TIZAÇÃO, precisamente aquelas que,juntamente com a Depressão, se mostrarammais desenvolvidas na primeira observação.

Estes resultados de aparência optimista podemficar a dever-se, não. necessariamente aoAcidente de Vida, mas ao maturing-out dosindivíduos, quer por assimilação do seu novomodo de estar com transformação de estilos devida, crenças e necessidades, quer por acçãodirecta do processo educativo universitário quepromoveria assim o crescimento individualaquando da formação técnica c intelectual denível superior.No entanto, esperar tanto da Universidade e emtão pouco tempo, talvez seja uma atitude poucorealista. Uma justificação mais pessimista leriaos resultados como consequência da adaptaçãoe aprendizagem aos mesmos instrumentos demedida. repetidos num intervalo de temporelativamente curto. Seriam pois resultadosobtidos por um viés metodológico e semcorrespondência directa na realidade do objectode estudo (até por que o Recurso a umaAlternativa Positiva continuou a diminuir).

3- Trabalhando os resultados dentro dos gruposestabelecidos pelo grau de sucesso naFrequênciade Anatomia 1. verificou-se quc aINSTABILIDADE / APATIA, enquantoMecanismo de Coping, e a OBSESSAO eDEPRESSÃO, enquanto dimensõespsicopatológicas, não acompanhavam atendência geral de mclhoria em dois dossubgrupos (o dos Excluídos e o dos aprovadoscom notas superiores ou iguais a 14 valores),onde contrariamente se agravavam. A análiseda variância destas duas variáveis, com o

289

agrupamento factorial correspondente,confirmou o significado estatístico do efeitodeste FACTOR como fonte da variância,Parece pois receber apoio estatístico o efeitocausal do Acidente de Vida sobre as DimensõesOBSESSÃO e DEPRESSÃO, num estudoprospectivo.

4- Uma questão contudo permanece em aberto:porque é que o Grupo bem classificado sediferencia da tendência geral da Amostra comagravamento da Obsessão e da Depressão, emconsonância com oGrupo dos excluídos? porqueé que o Grupo dos faltosos e o Grupo dosaprovados com classificação de suficiente,aparentemente melhoraram psicológica epsicopatologicamente?Parece que os dois primeiros grupos não sóvivenciaram o Acidente de Vida comosobrecarga da sua Vida Escolar e Pessoal,independentemente do sucesso obtido, como semantiveram aprisionados a um estilo de vida ea um projecto de existência que, bem ou malsucedido, permaneceu inalterável e fonte dedesconforto e/ou estádio comportamentalinadequado,Os outros alunos, os que faltaram ou foramaprovados com notas inferiores às esperadas,não só poderão ter mantido a perspectiva demelhoria da nota na segunda Frequência deJulho, como o seu comportamento escolarpoderá traduzir a emergência de uma novahierarquia de valores num novo estilo de vida,num período transitório de crise organizadorade maior Identidade Social e MaturidadePsicológica, manifesta no relativo insucessoescolar mas na sequência desejada de um maiorafastamento das expectativas familiareshctcrónomas c de uma maior liberdade naassurnpção de valores autónomos ede intcgraçãona vida adulta,

5- Fica-nos para discutir. por último, a questão daespecificidade do Acidente de Vida nacausalidade das dimensões Obsessão eDepressão.De facto, se o Acidente fosse só sinalizador dadescompcnsação, não se perceberia que apenascom o agravamento das tensões sociais na áreados Estudos e a melhoria generalizada doAutoconceito, sem excepção em todos os gruposem que dividimos a amostra, a Obsessão e aDepressão variassem contrariamente à tendênc ia

290 Rui Mora Cardoso, Julieta Palhinhas, Raniiro Veríssimo, Aniélia Bentes Pais e Luciano Moura

geral em dois dos subgrupos, e não o fizessema ansiedade, a fobia, a somatização ou a histeria.Parece haver pois alguma especificidadeAcidente de Vida/ / Dimensão Psicopatológica.Ora, no modelo integrado que publicámos em1988 (Mota Cardoso et a!. 1988), abordámosesta questão e definimos rectrospectivamenteesta especificidade. Assim, definimos aObsessão na dependência mais directa deAcidentes de Vida na área Escolar, o que esteestudo prospectivo vem a confirmar. E maisdefinimos a Depressão na dependência deAcidentes de Vida na área da Vida Pessoal. dofactor Auto-Eficácia do Autoconceito.precisamente aquele que neste trabalho nãosofreu variação e do Mecanismo de CopingInstabilidade / Apatia, precisamente aquele que

Bibliografia

sofreu alteração neste estudo temporal e, nosentido claudicador, apenas nos dois gruposvivenciadores do Acidente de Vida.Parece-nos assim que o presente estudo nãorefuta, num desenho prospectivo, o modelo pornós proposto e testado em 1988, antes apoia osdados então avançados para a integração, nummodelo causal, dos Acidentes de Vida com asvariáveis da Pessoa em Situação e dosMecanismos de Coping a que recorre, De igualmodo, também apoia a hipótese e () sentidopreciso da sua especificidade.

Agradecimentos

Os autores agradecem aMário Figueiredo e NicolauPinto Coelho a colaboração que deram a este trabalho.

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Psiquiatria Clínica. 17, (4), pp. 291-296, 1996

Epidemiologia do Para-suicídio no Concelho de Coimbra*

PORC. B. SARAIVAC), F. A. DA VEIGA(2), R. PRIMAVERA(3), C. S. DE CARVALHOC), M.TRAVASSOS(I), L. SOARES(I), A. CANHÃO(2) e O. TORRESC)

Abstract

The objective ofour work \l'as to study and characterize non-fatal suicidal behaviours occurring in themunicipuliry of Coimbra, the largest city of Central Portugal. The catchment area comprises about 139.000inhabitants (I 14.000 aged 15 orolder}, having trade, servias and the University as its ntain economic activities.Data \\'ere gathercd froni the tlj'O general hospitais, including every patient agcd 15 ar older, residing in themunicipality anel refcrrcd to thc cntergency units during 1994 due to intentional self-hartnful. behaviour. Bothevents and persons involved 11'Crecounted. Datafrom thc population ccnsus of 199 J \1'ere used to obtain annualparasuicide rates. The total person ratefor Coimbra \l'as 204/l 00.000 (about twentyfold the suicide incidencerate), which is above the average reported by the WHO/EURO Multiccntrc Study on Parasuicide. Rates by sexshowed a fcmalehnale ratio of2.1. Distribution by age group yielded particularly high rates forfcmales under25 (over 600/100.000, which \\'as exceeded in only one of the european centros), while the peak valuefor malescorresponds to the 30-35 age range (about 300/] 00.000). Rates by marital status suggest a high intpact of divorccon parasuicidc eventsfor both sexcs (ovcr 600/100.000). The distribution by occupation showed higher ratesamongeconomically inactive females, in particular students anel housewives, anel though Ire admit thatunemployment \\'as undcrcstimated to some exteut, the respective rate appears to stand significantly below theClverage rcportcd by the WHO/ EURO centrcs .Dístríbutions by ntonth, day ofwcck and hour \j'ere also obtained.Self-poisoning with medicines Ims the method used by 85'7c ofwomen; in contrast, only 53?c of men used drugsand alniost 40'7c used high-lethality toxics (mainly herbicides and pesticides). G/obally, the results stronglysuggest that, in our population, ma/e anel fenialc parasuicidc profilcs tend to denote diffcrent underlyingphenomena. Although this work is part of a longcr-term anel trend monitoring projecto this one-year analysis ofsociodcmographic characteristics anel othcr aspccts ga\',e us some importam insights into the probleni ofparasuicide in our region, including its similarities anel specificities in coniparison with other european profiles.

Keywords: Parasuicidc, Epidcmiology. Coimbra

Introdução comportamentos para-suicidários, mais vocacionadopara doentes deprimidos, alcoólicos, auto-mutilados eintoxicados voluntariamente. Dentro desta linha deorientação, a secção europeia da O.M.S. viria, em

A nível europeu, foi criado em 1981, na cidade deAtenas, um grupo de trabalho para o estudo dos

Trabalho apresentado no X Congresso Mundial de Psiquiatria, Madrid, Agosto de 1996.(I) Psiquiatra dos Hospitais da Universidade de Coimbra (H.U.C.)(2) Interno de Psiquiatria dos H.U.C ..C) Assistente Social dos H.U.C ..

292 C. B. Saraiva, F. A. da Veiga, R. Primavera, C. S. de Carvalho, lv/. Travassos,L. Soares, A. Canhão e O. Torres

1984, a definir um conjunto de objectivos no âmbito doplano "Saúde para todos no ano 2000", sendo a 12"prioridade precisamente o estabelecimento de umapolítica de prevenção dos comportamentos suicidários.Neste sentido, na reunião de York (\ 986) redcfinir-sc-iao conceito de para-suicídio de Kreitman et al. (1969),assimilado pela ICD-I O.

Em 1988 inicia-se um estudo multicêntrico depara-suicídio, envolvendo, numa primeira fase, 16centros de investigação de 13 países europeus, tendocomo principais objectivos a monitorização de dadosepidemiológicos e a identificação de factores de riscoindividuais e sociais potencialmente relevantes para aocorrência daquele comportamento. Algumasreferências preliminares dessa investigação foramapresentadas em 1992 na obra Suicidal Behaviour inEurope - recent research findings (eds. P. Crepet, G.Fcrrari, S. Platt, M. Bellini), tendo finalmente, em1994, sido divulgados os resultados globais emAttempted Suicide in Europe - Findings from theMulticentre Studyon Parasuicide by the WHO RegionalOfficefor Europe (eds. A. Kerkhof, A. Schmidtkc, U.Bille-Brahe, D. de Leo, .T.Lonnqvist).

Em 1992 foi criada, no Serviço de Psiquiatria dosHospitais da Universidade de Coimbra (Director: Prof.Doutor A. Vaz-Scrra), a Consulta de Prevenção doSuicídio (C.P.S.), com o objectivo de se constituircomo núcleo de estudos dos comportamentos suicidáriose de responder a múltiplas solicitações para observaçãoe seguimento deste tipo de doentes, oriundos do Serviçode Urgência, enfermarias, outras unidades hospitalaresou Centros de Saúde. A partir da experiência clínica deque o para-suicídio vem evidenciando nos últimos anosum aumento significativo, assumindo-se como umgrave problema de saúde pública, a C. P. S. tomou ainiciativa de estudar a dimensão do fenômeno numaperspectiva epidcmiológica em relação ao concelho deCoimbra, utilizando uma metodologia similar à doscentros europeus que também se encontram nesta linhade investigação.

Características sociodemográfícas da área decaptação

Dentro das características mais relevantes para opresente estudo, obtidas a partir de dados publicadospelo Instituto Nacional de Estatística, temos aconsiderar:

• População: 139.000 (\,4% da população nacio-nal), dos quais 114.000 têm mais de 14 anos,mantendo-se estável desde 1990

• Área: 317 km2

• Densidade populacional: 439 hab.l km2

• Maior cidade da Zona Centro do país, tendocomo principais actividades económicas ocomércio, os serviços e tudo o que respeita àUniversidade

• Nalguns aspectos, o concelho de Coimbra podeser considerado como representativo do perfilnacional:- Distribuição Urbana / Rural: 60% / 40%- Taxa de desemprego (1994) : 6,8%- Taxa de pessoas activas: 48,1%- Distribuição segundo o grau de instrução

completo:- Analfabetos: li %- Ensino básico: 38%- 90 ano de escolaridade: 28%- J 2° ano de escolaridade: 16%- Ensino superior: 7%

Material e métodos

Como critérios de inclusão, foram considerados todosos doentes com 15 ou mais anos de idade, residentes noconcelho deCoimbra, e que deram entrada nos Serviçosde Urgência dos dois Hospitais Centrais da cidade(Hospitais da Universidade de Coimbra c CentroHospitalar de Coimbra) durante o ano de 1994, porcomportamentos para-suicidários, de acordo com adefinição da O.M.S.: "Acto não-fatal, na sequência deum comportamento não-habitual, protagonizado porum indivíduo sem a intervenção de outrém, quedeliberadamente provoca auto-lesão ou ingere umasubstância em sobredosagem para além do prescrito ouda dose reconhecida como terapêutica, e que visamudanças desejadas pelo indivíduo, quer através desseacto quer através das conseqüências físicas esperadas".Contactos estabelecidos com diversos clínicos dediferentes extensões do Centro de Saúde de Coimbraconfirmaram a convicção de que só excepcionalmenteos doentes para-suicidas recorriam em primeiro lugaràquelas unidades de saúde. Todavia, mesmo nestescasos os doentes acabavam por ser orientados para umdos Serviços de Urgência já citados, pelo facto de nãoexistirem, ao tempo do estudo, Serviçosde AtendimentoPermanente enquadrados no Centro de Saúde deCoimbra. Desta forma, consideramos que os dadosapresentados neste trabalho deverão corresponder àquase totalidade dos doentes para-suicidas que foramalvo de intervenção clínica urgente.Toda a informação "foi recolhida retrospectivamente a

Epidemiologia do Para-suicídio no Concelho de Coimbra

partir das fichas clínicas dos Serviços de Urgência. Osdenominadores utilizados no cálculo das taxas de para-suicídio que apresentamos reportam-se ao Censo daPopulação de 199 J •

Resultados

I -Incidência globalDurante o ano de 1994 deram entrada nos dois

Serviços deUrgência 250 ocorrências de para-suicídio,o que corresponde a uma taxa de incidência bruta anualde 2I9 por 100.000 habitantes (cerca de 20 vezes a taxade suicídio): tal número reportava-se a 232 indivíduos,resultando uma taxa global de para-suicídio, relativa apessoas, de 204 por 100.000 habitantes. Destes valoresdecorreurna relação ocorrências/pessoas de 1.08, nãose tendo apurado diferença significativa entre sexospara o fenómeno das recidivas dentro do mesmo ano(X2 = 0,43; df= I; p=0,51).

2 - Variáveis sociodemográficasNas figuras J, 2, 3 e 4 representam-se as taxas

anuais (1994) de para-suicídio por 100.000 habitantes(relativas a pessoas) por sexo. grupo ctário, estado civile actividade económica.

300 Relação Fem.1 Masc. = 2,1 269250

150

100

50

o

9Figura 1 - Ta;as de para-suicídio (pessoas) por sexo

700 cJ·9

600

400

300

Figura 2 - Taxas de para-suicídio (pessoas)por sexo e grupo etário

293

700 cJ·9.

500

500

400

300

100

Casados Solteiros Div orciad os Viúvos

Figura 3 - Taxas de para-suicídio (pessoas)por sexo e estado civil

800 URITlQL2J

700

600

500

400

300

100

~ro?g3,j>J::: ClêsemPreJ3dc<s êsnrdantes

L êconorricamene acnios ~

Figura 4 - Taxas de para-suicídio (pessoas)por sexo c actividade económica

(Nota: IS% de valores em falta; não foi aplicadoqualquer factor de estimação)

3 -Métodos utilizados no comportamento para-suicidário

100%

75'};:,

50%

25'}ó

QFárrn8COS • Flebotomias D outros

Figura S - Distribuição de ocorrências de para-suicídio por método utilizado e sexo

294 C. B. Saraiva, F. A. da Veiga, R. Primavera, C. S. de Carvalho, M. Travassos,L. Soares, A. Canhão e O. Torres

Na figura 5 apresentam-se resultados relativos aosmétodos utilizados nas ocorrências (não por pessoas)dos para-suicídios. Nos casos de associação de métodosoptámos por codificar de acordo com o potencialmentemais letal.

Para além do que é evidenciado nesta figura,verificou-se que os produtos tóxicos usadosconsistiam quase exclusivamente em pesticidas ouherbicidas. De entre os fárrnacos, assumiramparticular relevância a ingestão de benzodiazepinas(45%) e de antidepressivos (20%), sendo aassociação de medicamentos bastante comum. Em8% das ocorrências constatou-se a existência deassociação de diferentes métodos, sendo mais usuala ingestão combinada de tóxicos e fármacos. Nosexo feminino verificou-se não haver variação nadistribuição dos métodos utilizados em função dosgrupos erários, enquanto que nos homens eom maisde 30 anos os tóxicos foram mais usados do que osIárrnacos.

4 - Hora do comportamento para-suicidário

% do total de ocorrências40

20

I10

4·6 20·242.-12 12~16 16~2[1

Figura 6 - Distribuição segundo a hora das ocorrências

Na figura 6 apresenta-se a distribuição segundo ahora de ocorrência dos comportamentos para-suicidários.

Em relação à distribuição por meses do ano nãoapurámos variação estatisticamente significativa (X2

=5.91; df= 1O: p=0.82). O mesmo sucedeu em relaçãoà distribuição segundo os dias da semana eX2= 3,56;df=5: p=0,61), embora os resultados sugiram umatendência para um maior número de para-suicídiosao domingo, hipótesequc poderá ser objecto deestudo ulterior com base numa casuística maisalargada.

5 -Comparacão com o estudo multicêntricoeuropeu da O.M.S.

Cergy-PontoiseOXf(If"lj

Helsinqulaceímera (19S1)::::zegedEstocolmoOdenseSor"-TrondelagBernauroeaLeidentrmsbruck

f,OO 500 400 300 200 100 100 200 300 400 500 600

Figura 7 - Comparação das taxas de para-suicídiopor 100.000 habitantes relativas a pessoas, por sexo,eom os resultados do estudo multicêntrico europeu

da O.M.S. (1989-1992)

Conclusões

O presente estudo epidemiológico sobre o para-suicídio no concelho de Coimbra evidenciou uma taxaglobal anual (1994), relativa a pessoas, de 204 por100.000 habitantes, numa região de Portugal com umperfil sociodernográfico que em múltiplos aspectospoderá ser considerado como representativo do país.No contexto do estudo multicêntrico europeu da O.M.S.,este valor é significativamente elevado, sendo apenasultrapassado em Cergy- Pontoise. Oxford e Hclsínquia.Dois aspectos peculiares postos em evidência pelanossa investigação são uma relação feminino/masculinocomparativamente mais alta (superior a 2 para 1) c ummenor índice de recidivas no mesmo ano (8%).

As taxas de para-suicídio por estado civil sugeremum impacto significativo do divórcio em ambos ossexos (acima de 600/1 00.000). o que está de acordocom a maioria dos estudos realizados neste domínio.

À distribuição segundo a actividade profissionalrevelou taxas elevadas cm niulheres economicamentenão-activas (domésticas e estudantes). Os baixos valoresque obtivemos em relação aos desempregados, apesarde justificarem algumas reservas em termos deinterpretação (dada a existência de lS'k de informaçãoomissa quanto a esta variável). parecem indicar que oimpacto deste fenômeno social não será tão relevantena nossa região quando comparado com () que se passaa nível dos centros participantes no estudo europeumencionado.

Epidemiologia do Para-suicídio no Concelho de Coinibra

A distribuição segundo a hora de ocorrênciadenotou que o para-suicídio é um fenómeno do final datarde e da noite e não da madrugada ou da manhã.Detectou-se igualmente uma tendência para um maiornúmero de para-suicídios ao domingo. Estes dadospoderão sugerir uma resposta a um conflito agudo deinteracção com pessoas significativas da esfera famil iarou do círculo social envolvente (Bancroft et al., 1977).

No que se refere aos métodos utilizados,verificámos que, na nossa região, a ingestão de tóxicos(principalmente pe sti c idas e herbicidas) éconsideravelmente mais frequente do que na total idadedos outros centros europeus; em relação à ingestão defármaccs, ocupam particular relevância asbenzodiazepinas e os antideprcssivos, em contrastecom o uso de analgésicos mais comum noutros centroseuropeus. Constata-se ainda que a flebotomia é ummétodo que na nossa região assume uma expressãocomparativamente menor.

Diversos achados sugerem, na nossa população, aexistência curiosa de dois perfis para-suicidas diferentes,um para homens c outro para mulheres. Com efeito,enquanto que as taxas mais elevadas no sexo feminino

295

se referem aos grupos etários abaixo dos 25 anos (maisde 600 por 100.000, apenas excedida em Cergy-Pontoise), o valor mais alto para o sexo masculinocorrespondeu ao grupo etário entre os 30 e os 35 anos(cerca de 300/1 00.000), período em que a natureza c aintensidade dos factores de stress psicosocial tendem aser diferentes. Por outro lado, as mulheres optaram, em85% dos casos, pela intoxicação medicarncntosa,enquanto que cerca de 40% dos homens utilizaramtóxicos de elevado potencial letal, com a particularidadede acima dos 30 anos se constatar mesmo uma inversãoda relação tóxieos/fármaeos: este último achado poderátraduzir uma maior proporção de casos de suicídiofrustrado.

Este trabalho enquadra-se num projecto demonitorização epidemiológica que se pretende maisalargada no tempo c no espaço geográfico. Apesar deo presente estudo se restringir ao período de um ano,permitiu obter indicações importantes sobre ascaracterísticas dos comportamentos suicidários nanossa região, de modo a contribuir para aimplementação de estratégias preventivas epsieoterapêuticas eficazes.

