Pesquisadores da FCM identificam gene associado à ... · problema que acomete cerca de 1% das...

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3 Campinas, 22 de abril a 3 de maio de 2009 JORNAL DA UNICAMP EDIMILSON MONTALTI [email protected] P esquisadores do Grupo Interdisciplinar de Estu- dos da Determinação e Diferenciação do Sexo (Giedds) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp participaram da equipe que descobriu o envolvimento do gene NR5A1, também chamado de fator esteroidogênico 1, em casos de falência ovariana prematura, popu- larmente conhecida como menopausa precoce. O trabalho traz dados colhi- dos pelo pediatra Gil Guerra-Júnior e pela geneticista Andréa Trevas Maciel-Guerra, em colaboração com pesquisadores do Instituto Pasteur, de Paris, e da London University, da Inglaterra. Os resultados – que consumiram mais de 10 anos entre o estudo dos casos e o diagnóstico – acabam de ser publicados no The New England Journal of Medicine, uma das revistas de maior prestígio do segmento. Foram estudadas quatro famílias – uma brasileira e três européias – com casos de insuficiência ovariana em mulheres, além de 25 casos esporádi- cos da doença. A descoberta, de acor- do com os professores da Unicamp, abre uma nova frente de pesquisa para saber qual a real participação desse gene no desenvolvimento ovariano e na menopausa precoce, problema que acomete cerca de 1% das mulheres com menos de 40 anos de idade. Caso raro Há cerca de dez anos, uma fa- mília do interior da Bahia buscou o atendimento de rotina do Giedds no ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. O caso chamou a atenção dos pesquisadores. Duas irmãs, filhas de pais que eram primos, nasceram com uma alteração genética do aparelho reprodutor. Uma delas tinha uma ambigüidade genital evidente – havia testículos com estrutura anormal –, mas ela não nasceu com características masculi- nas típicas, e sim intermediárias entre as femininas e masculinas. A outra irmã, que tinha genitais femininos, não chegou a desenvolver caracterís- ticas sexuais na puberdade. O ovário entrou em falência antes da adoles- cência. Os pesquisadores fizeram a análise cromossômica (cariotipagem) e descobriram que a primeira tinha sexo genético masculino (XY) e a outra feminino (XX). “As duas eram mulheres, porém, uma delas foi programada para ser homem e a outra não desenvolveu a puberdade. Por serem filhas de pais consanguíneos, tudo indicava uma doença hereditária. Agora, decor- rente da alteração em que gene? Na verdade, uma situação como a delas não tinha paralelo na literatura”, co- mentou a médica geneticista Andréa Trevas Maciel-Guerra. O caso brasileiro foi discutido na década passada num encontro entre os pesquisadores brasileiros e euro- peus na França, e o material genético dessa família foi guardado. Recente- mente, o pesquisador Ken McElrea- vey, do Instituto Pasteur, percebeu que a mutação do gene NR5A1, que se localiza no cromossomo 9, poderia estar relacionada à falência Pesquisadores da FCM identificam gene associado à menopausa precoce prematura do ovário. O pesquisador observou essa mutação ao estudar o caso de duas famílias francesas e uma turca. Imediatamente, McElreavey alertou os pesquisadores brasileiros, que reviram o histórico da família brasileira. De acordo com Andréa, sempre que se lida com doenças raras, é di- fícil esperar que novos casos surjam. O melhor é ter um banco de dados e rever os casos, sempre que alguma informação nova surja. “Após dez anos, a família teve um diagnóstico definitivo para o caso”, comentou a geneticista. Desvio de rota De acordo com os pesquisadores, sabia-se que o gene NR5A1 tinha uma importante participação na formação e manutenção na gônada masculina, os testículos. Os pesqui- sadores tinham conhecimento de que esse mesmo gene interferia nas glândulas adrenais. As adrenais ficam acima dos rins e são responsáveis pela produção de vários hormônios esteróides, principalmente o corti- sol. As primeiras mutações desse gene, encontradas em pacientes do sexo masculino, foram associadas à insuficiência adrenal. Isso fez com que os estudos fossem conduzidos por esse caminho. Entretanto, os casos europeus e o brasileiro deram um novo rumo às pesquisas. Até a publicação do trabalho, relatam os pesquisadores, todos os trabalhos mostravam que a alteração da glându- la adrenal ocorria em homens e mu- lheres; e a gonadal, só em homens. “Essa pesquisa mostra que a alte- ração gonadal pode também ser em mulheres. Daí a grande importância e o ineditismo da descoberta. Muito se sabe sobre o desenvolvimento da gônada masculina, mas pouco sobre o da gônada feminina. Aos poucos, a medicina está descobrindo genes que são importantes não só para a forma- ção, mas também para a manutenção do ovário”, disse Gil Guerra-Júnior. As gônadas têm um período de vali- dade. Quando elas entram em falên- cia, ocorre a menopausa nas mulheres e a andropausa no homem. Entretanto, alerta o pesquisador, achar uma mutação genética não sig- nifica que ela seja a causa do proble- ma. “Você tem que provar que aquela alteração é a causa”, concluiu. Para se chegar à mutação desse gene, vários outros foram descar- tados. O Laboratório de Genética Humana do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, que cola- borou na pesquisa, afastou todas as possíveis mutações em outros genes dessa família que podiam interferir no resultado. O laboratório francês também fez o mesmo. Os estudos funcionais do gene NR5A1 foram feitos em colaboração com o serviço inglês, que tinha mais experiência em estudá-lo. O estudo genético de outros mem- bros da família brasileira, que não apresentavam problemas nas gôna- das, e o estudo funcional da mutação, permitiram provar o envolvimento