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PESQUISA, ENSINO E FORMAÇÃO NA PERSPECTIVA ENUNCIATIVO
DISCURSIVA: EXERCÍCIOS DE ALTERIDADE
Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Thiago Moura Camilo
Escola Estadual Conselheiro Afonso Pena
Rita de Cássia Cristofoleti
Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP
Faculdade Salesiana Dom Bosco de Piracicaba
Resumo do Painel
Este painel pauta-se na perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin. Esse referencial
permite compreender tanto o trabalho com a linguagem quanto o processo de formação
como experiências vividas em um processo sócio-histórico, inter-relacional e dialógico.
É esse ponto que une as reflexões apresentadas. Em A relação teoria-prática na
pesquisa sobre linguagem e formação de professores: encaminhamentos
metodológicos, a discussão volta-se para a relação teoria-prática nos processos de
pesquisa sobre linguagem e sobre formação de professores para o trabalho com a
linguagem, problematizando os encaminhamentos metodológicos de uma parceria
colaborativa. Fundamenta que a articulação teoria/prática na condução da pesquisa e do
processo de formação do professor ancora-se na escolha do referencial teórico-
metodológico adotado. O segundo artigo, A aprendizagem da leitura como direito dos
alunos da escola pública de educação básica tece reflexões sobre a prática da leitura
escolar, tendo como horizonte sua função social. A partir do referencial adotado,
compreende-se que o ensino da leitura é constitutivo do desenvolvimento dos sujeitos
uma vez que a prática da leitura possibilita acesso aos conhecimentos e à cultura.
Defende que o trabalho de leitura seja realizado pelas diferentes áreas do conhecimento
possibilitando que os sujeitos leiam variados gêneros constantemente em sala de aula.O
texto O espaço de supervisão do estágio na formação inicial de professores tematiza o
espaço de supervisão de estágio em um curso de Pedagogia, buscando compreender
como, ao instaurarem um espaço de interlocução sobre as vivências experimentadas na
escola, formavam os professores e seus formadores. O artigo evidencia que
possibilidades formativas situam-se na problematização da complexa relação existente
entre teoria e prática, ao permitir que estagiários e formadora olhem para ela na
concreticidade de sua produção entretecida nas ações e opções dos professores.
Palavras-chave: Relação teoria-prática. Linguagem. Formação de professores.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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A RELAÇÃO TEORIA-PRÁTICA NA PESQUISA SOBRE LINGUAGEM E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ENCAMINHAMENTOS
METODOLÓGICOS
Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Resumo
Objetivando compreender como a formação dos professores das salas de leitura vai se
consolidando em um grupo de pesquisa, bem como compreender aspectos relativos à
formação de leitores na escola básica, participamos de um projeto financiado pelo
FAEPEX/UNICAMP no qual estiveram envolvidos 7 pesquisadores e 23 professores
responsáveis por salas de leitura vinculadas à Diretoria de Ensino, região de Piracicaba.
O trabalho foi desenvolvido em parceria colaborativa e os encontros aconteceram
durante os anos 2014-2015, num total de 22. Nos limites deste artigo, discutiremos a
relação teoria-prática nos processos de pesquisa e de formação de professores quando
assumimos como referencial teórico-metodológico a perspectiva enunciativo-discursiva
de Bakhtin que compreende a centralidade da linguagem e do outro na constituição de
nossa subjetividade. Pretende-se problematizar a condução da pesquisa, ou seja, como,
na prática, pesquisar sobre linguagem e sobre formação de professores quando se
assume essa referência teórica? Para tal, evidenciaremos os encaminhamentos
metodológicos decorrentes de nossa escolha epistemológica para os processos de
pesquisa sobre linguagem em interface com a formação de professores, apresentando a
sistematização do percurso e os motivos de nossos encaminhamentos. As condições de
leitura definidas, associadas aos indicativos da formação do professor como agente de
letramento, nortearam a seleção dos materiais de leitura e das atividades que seriam
possibilitadas aos professores. Destaca-se a tese de que a articulação teoria/prática passa
pela mediação, pelo aprendizado com o outro que, tendo conhecimentos das referências
teóricas e dos fazeres práticos, se disponha como interlocutor do professor, a mediar, no
próprio contexto do processo de pesquisa, o processo de formação, os nós com que ele
se defronta, os significados de que se apropria, os sentidos que elabora.
Palavras- chave: Perspectiva enunciativo-discursiva. Metodologia de Pesquisa.
Formação de Professores.
Introdução
Este artigo é parte da problematização produzida com base na vivência e nos
dados de um projeto de pesquisa financiado pelo FAEPEX/UNICAMP que tem como
objetivo dois pressupostos fundamentais: 1. com relação à formação de professores para
o trabalho com leitura nas salas de leitura escolares - o de que grupos de pesquisa são
também espaços de formação, a partir de discussões, reflexões e problematizações sobre
o próprio trabalho docente; e 2. com relação à problemática enfrentada pelos alunos - o
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de que ao focalizar, documentar e analisar - nas relações de ensino materializadas na
sala de leitura escolar - as atividades envolvidas na articulação que se processa entre as
escolhas relativas aos modos de organização e de circulação dessas práticas - pelos
professores, com as réplicas ativas produzidas pelos alunos - poderemos vislumbrar
possibilidades de práticas diferenciadas que ampliem seus níveis de letramento,
inserindo-os, cada vez mais, nas práticas da cultura escrita da sociedade grafocêntrica na
qual estamos inseridos.
É na interface entre a formação do professor para o trabalho com leitura e a
leitura praticada pelos alunos do/no ensino fundamental II que temos focado nossas
pesquisas por considerarmos que a formação do professor é constitutiva de suas práticas
pedagógicas ao mesmo tempo em que a mediação do professor é fundamentalmente
constitutiva do desenvolvimento do aluno leitor.
A pesquisa acerca da formação de professores responsáveis por salas de leitura
escolares foi gestada no contexto de um projeto anterior, desenvolvido em uma escola
da rede pública estadual na cidade de Piracicaba. No contexto do projeto finalizado os
professores das diversas disciplinas afirmavam, recorrentemente, que para trabalhar
com leitura sentiam-se mais seguros no espaço da sala de leitura porque haveria,
naquele espaço, um professor que os auxiliaria no desenvolvimento das atividades. Isto
posto, assumimos com Ometto, Ramiro e Brancalion (2014) que a sala de leitura
coloca-se, efetivamente, como espaço de promoção e incentivo à leitura na escola,
mediando o encontro dos sujeitos com a cultura produzida historicamente pela
sociedade.
A sala de leitura e o estabelecimento da parceria colaborativa
As salas de leitura foram implementadas no estado de São Paulo a partir da
Resolução SE - 15, de 18-2-2009 que dispõe sobre a criação e organização desses
espaços nas escolas da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo. Essa resolução
foi alterada pela Resolução SE nº 70, de 21-10-2011, na qual se firma o acordo de que
as instalações de novas salas e ambientes de leitura nas escolas estaduais deverá
incentivar a leitura como principal fonte de informação, cultura, lazer, entretenimento,
comunicação, inclusão, socialização e formação de cidadãos críticos, criativos e
autônomos. Ainda segundo essa Resolução, os professores responsáveis pelas salas de
leitura devem comparecer a Orientações Técnicas, atendendo a convocação ou
indicação específica de suas respectivas Diretorias de Ensino, a fim de elaborarem o
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projeto de trabalho, ou seja, planejarem e desenvolverem com os alunos atividades
vinculadas à proposta pedagógica da escola e à programação curricular.
No contexto do desenvolvimento do projeto anterior fomos procurados pelo
Dirigente Regional de Ensino da Diretoria de Ensino Região de Piracicaba, a fim
desenvolvermos uma parceria no ano de 2014. Desse convite resultou o projeto de
pesquisa "O trabalho com leitura no ensino fundamental - anos finais: das contribuições
de um grupo de pesquisa à formação de professores mediadores de leitura às relações de
ensino em salas de leitura escolares".
Encontramos em Malta Campos (1984) ancoragem para o estabelecimento dessa
parceria uma vez que há "convergência de interesses" entre professores e pesquisadores,
em termos do tema a ser estudado e das possibilidades, abertas pela realização da
pesquisa, para o desenvolvimento de uma reflexão conjunta sobre os pressupostos
teóricos assumidos e sobre a prática (docente e de pesquisa) desenvolvida. Segundo
Giovani (1998), a pesquisa desenvolvida em parceria colaborativa considera que os
professores são co-autores do processo de pesquisa, uma vez que estudamos problemas
específicos que os afligem, em um processo de formação continuada de professores e
pesquisadores, com ênfase no trabalho coletivo.
