Peter Burke - Revista de História

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10/08/2015 Peter Burke Revista de História http://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/peterburke 1/7 Peter Burke Pensador polivalente Bruno Garcia e Janine Justen 1/3/2014 Em tempos de especialização e saberes setorizados, quando historiadores decidem cada vez mais por períodos e personagens como seus interesses únicos, Peter Burke parece um estranho no ninho. Para alguém que já escreveu sobre assuntos tão distintos, do Renascimento à Wikipédia, as infames “áreas de concentração”, tão defendidas pelos programas de qualificação de pesquisas acadêmicas, não parecem fazer muito sentido. Além do diálogo interdisciplinar, o aprendizado de línguas também foi fundamental: “Eu queria aprender o máximo possível de línguas europeias para ser um bom historiador europeu”, diz Burke. Entre os muitos idiomas que domina estão o alemão, o italiano, o polonês e o português, que aprendeu no período em que planejava fazer seu doutorado sobre os jesuítas do século XVI. Burke mudou de ideia, mas o aprendizado veio a calhar quando o historiador viajou para São Paulo em ano sabático. Impossibilitado de pesquisar sobre o Renascimento, decidiu adaptar‐se às condições locais e acabou estudando Gilberto Freyre, tornando‐se parte do círculo de especialistas sobre o autor de Casa Grande e Senzala. No Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ, onde proferiu uma palestra, o historiador britânico conversou com a equipe da Revista de Históriae falou um pouco sobre sua longa carreira. Do Brasil de Gilberto Freyre ao hibridismo cultural da Letônia, Peter Burke transformou uma simples conversa em uma grande lição sobre as múltiplas possibilidades de pensar, estudar e fazer História. Revista de História – O senhor trabalha com temas e perspectivas muito diversas. De onde vem isso? Peter Burke – Acho que tenho isso desde quando eu era estudante. Eu adorava história, mas sempre me senti atraído por outros estudos também, e pensei que, já que a história lida com todo tipo de comportamento humano, seria possível entender melhor o passado se estivessem disponíveis outras disciplinas além da própria história. Pensei nisso quando vi um anúncio de emprego em 1961 na Universidade de Sussex para um trabalho multidisciplinar. Candidatei‐me, consegui o trabalho e, com 25 anos, comecei a ensinar em um ambiente muito simpático ao trabalho interdisciplinar.

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10/08/2015 PeterBurkeRevistadeHistriahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/peterburke 1/7Peter BurkePensador polivalenteBruno Garcia e Janine Justen1/3/2014 Em tempos de especializao e saberessetorizados, quando historiadores decidem cadavez mais por perodos e personagens como seusinteresses nicos, Peter Burke parece um estranhono ninho. Para algum que j escreveu sobreassuntos to distintos, do Renascimento Wikipdia, as infames reas de concentrao,to defendidas pelos programas de qualificaode pesquisas acadmicas, no parecem fazermuito sentido.Alm do dilogo interdisciplinar, o aprendizadode lnguas tambm foi fundamental: Eu queriaaprender o mximo possvel de lnguas europeiaspara ser um bom historiador europeu, diz Burke.Entre os muitos idiomas que domina esto oalemo, o italiano, o polons e o portugus, queaprendeu no perodo em que planejava fazer seudoutorado sobre os jesutas do sculo XVI. Burkemudou de ideia, mas o aprendizado veio a calharquando o historiador viajou para So Paulo emano sabtico. Impossibilitado de pesquisar sobre oRenascimento, decidiu adaptarse s condieslocais e acabou estudando Gilberto Freyre,tornandose parte do crculo de especialistassobre o