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1 PHILON DE ALEXANDRIA

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PHILON DE

ALEXANDRIA

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FILON DE ALEXANDRIA

segundo Fröhlich, foi um judeu helenista, filósofo da religião. Suas numerosas obras (conservadas quase

integralmente) consistem, em grande parte, de comentários do Pentateuco; as narrativas bíblicas são interpretadas de

maneira alegórica. Em 39, Fílon foi a Roma, para conseguir a cidadania romana para os judeus alexandrinos

(FRÖHLICH, Roland. Curso Básico de História da Igreja. (Trad. e adapt.) Alberto Antoniazzi. São Paulo: Paulus, 1987.

p.9). De acordo com informações de Pierrard, Fílon viveu, mais ou menos, entre 13 a.C. e 54 d.C. (PIERRARD, Pierre.

História da Igreja. (Trad.) Álvaro Cunha. São Paulo: Paulinas, 1983. p. 14), tendo sido um representante típico desses

judeus helenizados, que organizavam a doutrina extraída das Escrituras em um sistema teológico e filosófico elaborado,

cuja influência chegava até às comunidades judias da Ásia menor e da Síria. Seria esse sistema que iria preparar o

caminho para a teologia cristã. Boehner e Gilson, acreditam que S. João Evangelista possa ter tomado como base o

conceito de Logos da filosofia grega, sobretudo de Fílon que via no Logos a idéia divina do mundo, e o meio pelo qual

Deus opera no mundo (idem, p.18). Além disso, esses autores mencionam que Fílon teria inspirado, ou influenciado as

primeiras interpretações teológicas à luz da filosofia grega (BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da

Filosofia Cristã. (Trad. e notas) Raimundo Vier, OFM. Petrópolis: Vozes, 1995. cf. p. 34-58 e 445). Além desse

autores, Daniélou se baseia nas descrições de Fílon sobre a cultura judaica nos primeiros anos da Era Cristã, e atribui a

Fílon o mais importante papel na aliança do Evangelho nascente com a cultura grega.

(DANIÉLOU, Jean e MARROU, Henri. Nova História da Igreja: dos primórdios a São Gregório Magno. (Trad.) Dom Paulo Evaristo

Arns OFM. In: ROGIER, L.J; Aubert, R.; Knowles, M. D. Nova História da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1984. páginas 9; 29-46; e 138-

145).

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FÍLON, O JUDEU

(20 a. C. - 40 d. C.)

Filósofo grego de Alexandria nascido provavelmente na Judéia, considerado o maior representante judaica dos

primórdios da filosofia neoplatônica e que entrou para a história por ter tentado a fusão da filosofia grega e a teologia

mosaica, criando a filosofia mosaica. Como viveu no tempo em que atuava Jesus Cristo (4 a. C. - 30 d. C.), não

demorou o contato dos cristãos, com este filósofo, do qual possivelmente assimilaram algumas de suas idéias para

desenvolvimento de uma nova teologia. Escreveu numerosas obras entre as quais destacou-se Comentário alegórico do

Pentateuco, uma série de tratados sobre episódios bíblicos. Conservaram-se vários dos seus escritos e para alguns

historiadores é considerado o precursor dos padres, ou seja, que do ponto de vista do seu pensamento em geral,

desenvolveu-se no mundo cristão a era dos grandes padres, a Patrística. Suas interpretações foram seguidas pela escola

cristã de Alexandria, especialmente pelos cristãos Orígenes (185-253) e Eusébio de Cesaréia. Assim, a partir de seus

registros, o embasamento racional de sua teologia levou à formulação de uma das teorias do pensamento tipicamente

neoplatônico: a Trindade das pessoas divinas. Ou seja, ao mesmo tempo que nascia na Judéia o cristianismo, como um

movimento de crenças singelas, já se formava em Alexandria o embasamento racional de sua teologia trinitária que

haveria de encontrar três séculos depois uma formulação mais coerente para a concepção de Deus com pluralidade de

pessoas. Provavelmente morreu também em sua terra natal.

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A INTERPRETAÇÃO ALEGÓRICA DO ANTIGO TESTAMENTO

DE FILO DE ALEXANDRIA

ADRIANO FILHO, José. (STAGGS-UNIFIL)

Filo de Alexandria, cerca de 20 a.C. – 50 d.C., lê a Escritura alegoricamente. Sua interpretação associa à Escritura significados

previamente não conectados com ela: Filo, primeiro, reduz a sabedoria clássica a uma forma conceitual anônima; segundo, ao ler a

Escritura alegoricamente, apresenta aquela sabedoria como a verdade subjacente ao sentido da Escritura. Moisés tem prioridade sobre os

autores clássicos,

tornando-se o filósofo original. A Escritura torna-se, assim, uma “re-escritura” de significados clássicos, uma “re-escritura” que é,

paradoxalmente, vista como escrito original. A leitura alegórica de Filo é usada para reinterpretar o cosmos, a história, a sabedoria

filosófica clássica e a realidade social de Alexandria; ela não procurava dissolver a identidade judaica na cultura helenística, mas era

central para a identidade

e sobrevivência da comunidade judaica em meio a um contexto hostil.

1-A interpretação alegórica dos mitos

No período helenístico, quando o divino foi, aos poucos, equiparado ao logos racional, a linguagem mítica não podia mais ser concebida

em seu sentido literário, exigindo uma interpretação alegórica. Nesse contexto, os estóicos elaboraram uma interpretação alegórica dos

mitos. Essa prática já era conhecida, mas eles buscavam encontrar, atrás do sentido literal, um significado mais profundo. Enfatizavam

que se devia partir do sentido literal, para ordená-lo corretamente, utilizando, para tal, a etimologia. Para eles, a etimologia fornecia

indicações sobre a direção do significado oculto que ultrapassa o sentido literal.

Os estóicos não utilizavam a palavra alegoria, mas, sim, uponoia, que é uma forma de comunicação indireta, que diz algo, para dar a

entender algo diverso. Foi o Pseudo-Heráclito (séc. I d.C.) que forjou a palavra alegoria, definindo-a como um tropos retórico, que

possibilita dizer algo e, ao mesmo tempo, aludir a algo diverso. De qualquer forma, a distinção estóica entre logos proforikos e logos

endiathetos abriu caminho para essa formação conceitual retórica. Antes de se tornar técnica da interpretação, a alegoria era uma forma

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de discurso, de natureza retórica, pois o fazer retórico está relacionado com a mediação de sentido, razão porque, na pesquisa, se tomou

usual estabelecer a distinção entre alegoria (figura discursiva originária) e alegorese (processo explícito de interpretação).

2-Os antecedentes de Filo

Os interesses e prática dos gramáticos e dos editores alexandrinos não influenciaram de forma significativa a leitura das Escrituras

realizada pelos judeus de Alexandria. Os estudiosos alexandrinos estavam preocupados em salvar a herança clássica e procuravam

restaurar textos, cuja autenticidade era duvidosa. Os autores judeus, contudo, procuravam interpretar o momento no qual viviam à luz de

sua própria tradição clássica: a Septuaginta. Além de utilizar modelos literários helenísticos, como drama, épica, cronografia e romance

para interpretar o mundo à sua volta, sua leitura representava muito mais que um comentário da Escritura.

Eles procuravam revisar a vida e pensamento helenistas à luz do texto autoritativo do Pentateuco, baseando-se nos procedimentos

hermenêuticos desenvolvidos pelos etimologistas e intérpretes alegóricos. Esta afirmação vale também para as Explicações do Livro de

Moisés, de Aristóbulo, e A Carta de Aristéias a Filocrates, do Pseudo-Aristéias. Um exame da compreensão alegórica que fundamenta

essas obras e a forma como suas interpretações alegóricas são desenvolvidas no contexto da sociedade

ptolomaica demonstra que esses dois autores consideram a Escritura como a versão escrita original de toda sabedoria, precisamente o

modo de leitura que Filo desenvolverá com muito mais rigor.

3-Filo de Alexandria

O conhecimento de Filo de Alexandria deriva-se, normalmente, do testemunho que ele dá de si mesmo em suas obras. Mais tarde,

quando o judaísmo fechou-se a todos os influxos do mundo helenístico, foi rechaçado e silenciado. Sua obra só chegou até nós por meio

da igreja antiga: utilizada por Clemente de Alexandria, foi, depois, transportada de Alexandria para Cesaréia.

A pesquisa atual sobre a alegoria de Filo orienta-se em duas direções:

a) A primeira situa-se no nível filosófico e da lógica que coloca em movimento a alegoria filoniana. Filo era um platônico formado na

técnica dierética, a qual lhe permitia classificar a ordenar a realidade em estruturas piramidais, indo do universal ao particular. Esta

interpretação prefere os conceitos do platonismo médio e não do estoicismo, este último mais propenso ao imanentismo, e insiste na

transcendência divina e na dependência do ser humano de Deus.

b) A segunda orientação acentua a perspectiva religiosa e judaica na interpretação de Filo. Faz justiça à sua exegese e ao fato de que o

elemento desencadeante da alegoria filoniana deriva sempre de conceitos ou realidades bíblicas, como a Sabedoria ou a Torá de Moisés.

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As obras exegéticas de Filo podem ser caracterizadas da seguinte forma:

a) Comentários alegóricos: versam sobre passagens do Gênesis e do Êxodo, com referências a outros livros da Lei. Estas obras

interpretam o texto com grande liberdade, centralizando-se no Moisés filósofo e não no Moisés legislador.

b) Exposições da Lei: propõem-se resolver questões específicas sobre algumas passagens da Escritura, desenvolvendo temas

cosmológicos e antropológicos.

c) Outras obras não relacionadas com a Bíblia, nas quais não faltam, contudo, alusões históricas e filosóficas. Filo dialoga com a cultura

helenística, apresentando um exemplo de como a cultura helenística pode ter um valor positivo para eles.

A interpretação da Escritura de Filo baseia-se, quase sempre, na Torá, mas não se pode afirmar que ele ignorasse os demais livros do

Antigo Testamento. O judaísmo helenístico e, em particular, o alexandrino, tinha em alta consideração a pessoa de Moisés. Para Filo,

Moisés é o verdadeiro e único profeta e o primeiro e o verdadeiro filósofo. Ele procurou aproximar os ensinamentos de Moisés e

convencer, ao mesmo tempo, os judeus da diáspora, que a Torá era superior a todas as doutrinas dos filósofos gregos.

O pensamento de Filo, presente na interpretação alegórica da história de Israel, assume um caráter anti-histórico. Nesse sentido, ele é um

prático da alegorese, aplicada às Escrituras do Antigo Testamento. Seguindo o precedente exegético de seus predecessores, ele lê a

Escritura, associando-lhe significados que não estavam previamente conectados com ela. Primeiro, reduz a sabedoria clássica a uma

forma conceitual anônima e, então, ao ler a Escritura alegoricamente, apresenta aquela sabedoria como a verdade que subjaz ao sentido

da Escritura. Moisés tem prioridade absoluta sobre os autores clássicos, tornando-se, dessa forma, verdadeiramente o filósofo original. A

leitura de Filo transforma a Escritura numa Re-escritura de significados clássicos e, paradoxalmente, apresenta esta re-escritura como um

escrito original.

Contudo, como se pode saber, se um texto deve ser interpretado literal ou alegoricamente? Segundo Filo, o autor e, conforme o caso,

Deus, cuida para que seu texto seja entendido alegoricamente, enquanto espalha em seu escrito sinais objetivos ou apoios da alegoria. O

primeiro livro de Moisés, por exemplo, fala de árvores no paraíso, da árvore da vida e do conhecimento (Gênesis 2,9), que são tão

diferentes das nossas, que uma interpretação literal parece implausível. Há, assim, na própria Escritura trampolins da alegorese, como a

aporia, o estranho ou o enganador da letra, que só pode ter sido intencional para o autor da Sagrada Escritura, porque a Revelação divina

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não pode conter nenhuma inverdade. Ela quer, antes de tudo, revelar mistérios incorpóreos e divinos, para os quais o sentido corporal,

em princípio, é inadequado.