Resumo

o objectivo do /lOSSO trabalho consistiu 110 estudo e caracterização de comportamentos para-suicidâriosno concelho de Coimbra. Os dados foram colhidos nos dois Hospitais Centrais da cidade. tendo sido incluídostodos os doentes com 15 ou mais anos de idade, residentes no concelho de Coimbra, e que deram entrada nosServiços de Urgência durante o ano de 1994 na sequência de comportamentos para-suicidá rios de acordo coma definição da O.M.S .. Foram distinguidas pessoas de ocorrências, e. no cálculo das taxas anuais de para-suicídio que apresentamos.foram utilizados como denominadores dados do Censo da População de 199 1.A taxaglobal de para-suicídio, relativa a pessoas. foi de 204 por 100.000 habitantes. valor relativamente elevadoquando comparado com os obtidos no âmbito do estudo multicêntrico europeu da O.M.S .. As taxas por sexopuseram em evidência uma elevada reíaçõojemininotmasculino (2.1). A distribuiçâo por grupos erários reveloutaxas particularmente elevadas nas mulheres com menos de 25 anos. enquanto que o valor mais alto nOShomensfoi encontrado no grupo etârio entre os 30 e os 35 anos. As taxas por estado civil sugerem um impactosignificativo do divórcio em ambos os sexos. A distribuição por actividade económica revelou taxas maiselevadas em mulheres economicamente não-activas (domésticas e estudantes), e ofenámeno do desemprego nãoparece ser Mo relevante na nossa região. enquanto factor potencialmente relacionado com o para-suicídio.quando comparado com o que se passa na maioria dos centros participantes 110 estudo europeu. Foramigualmente obtidas distribuições das ocorrências por mês, dia da semana e hora. A ingcstão niedicamentosa foio método utilizado pela larga maioria das mulheres. enquanto que quase 40C!cdoshomens recorreram a táxicosde elevado potencial letal. No seu conjunto, os resultados sugerem que, na nossa população, os perfis de para-suicídio nos homens e nas mulheres selo diferentes. Embora este trabalho se enquadre num projecto demonitoruação mais alargado nu tempo e 110 espaço geográfico, a análise rcspcitantc a um período de um anoproporcionoujá importantes indicações sobre as características dos comportamentos para-suicidários /la nossaregião.

296 C. B. Saraiva. F. A. da Yeiga, R. Primavera. C. S. de Carvalho. M. Travassos,L. Soares. A. Canhão e O. Torres

Referências bibliográficas

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Psiquiatria Clínica. 17, (4), pp. 297-307,1996

Doença Psiquiátrica nos Cuidados Primários de Saúde: Estudo Epidemiológico - Centro deSaúde de Góis*

PORJOSÉ AUGUSTO SIMÕESC), MARIA EMÍLIA MENDESC),ISABEL ANDRINO(2) e JOÃOAMILCAR TEIXEIRAC)

COLABORAÇÕESMargarida Robalo, tratamento estatístico dos dados; Assistentes de Clínica Geral do Centro deSaúde de Góis: Branca Cabeças, José Faria, Natália Mairício e Manuel Carvalheiro, recolha dosdados esua discussão; Enfermeiros do Centro de Saúde de Góis, recolha dos dados.

Resumo

OsAutores. vêm desenvolvendo no Centro de Saúde de Góis uma prática clínica "Consiliar e de Ligação"entre a Psiquiatria e a Clínica Geral. No presente estudo avaliaram. sob o ponto de vista cpidcmiologico, aprcvalência de Doença Psiquiátrica (40.66CJc) numa Amostra de 300 utentes daquele Centro de Saúde, atravésda aplicação de uma Escala de Rastrcio (ER80 - Pio Abreu e col.). A existência de uma psicopatologia ocultanaquele contexto (23.66CJc), de eventuais grupos de risco (idosos e mulheres) bem como a quantificação eespecificidade da prescrição psicotrópica pelo Clínico Geral foram outros dos vectores estudados.

Palavras-Chave: Prevalência Doença Psiquiátrica

INTRODUÇÃO se vai sempre construindo, num trabalho difícil dequanti Iicar c nunca completado. Decorre, a rigor. do

aumento da comunicação entre a "Psiquiatria" e a"Comunidade",

O cnquadramento teórico que está por detrás destetrabalho traduzir-so-á, mais concretamente, nanecessidade de promover:

- a Valorização/Autonomia progress iva dosrecursos locais. nomeadamente dos seus técnicos.

IPor detrás da Articulação e/ou Integração dos

Cuidados Primários de Saúde/Psiquiatria. apontam-sehabitualmente alguns Objectivos Gerais que interessanão perder de vista.

Como nuclear aparece a scnsibilização e mudançade atitudes face ao doente mental. embora seja algo que

* Trabalho apresentado nas "IX Jornadas de Clínica Geral/Medicina Familiar de Coirnbra", ao qual foi atribuído02." Prémio APMCG - Coimbra.

(1) Assistente de Clínica Geral do Centro de Saúde de Góis.(2) Interna de Psiquiatria cio Hospital Psiquiátrico do Lorvão.C) Assistente de Psiquiatria, com o Grau de Consultor do Hospital Psiquiátrico do Lorvão

Correspondência: José Augusto Rodrigues Simões - Centro de Saúde de Góis - 3330 GÓIS - Tcls, (035) 98322ou 98253 - Fax (035) 97581.

298 José Augusto Simôes, Maria Emilia Mendes, Isabel Andrino e João Amilcar Teixeira

com maior acessibilidade aos CuidadosPsiquiátricos e tratamentos, sempre que possível,no meio de origem;

- a Continuidade de Cuidados através do papel"pivot" dos Cuidados Primários de Saúde e doClínico Geral/Médico de Família, mas tambématravés da ligação aos Cuidados Diferenciados eda ligação/articulação com outras Estruturaslocais.

- Finalmente: A Prioridade da Prevenção.

11Os dados da Epiderniologia, noutras realidades,

apontam para a justeza e correcção técnica de umtrabalho focalizado no papel pivot do Clínico Geral!Médico de Família nos cuidados a prestar aos doentes,na área da Psiquiatria.

Regier, Goldberg & Taube em 1978 concluíramque o Médico de Família presta os primeiros cuidadosa mais de metade dos doentes que procuram ajuda porperturbações psiquiátricas. Chega mesmo a dizer-seque "carrega o peso" de lidar com mais de 95% dapatologia psiquiátrica:

Mas, ao contrário, há estudos que apontam paranúmeros muito inferiores - na ordem dos 25%, oumesmo dos 12% a 14%. embora se diga que estaspercentagens estão subestimadas.

Dito de outra forma. é comummente aceite a altaprevalênciadas perturbações psiquiátricas nos CuidadosPrimários de Saúde, podendo afirmar-se, de uma formageral, que cerca de metade de todos os doentes sofremde incapacidade ou de perturbação psiquiátrica (Rosene al., 1972) ou, segundo outros dados mais recentes,apenas 10% a 36%, discrepâncias que radicam,fundamentalmente, nas diferenças de metodologias ede critérios classificativos.

Também o "velho" Modelo Hierárquico deGoldberg e Huxley toma transparente a importância doClínico Geral nos cuidados psiquiátricos, delineando otrajecto mais habitual do doente. Resumidamente,aqueles autores afirmam que. da comunidade aointcrnarnento hospitalar, o doente tem de atravessardiversos filtros acedendo a diferentes níveis de cuidadosna área da Psiquiatria. Um primeiro filtro, representadopela decisão de ir à consulta do c.G., um 2°filtro queconsiste ria identi ficação ou reconhecimento pelo c.G.da patologia psiquiátrica e depois então a decisão deencaminhar para a especialidade. 3° e menos permeáveldos filtros (apenas I em 20 doentes é encaminhado, istoé, só cerca de 5% vai ao Psiquiatra).

Repare-se ainda, que a morbilidade psiquiátrica

vista pelos Psiquiatras, para além de pequena, pode sersó uma atípica amostra do que se passa realmente nosCuidados Primários e na Comunidade, não sendoforçosamente, formas frustres e/ou prodrómicas dosquadros psiquiátricos clássicos.

Acrescente-se que, frequentemente, o doente comperturbação mental nos Cuidados Primários se apresentacom sintomas físicos, procurando preferencialmente oMédico de Família e não os profissionais de SaúdeMental. O mesmo se pode dizer dos chamados"problemas psicossociais'' que, contudo, não estãodevidamente contemplados na nosologia psiquiátricatradicional, marcada pela prática hospitalar.

Estas características dos doentes, completadas pelaimportância das "características" dos Médicos e dopróprio contexto dos cuidados, contribuem para asdificuldades de identificação de casos psiquiátricosnos Cuidados Primários de Saúde e para a relativaunanimidade quanto ao facto de habitualmente o c.G.reconhecer cerca de 60% de toda esta morbilidadepsiquiátrica (conspícua), "falhando" portanto, em cercade 1/3 dos "diagnósticos". Estes são aqueles que de,uma forma rigorosa, se constituem como apsicopatologia oculta ou como a morbilidadepsiquiátrica escondida nos Cuidados Primários deSaúde.

lUAssim sendo, afigurou-se-nos importante avaliar

ou de alguma forma "quantificar" o Io e 2° daquelesfiltros, ou seja, o que se passa quanto à ida à consultanos Centros de Saúde de doentes psiquiátricos e,sobretudo, em que estado estaria a identificação oureconhecimento pelo c.G. desses mesmos doentes.

No Centro de Saúde de Góis: tem sido desenvolvido.desde há alguns anos. um trabalho definível como dePsiquiatria "Consiliar e de Ligação", adquirindo formaatravés de reuniões periódicas, entre psiquiatra emédicos de família do referido Centro, centrando-se naabordagem de doentes concretos, com ou sem a presençadestes, assim tentando criar um autêntico clima deFormação "ombro a ombro".

Como sempre considerámos que seria perigoso.para não dizer aleatório, fazer transposições dos dadosrecolhidos noutras realidades, faltava, a nível desteCentro de Saúde, um estudo epidemiológico de rastreiopsiquiátrico que, de alguma forma. consu bstanciasse aimportância da psicopatologia (conspícua e oculta)nos doentes que utilizam aquela Estrutura de Saúde,como faltam estudos que abranjam a comunidade anível regional e nacional.

Doença Psiquiátrica nos Cuidados Primários de SaúdeEstudo Epidemiolágico - Centro de Saúde de Góis

IVHavia então diversas Questões que nos vínhamos

pondo e para as quais era importante tentar encontrarrespostas, embora cientes, à partida, que nãoconseguiríamos preencher todas as nossasinterrogações.

A primeira dúvida, já a expusemos, e resume-se àpergunta:

- Qual o peso da doença psiquiátrica na populaçãoatendida no Centro de Saúde de Góis?

Na mesma linha:- Que eventuais factores ou grupos de risco poderãoexistir a este nível?

E ainda:- Até que pontoo ClínicoGeral/Médicode Famíliadiagnostica correctamente a patologia psiquiá-trica e prescreve os psicotrópicos?

Isto levou-nos a formular os Objectivos daInvestigação a empreender. Mais precisamente:

- estimar a prevalência de Doença Psiquiátrica naConsulta de Clínica Geral do Centro de Saúde deGóis:

- avaliar a fidedignidade diagnostica dos ClínicosGerais e, consequentemente, a existência de umarnorbilidade psiquiátrica escondida:

- quantificar a prescrição psicotrópica dos ClínicosGerais e a sua cspccificidadc;

- estabelecer a existência de eventual(is) Grupo(s)eleRisco.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo consistiu na:- Aplicação da Escala de Rastreio de Saúde Mental. ER80 (Pio Abreu e cols.), a uma Amostra deutentes do Centro de Saúde de Góis. (Quadro I)

- Recolha de dados a partir dos Registosinformatizados (SrCS), do Centro ele Saúde deGóis.

- Recolha de dados nos Processos dos Utentes, aquem roi aplicada a Escala de Rastreio - ER80.

A Amostra foi seleccionada, a partir dos utcntes,inscritos nos ficheiros dos Médicos de Família, quevieram à consulta, no Centro de Saúde e Extensões, noperíodo de 3 de Novembro a 3 de Dezembro de 1992.

Constitui-se uma Amostra aleatória simples queincidiu sobre os utentes com mais de 16 anos, a quemroi aplicada a Escala de Rastreio Psiquiátrico ER80.Foram sorteados 4 utentes/dia/Médico.

Dos Registos "SICS" foi recolhida a informaçãoacerca dos motivos/diagnósticos das referidas consultas.

299

Dos Processos dos utentes da amostragem, foirecolhida a informação relativa à prescrição depsicotrópicos.

RESULTADOS

1. Caracterização Geral:No período do Estudo, 3/11/1992 a 2/12/1992,

encontravam-se inscritos no Centro de Saúde, um totalde 5.646 utentes (2.563 Homens e 3.083 Mulheres).

Neste Período, efectuaram-se 1.670 consultas (575Homens e 1.095 Mulheres).

Dos motivos/diagnósticos destas consultas(classificação atribuída pelo Médico de Família,segundo a CIPS2-Definida), destacamos os seguintes:

- 810 (48,5%) Vigilância c/ou Procedimentosadministrativos (XVIII)

- 220 (13,2%) Doenças do Sistema Musculoes-quelético (XIII)

- 211 (12,6%) Doenças do Aparelho Circulatório(VII)

- 134 (8,0%) Perturbações Mentais (V)Foram concedidas e/ou renovadas 176 Baixas,

neste Período.

2. Caracterização da amostra:Do total de 1.670 consultas, constituiu-se uma

amostra de 321 utentes (19.2%). Com a seguintedistribuição por idade e sexo, referida no Quadro Il, conde se destaca o predomínio das Mulheres (69,78%)c dos Utentes com idade igual os superior a 65 anos(40,5% ).

Quanto ao Estado Civil dos Inquiridos, encontrou-se que 86% (83) dos Homens e 68% (153) das Mulheressão casados, 8% (8) de Homens e 9'70 (2 J) das Mulheressão solteiros, e a existência de 16% (36) de viúvas e só2% (2) viúvos.

Dos dados sobre a Escolaridade dos Inquiridos.regista-se que a grande maioria não vai além da 4"classe. realçando-se que 34% a completaram (46,4%dos Homens e apenas 28,6% das Mulheres). Há umapercentagem significativa de Analfabetos (23.7%)sendo (25,90/0 das Mulheres e 18.5% dos Homens).

Dos dados sobre a Actividade dos Inquiridos,regista-se que 38,3% são Pensionistas (43,3% dosHomens e 36,2% das Mulheres): 23,4% são Rurais(15,50/0.'dos Homens e 26,8% das Mulheres) e 25,90/0das Mulheres são Domésticas.

Dos MotivoslDiagnósticos das Consultas dosInquiridos destaca-se que:

- 81 (25,2CJi:)Doenças do Sistema Musculoes-

300 José Augusto Simões, Maria Emilia Mendes, Isabel Andrino e João Amilcar Teixeira

(Quadro I)ESCALA DE RASTREIO EM SAÚDE MENTAL-ERSO

As perguntas seguintes dizem respeito ao modo como se tem sentido nos últimos tempos, Responda a todaselas, sublinhando a resposta com que esteja mais de acordo,

Tem tido dores de cabeça? Muitas vezes 1Poucas vezcsNunca F

Tem-se sentido mal disposto? Muitas vezes IPoucas vezesNunca F

Quando está adoentado procura sempre o médico? Sim FNão

Tem-se sentido muito nervoso ou irritado? Muitas vezes 1Poucas vezesNunca F

Tem-se sentido satisfeito ou triste? Satisfeito FNormalTriste 1

Que tal tem andado a sua memória? BoaRegularMá 1

Tem tido a sensação de ter a cabeça pesada? Sim 1RaramenteNão

Tem a sensação de que tudo, tudo lhe corre mal? Sim INão

Custa-lhe a decidir sobre as pequenas coisas do dia a dia? Sim 1RaramenteNão

Consegue dormir sem dificuldades? SimQuase sempreNão 1

Tem-se preocupado por tudo e por nada? Sim 1Não

Custa-lhe prestar atenção a uma conversa ou programa de rádio? Sim 1Não

Acha que as pessoas o têm tratado de um modo diferente? Sim 1Não

Existe alguma pessoa de quem não goste? SimNão F

Está melhor quando está sozinho? Sim JNão

Acontecem-lhe coisas estranhas ou sem explicação? Sim J

NãoI-Resposta Positiva F - Resposta considerada improvável

Doença Psiquiátrica nos Cuidados Primários de SaúdeEstudo Epidemiolôgico - Centro de Saúde de Góis

Quadro II: Distribuição por Idade e Sexo

Idade Homens Mulheres H+M

16 - 24 4 15 19 (5,9%)

25 - 44 10 45 55 (17,1%)

45 - 64 34 83 117 (36,5%)

65 - + 49 81 130 (40,5%)

Total 97 (30,22%) 224 (69,78%) 321 (100%)

quelético (XIII)- 63 (19,6%) Vigilância c/ou ProcedimentosAdministrativos (XVIII)

- 60 (18,7%) Perturbações Mentais (V)- 55 (17, I%) Doenças do Aparelho Circulatório(VII)

Comparando com os Motivos/Diagnósticos doTota! das consultas neste período, constacta-se que naAmostra estudada, as Doenças do SistemaMusculoesquelético passam de 2° para 10Motivo e asPerturbações Mentais de 4° para 3".

3. Aplicação da ER-80:Apesar da Escala ER80 ser de Autoavaliação, em

face do elevado número de Analfabetos, decidiu-se queseria aplicada mediante entrevista de Enfermagemprévia à consulta.

A partir dos resultados obtidos com a aplicaçãodesta Escala, procedeu-se à exclusão de 21 utentes(6,5%), por um Índice de Falsidade >= 4, o que dá umaamostra para análise de 300 utentes.

Considerou-se como Provável!Presumível aPresença de Psicopatologia, ou seja, a existência de

301

caso psiquiátrico, a pontuação da ER 80, maior ouigual a 7 para as mulheres e maior ou igual a 6 para oshomens (Limiar Discriminativo Superior paraconsideração de Caso Psiquiátrico), ou seja, de formaabreviada, ER80 "Positiva", Valores inferiores àqueleslimiares designaram-se como ER80 "Negativa".

Os procedimentos estatísticos utilizadosconsistiram em:

I) Testes tde Student para comparação das médiasentre os grupos.

2) Estudo das correlações (p) Pearson paradeterminar o grau de associação entre variáveiscontínuas, para cada umdos sexos, em separado,e no global.

Numa panorâmica geral, destacam-se os seguintesresultados:

1 -Desta AMOSTRA (300 utentes), encontrou-sea distribuição de valores de ER80 apresentadanas Figuras I e 2, concluindo-se que 40,66%(122) - 32,92% dos homens (27) e 43,57% dasmulheres (95) - serão prováveis casospsiquiátricos.

2 -Numa análise dos resultados por Idade e Sexo,(Quadro III) veri fica- mos que a Idade Média daAmostra é de 56,79 anos, sendo para o sexoMasculino de 61 ,55, e para o Feminino de 55,00anos (diferença estatisticamente significativa,entre os sexos, p<O,O I).

3 -Relacionando a Idade, o Sexo e os 'Valores daER80, (Quadro IV) verificamos que no globalda amostra, se constata que a Idade Média dosutentes com valores de ER80 "Negativa" é de54,57 anos; e para valores de ER80 "Positiva"é de 60,03 anos (diferença estatisticamente

Figura 1: Distribuição dos resultados da ER80

40

3020

10

33

Valores ER80

oo 32 4 5 6 8 9 10 11 12 13 147

l_Homens c Mulheresl

302 José Augusto Simões, Maria Emilia Mendes, Isabel Andrino e João Amilcar Teixeira

Figura 2: Valores ER80, segundo o Limiar Superior da Escala

Homens = 82

67%

33%

Mulheres = 218

56%

(Limiar Superior da Escala)

significativa, p<O,O1).No sexo Feminino encontra-se uma Idade Média

para ER80 "Negativa" de 52,23 anos c para ER80"Positiva" de 58,60 (diferença, igualmente, significativa

QuadrollI: Relacionando a Idade e o Sexo

Idade

Global = 300Mínimo 16Máximo 88Média 56,79D.P. 17.30

Homens = 82

Mínimo 18Máximo 85Média 61.55

D.P. 15.16

t=2.957p=O,003p<O,OI

Mulheres = 218Mínimo 16Máximo 88

Média 55,00

D.P. 17.78

do ponto de vista estatístico, p<O,Q1, o que não éafirmávcl para o sexo Masculino).

4 -A análise dos registos de Diagnóstico dePerturbação Mental (D.P.M.) pelo Clínico Gerale da sua comparação com os resultados da ER80, (Quadro V) verificamos que:

- Utentcs Sem D.P.M. são 241 (80,33%)- Utentes Com D.P.M. são 59 (19,67%)

Mas:- Utentcs Sem D.P.M. mas com ER80 "Positiva"são 79(26.33%)

Quadro IV: Relacionando a Idade e o Sexocom os resultados da ER80

ER80 "Positiva" ER80 "Negativa"

Global= 300 n= 122 ü= 178

Idade Média 60,03 54,57

D.P. 15.38 18.22t= 2.71 p= 0.007 p<O.O1

Homens= 82 Il= 27 ü= 55

Idade Média 67.07 59.82D.P. 13.26 15.83

t= 1.49 p= 0.141 n.s.