autor de Casa Grande e Senzala.No Colgio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ, onde proferiu uma palestra, o historiadorbritnico conversou com a equipe da Revista de Histriae falou um pouco sobre sua longacarreira. Do Brasil de Gilberto Freyre ao hibridismo cultural da Letnia, Peter Burketransformou uma simples conversa em uma grande lio sobre as mltiplas possibilidades depensar, estudar e fazer Histria.Revista de Histria O senhor trabalha com temas e perspectivas muito diversas. De onde vemisso?Peter Burke Acho que tenho isso desde quando eu era estudante. Eu adorava histria, massempre me senti atrado por outros estudos tambm, e pensei que, j que a histria lida comtodo tipo de comportamento humano, seria possvel entender melhor o passado se estivessemdisponveis outras disciplinas alm da prpria histria. Pensei nisso quando vi um anncio deemprego em 1961 na Universidade de Sussex para um trabalho multidisciplinar. Candidateime,consegui o trabalho e, com 25 anos, comecei a ensinar em um ambiente muito simptico aotrabalho interdisciplinar.10/08/2015 PeterBurkeRevistadeHistriahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/peterburke 2/7RH Como era?PB Tnhamos seminrios com pessoas de histria, sociologia e literatura inglesa ou francesa. Euensinei sociologia e histria da arte, e eles no se importavam de eu no ter uma formaoespecfica nestes campos. ramos jovens entusiasmados com essa ideia de universidade, que erachamada de redesenhando o mapa do conhecimento. Depois de 10 anos, como sempreacontece, esse momento mgico acabou e as coisas ficaram mais como uma rotina. Auniversidade ficou mais burocrtica e eventualmente eu sa de l para Cambridge, onde ascondies materiais para produo intelectual so muito melhores e, oficialmente, voc responsvel apenas por uma disciplina.RH Com menos espao para interdisciplinaridade?PB Sim. Certa vez, junto com um colega, propus um curso de Antropologia Histrica dentro doDepartamento de Histria, mas foi rejeitado por dois anos pelo colegiado. Nunca pela razoreal. Diziam que a proposta no estava muito clara, pediam para reescrevla, mas ns sabamosque no fundo eles eram hostis ideia. Em certo momento o presidente do colegiado disse: Ok,mas com uma condio: que no haja teoria no curso (risos). Aceitamos, mas claro que fizemosdo nosso jeito, no tinha sentido no ter teoria.RH O dilogo especial com a antropologia j existia ento?PB Sim. Mas eu no acho que eu poderia ser um bom antroplogo, no sou bom nesse ladoprtico. Adoro observar outras culturas e tive sorte, que pensava ser azar na poca, quando fuichamado pelo exrcito. Todos os rapazes tinham que servir dois anos e nos perguntavam ondegostaramos de ir. Eu pedi para ir Alemanha, porque queria aprender a lngua. Mandarammepra Singapura (risos). Acabou sendo bom pra mim. Eu estava num regimento em que quase todoseram malaios, havia alguns indianos, alguns chineses e apenas 20 britnicos. Observar os malaiosera como fazer trabalho de campo. claro que eu no sabia que era um trabalho de campo, euno tinha lido nada sobre antropologia na poca, mas quando li, percebi que j tinha feito umtrabalho parecido. Tomei notas, porque era to estimulante e diferente que eu precisavaescrever. Estive l por mais de oito meses, e os antroplogos dizem que para se fazer um bomtrabalho de campo preciso ficar mais de um ano.RH A academia est mais hostil interdisciplinaridade?PB Em todos os pases que vou percebo que muitos historiadores resistem expanso dahistria. Mas tambm, em cada lugar desses, h um novo historiador, que tambm no maisto novo. A nova histria, nos Estados Unidos, data de antes da Segunda Guerra Mundial. No foito bem sucedida como o caso francs, mas aconteceu antes. Em todos