A ancoragem na perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin (2003) nos
permite essa abordagem, uma vez que partimos do pressuposto de que a pesquisa em
ciências humanas deva considerar o homem como sujeito do estudo, como bem
explicita o autor, o que nos obriga a considerar esse sujeito como dotado de vivacidade
e dinamismo, um sujeito que dialoga. Dessa consideração há que se reconhecer que o
conhecimento científico é produzido no diálogo entre sujeitos, um diálogo que
considere posicionamentos e visão e mundo; um diálogo marcado pelas condições de
produção e sobre o qual não temos como controlar os sentidos.
Frente ao exposto e estabelecida a parceria, o grupo da pesquisa foi composto
por 23 professores responsáveis por salas de leitura de 23 escolas distintas. Todos os
participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Cabe destacar também que, segundo a Resolução de 2011, a formação dos
professores que atuam nesse espaço não demanda especificidade de formação para o
trabalho com a linguagem, visto que, como requisitos à seleção de docente para atuar
nas salas ou ambientes de leitura, estabelece a necessidade de que o professor possua
vínculo docente com a Secretaria de Estado da Educação em qualquer dos campos de
atuação, observada a seguinte ordem de prioridade: docente readaptado - afastado
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temporário ou definitivo das funções inerentes ao cargo/função-atividade (de origem),
por decisão médica - ou titular de cargo na situação de adido - professor em condição de
excedente ao quadro do magistério que esteja cumprindo horas de permanência na
composição da Jornada Inicial ou da Jornada Reduzida de Trabalho Docente.
No nosso caso, os 23 professores são portadores de diploma de licenciatura
plena em: Letras - Língua Portuguesa, História, Matemática, Psicologia, Educação
Física, Ciências Físicas e Biológicas, Pedagogia. Essa condição de produção colocou-
nos diante de um grande desafio, pois, segundo pesquisa realizada por Delosso (2013),
os professores de Língua Portuguesa, que cursaram licenciatura em Letras, reconhecem
desconhecer práticas de linguagem que favoreçam o processo de formação do leitor.
Essa constatação indiciou-nos que os professores formados em áreas distintas
provavelmente não devem ter recebido formação para o trabalho com linguagem e
leitura em seus cursos de graduação.
Entre 2014-2015 foram realizados 22 encontros de três horas, totalizando um
total de sessenta e seis horas de gravações que foram posteriormente transcritas e sobre
as quais temos nos debruçado. Nos limites deste artigo, discutiremos a relação teoria-
prática nos processos de pesquisa e de formação de professores quando assumimos
como referencial teórico-metodológico a perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin.
Para tal, sistematizaremos e problematizaremos as escolhas para o percurso da pesquisa
que se propõe, também, ao diálogo que favoreça o desenvolvimento profissional dos
responsáveis pelas salas de leitura das escolas vinculadas à pesquisa.
Leitura e mediação da leitura
Em nossos trabalhos assumimos a perspectiva de Bakhtin (2002) de que ler é
colocar-se como participante do diálogo que se estabelece em torno de um determinado
texto. Esse princípio de relações entre enunciados materializa-se pelo/no diálogo,
definido pelo autor como o modo de funcionamento real da linguagem.Nesse
movimento dialógico, como interlocutores,respondemos aos textos lançando mão das
unidades da língua, produzindo réplicas em resposta a outros enunciados inscritos na
corrente da comunicação verbal. Portanto, replicar ao texto é produzir compreensões,
contrapalavras, opondo-as às palavras do locutor (BAKHTIN, 2002).
Esses enunciados encontram-se e confrontam-se em uma arena de lutas
ideológicas, pontos de vista e visões de mundo em circulação na comunicação cultural.
Segundo o próprio Bakhtin (2002, p. 88) "na realidade, não são palavras o que
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pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más,
importantes ou triviais [...] a palavra está sempre carregada de um conteúdo ideológico
ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras". Nesse sentido, ler é
compreender e ensinar a ler, portanto, é ensinar a cotejar textos a fim de que
compreensões se produzam.
Há que se considerar, ainda, que, nesse processo de produção de sentidos, a
leitura é marcada por dois movimentos contraditórios experimentados pelo leitor: a
expansão dos sentidos do texto, sua polissemia; e a seleção de sentidos, denominada por
Brandão (1998) de filtragem. Essa consideração ajuda-nos a refutar a ideia de que todos
os sentidos são válidos na leitura de um único e mesmo texto, ou seja, na perspectiva do
dialogismo, mais do que uma leitura certa ou uma leitura errada, elaboram-se sentidos
aceitáveis, ou não, em determinadas condições de produção da leitura.
Segundo Ometto (2010), o papel do professor, nessa perspectiva, seria explicitar
aos seus alunos a dinâmica interlocutiva que se tece em torno de um texto em
determinadas condições. Isso implica considerar a centralidade, mas não exclusividade
do texto como fonte de sentidos (POSSENTI, 1990) e a especificidade das condições de
produção da leitura nas relações escolares e em seus determinantes mais amplos.
Reconhecer a diversidade de formações dos professores foi um dado importante
para a pesquisa, o que nos ajudou a definir o caminho a ser trilhado, uma decisão que
seria impossível antes do contato íntimo com o grupo. Por isso, considerando a
complexidade dessa dimensão de leitura e de ensino (mediação) da leitura, nosso
primeiro questionamento foi sobre como possibilitar para um grupo de professores com
formações tão diversas a compreensão da dinâmica interlocutiva que se tece em torno
de um texto em determinadas condições.
A tese de Assolini (2008) de que as relações que os sujeitos estabelecem com o
ato de ler, em diferentes situações, por serem constitutivas, repercutem nas práticas por
eles assumidas conduziu nossa escolha pela prática da leitura com os professores.
Entendíamos que a possibilidade da vivência da experiência de leitura poderia
constituir-se como um modo de apropriação dos modos de mediação da leitura, pelos
professores.
Apostamos na possibilidade da vivência da leitura no contexto de nosso grupo
como uma experiência constitutiva da subjetividade, portanto, sem desconsiderar o
caráter de pesquisa, tendo sempre em mente a perspectiva de formação, consideramos
com Larrossa (2002, p. 136) que "para que a leitura se resolva em formação é necessário
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que haja uma relação íntima entre o texto e a subjetividade". Para o autor, essa seria a
relação que possibilitaria a vivência da experiência.
Essas considerações coadunam com a perspectiva de linguagem adotada na
pesquisa, uma concepção que considera a centralidade da linguagem e do outro na
constituição de nossa subjetividade, o que Bakhtin (2002) denomina de alteridade
constitutiva, ou seja, é pela mediação do outro, através da linguagem, que vamos nos
constituindo, tornando-nos quem somos e nos apropriando das formas culturais já
consolidadas na experiência humana. Para as pesquisas em leitura, Chartier (2004) nos
indica o princípio de que, para compreender as práticas de leitura na perspectiva da
história cultural, os sujeitos deverão conhecer, necessariamente, seus usos diferenciados
e as apropriações plurais dos objetos de leitura.
Isto posto, sugerimos aos professores a criação de um Clube de Leitura que
aconteceu sempre na primeira meia hora de cada um dos encontros. Essa prática
pressupunha que um ambiente organizado, acompanhado e sustentado pela mediação
dos pesquisadores possibilitaria que os professores, nesse processo, se apropriassem de
modos de mediação a fim de fomentar a leitura da literatura nas salas de leitura, junto
aos seus alunos nas condições concretas de trabalho. Mais que isso, nossas referências
teóricas indicavam que, na prática, é possível um processo de educação literária
propiciado pelo ensino da literatura, tal como nos aponta Mortatti (2014, p. 31-32): a
"educação da literatura, ou seja, a literatura (em si e por si) educa/ensina [... a] educação
pela literatura, ou seja, a literatura é meio (não é instrumento) para a educação humana
[... a] educação para a literatura, ou seja, a literatura é, ela mesma, objeto de ensino,
visando à educação literária".
Também foram propostas leituras teóricas que sustentassem as discussões e
ancorassem experiências vivenciadas sobre as temáticas da leitura e do papel do
mediador da leitura. Nesse percurso, poderíamos apreender indícios das elaborações dos
sujeitos acerca da teoria estudada uma vez que nos "diferentes textos, a palavra [...]
preenche distintas funções ideológicas [pois] materializa efeitos estéticos na literatura
[e] permite a sistematização lógico-conceitual no texto acadêmico [teórico]"
(OMETTO; CRISTOFOLETI, 2012, p. 1844).