A relação entre o sentido literal e o alegórico compara-se à relação que existe entre o corpo e a alma: “A interpretação da Sagrada

Escritura acontece de tal maneira, que é esclarecido o significado oculto através de alegorias. Porque o conjunto dos livros das leis

equipara-se, na perspectiva destes homens, a um ser vivo que, como corpo, é possuidor dos ordenamentos literais, mas, como alma,

possui o significado invisível oculto nas palavras. Aqui, sobretudo, a alma dotada de razão começa a enxergar o que lhe é familiar. Ela

enxerga através das palavras, como através de um espelho, a incomensurável beleza dos pensamentos que nelas se mostram; ela

desdobra os símbolos alegóricos e os afasta, desnudando, na luz, o significado das palavras para aqueles que estão em condições de

enxergar, por intermédio de pequenos indícios, o invisível através do visível.” (De Vita Contemplativa, 78)

A idéia sugerida é a de que tudo o que é literal deve, para ser plenamente entendido, apontar para algo pré-literal. As Escrituras não se

bastam a si mesmas, elas necessitam da ajuda ou da luz de algo diferente. Ela acena para a necessidade de um retorno, a partir do logos

proforikos, ao espírito que o vivifica. Todavia, isso pode conduzir à negligência do logos literal e abrir as portas para a arbitrariedade

interpretativa. Já na antiguidade, a alegoria filônica foi mal vista, pois ele afastou-se da interpretação literal da lei, que caracterizava os

intérpretes da Torá. Por essa razão, sua influência foi escassa sobre a exegese palestina, a ponto de ele ser excluído dos cânones da

tradição rabínica de interpretação.

A alegoria querer atingir algo invisível e mais elevado, o que implica que esse sentido não pode ser imediatamente acessível aos leitores.

Somente o iniciado, o intérprete vocacionado e experiente pode alcançar este sentido mais elevado que Deus queria preservar do leitor

comum, que fica preso no conteúdo literal. Somente aqueles que, “com base em pequenos indícios, conseguem entender o invisível

através do visível”, estão em condições de captar o sentido mais profundo das Escrituras. Ela não existe para muitos, mas para aqueles

poucos que se interessam pela alma e não pela letra. É evidente que o discurso religioso sugere uma compreensão alegórica de si mesmo,

já que ele quer tratar do supraterreno por intermédio de uma linguagem totalmente terrena, uma concepção favorecida pelo fato de que o

logos falado deseja ser sinal de um outro logos invisível.

4-Contexto histórico-social e cultural de Filo

A presença de judeus no Egito tornou-se relevante e de importantes conseqüências a partir de fundação de Alexandria (323 a.C.). Lá,

eles desenvolverão várias atividades econômicas: serão soldados, agricultores, escravos, funcionários, artesãos, comerciantes e

financistas. A cidade alcançou, durante o período helenístico, em especial no século I d.C., o coração da vida política, social, econômica

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e cultural do Egito. Alexandria era também formada por pessoas de diferentes nacionalidades: em primeiro lugar, os gregos (e

macedônios), com todos os seus privilégios; entre os gregos estavam os oficiais reais, o exército de ocupação e talvez os soldados

sediados no país, os imigrantes de países gregos ou helenizados; em último lugar, sem contar os escravos, a massa do povo egípcio; no

meio, uma faixa grande de indivíduos, como os judeus e outros grupos, que viviam em agrupamentos reconhecidos civilmente: o

politeuma.

Um politeuma era uma corporação de estrangeiros, reconhecida e formalmente constituída, que tinha direito de domicílio numa cidade

estrangeira e formava uma corporação cívica separada, semi-autônoma. O direito normal de qualquer politeuma é o de poder viver de

acordo com as suas leis e costumes próprios, herdados dos antepassados. Em Alexandria, sob o regime da cidade grega clássica, onde o

direito e o recurso aos tribunais estavam reservados aos cidadãos, mas eram negados aos estrangeiros, os judeus, que não eram cidadãos,

deviam organizar-se em politeuma e estabelecer seus próprios tribunais. A dominação romana, contudo, rompeu o equilíbrio entre os

diversos politeumata, surgindo conflitos entre o politeuma judaico e os membros do politeuma grego. A razão desse confronto está nas

marcas distintivas que separa o politeuma judaico de todos os demais:

a) A primeira, que o distingue de todos os demais, é a sua lei ou Torá, a lei de Moisés;

b) Estavam dispensados do serviço militar, não compatível com a observância do descanso sabático. Além disso, podiam construir

sinagogas e levantar donativos em dinheiro e enviá-los a Jerusalém;

c) O direito de “viver segundo as leis dos pais” significava construir sinagogas, manter tribunais de justiça independentes, educar a

juventude segundo o espírito da Torá, estabelecer instituições comunais e eleger funcionários, etc.

A situação política dos judeus em Alexandria, contudo, começou a mudar, a partir da conquista Romana. Com Augusto, opera-se uma

importante mudança: os judeus vinham se dedicando, no período lágida, ao serviço militar e o recolhimento de impostos, mas Roma

substituiu as tropas lágidas por suas legiões e os coletores passaram a ser, quase que exclusivamente, gregos. Os judeus egressos desses

setores tiveram que procurar outras ocupações, aumentando a população das cidades ou buscando serviço na agricultura. O estatuto

jurídico dos cidadãos muda: em primeiro lugar os romanos, em segundo os gregos, e por último todos os outros. Ocorre efeitos violentos

no campo econômico: todos os cidadãos dos reinos helenísticos estavam obrigados a pagar impostos gerais indiretos às administrações

centrais e urbanas; mas com os romanos chega um novo: o imposto pessoal ou laografia, que caía principalmente sobre as classes mais

baixas, também sobre os judeus. Isso significou

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para os judeus não só um novo encargo, mas também uma humilhação: serem igualados aos nativos de categoria social mais baixa,

sobretudo para os de condição social e elevada. A partir desse momento, começa a luta dos judeus alexandrinos pela recuperação dos

privilégios perdidos, bem como a guerra aberta entre os cidadãos gregos alexandrinos e os judeus de Alexandria.

No ano 38 d.C., quando o prefeito romano do Egito era A. A. Flacus, os judeus de Alexandria sofreram dura perseguição. O incidente

começou quando Agripa, rei da Judéia, visitava Alexandria, sendo recebido festivamente pelos judeus. Os gregos, com imenso

desagrado, fizeram manifestações contra os judeus, construíram estátuas do imperador em todas as sinagogas e impediram os judeus de

realizar seu culto. Flacus não podia remover as estátuas e os alexandrinos alertaram o prefeito sobre a não participação dos judeus no

culto imperial. Flacus tomou o partido dos gregos para não ir contra o imperador e as conseqüências foram terríveis para os judeus, cuja

reação não foi uniforme: os banqueiros, mercadores e os ricos comerciantes não tinham o menor interesse em se desligar dos gregos e

romanos, mas os judeus mais pobres de Alexandria e os da chora não viam possibilidade de aceitar uma coexistência pacífica com os

gregos. Uma delegação foi enviada a Roma. À frente dos judeus, ia Filo; Ápio era o chefe dos alexandrinos.

Nesse contexto de conflito entre os judeus e os gregos em Alexandria, sendo o ponto mais dolorido a participação dos judeus nas

instituições culturais helenísticas e sua luta por direitos de cidadania plenos, aconteceu a produção intelectual de Filo. Ao se associarem à

vida cultural de Alexandria, os judeus visavam cidadania plena na polis grega. Nesse sentido, a interpretação de Filo é, antes de tudo, um

comentário a respeito da história real da comunidade a qual ele pertencia. Para um judeu que vivia

sob a dominação estrangeira no Egito, lidar com os relatos do Pentateuco que falavam sobre a antiga opressão de Israel no Egito e a

libertação realizada por Moisés tinha, certamente, uma relevância imediata e contemporânea que raramente podemos imaginar.

Filo quer ser defensor do seu povo no círculo de judeus e de pagãos cultos. Ele procurava superar as dificuldades que o judaísmo

suscitava, da mesma maneira que ele as havia superado, além de tentar demonstrar a grandeza da herança judaica. Filo não procurava

aproximar a cultura grega aos seus leitores judeus, pois eles conheciam o que era básico dela, mas ela é empregada para provar a

existência, em qualquer lugar do texto sagrado, de algum sentido profundo cosmológico. Em Moisés e nos patriarcas judeus acham-se os

verdadeiros arquétipos do sábio e do filósofo. A Escritura é receptáculo da sabedoria antiga, pois os grandes filósofos foram guiados pelo

espírito divino. A interpretação alegórica da Escritura de Filo consiste, portanto, numa “re-escritura” de significados clássicos, uma “re-

escritura” que é, paradoxalmente, vista como escrito original. Ela reinterpreta o cosmos, a história, a sabedoria filosófica clássica e a

realidade social de Alexandria. Filo não procurava

dissolver a identidade judaica na cultura helenística, mas era central para a identidade e sobrevivência da comunidade judaica em meio a

um contexto hostil.

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Bibliografia consultada:

BARCLAY, John M. Jews in the Mediterranean Diaspora. From Alexander to Trajan

(323 BCE – 117 CE). Edinburgh: T & T Clark, 1996, pp.19-228.

DAWSON, David. Allegorical Readers and Cultural Revisions in Ancient Alexandria.

Berkeley: UCP, 1992, pp.73-126.

GRONDIN, Jean. Introdução à Hermenêutica Filosófica. São Leopoldo: Unisinos, 2001,

pp.56-64.

GRUEN, Erich E. Heritage and Hellenism. The Reinvention of the Jewish Tradition.

Berkeley: UCP, 1998.

LEIPOLDT, J./GRUNDMANN, W. El mundo del Nuevo Testamento. Vol. 1. Traduzido

por Luis Gil do original alemão “Umwelt des Urchristentums”. Madrid: Ed. Cristiandad,

1973.

Philo. (12 vols.). Editado e traduzido por F. H. COLSON, & G. H. WHITAKER. Loeb

Classical Library. Cambridge: Mass.: Harvard University Press, 1929-1972.

PINSKY, Jaime. O Egito Helenístico: Judeus em Alexandria. Tese de doutorado

apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São

Paulo, 1968.

RUNIA, David T. Philo in Early Christian Literature. Assen/Philadelphia: Van

Gorcum/Fortress Press, 1993.

SMALLWOOD, E. M. The Jews under Roman Rule. Leiden: E. J. Brill, 1976.

STONE, Michael E. (ed.). Jewish Writings of the Second Temple Period.

Assen/Philadelphia: Van Gorcum/Fortress Press, 1984, pp.233-282.

TCHERIKOVER, V. Hellenistic Civilization and the Jews. New York: The Jewish

Publication Society of America, 1959.

WOLFSON, H. A. Philo. Foundations of Religious Philosophy in Judaism, Christianity,

and Islam. 5 ed. Cambridge/London, 1982.

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MISTICISMO-RELIGIOSO NEOPITAGÓRICO E NEOPLATÔNICO.

- Filosofia da Religião -

DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO -

Um forte movimento místico-religioso a partir do neopitagorismo e do neoplatonismo. O moderado naturalismo helênico-romano

foi contornado nos círculos religiosos, por um movimento, que caracterizou os primeiros séculos do início do milênio cristão. A sede

principal do movimento estava em Alexandria, próspera desde que Alexandre Magno a fundara em 332 a.C., estava agora uma cidade

ainda mais internacional, desde o ano 30 a.C., quando passou a integrar o Império Romano. O movimento místico religioso a que nos

referimos, já vinha despontando no final do 1-o. século a.C., liderado pelos neopitagóricos, e logo também foi um poderoso movimento

neoplatônico. Um e outro influenciaram as religiões da época, inclusive a judaica e a cristã.

Como se sabe, o pitagorismo e o platonismo, desde sua forma primeira na antiguidade grega se desenvolveram com mútua influência.

Agora, neopitagorismo e neoplatonismo conservam afinidade, sobretudo no que concerne ao seu dualismo radical, opondo espírito e

matéria, buscando salvar o espírito frente à matéria menosprezada pelos efeitos maléficos que lhe atribuem.

O que mais remotamente unia a todos estes pensadores de fundo religioso pitagórico e platônico, depois neopitagórico e neoplatônico,

foi sua afinidade com o orfismo de origem oriental. A afirmação expressa de Platão sobre a superioridade da alma, com vida autônoma,

nobre, elevada, aspiração à perfeição, purificação da matéria, separação em direção a um outro mundo, o fizeram preferido nos círculos

mais populares, onde atuavam os religiosos ou místicos mais intelectualizados, em detrimento de Aristóteles e do naturalismo em geral.

Não chegou Aristóteles, mais cuidadoso e reservado, a declarações dualistas tão radicais, embora sua filosofia pareça melhor fundada.

A argumentação das filosofias neoplatônicas deste novo período não parece convincente. Tais filosofias alegam vagamente que a alma é,

ao mesmo tempo, algo de elevado e de afundado na matéria.