os lugares existe esseconflito, mas eu penso que a nova histria est vencendo, mas no porque algum estejaconvencido. Max Planck perguntava: Como uma teoria cientfica triunfa? Quando os oponentesenvelhecem e morrem. Isso est acontecendo agora com a nova histria. Seria timo se aspessoas se convencessem, mas voc no pode escolher como vencer.RH O senhor j morou e trabalhou no Brasil. O que o motivou?PB Bom, essa uma longa histria, mas j tinha aprendido portugus antes de vir para oBrasil.RH Por qu?PB Originalmente pensei em escrever a tese de doutorado sobre os jesutas no fim do sculoXVI, e eu gostaria de ler a histria dos jesutas em Portugal. Eu j tinha aprendido espanhol,ento no foi to difcil. O nico choque foi descobrir, quando cheguei a Portugal, que no eracapaz de entender o que as pessoas estavam falando. Mesmo que pudesse ler os jornais. Ento,10/08/2015 PeterBurkeRevistadeHistriahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/peterburke 3/7foi um imenso prazer quando descobri que entendia melhor os brasileiros. Eu queria aprender omximo possvel de lnguas europeias para ser um bom historiador europeu. Eu gostaria de visitartodos os pases da Europa. Quase consegui. Mas a Unio Sovitica se desintegrou, passaram aexistir vrios outros pases, e eu no consegui ainda ir, por exemplo, Litunia ou Ucrnia.RH O Brasil oferece um bom campo para os estudos de histria cultural?PB Eu acho que qualquer cultura tem algo a oferecer histria cultural. Talvez algumastenham algo um pouco diferente para oferecer. Acho que aqui o hibridismo cultural algopossivelmente interessante para historiadores da cultura. Mas no exclusivo dos brasileiros.Cuba, por exemplo, tem esta caracterstica. Escrevi um livro sobre hibridismo cultural em Cubaque acabou de ser traduzido na Letnia. L me disseram que estavam traduzindo porque vivemem uma regio multicultural. Enfim, no algo s brasileiro. A Espanha, por exemplo, tambm assim.RH Como conheceu Gilberto Freyre?PB Em uma nota de rodap de O Mediterrneo, livro de Fernand Braudel (19021985). Eu eraum estudante de graduao de Oxford, estava lendo este livro e me pareceu interessante seutrabalho sobre senhores e escravos. Eu j estava aprendendo portugus, mas li primeiro emingls. Ento, fui para Sussex e em 65 foi oferecido ao Gilberto Freyre um ttulo [Doutor HonorisCausa]. Como parte da cerimnia, ele deu uma aula em ingls. Ela se chamou O fator racial napolitica contempornea, e eu me lembro de que todo tempo ele elogiava a miscigenao.Pensei: esse homem se parece com um perfeito portugus. Soou para mim como um paradoxo.Eu no o encontrei pessoalmente, porque no era importante o suficiente para ser chamado paraa festa. Eu o vi e o ouvi, mas nunca o encontrei.RH Quando decidiu estudlo?PB Gostei muito quando li Sobrados e Mucambos (1936), sem saber que algum dia iria estudlo. Mas ento fui ao Brasil. Estava em um ano sabtico e fui para o Instituto de EstudosAvanados na USP pensando em escrever meu livro sobre o Renascimento. Procurei as bibliotecase no havia material sobre o assunto. Na poca, eles no tinham nem o material catalogado.Ento, pensei: estou aqui por um ano, mais fcil adaptar minha pesquisa situao do que asituao minha pesquisa. Decidi assim pesquisar algo brasileiro. Eu me lembro de ter lidoFreyre com entusiasmo e encontrei seu dirio, que descobrimos mais tarde que no era seudirio, mas uma autobiografia que finge ser um dirio. Maria Lucia [PalharesBurke] descobriuuma carta da dcada de 40 em que ele conta a um amigo que est reescrevendo o dirio dele de1920.RH O que chamou a ateno do senhor?PB No dirio ele dizia que tinha um plano de escrever uma histria da famlia. Eu conhecia otrabalho de Philippe Aris. Ele deu uma aula em Sussex, um