Mulheres= 218 n= 95 n= 123Idade Média 58.60 52.23

D.P. 15.70 18.77

t= 2,67 p= 0,008 p<O,OI

Doença Psiquiátrica nos Cuidados Primários de SaúdeEstudo Epidemiológico - Centro de Saúde de Góis

Quadro V: Relacionando o Diagnóstico de Perturbação Mental (D.P.M.) com os resultados da ER80

303

ER80 "Negat" ER80 "Posit"

SemD.P.M. 162 (54,00%) 79 (26,33%) 241 (80,33%)ComD.P.M. 16 (5,33%) 43 (14,33%) 59(19,67%)

178 (59,33%) 122 (40,67%) 300 (100%)

Quadro VI: Relacionando a Idade e o Sexo com a Medicação

Sem Medicação Com Medicação

Global~ 300 Il= 183 n~ 117Idade Média 55,24 59,23D.P. 18,03 15,87

t~ 1,96 p~ 0,05 n.s.Homens-e 82 n~ 57 n~ 25Idade Média 62,00 60,52D.P. 14.95 15.89

t~ 0,405 p~ 0,687 n.s.Mulheres» 218 n~ 166 n= 92Idade Média 57,18 58,88D.P. 18.52 15,93

t= 2,798 p= 0,006 p<O,OI

Quadro VII: Distribuição por grupos terapêuticos

I 2 3 4 5

Homens 57 4 16 4 1 82Mulheres 42 13 56 23 O 218

183 17 72 27 1 30061% 5,67% 24% 9% 0,33% 100%

I -Sem Medicação2 - Com Anti-depressivos3 - Com Ansiolítieos

4 - 2 + 35 - Outras

- Utentes Com D.P.M. mas com ER80 "Negativa"são 16 (5,33%)

- Utentes Com D.P.M. e com ER80 "Positiva" são43 (14,33%)

- Utentes Sem D.P .M. c com ER80 "Negativa" são162 (54%)

5 -Idêntico procedimento foi feito em relação àsprescrições de psicotrópicos, concluindo-se que:

-Utcntes Sem Medicação Psicotrópica : 183(61%)-Utentes Com Medicação Psicotrópica : ll7(39%)

6 -Quanto à Medicação versus Idade e Sexo,(Quadro VI) nota-se que apenas nas Mulheresexiste uma diferença significativa (p<O,OI) entrea Idade Médiadas Com Medicação Psicotrópica

304 José Augusto Simões, Maria Emilia Mendes, Isabel Andrino e João Amilcar Teixeira

(58,88 anos), e as Sem Medicação Psicotrópica(57,18 anos).

7 - Discriminando por grupos terapêuticos, (QuadroVII) verificamos que:

- Utentes COM Ansiolíticos são: 72 (24%)- Utentes COM Ans. + Antidcp. são: 27 (9[t)- UtentesCOMAnti depressivos são: 17 (5,67%)

Quanto à prescrição de Ansiolíticos versus Idade eSexo, (Quadro VIII) constatamos que os utentes ComMedicação Ansiolítica têm uma Idade Média de 61 ,54anos, e os Sem Medicação Ansiolítica a Idade Média éde 55,29 anos (diferença significativa, p<O,O 1).

As Mulheres Com Medicação Ansiolítica têm umaIdade Média de 61,54 anos, c as Sem Medicação

Quadro VIII: Relacionando a Idade e o Sexo com a prescrição de Ansiolíticos

Sem Ansiolíticos Com Ansiolíticos

Global= 300 11=228 11=72

Idade Média 55,29 61,54

D.P. 17,74 14,99

t= 2.70 p= 0,007 p<O,OI

Homens= 82 n=66 11=16

Idade Média 61.55 61,56

D.P. 14,30 18.82

t= 0.004 P n.s.

Mulhercs= 218 n= 162 n= 56

Idade Média 52.75 61.54

D.P. 18.40 13.91

t= 3,27 p= 0,001

Quadro IX: Relacionando os resultados da ER80 com a Medicação

S/Mcd. C/Med.

ER80 '·Negat." 132 (44%) 46 (15.33%) 178 (59,33%)

ER80 "Posit." 51 (17%) 71 (23,67%) 122 (40,67%)

183 (61%) 117 (39%) 300 (100%)

Quadro X: Relacionando os resultados da ER80 com os grupos terapêuticos

1 2 3 4 5

ER-80 ''N'' 132 3 35 7 1 17811.67c/c

ER-80 "P" 51 14 37 20 O 12212.33'1é

183 17 72 27 1 300

I - Sem Medicação2 - Com Anti-dcpressivos3 - Com Ansiolíticos

4 - 2 + 35 - Outras

Doença Psiquiátrica /lOS Cuidados Primários de SaúdeEstudo Epideniiolágico - Centro de Saúde de Góis

Ansiolítica a Idade Média é de 52,75 anos (diferençasignificativa, p=O,OOI), o que não acontece com osHomens,

A análise dos Resultados da ER80 versusMedicação psicotrópica, (Quadro IX) revela que:

- Utentes Com Medicação e Com ER80 "Positiva":71 (23,67%)

- Utentcs Sem Medicação e Com ER80"Negativa":132 (44%)

- Utentes Com Medicação mas Com ER80"Negativa": 46(15,33%)

- Utentes Sem Medicação mas Com ER80"Positiva": 51 (17%)

O caso particular dos Ansiolíticos ficou assimconfigurado: (Quadro X)

- Utentes Com Ans. mas Com ER80 "Negativa":35 (11,67%)

- Utentes Com Ans. e Com ER80 "Positiva": 37(12,33%)

DISCUSSÃO

Os resultados revelam uma taxa de prevalência deperturbação psiquiátrica na população estudada, de43,57% para as Mulheres e 32,42% para os Homens,diferença não significativa entre os sexos, dando umataxa global de 40.66%.

Tais valores são genericamente sobreponíveis aosencontrados por outros autores com o mesmoinstrumento embora noutras realidades. Em utentes deconsultas de Clínica Geral os valores vão de 34% (Sousa, M.F. e cols., 1987) a41 % (Mendes, M.E. e cols.,1987) e 46% (Abrcu, J.L.P. e Teixeira. .l.C., 1984).

A análise por sexos revela que, as mulherespredominam na global idade da amostra estudada(69,78%). reflectindo entre outros factores, a maior

utilização por este sexo dos Cuidados Primários deSaúde, e são mais "jovens" (Idade média: SS anos) queos homens (Idade média: 61,55), - todas estas diferenças,são estatisticamente significativas, o que desde logo"marca" o sexo feminino como presumivelmente mais"doente".

Não existindo uma correlação estatisticamentesignificativa, de ER80 com outros factores,nomeadamente com a insrrução, ela existe ao considerar-se a idade, já que:

- os indivíduos com ER80 "Positiva" são maisvelhos, (Idade média: 60,03) mas sobretudo, àcusta das mulheres, porque, numa diferençaestatisticamente significativa, as mulheres comER80 "Positiva" tem uma Idade Média mais

305

elevada (58,60). Assim sendo a idade acentua aprescrição de Psicotrópicos, em particular dosAnsiolíticos, e novamente nas mulheres (IdadeMédia com Ansiolíticos: 61,54).

Logo, os idosos aparecem como grupo que se podeconsiderar como particularmente vulnerável e, dentrodeste, destacam-se as mulheres, o que é aparentementecoerente com as referências habituais na literaturasobre morbilidade psiquiátrica. Tal facto, leva a apontarcomo hipótese de trabalho futuro, na área da PsiquiatriaConsiliar/Ligação, os idosos e dentro destes sobretudoas mulheres, como grupo de intervenção preferencial,importando esclarecer, entre outros factores, o eventualuso crónico/dependência de benzodiazepinas.

A análise dos diagnósticos de Perturbação Mentalpelo Clínico Geral versus valores de ER80, demonstraque 23,66% dos utentes considerados como tendopatologia orgânica exclusiva, apresentam tambémperturbações mentais não diagnosticadas.

Esta percentagem, embora ligeiramente inferior àsobtidas por outros autores, é suficientemente relevante,indicando uma possível morbilidade psiquiátricaescondida, nos utentes do Centro de Saúde de Góis.Interessa, no futuro a sua analise, o que implica anecessidade de avaliar comportamentos Médicos queaumentem a precisão de avaliação psicológica, bemcomo uma melhor aferição de critérios diagnósticos.

Contudo, maioritariamcnte, a existência ou não dePerturbação Mental avaliada pelo Clínico Geral, éconcordante com os resultados obtidos através da ER80(68,33%).

Mas é interessante, a constatação de uma pequenapercentagem (5,33%) em que foi feito diagnóstico dePerturbação Mental pelo Clínico Geral, não apontandoa Escala nesse sentido, o que talvez abusivamcntc,poderá reflectir dificuldades na Comunicação/RelaçãoMédico/Doente e faz supor a sua possível psiquiatri-zação.

Por fim, fazer ressaltar, que todas as afirmaçõesquanto à existência de caso psiquiátrico, são feitas emtermos de presumibilidade, uma vez que se não procedeua um 2° tempo do estudo, através, por exemplo, ele umaentrevista psiquiátrica padronizada, de formaaeliminareventuais falsos resultados da ER80. pese embora osestudos de validação que demonstram a suasensibilidade c cspecificidade.

Quanto à prescrição de psicotrópicos, verifica-seque ela existe em 39'X dos utentes da amostra. Nestesa maioria das prescrições é de Ansiolíticos (24% sócom Benzodiazepinas e 9% tendo associados os Antidepressivos). Esta mais alta prescrição, levantará a

306 José Augusto Simões, Maria Emilia Mendes, Isabel Andrino e João Amilcar Teixeira

"velha" questão do uso "excessivo" dasBenzodiazepinas na Clínica Geral e o obscurecimentoda depressão pela coexistência de ansiedade.

Constatou-se que genericamente, indivíduosmedicados com psicofárrnacos, têm valores de ER80mais altos do que os indivíduos aos quais o ClínicoGeral os não prescreveu. Mas, verificamos, que háainda uma percentagem de 17% em que aquelaprescrição não existe, apesar de presumível DoençaPsiquiátrica pela ER80, o que apontará também, paraalgo que está oculto em telIDOS psieopatológicos. Maiscomplexa será a interpretação de uma percentagem de15,33% em que, apesar da escala não apontar para aexistência de Doença Psiquiátrica, se encontraprescrição de psicotrópicos, sobretudo de ansiolíticos.A sua leitura pode ir desde o tratar-se de DoentesPsiquiátricos assintomáticos porque medicados, atéaos utilizadores crónicos de Benzodiazepinas, passandopor eventuais falsos "Negativos". Contudo, não é deexcluir a possibilidade de significarem a patologização/psiquiatrização de problemáticas mais sociais do quemédicas e/ou de reflectirem também dificuldades narelação médico/doente.

CONCLUSÕES

1. A prcvalência de Doença Psiquiátrica naConsulta de Clínica Geral do Centro de Saúdede Góis estimou-se em 40,66% (43,57% noSexo Feminino e 32,92% no Sexo Masculino),o que fornece, suficiente fundamento para as

Bibliografia

intervenções de Psiquiatria Consiliar/Ligaçãono Centro de Saúde de Góis.

2. Concluiu-se por uma Concordância entrediagnóstico de Perturbação Mental pelo ClínicoGeral e pelos resultados da Escala ER80 de68,33%. Existe uma Discordância de 31,67%.Nesta última, está incluída uma percentagem de26,33%, que corresponde à MorbilidadePsiquiátrica escondida, a que importa estaratento, implementando o trabalho de formação"ombro a ombro" já iniciado, e que incluiráentre outros vectores, as atitudes, técnicas/estilode entrevista, a aferição de critérios diagnósticose até a prescrição criteriosa de psicotrópicos.

3. A percentagem de indivíduos com prescriçãode Psicotrópicos é de 39%. Destes, 24% estãomedicados com Ansiolíticos (Benzodia-zepinas), 9% com ansiolíticos e antidepressivos e 5,7% só com Anti depressivos.Uma abordagem especial será feita ao grupode utentes, identificado pela aplicação da ER80como não sendo caso psiquiátrico e estandomedicado com psicotrópicos (15,33%), o quepassa por um trabalho "doente a doente" entreo Psiquiatra e cada um dos respectivos Médicosde Família.

4. Concluiu-se pela existência dos Idosos comoprovável Grupo de Risco e nestesparticularmente as Mulheres, o que aconselhauma atenção/intervenção particulares junto da3" Idade e do sexo feminino.

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307

Psiquiatria Clínica, 17, (4), pp. 309-310,1996

Perfil farrnacoterapêutico da venlafaxina

POR

SHELDON H. PRESKORNC)

Palavras chave: Venlafaxina; Depressão major; Tratamento farmacológico

Os factores que devem ser considerados na escolhade um anti-depressivo podem resumir-se na siglaSTEPS: Segurança, Tolerância, Eficácia, Preço a pagar(e.g. custo-eficácia) e Simplicidade de utilização. Aeficácia inclui a eficácia global, a singularidade doespectro de actividade, a precocidade do início daacção e a eficácia como tratamento de manutenção e deprofilaxia. A segurança e a tolerância incluem asegurança a curto e a longo prazo e as interacçõesfarmacocinéticas e farmacodinâmicas. A simplicidadede utilização refere-se à conveniência do regime dedosagem, à necessidade dc aumento progressivo da

AmitriptilinaDesipramina

FluoxetinaSertralina

dosagem e à necessidade de monitorização daterapêutica farmacológica.

A venlafaxina é um membro de uma nova classe deanti-depressivos denominados inibidores da recaptaçãode serotonina-noradrenalina (IRSNs). Os fármacos quepertencem à classe dos IRSNs inibem a captaçãoneuronal de serotonina e de noradrenalina, mas sãoestrutural e farmacologicamente diferentes dos ATes,jáque não mostram qualquer afinidade pelos receptoresmuscarínicos, histaminérgicos e adrenérgicos (Muth etaI, 1991; Figura 1). As potenciais consequências desteperfil farmacológico são a actividade numa larga gama

Inibição da recaptação

1

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BupropionNefazodonaVenlafaxina

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::::::::::::::::::::::::~::~:::::~~:::::~~:':::;N0.1 1 10 100 1000 10000

Concentração (nM)

Bloqueio dos receptoresKc! (nM)

• ACh• H1T A1pha NEló. A1pha NE2

o DA2ó. SElaT SE2a

Figura 1. Afinidade de ligação e inibição da recaptação in vitro para vários anti-depressivos.

(') MD, Department of Psychiatry and Behavioral Sciences, University of Kansas School of Medicine, Wichita,Kansas, USA

310 Sheldon H. Preskorn

de doentes, um início mais rápido ou precoce daactividade anti-depressiva, uma flexibilidade dedosagem, que permite uma melhoria da resposta com oaumento da dose, e um melhor perfil de segurança!tolerância devido à sua falta de afinidade por receptoresresponsáveis por-muitos dos efeitos adversos dos anti-depressivos anteriores.

Em ensaios clínicos controlados, a venlafaxinademonstrou ser eficaz numa larga gama de doentes,incluindo doentes hospitalizados e doentes ambulatórioscom depressão major e incluindo aqueles commelancolia. Demonstrou-se a eficácia da venlafaxinaem doentes com depressão e sintomas de ansiedade,assim como em doentes com agitação ou lentificaçãopsicomotora. A venlafaxina também é um anti-depressivo promissor no que se refere à sua utilizaçãoem doentes com depressão grave atípica. Os resultadosde ensaios clínicos indicam que a venlafaxinaé superiorà imipraminae ao placebo na prevenção das recorrênciascm doentes que respondam inicialmente ao tratamento.Além disso, verificou-se que os doentes com umadepressão resistente a tratamento apresentavam, com avcnlafaxina, uma resposta que se manteve por 6 meses.

Também existem resultados que mostram que oinício da actividade da venlafaxina é mais rápido doque o de outros anti -depressivos. Resultados de ensaioscontrolados com placebo demonstraram que o início daactividade da venlafaxina OCOITe4 a 7 dias após o inícioda terapêutica (Guclfi et al. 1995). Um ensaiocomparativo da vcnlafaxina e da imipramina cru doentes

Taxa de resposta na avaliação final

EJPlacebo (n ""-92)• Efexor 75 mg/d (n = 79)o Efe xo r 150-225 mg/d (n '" 77)o Efexor 300-375 mg/d (n "" 75)

70

60

50

t40e

r- 30

20

HAM-D Total CGIMADRSTotal

- Significativamente (P~O.05) diferente doplacebo

Figura 2. Percentagem de doentes com resposta(dimunuição 509c da cotação global em relação àlinha de base) emjunção da dose de venlajasina.

hospitalizados com melancolia (Benkert et al, 1994),sugere conclusões semelhantes.

A venlafaxina é única no que se refere à existênciade uma relação dose-efeito clara, ao contrário do que sepassa com os inibidores selectivos da recaptação deserotonina (ISRSs), que apresentam curvas de respostahorizontais. Dados de ensaios clínicos com a vcnlafaxinamostram um aumento da resposta com o aumento dadosagem (Figura 2).

Os efeitos adversos que ocorrem maisfrequentemente com a venlafaxina são náuseas,sonolência, insónia, tonturas e secura da boca, podendoestes atribuir-se aos efeitos da venlafaxina sobre osreceptores de serotonina e adrenérgicos periféricos.Tal como com os ISRSs, a venlafaxina apresenta umarelação dose-frequência em relação a náuseas, insôniae cefaleias, Ocorre um aumento da tensão arterial emcerca de 5% dos doentes que tomam doses de venlafaxinasuperiores a200 mg/dia, sem que tenham sido referidosquaisquer resultados adversos. O risco de morte porsobredosagem com a venlafaxina é baixo; durante osensaios clínicos apenas 14 de mais de 3.000 doentessofreram sobredosagem e nenhum doente morreu.

Ao contrário do que se passa com alguns ISRSs, avcnlafaxina é um inibidor relativamente fraco daisoenzima 2D6 do citocromo P450, que é uma dasprincipais enzimas que metabolizam Iármacos nofígado. Apesar disso, a venlafaxina depende do sistemaP450 para o seu metabolismo e, em consequência,outros fármacos como a fluoxetina podem aumentar osníveis plasmáticos de venlafaxina, podendo o contrárioocorrer com a administração concomitante decarbamazcpina ou de Icnitoina .

Numa situação ideal, um anti-depressivo,administrado na dose usual, deveria tratar a maioria dosdoentes, permitindo, em simultâneo, um rápido aumentoprogressivo da dose, no caso de ser necessário obteruma mclhoria da resposta. Os regimes de dosagemcomplicados e a necessidade de monitorização daterapêutica farrnacológica são processos dispendiosos,podem reduzir a aderência ao tratamento e podemaumentar os riscos para o doente. Tipicamente, osATes, os inibidores da monoamina ox idasc e atradozona requerem monitorização da concentraçãodoíárrnaco para minimizar a sua toxicidade, ao passo queos ISRSs exibem uma curva de resposta horizontal emfunção da dosagem e um índice terapêutico largo,obviando a necessidade de uma monitorização daterapêutica farmacoJógica. A venlafaxina possui umíndice terapêutico largo e apresenta um aumento daresposta para doses mais elevadas,

Psiquiatria Clínica. 17, (4), pp. 311-317,1996

Tricotilomania: Uma revisão a propósito de três casos clínicos+

PORCARLOS BRAZ SARAIV AC), CONST ANÇA FERNANDESe), OCTÁVIO TORRES C) EAMÉRICO FIGUEIREDO(4)

Sumário

Neste trabalho os autoresfazem uma revisão da literatura acerca dos aspectos clínicos. epidemiolágicos,histolágicos, diagnóstico. complicações e tratamento da Tricotilomania. uma patologia pouco frequente nonosso Serviço. apresentando três casos diagnosticados e seguidos recentemente.

Summary

After reviewing the literature on trichotillomania, the AA presented the clinical picture, epidemiology,histipatologic features. diagnosis, psychiatric implications and treatment of this Habit and Inipulse Disorders,caracterized by notable hair loss, due to a recorrent failure to resist impulses topull out hairs and describe threcpersonal cases.

DEFINIÇÃO E CONCEITO

Tricotilomania, do grego, significa um desejoirresistivel e rcpctitivo de arrancar cabelo e o termodeve-se ao dermatologista francês, Hallopeau (1889),que descreveu umjovem que arrancava os seus cabelosem tufos. A designação de man iaera um termo genéricono século XIX e daí a sua utilização.

Até 1950, a literatura sobre Tricotilomaniaapareceuessencialmente nas revistas de dermatologia, altura emque as implicações psiquiátricas para este distúrbiocomeçam a merecer atenção.

É reconhecido pela primeira vez como umacategoria diagnóstica psiquiátrica específica, em 1987.

na D.S.M.-III-R,classificada como um distúrbio docontrole dos impulsos em que há uma irresistívelsolicitação para arrancar o cabelo e um sentimento dealívio c gratificação após arealização do acto.merecendoa mesma classificação na D.S.M.-IV. Na C.I.D.-I O, étambém referida na categoria de Distúrbios de Hábitose Impulsos.

Na forma típica o cabelo é arrancadoindividualmente, do topo para os lados da cabeça comas resultantes áreas de alopécia, mas as sobrancelhas,pestanas, barba. pêlos axilares.e púbicos são, por vezestambém removidos. Quando os doentes se apercebemde tal comportamento o arrancar de cabelo é referidocomo indolor.

;, Comunicação apresentada no II Congresso de Saúde Mental dos Açores, Ponta Delgada, 6 a 8 de Outubro de1994

(I) Chefe de Serviço de Psiquiatria dos H.U.C .. Assistente Convidado de Psiquiatria da F.M.C..(') Assistente Hospitalar Eventual de Psiquiatria dos H.U.C..nAssistente Hospitalar Eventual de Psiquiatria elosH.U.C ..(4) Professor Auxiliar de Dermatologia da EM.C.. Assistente Hospitalar Graduado de Dermatologia dos H.U.C..

312 Carlos Era" Saraiva, Constança Fernandes, Octâvio Torres e América Figueiredo

Normalmente o cabelo depois de arrancado éexaminado e a raiz ou cabelo inteiro, algumas vezesingerido (tricofagia). Mais frequentemente os cabelossão amontoados antes de serem eliminados.

As sessões de arrancar cabelo variam de minutos aalgumas horas (4 a 5 h.), e estes episódios ocorremvárias vezes ao longo do dia (dezenas).

EPIDEMIOLOGIA

A exacta prcvalência e incidência da Tricotilomanianão é conhecida, mas o distúrbio pode ser mais comumdo que é correntemente avaliado.

Há estudos um pouco contraditórios em relação àprevalência, enquanto que um estudo de Hope, em1990, estimava que 4% da população é arrancadora decabelos e aproximadamente 10% tiveram esse hábitona sua vida, Anderson, em 1956, apenas encontrou 5casos por cada 10000 crianças sem problemaspsiquiátricos e Schachter, em 196 I, encontrou 3 casospor cada 500 crianças com problemas.