Este afundamento na matéria ocorre todavia como em uma situação anormal. Deve, pois, a alma humana ser resgatada mediante práticas

de salvação. Este quadro de perdição é o fundo da maioria das religiões, e que encontram agora nas filosofias neopitagórica e platônica o

seu ideário teórico.

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As doutrinas religiosas, como o zoroastrismo, e que já eram conhecidas no Ocidente pelo velho pitagorismo e pelo orfismo já presente

em Platão, ganharam corpo, nesta fase do pensamento helênico-romano. Ainda que peculiares a todas as religiões primitivistas, os

mistérios e purificações, visando uma salvação para o seu espírito, lograram nova força.

Sobretudo o neoplatonismo se tornou, por isso, por excelência, a filosofia das religiões de caráter salvacionista, as quais passaram a

proliferar.

Pela volta do século 1-o. a.C. as idéias trinitárias penetram na filosofia da religião, através do neopitagorismo e de diferentes formas de

platonismo, de que o neoplatonismo de Plotino será um dos mais representativos.

O ser é apresentado como polivalente, e emanando um do outro. No alto se encontra o Uno, a seguir o Logos (a inteligência, ou o verbo),

em terceiro lugar a Alma do mundo.

Finalmente derivavam as almas individuais e a matéria.

Por uma espécie de retorno mental, ou místico, se faz a marcha inversa, pela qual a alma humana finalmente se extasia em união com o

Uno.

Criou-se uma filosofia, sobretudo através do neoplatonismo, de embasamento para as teologias trinitárias. Por isso mesmo adquiriu

importância histórica o neopitagorismo, o neoplatonismo.

Didaticamente decorrem dali dois títulos representativos:

- Neopitagorismo e religião.

- Neoplatonismo e religião.

I - NEOPITAGORISMO E RELIGIÃO.

Os primeiros neopitagóricos. Não há uma data precisa do início do neopitagorismo. Ele tem atrás de si uma tradição que remonta às

ligas pitagóricas da velha Itália, do século 5-o. a.C., quando viveu Pitágoras (c. 570-496 a.C.).

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Sabe-se que os pitagóricos exploraram a doutrina dos números e que já praticavam os rituais de purificação. O neopitagorismo aliou-se

às transformações platônicas dadas à doutrina dos números e se concentrou sobretudo nas práticas de purificação, influenciando

notoriamente às práticas religiosas de seu novo tempo.

É nos conhecido como precursor do neopitagorismo, ou mesmo como primeiro neopitagórico, Nigídio Fígulo (+ 45 a.C.), amigo de

Cícero e autor de uma obra sobre os deuses.

Seguem-se, entre outros, Apolônio de Tiana (4-97 d.C.), escritor e pregador de uma nova religião, ao tempo do imperador Nero.

De futuro serão os neopitagóricos aguerridos adversários dos cristãos. Celso, em 179, escreverá contra os cristãos um Discurso

verdadeiro, ao qual responderá Orígenes, com um Contra Celso. Destruída pelos cristãos, a obra de Celso se conservou, embora

fragmentariamente, nas citações e informações dos seus contestadores. Entretanto havia uma grande proximidade entre o neopitagorismo

e o cristianismo.

Numênio de Apaméia, também do fim do 2-o. século, foi de grande destaque no quadro dos pregadores do neopitagorismo. A ele e a

Pitágoras teriam sido feitas revelações. Já sob a influência do neoplatônico judeu Filon de Alexandria (c. 25 a.C. – c.50 d. C.) ,

apresentou uma doutrina de três deuses: o Supremo supra-sensível, o Demiurgo que põe forma na matéria, o Universo que ele formou.

Plutarco de Cheronéia (45-125 d.C.), com atuação em Roma e Atenas, foi um pitagórico eclético com elementos platônicos e estóicos.

Autor de várias obras, entre outras, Vida de homens ilustres da Grécia de Roma e Obras morais. Influenciou notavelmente ao mundo

pagão e indiretamente ao cristão. Defendeu o dualismo do bem e do mal, com uma série considerável de intermediários. Estes

intermediários lhe possibilitaram dar lugar às divindades ocidentais e orientais, racionalizando a mitologia.

Versos de ouro. Há ainda uma série se escritos pseudos, atribuídos ao remoto Pitágoras. Entretanto, outra coisa não são que a tradição

pitagórica codificada tardiamente, na fase neopitagórica dos primeiros séculos cristãos. Neste contexto surgiu a apreciável coletânea

denominada Versos de ouro, um repertório de moral sentenciosa.

Acredita-se na afinidade entre os neopitagóricos e a seita dos judeus essênios, a cujo contexto esteve ligado Jesus de Nazaré. E assim

desde o início houve um canal de influências do neopitagorismo sobre o cristianismo.

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Ocorreu também uma influência dos escritos neopitagóricos sobre os primeiros cristãos, por exemplo Eusébio de Cesaréia (séc. 4-o. )

autor de Preparação evangélica. Esta influência se deu mesmo por causa da conversão de neopitagóricos ao cristianismo.

A crença dos neopitagóricos na revelação foi um dos lados por onde o neopitagorismo estava próximo do judaísmo e do cristianismo.

Acreditavam os neopitagóricos numa intuição direta do inteligível (noetón), algo como uma revelação. A religião seria mais do que o

conhecimento discursivo do entendimento e sensação, mas também um exercício sobrenaturalista.

Entretanto, a doutrina pura é própria apenas dos indivíduos mais santos, que são tocados por ela como por uma graça. Isto se afirmava de

Pitágoras e de Numênio, aos quais a divindade ter-se-ia revelado.

O misticismo pitagórico admite, pois, a revelação como um fenômeno ordinário e que é recebida sobretudo pelos espíritos mais

adiantados.

Deus contém as idéias (ou números). É interioridade consciente, que não pode conter imperfeição ou qualquer mal. Não exerce qualquer

contato direto com o mundo material. Fá-lo por seres intermediários, como já ocorria com o Demiurgo de Platão, colocado entre as

idéias reais e o mundo material. Surge, pois, o Logos, (inteligência, ou verbo). Abaixo deles há outros e outros espíritos que servem de

intermediação.

A subida da alma ao céu astronômico. O neopitagorismo, desde o velho pitagorismo, está sob influência oriental. Continuou a

assimilar elementos da religião de Mitra , e, de um modo geral, da religião de Zoroastro, ao mesmo tempo que fazendo reelaborações.

Para o neopitagorismo, a alma, depois da morte do indivíduo, é julgada. Se o julgamento lhe for favorável, ela sobe ao céu astronômico.

Ainda que a religião dos egípcios já acreditasse neste julgamento, a alma ficava junto ao corpo, e dali porque este era conservado o

melhor possível pela mumificação.

Com os neopitagóricos acentua-se a imagem de que o céu das almas se encontra no alto e não mais em um lugar especial embaixo da

terra. As concepções mais antigas das religiões se imaginavam o lugar dos justos embaixo da terra, ainda que pudessem imaginar que

Deus também circulava pelo cosmos. Há um momento na história das religiões, em que o céu passa a ser considerado como estando no

alto.

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Divide-se o céu neopitagórico em sete esferas, que correspondem aos sete planetas. Cada céu é penetrado através de uma porta, cujo anjo

a abre aos iniciados, anteriormente instruídos com fórmulas especiais.

Ante cada passagem despe-se a alma, como que de vestes sucessivas das funções tipicamente humanas e materiais. Nos cerimoniais

litúrgicos de preparação, por meio de vestes simbólicas, por vestes simbólicas, que os indivíduos vão trocando, estes são iniciados para

aquele percurso de ascensão ao último céu. Chegada a alma ao sétimo e definitivo céu, agora já sem impurezas, passa a viver ali a

felicidade beatifica sem fim.

Próximos entre si, o neopitagorismo (com suas purificações em céus intermediários e espíritos intercessores) e o cristianismo (com o seu

purgatório preparador e a meditação de Jesus, dos anjos e santos) hostilizavam-se facilmente, ao mesmo tempo que se influenciavam

mutuamente, sem que disto se apercebessem.

II – NEOPLATONISMO E RELIGIÃO.

A importância do neoplatonismo em filosofia da religião é inconteste. É que ele ocorreu num período de grande exacerbação

religiosa.

Como um movimento mais definido, o neoplatonismo se manifestou sobretudo no século 2-o d.C., tendo a Plotino como seu principal

sistematizador. Tudo, entretanto, já principiara no final do milênio anterior, quando em Alexandria helênica, num importante núcleo de

ideologias religiosas do Oriente e do Ocidente, repercutiu a filosofia dos gregos, sobretudo a de Platão (427-347 a.C.), a qual sempre

tivera vasta influência.

O neoplatonismo, tanto em suas manifestações primeiras, como em suas formas tardias do segundo século d.C., teve, - como se disse, -

forte repercussão na mentalidade religiosa que agora passava a ter voga.

Gerou o neoplatonismo uma linguagem filosófica adequada para o tratamento racional das doutrinas religiosas.

Cedo criaram os judeus uma nova linguagem para o judaísmo. O mesmo acontecia com outras crenças as quais estabeleceram também as

suas teologias. Tudo isto foi finalmente influenciar o cristianismo oficial, como depois se instalou, sobretudo a partir do Concílio de

Nicéia, em 325.

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Nunca antes houvera tal zelo da Igreja Cristã pelas particularidades doutrinárias. Esta preocupação chegou ao ponto de se convocar

concílios, para neles se decidir questões de doutrina, por votação numérica. Os dogmas estabelecidos no calor do voto, passaram a ter

efeito excomunicatório, sendo eliminados os grupos discordantes, dados como hereges.

A igreja cristã, - que herdou dessa fase neoplatônico-religiosa a tendência para as definições teológicas, - fará, desse dogmatismo com

base no voto, uma de suas características mais odiosas, que perdurará até adentrados tempos da época moderna.

O ordenamento sistemático da história do neoplatonismo sofre dificuldades, e por vezes não passa de um ordenamento para fins

didáticos.

Os antecedentes imediatos do neoplatonismo se encontram no neopitagorismo (Nigidio Fígulo, Sócion, Moderado de Gades, Apolônio

de Tiana, Nicômaco de Gerasa, Numênio de Apaméia) e, limitadamente, na escola judaico-platônica de Alexandria (Aristóbulo, Fílon).

Dentro do neoplatonismo se desenvolveu praticamente todo o pensamento dos Padres da Igreja, por isso denominados patrísticos.

Embora seja difícil enquadrar a evolução do neoplatonismo dentro de um esquema cronológico definido, é possível observar grupos e

mesmo escolas denominadas pelos seus principais núcleos:

- Escola neoplatônica judaica, com os nomes de Aristóbulo e, mais destaque, de Filon de Alexandria;

- Escola neoplatônica Alexandrina, com nomes importantes na fase tardia: Amônio Saccas (c. 175-242), Plotino (205-270), Amélio e

Porfírio, com preocupação metafísica e ética;

- Escola neoplatônica Siríaca, orientada por Jâmblico, com interesse na teologia politeísta;

- Escola neoplatônica Ateniense, sistemática, de que Proclo, Simplício, Damácio são os principais representantes.

Ainda é possível falar em:

- escola neoplatônica de Pérgamo, a que pertenceram os mestres de Juliano Apóstata;

- escola neoplatônica de Alexandria, de Sinésio de Cirene, João Filopono, Asclépio, Olimpiodoro, Davi o Armênio;

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- neoplatônicos do Ocidente Latino, Macróbio, Calcídio, Mário Victorino, Boécio.

O historiador contemporâneo Diógenes Laércio mal alcançou este tempo. Mas chegou a dizer que Potamon fundou "nos últimos tempos"

uma escola em Alexandria. A omissão se deve em parte ao fato de se ter restringido aos filósofos que passaram pela Grécia.

A lacuna foi preenchida, entretanto, por Porfírio, cuja Vida de Plotino, biografa o principal representante da escola e menciona muitos

outros nomes, tudo isto completado, em alguns casos, pelas obras que restaram.

A) NEOPLATONISMO JUDAICO E RELIGIÃO

O pensamento judaico e cristão se formou com base sobretudo nos movimentos filosóficos de Alexandria.

O neoplatonismo judaico resultou da fusão do platonismo e do judaísmo, formulada em Alexandria, onde os intelectuais judeus tinham

contato com a cultura helênica. Alexandria foi a porta principal de contato dos judeus. O monoteísmo e espiritualismo da religião

mosaica se encaminharam muito naturalmente para a assimilação das doutrinas pitagóricas e neopitagóricas, platônicas e neoplatônicas.

