PIERCINGS E TATUAGENS NA ADOLESCÊNCIA

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1 PIERCINGS E TATUAGENS NA ADOLESCÊNCIA Maria das Graças Teles Martins O uso de piercings e tatuagens está se tornando cada vez mais popular entre os jovens de diversos países e em todas as camadas sócio-econômicas. Vários podem ser os motivos que levam o adolescente a fazer uso dessa prática, além do simples “modismo na adolescência”. As características inerentes dessa faixa etária, como a procura pela novidade, e o estímulo provocado pela mídia, provavelmente são as causas mais freqüentes. O pediatra deve abordar esses assuntos com o adolescente e seus familiares, numa postura ética e sensata, dispondo de corretas informações e orientações. TATUAGEM E PIERCING Tatuagem é a inserção na derme de pigmentos insolúveis, que podem permanecer indefinidamente na pele. O pigmento mais freqüentemente utilizado é a tinta da China. A expressão piercing tem sido usada para designar um tipo de adorno (body piercing), jóia ou peça decorativa, inserida por perfuração, em certas partes do corpo. Sua aplicação pode ser realizada em uma ou várias regiões do corpo como, por exemplo, orelha, região superciliar, nariz, umbigo, boca (lábio, bochecha e língua), mamilo e genitais. Depois de colocado, dependendo do local de perfuração, existe um tempo variável para sua

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PIERCINGS E TATUAGENS NA ADOLESCÊNCIA

Maria das Graças Teles Martins

O uso de piercings e tatuagens está se tornando cada vez mais popular entre os

jovens de diversos países e em todas as camadas sócio-econômicas. Vários podem

ser os motivos que levam o adolescente a fazer uso dessa prática, além do simples

“modismo na adolescência”. As características inerentes dessa faixa etária, como a

procura pela novidade, e o estímulo provocado pela mídia, provavelmente são as

causas mais freqüentes. O pediatra deve abordar esses assuntos com o

adolescente e seus familiares, numa postura ética e sensata, dispondo de corretas

informações e orientações.

TATUAGEM E PIERCING

Tatuagem é a inserção na derme de pigmentos insolúveis, que podem permanecer

indefinidamente na pele. O pigmento mais freqüentemente utilizado é a tinta da

China. A expressão piercing tem sido usada para designar um tipo de adorno (body

piercing), jóia ou peça decorativa, inserida por perfuração, em certas partes do

corpo. Sua aplicação pode ser realizada em uma ou várias regiões do corpo como,

por exemplo, orelha, região superciliar, nariz, umbigo, boca (lábio, bochecha e

língua), mamilo e genitais. Depois de colocado, dependendo do local de perfuração,

existe um tempo variável para sua cicatrização. É importante que o médico conheça

esse tempo, pois representa um período de vulnerabilidade, necessitando de intensa

vigilância para possíveis complicações infecciosas. Os locais habitualmente

utilizados têm os seguintes tempos de reepitelização: lóbulo da orelha – 1 a 2

meses; sobrancelha – 2 meses; asa do nariz, língua e lábios – 2 a 4 meses; área

cartilaginosa da orelha – 4 a 6 meses; cicatriz umbilical – 6 a 12 meses.

CONTRA-INDICAÇÕES

Piercings e tatuagens são contra indicados em grávidas, imunodeprimidos,

indivíduos com tendência para formação de quelóides, com dermatites infecciosas,

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dermatites atópicas ou que tenham dermografismo. Também não são

recomendados em jovens com discrasias sanguíneas ou em uso de anticoagulantes

e naqueles com doenças cardíacas congênitas.

COMPLICAÇÕES

Tanto a colocação de piercing como a aplicação de tatuagem podem causar

complicações. Piercings: são descritos, em cerca de 10 a 30% dos casos, infecção

ou sangramento no local de sua inserção. Na pele, a maior parte das complicações

ocorre em região umbilical, seguida da orelha e nariz. Infecção é a complicação mais

comum (mais de 75% das procuras por serviços de saúde), cujas manifestações

típicas são dor e sinais fl ogísticos locais. A disseminação infecciosa subjacente, em

particular as condrites em orelhas e nariz, é temerária, pelas implicações estéticas

futuras. O risco de complicações infecciosas é bastante reduzido se forem tomados

os cuidados com assepsia na colocação e na manutenção do piercing. Existe

também, o risco de transmissão de hepatite B, hepatite C e tétano no procedimento

de inserção por material inapropriado. O HIV pode ser transmitido por utilização de

material contaminado não esterilizado. Outras complicações descritas são as

cicatrizes quelóides e as reações eczematosas (dermatites de contato pelo material

do dispositivo). Linfadenopatia pode ocorrer em qualquer indivíduo que tem um

piercing.

As complicações do adorno oral são: dor, edema, obstrução das vias aéreas,

ranhura ou fratura de dentes, trauma gengival ou em mucosa, interferência na

mastigação, difi culdade de fonação, hipersalivação, halitose, periodontite e

aspiração. Tatuagens: os riscos de transmissão de infecções também existem com

este procedimento, principalmente com equipamentos não esterilizados. A

complicação mais descrita é a dermatite de contato pelos pigmentos injetados na

derme. Vale ressaltar que mesmo as tatuagens ditas “temporárias”, realizadas com

henna, podem determinar complicações alérgicas. É interessante salientar que

durante a adolescência, devido ao crescimento, a tatuagem sofre deformidade e

distorção. Além disto, os pigmentos tatuados, com o decorrer dos anos, tendem a fi

car turvos e se localizarem em regiões mais profundas da derme.