da mutação no gene NR5A1. “É comum as pessoas afirma- rem ‘a causa foi encontrada, então haverá tratamento’. Saber a causa é meio caminho andado, mas é preciso prudência, pois não significa que a continuação dos estudos vá levar a um tratamento ou cura”, ponderou Andréa Trevas Maciel-Guerra. Tratamento A forma mais precoce de falência ovariana é a menina não desenvolver a puberdade. Nesses casos, em vez de ovários ela tem gônadas disgenéticas, que são formadas apenas por um te- cido fibroso e não funcionam. Outra possibilidade é a de haver puberdade e, após um período de menstruações regulares ou irregulares, a menstru- ação desaparecer. O primeiro caso é chamado de amenorréia primária e o segundo, de amenorréia secundária. Pode acontecer ainda de a mulher passar pela fase da puberdade, menstruar, mas não engravidar. “O problema é no ovário. Há dosagens hormonais específicas que mostram que o ovário está em falência. Então, o gene NR5A1 está agora entre as causas genéticas de menopausa pre- coce. Com que freqüência, é o que nós vamos passar a estudar” explicou Gil Guerra-Júnior. O estudo mostra que basta estar a mutação em dose única para preju- dicar o desenvolvimento da gônada (efeito dominante). A exceção é a família brasileira, na qual o problema só se manifestou quando a mutação estava em dose dupla (herança ge- nética recessiva). No caso da famí- lia estudada pelo pesquisadores do Giedds, um dos irmãos normais não tem mutação e outros quatro a têm em dose única. Se um desses quatro irmãos se casar com outra pessoa que também tenha a mutação em dose única, o que é mais fácil de ocorrer se for alguém da mesma família, o risco de ter filhos com problemas nas gônadas é grande. “Cabe, aqui, o aconselhamento genético familiar. Eles foram orientados a nos procurar, caso desejem”, comentou Andréa. No caso de famílias com histórico de falência ovariana prematura, prevê a geneticista, será possível fazer um exame de DNA para identificar se há mutações nesse gene. Se uma mulher com casos de falência ovariana pre- matura na família tiver certeza de que tem a mesma mutação responsável pelo problema e o ovário dela ainda estiver em funcionamento, ela pode fazer a preservação dos óvulos e uti- lizar o método da fertilização in vitro mais tarde, quando estiver casada e desejar ter filhos. “Digamos que eu estou com 20 anos e tenho uma irmã ou uma prima com menopausa pre- coce que tem mutação nesse gene. Eu tenho que ser informada sobre essa mutação e sobre a possibilidade de eu fazer um exame para saber se posso ter o mesmo problema. A decisão sobre fazer ou não o exame tem que ser minha. Se eu fizer, posso me valer de um diagnóstico precoce e, com isso, procurar de alguma maneira pre- servar a minha fertilidade”, explicou Andréa Trevas Maciel-Guerra. Experiência A descoberta da mutação no gene NR5A1 nessa família brasileira não aconteceu por acaso. O caso teria pas- sado despercebido se a Unicamp não tivesse um grupo de pesquisadores que há 20 anos estuda doenças raras. O Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo (Giedds) foi criado em 1988 para centralizar o atendimento a pacientes com genitália ambígua e outras anomalias congênitas do aparelho reprodutor. As atividades de atendimento médico, ensino e pesquisa do Giedds são desenvolvi- das no ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas, no laboratório de Citogenética Humana do Departa- mento de Genética Médica da FCM e no laboratório de Genética Humana do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) Link para o artigo: http://content.nejm.org/cgi/ content/short/360/12/1200. SERVIÇO SERVIÇO Resultados da pesquisa acabam de ser publicados em revista internacional da Unicamp. O Giedds é um grupo interdisciplinar que conta com a participação de pediatras, geneticis- tas, endocrinologistas, psicólogo e assistente social. “Já estudamos mais de mil casos no ambulatório. Há pacientes com distúrbios da diferenciação do sexo, termo que já usávamos desde o início e que só agora é adotado como con- senso mundial, e há pacientes com Síndrome de Turner, uma aberração cromossômica que também mani- festa alterações gonadais, mas que, raramente, resulta em ambiguidade genital”, comentou Andréa Trevas Maciel-Guerra. Como essas situações são raras, o manejo interdisciplinar e a experiência em lidar com os pacientes são funda- mentais. “Para chegar ao diagnóstico e definir, em casos de recém-nascidos, o sexo de criação, as opções cirúrgicas, os procedimentos e os tratamentos, é preciso ter muita experiência”, co- mentou Gil Guerra-Júnior. Uma experiência que o grupo passou em 2002 e vai voltar a passar é o lançamento do livro Menino ou menina: os distúrbios da diferencia- ção do sexo, previsto para o segundo semestre deste ano. O livro, único no gênero no mundo, de acordo com os pesquisadores, incluirá, nessa segun- da edição, as pesquisas dos últimos sete anos, inclusive o caso da família brasileira. “O livro havia envelhecido. Em sete anos, muita coisa mudou. A in- formação sobre o gene NR5A1 será incluída no capítulo sobre mutações genéticas associada às gônadas disge- néticas e testículos rudimentares”, ex- plicou Andréa Trevas Maciel-Guerra. “Depois de 20 anos, nós nos senti- mos gratificados, em virtude de nossa forma de atuação ser reconhecida no mundo todo como a mais adequada para esses pacientes. Nossa proposta é conhecer melhor cada caso dessas condições raras, para propor, no fu- turo, novos diagnósticos e condutas”, concluiu Gil Guerra-Júnior. O Giedds atende todas as quartas- feiras de manhã, no ambulatório de pediatria do HC da Unicamp. A geneticista Andréa Trevas Maciel-Guerra e o pediatra Gil Guerra- Júnior: caso raro despertou a atenção de pesquisadores Foto: Antoninho Perri