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A relação teoria-prática: encaminhamentos metodológicos dos processos de
pesquisa e de formação
Compreender a relação entre teoria-prática parece-nos fundamental a um projeto
de pesquisa que privilegia a apropriação e consolidação do conhecimento pelo
professor, parceiro do e no projeto.
Segundo Prado e Morais (2011, p. 143), o modo como organizamos "os
materiais [e os apresentamos aos interlocutores] diz, de uma certa forma, do nosso
modo de compreender e produzir o conhecimento", uma vez que "a maneira de
organizá-los [e apresentá-los] é constitutiva da pesquisa e dos sentidos que dela
produzimos". Valorizar as práticas de leitura dos sujeitos, bem como explicitar o
movimento do processo, pareceu-nos fundamental uma vez que o referencial teórico-
metodológico adotado ressalta a prioridade do percurso em relação aos resultados.
Segundo Geraldi (2010, p.100), os processos de ensino e de pesquisa entendidos como
acontecimentos elegem "o fluxo do movimento como inspiração" do percurso. O autor
destaca, ainda, que o caminho passa a ter existência depois de percorrido e na narrativa
que se produz desse processo. Por tudo isso, narraremos os encaminhamentos
metodológicos do projeto de pesquisa, problematizando-os.
Para o clube da leitura do primeiro semestre de 2014 foi proposto que os
professores selecionassem uma obra literária destinada a leitores adultos, de uma lista
de 64 títulos apresentados a eles pelos pesquisadores. As obras selecionadas versavam
sobre leitura, leitores, escrita, escritores, livros, livrarias, livreiros, bibliotecas,
bibliófilos. Isso porque, dada a diversidade de formação dos professores entendíamos
que "aos professores não leitores falta o essencial: a vivência da fruição estética. Sem
isso, sequer podem saber a importância de lutar pela conquista, para si, do direito à
literatura, antes de, com palavras vazias, tentar convencer seus alunos sobre a
'importância da literatura'" (MORTATTI, 2014, p. 40, grifos da autora).
Dessas indicações, 20 títulos foram disponibilizados aos professores em livros
impressos. Alguns dos livros escolhidos para leitura e discussão foram:"A menina que
não sabia ler", de John Harding (2010); "O Sr. Pip", de Lloyd Jones (2007); "O livreiro
do Alemão", de Otávio Luiz (2011); "A louca da casa", de Rosa Montero (2004); "A
filha do escritor", de Gustavo Bernardo (2008), dentre outros. A grande maioria dos
títulos escolhidos estava entre as obras impressas disponibilizadas. Durante as
discussões no clube da leitura provocávamos o cotejamento entre os textos lidos, pois
entendíamos com Ometto (2010, p. v) "que aprender a cotejar textos possibilita a
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formação do leitor, que vai se constituindo pela mediação, transformando o sujeito ao
longo de experiências vividas compartilhadamente nas práticas culturais em que se
inserem, sejam elas a prática da leitura ou da docência".
Naquele primeiro semestre de 2014 o estudo teórico ancorou-se na obra "Os
jovens e a leitura: uma nova perspectiva", de Michèle Petit (2008), por tratar de
temáticas estreitamente relacionadas aos nossos interesses, a saber: “As duas vertentes
da leitura”, que trata do controle e da liberdade, da leitura silenciosa e da leitura
compartilhada, em voz alta; “O que está em jogo na leitura hoje em dia” discorre sobre
a importância da literatura para a construção de si mesmo e para o autoconhecimento e
liberdade, especialmente na adolescência; “O medo do livro” explana sobre os
empecilhos para a formação do leitor e as contradições nos discursos de democratização
da leitura; e “O papel do mediador”, fundamentalmente importante para nossas
discussões, aborda a importância de sujeitos mediadores que aproximem o leitor dos
textos, como um professor, bibliotecário, livreiro, assistente social ou amigo, enfim,
aquele que se propõe a mediar as relações entre leitor e textos. No contexto dessa obra,
a autora faz referências ao livro "Haroun e o mar de histórias", de Salman Rushdie
(2010), o que motivou a escolha desse título para o clube da leitura no segundo semestre
de 2014.
Foram dois os textos estudados durante o segundo semestre de 2014. O primeiro,
um artigo acadêmico, "Leitura e escrita como experiência: seu papel na formação de
sujeitos sociais", de Sonia Kramer (2000). O texto trata da importância da leitura e da
escrita e, mais especificamente, da importância da leitura e da escrita na formação de
professores. Nossa intenção era que os professores se questionassem acerca de suas
próprias experiências com leitura e escrita. Esse texto teórico tanto sustentava nossa
prática no percurso de desenvolvimento do projeto - indicando-nos metodologicamente
um caminho a ser percorrido na pesquisa -, quanto suscitava reflexões teóricas pelos
professores na aproximação com a vivência da experiência - da/na prática - da leitura da
literatura e de um texto acadêmico. Outro texto foi "A biblioteca não é depósito de
livros", uma entrevista com o professor graduado em Letras e biblioteconomista Edmir
Perrotti (2012). A leitura desse texto poderia possibilitar que os professores deixassem
de se sentir apenas guardadores de livros passando a se reconhecerem como educadores,
"especialistas em processos de mediação", nas palavras do autor.
Segundo os professores, as discussões do clube da leitura foram mais instigantes
durante o segundo semestre de 2014 pelo fato de termos optado por um único e mesmo
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título, "Haroun". Sendo assim, para o primeiro semestre de 2015, optamos também pela
escolha de um único título a ser lido por todos. No entanto, durante o ano de 2014,
percebemos que, embora os professores tivessem tido a oportunidade de escolha da obra
a ser lida, por duas vezes, muitos deles não concluíram a leitura de obras mais extensas;
portanto a sugestão de título partiu de um dos pesquisadores, não só em função da
extensão da leitura, mas também devido a qualidade literária do texto. O livro indicado
foi "A casa de papel", de Carlos Maria Dominguez (2006) pois entendemos com
Mortatti (2008, p. 27) que "os (bons) textos literários encantam e ensinam [...] porque
lendo-os [...] aprendemos sobre a importância da literatura na formação do ser humano".
Para um estudo de caráter mais teórico-didático, durante o primeiro semestre de
2015 debruçamo-nos sobre parte do material "Leitura ao pé da letra - Caderno
orientador para ambientes de leitura" (2012), produzido pela Secretaria Municipal de
Educação da cidade de São Paulo. Dentre as diversas orientações aos professores,
selecionamos dois capítulos. A escolha desses capítulos recaiu novamente sobre o
princípio da relação teoria-prática. Os textos foram selecionados pelo seu caráter
teórico-didático, uma vez que textos do gênero teórico-didático objetivavam esclarecer
o significado de conceitos e, ao mesmo tempo, orientar o leitor na apropriação de suas
sistematizações (OMETTO, 2010). O primeiro, de caráter mais teórico objetivava que
os professores se aproximassem dos conceitos de leitura e de literatura. O segundo, com
caráter mais didático, indicava "modalidades organizativas" (2012, p. 48) para a sala de
leitura, tais como a organização e implementação de atividades habituais ou
permanentes, projetos, saraus e sequências didáticas, apresentando modelos que
pudessem servir de referência aos professores.
No momento da escolha do livro literário a ser lido para o segundo semestre de
2015, muitos foram os professores que alegaram dificuldade de encontrar a obra "A
casa de papel" para empréstimo. Sendo assim, as discussões do clube da leitura foram
prejudicadas. Esse motivo mobilizou a escolha do próximo título a ser lido. Para tal, a
equipe de pesquisadores realizou uma busca por livros que se encontravam disponíveis
na internet, que constassem na lista disponibilizada e também nas escolas,
disponibilizados pelo Programa Nacional de Biblioteca Escolar (PNBE), o que resultou
na escolha do título "A sociedade literária e a torta de casca de batata", de Mary Ann
Shaffer e Annie Barrows (2009).
Nesse segundo semestre de 2015, a opção foi por não realizar estudos teóricos e,
com base no que já vínhamos discutindo durante o percurso, elaborássemos juntos
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projetos de leitura a serem implementados nas escolas, em suas salas de leitura. E assim
foi feito. No entanto, essa seria uma discussão para outro artigo.