O contato com a sabedoria filosófica foi uma excelente oportunidade para despojar os antropomorfismos grosseiros do monoteísmo

judaico mediante uma conceituação filosófica mais apurada a que haviam chegado os gregos. Refletem-se então nos ensaios de exegese

bíblica a filtração de conceitos platônicos, aristotélicos e estóicos.

São de Alexandria alguns livros do Velho Testamento, chamados dêutero-canônicos, que os católicos incluíram no Cânon dos livros

sagrados. Escritos em grego, revelam visível melhoria de conceitos, ao mesmo tempo que influências neopitagóricas e neoplatônicas.

O livro da Sabedoria, que fora atribuído falsamente ao rei Salomão (972-929 a.C.) é influenciado pela filosofia grega recente. Nele

ocorre o conceito de apórroia (= emanação, sopro, sopro inteligente) que atravessa todas as coisas.

O IV Livro dos Macabeus trata da superação das paixões, em termos que são estóicos. Este livro "não é outra coisa que uma diatriba

filosófica da teologia judaica" (Windelband).

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Aristóbulo é o mais antigo judeu filósofo. Uns o puseram a nascer pelo ano 200 a.C., e outros pelo ano 100 a.C. Ficou conhecido

apenas através de alguns seus fragmentos, conservados em citações feitas por Clemente de Alexandria e Eusébio de Cesaréia (este

também nascido em Alexandria), além das informações anexas. Diz-se que foi "peripatético".

Ensinou, de acordo com o platonismo, a transcendência da divindade. Deus exerce a força, à maneira da imanência estóica. Admite a

ocorrência de seres intermediários entre Deus e o mundo, o que o relaciona com os neopitagóricos, ao mesmo tempo com características

do judaísmo.

Aceitou, como os pitagóricos e neopitagóricos, a revelação à personalidades mais purificadas e santas.

Defendeu ainda a tese original, pela qual a filosofia dos gentios, depende da revelação judaica. O mesmo dirá Filon e será repetido pelos

patrísticos cristãos alexandrinos, tais como São Justino e Clemente de Alexandria.

Filon de Alexandria (c. 20 a.C.) foi o maior representante da filosofia neoplatônica judaica. Viveu exatamente ao tempo em que atuava

Jesus. Não demorará o contato dos cristãos, com este filósofo, ao qual apreciam, podendo haver, por isso mesmo, assimilado algumas de

suas idéias para desenvolvimento de uma nova teologia.

O cristão Eusébio de Cesaréia (263-339) informou:

"Nos tempos deste imperador (Tibério) floresceu Filon, varão dito em máxima estima, não somente por muitos dos nossos, senão

também dos gentios. Refere-se que tendo cultivado principalmente as filosofias platônica e pitagórica, superou a todos do seu tempo"

(Eusébio, Histórica eclesiástica, II,5).

Conservam-se de Filon de Alexandria vários dos seus escritos.

Aplicou aos episódios bíblicos uma interpretação alegórica, como já o haviam feito os estóicos com os mitos gregos. Nisto foi seguido

pela exegese da escola cristã de Alexandria, especialmente de Orígenes e Eusébio de Cesaréia.

A mundivisão de Filon se processa com os conceitos de transcendência e emanação de Logos, por conseguinte com elementos tomados

ao pitagorismo, platonismo e estoicismo. Deus é o inefável, inexprimível, o absolutamente transcendente, só conceituável pelo método

da negação das qualidades dos seres particulares e empíricos.

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Mais uma vez como pitagorismo, para Filon Deus não pode tomar contato com a matéria, que é eterna. A criação bíblica não é senão a

organização da matéria, pela conversão do caos em um cosmos. A atuação de Deus, não podendo ser direta, se faz através de um Logos

(inteligência, ou verbo), que é o termo com que Filon denomina as forças (Dynamis) intermediárias entre Deus e a matéria. Estas forças

se afiguram, ora como propriedades de Deus, como idéias e pensamentos, ora como mensageiros e demônios (anjos) executores das

ordens de Deus.

Este Logos é concebido como algo um tanto separado dele, quase como um segundo Deus. Filon comparou o Logos à palavra (ou verbo).

Tem a palavra, num só tempo, a fisionomia sensível e significação inteligível, de onde ter contato simultâneo com Deus e com a matéria.

Ocorre assim que, ao mesmo tempo que nascia na Judéia o cristianismo, como um movimento de crenças singelas, já se formava em

Alexandria o embasamento racional de sua teologia.

De ecletismo em ecletismo, esta teologia haveria de encontrar três séculos depois uma formulação mais ou menos coerente, em que o

item tipicamente neoplatônico é a Trindade das pessoas divinas.

Do ponto de vista do pensamento em geral, desenvolveu-se no mundo cristão em geral o que veio a ser depois denominado Patrística.

B) NEOPLATONISMO DE SACCAS, PLOTINO E DISCÍPULOS

Amônio Saccas (c.175-242 d.C.) teria dado origem à doutrina neoplatônica, segundo antiga tradição. Mas, quase nada se conhece dele,

nem de suas doutrinas, para se fazer um juízo novo e crítico.

Fora mestre apreciado em Alexandria, como se depreende do entusiasmo de Plotino seu discípulo, que, após decepcionar-se com outros

mestres, diz a propósito do novo:

"Eis aqui o que eu procurava" (Porf., Vida de Plotino III). Ficou Plotino com ele 11 anos, e depois seguiu para Roma.

Não se pode inferir as doutrinas de Amônio Saccas linearmente pelas dos seus discípulos, porquanto estes diferem muito entre si. Mas

estas doutrinas talvez contivessem algo de oriental, porque Plotino pretendeu a seguir estudar os persas (de onde veio para o Ocidente a

influência do zoroastrismo sobre o orfismo, pitagorismo, platonismo). Igualmente quis estudar aos hindus.

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Além disto os neoplatônicos conservavam doutrinas em segredo; apenas os discípulos eram iniciados nas mesmas.

Erênio, Orígenes e Plotino se comprometeram a não divulgar as doutrinas secretas que Amônio Saccas lhes havia descoberto em suas

conversações.

Plotino permaneceu fiel à sua promessa; ele admitia, na verdade, alguns amigos em suas conversações, porém guardava religiosamente o

segredo prometido às doutrinas de Amônio.

Foi Erênio o primeiro a violar o pacto, e Orígenes o segundo. Este último não escreveu senão o tratado A cerca dos Demônios e, no

reinado de Galiano, um livro intitulado Que só rei é criador (Poeta

Plotino durante muito tempo não escreveu absolutamente nada; contentava-se em tomar das doutrinas de Amônio o fundo de suas lições

(Porf. Vida de Plotino III). Por último, - como se dirá depois, - Porfírio lhe organizou os escritos.

Sabe-se que todavia Amônio afirmava que Platão e Aristóteles coincidiam no essencial.

Plotino (c.205-270) foi o último filósofo antigo a criar um grande sistema, denominado neoplatonismo. Sua importância está em haver

dado embasamento intelectual às religiões orientais e finalmente ao próprio cristianismo, sobretudo a Agostinho de Hipona (354-430).

Nasceu Plotino em Nicópolis, do Egito, e estudou em Alexandria, então o maior centro cultural, entre o Oriente e o Ocidente. Por

ocasião da expedição do imperador Gordiano contra os persas, o acompanhou, quando a oportunidade de tomar contato com os sábios

daquela remota região.

Em 244 abriu escola em Roma. Ali viveu como asceta e celibatário.

Os escritos de Plotino foram ordenados por Porfírio o Fenício (c.232-304), o mais fiel dos seus discípulos. Passaram a chamar-se

Enéadas (derivada de ennéa = nove), porque os textos foram ordenados em 6 partes, cada uma com 9 pequenos tratados.

Traduzida a obra de Plotino já na antiguidade romana do grego para o latim, por Mário Victorino, ela influenciou imediatamente o

Ocidente, sobretudo aos cristãos.

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O monismo panteísta de Plotino é o que tem de mais peculiar o seu sistema. Este monismo panteísta opera, por sua vez, por emanação,

isto é, por derivações, cujo resultado permanece imanente, sem se separar efetivamente.

Desdobra o ser emanativamente em uma Trindade divina: - o Uno, - o Logos - a Alma do mundo.

Finalmente, a Alma do mundo faz emanar as almas humanas individuais e a matéria.

A conceituação de Plotino já tem analogia nos mitos caóticos das religiões. Estes mitos passam agora a ter uma sustentação filosófica,

ainda que discutível, cujo resultado é uma progressiva racionalização.

Conforme se adiantou, o trinitarismo não é nada mais que a introdução da processão trinitária nas unidades principais do sistema de

Platão, - Idéias eternas, Demiurgo, Matéria eterna (mundo). Em Platão todas as três são eternas, sem serem inter-relacionadas. Agora

uma procede da outra.

No monismo panteísta de Plotino a processão se faz emanação. Ponderou que o pleno pode emanar por extravasão do superabundante,

sem perder sua plenitude.

Os graus menores de perfeição, que se encontram ao nosso alcance, nos permitem, pelo retorno, ir ao conhecimento do pleno.

Esta maneira de ver, pelo retorno à Idéia inicial, foi sempre peculiar ao platonismo e comanda seu argumento preferido da existência de

Deus.

O argumento foi colhido por Tomás de Aquino, que o arrolou como quarta via, a dos graus de perfeição. Estes se exigem sucessivamente

até o grau máximo, chamado Deus.

Na mundivisão de Plotino, ocorre uma emanação do pleno, como algo que se derrama, pela sua superabundância. E, à medida que se

expande esta emanação, se constituem como decréscimo de ente, os sucessivos graus. O Ser é Uno, mas se desdobra em emanações

decrescentes.

O processo inicial das emanações se dá na forma de Trindade divina:

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Tò Hén (= O Uno);

Logos (= A inteligência, ou O Verbo);

A alma do mundo.

Depois seguem as emanações das almas individuais e finalmente a emanação da matéria.

A Trindade inicial, que já aparece em outros neopitagóricos, apresenta analogia com a Trindade de Platão e com a Trindade cristã.

Ocorrem variações nas diversas conceituações, seja entre neopitagorismo e neoplatonismo; seja entre estas doutrinas globalmente e a

Trindade cristã.

A analogia entre todos estas trindades é evidente, como também a mentalidade raciocinante que inspirava a todas na época antiga.

263. Passou Plotino a analisar o conceito de cada uma destas formas de ser do esquema trinitário.

Acima de tudo está o Uno, sem qualquer particularização e portanto dotado de transcendência total. Não é isso e nem aquilo, mas é

simplesmente. Não pode sequer ser inteligência, porque esta já é um tipo determinado de ser.

"O Uno supremo está do lado de lá do ser" (Enéada, VI,6,5, 37).

"Ele é a realidade primeira, mas que não é inteligência por ser anterior à inteligência; pois a inteligência se conta entre as coisas

existentes; ora, ele não é algo existente, pois é anterior a tudo; nem é nenhum ser, porque o ser não é algo existente, pois é anterior a

tudo; nem é nenhum ser, porque o ser tem como forma a forma do ser; ora, Deus é despido de qualquer forma.

Como principalmente a essência da unidade é a produtora de todas as coisas, não é Deus nenhuma destas. Portanto nem é uma realidade

determinada, nem nada de qualificativo ou quantitativo, nem espírito, nem alma. Nem é móvel, nem está em repouso, não está no espaço,

nem no tempo, mas é uniforme como tal, ou antes, é sem forma, porque é anterior à toda forma, anterior ao movimento e ao repouso, que

se atêm ao ser e o multiplicam" (Enéada VI 9, 3).

Esta doutrina da transcendência de Plotino cabe tanto na filosofia de Platão, como na de Aristóteles.

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O conflito verdadeiramente ocorre nas emanações sucessivas, por graus decrescentes. Isto importa em negar ao ser supremo a capacidade

de causar diretamente todas as escalas do ser.

As doutrinas primitivas, quando apoiadas nas emanações sucessivas, parecem não ter consistência metafísica. Esta sucessividade

compromete a própria transcendência. Dar sucessão implica em atribuir ao primeiro, o Uno, a anterioridade, sem a simultaneidade.

A inteligência (Logos) emana por causa da necessidade de conhecer.

Ora, o conhecer supõe a composição de sujeito e objeto.

Logo, a inteligência se distinguiu de Deus.

Poder-se-ia contestar a Plotino, que Deus poderia coincidir com o mesmo pensar. Ainda que em abstrato se conceba a divisão em Deus,

concretamente ela não está impedida de simultaneidade.

De maneira geral, o Logos é a imagem do Uno e é menor do que ele.