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3Campinas, 22 de abril a 3 de maio de 2009 JORNAL DA UNICAMP

EDIMILSON [email protected]

Pesquisadores do Grupo In terdisciplinar de Estu-dos da Determinação e Diferenciação do Sexo (Giedds) da Faculdade

de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp participaram da equipe que descobriu o envolvimento do gene NR5A1, também chamado de fator esteroidogênico 1, em casos de falência ovariana prematura, popu-larmente conhecida como menopausa precoce. O trabalho traz dados colhi-dos pelo pediatra Gil Guerra-Júnior e pela geneticista Andréa Trevas Maciel-Guerra, em colaboração com pesquisadores do Instituto Pasteur, de Paris, e da London University, da Inglaterra. Os resultados – que consumiram mais de 10 anos entre o estudo dos casos e o diagnóstico – acabam de ser publicados no The New England Journal of Medicine, uma das revistas de maior prestígio do segmento.

Foram estudadas quatro famílias – uma brasileira e três européias – com casos de insuficiência ovariana em mulheres, além de 25 casos esporádi-cos da doença. A descoberta, de acor-do com os professores da Unicamp, abre uma nova frente de pesquisa para saber qual a real participação desse gene no desenvolvimento ovariano e na menopausa precoce, problema que acomete cerca de 1% das mulheres com menos de 40 anos de idade.

Caso raroHá cerca de dez anos, uma fa-

mília do interior da Bahia buscou o atendimento de rotina do Giedds no ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. O caso chamou a atenção dos pesquisadores. Duas irmãs, filhas de pais que eram primos, nasceram com uma alteração genética do aparelho reprodutor. Uma delas tinha uma ambigüidade genital evidente – havia testículos com estrutura anormal –, mas ela não nasceu com características masculi-nas típicas, e sim intermediárias entre as femininas e masculinas. A outra irmã, que tinha genitais femininos, não chegou a desenvolver caracterís-ticas sexuais na puberdade. O ovário entrou em falência antes da adoles-cência. Os pesquisadores fizeram a análise cromossômica (cariotipagem) e descobriram que a primeira tinha sexo genético masculino (XY) e a outra feminino (XX).