episdio muito engraado.RH Por qu?PB Ele no sabia muito bem falar ingls, e sabamos que os estudantes no entenderiam umapalestra em francs. Ele deu a aula em ingls, com a condio de que eu o ajudasse. Pensei queele diria algo em francs e eu traduziria, mas no, ele dizia algo, parava, olhava para mim, eesperava que eu completasse a frase, como se eu soubesse o que ele ia dizer. Se acertasse, euganhava um sorriso, do contrrio, ele fechava a cara. Ns nos divertimos muito. Mas curiosocomo a histria da famlia e da infncia havia sido pensada pelo Freyre antes de Aris, ele s notinha feito.RH H uma proximidade entre ele e os Annales?10/08/2015 PeterBurkeRevistadeHistriahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/peterburke 4/7PB Sim, mas produziram sem saber um do outro. Quando Braudel estava vivendo no Brasil, eleno encontrou Freyre, mas leu boa parte de seus livros e imediatamente compreendeu seubrilhantismo. Em 1943, quando estava na Alemanha, ele escreveu uma longa resenha sobre otrabalho de Gilberto Freyre e quo incrvel era. A nica coisa triste que mais tarde, quantomais velho e mais famoso ele vai ficando, menos ele expressa admirao por Freyre. Quandovoc fica famoso e reconhecido, comum no gostar de admitir que algumas de suas ideias queo deixaram famoso no so completamente suas.RH Gilberto Freyre ainda conhecido no exterior?PB Infelizmente, na Europa, aqueles que no se especializaram em historiografia latinoamericana, ou brasileira, no sabem nada a respeito. Quando eu e minha mulher estvamosescrevendo nosso livro sobre Gilberto Freyre, as pessoas com as quais conversvamos a respeito oconfundiam com Paulo Freire, porque nos anos 70 e 80 ele era muito conhecido na Inglaterra.Gilberto Freyre nunca foi famoso na Inglaterra. Ele foi para a Frana e para a Itlia, levado porBraudel, mas hoje est esquecido. triste. Penso que um fantstico historiador cultural, comoJacob Burkhardt e Johan Huizinga, mas esta uma viso minoritria.RH possvel fazer uma histria exclusivamente concentrada em uma alta ou em uma baixacultura?PB obviamente difcil, mas pode ser feito. Eu no penso que alta e baixa culturas devam serestudadas separadamente. E esta a minha maior crtica aos estudos culturalistas, porquetendem a estudar a cultura popular sem referncia alta cultura. No o caso de RaymondWilliams (19211988), um dos fundadores, mas o caso dos seus seguidores. muito frequenteque seguidores reduzam o projeto do mestre. Se eles no estudam alta cultura, no estudam asinteraes entre as duas. Mas claro, se voc est escrevendo um livro sobre o papel da culturaem 300 anos, preciso focar apenas em um assunto. Seria demasiado dar conta de tudo em umlivro. Elas duas se tocam sempre.RH No seu trabalho sobre o Renascimento, o senhor fala isso.PB importante lembrar que os pintores eram homens simples, eles habitavam o mundo dacultura popular. Mas trabalhavam para uma elite intelectual, ento, tinham acesso a ambas asculturas. Botticelli, por exemplo, abandonou a escola com 13 anos para se tornar aprendiz de umpintor. Sabemos esses detalhes, claro, porque Florena tinha todos esses registros. Ele no sabiagrego e provavelmente s algumas palavras em latim, mas fazia pinturas que expressavam muitobem a filosofia neoplatnica. Algum poderia ter explicado para ele, provavelmente [Angelo]Poliziano, que estava no crculo dos Mdici, e Botticelli pintava para os Mdici. Da voc v asduas culturas se cruzando.RH O prprio Poliziano um exemplo desse cruzamento, no?PB Sem dvida. Ele estava tambm interessado na cultura popular, como as canes que aspessoas cantavam nas ruas, que continham longas histrias e eram cantadas nas praas. Elaseram, em geral, sobre romance de cavalaria, originalmente escritas por