Considerações
Neste texto, propusemo-nos a discutir a relação teoria-prática nos processos de
pesquisa e de formação de professores quando assumimos como referencial teórico-
metodológico a perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin que compreende a
centralidade da linguagem e do outro na constituição da subjetividade
Para tal, de modo a conduzir a investigação sobre a formação dos professores
das salas de leitura no contexto de um grupo de pesquisa, recorte já finalizado do
projeto mais amplo, optamos pela reflexão dos encaminhamentos metodológicos
decorrentes de nossa escolha epistemológica.
Nesse modo de condução da pesquisa, o processo de formação dos professores,
que visa alterações no próprio trabalho docente, tais como as escolhas relativas àquilo
que se lê e aos modos de instaurar e controlar a leitura, reúne referências de natureza
diversa para a pesquisa.
Registradas por escrito, as escolhas que orientaram o trabalho de formação
tornaram-se uma fonte documental da pesquisa. Em seu acontecer, essas escolhas e os
encaminhamentos dados a elas pelos pesquisadores configuraram procedimentos de
investigação, na medida em que instauraram as relações de formação e as
reconfiguraram no decorrer do processo.
As escolhas implementadas pelos pesquisadores afetaram os professores de
modos diversos. Esses, respondendo ativamente ao processo de formação instaurado,
devolveram aos pesquisadores, corporal e verbalmente, os sentidos produzidos nas
leituras realizadas nas formas de comentários, respostas, questões, demandas,
intervenções e, até mesmo, de recusas e desistências. Essas réplicas repercutiram na
organização, direção e controle do processo de investigação subsequente. Com base nos
acontecimentos que apreendíamos nos encontros, como pesquisadores, jogávamos com
as condições de produção da relação de formação, reafirmando, reorganizando, total ou
parcialmente nossas escolhas iniciais.
Dessa perspectiva, a pesquisa evidenciou-se como um espaço de vivência
experimental da própria mediação no processo de formação e como instância
privilegiada para a apreensão de indicadores acerca da formação produzida nas relações
de pesquisa.
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Reafirmamos, a cada novo projeto de pesquisa, que os pesquisadores
interessados em investigar questões que os instigam acerca da formação de professores
para o trabalho com a linguagem e com a leitura, quando assumem como referencial
teórico-metodológico a perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin, que compreende
a centralidade da linguagem e do outro na constituição de nossa subjetividade, atuam no
próprio acontecer da formação, estudam e formam, observam, registram, analisam e
intervêm sobre o próprio atuar da formação. Nesse processo também se (trans)formam.
Diante do processo vivido, percebemos que não cabem as perguntas “por que
fizemos o que fizemos? Por que fizemos da forma que fizemos?”, pois mesmo que
intenções estivessem definidas, elas se materializaram nas relações estabelecidas com as
intenções de nossos interlocutores, parceiros na relação de pesquisa. Suas intenções,
materializadas em enunciações, reorientavam nossas decisões.
Portanto, não é possível que os pesquisadores respondam sozinhos a essas
perguntas. Lastreados nos conhecimentos que vinham sendo produzidos na prática da
pesquisa- e também de formação - e na produção teórica que ampliava -, mediados
pelos professores, tecemos e experimentamos possibilidades de formação para o
trabalho de mediação da leitura,experimentando possibilidades de leitura pelo
cotejamento e registrando o processo vivido em seus sobressaltos e metamorfoses.
Referências
ASSOLINI, Filomena Elaine Paiva. Pedagogia da leitura parafrástica. 1999. 236 f.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 1999.
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BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec, 2002.
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Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, SP: Unicamp, 1997, p. 281-
288.
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Tradução
Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
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Acesso em: 13 Dez. 2013.
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3351ISSN 2177-336X
A APRENDIZAGEM DA LEITURA COMO DIREITO DOS ALUNOS DA
ESCOLA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Thiago Moura Camilo
Escola Estadual Conselheiro Afonso Pena
Resumo
Observando os alunos das séries iniciais do ensino fundamental II, assumimos como
objeto de reflexão a prática da leitura escolar, tendo como horizonte sua função social.
No que se refere aos princípios teóricos e às diferentes concepções de linguagem, nossa
compreensão parte da perspectiva que a leitura de textos é entendida como um processo
de interlocução entre sujeitos. Nessa perspectiva, compreendemos que o ensino da
leitura em sala de aula deve ser constante e envolver as diversas áreas de saber, pois a
leitura é constitutiva do desenvolvimento dos sujeitos e mediadora de acesso aos
conhecimentos e à cultura, portanto, possibilitar práticas de leitura a partir de variados
gêneros torna-se direito dos alunos e responsabilidade de todos os educadores, mesmo
porque cada uma das áreas pode promover atividades de leitura cujas características são
inerentes aos conceitos a elas relativos. Nos limites de texto, os dados apresentados
fazem parte da dissertação do autor, a qual teve como objetivo compreender os
processos de mediação dos professores das diversas áreas do conhecimento na
promoção leitora de alunos de um sexto ano do ensino fundamental. Como referencial
teórico, assumimos a perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin, por compreender
que essa abordagem possibilita a compreensão da interação verbal instaurada pela
leitura, em suas condições concretas de produção. Metodologicamente, as aulas foram
gravadas e transcritas, o que possibilitou a análise das práticas de leitura efetuadas na
sala de aula e o reconhecimento de diferentes gêneros e tipologias textuais utilizados no
processo de aprendizagem dos alunos. O trabalho evidenciou que diferentes gêneros
textuais foram utilizados em sala de aula, especialmente na disciplina de Língua
Portuguesa, e que as práticas de leitura não só podem, como devem, ser exploradas
pelas diferentes áreas do conhecimento, possibilitando, assim, que os sujeitos estejam
lendo variados gêneros constantemente em sala de aula.
Palavras-chave: Práticas de Leitura. Textos. Interlocução.
Introdução
Este texto socializa reflexões e análises produzidas no contexto de um projeto de
pesquisa mais amplo, financiado pelo CNPq/CAPES, no período de 2013-2014, cujo
objetivo desdobrou-se em duas vertentes, a saber: compreender como a formação dos
professores das diversas disciplinas do Ensino Fundamental – Anos Finais, para o
trabalho com a linguagem, se consolidava nas Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo -
ATPC - e, ao mesmo tempo, compreender aspectos relativos à formação de leitores e
escritores na escola básica, bem como às práticas de leitura e de escrita possibilitadas
pelos professores aos alunos do Ensino Fundamental - Anos Finais. Nos limites deste
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texto, tematizaremos as perspectivas de linguagem, de texto e de leitura, bem como
práticas de leitura com variados gêneros e tipos textuais desenvolvidas em sala de aula
nas diferentes disciplinas curriculares. As aulas foram gravadas e transcritas. Assim,
tomaremos como material de análise a leitura em circulação na sala de aula, o que
compreende tanto as práticas instauradas e sustentadas pelos professores como as
réplicas produzidas pelos alunos.
A pesquisa foi desenvolvida numa turma de sexto ano, em uma escola da rede
pública estadual mineira, na cidade de São Gotardo-MG, no período de outubro a
dezembro de 2013. Esta escola, neste período, atendia a aproximadamente 1500 alunos
dos Ensinos Fundamental e Médio, divididos em três períodos. Segundo caracterização
do Projeto Político-Pedagógico de 2014, devido à oportunidade de trabalho no campo,
grande parte das famílias e dos alunos eram provenientes de outros estados brasileiros,
principalmente do Maranhão e da Bahia, e era atendida pelos programas sociais do
governo Federal e Estadual (Bolsa Família e Bolsa Escola).
No que se refere aos aspectos teóricos, este estudo ancora-se na perspectiva
enunciativo-discursiva de Bakhtin (2009), por compreender que esta abordagem
possibilita a compreensão da interação verbal instaurada pela leitura, tanto pelo
professor como pelos alunos em sala de aula.
Isto posto, nossa compreensão parte da perspectiva que a leitura de textos é
entendida como um processo de interlocução entre leitor/texto/autor. E nesse processo
de leitura, o aluno-leitor é considerado agente que busca significações e os professores,
interlocutores presentes que devem possibilitar as interações (FONSECA; GERALDI,
2011). Nessa perspectiva, é essencial conhecer e analisar as práticas de leitura realizadas
por professores de diferentes áreas do conhecimento, uma vez que a promoção da leitura
é uma questão para todas as disciplinas.
Cada concepção de linguagem corresponde a uma concepção diferente de leitura?
O ensino de língua em sala de aula envolve uma compreensão acerca das
concepções de linguagem e a adoção de uma delas significa assumir uma postura
educacional dela decorrente, ou seja,
os conteúdos ensinados, o enfoque que se dá a eles, as estratégias de
trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o sistema de
avaliação, o relacionamento com os alunos, tudo corresponderá, nas
nossas atividades concretas de sala de aula, ao caminho por que
optamos. (GERALDI, 2011, p. 40).