“As duas eram mulheres, porém, uma delas foi programada para ser homem e a outra não desenvolveu a puberdade. Por serem filhas de pais consanguíneos, tudo indicava uma doença hereditária. Agora, decor-rente da alteração em que gene? Na verdade, uma situação como a delas não tinha paralelo na literatura”, co-mentou a médica geneticista Andréa Trevas Maciel-Guerra.

O caso brasileiro foi discutido na década passada num encontro entre os pesquisadores brasileiros e euro-peus na França, e o material genético dessa família foi guardado. Recente-mente, o pesquisador Ken McElrea-vey, do Instituto Pasteur, percebeu que a mutação do gene NR5A1, que se localiza no cromossomo 9, poderia estar relacionada à falência

Pesquisadores da FCM identificamgene associado à menopausa precoce

prematura do ovário. O pesquisador observou essa mutação ao estudar o caso de duas famílias francesas e uma turca. Imediatamente, McElreavey alertou os pesquisadores brasileiros, que reviram o histórico da família brasileira.

De acordo com Andréa, sempre que se lida com doenças raras, é di-fícil esperar que novos casos surjam. O melhor é ter um banco de dados e rever os casos, sempre que alguma informação nova surja. “Após dez anos, a família teve um diagnóstico definitivo para o caso”, comentou a geneticista.

Desvio de rota De acordo com os pesquisadores,

sabia-se que o gene NR5A1 tinha uma importante participação na formação e manutenção na gônada masculina, os testículos. Os pesqui-sadores tinham conhecimento de que esse mesmo gene interferia nas glândulas adrenais. As adrenais ficam acima dos rins e são responsáveis pela produção de vários hormônios esteróides, principalmente o corti-sol.

As primeiras mutações desse gene, encontradas em pacientes do sexo masculino, foram associadas à insuficiência adrenal. Isso fez com que os estudos fossem conduzidos por esse caminho. Entretanto, os casos europeus e o brasileiro deram um novo rumo às pesquisas. Até a publicação do trabalho, relatam os pesquisadores, todos os trabalhos mostravam que a alteração da glându-la adrenal ocorria em homens e mu-lheres; e a gonadal, só em homens.

“Essa pesquisa mostra que a alte-ração gonadal pode também ser em mulheres. Daí a grande importância e o ineditismo da descoberta. Muito se sabe sobre o desenvolvimento da gônada masculina, mas pouco sobre o da gônada feminina. Aos poucos, a medicina está descobrindo genes que são importantes não só para a forma-ção, mas também para a manutenção do ovário”, disse Gil Guerra-Júnior. As gônadas têm um período de vali-dade. Quando elas entram em falên-cia, ocorre a menopausa nas mulheres e a andropausa no homem.

Entretanto, alerta o pesquisador, achar uma mutação genética não sig-nifica que ela seja a causa do proble-ma. “Você tem que provar que aquela alteração é a causa”, concluiu.

Para se chegar à mutação desse gene, vários outros foram descar-tados. O Laboratório de Genética Humana do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, que cola-borou na pesquisa, afastou todas as possíveis mutações em outros genes dessa família que podiam interferir no resultado. O laboratório francês também fez o mesmo. Os estudos funcionais do gene NR5A1 foram feitos em colaboração com o serviço inglês, que tinha mais experiência em estudá-lo.

O estudo genético de outros mem-bros da família brasileira, que não apresentavam problemas nas gôna-das, e o estudo funcional da mutação, permitiram provar o envolvimento da mutação no gene NR5A1.

“É comum as pessoas afirma-rem ‘a causa foi encontrada, então haverá tratamento’. Saber a causa é meio caminho andado, mas é preciso prudência, pois não significa que a continuação dos estudos vá levar a um tratamento ou cura”, ponderou Andréa Trevas Maciel-Guerra.

Tratamento A forma mais precoce de falência

ovariana é a menina não desenvolver a puberdade. Nesses casos, em vez de ovários ela tem gônadas disgenéticas, que são formadas apenas por um te-cido fibroso e não funcionam. Outra possibilidade é a de haver puberdade e, após um período de menstruações regulares ou irregulares, a menstru-ação desaparecer. O primeiro caso é chamado de amenorréia primária e o segundo, de amenorréia secundária. Pode acontecer ainda de a mulher passar pela fase da puberdade, menstruar, mas não engravidar. “O problema é no ovário. Há dosagens hormonais específicas que mostram que o ovário está em falência. Então, o gene NR5A1 está agora entre as causas genéticas de menopausa pre-coce. Com que freqüência, é o que nós vamos passar a estudar” explicou Gil Guerra-Júnior.