O Logos é a imagem do Uno Mas se diversifica em muitas idéias, por não poder apreender de uma só vez o Uno. Tais idéias equivalem

às idéias arquétipas de que fala Platão; em Plotino, ela são efetivamente idéias, ao passo que em Platão elas são idéias reais.

Na prática, não há grande diferença entre idéias reais de Platão e o Logos de Plotino, se se considerar apenas uma e a outra entidade; a

diferença maior quando Plotino diz que do Uno deriva o Logos, por sua vez do Logos a Alma do mundo.

O Logos exerce ainda a função de Demiurgo, aproveitando-se das idéias para realizar os novos seres, tendo-as como modelos. O Lógos,

portanto é o Senhor, à semelhança como dele se diz na doutrina cristã.

A Alma do mundo emana do Logos. Ela é a forma geral de todas as coisas.

Corresponde ao Lógos imanente às coisas de acordo com a concepção dos estóicos. Estes o diziam também fogo racional (pyr noerón).

Em Plotino a Alma do mundo é conceituada como forças plásticas, ou como razões seminais (Lógoi spermatikoí). Corresponde a uma

visão conjuntas das formas substanciais, ao modo como Aristóteles entendia a forma que determina a matéria.

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As almas individuais não se distinguem propriamente das razões seminais, as quais se encontram multiplicadas na Alma do mundo,

como as idéias são muitas dentro de uma só inteligência.

Todo o corpo é animado, porque contém as referidas razões seminais. Não o que seria apenas corpo sem alma, porquanto a Alma do

Mundo a tudo se estende.

Não ocorre fragmentação da alma, participando ela de todo o mundo.

"A Alma do mundo se dá a ele em toda a extensão, tão grande quanto seja; todos os intervalos, grandes e pequenos, são animados.

Muitos corpos podem estar no mesmo lugar; um está aqui outro lá, e estão separados um do outro.

A alma não é assim; ela não se fragmenta para animar com cada uma de suas partes cada parte do corpo; mas todas as partes vivem pela

alma toda inteira, ela está toda presente por toda a parte, semelhante, pela sua unidade e sua onipresença com o Pai (a inteligência) que a

engendrou" (Enéada V,1,2, 25-33).

A teoria das razões seminais, em vista da onipresença da vida, favorece as hipóteses da evolução da vida.

É retomada por Agostinho, embora abandonada pela Escolástica.

A onipresença da alma, em um corpo humano individual, é todavia entendida pelos escolásticos ao modo de Plotino; a mesma alma

estaria onipresente, toda inteira em cada lugar do corpo humano. Diferente disto tudo é a teoria de que o corpo humano seria uma

coleção de vidas coordenadas, com vida autônoma para cada célula

A matéria é o último estágio da emanação, segundo Plotino. É o último, por se tratar da maior indeterminação possível antes do nada.

Em vista das derivações sucessivas, a alma exerce a função de produzir a matéria. Engendra, por conseguinte, o corpo e o organiza por

meio de potências como as faculdades vegetativas e sensitivas.

Que seria em Plotino a matéria em si mesma?. Sua concepção é similar de Aristóteles. Este a estabelece como realidade, porém

indeterminada, recebendo determinações por parte da forma.

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A geração da matéria por obra do espírito inspirará no futuro algumas formas mais filosóficas de "espiritismo".

A ética de Plotino decorre de uma teoria emanatista de graus. Uma vez que a descida é uma diminuição de realidade, importa retornar

mentalmente à realidade superior.

A religião passa a ser uma contemplação, cujo estágio mais elevado é o êxtase. Ocorre, portanto, uma lei de retorno, do filho para o pai,

da criatura para o criador.

Esta excitante vontade de retorno, até repousar no ser supremo inspirará as filosofias de Agostinho e Duns Escoto. Através destes, ao

misticismo cristão em geral.

C) NEOPLATONISMO DA PATRÍSTICA CRISTÃ O sucesso político do cristianismo deveu-se ao Imperador Constantino, no poder de 306 a 337. Sem ser cristão, - pelo menos não

inicialmente, - contou com o apoio dos cristãos.

Com o Edito de Milão (313) introduziu a liberdade de culto, integrado desta forma os cristãos ao mesmo nível das religiões tradicionais,

o que, em últimas instância os favoreceu.

Este estágio de desenvolvimento da liberdade de consciência foi uma conquista social. A liberdade religiosa foi logo rompida pela

oficialização do cristianismo como religião do Império.

Constantino tratou da religião como se fosse chefe da igreja e grande pontífice de todos os demais religiões. Havendo convocado o

Concílio Ecumênico de Nicéia, 325, deu Constantino à igreja cristã a estrutura hierárquica que hoje ainda conserva, a de bispos e

arcebispos, estes coordenando a aqueles em cada região, ou Província. Consequentemente cresceu a posição dos bispos dentro da Igreja.

Por esta e outras inovações surgiu o que veio a ser denominado, por vezes, por Igreja constantiniana.

Adepto de uma religião solar monoteísta (de Mitra), o Imperador Constantino deixou-se batizar apenas no final de sua vida.

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Patrística é a denominação que os historiadores da filosofia e da teologia deram ao pensamento cristão, filosófico e teológico, dos

primeiros séculos cristãos. Seus autores se dizem Padres da Igreja.

O quadro geral dos pensadores patrísticos, se redistribui em:

a) Período de formação da patrística (2-o. e 3-o séc., até o Concílio de Nicéia, ano 325),

com os nomes gregos:

Aristides, autor de uma Apologia;

São Justino, autor de duas Apologias;

Taciano, que depois se tornou gnóstico;

Atenágoras;

Teófilo de Antioquia;

Santo Irineu, autor de Contra os hereges;

Hipólito, autor de Philosophoumena;

com nomes da África latina:

Minúcio Felix;

Tertuliano, de grande produção, depois montanista;

Arnóbio, apologista;

Lactâncio, um clássico latino, com ação no Oriente e em Tréveris;

com nomes da Escola cristã de Alexandria:

Panteno, fundador da Escola Cristã;

Clemente Alexandrino;

Orígenes de Alexandria, de grande erudição.

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b) Século da grande patrística (325-430),

com nomes gregos:

Santo Atanásio;

São Gregório de Nazianzo;

São Basílio Magno;

São Gregório de Nissa;

Com nomes latinos:

Santo Hilário de Poitiers;

Santo Ambrósio;

Santo Agostinho de Hipona.

c) Patrística de transição para a Escolástica (430-c. 800):

com nomes do Oriente:

Pseudo-Dionísio, entre séc. 5-o. e 6-o.;

São João Damasceno (+749);

Com nomes do Ocidente:

Severino Boécio (470-526);

Cassiodoro (468-575).

Considere-se que o fim do Império Romano do Ocidente ocorreu em 476, quando se marca também o fim cronológico da antiguidade, e

se fez começar a Idade Média. Entretanto, subsiste a cultura anterior, até que efetivamente assume novo rumo com a Escolástica surgida

com as escolas criadas no Império de Carlos Magno, rei dos francos de 768 a 1814, com capital em Achen (Alemanha).

Agostinho de Hipona (354-430) foi o primeiro grande patrístico, com pensamento próprio, com uma filosofia da religião bastante

desenvolvida.

Nasceu em Tagaste, próximo de Hipona, na então província romana de Numídia, hoje parte da Argélia.

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Fez estudos superiores de retórica em Cartago, de 371 a 374, quando também aderiu ao maniqueísmo, caracterizadamente rigorista e

proselitista. Retornando a Tagaste, lecionou retórica por um ano. Mais uma vez em Cartago, continuou no mesmo magistério, por 8 anos.

Passou um ano em Roma e três em Milão, naquele momento eventual sede do Império do Ocidente.

Até aqui o pensamento de Agostinho fora maniqueu. Influenciado pela pregação de Ambrósio (vd 363), tornou-se cristão em 387,

retirou-se do magistério, dedicando-se mais intensamente à filosofia neoplatônica.

Retornando finalmente à África, criou um mosteiro nos bens que então herdava, e que foi a origem da ordem agostiniana, reflexo

inconsciente de sua anterior condição maniqueísta. Visitando frequentes vezes a comunidade de Hipona, veio a ser convidado em 391

para ser sacerdote e auxiliar do velho bispo, e em 395 passou mesmo substituí-lo. Por causa de sua atividade como bispo de Hipona, esta

cidade se ligou ao seu mesmo nome.

Obras de Agostinho:

Escreveu Agostinho cerca de 100 títulos. Em suas Retratações (Retractationes, 2 vols.), redigido entre 426 e 427, cita 92 destes títulos,

num total de 232 livros, dos quais fez uma revisão com novos esclarecimentos.

Dentre os autores cristãos da antiguidade romana, foi um dos mais volumosos, e suas obras passaram a ser reeditadas até hoje.

Escritos dos 10 anos anteriores ao episcopado e que se situam entre 386 a 396, de características mais filosóficas:

Contra os acadêmicos (Contra academicos), sobre a certeza;

Da vida feliz (De beata vita);

Sobre a ordem (De ordine), sobre a providência divina e a educação;<

Solilóquios (Soliloquiorum), sobre Deus e a alma que fala a Deus;

Sobre a imortalidade da alma (De immortalitate animae);

Sobre a grandeza da alma (De quantitate animae), sobre a capacidade da alma para a virtude a contemplação de Deus;

Sobre o mestre (De magistro), sobre a língua e a instrução;

Sobre o livre arbítrio (De libero arbitrio), contra o determinismo maniqueísta e Deus como princípio do bem;

Sobre a música (De musica), sobre o ritmo e a elevação a Deus;

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Sobre os costumes da igreja e sobre os costumes dos maniqueus (De moribus ecclesiae et de moribus manichaeorum);

Sobre o Gênesis contra os maniqueus (De Genesi contra manichaeos);

Sobre a utilidade de crer (De utilitate credendi);

Contra Adimanto, discípulo de Maniqueo (Contra Adimantum, Manichaei discipulum).

Os escritos do curso do episcopado de Agostinho perseveram na questão com os maniqueus. Mas aos poucos passou a se concentrar na

polêmica contra os pelagianos, estes dados à defesa da boa natureza da vontade humana; e ainda contra os donatistas, estes, pelo inversa,

rigoristas na administração dos sacramentos.

Do início do episcopado são também as três obras mais apreciadas de Agostinho:

Confissões (Confessiones), autobiografia e espiritualidade, com elementos filosóficos sobre a criação e Deus;

Da Trindade (De Trinitate), esclarecimento sobre as pessoas divinas, à luz de elementos neoplatônicos;

Da cidade de Deus (De civitate Dei), obra mais tardia e escrita num curso mais longo de tempo, de 413 a 426, sendo uma apologia do

cristianismo e uma visão do Reino de Deus, em termos de teologia da história.

Outras obras ainda, e do tempo do episcopado:

Contra a carta de Maniqueu chamada Fundamento (Contra epistolam Manichaei quam vocant Fundamenti);

Contra Fausto maniqueísta 33 livros (Contra Faustum manichaeum libri XXXIII);

Contra Secundino maniqueísta (Contra Secundinum manichaeum);

Dos atos com Felix maniqueu (De actis Felice manichaeo);

Livro sobre a natureza do bem contra os maniqueus (Liber de natura boni contra manichaei), um dos bons livros de Agostinho,

esclarecendo o mal como ausência do bem devido, contra a metafísica dualista.

Escreveu ainda outros livros sobre a polêmica com donatistas e pelagianos.

Obras sobre a gratuidade da graça e predestinação divina, escritos nos últimos anos:

Sobre a graça e o livre arbítrio (De gratia et libero arbitrio);

Sobre a correção e a graça (De correptione et gratia);

Sobre a predestinação dos santos (De predestinatione sanctorum);

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Sobre o dom da perseverança (De dono perseverantiae).

Além de sermões, cartas, comentários bíblicos.

O pensamento de Agostinho. Ainda que atingisse a posição de o mais expressivo teólogo e filósofo cristão do primeiro milênio, não

chegou Agostinho a explicitar um sistema filosófico perfeitamente acabado. Mas sempre que se referiu a temas filosóficos, os apresentou

coerentemente com um sistema, o qual era neoplatônico, ainda que com algumas inovações.

Fez principalmente uma filosofia aplicada aos temas particulares que se lhe antepunham, que eram gnosiológicos, religiosos e morais,

políticos e históricos.

No todo, Agostinho foi coerente, de sorte a ser possível apontar para um sistema interno de sustentação do referido todo.

Inteligente, a obra de Agostinho se ressentiu contudo pela falta de preparo em língua grega, a qual lia apenas em traduções. Estudou ao

neoplatônico Plotino, através da tradução latina de Mário Victorino.

