PINTO,2010 - Execucao Fantasia Villa-Lobos Em Saxone Selmer MK VI
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1576Anais do XX Congresso da ANPPOM 2010
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a eXeCução da faNtasia para saxofoNe sopraNo e orquestra de
heitor villa-lobos em sua tonalidade original, utilizando
um instrumento selmer mark vi
Marco Túlio de Paula PintoUNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – [email protected]
resumo: O objetivo deste artigo é prover subsídios para a execução da Fantasia para saxofone soprano e orquestra de Villa-Lobos em sua tonalidade original, uma segunda maior acima da versão que ficou mais conhecida, em um saxofone soprano Selmer Mark VI, que a despeito de suas excepcionais qualidades sonoras, não dispõe de facilidades e recursos mecânicos presentes em instrumentos modernos. Palavras-chave: saxofone, Villa-Lobos, performance, música brasileira.
Heitor Villa-Lobos (1887-1959) foi sem dúvida o compositor brasileiro que mais fez uso dos
saxofones em sua obra. Além de suas composições e arranjos para banda de música, formação da qual os
instrumentos criados por Adolphe Sax normalmente tomam parte, Villa-Lobos utilizou o saxofone alto
em obras camerísticas como o Sexteto Místico (1917), Quator (Quarteto Simbólico, 1921), Noneto (1923),
Choros nº 7 (1924) e Choros nº 3 (1925). Em sua música orquestral os saxofones são bem mais que eventuais
convidados. Uma substancial parcela de suas composições para orquestra sinfônica inclui a presença de um
ou mais saxofones.
Em 1948, seria composta sua Fantasia para Saxofone Soprano e Orquestra1, dedicada ao grande
Marcel Mule, considerado o pai da escola francesa para o saxofone, cuja contribuição para a aceitação do
instrumento no meio camerístico e orquestral é inestimável. Embora Mule nunca tenha chegado a apresentar a
obra¸ esta se tornou, de acordo com Thomas Liley, “indubitavelmente a mais importante obra para o soprano”
(Liley, 1998, p. 58).
Em sua versão original, conforme o manuscrito autógrafo do acervo do Museu Villa-Lobos, a
Fantasia é apresentada um tom acima do que a versão que viria a ser posteriormente publicada por Southern
Music Publishing Co.. Em sua tonalidade original, a parte do saxofone trabalha na região extrema aguda,
incluindo muitas passagens que alcançam a nota Sol 5, acima da extensão considerada normal do instrumento2
(Ex. 1).
Ex. 1 - I movimento - compassos 49 a 52
Este pode ser, como especula Soares (2001), o principal motivo pelo desinteresse de Mule pela obra.
Como pode ser observado por sua discografia e pela leitura das obras que lhe foram dedicadas, investimentos
em ampliação da tessitura não foram o foco de sua atuação, preferindo o artista investir, como afirmam Claude
Delangle e Jean-Denis Michat em “aperfeiçoamentos no som, dinâmicas, homogeneidade tonal virtuosidade
de articulação e velocidade” (Delangle e Michat, 1988).
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A estréia da Fantasia se deu em 17 de novembro de 1951, tendo como solista Waldemar Spilman,
no saxofone tenor3, e o próprio compositor como regente, à frente da Orquestra de Câmara do MEC. Nessa
ocasião foi apresentada a versão que é hoje mais conhecida, cuja tonalidade é “mais confortável para o solista”
(Soares, 2001).
A versão original, após um longo período de esquecimento, vem sendo redescoberta. O norte-
americano Gary Keller clama para si a estreia, em concerto realizado em 18 de abril de 2009, com a UM
Frost Symphony. Entretanto, a obra já havia sido apresentada nessa versão no Rio de Janeiro, pela Orquestra
Sinfônica da Escola de Música da UFRJ, tendo o saxofonista Júlio Merlino como solista, em outubro de 2005.
O saxofone soprano é considerado, entre os membros da família de instrumentos criados por
Adolphe Sax4, o de mais difícil controle. Devido a suas características físicas, exige do intérprete extrema
dedicação, sob pena de soar “rouco, desafinado e geralmente bastante desagradável” (Turner, 1998, p. 96). Isto
pode ser apontado como um dos motivos para as posições que conquistaram o alto e o tenor, tanto na música
clássica5 quanto no jazz, e a relativa obscuridade em que se manteve o soprano.
No campo da música clássica, o saxofone alto tornou-se o mais importante membro da família.