Muitos casos de Tricotilomania não chegam aosmédicos, casos ligeiros por vezes não são notados e anegação do comportamento de arrancar cabelo é umacaracterística frequente.

Doentes que arrancam o seu próprio cabeloprocuram quase sempre uma avaliação dermatológica.

A Tricotilomania é um distúrbio que usualmentecomeça na infância e adolescência, com a maior partedos casos emergindo entre os 4 e os 17 anos, é 7 vezesmais prcvalente em crianças do que em adultos e 2,5vezes mais frequente no sexo feminino, contudo emidade pré-escolar os rapazes parecem ser mais afectadosque as raparigas (Dawber, I985 e Muller, 1987).

O arrancar de cabelo é a queixa principal de 0,5%de todos os doentes que procuram os serviços de SaúdeMental Infantil (Chapman, 1974).

A região fronto-parietal é a área maisfrequentemente atingida, seguida das sobrancelhas.pestanas, axilas e zona púbica,

Uma publicação de Mehregan em 1970, referiaque a maior palie dos dermatologistas nos E.U.A.observava 2 ou 3 doentes por ano com Tricotilomania.Em 1987. esse número já se elevava para 15 a 20doentes por ano.

A distribuição etária de 145 doentes observados naClínica Mayo, no período de 1968 a 1977, mostrou que70% dos doentes eram do sexo feminino. no entanto62% das crianças afectadas em idade pré-escolar eramrapazes, o único grupo em que o sexo masculinopredomina (Muller, 1979).

Aproximadamente 1/3 dos doentes foramobservados na 1"década de vida, ao passo que 1/3 tinhade 11 a 17 anos e 16% tinha 40 anos ou mais.

A literatura sugere que as crianças que apresentamTricotilomania usualmente são os filhos mais velhosou os filhos únicos no casal.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICASE HISTOPATOLÓGICAS

Todas as áreas que tenham pêlos podem serafectadas. sendo na maioria dos casos o pcricrânio amais comum, seguido das sobrancelhas e pestanas quepodem ser total ou parcialmente arrancadas,normalmente de forma simétrica.

Na tricotilornania, a perda de cabelo seguenormalmente uma configuração linear, mais ou menosbem delimitada, com o resto do pericrânio parecendonormal.

A forma mais comum do distúrbio é a «tonsurepattern» - com um aspecto tipo Santo António - , emque em alguns casos só fica um aro periférico de cabelonão afectado. Esta forma é a mais comum em raparigase mulheres jovens, no entanto as áreas de alopéciapodem ter formas menos comuns que, apesar disso, sóraramente representam um problema diagnóstico.

O pericrânio normalmente não se apresenta atróficoou com cicatrizes e o exame com lâmpada de Wood énegativo à fluorcscência. Raramente o examemicroscópico é necessário quando foi obtida umacuidadosa história clínica e realizado exame físicoapurado. Apesar do exame histopatológico serhabitualmente normal, algumas característicasmicroscópicas são consistentes com tricotilomania:

I. Canais vazios;2. Folículos alterados e folículos normais presentes

na mesma zona;3. Epitélios foliculares separados da bainha

circundante:4 Várias zonas de hemorragia intraepitclial e

pcrifolicular;5 Cabelos em fase catagénica são mais comuns e

podem estar deformados;6 Atrofia folicular:7 Formas de cabelo ondulado, encaracolado ou

tipo saca-rolhas.As descobertas de Lachapellc e Pierard (1977),

observadas nas biópsias de 142 doentes de todas asidades com tricoti lornania podem resumir-se aoseguinte:

1. A alopécia não é em geral evidenciada do ponto

Tricotilomania: Uma revisão a propósito de três casos clínicos

de vistahistológico, mas a populaçãode folículospode aparecer significativamente diminuída.

2. Não há inflamação do folículo.

DIAGNÓSTICO

É necessano excluir outros distúrbioscaracterizados por alopécia localizada ou difusa,nomeadamente alopécia areata; alopécía androgenética(cálvice comum), tinea capitis, distúrbios hereditáriosda ceratinização, como o monilethrix e os pili torti eoutras formas de alopécia traumática, tais como ascausadas pelo uso de ganchos, rolos apertados oupenteados especiais, os tipos traumáticos de alopéciacausados pela dermatite atópica e outras dermatosespruriginosas devem também ser excluídos.

O mais comum dos distúrbios clínicos a serdistinguido é a alopécia areata, pois cerca de li3 dascrianças com este diagnóstico podem sofrer deTricotilomania.

A observação histológica de bolbos pilososinflamados e de cabelos atrofiados excl uem odiagnóstico de tricotilomania e fazem o de alopéciaareata.

Para além de excluir estas causas derrnatológicas,todos os doentes com perda de cabelo devem sersubmetidos a um exame físico, para despistar causasmédicas tais corno endocrinopatia, linfoma, L.E.S.,deficiências nutrieionais e infecções.

Deve ser realizada uma história clínica completarecolhendo informação sobre:

I. Duração da perda de cabelo2. Antecedentes médicos e psiquiátricos3. Medicação4. História de stress familiar (mudanças, doenças,

divórcio)5. História do doente c da família quanto à perda

de cabeloAssim corno factores predisponentes associados

com Tricotilomania:I. Conflitos escolares2. Excessiva preocupação com o peso3. Ameaça de perda de alguém4. Doença médica grave, ctc. devem também ser

avaliados.A D.S.M.-III-R classifica a afecção corno uma

perturbação do controlo dos impulsos, em que oscritérios enumerados para odiagnóstico são os seguintes:

1. Incapacidade recorrente para resistir a impulsospara arrancar os próprios pêlos, resultando emapreciável perda dos mesmos.

313

2. Progressivo aumento de tensão imediatamenteantes do acto.

3. Gratificação e sensação de alívio quando searrancam pêlos.

4. Sem associação com inflamações de pele pré-existente e sem ser resposta a ideias delirantesou alucinações.

Estes critérios realçam as características obsessivo-compulsivas do distúrbio que são encontradas emmuitos casos.

Urna variedade de doenças psiquiátricas estãofrequentemente subjacentes ao arrancar de cabelo:

I. Distúrbios de ajustamento2. Problemas familiares ou na relação pais-filhos3. Distúrbios obsessivo-compulsivos4 Distúrbios de défice de atenção ehiperactividade5. Depressão grave6. Distúrbios de ansiedade7. Atraso mental8. Esquizofrenia9. Distúrbio de personalidadeDistúrbios de ajustamento relacionados com a

família, problemas escolares ou médicos sãoprovavelmente os mais comummente associados.

O comportamento de arrancar o cabelo podecomeçar ou piorarapós acontecimentos que provoquemstress.

O comportamento dos doentes com tricotilomaniaé semelhante ao dos doentes com outras obsessões e/ou compulsões, no entanto o comportamento principalobsessivo - compulsivo (tais como verificações elavagens constantes), não aparece normalmente nosdoentes com tricotilomania. De realçar, o facto deserem principalmente as mulheres a sofrerdestaafecção,o que não é uma característica das outras formas dedistúrbios obsessivo-compulsivos.

COMPLICAÇÕES

A Tricotilomania pode ter complicações severas,especialmente se associada a tricofagia,

A frequência com que estas duas condições ocorremjuntas não é conhecida, mas um estudo efectuado porWalls (1976). mostrou que doentes com tricobezoaresapresentam normalmente queda de cabelo podendoaparecer massas de cabelos retidos no estômago eintestino delgado. No Síndrome deRapunzel, os cabelosestendem-se para além da válvula íleo-cecal,

Os tricobezoares são massas móveis e em cerca de90% podem palpar-se no epigastro ou quadrante supe-rior do abdómen, podendo causar dores abdominais,

314 Carlos Braz Saraiva, Constança Fernandes, Octávio Torres e América Figueiredo

náuseas, vómitos e hematemeses podem aparecer, assimcomo anorexia, obstipação ou diarreia e f1atulência.

Estes sintomas geralmente são intermitentes,coincidindo com períodos de obstrução intestinalparcial.

Outras complicações sérias causadas pelostricobezoares foram relatadas, incluindo hemorragiasgástricas e intestinais, perfuração e obstrução intestinal,assim como, apendicite aguda e icterícia obstrutiva.

Investigações laboratoriais podem mostrar umaanemia ferropénica e ligeira leucocitose.

Como tratamento a remoção cirúrgica é curativa eas recorrências são raras.

TRATAMENTO

Pela experiência clínica, sabe-se que os doentes efamiliares não admitem habitualmente a natureza dasua doença.

A biópsiado pcricrânio ajuda a persuadir os pais daverdadeira natureza do problema da criança e a torná-los mais cooperativos e compreensivos.

Ocasionalmente, os pais admitem que jásuspeitavam do distúrbio. Em algumas circunstânciasos doentes ficam aliviados ao saberem que não há umdistúrbio grave, outros respondem negativamente oucom hostilidade, desafiando o próprio médico.

De qualquer das formas os doentes devem serinformados e confrontados com a natureza da doença.

Também é importante explicar que o crescimentodo cabelo pode demorar e que a perda de cabelo podeaumentar por algumas semanas em virtude de umeventual eflúvio telogénico.

Esta explicação pode aliviar a maior parte daansiedade do doente e da família se o cabelo nãocomeçar a crescer imediatamente a seguir à altura emque o doente pára de o arrancar.

As abordagens terapêuticas que foram referidascomo sendo eficazes na tricotilomania incluem a terapiade modificação do comportamento, psicoterapiacognitivo-cornportarnental, terapia familiar, hipnose emedicação psicotrópica.

A combinação de terapias é normalmente usada.A psicoterapia de modificação do comportamento

é o tratamento escolhido para doentes em que o arrancarde cabelo é um problema isolado e que não tenhamoutros distúrbios psiquiátricos subjaccntes ou problemasfamiliares.

Inicialmente deve ser recomendado um tipo deauto-monitorização que desperta a atenção dos doentespara o arrancar de cabelo e pode servir como um

estímulo aversivo, esta técnica também requer que odoente esteja ciente das circunstâncias que circundamo arrancar de cabelo para identificar precipitantes eaprender um comportamento alternativo (p/ex. agarrara mão).

Os doentes ao registarem o número de episódios dearrancar de cabelo e o tempo que demoram a fazê-lo oua tentar evitá-lo, podem reduzira frequência desse acto.

O reforço positivo, através de elogios verbais ou deactos compensadores, também pode ser incluído noprograma de tratamento usual. Em doentes comisolamento social prolongado resultante datricotilomania, o aconselhamento de actividades sociaisfacilita a recuperação.

Em alguns casos as técnicas cogrntrvo-comportamentais são úteis. Elas podem controlar ocomportamento, modificando padrões de pensamento,corrigindo crenças mal-adaptativas e encorajando parauma auto-avaliação positiva.

Pode ser pedido aos doentes que registem ospensamentos que têm durante as situações de ansiedadeprovocatórias e quando estes pensamentos incluemuma auto-avaliação negativa, outros pensamentos maisajustados podem ser sugeridos.

Quando necessário a terapia familiar deve tambémser encorajada, se a tricotilomania é o resultado de umadisrupção na relação mãe-filho, causada pela separaçãode uma figura significativa ou por ciúmes devido aonascimento de um irmão, a simples confiança e brevesconselhos podem ser suficientes para vencer estecostume.

Treinos de relaxamento também podem seraconselhados, mas apesar da redução elafrequência dearrancar cabelo durante este tipo de tratamento, estanão parece tcr um efeito muito duradouro quandoutilizada como intervenção única. No entanto, poderáser benéfica quando usada em conjunto com outrostipos de tratamento.

A hipnose pode ser usada isoladamente ou emconjunto com outras formas de terapia, para encorajarum comportamento construtivo. Durante o transehipnótico, o doente é lembrado do seu desejo de ter umcabelo atractivo e são-lhe dadas sugestões para um bomcuidar do cabelo. É também sugerido durante o transeque se deve concentrar num pensamento positivo paraimpedir as situações de arrancar cabelo.

A terapia psicanalítica também foi referida, comosendo bem sucedida no tratamento da tricotilomaniaassociada com outras doenças psiquiátricas, mas aduração desta terapia é geralmente de 2 a 3 anos.

Também é reconhecida a utilidade do tratamento

Tricotilomania: Uma revisão a propósito de três casos clínicos

com psicofármacos na tricotilomania.Há investigações que sugerem que a tricotilomania

possa ser uma subforma de neurose obsessiva-compulsiva (N.O.C.) antes de existir uma disfunção decontrolo dos impulsos ou manifestações de ansiedade.A hipótese mais recente é sustentada pela semelhançadas manifestações clínicas de N.O.C. e tricotilomaniae pelo aumento da frequência de N.O.C. em familiaresem 10grau de pacientes com tricotilomania.

Evidências neurofarmacológicas tambémfavorecem esta hipótese, tendo em conta que ahiperactividade do sistema serotoninérgico está nabase dos sintomas da N.O.C.,a experiência clínicamostra que os antidepressivos serotoninérgicos taiscomo a clomipramina e a tluoxetina são dos maiseficazes no tratamento da tricotilomania, quer isoladosquerem associação com baixas doses de neurolépticos.

Há casos descritos da eficácia de algunsantidepressivos, como a:

Isocarboxazide (IMAO) - Krishrnan, Davidson eMiller,1984; Imipramina - Sachdeva e Sidhu. 1987 -WeIler e al., 1989; Clomipramina - Swedo e al., 1989;Fluoxetina - Winchel, Stanley, Guido e Posner, 1989.

Estudos duplamente cegos realizados comClomipramina e Desipramina em 19adolescentes comTricotilomania (Swedo, 1989)mostraram significativasmelhorias com o uso de Clomipramina, enquanto quea Desipramina não foi eficaz.

Estudos recentes comaclomipraminae a fluoxetinareferem que estas são mais eficazes que a desipraminae amitriptilina no tratamento da tricotilornania. Noentanto existe falta de estudos que comparem aterapêutica farmacológica com outros tratamentos datricotilomania.

CASOS CLÍNICOS

CASO AP.D. de L3 anos de idade frequenta o 9° ano de

escolaridade, Ia filha de uma fratria de dois.O desenvolvimento psicomotor e estato-ponderal

decorreu dentro da normal idade. Frequenta o infantáriodos quatro aos seis anos, com boa adaptação.

Aos seis anos, ingressa na escola primária comdificuLdades na adaptação, referindo que na hora da idapara a escola fazia birras com choro, pois tinha "medo"da professora, descrevendo-a como pessoa autoritária,quc infligia castigos corporais aos alunos "gritava ebatia nos alunos", a tal ponto que, ela, uma boa alunanão respondia às questões da professora, por "medo",contudo refere uma boa camaradagem com os colegas.

315

Aos seis anos (finais do primeiro período), os paiscomeçam a notar zonas de pelada de mais ou menos 1,5cm na região parieto-temporal direita, estendendo-seposteriormente à região auricular homolateral.

Nesta altura os pais pensam tratar-se de uma doençado couro cabeludo e é observada pela Ia vez emDermatologia onde faz estudo orgânico e lhe foramprescritas pomadas de que desconhece o nome.

Posteriormente os pais descobrem os cabelosamontoados debaixo da cama, contudo a doente negaarrancar o cabelo referindo mesmo não ter consciênciadesse acto.

Este comportamento mantém-se até aos nove anos,por vezes com algumas remissões temporárias.

Dos nove aos onze anos a doente anda bem, tendodeixado crescer o cabelo. Nesta altura (I I A.), o paisofre um acidente de viação tendo sido hospitalizado,referindo a doente que andava muito triste e ansiosa,mas que não "desabafava" com ninguém, isolava-se noquarto e chorava. É nesta altura que recomeça o hábitode anancar o cabelo, notando-se nova pelada na regiãoanteriormente descrita e que vai aumentando dedimensões (3 a 4 em).

Por esta altura P.D. começa a achar-se "feia",gorda e fisicamente pouco atraente, achando queninguém gosta dela, incluído os pais e o irmão. Começaentão com grandes expectativas académicas querendoser a primeira da turma, o que consegue. Deixa deconviver com os colegas e passa o dia a estudar,aumentando os episódios de arrancar cabeloespecialmente à noite, no quarto.

Após diversos circuitos médicos é enviada àPsiquiatria pelo último Dermatologista que a observouem Dezembro de 1993 e medicada com Clomipramina50mg e Haloperidol 1mg/dia. É feita psicoterapia, paraaquisição de insight e com métodos mecânicos quedificultavam a tricotilomania nocturna, havendomclhorias.

Anda bem até finais de Março de 1994, altura emque tem uma ligeira recaída atribuída a ansiedade quelhe provocaram os testes do segundo período.

Presentemente medicada com Fluoxetina 40mg eHaloperidol Img/ dia, está bem, tendo parado de arrancaro cabelo.

CASOBM.R., de 12 anos de idade frequenta o sexto ano

de escolaridade, é o segundo filho ele uma fratria dedois.

O desenvolvimento psicomotor e estato-ponderaldecorreu dentro da normalidade, até aos três anos

316 Carlos Bra: Saraiva, Constança Fernandes, Octávio Torres e América Figueiredo

chupava no dedo e posteriormente começou a roer asunhas.

M.R., é descrito pelos pais como uma "criançanervosa", que faz birras frequentes, impulsivo quandocontrariado, desobediente, teimoso, pouco meigo, enão estudioso, características estas que lhe sãofrequentemente apontadas em confronto com as "boasqualidades" do irmão de 23 anos.

M.R. é repetente do 6° ano do ensino básico, sendofrequentemente ameaçado pelos pais que se não tivesseaproveitamento escolar, era retirado da escola para irtrabalhar e deixaria de jogar futebol no clube local, oque muito o desagradava.

Começou a andar preocupado e ansioso, commedo de reprovar o ano lectivo.

Em Março de 1994 ,os pais começaram a notar queo doente manipulava frequentemente o cabelo, vendocabelos na almofada da cama e constatam zonas depelada na região do pericrânio.

Foi observado por um Dermatologista que omedicou com Imipramina 10 mg/dia, posteriormenteé observado por um Psiquiatra tendo ficado medicadocom Clomipramina 75mg/dia, medicação que o doenteabandona por iniciativa dos pais.

No final do ano lectivo (Julho de 94) comaproveitamento parou o hábito de arrancar cabeloestando presentemente sem medicação e bem.

CASO CM.G., de 21 anos, licenciada em Letras, filha

única.O desenvolvimento psicomotor e estato-ponderal

decorreu dentro da normalidade, chupou no dedo paraadormecer até aos doze meses.

Criança que fazia amigos com facilidade. Iniciou

a escola primária com boa adaptação aos 7 anos.Descreve a mãe como uma pessoa autoritária e

possessiva, com quem tem uma má relação e o paicomo dócil, pacífico e protector.

Refere o início da sua doença aos 15 anos, alturaem que os pais se divorciaram, numa época em quehavia muitas discussões entre ambos, e ela refugiava-se no quarto, onde compulsivamente arrancava aspestanas e sobrancelhas para aliviar a ansiedade eposteriormente este comportamento agravava-seaquando da época de exames.

Durante estes 6 anos os períodos de remissãosempre coincidiram com época de férias, o maior dosquais há dois anos altura em que esteve dois meses semarrancar pêlos.

Recorre ao psiquiatra em Março de 1994, sendomedicada com Clomipramina 150 mg e Pimozide 2mg/dia, medicação que abandonou passadas duassemanas, por intolerância.

Presentemente continua com episódios detricotilomania.

CONCLUSÕES

Nos três casos apresentados de tricotilomania verificou-se a importância de factores de stress na génese dodesenvolvimento deste Distúrbio de Hábitos e Impulsos(C.I.D.-l O), designadamente stress escolar e contlitosfamiliares.São peculiares as recorrências do quadro, semprerelacionadas com períodos de ansiedade exacerbada,ao mesmo tempo que se verifica negação oudesvalorização da tricotilomania, com consequenteprognóstico reservado e dificuldades de adesão aotratamento.

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Psiquiatria Clínica, 17, (4), pp. 319-335,1996

Distúrbios ansiogénios em crianças: Modelos explicativos comportamentais e cognitivose sugestões clínicas desenvolvimentistas

PORLUÍSA BARROSC)

Resumo

Neste trabalho resumem-se os principais resultados dos estudos caracterizadores e longitudinais sobreos medos e ansiedades na infância. Assim como os modelos comportamentais e cognitivos para tratamento dosdistúrbios ansiogéneos em crianças.

Em seguida, a autora apresenta algumas sugestões educacionais e clínicas para a intervenção comcrianças com ansiedade e medos, a partir de uma perspectiva desenvolvimentista.

Summary

In this article the tnain results ofthe studies aboutfears and anxiety in childhood are sununarired. As wellas the bchavioral and cognitive models for the treatment of anxiety disorders in children.

Afterwords, the author presents some educational and clinical suggestions for the intervention withchildren with anxiety andfears.from a developmental pcrspective.

I - INTRODUÇÃO

Os primeiros trabalhos de psicoterapia infantilestão indissociavclmente ligados à descrição e

explicação dos medos e ansiedades infantis. O trabalhode Freud sobre a fobia a cavalos do pequeno Hans(1909), e o trabalho de Watson e Rayner (1920), quecondicionaram Albert para ter medo de um inofensivoratinho branco, assinalam o início da intervenção clínicacom crianças.

A criança com medos intensos, ou que apresentaansiedade generalizada e reacções de fuga e evitamento,muitas vezes descrita como "nervosa", é uma queixacomum de pais e educadores. Também a literatura, ocinema e os programas de T.V. para crianças reconhe-cem e recorrem intensamente a reacções de medo, paraprender o interesse dos pequenos espectadores.

O mundo infantil está, pois, longe de ser o oásis decalma, segurança e confiança, que alguns adultosquerem imaginar. Pelo contrário, desde muito cedo queo processo de desenvolvimento envolve o convíviocom medos diversificados, e a procura activa de formasde os vencer ou controlar.