Encontrou em Plotino embasamento para desenvolver a doutrina cristã a um tempo monoteísta e trinitária. Dele tomou a noção da

transcendência de Deus e suas relações com a criação. Subtilmente se libertou das emanações plotinianas, expondo uma conceituação

filosófica da Trindade, que multiplicou as pessoas divinas e não a natureza.

Iluminismo agostiniano. Em filosofia desenvolveu Agostinho uma gnosiologia, na qual as idéias universais resultam de uma

iluminação divino-natural, não tendo pois origem na experiência sensível. Em última instância se trata apenas de uma reformulação da

teoria das idéia inatas, de Platão e dos neoplatônicos, mas uma formulação de efeito considerável na filosofia cristã.

Há, pois, a dar destaque à gnosiologia agostiniana, a partir da qual se desenvolveu o agostinianismo, sobretudo na escolástica medieval

(vd), contra o racionalismo moderado dos aristotélicos. Estes tiveram em sua liderança a Tomás de Aquino. Aconteceu assim a oposição

entre agostinianismo (de caráter platônico) e o tomismo (de caráter aristotélico).

O agostinianismo, sobretudo em gnosiologia, dominou a filosofia cristã ocidental da primeira parte da Idade Média. Diferentemente,

para Aristóteles as idéias universais derivam, por obra de abstração mental, da experiência sensível, no que será seguido, na Idade

Média, por Tomás de Aquino (1225-1274) e Duns Escoto (1266-1308), com as respectivas escolas tomista e escotista.

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Em teoria do conhecimento, Agostinho situou-se, pois, na linha racionalista radical, desligada da experiência, que já vinha de Platão, e

atravessava por Plotino. Finalmente, o platonismo agostiniano vai atingir a Descartes e Leibniz, bem como ao racionalismo moderno em

geral.

A minuciosa ocupação de Agostinho com o problema da certeza se dera já quando ainda se encontrava em Milão. Era tema então

peculiar da discussão dos neo-acadêmicos, divididos entre o ceticismo probabilista e o dogmatismo.

Para Agostinho a certeza se funda no fato mesmo do conhecimento, em que ele destacou o eu como imediatamente reconhecido como

certo. Mas o conhecimento deste eu não se apóia na experiência sensível, e sim na percepção da mente, de onde poder gerar um sistema

de conhecimentos meramente racional.

O racionalismo agostiniano destaca aos conceitos universais como aparecidos na mente como uma iluminação divino-natural. Não têm,

pois, uma origem sensível, nem mesmo por abstração como queria Aristóteles, contra os pitagóricos, contra Platão e os neoplatônicos.

O inatismo de Agostinho difere, entretanto, ligeiramente do antigo. Como se sabe, Platão fazia dos universais conceitos adquiridos em

uma vida anterior.

O iluminismo divino-natural do agostinianismo caracterizará a escolástica latina até o século treze, quando sofrerá o forte impacto da

renovação do aristotelismo.

Investigou Agostinho especialmente a Trindade Divina. No final de sua vida as preocupações de Agostinho se concentraram na

teologia, buscando aprimorar os conceitos neoplatônicos, os quais aliás deram sustentação teológica à polêmica doutrina sobre a

atribuição da divindade às três pessoas, - a um Pai, a um Filho, a um Espírito Santo (vd E. Mil jaroj de kristana filozofio, Pri la naturo de Dio, n.135-148).

Tomou posição também sobre a questão da liberdade humana frente à graça divina dada em auxílio ao homem quando opera. Aderiu a

uma solução próxima a da predestinação incontornável.

Por isso mesmo o futuro jansenismo e mesmo o protestantismo apelarão à Agostinho.

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Sabe-se aliás, que também o islamismo, nascido não muito depois, e que tomará de assalto a África latina, defenderá o determinismo

geral e a conformidade com a vontade divina.

Tratou Agostinho também da questão política, e defendeu, como Ambrósio, a intervenção do Estado em favor da Igreja. Aliás a idéia do

Sacro Império Cristão, desenvolvida primeiramente em Constantinopla, e depois pela comunidade cristã do Ocidente, nada mais era do

que um modo de pensar antigo, herdado quer do paganismo romano, quer da visão judaica.

Agostinho criou ainda uma teologia da história, como se em seu apreciado livro Da cidade de Deus (De civitate Dei); este contém

elementos também de uma filosofia da história. Com a expressão Cidade de Deus, referiu-se ao Reino de Deus.

Fundamentalmente, todavia, a teologia e a filosofia da história apresentada por Agostinho é a antiga escatologia, fundada no conceito de

um encerramento do curso do tempo.

Esta imagem da história procede da escatologia dos zoroastrismo, que penetrou o judaísmo dos profetas recentes e assim alcançou o

cristianismo e depois também o islamismo. Um novo tempo virá, em que os do passado viverão integrados num reino, que será eterno.

Ponderou Agostinho, - um tanto anti-humanisticamente, - que, se todos se abstivessem do matrimônio, mais cedo viria o fim dos tempos

e o respectivo Reino de Deus (Carta 211).

Dionísio o Areopagita (entre 485 e 535), dito também Pseudo-Dionísio ter assumido o nome daquele Dionísio Areopagita, ao qual o

Apóstolo Paulo converteu ao cristianismo pelos anos 50 de nossa era, por efeito de seu discurso no Areópago de Atenas (Atos 17,34).

Teólogo e filósofo, de expressão grega, Pseudo-Dionísio gozou de grande autoridade no decorrer de toda a Idade Média, porque se

supunha contemporâneo dos primeiros cristãos. Mais precisamente, o autor poderá ter vivido na Síria, talvez um bispo por causa da

maneira respeitos de se referir às autoridades da Igreja.

As obras de Pseudo-Dionísio ofereceram importante contribuição ao estudo da filosofia da religião, também no Ocidente, onde

circularam em versão latina. Destacaram-se até pelos títulos:

Sobre os nomes divinos (De divinis nominibus, na tradução latina), importante;

Sobre a teologia mística (De mystica theologia, na versão latina);

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Sobre a hierarquia celeste (De coelesti hierarquia, na titulação latina);

Sobre a hierarquia eclesiástica (De ecclesiastica hierarquia).

Atingiu Pseudo-Dionísio um nível de pensamento não comum entre os cristãos. Sua orientação é neoplatônica e reproduz textos de

Proclo (480-485), sem todavia mencioná-lo pelo nome.

Deus é transcendente. Suas propriedades e as das criaturas somente se aproximam por analogia. Estabeleceu a plena espiritualidade dos

anjos, contrariando ao agostinianismo e aos platônicos cristãos em geral, os quais supunham haver uma matéria sutil em todas as

criaturas.

Boécio (Anitius Manlius Torquatus Severinus Boethius) (c. 470-524), filósofo de expressão latina, foi o último dos patrísticos romanos e

o primeiro dos escolásticos, com notável influência na formação do pensamento teológico e filosófico do Ocidente.

Nascido em Roma, na família nobre dos Anícios, estudou no Oriente grego, não se sabendo se em Atenas ou em Alexandria. Foi

aproveitado pelo Imperador Ostrogodo Teodorico o Grande como cônsul em Roma (ano 510). Posteriormente foi para Ravena, como

ministro da corte (magister palatii) do mesmo Imperador.

Acusado de favorecer os interesses do novo Imperador de Constantinopla sobre o Ocidente, foi preso, aprisionado em Pavia, e

finalmente decapitado.

As obras de Boécio, alguma maiores, outra apenas opúsculos, são praticamente todas representativas:

Da consolação de Filosofia (De consolatione Philosophiae), obra principal, escrita na prisão de Pavia, como diálogo estabelecido entre

o autor e a Filosofia, esta se apresentando como mulher dotada de sabedoria;

Tradução do grego ao latim da Eisagogé de Porfírio;

Tradução igualmente das Categorias de Aristóteles, com comentário.

Opúsculos filosóficas de Boécio: Introdução aos silogismos categóricos (Introductio ad categoricos syllogismos); Do silogismo

categórico (De syllogismo categorico); Do silogismo hipotético (De syllogismo hypothetico); Da divisão (De divisione); Sobre a

definição (De definitione); Sobre as diferenças dos tópicos (De differentiis topicis).

Opúsculos teológicos: Como a Trindade é um Deus e não três (Quommodo Trinitas unus Deus ac non tres);

Se o Pai e o Filho e o Espírito Santo se predicam da divindade);

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Como as substâncias, enquanto são, são boas (Quommodo substantiae in eo quod sint, bonae sint), conhecido também como Livro das

semanas (Liber de hebdomadibus), opúsculo mais filosófico que teológico;

Sobre a fé católica (De fide catholica);

Livro sobre a pessoa e sobre as duas naturezas contra Eutico e Nestório (Liber de persona et duabis naturis contra Euthychen et

Nestorium), o mais significativo dos opúsculos mencionados.

Escreveu ainda sobre as ciências: Sobre a música (De musica); Sobre a aritmética (De arithmetica); Sobre a geometria (De geometria),

de autoria apenas provável.

Foi Boécio mais platônico, de acordo com as tendências da época, do que Aristotélico, tudo combinado com alguns elementos

estoicistas, como a da doutrina da providência divina.

Com ele se consolidou a orientação platônica e agostiniana do primeiro período da filosofia medieval, que tem início em Boécio.

Influenciou os conceitos medievais sobre Deus e a Trindade cristã, sobre a pessoa e a felicidade, e ainda sobre toda a lógica através da

tradução do grego ao latim de livros lógicos, sobre os quais fez ainda comentários. Os conceitos podem originar-se nos sentidos. Não se

referiu ao intelecto agente, como capacidade de abstração, conforme Aristóteles.

Dualista, defendeu a preexistência das almas, doutrina frequente entre neoplatônicos, mesmo quando cristãos.

Concluindo, - o neopitagorismo e neoplatonismo, pela sua índole, forneceram o embasamento para a formação da teologia filosófica (ou filosofia da religião) e para a teologia sobrenatural cristã.

Em seu tempo o neoplatonismo fora mais representativo que o pensamento cristão dos primeiros patrísticos. Prevaleceu o neoplatonismo

como filosofia e o cristianismo como religião.

Por isso, embora a importância intrínseca do neoplatonismo tenha sido considerável, a significação histórica maior do neoplatonismo

está em haver atuado sobre o cristianismo emprestando-lhe os fundamentos filosóficos. Em fazendo o empréstimo, neste em parte

permaneceu.

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ART. 5-o. PENSAMENTO POLÍTICO SOCIAL HELÊNICO-ROMANO E RELIGIÃO.

O Direito Romano representou uma conquista notável dos tempos antigos, no curso dos grandes impérios. Desde Alexandre (+323 a.C.)

até o final do império romano, o direito progrediu paulatinamente e sempre o espírito da lei natural, ou seja, dos direitos da pessoa

humana.

Veio finalmente tudo configurar-se no Código de Direito Romano, publicado em 529 d.C., sob o Imperador Justiniano.

Filósofos e juristas foram os formuladores de seus princípios, mas também muitos dos seus lances foram representados por sangrentas

lutas reinvindicatórias e habilidades dos políticos.

Também as filosofias e as religiões, em particular o cristianismo, influenciaram a formulação final do Código de Direito Romano.

Fenômenos em menor escala ocorridos na remota antiguidade também resultaram em formulação de códigos. Na Mesopotâmia, o mais

notável foi o do código de Hamurabi.

Os fatores do desenvolvimento político e social do mundo helênico-romano foram os mais diversos, nenhum atuando por si só.

O fator mais geral foi a existência do Império (hoje é o poder federativo), com o consequente diminuição do poder do Estado-cidade

(hoje município).

Com o desaparecimento do Estado-Cidade, decresceu a vinculação muito estrita com seu grupo. Desde então este homem desvinculado

se sentiu mais um indivíduo de sua cidade, do que um responsável por ela. Passou a conviver de maneira mais impessoal e ampla, com

todos os homens do vasto Império. Agora é o cidadão da humanidade, com direito a circular por toda a parte.

Importa considerar que as religiões antigas estavam muito vinculadas ao poder civil. Este ao ser destruído pela conquista externa de um

grande Império, não servia mais de apoio, nem à etnia regional, nem à respectiva religião nacional. Cresceu então o poder das chefias

religiosas das etnias. Os judeus, por exemplo, depois de integrados num grande Império, passaram a se unir através de sua religião agora

comandada apenas pelos respectivos sacerdotes. Mais tarde, os gregos, submetidos pelos árabes e depois pelos turcos, tiveram nas

chefias religiosas a sua unidade nacional.