Isto se deve em parte por seu lirismo e por ser este instrumento considerado o mais equilibrado. No entanto,
o fato de ter sido o alto o instrumento principal não só de Marcel Mule, mas também de Sigurd Rascher,
músico que teve uma participação igualmente imprescindível na história do saxofone, foi fundamental para
sua hegemonia sobre os demais membros da família nesse gênero musical. Apesar de ambos os mestres terem
tocado o soprano em seus respectivos quartetos6, foi através da atuação no alto que contribuíram de maneira
definitiva para o estabelecimento do repertório.
Na tradição jazzística, alto e tenor tornaram-se os instrumentos dominantes, com uma preferência
pelo último, acentuada sobretudo após os anos 1950. Embora hoje em dia uma grande parte dos tenoristas, sob
a influência de John Coltrane tenha incorporado o soprano ao seu set (Segell, 2006), casos como o saxofonista
Steve Lacy, que se dedicou exclusivamente ao soprano, ou de Sidney Bechet, que entre 1923 e 1924 “mudou
mais ou menos permanentemente [da clarineta] para o saxofone soprano” (Schuller, 1986, p. 195), chegam a ser
quase isolados. Somente em tempos mais recentes o instrumento foi redescoberto, com um crescente interesse
por sua sonoridade exótica. Como consequência do relativo desinteresse, o saxofone soprano ficou um tanto
defasado a respeito das inovações no mecanismo que receberam os instrumentos maiores.
A colaboração entre músicos e indústria trouxe grandes avanços na fabricação de saxofones. Da
interação entre Marcel Mule e a fabricante Selmer surgiu o renomado modelo Mark VI, cuja precisão na ação
e qualidades sonoras tornaram-no um marco na história dessa empresa. O período em que essa série esteve
em produção durou de 1954 a 1974, mas até hoje esses instrumentos são muito valorizados e, como se tornam
cada vez mais raros, alguns músicos desembolsam quantias consideráveis em sua aquisição.
Os sopranos Mark VI, apesar de também muito apreciados, principalmente por sua sonoridade
encorpada, não acompanharam o desenvolvimento tecnológico de altos e tenores. A ausência mais significativa
é a do recurso conhecido como “Fá frontal” 7, presente nos saxofones maiores desde os primeiros anos do
século XX.
Torna-se portanto um desafio a execução das passagens agudas da Fantasia, em um instrumento
que não conta com as facilidades proporcionadas por instrumentos mais modernos, alguns dos quais chegam
incluir a nota Sol 5 em sua extensão normal. Resulta disto a tarefa de pesquisar dedilhados que permitam a
realização de tais passagens de maneira natural e fluída.
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O fabricante de instrumentos Oleg Garbuzov, estabelecido nos Estados Unidos da América
desde 1974, além de construir flautas e saxofones, tem desenvolvido acessórios para saxofones, como tudéis8,
boquilhas e melhoramentos para facilitar a performance em saxofones vintage ou modernos. Entre as
adaptações destinadas a sopranos Mark VI, encontram-se extensões para as chaves laterais da mão direita, que
originalmente são muito altas e desconfortáveis. Outra adaptação foi a provisão do recurso do “Fá frontal”.
A simples instalação desses implementos tornaria mais exequível a realização das passagens
agudas mais intrincadas. Entretanto, ao se observar o funcionamento do dispositivo do “Fá frontal”, percebe-
se que pode ser facilmente obtido o mesmo resultado, através da utilização de uma série de dedilhados
alternativos relativamente simples, apresentada na Tab. 1.9 Uma identificação para cada digitação é apresentada
para referência em exemplos musicais.
Nota Notação ID Dedilhado
Mi 5 a T1 2 3 |E
______
Fá 5 b T1 2 ______|E
______
Fá # 5c T1 2 ______|
E f ______
d T1 2 ______|E Bb
______10
e T1 Bb ______|
E ______
Sol 5 f T1______|E
______
Tab. 1 - Quadro de dedilhados auxiliares
O domínio do registro superagudo desperta um interesse crescente por parte dos saxofonistas. Os
compositores, diante das possibilidades oferecidas pelo atual estágio técnico desses instrumentistas, cada vez
mais incluem em suas obras passagens acima da tessitura normal.
As técnicas para a obtenção das notas da extensão ampliada envolvem mais que a simples adoção
de dedilhados alternativos, baseando-se sobretudo na manipulação dos harmônicos superiores. Alguns autores
têm abordado o assunto. Sigurd Rascher, saxofonista reconhecido por sua habilidade nessa região extrema e
para o qual foram dedicadas inúmeras obras com essas características, escreveu em 1941 uma obra que é até
hoje paradigmática (Rascher, 1977). Obras de Luckey (1998), Nash (1985) e Rousseau (2002) podem também
ser tomadas como referencial para a matéria.