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No tocante à linguagem, Geraldi (2011) apresenta três concepções de linguagem
que circulam pelas práticas dos professores, a saber: a linguagem é a expressão do
pensamento, a linguagem é instrumento de comunicação e a linguagem é uma forma de
interação.
Há de se compreender que cada concepção de linguagem corresponde, sim, a
uma concepção diferente de leitura. Assim como Geraldi (2011), Koch (2011) explicita-
nos que a concepção de linguagem como representação do pensamento faz com que a
leitura seja entendida como uma atividade que requer do ouvinte a decodificação das
ideias do autor, desconsiderando as experiências e os saberes do leitor, a relação entre
autor, texto e leitor com intenções constituídas sociocognitivo-interacionalmente.
Na segunda concepção, a linguagem é entendida como instrumento de
comunicação e compreende a língua como forma de estrutura, em que o “sujeito
determinado, assujeitado pelo sistema”, quer linguístico ou social, é “caracterizado por
uma espécie de não consciência” (KOCH; ELIAS, 2012, p. 10). Nesse processo, a
leitura se torna uma atividade que requer do leitor o foco no próprio texto, visto que
tudo estaria dito no dito.
Diferentemente das duas concepções citadas, a terceira concepção de linguagem
concebe o sujeito leitor/receptor de forma diferente, ou seja, já não se trata mais de
sujeito passivo e, sim, sujeito ativo, visto que a linguagem é entendida como o lugar de
interação entre os sujeitos. Nesta concepção dialógica da língua, “o texto passa a ser
considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que ─
dialogicamente ─ nele se constroem e são construídos” (KOCH, 2011, p. 17).
Isso significa que a leitura é uma atividade que demanda experiências e
conhecimentos do leitor, e não somente o conhecimento do código linguístico, pois
nesta perspectiva, o texto é identificado como um local dotado de sentidos os quais o
leitor deve procurar o lugar específico da interação social e não simplesmente tê-lo
como produto a ser decodificado por um sujeito passivo. O texto, assim, “surge para
atender as necessidades do dia a dia, e assume diferentes formas conforme a exigência
da situação de produção. Surgem os textos literários, jurídicos, provérbios, textos para
ensinar, convencer” (RIZZO, 2004, p. 46). Assim, neste processo dialógico, no jogo de
constituição de sentidos, a linguagem é responsável pelo uso e reconhecimento de
variados gêneros textuais.
Com base no exposto até o momento, este texto ancora-se na terceira concepção
de linguagem apresentada, a saber, a linguagem como forma de interação e constituição
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dos sujeitos. Este caminho direciona ao reconhecimento do que se entende por texto e
leitura como sendo constitutivos da prática social e dialógica.
Concepções de Texto e de Leitura
Numa sociedade escolarizada como a nossa, compreendemos que o ensino da
leitura, como um direito ao aluno, precisa ocupar grande parte do tempo gasto em sala
de aula, uma vez que o processo de escolarização é uma forma essencial de atividade
das crianças e dos jovens (OLIVEIRA, 2003). Neste sentido, desconsiderar este
processo, assim como quaisquer formas que empobreçam a experiência escolar, seria,
portanto, deixar de promover o acesso do sujeito a dimensões básicas de sua cultura
(OLIVEIRA, 1996).
No bojo desta questão, faz-se necessário explicitar as concepções de texto e de
leitura. Geraldi compreende o texto como “uma sequência verbal escrita formando um
todo acabado, definitivo e publicado” (GERALDI, 1997, p. 101), e também como
“objeto concreto de entrecruzamento de nossos interesses. Mas sua concretude não quer
dizer acabamento: o texto produzido completa-se na leitura. Neste sentido, o texto é
condição para a leitura; a leitura vivifica os textos” (GERALDI, 1996, p. 112), os quais
não são vistos apenas como um dos lugares em que a comunicação se efetiva, pois a
atividade verbal não se limita ao próprio texto, pelo contrário, é mediado por ele que a
interação acontece com mais eficácia. Por isto, Almeida e Silva (1998, p. 117)
asseguram que “o sentido do texto (da palavra escrita), não está no próprio texto, mas é
efeito do processo de leitura, do qual fazem parte, além do texto, o(s) sujeito(s) leitor
(es), suas histórias de vida e de leitura”.
Nesta mesma direção, Koch e Elias consideram que:
o texto é lugar de interação de sujeitos sociais, os quais,
dialogicamente, nele se constituem e são constituídos; e que, por meio
de ações linguísticas e sociocognitivas, constroem objetos de discurso
e propostas de sentido, ao operarem escolhas significativas entre as
múltiplas formas de organização textual e as diversas possibilidades
de seleção lexical que a língua lhes põe à disposição. (KOCH; ELIAS,
2012, p. 7).
À vista disso, estas autoras, tomando a concepção interacionista (dialógica) da
linguagem, consideram os sujeitos sociais como agentes de um processo recíproco, em
que, dialogicamente, eles se transformam, se constituem e são constituídos no lugar
mesmo da interação, ou seja, no texto. No bojo desta questão, os sentidos do texto só
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serão explicitados se este processo interacional for levado a cabo, pois a leitura e os
sentidos de um texto não são únicos.
Cada um dos sujeitos envolvidos dá vida ao texto lido, (re) significa-o à sua
maneira, elabora sentidos diferentes à proporção que lê o texto, porque cada mergulho
no texto representa voltar à superfície de uma forma diferente, com sentidos também
diferentes. E “a qualidade (profundidade) do mergulho de um leitor num texto depende
de seus mergulhos anteriores. Mergulho não só nas obras que leu, mas também na
leitura que faz de sua vida” (GERALDI, 2011, p. 112). Esta analogia fica evidente nas
palavras de Borges, citado por Chartier (2001), quando diz que um texto só ganha
existência quando há um sujeito para lê-lo, e que os significados deste texto mudam
conforme as leituras:
O que são as palavras postas em um livro? O que são esses símbolos
mortos? Nada absolutamente. O que é um livro se não o abrimos? É
simplesmente um cubo de papel e couro, com folhas; mas se o lemos
acontece algo estranho, creio que muda a cada vez. Heráclito disse (o
repeti demasiadas vezes) que ninguém se banha duas vezes no mesmo
rio. Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio porque as águas
mudam, mas o mais terrível é que nós não somos menos fluidos que o
rio. Cada vez que lemos um livro, o livro mudou, a conotação das
palavras é outra. (BORGES apud CHARTIER, 2001, p. XI).
Daí a importância de o professor buscar, juntamente com o aluno, estes sentidos
em movimento para apropriação de um texto. Esse movimento se efetivará com a
leitura, a qual, na perspectiva bakhtiniana, é compreendida como a ação de cotejar
textos, uma vez que “toda palavra (todo signo) de um texto conduz para fora dos limites
desse texto” (BAKHTIN, 1997, p. 404). E o cotejo de um texto com outros textos
produz a compreensão, o comentário, a réplica, o diálogo. Por isso consideramos, com
Bakhtin, que “compreender é cotejar com outros textos e pensar num contexto novo”
(Idem, p. 404). Fiorin (2008, p. 6) sintetiza as ideias de Bakhtin quanto à leitura,
considerando que ler é “colocar-se como participante do diálogo que se estabelece em
torno de um determinado texto”.
Nesse sentido, Ometto (2010), também pautada em Bakhtin, em sua tese de
doutorado, ressalta que ensinar leitura é determinar a dinâmica interlocutiva que ocorre
em torno de um texto em determinadas condições. Esse movimento “implica considerar
a centralidade, mas não a exclusividade do texto como fonte de sentidos e a
especificidade das condições de produção da leitura nas relações escolares e em seus
determinantes mais amplos” (OMETTO, 2010, p. 34). Na perspectiva assumida, o ato
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de ler é muito mais que decodificação. A leitura é uma atividade interativa altamente
complexa, constituindo um processo interacional socialmente determinado (OMETTO,
2010).
Ainda no bojo desta questão, Manguel (1997, p. 20) acrescenta que “todos lemos
a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos
para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler,
quase como respirar, é nossa função essencial”. Mas esta leitura não se trata de uma
atividade superficial que visa ao quantitativo de obras. Por isso mesmo Freire pontua
que “a insistência na quantidade de leituras sem o devido adentramento nos textos a
serem compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da
palavra escrita. Visão que urge ser superada” (1988, p. 17).