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O desenvolvimento das religiões orientais expandidas para o Ocidente não se compreende plenamente, sem que se ponha atenção na

transformação do pensamento político e social ocorrido no mundo helênico-romano. Os processos são solidários entre si. Anteriormente,

a filosofia grega levava os espíritos mais adiantados a atitudes novas frente à religião. Agora há um desenvolvimento especializado das

idéias políticas, jurídicas, sociais e que inflete sobre os comportamentos geral.

Uma visão superficial poderá atribuir às religiões orientais, sobretudo à cristã, a transformação social havida no mundo helênico-

romano.

Em parte as religiões orientais poderão ter sido os fatores desta transformação, porque em tudo ocorre uma interação.

Em parte, e por primeiro, também vinha ocorrendo o inverso, - as transformações sociais possibilitaram que ditas religiões orientais, ao

penetrarem o Ocidente, e aqui elas mesmas se transformaram e evoluíram.

Efetivamente, foi a transformação política e social que estabeleceu as condições para o desenvolvimento das novas religiões.

Mas, - como já advertimos, - no social tudo se processa por interação, as religiões, ora surgem como efeito, ora atuam como causa.

Para compreensão do fenômeno, temos, pois, de atender às filosofias pós-socráticas, sobretudo no atinente ao pensamento político e

social desenvolvido por tais filosofias e pelos juristas e políticos.

As organizações particulares e religiosas adquiriram especial importância, as quais substituíram a preocupação anterior com o Estado-

Cidade. Cresceu assim a preocupação ética e religiosa. Inquiria-se, - que fazer para ser feliz?

A resposta veio da filosofia, agora predominantemente ética.

E como tratar os seres transcendentes? Assumiram neste plano importância as religiões orientais. Prometiam algo para o futuro, seja em

forma de fatalidade e fortuna, seja na modalidade de vitória sobre o mal, como na religião de Mitra, ou de ressurreição, como na igreja

cristã.

Os deuses gregos e romanos (Zeus e Júpiter e outros) perdem simpatia sobre as massas, porque não tinham mensagem para as novas

situações criadas pelos tempos; eram antes Deuses com interesse sobre os homens, do que soluções para os seus problemas.

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As escolas socráticas menores, - das quais as pós-socráticas dos epicuristas e estóicos são as continuadoras, - deram o sinal de abertura

para os novos tempos.

Já Diógenes, o Cínico, ou de Sínope (c. 413-322 a.C.), perguntado de onde era, respondeu, - Sou cidadão do mundo!

Os cínicos, chefiados por Antistenes (444-370), foram os primeiros anarquistas da antiguidade. Já condenavam a distinção baseada no

nascimento, no sexo, nas classes.

Epicuro (341-271 a.C.), que deu nome ao epicurismo, com sua ética associada à natureza, cultivou o individualismo e a descrença nas

formas sociais, sobretudo daquelas cultivadas anteriormente pele sociedade do Estado-Cidade.

Mas foi sobretudo no estoicismo, herdeiro do cinismo, que se formaram os filósofos e juristas que plasmaram a filosofia social do mundo

helênico e do Direito Romano.

Zenão de Citium (c. 336-264), fundador desta filosofia, viera da Fenícia, para atuar junto à Stoá de Atenas. Só o fato de não ser ele de

Atenas, bastava para que sua filosofia não adotasse a diferença entre nações, como entre gregos e bárbaros.

A atenuação do cinismo se deu só ao tempo dos estóicos, do segundo pórtico, que admitiram as honras da prática e a glória; esta

peculiaridade era uma concessão ao espírito romano.

Arrolamento das conquistas sociais dos romanos. As lutas políticas deram ocasião ao paulatino desenrolar das melhorias sociais.

No que se refere aos diferentes níveis de direito do Estado político, não foi possível de início mais que destinguir entre o direito local e o

direito da cidade universal.

Difícil, na antiguidade, era estabelecer uma República, em um grande espaço, e que fosse resultante de um Estado jurídico. Roma

estabeleceu a República em 509 a.C. Ela, entretanto, entrou em crise, no 1-o século a.C., quando os romanos já dominavam do Ocidente

ao Oriente.

O monarca teria que ser, pois uma figura de poder absoluto, imposta pela circunstância, em vista da dificuldade de coordenar de outro

modo populações tão distintas. Assim foi que passou ao Império, sob o comando dos Césares.

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Foram conquistas sociais dos romanos:

Lei das doze Tábuas (450 a.C.), que eram tábuas de bronze, com o código escrito de Roma. Ainda que primitiva e rude, a Lei das doze

Tábuas representa a primeira fonte de Direito Romano. Continha o texto: "Aquilo que o povo mandar por último será a lei".

Lex Canuleia (do tribuno do povo romano Caio Canuleio), de 445 a.C., que optou pela validade dos casamentos entre patrícios e plebeus,

as duas classes que dividiam a cidade. Foi a lei da igualdade civil.

Lei agrária (487 a.C.), de proteção aos trabalhadores agrícolas.

Leis licínias, que estabeleciam a igualdade de patrícios e plebeus no plano militar (366 a.C.) e no plano religioso, para exercer o

sacerdócio (302 a.C.), este antes privilégio dos patrícios.

Lei semprônia (133 a.C.), dos gracos Tibérios e Caio: "Ninguém poderá possuir mais de quinhentos geiras de fazenda. Quem tiver filhos

poderá conservar 500 para si, e 250 para cada um dos filhos; o que sobrar será devolvido à República".

Ainda do tempo da era pré-cristã se conhecem as lutas dos escravos sobre a chefia de Espártaco (+71 a.C.) e as reformas de César

favorecendo a plebe.

Seguiu-se o tempo, dito feliz, de César Augusto (30 a.C. a 14 d.C.). Não obstante o cristianismo primitivo não combateu a escravidão,

ainda que induzisse aos cristão a tratar a todos com caridade. Os estóicos entretanto já veiculavam a idéia da eliminação do regime

escravocrata.

O Imperador Caracala (211-217) estendeu o direito de cidadania a todos os habitantes das províncias. Dali também resultou a melhoria

para o tesouro.

Desenvolveu-se o estudo do direito, paulatinamente por obra dos juristas Gaio, Paulo, Papiniano, Ulpiano, Modestino, Tribuniano.

Foi este último encarregado a consolidação final do Direito Romano.

Influências posteriores deram à igreja cristã vários privilégios. Finalmente se derivou para o direito feudal, sempre favorável aos nobres

e aos altos mandatários eclesiásticos.

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Paralelamente, já ao tempo romano, se desenvolveram os direitos da mulher, ainda que sempre em escala diminuta.

No plano religioso as mulheres ficaram excluídas do sacerdócio cristão e dos cargos eclesiásticos.

Filon de Alexandria e os Essênios

Os judeus da Dispersão viam-se obrigados, em conseqüência, a defender sua fé a cada passo diante daquelas pessoas de cultura

helenista para quem a fé de Israel era ridícula, antiquada ou ininteligível. Diante desta situação, e especialmente na cidade de

Alexandria, surgiu entre os judeus um movimento que tratava de mostrar a compatibilidade entre o melhor da cultura helenista e a

religião hebraica. No século III aC. Demétrio narrou a história dos reis de Judá, seguindo os padrões da historiografia pagã. Mas foi

na pessoa de Filo de Alexandria, contemporâneo de Jesus, que este movimento alcançou seu ponto alto. Uma vez que os argumentos de

Filo — ou outros muito parecidos — foram utilizados depois por alguns cristãos, na própria cidade de Alexandria, vale a pena resumi-

los aqui. O que Filo intenta fazer é mostrar a compatibilidade entre a filosofia platônica e as Escrituras hebraicas. Segundo ele, já que

os filósofos eram pessoas cultas, e as Escrituras hebraicas são anteriores a eles, é de se supor que qualquer concordância entre ambos

se deve a que os gregos copiaram dos judeus, e não vice-versa. E, então, Filo procura mostrar essa concordância, interpretando o

Antigo Testamento como uma série de alegorias que apontam em direção às mesmas verdades eternas a que os filósofos se referem de

maneira mais literal. O Deus de Filo é absolutamente transcendente e imutável, no estilo de "Um deus inefável" dos platônicos.

Portanto, para se relacionar com este mundo de realidades transitórias e imutáveis, esse Deus faz uso de um ser intermediário, a quem

Filo dá o nome de Logos, isto é, Verbo ou Razão. Este Logos, além de ser um intermediário entre Deus e a criação, é a razão que existe

em todo o universo, e da qual a mente humana participa. Em outras palavras, é este Logos que faz com que o universo possa ser

compreendido pela mente humana. Alguns pensadores cristãos adotaram estas idéias propostas por Filo, com todas as suas vantagens

e seus perigos. Como vemos, portanto, em sua dispersão por todo o mundo romano, em sua tradução da Bíblia, e ainda em seus intentos

de dialogar com a cultura helenista, o judaísmo havia preparado o caminho para o advento e a disseminação da fé cristã. Dai a

expressão plenitude do tempo.

(texto extraído e adaptado da obra de Justo L. Gonzales, Uma História Ilustrada do Cristianismo)

Marcos primeiro proclamou o cristianismo aos habitantes do Egito

Dizem que esse Marcos, sendo o primeiro a ser enviado ao Egito, ali proclamou o evangelho que também pusera por escrito e foi o

primeiro a estabelecer igrejas na cidade de Alexandria. O número de homens e mulheres convertidos desde o inicio foi tão grande, e tão

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extraordinária a disciplina e a austeridade filosófica deles, que Filon achou por bem descrever a conduta, as assembléias, as refeições e

todo o modo de viver deles.

História Eclesiástica - Livro 2: 16 – Eusébio de Cesárea

O relato de Filon de Alexandria a respeito dos ascetas (Essênios) do Egito

Dizem que esse Marcos, sendo o primeiro a ser enviado ao Egito, ali proclamou o evangelho (as boas novas do reino de Deus) que

também pusera por escrito e foi o primeiro a estabelecer igrejas (comunidades) na cidade de Alexandria. O numero de homens e

mulheres convertidos desde o inicio foi tão grande, e tão extraordinária a disciplina e a austeridade filosófica deles, que Filon achou

por bem descrever a conduta, as assembléias, as refeições e todo o modo de viver deles. Diz-se que, no reinado de Cláudio, o mesmo

autor (Filon) teve em Roma uma conversa familiar com Pedro, que na época pregava aos dali. Isso não seria de todo improvável, uma

vez que a obra a que nos referimos, composta por Filon muitos anos mais tarde, contém obviamente as regras observadas em nossas

igrejas, mesmo hoje. Ademais, ao mesmo tempo que faz uma descrição muito precisa da vida de nossos ascetas, demonstra

evidentemente que não só conhecia, como aprovava, reverenciava e reconhecia os homens apostólicos de seus dias, os quais eram, ao

que parece, de origem hebraica, e assim preservaram a maior parte dos antigos costumes de maneira judaica. No livro que escreveu,

“Sobre a Vida Contemplativa” ou “Os que levam uma vida de oração”, ele de fato promete não acrescentar à história que estava para

escrever nada contrario à verdade, nada de sua invenção. Afirma então que eles eram chamados terapeutas e as mulheres,

terapêutridas. Junto com os motivos de tal nome, atribui sua origem ou ao fato de que, como médicos, livravam e curavam das paixões

malignas a alma dos que chegavam a eles, ou ao serviço e culto à Divindade. Não é necessário discutir em detalhes se o próprio Filon

atribui esse nome a eles por si mesmo, dando-lhes um titulo bem adaptado ao modo de vida deles, ou se eles realmente assim chamavam

a si próprios desde o inicio, já que o nome cristão ainda não se tornara bem conhecido em toda parte. De todo modo, ele testemunha

que renunciavam a propriedades e afirma que quando passavam a seguir a filosofia cediam suas posses aos parentes e, depois, tendo se

despido de todos os cuidados da vida, saíam das cidades para fazer habitação em desertos e jardins, bem cientes de que o

relacionamento com pessoas de outros modos de vida é desvantajoso e danoso. É bem possível que, na época, houvesse pessoas que sob

influência e inspiração de uma fé ardente, tivessem instituído esse modo de vida, imitando os antigos profetas. Pois conforme é relatado

nos Atos dos Apóstolos, livro bem autenticado, todos os relacionados apóstolos vendiam seus bens e posses e dividiam-nos com todos, à

medida que alguém tinha alguma carência, de modo que não havia nenhum necessitado entre eles. “ Pois todos quantos possuíam

terras ou casas, assim diz esse relato, vendiam-nos e lavavam o preço da propriedade vendida, colocando-o aos pés dos apóstolos, para

que pudesse ser dividido a cada um, de acordo com a necessidade.” Filon presta testemunho de praticas do tipo que foram alistadas e

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acrescenta as seguintes palavras: “ Esse tipo de homens encontra-se disperso por todo o mundo, pois tanto gregos como bárbaros

deviam participar desse beneficio tão permanente. Mas é abundante no Egito, em cada um de seus distritos e especialmente nas

imediações de Alexandria. Ora, dentre eles, os homens mais nobres de todas as regiões emigraram para uma pequena elevação além do

lago Maria, local bem propicio, tanto pela segurança como pela temperatura do ar, como se fosse a terra natal dos terapeutas”. Depois

de descrever a natureza de suas habitações, Filon diz o seguinte acerca das igrejas dali: “ Em cada casa há um aposento sagrado

chamado ‘ santuário’ ou ‘monastério’ em que, afastados dos homens, celebram os mistérios da vida piedosa. E nada trazem para dentro

dele, seja bebida, seja comida, sejam quaisquer outras coisas necessárias ao corpo, senão a lei e as declarações inspiradas dos profetas

e hinos e outras coisas pelas quais o conhecimento e a piedade podem ser aumentados e aperfeiçoados”. Depois de outras questões

acrescenta: “Todo o período, desde a manhã até a noite é para exercício constante; pois enquanto estudam as Sagradas Escrituras,

discutem e comentam a respeito delas, explicando a filosofia nacional deles por meio da alegoria, pois consideram a interpretação

literal símbolo de um sentido secreto comunicado em insinuações obscuras. Também possuem comentários de homens de outrora que,

como fundadores de sua seita, deixaram muitos registros de sua doutrina em feitio alegórico, os quais eles empregam como modelos e

imitam seu método de instituição original”.