O saxofone soprano, por já trabalhar em uma região por natureza bastante aguda, costuma oferecer
maiores dificuldades na execução das notas adicionais que os instrumentos mais graves. Antes de tentar
aplicar os dedilhados propostos na Tab. 1, é conveniente a realização de alguns exercícios preparatórios (Ex.
2). As repetições devem ser executadas várias vezes, e a máxima atenção deve ser dada a afinação, qualidade
sonora, homogeneidade de timbre e precisão e fluidez na passagem entre as notas, principalmente na conexão
dos registros. Os exercícios devem ser executados com tipos variados de articulação e com exatidão rítmica.
Para isso o uso de um metrônomo é fundamental. Outras combinações de intervalos podem e devem ser
criados para o processo de familiarização com os dedilhados.
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Ex. 2 - Exercícios preparatórios
Uma vez assimiladas as digitações alternativas, resta planejar sua utilização na execução da
Fantasia.. Muitas vezes isto se torna uma questão de gosto pessoal. O que parece confortável para um músico
pode não ser para outro. Uma boa estratégia é experimentar e fazer anotações na parte. Nos exemplos a seguir,
são apresentadas algumas sugestões de digitações para passagens que costumam ser problemáticas. Longe
de serem definitivas, seu objetivo principal é apontar caminhos que podem ser adaptados às preferências do
intérprete.
Ex. 3 - I mov. comp. 24 e 25
Ex. 4 - I mov. comp. 49 a 51
Ex. 5- I mov. comp. 117 a 120
Ex. 6 - II mov. comp. 10 a 13
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Ex. 7 - III mov. comp. 9 a 11
Ex. 8 - III mov. comp. 63 e 64
notas
1 O manuscrito do acervo apresenta o título Fantasia para saxofone soprano e orquestra. Soares (2001), em sua dissertação refere-se à obra como Fantasia para saxofone soprano e orquestra de câmara. A obra foi publicada em 1963 por Southern Music Publishing Co., sob o título Fantasia. No catálogo eletrônico organizado pelo Museu Villa-Lobos, disponível em <http://www.museuvillalobos.org.br/bancodad/VLSO_1.0.pdf>, a obra é relacionada como Fantasia para saxofone soprano ou tenor e pequena orquestra. 2 A extensão normal dos saxofones vai de Si 2 a Fá (ou Fá#) 5. Somente em tempos muito recentes desenvolvimentos por parte de alguns fabricantes permitiram incluir a nota Sol 5 na tessitura regular, principalmente em sopranos. 3 Segundo Soares (2001), o solista não possuía o instrumento para qual a obra foi originalmente composta.4 O construtor idealizou em meados da década de 1840 duas famílias distintas, cada qual com 7 instrumentos. Na família des-tinada à utilização na orquestra sinfônica, esses instrumentos seriam afinados alternadamente nas tonalidades de Fá e Dó. Para o uso em bandas de música, os membros da família teriam afinação em Mi e Si. A versatilidade dos saxofones em tocar com relativa facilidade em qualquer tonalidade provou ser redundante a existência de duas famílias. Alguns dos instrumentos da idealizada família orquestral jamais chegaram a ser construídos. Em tempos atuais encontram uso regular os saxofones soprano em Si, alto em Mi, tenor em Si e barítono em Mi. Grandes bandas sinfônicas podem ocasionalmente utilizar o saxofone baixo em Si e uma utilização ainda mais esporádica tem o saxofone sopranino em Mi.5 O termo aparece aqui em seu sentido mais amplo, não se restringindo, portanto, ao período de Haydn, Mozart, Beethoven e seus contemporâneos. A dificuldade em estabelecer uma terminologia precisa e, principalmente, que não carregue em sua definição algum grau de preconceito é discutida em Pinto (2005).6 A formação considerada padrão do quarteto de saxofone inclui soprano, alto, tenor e barítono. Um pouco menos utilizada é a formação que substitui o soprano por outro saxofone alto.7 Dispositivo que facilita a digitação da nota Fá 5, e, mais importante, auxilia a conexão da extensão normal com o registro superagudo.8 Tudel é o nome que se dá ao tubo superior, a parte onde se encaixa a boquilha.9 Por uma questão de falta espaço, não será feita aqui uma descrição da nomenclatura utilizada para a identificação das chaves do saxofone. Foi adotado o sistema do sítio da internet The woodwind Fingering Guide, que pode ser acessado no endereço < http://www.wfg.woodwind.org/sax/sax_fing.html >.10 Embora menos confortável, esta opção de dedilhado é apresentada como alternativa para saxofones que não possuem a chave de fá # agudo.
Referências bibliográficas
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