No que tange à concepção de leitura como forma de interação, Soares (2012, p.
68) define assim o ato de ler:
Um conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas, que se
estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a
capacidade de compreender textos escritos. Essas categorias não se
opõem, complementam-se; a leitura é um processo de relacionar
símbolos escritos a unidades de som e é também o processo de
construir uma interpretação de textos escritos.
É, pois, essencial que o professor, enquanto mediador da leitura, tenha como
objetivo, não a leitura para a interpretação ou resolução de atividades, mas a tenha como
uma forma de interagir com o aluno, produzindo sentidos que favoreçam o gosto e o
hábito por ela. Por isso Lajolo (1991, p. 62) salienta que “todas as atividades escolares
das quais o texto participa precisam ter sentido, para que o texto resguarde seu
significado maior”.
Assim, a leitura pode acontecer por prazer e não só por pretexto, pois cada um
possui uma vivência diferente, um contexto social diferente de modo que a oferta deve
ser diversificada, bem como os objetivos a serem alcançados. Assim, para Lajolo (1991,
p. 59),
Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um
texto. É, a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação,
conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada
um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono
da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela,
propondo outra não prevista.
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Portanto, para que o texto tenha significação, é preciso que o professor se
posicione em relação à concepção de linguagem como forma de interação em todas as
suas práticas em sala de aula, pois “não basta se entender palavra por palavra, também
não basta se entender sentença por sentença, se não se apreende o texto em sua unidade”
(ORLANDI, 1983, p. 20). Texto este que, ainda nas palavras da autora, “não resulta da
soma de frases, nem da soma de interlocutores: o(s) sentido(s) de um texto resulta(m) de
uma situação discursiva, margem de enunciados efetivamente realizados” (ORLANDI,
1983, p. 20). Por isso, o texto deve ser compreendido como lugar em que ocorre a
interação dos sujeitos sociais e, que, a partir dele, estes sujeitos se constituam e sejam
constituídos. Isso porque os sentidos do texto não estão prontos e acabados, mas se
constroem no momento em que se efetiva a interlocução.
Entendemos, portanto, que a leitura é um “momento crítico da constituição do
texto, pois é o momento privilegiado do processo da interação verbal: aquele em que os
interlocutores, ao se identificarem como interlocutores, desencadeiam o processo de
significação” (ORLANDI, 1983, p. 20). Isso significa que a leitura não deve limitar-se
ao que está dito, mas ir além dos seus limites, buscando o cotejamento das experiências
dos sujeitos leitores e dos contextos (texto e leitor). Para que isto ocorra, é necessário
que o professor oportunize situações concretas de interlocução, tendo como mediador os
vários textos de que possa fazer uso.
Gêneros e/ou tipos de textos: o que se leu na escola?
Tematizados linguagem, texto e leitura, apresentamos um recorte dos dados
produzidos em sala de aula e sistematizados no que se refere às atividades que
envolviam leitura de textos entendidos como uma sequência verbal escrita. Destacamos
que esta sistematização vai ao encontro do objetivo principal da pesquisa, a saber:
compreender os processos de mediação dos professores das diversas áreas do
conhecimento na promoção leitora dos alunos de um sexto ano do ensino fundamental
anos finais – eleitas as relações de ensino produzidas na sala de aula como o lugar de
investigação a fim de responder a seguinte questão de investigação: como tem sido
mediada a prática de leitura pelos professores das diversas áreas do conhecimento com
vistas à promoção leitora dos alunos de um sexto ano do ensino fundamental II?
Nos limites deste texto, apresentamos os gêneros e os tipos textuais que foram
utilizados nas atividades de leitura nas disciplinas observadas, fossem elas para
explicação de conteúdo, para responder e corrigir exercícios, para produzir textos,
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coletiva ou individual, em voz alta ou silenciosa.Nesta direção, entendemos com
Marcuschi, pautado nos conceitos bakhtinianos, que a comunicação verbal é
subordinada a algum gênero textual, entendido como forma verbal de ação social
relativamente estável realizada em textos situados nas mais diferentes esferas da
atividade humana. Os gêneros, portanto, caracterizam-se enquanto atividades sócio-
discursivas e, por sua extensa variedade, não seria possível estabelecer uma lista
fechada de todos eles. No entanto, salienta que “quando dominamos um gênero textual,
não dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente
objetivos específicos em situações sociais particulares”. (MARCUSCHI, 2002, p. 25).
Ainda para Marcuschi (2002, p. 23), “os tipos textuais constituem sequências
linguísticas ou sequências de enunciados e não são textos empíricos”. Para este autor, a
expressão tipo textual designa um tipo de construção teórica determinada pela natureza
linguística de sua composição, o que envolve aspectos lexicais, sintáticos, tempos
verbais, relações lógicas etc. Teoricamente, estes tipos textuais abrangem cinco
categorias, quais são: narração, injunção, descrição, argumentação e exposição.
Os textos narrativos são aqueles que narram um fato, fictício ou não, ocorrido
num determinado tempo e lugar, envolvendo figuras humanas fictícias criadas por um
autor. Nas aulas observadas, este foi o tipo textual mais utilizado nas atividades de
leitura, verificado exclusivamente nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática.
Em Língua Portuguesa, por exemplo, a leitura ocorreu a partir de história em
quadrinhos, biografia, tirinha, poema e piada e notícia. Este último comum às duas
disciplinas.
Notícia em exercício de Matemática
Fonte: material de matemática entregue em cópia avulsa
Também chamados de textos instrucionais, prescritivos, os textos injuntivos
orientam o interlocutor como realizar uma atividade e é utilizado para predizer ações e
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comportamentos. Suas marcas mais evidentes são verbos empregados no modo
imperativo, com ocorrência de verbos também no infinitivo ou no futuro do presente do
modo indicativo; o uso de vocativos e o uso de pronomes na segunda pessoa (tu ou
você). A leitura de gêneros textuais característicos do tipo injuntivo, como bula de
remédio (adaptada), receita culinária e manual de instrução, foi verificada apenas na
disciplina de Língua Portuguesa.
Gênero Manual de instrução.
Fonte: Delmanto e Castro, 2009, p. 190.
A terceira categoria refere-se aos textos descritivos, aqueles que visam
caracterizar pessoas, objetos, lugares ou animais. Não são textos em que se encontram
personagens, progressão temporal ou ações. Em textos injuntivos predominam os
verbos de estado no presente ou no pretérito imperfeito do modo indicativo, assim como
também são frequentes os adjetivos, devido à sua função caracterizadora.Dentre as
disciplinas observadas, apenas em Língua Portuguesa é que foi verificada a leitura de
texto descritivo. Consideramos que a descrição predominou no gênero textual
infográfico.
A quarta categoria compreende os textos argumentativos, cuja função é
persuadir o leitor, convencendo-o de aceitar uma ideia imposta pelo próprio texto. É o
tipo textual mais presente em manifestos e cartas abertas; quando também mostra fatos
para embasar a argumentação, se torna um texto dissertativo-argumentativo
(DELLOSSO, 2013). Devido a essas especificidades, consideramos que esse gênero foi
predominante no texto resenha de livro, lido apenas em uma aula de Língua Portuguesa.
A quinta categoria agrupa os tipos de textos expositivos ou dissertativos, os
quais têm por objetivo informar, esclarecer, explicar ou definir um assunto sem o
compromisso de julgá-lo. Sua característica fundamental é abordar a informação com
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clareza e objetividade. Em princípio, o texto dissertativo não está preocupado com a
persuasão e, sim, com a transmissão de conhecimento, sendo, portanto, um texto
informativo. Quando o texto, além de explicar, também visa à persuasão e à mudança de
comportamento do interlocutor, temos um texto dissertativo-argumentativo
(DELLOSSO, 2013). Diferentemente dos tipos textuais já apresentados, texto com o
objetivo de definir ou explicar um conteúdo foi lido em todas as disciplinas observadas,
porém com mais frequência em Língua Portuguesa, como o gênero convite. Outros
gêneros textuais em que consideramos a predominância do tipo expositivo são a
reportagem, lida na aula de Geografia; e os resumos, verificados apenas nas disciplinas
de Ciências e História.Completando os gêneros que compõem a tipologia expositiva
está o texto teórico-didático, não menos importante, mas que aqui optamos por
apresentá-lo por último, por ter sido o único gênero textual verificado em todas as
disciplinas observadas.Consideramos que o texto teórico-didático é aquele que, por sua
finalidade pedagógica, visa à instrução. A título de exemplo, limitamo-nos a apresentar
um trecho do texto didático observado na aula de História.