O medo é descrito na literatura psicológica comouma reacção normal, adequada, geralmente passageira,integrando os mecanismos de protecção e adaptaçãodo ser humano em desenvolvimento (e.g., Jersild,1968; MOITise Kratochwjll, 1983). Pais e educadoressabem-no e utilizam frequentemente esse processopara ensinar as crianças a conhecer e evitar os perigosdo quotidiano.

Neste trabalho apresentar-se-ão algumas sugestõesclínicas e educacionais, a partir de uma reflexãodesenvolvimentista e construtivista sobre os medos e

(I) Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação de Lisboa

320

ansiedades infantis. Antes serão abordadasresumidamente as principais contribuições da Psicologiado Desenvolvimento para o conhecimento destaproblemática. E as formas mais comuns de intervençõescomportamentais e cognitivas para eliminar medos eansiedades excessivas em crianças.

II- CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA DODESENVOL VIMENTO

A psicologia do desenvolvimento tem procuradodescrever detalhadamente os medos e ansiedadescomuns, ou mais frequentes, em cada nível etário. Oestudo de Jersild e Holmes (1935) continua a serconsiderado como o mais completo na inventariaçãodos estímulos elicitadorcs de medo (Wenar, 1990),pelo que será amplamente referido. Estudos maisrecentes (e.g., Bauer, 1976; Lentz, 1985; Miller, 1983;Rutter e Garrnezy, 1983) têm prosseguido este trabalho.Nestes, procura-se enquadrara descrição dos medosmais comuns em cada idade, no conhecimento dascaracterísticas cognitivas, sociais e afectivas dosdiferentes períodos de desenvolvimento (Wenar, 1990).

, 1. Primeira infância e idade pré-escolarAs primeiras reacções de medo são elicitadas por

ruídos, quedas, e movimentos bruscos e inesperados(Jersild, 1954). Na medida em que são muito precocese comuns, e não requerem grande elaboração cognitiva,têm sido descritas como inatas (Wenar, 1990).

Na segunda metade do primeiro ano de vidaconstata-se a emergência de um eonjunto de reacçõesde ansiedade que têm grande impacto nainteracçãoentre os pais e os filhos. Trata-se dos fenómenos deansiedade de separação e de ansiedade a estranhos. Obebé, até aqui aparentemente sociável e interessado emtodos os rostos humanos, começa a mostrar reacções dedesgosto, evitamento, ou mesmo ansiedade intensa, napresença de pessoas ou ambientes estranhos.Simultaneamente, começa a revelar uma ligação muitoforte à mãe (ou ao seu substituto), chorando quandoesta se afasta, ou tentando deslocar-se para aacompanhar. Este início do medo de estranhos e daansiedade de separação tem sido associado àcmergênciada permanência do objecto c da capacidade de memóriaimediata (Emde, Gaensbauer e Harmon, 1976) e aoestabelecimento da vinculação (Bowlby, 1969; Izard,1984). Paralelamente, considera-se que estas reacçõesacompanham um desenvolvimento da expressãoemocional que é particularmente importante entre os 5e os 9 meses. Do mesmo modo, também o medo das

Luisa Barros

alturas constatado no fenórneno do "abismo perceptivo"(visual cliff) no mesmo período, seria explicado pelodesenvolvimento do medo característico desta idade, enão pela emergência da percepção da profundidade(Campos et aI., 1978).

Embora esta mudança na expressão emocional queocorre na segunda metade do primeiro ano de vida sejaobservada em todas as crianças, este processo tambémé afectado pela experiência. As reacções de medo sãomais preeoces em bebés que têm uma história de maustratos (Gaensbauer, 1980).

Alguma forma de ansiedade de separação, descritacomovo afecto negativo elicitado pela antecipação, ousubsequente ao afastamento ou perda de uma figura devinculação" (Crowell & Waters, 1990) parece sercomum a todas as crianças. Estudos transculturaisevidenciam o aumento do choro e preocupação peloafastamento materno até ao meio do 2.0 ano de vida, eposterior decréscimo, sendo já bastante reduzido aos 3anos (Kagan, Kearsley & Zelazo, 1978). No entanto, asvárias investigações sobre este fenórneno apresentamresultados diferentes consoante o dispositivoexperimental, o grupo cultural, e as variáveis individuaisestudadas (Crowell & Waters , 1990). Maisespecificamente, verifica-se que o temperamento e aspráticas educativas determinam, em parte, a intensidadee qualidade destas reacções (Ainsworth, 1979;Goldsmith e Campos, 1982; Sroufe, 1985).

À medida que o bebé cresce, e a sua atenção ecuriosidade se alargam a um meio mais rico e variado,também os estímulos elicitadores de medos sediversificam. Um dos medos mais frequentes é o deanimais, de tal forma comum que Jersild e Holmes(1935) consideram que este tipo de resposta podia serinata. Ascrianças receiam os pequenos animais (aranhas,abelhas, rãs, lagartos), os animais domésticos (cães,gatos), ou os animais ferozes que conhecem das históriasinfantis ou dos programas de T.V. (e.g., leões, tigres,raposas e lobos).

Com a emergência de uma capacidade simbólicamais sofisticada, e o desenvolvimento da linguagem edas imagens mentais, os medos são cada vez maisbaseados na imaginação: os monstros ou fantasmas, osanimais imaginários e os seres que povoam os pesadelosnocturnos são receados com tanta realidade como osperigos mais concretos da água ou das quedas.Paralelamente, as advertências e castigos dos pais, ouas ameaças de outras crianças, constituem perigosterríveis, capazes de acordar monstros, fazer tremer aterra, ou causar dores tremendas.

A descrição dos medos mais comuns nestas idades

Distúrbios ansiogénios em crianças: Modelos explicativoscomportamentais e cognitivos e sugestões clínicas dcsenvotvimcntistas

é bem ilustrativa das características do pensamentopré-operatório, São predominantemente elicitados porestímulos globais, indiferenciados e imaginários(monstros, fantasmas, escuro) (Bauer, 1976; Lentz,1985).

As primeiras experiências com o grupo de amigos,e a integração no jardim infantil, contribuem para oaparecimento de medos mais abstractos, como o doinsucesso e do ridículo (J ersild e Holrnes, 1935). Wenar(1990) considera, no entanto, que estes ainda estãointimamente relacionados com o sentido de competênciae valor pessoal transmitidos por pais e educadores. Sómais tarde a auto-avaliação será independente de umfeed-back social concreto e imediato.

No fim da idade pró-escolar, os adultos e outrascrianças introduzem medos mais sociais, como os quesão elicitados pelas ideias de guerra, ou de ladrões, oude homens maus que roubam as crianças (eg., o homemdo saco, ou o "maluquinho da aldeia", com que seaterroriza as crianças que não comem tudo). Pareceevidente que estes medos dependem em grande partedas práticas educativas a que as crianças são expostas.Mas são também, frequentemente, provocados pelaforma como estas interpretam e deturpam a informaçãoveiculada por conversas entre adultos, programas deT.V" etc ..

2. Idade EscolarCom a transição para o período das operações

concretas passam a predominar medos mais objectivose realistas, retlectindo uma crescente diferenciação dasrepresentações internas e da realidade objectiva, e aemergência de uma causalidade racional (Piaget &Inhelder. 1968; Bauer, 1976; Lentz, 1985).

Na idade escolar aumentam as reacções de medoaos perigos físicos, enquanto diminuem as provocadaspor perigos imaginários (Bauer, 1976). A fantasia e aansiedade da criança ganham um suporte concreto eobjectivo e uma exigência de realismo. O medo dosanimais é agora explicado por histórias "verdadeiras"que se ouviram contar, e, o medo de ladrões, da guerraou do nuclear apoia-se nas informações transmitidaspela T.V. Os medos sociais face ao grupo, como o doridículo, da incompetência e do insucesso aumentam.

No entanto, Jersild e Holmes (1935) consideramque os medos imaginários continuam. só que agoramais determinados pela cultura do grupo de pares.Assim, os monstros e fantasmas um pouco vagos dospesadelos da criança pró-escolar, são substituídos pelascriaturas de bandas desenhadas e dos filmes.

Nesta idade a pressão social faz-se sentir mais

321

intensamente, e começam a observar-se diferenças nonúmero e tipo de medos relatados pelos dois sexos. Nãofica claro, no entanto, se os rapazes sentemefectivamente menos medos, ou se simplesmenterelatam menos medos para se conformarem com asexpectativas sociais (Lentz, 1985; Wenar, 1990).

III- MEDOS E FOBIAS: REACÇÕES ADAP-TA TIV AS E REACÇÕES SINTOMÁ-TICAS

Pediatras, psicólogos e psicoterapeutas recebemcom muita frequência queixas relacionadas com medos,ansiedades, e comportamentos de evitamento emcrianças (Cytrin et al., 1984). No entanto, os estudosepidemiológicos mais recentes apontam para uma baixataxadas perturbações de ansiedade em crianças. Assim,um estudo realizado na Nova Zelândia (Wenar, 1990)com crianças dc 11 anos, evidenciou a existência deansiedade de separação somente em 3,5% da amostra,e de desordens de ansiedade (DSMIII) em 2,9%. Asfobias simples ocorriam unicamente em 2,4% dascrianças. Parece, pois, que o número relativamente altode queixas relacionadas com esta problemática nãoreflectem os números obtidos segundo critérios maisexigentes de diagnóstico patológico, tais como o doDSM.

Uma prioridade dos clínicos é, pois, distinguir assituações passageiras e comuns, características de umdeterminado período do desenvolvimento, daquelasmais perturbadoras que podem afectar a adaptação dacriança de forma significativa.

Esta definição de situações que exigem a atençãode um profissional, e das que provavelmente não têmsignificado clínico e serão ultrapassadas naturalmente,tem sido real izada de forma bastante semelhante à queé utilizada na psicoterapia com adultos.

Marks (1969) propõe que se utilize a expressãomedo para as experiências normais, e que se restrinja aexpressãofobia "para reacções desproporcionadas faceao estímulo, que não podem ser explicadas nemracionalizadas, nem voluntariamente controladas, eque conduzem ao evitamento das situações temidas".Considera que "a fobia persiste ao longo de umdeterminado período, é inadaptativa, e não é específicade determinada idade" (1974, p. 90).

No geral, as várias definições de fobias em crianças(e.g., Miller et al., 1974; Graziano et al., 1979; Morrise Kratochwill , 1983) apoiam-se nestes critérios:duração, intensidade desproporcionada, impossi-bilidade de controlo porracionalização e desadequação

322 Luisa Barros

ao grupo etário. Reflectindo a perspectiva de umapsicopatologia tradicional e centrada nas perturbaçõesdos adultos, esta orientação é bastante insatisfatória.De um ponto de vista desenvolvimentista, é mesmobastante contestável (e.g., Wenar, 1990).

Assim Kcllerman (1974) considera que não fazsentido diferenciar os medos realistas e adequados dosmedos irrealistas e ilógicos, quando nos referimos acrianças que têm muito pouca capacidade de diferenciaro real do imaginário, e cujo pensamento obedece aregras lógicas bem diferentes dasdo pensamento adulto.Com efeito, os medos de uma criança, provocados porrelâmpagos, pelo cão do vizinho, ou por um monstro deolhos de fogo e orelhas bicudas, são todos elesigualmente reais. E só o assumir de uma perspectiva"adultocêntrica'' permite diferenciá-los.

Embora determinados medos tenham umsignificado clínico diferente consoante a idade em quese manifestam (e.g., a ansiedade de separação éconsiderada sinal de desenvolvimento aos 8 meses,mas indicativa de perturbação aos 8 anos), este critério,só por si, também não é muito significativo. Outro tipode reacções, embora comuns e característicos dedeterminado grupo etário, não deixam de serpotencialmente perturbadoras e desadaptativas (e.g.,ansiedade relacionada com o treino de higiene, fobiaescolar e medo de dentistas e injecções).

Wenar (1990) considera que só a intensidade dosofrimento e a perturbação da vida da criança e da suafamília podem ser critério de decisão sobre a necessidadede intervenção.

Mais recentemente, os trabalhos da psicopatologiado desenvolvimento (e.g., Richman, 1981; Rutter 1980;1981; Wenar, 1990) têm trazido uma nova luz a estaquestão. Estes autores procuraram averiguar, por meiode estudos longitudinais e prospectivos, até que pontoas reacções extremas de medo e ansiedade são problemasisolados e discretos que podem aparecer em qualquercriança e face a qualquer objecto, como o modelocomportamental assumia. Ou, ao contrário, se a suapresença é indicativa de um maior grau de perturbaçãoe desadaptação no presente ou no futurodesenvolvimento.

O trabalho pioneiro de Jersild e Holmes (1935)oferecia já uma primeira resposta. Com efeito, estesautores compararam um grupo de crianças caracterizadopor uma ausência total de medos, com outro grupo, estecom uma frequência e uma intensidade alta de medos.E verificaram que estes dois grupos não tinham grandesdiferenças em aspectos de saúde física, ambientefamiliar, compreensão materna das necessidades

infantis, ou interacções com os pares. No entanto, ascrianças com níveis altos de medo eram maisfrequentemente descritas como dependentes do adulto,com maior labilidade emocional, mais tímidas,envergonhadas e inseguras, e menos assertivas. Ascrianças com menos medos eram descritas em termosopostos.

Estudos mais recentes dePoznanki (1973)e Weiner(1982) confirmaram a tendência das crianças com maismedos ou medos mais intensos para serem maisdependentes e imaturas. Esta falta de confiança pode,eventualmente, explicar a associação entre fobias edepressão infantil apontada por alguns estudos (Wenar,1990).

Paralelamente, tem havido um reconhecimento deque os medos e ansiedades infantis não sãonecessariamente passageiros, inofensivos, e isolados.Richman e colaboradores (1982) relatam que 33% dascrianças e1assificadas como "neuróticas" têm umahistória de medos intensos. Num estudo da Ilha deWight no Reino Unido (Rutter, 1980; Rutter et aI.,1981), verificou-se que as crianças de onze anos comperturbações emocionais tinham um risco duplo de vira apresentar o mesmo tipo de perturbação naadolescência. De uma forma geral, os estudoslongitudinais indicam que, embora o conteúdo dosmedos se altere com o desenvolvimento, a suaintensidade é bastante mais estável (Milleretal., 1990).Alguns autores têm procurado relacionar a ansiedadede separação na infãncia, com agorafobia e desordensde pânico posteriores (Gitelrnan, 1986). Wenar (1990)confirma que, embora a maioria dos medos e fobiasinfantis não se mantenham na adolescência e idadeadulta, algumas fobias infantis podem dar origem aoutros problemas psicológicos na idade adulta, oupermanecer mesmo como fobias (no caso dos medos deperigos físicos e de stress psicológico).

Os estudos epidemiológicos mais recentes tendem,pois, a valorizar o medo e ansiedades infantis comopercursores de outras formas de patologia naadolescência e idade adulta.

IV - INTERVENÇÕES EDU CATIVAS MAISCOMUNS

No geral, pais e educadores procuram ajudar acriança a vencer os seus medos e ansiedades, e admininuir os comportamentos de evitamento.

Antes de abordar as intervenções terapêuticas quevisam eliminar ou controlar os medos e ansiedadesinfantis, parece interessante conhecer as estratégias

Distúrbios ansiogénios em crianças: Modelos explicativoscomporta mentais e cognitivos e sugestões clínicas desenvolvimentistas

utilizadas pelos pais, assim como as elaboradas pelaspróprias crianças. Reportando-me mais uma vez aotrabalho de Jersild e Holmes (1935), verificou-se queas' mães de bebés e crianças pré-escolares descreviamuma sofisticada bateria de metodologias para ensinaros filhos a vencer o medo. Estas incluíam explicaçõese verbalizações para transmitir segurança e confiança;modelagem de atitudes de aproximação; técnicas deconfronto concreto para permitir à criança controlar asituação (e.g., deixar que seja a criança que tem medodo escuro a carregar no interruptor da luz; ou permitirque o filho que receia separar-se da mãe vá à janeladizer adeus); graduar a aproximação ao objecto temido;utilizar a distracção e a contraestimulação; e prepararverbalmente a criança para antecipar experiênciaspotencialmente assustadoras (como ficar sozinho ousubmeter-se a tratamentos médicos). Estaexemplificação mostra como as mães estudadas foramcapazes de descobrir e ensaiar metodologias que seaproximam extraordinariamente das técnicasterapêuticas mais divulgadas.

Mas o aspecto mais interessante deste estudo, ameu ver, é a constatação de que os resultados destasmetodologias eram bastante moderados. Paralelamente,os autores verificaram que a maior eficácia no controloe eliminação de medos se obtinha pelo próprio processode desenvolvimento. assoeiado a crescentesoportunidades de experimentação.

O conhecimento das estratégias que a criançautiliza para controlar os seus medos e ansiedades aindaé muito incipiente. Mooney (1985) estudou as formasusadas para vencer os medos nocturnos. E verificouque metodologias de auto-controlo e de auto-verbalização, assim como a presença securizante dospais, eram apontadas pelas crianças como as mais úteis.

v - ANSIEDADES E FOBIAS INFANTIS:PRINCIPAIS MODELOS EXPLICATIVOSE INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS

Em seguida apresentarei os principais modelosque têm sido propostos para explicar as reacções demedo e ansiedade nas crianças, e as metodologias deintervenção a que deram origem. A ansiedade deseparação será abordada separadamente, na medida emque tem sido alvo de uma abordagem diferente.

1. Modelos Comportamentais1.1. Condicionamento respondenteDepois de Watson e Rayner (1920) terem

demonstrado a possibilidade de elicitarreacções fóbicas

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por condicionamento clássico, Jones (1924) aplicouesse mesmo paradigma para eliminar uma fobia.Tratava-se, neste caso, de uma criança que apresentavamedo intenso a um coelhinho, posteriormentegeneralizado a todos os objectos ou animais peludos.Joncs procedeu ao emparelhamento do estímulo temidocom uma experiência agradável e incompatível com omedo (comida), de forma progressiva e gradual.Estavam, assim, lançadas as bases experimentais doprincípio de "inibição recíproca", posteriormentedefinido por Wolpe (1958), e que serviria de modeloexplicativo para a dessensibilização sistemática:

"Se se consegue provocar uma resposta inibidorada ansiedade na presença do estímulo evocador dessaansiedade, então a conexão entre o estímulo e asrespostas de ansiedade fica enfraquecida".

VIla/pe, 1962 (p. 562)

As reacções de medo e ansiedade são respostasaprendidas por condicionamento, como quaisqueroutras. A partir de um número limitado de estímulosque provocam medo de forma incondicionada ou inata,é possível gerar um número ilimitado de respostas demedo e ansiedade. Assim, a associação entre umestímulo neutro (e.g., ratinho branco) e um estímuloaversivo (e.g., ruído intenso) levam à aprendizagem deuma resposta condicionada (medo do ratinho branco).

As principais críticas a este modelo resultaram dadificuldade de condicionar outros estímulos neutros, ereproduzir os resultados obtidos inicialmente porWatson e Rayner. No entanto, esta contestação não foisuficiente para diminuir o interesse peladessensibilização sistemática, que é provavelmente ametodologia mais utilizada para reduzir medos e fobiasem crianças (Ollendick, 1979). Em seguida descrevereias principais formas utilizadas com crianças.

A dessensibilizaçãosistemática baseia-se na ideiade que é possível inibiraresposta de medo, substituindo--a por uma actividade antagónica. Depois dos estudoscom animais (Wolpc, 1952), foi ensaiada e testada comadultos (e.g., Wolpe, 1958; Wolpe & Lazarus, 1966).Neste caso, a resposta antagónica preconizada era orelaxamento muscular profundo. O treino derelaxamento também foi aplicado com algum sucessoem crianças com idade escolar ou adolescentes,permitindo uma aplicação da dessensibilizaçãosemelhante àque é utilizada com adultos. Nesta utilizam--se três componentes: o treino de relaxamento adaptadoao nível de compreensão e capacidades da criança (e.g.,Morris e Kratochwill, 1983), a definição da hierarquia

324 Luisa Barros

de situações ou estímulos progressivamente maisansiogénios, e a dessensibilização propriamente dita,em que se associam os dois componentes anteriores. Acriança é gradualmente exposta aos estímulos ousituações receados, pela ordem previamente definida,enquanto o terapeuta se assegura que o estado derelaxamento se mantém.

Na medida em que muitas vezes não é possívelapresentar, ao vivo, uma hierarquia bem controlada dassituações que provocam medo, tem sido utilizado otreino de dessensibilização imaginada (e.g., Morris eKratochwill, 1983). Neste, a criança é solicitada paraimaginar-se, ou visualizar-se, nas situações queprovocam o medo, seguindo a mesma hierarquia.

Embora a dessensibilização sistemática tenha sidousada com sucesso num grande número de medos efobias, (e.g., ansiedade aos testes, fobia escolar, medodas alturas ou de andar de automóvel) existem poucosestudos bem controlados sobre a sua aplicação comcrianças (e.g., Graziano et al., 1979; Morris eKratochwill, 1983; Ollendick, 1979).

Tendo constatado a dificuldade de irnplementarum relaxamento muscular profundo com crianças,Lazarus e Abramovitz (1962) propuseram ametodologiade imaginação ernotiva, em que se substitui a respostade re laxamento muscular induzi da pe las ordens directasdo terapeuta, por uma resposta de relaxamentosubsequente à imaginação de cenas agradáveis e.calrnas,À medida que a criança é capaz de se imaginar avivenciarcenas relaxantes, introduzem-se gradualmenteos estímulos ansiogénios, seguindo uma hierarquiasemelhante à utilizada na dessensibilização.

1.2. Condicionamento operanteEste modelo preconiza a aplicação dos princípios

operantes de aprendizagem aos comportamentos defuga e evitamento (Skinner, 1938, 1953). As respostasde medo ou fobia são aprendidas. O meio em que acriança vive é, em grande parte, responsável peloaparecimento e manutenção dos comportamentosinadeq uados associados ao medo (evitamento desituações mais exigentes. choro, birras, chamadas deatenção).