cavaleiros paracavaleiros e damas, mas isto acontecia em praas pblicas com cantores profissionais que noganhavam muito, apenas passavam o chapu. Poliziano se juntava s pessoas nas praas porquegostava de conhecer. Ele se interessava por essa cultura popular. Portanto, h essa mistura.Acho que a grande separao entre estas duas formas de cultura acontece no sculo XIX e nocomeo do sculo XX. Na segunda metade do XX, talvez por conta da televiso, elas voltaram ase aproximar novamente.RH A globalizao, no caso, foi responsvel por essa tentativa de unificao?PB Sim, mas ainda assim eu acredito que seja possvel, e bastante comum, que pessoas possam10/08/2015 PeterBurkeRevistadeHistriahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/peterburke 5/7ser biculturais da mesma forma que so bilngues. Eu acho que em um mundo globalizado, existeesse movimento por uma cultura global o que no vai acontecer, ao menos no torapidamente. Quando isso acontecer, ainda ser possvel as pessoas manterem suas culturaslocais. No sculo XIX, italianos educados falavam italiano, mas eram perfeitamente capazes defalar seus dialetos.RH Nesse contexto, a lngua se torna mais instvel?PB A lngua sempre foi instvel, isto faz dela algo muito interessante, est sempre mudando.Uma coisa particularmente interessante o fato de muitas pessoas tentarem criar novaspalavras. Algumas foram bem sucedidas, outras, no. Por qu? Por que um neologismo usadopor tantas pessoas e se torna parte da linguagem? Se ele no for bom e til, as pessoas no outilizam. A Frana tem uma academia que tenta regular sobre o uso de estrangeirismos. Mas nose pode legislar a lngua. As pessoas comuns, aqui, so determinantes. Se todo mundo decideusar a lngua de certa maneira, ela prevalecer. Neste caso, a soluo inglesa de no ter umaacademia parece mais adequada.RH Na prpria lngua se nota o contato das duas culturas?PB Claro. Quando se observa de perto, descobrese que a cultura popular, na verdade, est noplural. Tratase de culturas populares. Eu me lembro que quando escrevi esse livro [CulturaPopular na Idade Moderna, 1978] e estava falando da variedade dessas culturas, tudo pareceu sedissolver diante dos meus olhos, porque voc pode seguir dividindo e subdividindo. A culturasueca diferente da cultura dinamarquesa. O norte da Sucia diferente do sul do pas, e vocainda pode notar diferenas significativas entre as pequenas cidades. Em vrios lugares, duranteo sculo XIX, na Europa rural, um observador informal olharia uma mulher no campo e saberiaexatamente de onde ela vinha, porque havia um item que poderia ser um pouco diferente. svezes eles precisavam ser diferentes da aldeia vizinha, porque era tambm a aldeia rival. No fimdas contas, voc acaba sendo obrigado a pensar que cada indivduo tem uma cultura diferente,porque voc faz selees pessoais das opes que esto disponveis.RH No seu trabalho sobre Lus XIV o senhor descrevia a tentativa do rei de monopolizar odiscurso sobre sua imagem. Isto impossvel hoje?PB Idealmente, se voc um governante, especialmente em um pas no democrtico, vocquer ter o monoplio da apresentao de sua imagem. Mas ningum nunca teve, incluindo LusXIV. Existiam, naturalmente, narrativas paralelas, no subterrneo. Em sua esttua, em Paris, foipreciso colocar um vigia, porque as pessoas iam noite grafitar o pedestal. Historiadores sempresouberam que existiam narrativas menos elogiosas.RH Apenas ficou muito mais difcil do que antes?PB Sim. Eu tenho percebido, quando viajo e compro jornais, a forma como a rainha daInglaterra representada nas fotografias. Porque, se voc escolhe uma revista italiana oufrancesa, h uma fotografia que a captura em um momento inapropriado. Percebo que asimagens que vemos nos jornais britnicos so