Esses fatos parecem ter sido expostos por um homem que, pelo menos, deu atenção aos que expõem as Sagradas Escrituras. Mas é

muito provável que os antigos comentários que ele diz possuírem fossem os próprios Evangelhos e os escritos dos apóstolos e talvez

algumas exposições dos antigos profetas, tais como na epístola aos Hebreus e muitas outras das epístolas de Paulo. Depois, a respeito

dos novos salmos que compunham, afirma: “Assim, eles não apenas passavam o tempo em contemplação, como compunham cânticos e

hinos a Deus em todos os tipos de métricas excepcionalmente sérias”.

Filo também discute muitos outros pontos a respeito deles no mesmo livro, mas pareceu necessário selecionar esses para apresentar as

peculiaridades de sua disciplina eclesiástica; mas se alguém divida que o que foi dito seja peculiar à disciplina do evangelho e pensa

que poderia aplicar a outros, que não os mencionados, que seja persuadido pelas seguintes palavras de Filo em que encontrará, se for

imparcial, testemunho indiscutível nesse sentido. Pois assim escreve: “Tendo lançado primeiro a temperança como um tipo de alicerce

em sua mente, constroem sobre ela as outras virtudes. Nenhum deles ingere comida ou bebida antes do pôr do sol, pois pensam que os

exercícios filosóficos devem ser realizados à luz do dia e as necessidades do corpo, na escuridão; por esse motivo a um designam o dia

e à outra uma pequena parte da noite. Mas alguns deles não se lembram da comida por três dias, pela influência de um desejo incomum

de conhecimento. E alguns tanto se deleitam e se comprazem no banquete da doutrina ornada pela sabedoria com tamanha riqueza e

profusão, que se abstêm pelo dobro desse tempo, estando acostumados a mal provar o alimento necessário a cada seis dias”.

Consideramos óbvias e indiscutíveis essas declarações de Filo a respeito de nossa comunhão. Mas se alguém obstinado ainda o negar,

que deixe a incredulidade rendendo-se a demonstrações ainda mais claras que não se encontram em ninguém, salvo na religião dos

cristãos de acordo com o evangelho. Pois nosso autor também diz que “há também mulheres que acompanham aqueles dos quais

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tratamos e que a maioria é de virgens idosas que mantiveram a castidade, não por necessidade, como algumas das sacerdotisas dentre

os gregos, mas por opção voluntária, pelo zeloso anseio por sabedoria, em cuja busca sincera, desconsideram os prazeres do corpo,

ansiando não por filhos mortais, mas imortais, os quais só a mente celestial é capaz de produzir por si”. Pouco depois acrescenta o

seguinte com grande ênfase: “Mas eles expõem as Sagradas Escrituras com expressões obscuras, alegóricas e figuradas. Pois toda a lei

parece a esses homens como um animal; do qual as expressões literais são o corpo, mas o sentido invisível encoberto pelas expressões,

a alma. Essa seita começou a estudar principalmente esse sentido, discernindo como através de um espelho de palavras o reflexo das

admiráveis belezas dos pensamentos”. Por que acrescentaríamos a isso uma descrição de suas reuniões e das habitações separadas

entre homens e mulheres nessas assembléias, e dos exercícios realizados por eles e que ainda são correntes entre nós, pelo qual,

especialmente na festa da Paixão do Salvador costumamos observar o jejum e a vigília e estudar a palavra divina? Tudo isso o referido

autor narrou com precisão em seus escritos, sendo os mesmos costumes observados por nós apenas, no presente, em especial as vigílias

do grande festival e os exercícios neles, e os hinos que comumente recitados entre nós. Filo declara que enquanto um canta

elegantemente com cadência, os outros ouvindo em silêncio, juntam-se àquele apenas no refrão final dos hinos, e como nos dias acima

mencionados dormem no chão sobre palha e, empregando suas palavras, “abstêm-se por completo do vinho e não ingerem carne,

bebendo apenas água e usando sal e hissopo para temperar o pão”. Além disso, escreve sobre a ordem da precedência dos que foram

designados para o serviço da igreja, para o diaconato e também para a supremacia do episcopado como o cabeça de tudo. Qualquer

que deseje um conhecimento exato dessas coisas pode aprender pela história do autor já citado, mas deve ficar claro a todos que Filo,

ao escrever essas declarações, tinha em vista os primeiros arautos do evangelho e as práticas originais transmitidas pelos apóstolos.

História Eclesiástica - Livro 2: 17 – Eusébio de Cesárea

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Paralelos entre Jesus o Novo Testamento e Filon de Alexandria cerca de 20 a.C.

Filon de Alexandria O Novo Testamento

Existem entre eles, com um número acima de quatro mil, os

chamados essênios; embora essa palavra não seja, rigorosamente

falando, grega, penso que deva estar relacionada à palavra

“santidade”. Na verdade, os essênios são homens inteiramente

dedicados ao serviço de Deus; não oferecem sacrifícios de animais,

julgando que é mais oportuno tornar suas mentes verdadeiramente

santas. Alguns essênios trabalham no campo e outros praticam várias

profissões, contribuindo para a paz; e no seu modo de proceder são

úteis para si mesmos a para seus vizinhos. Eles não acumulam prata

ou ouro e não adquirem propriedades com a intenção de tirar

rendimento delas, mas retêm para si mesmos somente o necessário

para viver. Quase sozinhos entre os seres humanos, vivem sem bens e

sem propriedades; e isto por preferência e não por um revés do

destino. Pensam em si mesmos como muito ricos, certamente

considerando a sobriedade e o contentamento como a verdadeira

riqueza. (Quo Omnis Probus Líber Sit - 75,76,77)

Nosso legislador Moisés encorajou a multidão de seus discípulos a

viver em comunidade: esses são denominados essênios, e eu creio

que eles merecem esse titulo por causa de sua santidade. Vivem

espalhados em cidades da Judéia, também em muitas vilas e grandes

colônias. Vivem juntos, em irmandades, e adotam a forma de

associações e o costume de comer em comum. Empregam todo seus

esforço para o bem comum.

(Apologia pro Judaeis, 1,5)

Romanos 12:1 Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de

Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo

e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.

Hebreus 13:15 Portanto, ofereçamos sempre, por ele, a Deus

sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o

seu nome. 16 E não vos esqueçais da beneficência e

comunicação, porque, com tais sacrifícios, Deus se agrada.

1 Pedro 2:5 vós também, como pedras vivas, sois edificados

casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecerdes sacrifícios

espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo.

Romanos 12:2 E não vos conformeis com este século, mas

transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que

experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de

Deus.

Atos 2: 44 Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo

em comum. 45 Vendiam as suas propriedades e bens,

distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha

necessidade. 46 Diariamente perseveravam unânimes no

templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas

refeições com alegria e singeleza de coração, 47 louvando a

Deus e contando com a simpatia de todo o povo.

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A Doutrina de Filon de Alexandria

A criação bíblica não é senão a organização da matéria, pela

conversão do caos em um cosmos. A atuação de Deus, não podendo

ser direta, se faz através de um Logos (inteligência, ou verbo), que é o

termo com que Filon denomina as forças (Dynamis) intermediárias

entre Deus e a matéria. Estas forças se afiguram, ora como

propriedades de Deus, como idéias e pensamentos, ora como

mensageiros e demônios (anjos) executores das ordens de Deus.

Este Logos é concebido como algo um tanto separado dele, quase

como um segundo Deus. Filon comparou o Logos (o Verbo) à

palavra (ou verbo). Tem a palavra, num só tempo, a fisionomia

sensível e significação inteligível, de onde ter contato simultâneo

com Deus e com a matéria.

A interpretação alegórica de Filon

A relação entre o sentido literal e o alegórico compara-se à relação

que existe entre o corpo e a alma: “A interpretação da Sagrada

Escritura acontece de tal maneira, que é esclarecido o significado

oculto através de alegorias. Porque o conjunto dos livros das leis

equipara-se, na perspectiva destes homens, a um ser vivo que, como

corpo, é possuidor dos ordenamentos literais, mas, como alma,

possui o significado invisível oculto nas palavras. Aqui, sobretudo,

a alma dotada de razão começa a enxergar o que lhe é familiar. Ela

enxerga através das palavras, como através de um espelho, a

incomensurável beleza dos pensamentos que nelas se mostram; ela

desdobra os símbolos alegóricos e os afasta, desnudando, na luz, o

significado das palavras para aqueles que estão em condições de

enxergar, por intermédio de pequenos indícios, o invisível através do

A doutrina do evangelista João

João 1: 1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com

Deus, e o Verbo era Deus. 2 Ele estava no princípio com

Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e,

sem ele, nada do que foi feito se fez. 4 A vida estava nele e a

vida era a luz dos homens.

A interpretação alegórica de Paulo

1 Coríntios 13:12 Porque, agora, vemos por espelho em

enigma; mas, então, veremos face a face; agora, conheço

em parte, mas, então, conhecerei como também sou

conhecido.

2 Coríntios 3:6 o qual nos fez também capazes de ser

ministros dum Novo Testamento, não da letra, mas do

Espírito; porque a letra mata, e o Espírito vivifica.

Romanos 2:27 E a incircuncisão que por natureza o é, se

cumpre a lei, não te julgará, porventura, a ti, que pela letra

e circuncisão és transgressor da lei?

Romanos 2:29 Mas é judeu o que o é no interior, e

circuncisão, a que é do coração, no espírito, não na letra,

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visível.” (De Vita Contemplativa, 78)

A idéia sugerida é a de que tudo o que é literal deve, para ser

plenamente entendido, apontar para algo pré-literal. As Escrituras não

se bastam a si mesmas, elas necessitam da ajuda ou da luz de algo

diferente. Ela acena para a necessidade de um retorno, a partir do

logos proforikos, ao espírito que o vivifica.

A alegoria quer atingir algo invisível e mais elevado, o que implica

que esse sentido não pode ser imediatamente acessível aos leitores.

Somente o iniciado, o intérprete vocacionado e experiente pode

alcançar este sentido mais elevado que Deus queria preservar do

leitor comum, que fica preso no conteúdo literal. Somente aqueles

que, “com base em pequenos indícios, conseguem entender o

invisível através do visível”, estão em condições de captar o sentido

mais profundo das Escrituras. Ela não existe para muitos, mas para

aqueles poucos que se interessam pela alma e não pela letra. É

evidente que o discurso religioso sugere uma compreensão alegórica

de si mesmo, já que ele quer tratar do supra-terreno por intermédio de

uma linguagem totalmente terrena, uma concepção favorecida pelo

fato de que o logos falado deseja ser sinal de um outro logos

invisível.

cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus.

2 Coríntios 3:6 o qual nos fez também capazes de ser

ministros dum Novo Testamento, não da letra, mas do

Espírito; porque a letra mata, e o Espírito vivifica.