Os autores que recorrem a este modelo explicativopropõem o mesmo tipo de estratégias utilizadas naeliminação de outros comportamentos inadequados, eque envolvem o controlo das contingências de reforço.

As estratégias de reforço positivo são utilizadaspara aumentar a probabilidade de ocorrência doscomportamentos de aproximação do estímulo receado.Têm sido utilizadas isoladamente ou em complemento

de outras metodologias comportamentais, para reduziro medo do escuro (e.g., Leitenberg e Callahan, 1973),associado ao contrato comportamental para reduzir afobia escolar (Vaal, 1973) ou associado a shaping eprompting e à cxtinção também para o tratamento dafobia escolar (Ayllon et aI., 1970; Kellerman, 1980;Lazarus et al., 1965; Patterson, 1965).

As estratégias de shaping permitem o reforço decomportamentos de aproximação gradual de estímulosreceados. Trata-se de situações em que o comportamentode aproximação é demasiado complexo para que acriança seja capaz de o realizar, mesmo sendo reforçadapela sua execução. Luiselli (1978) utilizou estametodologia com uma criança autista que tinha medode andar no autocarro da escola, Tahmisiam eMcReyno1ds (1971) para eliminar uma fobia escolar.

O uso da extinção é recomendado nas situações emque se constata que a criança exibe comportamentos demedo e ansiedade porque o seu desempenho é, ou foi,reforçado. Assim, a implementação de um procedimentode extinção visa eliminar a relação de contingênciaentre os comportamentos inadequados e os reforçosque se traduzem em privilégios ou atenção por partedos pais, educadores, ou outras crianças. É indispensávelque o terapeuta consiga identificar os reforços queefectivamente mantêm o comportamento da criança, eque por vezes são apresentados como consequênciasnaturais ou inevitáveis do comportamento de evitamento(os pais acham que é "inevitável" lamentar quem temde ser submetido a tratamentos médicos, ou ceder àsbirras de quem manifesta medo da escola). Geralmente,os procedimentos de cxtinção são combinados com oreforço dos comportamentos de aproximação (Hersen,1970; Kazdin, 1980; Kratochwill, 1981; MOITis, 1976;Waye, 1979) ..

1.3. Modelo de aprendizagem socialEste paradigma explica a aprendizagem de medos

e fobias por aprendizagem vicariante (Bandura 1969,1977). A observação de um modelo a ser exposto a umacontecimento traumático, ou mesmo a observação deum modelo a desempenhar respostas de cvitamento,conduz à aprendizagem dessas mesmas respostas.Simultaneamente, o comportamento de medo pode serextinguido vicariantemente pela observação de ummodelo. A modelagem permite, igualmente, aaprendizagem de comportamentos de aproximação dosobjectos receados, ou de controlo das situaçõesansiogénias (Bandura, 1969).

Na modelagem ao vivo, a criança observa ummodelo a realizar um comportamento de aproximação

Distúrbios ansiogénios em crianças: Modelos explicativoscomportamentais e cognitivos e sugestões clínicas desenvolvimentistas

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ao objecto temido, e evidenciando calma, prazer,'relaxamento: o modelo deve ser observado aexperienciar consequências positivas e demonstrarcontrolo (Perry & Furukawa, 1980). Geralmente,considera-se que o modelo deve realizar ocomportamento de aproximação de forma gradual(Bandura, 1971). Esta metodologia tem sido aplicadasobretudo em casos de fobias a animais (Bandura,Grusec e Menlovc, 1967; Ritter, 1968), de tratamentosdentários (White e Davis, 1974) e de ansiedade a testes(Mann e Rosenthall, 1969).

Na medida em que a implcmentação da modelagemao vivo pode ser bastante complicada, recorreu-se àelaboração de filmes e vídeos que apresentam o modelo(e.g., Bandura & Mcnlove, 1968; Hill et al., 1968;Melamed & Siegel, 1975), o que permite um maiorcontrolo de todos os comportamentos modelados, efacilita a hierarquização das situações ansiogénias. Porvezes, recorre-se mesmo à utilização de vários modelos.Esta abordagem, que foi utilizada no mesmo tipo demedos que a modelagem ao vivo, tem provado serigualmente ou mesmo mais eficaz (e.g., Bandura eMenlove, 1968; Hill, Liebert e Mott, 1974) e tem sidoamplamente utilizada em psicologia da saúde pediátrica(Mclamed et al., 1975, 1978).

2. Modelos Comportamentais-CognitivosA avaliação e o treino das estratégias

cornportamentais-cognitivas para a eliminação dasperturbações de ansiedade em crianças estão muitomais atrasados do que os trabalhos do mesmo tipo comadultos. No geral, as intervenções propostas sãoadaptações das técnicas utilizadas com adultos (Braswelle Kendall, 1988).

Os programas propostos incluem um conjunto demctodologias comportamentais e de aprendizagemsocial, como o reforço e a modelagem, a que sãoassociados treinos de competências cornportametais-eognitivas. Estas consistem sobretudo em sequênciasde auto-verbalizações positivas.

O exemplo mais significativo é o modelo de auto-instrução de Meichenbaum (1977), baseado nostrabalhos de Luria e Vigotsky sobre o desenvolvimentodo controlo verbal de comportamentos concretos. Foiinicialmente utilizado para ensinar crianças impulsivase agressivas a modificar o seu comportamentoinadequado. Através da modelagem, a criança aprendea utilizar uma sequência de verbalizações que lhepermite ser mais eficaz na mediação cognitiva docomportamento. Posteriormente, foi utilizado paraajudar a criança a enfrentar situações de ansiedade e

fobia (Kanfer et al., 1975; Graziano et al., 1979).Esta aproximação envolve três fases: ajudar a

criança a tomar consciência do estilo de pensamentonegativo que conduz à perturbação emocional einadequação comportamental; elaborar, com otcrapcuta, um conjunto de estratégias comportamentaisou de auto-verbalizações incompatíveis com essaperturbação; e aprender competências comportamentaise cognitivas específicas (Meichenbaum eGenest, 1980).

A aplicação desta aproximação com crianças exigeque determinadas condições estejam presentes: a criançatem de ter conhecimento do seu medo ou fobia, estandoconseiente dos vários aspectos motóricos envolvidos,dos componentes eognitivos e fisiológicos, e dascondições que elicitam o medo. E elaborar, com a ajudado terapeuta, uma série de verbalizações incompatíveisque possam ser incorporadas no seu repertório.Finalmente, deve aplicar essas verbalizações emsituações ansiogénias (MOITis e Kratochwill, 1983).

Kanfer e colaboradores (1975) demonstraram apossibilidade de utilizar esta estratégia com crianças de5 e 6 anos. Graziano e colegas (1979 a) relatam a suaaplicação para reduzir medos nocturnos intensos entreos 8 e 12 anos; Peterson e Shigetomi (1981) descrevema sua aplicação a crianças entre os 2 anos c meio e os dezanos e meio, para reduzir a ansiedade antes de umaoperação cirúrgica. Todos estes estudos envolvem"pacotes" de técnicas cornportamentais, a que seassociou o treino de auto-controlo.

A utilização dos pais como modelos de auto-instrução é bastante incentivada (Morris e Kratochwill,1983), reconhecendo-se assim o papel destes comomodelos, já não só de comportamentos concretos, mastambém de competências cognitivas (Barros, 1992).

3. Modelo CognitivoGrieger e Boyd (1983) apresentam um modelo de

intervenção cognitiva para eliminar ansiedades e fobiasinfantis, que utiliza conceitos da Terapia Racional-Emotiva de Ellis (1962) e da Terapia Cognitiva deBeck (1976). Outros autores (e.g., DiGiuseppe, 1981)têm procurado aplicar os princípios da terapia cognitivaàs perturbações emocionais da criança.

As reacções de medo e ansiedade são consideradascomo produto de três tipos de variáveis:

a) Em primeiro lugar, as consequências das atitudesdo próprio, nomeadamente no que respeita às reacçõesobservadas nos adultos. Não se trata já de umaconsideração imediatistae concreta das consequências,como acontecia no modelo operante. Mas sim do tipode expectativas que a criança desenvolve sobre as

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reacções dos outros, as suas valorações, as suasinterpretações, etc ..

b) Os antecedentes, ou índices situacionais, são osegundo tipo de variáveis. Também aqui se consideraa interpretaçãoquca criança faz dos índices situacionais,seleccionando e atendendo aos que são maissignificativos para si. Estes antecedentes incluem asexpectativas e antecipações sobre as motivações,exigências e valorizações das outras pessoas presentes,especialmente dos pais.

c) Finalmente, a influência mais significativa resultadas variáveis chamadas "de personalidade", aquiconsideradas como uma acumulação de experiênciasaprendidas no passado. Estas são claramente definidascomo cognitivas, e determinam as pcrcepções .einferências sobre os índices situacionais e sobre asconsequências.

Esta perspectiva considera, pois, que as reacçõesde ansiedade da criança resultam em larga medida dainteracção de variáveis situaeionais, que sãodeterminadas pela interpretação dada às mensagens ecomportamentos dos outros significativos (pais eeducadores); e factores de personalidade,predominantemente cognitivos.

A explicação da relação entre problemas deansiedade e cognições é basieamente a mesma para ascrianças e adultos. Tal eomo os seus pais, as criançasdesenvolvem e mantêm ansiedades e fobias quandoestabelecem inferências que conduzem logieamente aesses estados emocionais e comportamentais. Noentanto. devido às suas características cognitivas, ascrianças são naturalmente muito vulneráveis às atitudesdos pais e educadores, desenvolvendo padrões depensamento inadequados face a atitudes cducativasigualmente inadequadas. Assim, as crenças irracionaisinfantis são em grande parte produto da irracional idadee incoerência educativa dos adultos:

Paralelamente, os elTOScognitivos da criança nãosão considerados como necessariamente patológicosou desviantes. Ao contrário. reconhece-se que ascaracterísticas do pensamento infantil conduzemnaturalmente a alguns elTOScognitivos.

Dentro deste quadro cxplicativo, considera-se queuma intervenção racional-ernotiva para os problemasde ansiedade em crianças deve dirigir-se em simultâneoaos pais e à própria criança.

Com os pais, pretende-se ajudá-los a identificar osseus estilos parentais irracionais mais globais (paisperfeccionistas, ou com sentimentos de culpabilidade,ou incoerentes), assim como as ideias maissignificativamente determinantes das atitudes ansiosas

Luisa Barros

do filho. Grieger e Boyd, (1983), incluem no seuprograma acções dirigidas aos pais, em que se utilizamas técnicas características da terapia racional-emotivacom adultos, associadas a uma didáctica raeionalizantesobre a importância das suas atitudes e crenças, nasatitudes c crenças do filho.

Na intervenção dirigi da às crianças, visa-seidentificar os elTOSde inferência mais importantes, i.e.,previsões ou conclusões que representam falsamente arealidade (DrGiuseppe, 1981), eque estão relacionadoscom as distorções cognitivas (inferência arbitrária,generalização excessiva, abstracção selectiva,minimização e maximização) (Beck, 1976). Para amaioria das crianças os temas mais prováveis nestasdistorções relacionam-se com perda de amor c deaprovação, abandono pelos pais ou amigos, rejeição,ser magoado, e ser incompetente (Grieger e Boyd,1983).

As características cognitivas da criança nãopermitem que se tente modificar directamente as suascrenças mais irracionais por meio do confronto verbal.Assim, a tarefa essencial do terapeuta é ajudá-las areconhecer a sua forma de pensar relacionada com assituações ansiogénias, e a perceber a existência deformas alternativas de pensar e agir face a situaçõesproblemáticas. Posteriormente. conduz-se a criança naexploração das conscquências negativas dos seuspensamentos c atitudes inadequadas, assim como dasconsequências positivas elas alternativas definidas.Como se pode constatar. estes autores propõemessencialmente uma metodologia de tipo probleni-solving simplificado. Este, visa o reconhecimento deque os pensamentos irracionais são os responsáveispelos medos e ansiedades. E de que é possível substituí-los por outros mais adequados e positivos. Na medidaem que as técnicas de confronto cognitivo são muitoineficazes ou mesmo inacessíveis às crianças. pretende--se sobretudo ensiná-la a pensar de forma racional eadaptativa construindo uma sequência de atitudesracionais adequadas, e de respostas emocionaispositivas.

4. Ansiedade de separação: modelos explieativose estratégias de intervenção

4.1. O modelo de BowlbyActualmente não é possível abordar o tema da

ansiedade de separação, sem nos referirmos aostrabalhos de Bowlby (1969, 1973) sobre os processosde vinculação c separação. O modelo proposto por esteautor integra conceitos psicanalíticos, etológicos ecognitivos, para explicar o processo de vinculação, isto

Distúrbios ansiogénios em crianças: Modelos explicativoscomportamentais e cognitivos e sugestões clínicas desenvolvimentistas

é, o estabelecimento de laços emocionais íntimos entreo bebé e a(s) pessoa(s) que cuidam dele.

A vinculação é conceptualizada como um sistemade controlocomportamental, que permite uma avaliaçãoeficaz dos sinais de perigo, e um equilíbrio entre osmovimentos de separação e exploração do mundo, e asnecessidades de proximidade e protecção. Quando estesistema funciona adequadamente, o bebé encontra asegurança e confiança necessária para irprogressivamente alargando os seus movimentosexploratórios, sabendo que tem sempe uma "basesegura" para onde regressar. Este modelo enfatiza anecessidade de os educadores serem capazes decompreender os sinais do bebé e respondersensivelmente às suas necessidades de protecção esegurança, mas também de curiosidade e descoberta.

A ansiedade de separação é, assim, definida comouma crise normal e adaptativa, que deve ser entendidacomo um processo de desenvolvimento e não comouma patologia. Reacções aparentemente paradoxais,como o facto do bebé chorar convulsivamente quandoa mãe desaparece, mas afastar-se voluntariamente assimque se assegura da sua presença e disponibilidade,passam a ser compreensíveis e previsíveis.

Posteriormente os trabalhos de Ainsworth (1967,1979) vieram evidenciar a importãncia das atitudesparentais na qualidade da relação de vinculação, eajudar a compreender as perturbações que podem surgirneste processo. A vinculação harmoniosa e segura éexplicada por uma história de interacções coerentes esensíveis.

As intervenções propostas por autores quetrabalham nesta linha têm-se centrado essencialmenteno esclarecimento dos pais e educadores sobre esteperíodo de desenvolvimento (Brooks, 1981; Crowell &Waters, 1990), Consideram necessário explicar osignificado destas reacções infantis, e assegurar a suanormalidade e natureza adaptativa. Propõem que seevitem todos os métodos aversivos, de punição ouextinção, e incentivam as atitudes de proximidade edisponibilidade afcctiva e eomportamental. A criançadeve ser preparada para separações progressivamentemais longas, e estas devem ocorrer sempre em ambientesem que a criança se sinta segura e protegida, mas quesimultaneamente despertem a sua curiosidade cinteresse.

A ansiedade de separação que se mantém paraalém da idade pré-escolar é considerada como maisproblemática, c exigindo uma intervenção maisaprofundada, envolvendo toda a família. Os pais devemser ajudados a compreender as necessidades de

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segurança e protecção da criança, mas também acompreender quais sãoos factores familiares que podemestar envolvidos na manutenção do comportamentoinadequado da criança. Frequentemente, verifica-seque este tipo de reacções surge em famílias comproblemas conjugais, ou com progenitores depressivos(Crowell e Waters, 1990; Zahn-Waxler et al., 1984).

4.2. Modelo comportamentalFelizmente, estamos hoje bem longe da época em

que uma interpretação muito estrita dos princípioscomportamentais recomendava aos pais que deixassemo bebé chorar e ignorassem os seus protestos, para queeste aprendesse a ver os pais partir sem fazer birras(Gewirtz, 1972; Dreikurs & Soltz, 1964).

Actualmente, a interpretação cornportarnentalintegra a interpretação bowlbiana, reconhecendo anecessidade de uma relação estável e coerente quetransmita segurança e protecção ao bebé (Crowell eWaters, 1990).

No entanto, consideram que o comportamento devinculação é aprendido. A ansiedade de separaçãomanifesta-se quando a mãe deixa o bebé, e é reforçadaquando os pais reagem ao seu choro e birras (Crowell& Waters, 1990). Paralelamente, os mecanismos decondicionamento respondente, reforço, punição emodelagem podem ser utilizados para ajudar a crinça aultrapassar a ansiedade de separação que se mantémdepois do segundo ano de vida. Preconizam a utilizaçãode formas de dessensibilização progressiva(Cuthbertson e Shevill, 1985). Ou o reforço de atitudesde autonomia e exploração activa, e de formas maispositivas de chamar a atenção dos adultos, conjugadocom aextinção de choro, birras e atitudes de descontroloemocional. Finalmente, realçam a importância damodelagem por outras crianças mais autónomas.

VI - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBREOS MODELOS TERAPÊllTICOS APRE-SENTADOS

De forma mais ou menos explícita, todos os modelosreferidos contemplam três tipos de questões, que meparecem essenciais para uma reflexão sobre este tema.

1)Em primeiro lugar, a problemática da perturbaçãoinfantil conduz sempre à inevitabilidade de discriminarreacções normais, adaptativas, e/ou passageiras, dereacções sintomáticas, perturbadas e duradouras. Umaperspectiva mais tradicional da psicopatologia infantiltem procurado resolver este problema utilizando adiferenciação proposta para a psicopatologia adulta

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entre medos e fobias. Como referi, esta definição émuito contestável.

Os modelos comportamentais e cognitivos, emborareferindo-se a esse tipo de distinção, acabam porapresentar, na prática, uma resposta diferente a estaquestão (e.g., Graziano et al., 1979 b). Com efeito,reconhece-se que as respostas de medo e ansiedade, talcomo quaisquer outras, são aprendidas, e podem sereliminadas. A maioria dos estudos publicados sãointervenções com medos específicos, isolados (Morrise Kratochwill, 1983). No geral não envolvempopulações que correspondam aos critérios de definiçãode patologia, tal como preconizados, por exemplo, noDSM. Parece, assim, haver um reconhecimentoimplícito que qualquer medo, desde que sejasuficientemente perturbador para constituir uma queixa,pode e deve ser eliminado.

2) Como segundo ponto, pode-se reconhecerque todos os modelos de intervenção com criançastêm de abordar a questão do desenvolvimento. Paraa maior parte. o desenvolvimento é conccptualizadocomo uma variável moderadora dos resultadostcrapêuticos (Shirk, 1988), ou limitadora daspotencial idades do sujeito. Assim. a psicoterapiainfantil exige que seja suficientemente invcntivopara adaptar as técnicas "dos adultos", de forma acaptar o interesse e garantir a colaboração da criança.Foi preciso, por exemplo, adaptar a dessensibilizaçãosistemática, utilizando uma metodologia adequadapara o treino de relaxamento. E foi necessárioencontrar uma estratégia alternativa a este treinopara os sujeitos mais pequenos. No modelo demediação cognitiva esta modificação das técnicas éainda mais importante, pois há que adaptar os váriospassos do treino de auto-instrução às capacidades deatenção e memória da criança.

O modelo cognitivo é o único que considera que aprópria explicação dos medos e ansiedades infantisdeve integrar uma compreensão do nível dedesenvolvimento da criança. As característicascognitivas da criança explicam a frequência dedeterminados erros de pensamento, e a suavulnerabilidade aos elTOS educativos dos pais. Mastambém neste modelo o desenvolvimento limitado dacriança implica, sobretudo, que as técnicas sejamalteradas e simplificadas.

3) Finalmente, registe-se que todos os modelosconsideram a necessidade de intervir com os pais eeducadores, embora alguns apresentem esta componentede forma mais explícita.

Desde o início da aplicação dos modelos

Luisa Barros

comportamentais à intervenção com crianças, foireconhecido o papel dos pais como programadores decontingências de reforço das atitudes dos filhos. Umaintervenção comportamental com crianças para eliminarmedos e ansiedades implica, sempre, um trabalho comos pais. Estes devem aprender a extinguir asmanifestações de ansiedade mais problemáticas, e areforçar os comportamentos de aproximação dassituações temidas. Por outro lado, embora na maioriados trabalhos publicados adessensibilização sisternáticaseja implemcntada por terapeutas, nada obsta a que ospais aprendam a aplicar eles mesmos essa metodologia.Ao contrário, tudo leva a crer que a presença dos paisserá um elemento faei litador da resposta de relaxamento,necessária à aplicação desta estratégia.

A perspectiva da aprendizagem social envolve,igualmente, a colaboração activa dos pais, que sãoconsiderados como modelos de controlo emocional, ede aproximação às situações ansiogénias,

Os treinos de auto-controlo valorizamexplicitamente a função dos pais e educadores comomodelos de estratégias de mediação cognitiva. Melhordo que um terapeuta, os pais podem introduzir noquotidiano da criança as auto-verbalizações de confrontoque as ajudam a vencer as situações reccadas,

Mas é o modelo eognitivo (e.g., Ellis et al., 1966;Grieger & Boyd, 1983) que mais explicitamentereconhece a responsabilidade dos pais e educadores naperturbação emocional da criança: "a criança só podeestar perturbada no contexto de uma situaçãoperturbada" (Grieger & Boyd, 1983, p. 217). Os paisdevem modificar as suas atitudes concretas. mas tambémas suas crenças e ideias mais irracionais, para ajudarema criança a corrigir a sua irracionaliclade e eliminar asatitudes sintomáticas.