Texto teórico-didático de História.
Fonte: Oliveira e Assis, 2011, p. 117.
Postas estas cinco diferentes categorias, verificamos que diferentes gêneros
textuais foram apresentados pelos professores. No entanto, devido às especificidades
das disciplinas e da formação desses profissionais, observamos que a professora de
Língua Portuguesa foi quem possibilitou a leitura de um maior número de gêneros
textuais, os quais compreenderam as cinco tipologias aqui apresentadas. A esse respeito,
Bakhtin (1997, p. 325) nos expõe que “as diversas formas típicas de dirigir-se a alguém
e as diversas concepções típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que
determinam a diversidade dos gêneros do discurso”. No entanto, verificamos que não
foram explicitados como gêneros vivos, mas como gêneros escolarizados.
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Considerações
Desenvolver um estudo acerca da leitura requer que enfrentemos questões
relacionadas ao estudo da linguagem, considerando que a mesma se faz presente nos
mais variados âmbitos da sociedade e que circula com especificidades nas diferentes
esferas sociais.
São estas diferentes esferas sociais das quais os sujeitos têm o direito de
participar que os aproximam de determinados gêneros discursivos, mediados pelas suas
práticas sociais. Bakhtin aponta que “cada enunciado particular é individual, mas cada
campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados,
os quais denominamos gêneros do discurso” (2011, p. 262).Dessa forma, dados os
limites deste artigo, o recorte apresentado teve como foco práticas de leitura em sala de
aula que apresentavam ao aluno uma gama de gêneros discursivos cujos textos
possibilitavam a interlocução e, consequentemente, a produção de sentidos.
As práticas de leitura, verificadas no cotidiano da sala de aula, mostraram a
possibilidade que as mesmas têm de serem desenvolvidas em todas as áreas do
conhecimento, possibilitando, também, que os alunos leiam constantemente variados
gêneros, de diferentes tipologias textuais.
Posto isto, reiteramos a necessidade deque o trabalho com a leitura em sala de
aula esteja engendrado ao trabalhodos professores das diferentes áreas do saber, e que
estes também tenham conhecimentos básicos e formação, ainda na graduação, sobre
leitura para o exercício da docência, uma vez que ela (a leitura) possibilita ao aluno o
acesso aos conhecimentos científicos, à cultura. E por assim compreendermos a sua
importância no processo de elaboração dos conhecimentos escolarizados, e também o
papel que o professor deve assumir em sala de aula em relação à leitura, consideramos
que esta deva ser uma prática em circulação também nos cursos de licenciatura, a fim de
que os professores sejam orientados e preparados para o efetivo trabalho com a leitura
em sala de aula.
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O ESPAÇO DE SUPERVISÃO DO ESTÁGIO NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES
Rita de Cássia Cristofoleti
Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP
Faculdade Salesiana Dom Bosco de Piracicaba
Resumo
Este estudo tematiza o espaço de supervisão de estágio em um curso de Pedagogia,
buscando compreender como, ao instaurarem um espaço de interlocução sobre as
vivências experimentadas na escola, formavam os professores e seus formadores.
Assumindo como referencial teórico as contribuições da teoria enunciativa de Bakhtin,
nele buscou-se uma aproximação analítico-interpretativa dos processos de produção de
sentidos em circulação na relação de supervisão de estágio, tomada como lócus de
investigação do processo de formação. Partindo das especificidades da relação de
supervisão de estágio em suas condições de produção mais amplas (como parte do
processo de formação teórico-prático de professores) e imediatas (no interior de uma
instituição de ensino superior) foi desenvolvida uma análise da dinâmica interlocutiva
produzida nos encontros de supervisão. Os dados produzidos na pesquisa evidenciam
que a supervisão de estágio, entendida como um espaço de orientação e de controle da
realização do estágio, configura-se no cotidiano de sua realização, como um espaço em
que o próprio processo de formação é posto em perspectiva e questionado. Mais do que
respostas, a relação de supervisão produz indagações, explicita contradições e limites
dos processos educativos vividos na escola básica e na formação acadêmica inicial.
Neste sentido, suas possibilidades formativas situam-se na problematização da
complexa relação existente entre teoria e prática, ao permitir que estagiários e
formadora olhem para ela na concreticidade de sua produção entretecida nas ações e
opções dos professores.
Palavras-chave: Estágio Supervisionado. Formação Inicial de Professores. Prática
Docente.
Introdução
O texto que ora apresento é parte da tese de doutorado defendida no ano de
2015. Interessada em apreender os sentidos da escola e da docência que circulam e são
elaborados nas relações de estágio e de supervisão, apoiei-me nos estudos de Bakthin
(1999) nos quais o conceito de compreensão refere-se aos processos de produção de
sentidos em que os sujeitos participantes das relações sociais, a partir dos lugares
sociais que ocupam (tanto em termos de sua inscrição na divisão social do trabalho -
condições sociais mais amplas de produção -, quanto das especificidades imediatas da
interação produzida), procuram ativamente orientar-se em relação aos significados nelas
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postos em circulação, confrontando-os com os sentidos constitutivos de suas
experiências. Nesse sentido, compreender é produzir réplicas que se materializam em
palavras, em gestos, no silêncio, na recusa, na adesão, nos modos de agir que são
assumidos. Nessas réplicas, indiciam-se os sentidos elaborados e em elaboração pelos
sujeitos na concretude das interações vividas.
Assim, os sentidos sobre a escola, sobre suas práticas, sua organização e sobre a
legislação que a ordena, de que os sujeitos se apropriam e singularizam como próprios,
são construídos continuamente nas relações sociais produzidas na própria escola e
naquelas em que a escola é tematizada, seja nas conversas cotidianas, nas teorizações
estudadas, na formação inicial, na Universidade, nas situações vividas no estágio etc.. É
nas condições objetivas das relações sociais, que são sempre relações de poder,
marcadas pelas múltiplas pertenças – pertença de classe social, pertença de gênero, raça,
geração etc. – e lugares sociais, distintos e assimétricos, ocupados pelos interlocutores,
que os sentidos da escola, da docência, da democratização, da participação, da qualidade
do ensino, da autonomia, da identidade, centrais nas teorizações hegemônicas acerca da
profissionalidade docente, vão sendo apropriados e elaborados, tornando-se parte
daqueles que os enunciam.
Assumindo tais referências, procurei explorar as especificidades da relação de
supervisão tomada por mim como lócus de investigação do processo de formação.
A supervisão de estágio é aula?
No conjunto das relações sociais constitutivas do processo de formação, a
supervisão de estágio reveste-se de especificidades que merecem ser analisadas. O que é
e como se configura o espaço da supervisão de estágio?
Para conduzir tal discussão recorri a um estudo de Matêncio (2001) que,
assumindo a aula como um gênero escolar, aborda suas especificidades no contexto do
ensino da língua materna e a um artigo de Fontana (2001) que problematiza a noção de
aula como uma relação de ensino intersubjetiva.
Segundo Matêncio (op.cit., p.98), do ponto de vista de características que a
definem tipologicamente, a aula é um evento de interação:
1) constituído no quadro das práticas socio-históricas institucionais de
ensino/aprendizagem e pressupõe a articulação entre diferentes modos
de apropriação da realidade e de materialização discursiva.
2) o professor gerencia a interlocução - originariamente de natureza
assimétrica e coletiva - à luz de objetivos didáticos de longa, média e
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curta duração, com base em um projeto de interação, tendo as funções
básicas de animador, informador e avaliador;
3) a materialização didático-discursiva do projeto de interação está
subordinada tanto a aspectos cognitivos como a aspectos sociais
emergentes de interação; configura-se assim, um evento intermediário
no contínuo entre os rituais [que se caracterizam por terem seus
conteúdos e as posições das unidades funcionais determinados
anteriormente] e espontâneos, efeito de ajustes em seus ritmos social e
acadêmico. (MATÊNCIO, 2001, p. 98).
Uma aula também é composta por diferentes etapas, compreendendo as etapas
introdutórias - abertura e preparação - que é a abertura efetiva da aula quanto aos seus
objetivos didáticos; as etapas instrumentais que compõem o desenvolvimento da aula e
as etapas de conclusão e encerramento (temporal) do encontro (MATÊNCIO, 2001,
ROJO, s/d).
Fontana (2001) também define a aula como um processo interativo, centrado na
finalidade de ensinar e aprender, que acontece sempre entre sujeitos organizados
socialmente, no contexto institucional específico e relativamente estabilizado da escola.