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LEGISLAÇÃO

Não existe regulamentação sobre formação e certifi cação dos profi ssionais

que inserem piercings e tatuagens. Comumente, os piercers (pessoas que inserem

os dispositivos) não têm formação específica e aprendem a técnica simplesmente

por observação. Além disso, sabe-se que os estabelecimentos que se destinam a tal

fi nalidade apresentam freqüentemente absoluta precariedade. Os profi ssionais que

atendem adolescentes no estado de São Paulo devem estar cientes da lei estadual

n.º 9828 que proíbe, desde 1997, a aplicação de piercings e tatuagens em menores

de idade, mesmo sob consentimento dos pais. Desta lei, fi ca excluído apenas o furo

no lóbulo da orelha. Se por um lado a lei se tornou um obstáculo maior para os

adolescentes que desejam colocar esses adornos, por outro, tornou-se um

problema, já que vários jovens resolvem fazer a perfuração de modo caseiro, fi

cando mais predispostos às complicações. Os adolescentes costumam, com

freqüência, examinar as regras para quebrá-las. Apesar das leis e proibições terem

o seu papel, elas não garantem a inexistência dos riscos e complicações. É

importante que o médico oriente os adolescentes de forma adequada e trate,

quando necessário, pacientes que se encontrem nessas situações.

CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS PARA O PROFISSIONAL DE SAÚDE

Sugere-se que a abordagem do assunto com o paciente deva estar dissociada de

visão discriminatória, privilegiando a reflexão e a crítica em relação aos aspectos

particulares do tema na adolescência.

-Pode haver arrependimento ou mudança de idéia?

A adolescência é marcada pela procura de identidade e independência. A

necessidade de experimentação e o processo de formação de sua identidade, com

oscilações e mudanças podem constituir-se em elementos a serem considerados na

tomada de decisão para a aderência a um movimento, tipo de grupo ou vestuário.

São comuns na prática clínica as fl utuações nos referenciais trazidos por

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adolescentes durante o de tatuagens, embora desenvolvidas, ainda estão distantes

de grande parte da população. Inúmeras vezes uma “obra de arte” pode se

transformar em uma cicatriz inestética.

Para a remoção das tatuagens podem ser utilizados métodos mecânicos, químicos,

térmicos, cirúrgicos e lasers. São tratamentos difíceis, muitas vezes provocam

hemorragias e cicatrizes hipertrófi cas ou atrófi cas e hipocrômicas, com seqüelas

piores que a própria tatuagem. A remoção das tatuagens através dos raios laser é o

método mais efi caz, embora caro, atuando sem prejudicar as estruturas de pele ao

redor. O pigmento absorve a luz e a tinta é fragmentada pelo laser em

micropartículas que são removidas pelo próprio organismo. Em geral são

necessários de quatro a seis sessões para a remoção, dependendo do tamanho,

profundidade e das cores utilizadas na tatuagem. As cores escuras como o azul e

preto são as mais fáceis enquanto as mais claras, como o amarelo e o verde, as

mais difíceis. Após a remoção podem ocorrer: manchas escuras ou claras que em

geral são transitórias, reações alérgicas no local da remoção e casos raros de

choque anafi lático. As cicatrizes são complicações raras. seu acompanhamento.

A experiência demonstra que, com a mesma intensidade com que um adolescente

deseja, por exemplo, tatuar-se ou aplicar uma tintura em seu cabelo, ele procura, no

futuro, retirá-la. É interessante que o adolescente perceba-se num momento de

experimentações, identifi cando suas oscilações de gostos e envolvimentos,

postergando eventualmente atitudes intempestivas e, por vezes, irreversíveis.

Nomes de namoradas, escudos de time de futebol, sinais cabalísticos ou uma

simples menção ao surf pode virar algo indesejado. O crescimento e o

desenvolvimento conduzem o adolescente a novas posições sociais. Algumas

“marcas” podem tornar-se inadequadas nesse “novo” momento e, por vezes,

indeléveis. As técnicas de remoção.

- E se houver complicações?

O uso de tatuagens e piercings pode envolver o adolescente em determinadas

situações de risco, sem que ele, muitas vezes, tenha capacidade de percebê-las ou

de se preocupar com conseqüências futuras. Deve ser clara e explícita a orientação

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ao adolescente sobre todas as potenciais complicações descritas para o

procedimento desejado e suas conseqüências a curto e a longo prazo. Estratégias

de redução dos riscos, como as orientações de perfurações em partes menos

sujeitas a complicações, podem ser úteis. Deve haver sensibilização do adolescente

aos cuidados específi cos de manutenção. O tema, na adolescência, exige de pais,

educadores e profi ssionais de saúde percepção e postura adequadas. Dessa forma,

independentemente da existência de leis, o fortalecimento do diálogo com os

adolescentes constitui aspecto fundamental, podendo funcionar como fator de

prevenção e proteção de riscos para estes indivíduos.

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