VII - ASSERÇÕES E SUGESTÕES DESEN-VOLVIMENTISTAS E CONSTRU-TIVISTAS

Actualmente parece haver acordo em váriossectores da psicologia e psicoterapia sobre a necessidadede repensar, e modificar, as formas mais tradicionais deintervenção psicológica com crianças. Os trabalhosmais recentes da Psicopatologia do Desenvolvimento(e.g., Sameroff, 1982; Sameroff e Emde. 1989; Rutter& Garmezy, 1983), e as propostas de intervenção coma primeira infância (e.g., Meisels & Shonkoff, 1990)são disso exemplo.

Pessoalmente, considero que essa reestruturaçãodeve passar pela explicitação dos três conceitos atrásreferidos, numa perspectiva desenvolvimentista.

Distúrbios ansiogénios em crianças: Modelos explicativoscomportamentais e cognitivos e sugestões clínicas desenvolvimentistas

1. Reacções adaptativas versus sintomáticasComo já referi, os estudos da Psicopatologia do

Desenvolvimento têm evidenciado a relevância dealgumas reacções sintomáticas da criança, e a suaassociação a perturbações na adolescência e idadeadulta. Embora se reconheça que muitas dasperturbações características da infância são passageiros,e não antecipam a existência de uma patologia adulta,consideram que certas características sintomáticas daperturbação na infância podem transformar-se e evol uirpara outras formas de perturbação adulta (e.g., Graber,1984: Sroufc & Ruttcr, 1984).

A ideia de que as perturbações emocionais dainfância não têm impacto a médio ou longo prazo, temsido bastante contestada (e.g., Bowlby, 1973; Kellamet al., 1975; Miller et al., 1990).

Também não parece muito legítimo restringir asnecessidades de intervenção psicológica às perturbaçõesque perduram na vida adulta. Com efeito, as reacçõessintomáticas de ansiedade emedos podem ser altamenteperturbadoras para a criança e a sua famíl ia (Jenkins etal., 1980). Este motivo é certamente suficiente para quese considere indispensável encontrar formas adequadasde resolver as perturbações da infância.

Parece-me, pois, que a questão não deve ser tantoo de saber se intervir, mas como e com quem intervir.

Actualmente considera-se que a maioria dasreacções sintomáticas da criança não podem serindicativas de que existe uma perturbação intrínseca eprópria da criança. Ao contrário esta tem que serconsiderada no contexto do processo dedesenvolvimento, e da interacção da criança com omeio (e.g., Sameroff, 1989; Grieger & Boyd, 1983).

"A grande maioria dos chamados "sintomas"neuróticos da criança e do adolescente constituem,assim, processos de adaptação e não de patologia.Permitem à criança, com maior ou menor dificuldade,ultrapassar os problemas inerentes aos períodos derápida mudança biológica, cognitiva e relaciona!".

Joyce - Moniz; J 991 (p. 17)

Tanto o modelo comportamental, como aperspectiva tradicional da psicopatologia infantil,consideram que as fobias e a ansiedade excessiva sãoperturbações intrínsecas da criança. Consequentemente,propõem formas de intervenção específicas, centradasna criança. e remediativas. A maioria dos modelos deintervenção tem como objectivo eliminar medos efobias específicas.

Ao contrário, a consideração de uma perspectiva

329

desenvolvimentista e interacionista leva-nos a sugeriruma intervenção com objectivos e metodologiasdiferentes. Parece-me, pois, que a via adequada será ade intervir de forma mais global, com objectivoseducacionais e preventivos de facilitação de umdesenvolvimento harmonioso e equilibrado. O terapeutapassa, então, a ter como interlocutores privilegiados ospais ou.educadores, isto é, as pessoas que interagemdirectamente com a criança, e que são responsáveispela organização das experiências educativas e pelacriação das condições adequadas ao processo dedesenvolvimento.

2. Perspectiva DesenvolvimentistaA segunda questão prende-se com a própria

definição das reacções de medo e ansiedade, e a suarelação com o desenvolvimento. Como Beck referiu(Beck et al., 1985), o medo e ansiedade têm sempreimplícita uma noção de vulnerabilidade perante o perigo.A vulnerabilidade é a percepção que o sujeito tem de sipróprio como sujeito a perigos internos ou externossobre os quais não tem controlo suficiente (idem, p.67). Esta noção implicaumaavaliação tanto da real idadedo perigo, como da capacidade pessoal para o controlarou confrontar. Nas crianças estas duas avaliaçõesocorrem em simultâneo.

Joyce-Moniz (1993) aprofundou os aspectosdesenvolvimentistas relacionados com esta questão, edefiniu uma sequência dos níveis de conhecimento doperigo. Neste trabalho interessa reter os dois primeirosníveis definidos pelo autor. Estes correspondem aonível pré-operatório e ao nível operatóriorespectivamente, e portanto à evolução natural durantea infância.

Nível I: O perigo objectivo existe porque a pessoao pcrccpciona (vê-o e/ou ouve-o).Significações de perigo assentam napercepção da realidade concreta.As significações do perigo, davulnerabilidade, e do seu confronto sãoidênticas.Omedo, a ansiedade, assim como o perigo,são 'evidentes e não precisam de serexplicados ou justificados.

Nível 2: O perigo objectivo existe, mas não podeser percebido imediatamente.Significações do perigo são o resultadode uma certa acumulação de evidência(provas).Significações de perigo e vulnerabilidadesão idênticas, mas começam a ser

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separadas (em termos globais) dapossibilidade de confronto.Sentimentos de medo e emoções deansiedade podem ser explicados emtermos concretos e quantitativos.

Joyce-Moni; (1993, p. 145)

Esta análise desenvolvimentista ajuda-nos acompreender melhor as crenças e as atitudes das criançasrelacionadas com medos e ansiedades. Mas sobretudopode orientar uma intervenção que deve sempreconsiderar a capacidade cognitiva da criança, o seunível de compreensão, e a possibilidade de evoluçãopara um nível superior. Assim, ao nível pré-operatóriointeressa sobretudo ajudar a criança a diferenciar assituações que representam um perigo real para si, e emque é adequado o evitamento e aquelas que nãorepresentam um perigo concreto, e em que se podetentar transformar o seu significado global (situaçãonão perigosa-possível de confrontar). A medida que acriança cresce, é possível ir progressivamente ajudando-.a a compreender como avaliar o perigo, através de umaprocura mais objectiva e realista de evidência; e aensaiar estratégias de confronto desse perigo ("mesmoque a situação me faça medo eu posso utilizar estaestratégia para me sentir melhor, ou para realizar atarefa").

3. Intervenção com pais e educadores:Finalmente, o terceiro conceito, que decorre dos

anteriores, é a necessidade de intervir com os pais eeducadores. Como referi, a maioria dos modelosterapêuticos reconhece a necessidade de umacolaboração mais ou menos importante, dos pais. Aminha sugestão vai, no entanto, mais longe.Considera-se que os pais c os educadores queinteragem diariamente com a criança devem, sempreque possível, ser os agentes principais da intervençãocom a criança. O terapeuta será, sobretudo, umconselheiro dos adultos, ajudando-os a encontraremas formas mais eficazes de facilitar umdesenvolvimento harmonioso e adequado da criança.Os pais, mas também os educadores que trabalhamcom a criança no jardim infantil ou na escola, serãoos actores principais desta intervenção.

Para desempenharem adequadamente este papel,os pais precisam de ser ajudados no seu trabalho deauto-conhecimento, de conhecimento da criança, cde descoberta de formas mais autónomas e maiscriativas de interagir com a criança (Barros, 1992).

Concretamente, parece-me necessário alguma

Luisa Barros

compreensão dacausalidade mágico-fenornenológicae pré-lógica da criança, para compreender os seusmedos e ansiedades, e o seu desenvolvimentoemocional em geral. Embora a maioria dos pais eeducadores seja capaz de reconhecer que a criançapensa de forma diferente da do adulto, desconhecemas regras por que se rege o raciocínio infantil, o queleva a grandes dificuldades de comunicação. Acausalidade pré-Iógica caracteriza-se por sesfuialista.isto é, todos os fenómenos têm uma razão ou causapróxima e evidente. É realista, na medida em que háuma indiferenciação entre o psíquico e O físico; osfenómenos imaginados ou sonhados são tão reais, ecomo tal tão perigosos, como os que têm umaexistência física. Mas é simultaneamente animista,de forma que os fenómenos do mundo físico, comotremores de terra ou trovões, têm a mesmaintencionalidade e capacidades psicológicas que osseres humanos. É egocêntrica, na medida em que acriança, e o seu corpo, estão no centro de todos osacontecimentos: assim, se o cão ladra, ou a aranhaavança, é certamente porque estão zangados com elee lhe vão fazer mal (Piaget & Inhelder, 1966).

É igualmente importante que os pais sejamcapazes de reconhecer as mudanças importantes quese verificam no raciocínio da criança à medida queesta acede ao período das operações concretas.Nomeadamente a sua crescente capacidade de atenderaos aspectos menos perccptivos dos fenómenos, apossibilidade de distinguir o que é real e imaginário,de forma a poder progressivamente diferenciar osperigos reais e os imaginários. E a possibilidade deir atendendo a perspectivas diferentes, a formasalternativas de compreendere interpretarfenómenose situações (Piaget & Inhelder, 1966).

Do mesmo modo, é desejável que os pais possamreconhecer que o medo e a ansiedade são respostasemocionais normais e adaptativas, e ter informaçãoque lhes permita estar alerta para situações depotencial perturbação. Mais do que ajudar a criançaa eliminar medos concretos, importa que sejamcapazes de reconhecer os motivos para a criança sesentir receosa e ansiosa. E que saibam ajudá-Ia a irprogressivamente adquirindo a capacidade de vencer,ultrapassar, ou controlar as situações potencialmenteassustadoras. Compreender que as crianças não sãonecessariamente ou valentes ou receosas, mas quepodem aprender a ver as situações aversivas comopotenciais desafios, e distinguir os perigos reais queé preciso evitar, e aqueles que devemos tentarcontrolar.

Distúrbios ansiogénios em crianças: Modelos explicativos.comportamentais e cognitivos e sugestões clínicas desenvolvimentistas

Para desempenhar este papel, os adultos têm deaprender a observar as suas próprias atitudes ecompreender o impacto que estas têm nas atitudes ereacções emocionais da criança. Frequentemente ospais têm dificuldade em reconhecer o seu papelcomo modelos de reacções emocionais. Maisfacilmente aderem a um modelo de transmissãohereditária (ela é nervosa como a mãe), do que a umaeompreensão dos processos de identificação eimitação. Paralelamente, precisam de reeonhecer assituações em que as suas atitudes de atenção evalorização são um incentivo implícito, mas muitopoderoso, à manifestação de erenças ecomportamentos ansiosos.

VIII - SUGESTÕES PARA O ACONSELHA-MENTO PARENTAL

a) Reconhecimento das necessidades básicasde protecção e segurança

Uma criança confiante e autónoma é uma criançaque se sente segura do amor dos seus pais. Esta"banalidade" não pode ser menosprezada ou ignoradanas intervenções com os pais. Quando manifestaansiedade ou medos excessivos, a criança está,provavelmente, a atravessar uma crise de confiança nassuas capacidades para confrontar perigos. Numacriançapequena esta noção de vulnerabilidade está muitorelacionada com os sentimentos de segurançatransmitidos pela relação privilegiada e íntima com ospais, ou seus substitutos.

No meu trabalho com pais tenho eonstatado commuita frequência que estes têm dificuldade emmanifestar o amor que sentem, com sensibilidade ecoerência. A compreensão do desenvolvimentocognirivo e emocional da criança pode ajudar os adultosacomunicar afecto aos filhos, de forma a transmitir-lhea segurança necessária. É necessário que a criançacompreenda que os pais estão disponíveis, interessadosnas suas ideias e reacções, que sentem prazer em estarcom os filhos e vê-los crescer, fazer descobertas,aventurar-se no mundo. Com demasiada frequência ospais balançam entre um extremo de distanciação efrieza (para não reforçar a dependência e imaturidade),ou um extremo de excessiva protecção (para transmitirtodo o amor. mas infelizmente também toda ainsegurança). Comunicam, assim, à criança a noção deque esta é excessivamente vulnerável, incapaz. Éimportante que os pais compreendam que o amor pelosfilhos tem que ser concretizado em acções everbalizações que os filhos possam compreender.

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b) Reconhecimento do jogo como linguagemprivilegiada para comunicar com a criança emodificar as suas significações de perigo evulnerabilidade

O jogo é indiscutivelmente a linguagemprivilegiada da criança. Se os pais não querem perdera oportunidade de um diálogo frutuoso e mutuamenterecompcnsante com os filhos, devem aprender a brincar,a entrar nos jogos e a partilhar as fantasias da criança.Numa primeira fase, os pais podem ser incentivados aobservar os jogos infantis, fazendo algumas perguntas,ou comentários descritivos e aprovativos.Progressivamente devem ensaiar a sua participação,nomeadamente nos jogos em que se sintam mais àvontade. mais envolvidos e divertidos.

O jogo de faz de conta é certamente a forma maiseficaz da criança exprimir a sua forma de entender omundo e as pessoas, de manifestar os seus interesses eas suas preocupações, e de ensaiar formas alternativasde resolver problemas. Entrando no jogo da criança, ospais têm ocasião de conhecer melhor os seus filhos, deoferecer-se como um modelo plausível, e de apresentarsoluções adaptativas para o confronto de situaçõesansiogénias. Brincar com os temas que provocam receioe ansiedade pode constituir um processo dedessensibilização imaginada. Gradualmente. a criançavai ensaiando situações mais difíceis (e.g., dizer adeusaos pais. estar separado dos pais por uma tarde, irdormir a casa duns amigos), porque o "faz-de-conta"lhe permite um controlo sobre as situações, esimultaneamente, um prazer e um estado de relaxamentoque não consegue experimentar "ao vivo". Não se tratade fazer dos pais "terapeutas pelo jogo". Mas sim de osajudar a descobrir o prazer dessa forma de comunicação,em que podem transmitir as suas emoções, as suascrenças, e as suas regras cducativas, de uma forma maisacessível para a criança. E, tomo tal, mais eficaz.

Uma outra forma de utilizar a brincadeira é aintrodução do humor. Quando feito de forma sensível,pode ajudar a criança a relativizar os significados dassuas preocupações, a criar distanciamento face asituações que a preocupam, a transformares significadosdos estímulos receados. Trata-se de utilizar o humorpara falar também de coisas sérias. Não de rir dacriança, mas de rir com a criança. Começando por rir desimesmos, os pais oferecem-se como modelo, ensinandoa criança a rir dela própria.

Finalmente, importa referir a importância do jogode activação física. em que a criança aprende acontrolaro seu corpo e os seus movimentos, a conhecer os seuslimites e a vencer novos desafios. Uma criança segura

332 Luisa Barros

do seu corpo e dos seus movimentos, e que sente prazerem vencer obstáculos, é certamente uma criança melhorpreparada para vencer medos e ansiedades. Tendo emconta que o pensamento infantil é egocêntrico e centradono próprio corpo, a segurança e confiança física, e oprazer dos jogos partilhados com os pais, é certamenteuma contribuição importante para confrontar asavaliações de si mesma como vulnerável.

c) Reconhecimento do papel parental comomodelos de expressão emocional e deestratégias de confronto e evitamentoadaptativas

Para além das recomendações anteriores, consideroque os pais podem ter um papel mais específico paraajudar os filhos a lidar com situações ou acontecimentosreceados.

Este começa no reconhecimento explícito de que avida envolve situações que provocam medo e ansiedade.A primeira forma de enfrentar essas emoções é aprendera reconhecê-las emanifestá-las. Os pais podem modelare incentivar a expressão intensa de emoções, tantopositivas como negativas. Ajudar a criança acompreender que não há emoções intrinsecamentemás, ou perigosas. É importante que a criança tenhaocasião de aprender adar nomes às emoções, reconhecê-las em si e nos outros, saber exprimi-las adequadamenteem situações diversificadas. Assim, por exemplo, sódepois da criança compreender que não gosta de ficarlonge dos pais, e que a ansiedade que sente é natural eaceitável, é que poderá ser ajudada a controlar essaansiedade.

Em segundo lugar, importa ser capaz de reconhecerque por vezes as situações receadas são mesmoperigosas. Eque o evitamento também é uma estratégiaadequada, desde que não seja excessivo, que não façaperder oportunidades e vivências importantes. Porexemplo, a criança pode e deve ser incentivada a não

ver os filmes de terror que lhe causam pesadelosnocturnos, mas é importante que aprenda a apreciarhistórias que envolvem algum grau de ansiedade.

Os pais podem, também, ser modelos deestratégias de confronto directo com situaçõesansiogénias. Também aqui não se trata de fazer dospais coterapeutas a aplicar metodologias rígidas. Masde os ajudar a modelar e incentivar a utilização deestratégias de distracção, ou de mestria, ou deautoverbalização positivas. Interessa, sobretudo, queos pais explicitem as formas que utilizam para vencersituações difíceis. Como, por exemplo, demonstrarque algumas situações receadas podem serconfrontadas com um treino que nos ajude a sentirmo--nos mais competentes nessas tarefas; ou que, noutrassituações, podemos estabelecer um diálogo internoque nos ajuda a controlar as emoções mais intensas.Ou, ainda, que noutras ocasiões que não podemosevitar, o melhor é tentar ocupar a nossa mente comideias e imagens positivas, que nos distraiam doestímulo assustador.

Por meio da exposição a este tipo de modelagem,a criança vai progressivamente compreendendo que ospais não são super-heróis que enfrentam os perigosporque são grandes, fortes e valentes. Ao contrário,enfrentam os perigos porque aprenderam a reconheceros desafios, e a utilizar "truques" que lhes permitemcontrolar o medo e a ansiedade.

Por último, gostaria de fazer uma chamada deatenção para o papel eloseducadores e professores. Seos pais ocupam indiscutivelmente um papel centralcomo facilitadores do desenvolvimento dos filhos, opapel dos educadores profissionais não é de formanenhuma secundário. Parece-me, portanto, que aformação destes profissionais deve, cada vez mais,contemplar competências que lhes permitamdesempenhar um papel de facilitadores da expressão econfronto emocional dos seus alunos.

Distúrbios ansiogénios em crianças: Modelosexplicativoscomportamentais e cognitivos e sugestões clínicas desenvolvimentistas

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Psiquiatria Clínica, 17, (4), pp. 337-346,1996

Ansiedade aos exames: Relação com a Ansiedade Social, o Auto-Conceito e as Estratégiasde Resolução de Problemas

PORANA PAULA MATOSC), CRISTINA CANAVARROe), ADRIANO VAZ SERRAC)

1. Introdução

1. A conceptualízação da ansiedade aos examesA investigação sobre a Ansiedade aos Exames

reveste-se de um crescente interesse. Temos vindo aassistir a um progressivo aumento do espaço do ciclode vida dedicado à escolaridade e as situações deavaliação são muito frequentes nos meios escolar .cprofissional, revelando-se determinantes do êxito oufracasso de muitas pessoas.

Todos nós conhecemos indivíduos que ficamaterrorizados na altura dos exames. apesar de possuíremboas capacidades intelectuais e de trabalho. Esteshabitualmente duvidam das suas capacidades pessoais.antecipam que irão fracassare temem as consequênciasdesse insucesso.

Sarason e Sarason (1990) relevam que os indivíduoscom ansiedade aos exames elevada apresentam asseguintes características:

I. A situação de avaliação parece difícil eameaçadora.

2. O indivíduo vê-se a si próprio como ineficaz.ou inadequado, para lidar com a tarefa emmãos.

3. O indivíduo restringe a sua atenção para asconscquôncias indesejáveis da sua inadequaçãopessoal.

. 4. As preocupações auto-depreciativas são fortese interferem com a actividade cognitivarclcvantepara a tarcfa.,

S. O indivíduo espera e antecipa fracasso e perda

em relação aos outros.Os exames podem levar a comportamentos como

adiamento. cancelamento e a sinais de ansiedade duranteo exame como incapacidade para recordar as respostascorrectas num dado momento ("a mente em branco") epara as comunicar eficazmente.

Para Cruz (i 988) a ansiedade em exames deve serconceptualizada no contexto dum proeessotransaccional entre o indivíduo e a situação e englobaduas componentes: uma cognitiva e outra emocional; acomponente cognitiva inclui, entre outras variáveis,uma auto-estima baixa: e na componente emocional,devem ser consideradas a activação fisiológica (p.ex.,aumento do ritmo cardíaco, sudação, etc.) e sentimentosde tensão, apreensão, desconforto e nervosismo.

2. Alguns correla tos da ansiedade aos examesO objectivo da presente investigação é estudar

alguns correlatos da ansiedade aos exames que a práticaclínica que a prática clínica e a revisão bibliográficatêm revelado como importantes, nomeadamente, ocoping; o auto-conceito, a ansiedade social e asintcracções familiares.

2.1. O copingPara muitas pessoas, as situações de avaliação

constituem uma fonte de stress e requerem a utilizaçãode diversas estratégias de coping.

De acordo com Lazarus e colaboradores. o copingconsiste em pensamentos e comportamentos que oindivíduo utiliza para lidar com as exigências dastransacções pessoa-meio que têm relevância para o seu

(') Professora Auxiliar da Faculdade dc Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra,(2) Assistente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.C') Professor Catedrático de Psiquiatria da faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Director da

Clínica Psiquiátrica dos Hospitais da Universidade de Coirnbra. Regente da Cadeira de Terapêutica doComportamento da Faculdade de Psicologia c de Ciências da Educação da Universidade de Coirnbra,

338 Ana Pauta Matos, Cristina Canavarro, Adriano Vaz Serra

bem-estar (Folkman et aI., 1986; Lazarus e Folkman,1984).Recentemente, estes autores (Folkman eLazarus,1991; Lazarus, 1993) têm mencionado que a emoção eo coping se influenciam mutuamente numa relaçãodinâmica e recíproca.

Ferreira (1993) encontrou que as estratégias decoping se relacionam com o rendimento escolar: osalunos com piores médias escolares têm tendência aabandonar-se mais passivamente às situações c aprocurar a ajuda dos outros: enquanto que aqueles quepossuem melhores estratégias de coping costumamobter médias acadêmicas mais altas.