O estudo mostra que basta estar a mutação em dose única para preju-dicar o desenvolvimento da gônada (efeito dominante). A exceção é a família brasileira, na qual o problema só se manifestou quando a mutação estava em dose dupla (herança ge-nética recessiva). No caso da famí-lia estudada pelo pesquisadores do

Giedds, um dos irmãos normais não tem mutação e outros quatro a têm em dose única. Se um desses quatro irmãos se casar com outra pessoa que também tenha a mutação em dose única, o que é mais fácil de ocorrer se for alguém da mesma família, o risco de ter filhos com problemas nas gônadas é grande. “Cabe, aqui, o aconselhamento genético familiar. Eles foram orientados a nos procurar, caso desejem”, comentou Andréa.

No caso de famílias com histórico de falência ovariana prematura, prevê a geneticista, será possível fazer um exame de DNA para identificar se há mutações nesse gene. Se uma mulher com casos de falência ovariana pre-matura na família tiver certeza de que tem a mesma mutação responsável pelo problema e o ovário dela ainda estiver em funcionamento, ela pode fazer a preservação dos óvulos e uti-lizar o método da fertilização in vitro mais tarde, quando estiver casada e desejar ter filhos. “Digamos que eu estou com 20 anos e tenho uma irmã ou uma prima com menopausa pre-coce que tem mutação nesse gene. Eu tenho que ser informada sobre essa mutação e sobre a possibilidade de eu fazer um exame para saber se posso ter o mesmo problema. A decisão sobre fazer ou não o exame tem que ser minha. Se eu fizer, posso me valer de um diagnóstico precoce e, com isso, procurar de alguma maneira pre-servar a minha fertilidade”, explicou Andréa Trevas Maciel-Guerra.

Experiência A descoberta da mutação no gene

NR5A1 nessa família brasileira não aconteceu por acaso. O caso teria pas-sado despercebido se a Unicamp não tivesse um grupo de pesquisadores que há 20 anos estuda doenças raras. O Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo (Giedds) foi criado em 1988 para centralizar o atendimento a pacientes com genitália ambígua e outras anomalias congênitas do aparelho reprodutor. As atividades de atendimento médico, ensino e pesquisa do Giedds são desenvolvi-das no ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas, no laboratório de Citogenética Humana do Departa-mento de Genética Médica da FCM e no laboratório de Genética Humana do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG)

Link para o artigo: http://content.nejm.org/cgi/content/short/360/12/1200.

SERVIÇOSERVIÇO

Resultados da pesquisaacabam de ser publicadosem revistainternacional

da Unicamp. O Giedds é um grupo interdisciplinar que conta com a participação de pediatras, geneticis-tas, endocrinologistas, psicólogo e assistente social.

“Já estudamos mais de mil casos no ambulatório. Há pacientes com distúrbios da diferenciação do sexo, termo que já usávamos desde o início e que só agora é adotado como con-senso mundial, e há pacientes com Síndrome de Turner, uma aberração cromossômica que também mani-festa alterações gonadais, mas que, raramente, resulta em ambiguidade genital”, comentou Andréa Trevas Maciel-Guerra.

Como essas situações são raras, o manejo interdisciplinar e a experiência em lidar com os pacientes são funda-mentais. “Para chegar ao diagnóstico e definir, em casos de recém-nascidos, o sexo de criação, as opções cirúrgicas, os procedimentos e os tratamentos, é preciso ter muita experiência”, co-mentou Gil Guerra-Júnior.

Uma experiência que o grupo passou em 2002 e vai voltar a passar é o lançamento do livro Menino ou menina: os distúrbios da diferencia-ção do sexo, previsto para o segundo semestre deste ano. O livro, único no gênero no mundo, de acordo com os pesquisadores, incluirá, nessa segun-da edição, as pesquisas dos últimos sete anos, inclusive o caso da família brasileira.

“O livro havia envelhecido. Em sete anos, muita coisa mudou. A in-formação sobre o gene NR5A1 será incluída no capítulo sobre mutações genéticas associada às gônadas disge-néticas e testículos rudimentares”, ex-plicou Andréa Trevas Maciel-Guerra.

“Depois de 20 anos, nós nos senti-mos gratificados, em virtude de nossa forma de atuação ser reconhecida no mundo todo como a mais adequada para esses pacientes. Nossa proposta é conhecer melhor cada caso dessas condições raras, para propor, no fu-turo, novos diagnósticos e condutas”, concluiu Gil Guerra-Júnior.

O Giedds atende todas as quartas-feiras de manhã, no ambulatório de pediatria do HC da Unicamp.

A geneticista Andréa Trevas Maciel-Guerra e o pediatra Gil Guerra-

Júnior: caso raro despertou a atenção

de pesquisadores

Foto: Antoninho Perri