censuradas, quer dizer, se no se trata de umaimagem elogiosa, no se deve usar. O governo no est dizendo isto, mas os jornais pensam queos leitores querem ver boas imagens da rainha. Apenas quando voc sai da ilha, percebe que himagens alternativas em circulao. Ser cada vez mais difcil acreditar no discurso dos governos.Mesmo quando a China tenta controlar a circulao da internet, todos sabemos que, mais cedoou mais tarde, ser invadida por ela. Na era da internet, evidente que existem muito maisimagens no oficiais circulando.RH O mesmo acontece com as informaes. Como o senhor v iniciativas como a Wikipdia?PB uma grande mudana. Algumas coisas para melhor e outras para pior. No lado negativo,10/08/2015 PeterBurkeRevistadeHistriahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/peterburke 6/7se voc professor, encontra estudantes preguiosos que fazem o mnimo possvel para escreverseus textos. Claro que se reconhece facilmente de onde tiraram suas informaes, porque no sedo ao trabalho de sequer mudar as palavras. Antes, eles tinham que, de fato, ir biblioteca eler um livro. Esta uma desvantagem. Por outro lado, se voc compara Wikipdia comenciclopdias impressas, difcil comparar, porque h uma autocrtica includa nela. Isto ajuda atornar os estudantes mais crticos. H tambm a possibilidade de uma reviso constante einstantnea. importante ter as informaes sempre atualizadas, no esperar dez anos, como aEnciclopdia Britnica fazia, j que custava um investimento incrvel imprimir aquilo tudo.Certamente, eu gosto da ideia de uma enciclopdia que pode ser escrita por amadores e que noprecisa ser feita por profissionais. H problemas, claro, mas outras pessoas podem criticar eresolver.RH O senhor j escreveu ou corrigiu algum verbete nela?PB A nica vez em que fiz uma interveno foi para corrigir um erro na minha prpriabiografia. Eles me deram um doutorado que eu no tinha, ento escrevi dizendo que aquilo tinhasido um erro. Perguntaramme como eu sabia. Tive que dizer que estavam falando de mim. Masfoi a nica vez que fiz contato com a Wikipdia.VERBETESNova HistriaMovimento intelectual que propunha uma ampliao dos documentos e um dilogo mais abertocom outras disciplinas em oposio narrativa focada em grandes homens e eventos polticos.Angelo Poloziano (14541494)Dramaturgo e poeta florentino, foi responsvel pela traduo para o latim de passagens da Iladae autor de comentrios sobre literatura clssica.Gilberto Freyre (19001987)Socilogo e escritor, autor de Casagrande & senzala: formao da famlia brasileira sob oregime da economia patriarcal (1933), entre outras obras.Paulo Freire (19211997)Educador brasileiro, criou um mtodo de alfabetizao de adultos que leva seu nome. Sua aode educador combinava a escolarizao com a formao da conscincia poltica e social.Philippe Aris (19141984)Dedicouse aos estudos da histria da famlia, da infncia e da morte. Seus livros maisconhecidos no Brasil soHistria social da criana e da famlia (1960) e Um historiador diletante(1980).Jacob Burckhardt (19181897)Historiador suo da arte e da cultura, foi uma figura central na historiografia do campo.Escreveu, entre outras obras, A cultura do Renascimento na Itlia (1860).Johan Huizinga (18721945)10/08/2015 PeterBurkeRevistadeHistriahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/peterburke 7/7Historiador holands dedicado aos estudos sobre Baixa Idade Mdia, Reforma e Renascimento.Entre seus principais trabalhos se encontra Homo Ludens (1938) e O outono da Idade Mdia(1919).OBRAS DO AUTORCultura Popular na Idade Moderna(Companhia de Bolso, 2010)A fabricao do rei: a construo da imagem pblica de Lus XIV(Zahar, 1992)O que Histria Cultural(Zahar, 2004)Linguagens e Comunidades nos primrdios da Europa (Unesp, 2010)