Smith (1989), num estudo com alunos comansiedade aos testes elevada, encontrou que umprograma terapêutico de treino de estratégias de copingcognitivas e comportamentais melhorava a auto-eficáciapercebida e o desempenho académico. .

2.2. O auto-conceitoA teoria da aprendizagem social é também

particularmente importante para a compreensão dacompetência acadêmica. De acordo com esta teoria, asvariáveis coping, ansiedade e desempenho são funçãode expectativas de auto-eficácia e de resultado: e, porsua vez, estas variáveis influenciam também a auto-eficácia percebida, Assim, quanto mais o indivíduoacreditar nas suas capacidades pessoais, maior e maispersistente será o esforço que despenderá para lidarcom as dificuldades e menor será a probabilidade desentir distress e activação fisiológica (Bandura, 1989).

Ainda de acordo com Bandura (1977). asexpectativas de auto-eficácia referem-se às convicçõesdo indivíduo de que consegue realizar, com êxito, oscomportamentos requeridos para um coping comsucesso em situações específicas.

Diversos autores salientaram a importância daauto-eficácia no desempenho acadêmico (Arnkoff,Glass e Robinson, 1992: Glass et al., 1995: Hackett etal., 1992; Lent, Brown e Larkin, 1987; Multon, Brownc Lent, 1991; Smith, Arnkoff e Wright, 1990).

Também tem sido apontada a necessidade de, nosprogramas terapêuticos para a ansiedade aos exames,se melhorar a auto-eficácia percebida (Smith, Arnkoffc Wright, 1990; Glass et al., 1995).

2.3. A ansiedade socialSegundo Leitenberg (1990), a ansiedade aos

exames relaciona-se com a ansiedade social, pois,embora na primeira possa não existir um contextointerpessoal directo, omedo do fracasso frequentementeenvolve expectativas irrealistas de consequênciasinterpessoais negativas, as quais podem ser de curto-prazo (p.ex., desaprovação ou rejeição por parte da

família, superiores ou colegas) ou de mais de longo-prazo, como uma cadeia de consequências negativas(p.ex., o desempenho pobre levará à perda de estatutoou de emprego que por sua vez levará à perda dorespeito e do amor e eventualmente a ser abandonado).

Hembree (1988), num estudo meta-analítico,encontrou que os estudantes do ensino universitáriocom ansiedade aos exames alta eram significativamentemenos sociáveis do que aqueles que tinham ansiedadeaos exames baixa.

2.4. As interacçõesfamiliaresAs interacções familiares também têm sido

apontadas pelos autores como importàntes para aansiedade aos exames. Os estudos revelam que os paisde estudantes com elevada ansiedade aos exames têmexpectativas demasiado elevadas e irrealistas a respeitodos seus filhos, centram a sua atenção nos fracassos,dãofeedback de natureza negativa e têm mais tendênciapara ensinar aos filhos comportamentos inadequados eirrelevantes para a resolução das tarefas (Cruz, 1989).

No presente trabalho, propomo-nos estudar asrelações existentes das dimensões coping individual,coping familiar, auto-conceito, ansiedade social com aansiedade aos exames e com o desempenho académico.

11. Hipóteses

Essencialmente, colocámos as seguintes hipóteses:Os indivíduos com menor ansiedade aosexames e melhor rendimento académicorevelam melhores estratégias de copingindividual e familiar, um auto-conceito maiselevado e uma menor ansiedade social.

111.Material e Métodos

1. Características Gerais da AmostraA amostra foi constituída por 255 elementos, 93

homens e 162mulheres, apresentando ambos os sexosa mesma média de idade (22 anos).

Fizeram parte da amostra 72 alunos universitáriosque frequentavam os 5°, 4° e 2° anos da Faculdade dePsicologia e de Ciências da Educação da Universidadede Coimbra, 64 estudantes do 12° ano, 57 alunos doensino técnico-profissional e 62 indivíduos do ensinomédio, a quem foi pedida a colaboração anónima evoluntária.

Os indivíduos da amostra foram divididosconsoante o seu grau dc ansiedade aos exames fossebaixo, moderado ou alto. Os dois grupos extremos

Ansiedade aos exames: Relação com a Ansiedade Social,o Auto-Conceito e as Estratégias de Resolução de Problemas

abrangiam cada um 25% da amostra e os restantes 50%pertenciam ao grupo de ansiedade moderada.

Estes três grupos não se diferenciaram em termosde sexo (Qui-quadrado não significativo).

Também não se distinguiram em relação ao estatutosocial, segundo a classificação portuguesa de SedasNunes (1970).

2. Medida das variáveisAs variáveis que constituem o objecto do presente

estudo foram medidas através dos seguintesinstrumentos:

A) Questionário de Reacções aos Testes (RT)Para avaliar a Ansiedade aos Exames foi utilizada

a versão portuguesa de 'Baptista, Sozca e Pinto doReactions to Tests de Sarason (1984) que é constituídapor 34 questões que avaliam quatro dimensões daansiedade aos testes:

FI -Pensamentos IrrelevantesF2 -Tensão EmocionalF3 -PreocupaçãoF4 -Sintomas Somáticos

B) Inventário de Resolução de ProblemasO coping individual foi medido pelo Inventário de

Resolução de Problemas (IRP) criado por Vaz Serra(1987). que consiste numa medida unidirnensional, detipo Likert, na qual quanto mais elevado é o valorobtido, melhor são as estratégias usadas.

Este inventário é constituído por 40 questõesenvolvendo as reacções das pessoas a três tipos desituações interpessoais do dia-a-dia: ameaça, perda edesafio.

Uma rotação varimax permitiu a extracção denove factores:

FI -Procura de ajudaF2 -Confronto e resolução activa dos problemasF3 -Abandono passivo à situaçãoF4 -Controlo interno/externo dos problemasFS - Estratégias de controlo emocionalF6 -Atitude activa de não interferência na vida

quotidiana pelas ocorrênciasF7 -Agressividade intemalizada/externalizadaF8 -Auto-responsabilização e medo das

consequênciasF9 -Confronto com o problema e planeamento da

estratégia.

C) Inventário de Coping Familiar (F-Copes)O Coping Familiar foi medido com a adaptação

339

portuguesa efectuada por Vaz Serra et a!. (1992) do F-Copes. Trata-se dum instrumento criado por McCubbin,Larsen e Olson (1982) que consiste numaescalade tipoLikert com 29 questões que avaliam estratégias decoping familiar internas e externas.

As dimensões subjacentes, representadas por 5factores, são as seguintes:

Estratégias internasF2 -ReenquadramentoF5 -Avaliação passivaEstratégias externasFI -Aquisição de apoio socialF3 -Procura de apoio espiritualF4 -Mobilização familiar para adquirir e aceitar

ajuda.

D) Auto-ConceitoO auto-conceito foi avaliado pelo Inventário Clínico

de Auto-Conceito (ICAC) que é uma escala de tipoLikert, criada por Vaz Serra (1985) para medir osaspectos emocional e social do auto-conceito.

Este inventário avalia quatro dimensões do auto-conceito:

FI -Aceitação/rejeição socialF2 -Auto-eficáciaF3 -Maturidade psicológicaF4 - Impulsividade/actividade

E) Escala de Medo da Avaliação NegativaPara avaliar a ansiedade social utilizámos aEscala de

Medo da Avaliação Negativa. Esta escala, criada porWatson e Friend (1969) e aferida para a populaçãoportuguesa porGouveiaet aI,(1986), é umquestionário deauto-resposta composto por 30 questões que mede aexpectativa e o medo de avaliação negativa por parte dosoutros,assimcomooevitamento das situações de avaliação.

IV. Resultados

1. Ansiedade aos Testes e Tipo de EnsinoFrequentado

No Quadro I, encontra-se representada, em gráfico,a distribuição da frequência (em percentagens) dosindivíduos dos vários níveis de ensino pelos três gruposestudados (grupos de ansiedade aos testes baixa,moderada e alta).

O Qui-quadrado revela diferenças muitosignificativas entre estes três grupos (p<.OOO).

Verificamos que a maior parte dos indivíduos comansiedade aos exames alta se situa no nível médio -43% - (estes alunos acabaram o 12° ano e iniciaram a

Ana Paula Matos, Cristina Canavarro, Adriano Vaz Serra340

60

PERC 40EN 30TAGEM

O

p<.OOO 12.0 ano

X2=45.369

Ensino técnico-prof.

QUADRO 1

frequência dum curso médio), seguidos de perto pelosestudantes do 12° ano (30%).

Pelo contrário, a maioria dos indivíduos comansiedade aos exames baixa frequenta o ensinouniversitário (Soc)lo), seguidos dos alunos do ensinotécnico-profissional (33%).

O grupo de ansiedade aos exames moderadadistribui-se de uma forma muito semelhante pelosquatro graus de ensino (percentagens entre os 22 e os29%) ocupando sempre valores intermédios entre osindivíduos com ansiedade aos exames alta e aquelesque têm ansiedade aos exames baixa.

2. Ansiedade aos exames e RendimentoAcadémico

2.1. Ansiedade aos exames e ReprovaçõesConstatámos que os indivíduos com ansiedade aos

exames altarefercm mais reprovações (69%), seguidosdos indivíduos de ansiedade moderada (62%).

Pelo contrário, os alunos com ansiedade aos examesbaixa referem mais frequentemente que nuncareprovaram num exame (S2%). No entanto, a diferençanão é muito significativa.

2.2. Ansiedade aos Testes e Média EscolarReal izámos COlTC Iações de Pearson para a totalidade

da amostra. relacionando a média académica com aspontuações obtidas nos instrumentos utilizados nonosso estudo - Inventário de Reacções aos Testes,Inventário de Resolução de Problemas, Inventário deCoping Familiar, Inventário Clínico de Auto-Conceitoe Escala de Medo de Avaliação Negativa.

50

mA.E. baixa.A.E. moder.DA.E. alta

Ensino universo Ensino médio

N=255

TRT RTl RT2 RT4-.229*** -.228*** -.264*** -.154*

MédiaAcadémica

IRPF4.239***

IRPF7.211**

IRPF8 CopFamFS.300*** .17S*

QUADRO 2

No Quadro 2 apresentamos os valores encon-trados com significância estatística, revelando a maiorparte deles um valor de p muitíssimo significativo.

A média escolar correlaciona-sc negativamentecom a ansiedade aos exames medida através do RT,quer na nota Global, quer nos factores I (PensamentosIrrelevantcs), 2 (Tensão), e 4 (Sintomas Somáticos).Confirma-se o dado de que os alunos com menoransiedade aos exames têm médias escolares maiselevadas, apresentam menos pensamentosirrelcvantes, uma menor tensão e igualmente ummenor número de sintomas somáticos durante ostestes.

Quanto às variáveis de coping, encontramos que amédia escolar se relaciona de forma positiva e muitosignificativa com o coping individual nos factores 4(controlo interno/externo dos problemas), 7 (expressãode agressividade internalizada/externalizada) e 8(atitude de auto-responsabilização e medo dasconsequências). Os indivíduos com médias mais altas

Ansiedade aos exames: Relação com a Ansiedade Social,o Auto-Conceito e as Estratégias de Resolução de Problemas

apresentam melhores estratégias de coping, sentindoque controlam as situações, não temendo as suasconsequências nem se culpabilizando por elas erevelando-se menos agressivos.

Relativamente à variável de Coping Familiar,podemos constatar que a média escolar se correlacionanegativamente com o factor 5 dcAceitação passiva dassituações indutoras de stress. Os alunos com médiaescolar mais baixa provêm de famílias que se abandonampassivamente a estas situações.

O Quadro 2 mostra-nos ainda que a médiaacadémica se relaciona sobretudo com ansiedade aosexames e coping individual e não tanto com copingfamiliar.

As variáveis do Auto-Conceito e da AnsiedadeSocial não se correlacionam significativamente com amédia escolar.

2.3. Ansiedade aos exames e preocupação dospais com o rendimento académico dos filhos

A todos os indivíduos da amostra foi colocada aseguinte questão:

"Os seus pais preocupam-se com o seu rendimentoescolar?"

As possibilidades de resposta abrangem cincoclasses que vão desde "nada" até "excessivamente",sendo pontuadas entre I e 5.

Efectuámos um teste de Qui-quadrado para ver sehavia diferenças na frequência das respostas a estaquestão entre os três grupos em estudo (Grupos de

341

ansiedade aos exames baixa, moderada e alta).Obtivemos um valor de Qui-quadrado muitissimosignificativo (p<.OOO).(Quadro 3)

Nenhum indivíduo com ansiedade aos examesbaixa respondeu que os seus pais se preocupavamexcessivamente com o seu rendimento escolar. Damesma forma, nenhum indivíduo com ansiedadeaos testes alta respondeu que os seus pais nãomostravam preocupação pelo seu desempenhoacadêmico.

Grande parte dos indivíduos que responderam queos pais não mostravam preocupação pelo seu rendimentoescolar (9% para 1%) pertence ao grupo de ansiedadeaos exames baixa. Enquanto que a maioria dosindivíduos que referiam que os pais se preocupavamexcessivamente com o seu rendimento escolar, pertenceao grupo com ansiedade aos exames alta ()(S% para4%) .

.Amaior parte dos elementos da amostra assinalaramque os pais se preocupam moderadamente (Grupo III)ou se preocupam muito (Grupo IV).

3. Diferenças entre indivíduos com ansiedadebaixa, moderada e alta nas variáveis decoping

3.1. Coping individualAAnálise da Função Discriminante mostrou que o

Inventário de Resolução de Problemas discrimina entre

Grau de Preocupação Familiar acerca do Desempenho Académico

PERCENTAGEM

p<.OOO2=39.934

2 3 54

QUADRO 3

aa.e. baixa.a.e. modoa :l.e alta

342 Ana Paula Matos, Cristina Canavarro, Adriano Vaz Serra

os grupos de ansiedade aos exames baixa, moderada eelevada, nomeadamente para a nota global e os factores1,2,4,5,7,8 e 9 (Quadro 4).

Análise Discrhnínante de Função

Categoria: Ansiedade aos Exames(Alta/Moderada/Baixa)

Variáveis F PIRP Nota Global 3.280 .039

Fl 5.334 .005F2 3.481 .032F3 1.151 n.s.F4 24.167 .000F5 13.583 .000F6 1.612 n.s.F7 5.676 .004F8 6.949 .001F9 3.418 0.34

Lambda de Wilks=.742 F-Estatístico=3.893 p=.OOO

QUADRO 4

A Análise da Função Discriminante obtida tomoupossível classificar correctamente 51% dos indivíduosestudados (Quadro 5).

Para se analisar em que sentido iam as diferenças

entre grupos efectuámos testes t para amostrasindependentes (Quadros 6, 7 e 8).

Resumindo, podemos dizer que quanto maiselevada é a ansiedade aos exames piores são asestratégias de coping, nomeadamente, os indivíduossentem que não controlam os seus problemas (F4) e assuas emoções (F5), temendo as consequências dassituações e responsabilizando-se por elas (F8). Estesindivíduos procuram mais ajuda (F I) evitandoconfrontar-se e resolver activamente os seus problemas(F2).

3.2. CopingjamiliarA Análise da Função Discriminante mostrou que o

Coping Familiar, nomeadamente a nota global e osfactores I, 3 e 5 discriminam entre os grupos deansiedade aos exames baixa, moderada e elevada(Quadro 9).

Este procedimento estatístico tomou possívelclassificar correctamente uma percentagemrelativamente pequena de indivíduos (39%). (Quadro10)

Para se analisar em que sentido iam as diferençasentre grupos efectuámos testes t para amostrasindependentes (Quadros 11 e 12).

Podemos constatar que os indivíduos com maioransiedade aos exames pertencem a famílias que face asituações indutoras de stress aceitam passivamente osacontecimentos (F5), procuram mais apoio social (FI)e espiritual (F3).

Análise Discriminante de Função

Categoria: Ansiedade aos Exames (Alta/Moderada/Baixa)Variável: Coping Individual

GRUPO PREDICTO

A.E. Alta A.E. Mod. A.E. Baixa

GRUPO A.E. Alta 39 17 8OBSERVADO AE Mod. 38 55 36

A.E. Baixa 8 18 35

85 90 79

Classificação Correcta:

A.E. Alta-ó l o/c

A.E. Mod.=43o/c

A.E. Baixa=57%

TOTAL=5Io/c

QUADROS

Ansiedade aos exames: Relação com a Ansiedade Social, 343o Auto-Conceito e as Estratégias de Resolução de Problemas

Ansiedade aos Exames

Baixa vs Moderada

X D.P. X D.P. teste t p

IRP FI 16.078 2.768 14.791 2.564 3.117 .002

F2 26.313 4.504 24.264 4.408 2.441 .016

F4 32.422 4.066 29.047 4.608 5.190 .000

F5 17.328 2.226 16.372 2.571 2.665 .009

F8 16.375 2.870 14.984 2.839 3.180 .002

QUADRO 6

Ansiedade aos Exames

Moderada vs Alta

X D.P. X D.P. teste t p

IRP Nota 145.031 11.806 140.705 11.922 -2,342 ,021GlobalF4 29.047 4.608 26.984 4.489 -2,932 .004

F5 16.372 2.571 15.033 2.510 -3.407 .001

QUADRO 7

Ansiedade aos Exames

Baixa vs Alta

X D.P. X D.P. teste t p

IRP FI 16.078 2.768 14.934 2.682 2.346 .021

F2 26.313 4.504 24.770 3.730 2.089 .039

F4 32.422 4.066 26.984 4.489 7.088 .000

F5 17.328 2.226 15.033 2.510 5.400 .000

F7 9.484 1.168 8.672 1.387 3.533 .001

F8 16.375 2.870 14.672 2.789 3.407 .001

F9 11.781 2.027 11.000 1.472 2.474 ,015

QUADRO 8

344 Ana Paula Matos, Cristina Canavarro, Adriano Vaz Serra

Análise Díscrimínante de Função

Categoria: Ansiedade aos Exames(Alta/Moderada/Baixa)

Variáveis F PCOPo FAM. Nota Global 8.620 .000

FI 5.586 .004F2 0.641 n.s.F3 5.956 .003F4 2.182 n.s.F5 10.724 .000

QUADRO 9

Lambda de Wilks=.860 F-Estaristico-ô.Zl? p=.OOO

COPo FAM. NotaX

87.016GlobalFI 26.781

F3 10.016

FS 9.906

xCOPo FAM. Nota 87.016Global

FI 26.781

F3 10.016

F5 9.906

Análise Díscrímínante de Função

Categoria: Ansiedade aos Exames(Alta/Moderada/Baixa)

Variável: Coping Familiar

GRUPOPREDICTOA.E.Alta A.E.Mod. A.E.Baixa

GRUPO A.E.Alta 39 11 14OBSERVADO A.E.Mod. 43 29 57

A.E.Baixa 17 13 3199 53 102

Classificação Correcta:A.E. Alta-só l% A.E. Baixa-ó lo/cA.E. Mod.=21 % 1'01'AL=399'o

Ansiedade aos Exames

Baixa vs Moderada

D.P.-:v..:.

D.P./\.

13.472 93.977 13.574

6.153 29.395 5.544

3.731 !1.729 3.618

2.580 11A03 2.860

QUADRO li

Ansiedade aos Exames

Baixa vs Alta

D.P. X D.P.

13.472 96.328 12.788

6.153 30.016 6.321

3.731 11.967 3.483

2.580 12.180 2.986

QUADRO 12

4. Auto-Conceito e Ansiedade SocialA Análise da Função Discriminante (Quadro

13) mostrou que o factor 2 do auto-conceitodiscrimina bem entre os três grupos de ansiedadeaos exames.

A ansiedade social é também uma boa variável

QUADRO 10

teste t P-3.371 .OO!

-2.870 .005

-3.033 .003

-3.658 .000

teste t P

-3.965 .DOO

-2.898 .004

-3.024 .003

-2.030 .000

discrirninadora.Testes Imostraram que os indivíduos com ansiedade

aos exames mais elevada têm um auto-conceito maispobre. particularmente no que diz respeito aos seusníveis de auto-eficácia (F2) e têm mais ansiedadesocial.

Ansiedade aos exames: Relação com a Ansiedade Social,o Auto-Conceito e as Estratégias de Resolução de Problemas

Análise Discriminante de Função

Categoria: Ansiedade aos Exames(Alta/Moderada/Baixa)

Variáveis F PA.C. TOTAL 2.419 n.s,

FI 1.700 n.s,F2 7.575 .001F3 0.046 n.s.F4 1.103 n.s,

FNE 28.858 .000

Lambda de Wilks=.776 F-Estatístico=5.534 p=.OOO

QUADRO 13

Discussão e Conclusões

Considerando as hipóteses iniciais do nossotrabalho, podemos concluir que estas foram, dumaforma geral, confirmadas:

345

I. Os indivíduos com ansiedade aos exames maiselevada apresentam um coping individual e familiarmais pobre, valores de auto-conceito mais baixos emaior ansiedade social.

Este estudo chama a atenção para a importância davariável coping na ansiedade de desempenho, sobretudodas estratégias individuais que os estudantes utilizampara lidar com os seus problemas.

2. As variáveis de coping individual e familiarrelacionam-se com o rendimento académico, mas omesmo não acontece com o auto-conceito e aansiedadesocial.

Confirma-se ainda o resultado de estudos referidosanteriormente, segundo os quais a ansiedade aos examesse encontra associada com rendimento académico (Cruz,1989; Dendato e Diener, 1986). Encontrámos que osindivíduos com ansiedade mais elevada apresentammédias escolares mais baixas e um maior número dereprovações.

A relação existente entre a ansiedade dedesempenho e o insucesso escolar alerta-nos para anecessidade de se desenvolverem estratégias deintervenção.

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