De modo a destacar seu caráter intersubjetivo, nem sempre explicitado sob a ilusão do
poder controlador e silenciador em absoluto do professor, a autora procura analisar a
mediação dos alunos, como interlocutores imediatos do professor, em todas as etapas
constituintes desse evento discursivo. Nesse sentido, ela sinaliza como desde a etapa de
preparação pelo professor, a aula vai sendo mediada por suas lembranças, experiências e
expectativas em relação aos alunos e que seu desenvolvimento, ainda que conduzido
pelo professor, é afetado, todo o tempo, pelas réplicas verbais e não verbais de seus
interlocutores. Tais réplicas, segundo Fontana, não afetam o professor apenas no
momento da aula. Elas também o acompanham depois do encerramento temporal do
encontro com os alunos, mediando, como experiência efetiva, sua preparação de novas
aulas.
Pensando na especificidade da supervisão de estágio e levando em consideração
os elementos destacados por Matêncio (2001) e Fontana (2001), considerei adequado
defini-la como aula, tanto por sua finalidade – ensinar e aprender - quanto por seu
caráter institucional, pois qualquer que seja o modo como se organize (com observação
in loco do supervisor ou não), a supervisão de estágio é uma relação de ensino,
institucionalizada, deliberada e explícita para seus participantes. O professor supervisor
e os estagiários nela ocupam lugares sociais diferenciados, claramente definidos e
regulamentados nas propostas de estágio, que normatizam os comportamentos deles
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esperados e as tarefas que devem cumprir.
Também como a aula, a relação de supervisão situa-se como um evento
intermediário no contínuo entre os rituais e espontâneos, na medida em que a
compreensão, que seus participantes têm dos lugares e papéis sociais por eles ocupados,
direciona “o grau de formalidade no registro linguístico utilizado e as relações
interpessoais, além de intervirem no tipo de gerenciamento proposto para o evento"
(MATÊNCIO, 2001, p. 81).
No caso da supervisão, esse gerenciamento prevê que seu desenvolvimento não
se realize predominantemente pela “fala professoral” (BARTHES, 1988). Nela
asseguram-se a tomada da palavra pelos aprendizes e o espaço para que o professor
supervisor se coloque como ouvinte. Tais garantias decorrem do fato de que a
supervisão se institucionaliza com o objetivo de acompanhar sistematicamente o estágio
em realização pelos aprendizes, seja no sentido de controlar se ele de fato está
acontecendo, seja no sentido de intervir nas ações dos aprendizes, colocando em
discussão os procedimentos por eles adotados, dirigindo sua atenção para elementos,
relações e acontecimentos constitutivos da dinâmica escolar que lhes tenham passado
despercebidos, comentando e avaliando os pontos chave das situações por eles vividas e
que foram observadas pelo supervisor ou a ele descritas e narradas, oralmente e/ou por
escrito, pelo aprendiz.
Para que esse tipo de relação se instaure é necessário que o professor supervisor
se coloque na condição de ouvinte, na condição de destinatário das descrições,
narrativas, explicações e argumentações do aprendiz. O lugar de ouvinte implica uma
preparação diferenciada do encontro de supervisão pelo professor que o coordena. Mais
do que uma exposição pré-organizada, sequenciada e lógica sobre um tema, mesmo que
relativo às ocorrências do estágio, como seria esperado em uma situação de aula, a
expectativa em relação ao supervisor de estágio é a de que ele instaure a interlocução
com os aprendizes sobre situações do estágio por eles verbalizadas. Nesse sentido,
compete-lhe: mobilizar os estudantes para que escrevam ou falem sobre o estágio; ler os
registros escritos dos alunos; comportar-se como um ouvinte atento de seus dizeres e
produzir uma réplica verbalizada em relação a eles, na forma de comentário, de análise,
de perguntas, de avaliação, de sugestões etc..
Uma das habilidades requeridas do professor, no desenvolvimento do encontro
de supervisão, é a de sustentar interlocuções que remetem a diferentes campos
disciplinares da formação que se entrecruzam com o que e no que os estagiários
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verbalizam acerca de sua vivência da escola, uma vez que o modo que eles olham para a
escola, seus atores e as relações sociais que ali se produzem relaciona-se intimamente
com sua condição de alunos de um curso de graduação e com as referências apropriadas
e elaboradas por eles nesse contexto.
Além de sua habilidade como animador da interlocução, compete ao professor
supervisor, tendo em conta objetivos didáticos de longa, média e curta duração, regular
os sentidos e modos de dizer em jogo nessas interlocuções, bem como discipliná-las,
evitando que seus participantes se desviem dos assuntos colocados em foco.
Na situação de supervisão, o professor muitas vezes intervém no sentido de
disciplinar a interlocução, chamando para si o restabelecimento de uma ordem
desejável/desejada para a conversa. Ele também procura regular o descompromisso
disciplinar dos estagiários que narram fragmentos de suas vivências sem uma
preocupação em fazer uso de conceitos aprendidos ou de vincularem seus dizeres aos
repertórios interpretativos do campo da docência, como também naturalizam
explicações, sem tentar analisar as situações abordadas na interlocução com os
conhecimentos disciplinares de sua formação.
O fato de a supervisão não ser disciplinada em função de uma única narrativa,
dificulta a realização dessas expectativas e resulta em intervenções, nem sempre bem
sucedidas, por parte do professor supervisor.
Há que se destacar que, por vezes, o próprio professor supervisor demora-se em
conversas iniciais com os alunos, antes de dar início à supervisão propriamente dita.
A esse respeito, ressalto, por exemplo, que as abordagens e as
estratégias de ensino, refletem, além de características socio-históricas
do saber ensinar, a subjetividade. Isso explicaria as chamadas
"variações de estilo", que fazem com que alguns professores "gastem"
seu tempo conversando com os alunos e que outros optem por
priorizar a interlocução de um ponto de vista estritamente didático.
(MATÊNCIO, 2001, p. 80).
Nesse sentido, outra especificidade da supervisão de estágio, como aula, é que
ela se organiza em torno dos relatos sobre o estágio, produzidos pelos aprendizes e
centrados em questões mais cotidianas sobre a escola e dos comentários do supervisor
de estágio sobre esses relatos, tendo em vista sua aproximação e seu cotejamento com
as referências dos saberes sistematizados e das explicações de caráter científico
produzidas sobre a escola.
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A condição de atividade instituída da supervisão e a posição hierárquica do
supervisor em relação aos aprendizes, como alguém que estabelece as condições a
serem por ele observadas no estágio, acompanha o desenvolvimento dessa atividade e
avalia seu desempenho, antecipam as possibilidades de que essa forma de interlocução
se realize. Elas asseguram que os estagiários produzam os relatos escritos, que
comumente lhes são solicitados nos estágios, que tomem a palavra no momento do
encontro presencial e também que escutem, levem em conta as intervenções do
supervisor.
Nesse contexto, cabe destacar, há uma expectativa dos estagiários pelos
comentários do supervisor, é a ele, mais do que a seus pares, que os estagiários se
dirigem, esperando indicações de como agir, de como resolver as situações difíceis com
que se deparam na escola. Se por um lado, essa expectativa assegura a escuta e a
atenção ao que o supervisor diz, aponta ou sugere, por outro, ela não garante a
aceitação, a concordância e a valorização de suas intervenções.
O endereçamento privilegiado dos enunciados dos aprendizes ao supervisor se
explica tanto pela posição hierárquica ocupada por ele na relação de estágio, como
também pela imagem de profissional experiente de que seu lugar social se reveste.
A supervisão de estágio em acontecimento
Interessada em compreender como as relações da supervisão de estágio, ao
instaurarem um espaço de interlocução sobre a docência, a escola e a formação
acadêmica inicial, afetavam os estagiários e seus formadores, assumi os encontros
presenciais de supervisão, dos quais participava na IES em que atuo, como lócus da
pesquisa e a dinâmica interlocutiva neles produzida como “objeto” de análise. Elegi
como participantes da pesquisa as alunas que frequentavam, em 2012, o 5º e 6º
semestres do curso de Pedagogia, cujos estágios acompanhei, como supervisora, durante
02 anos.
Assim, estou chamando de supervisão em acontecimento, aquela que é
efetivamente realizada. Nela, as orientações e prescrições relativas aos estágios são
reconhecíveis, ainda que não coincidam perfeitamente com o que se realiza. A
supervisão em acontecimento se reveste de particularidades que não estão previstas nas
prescrições e documentos referentes ao estágio. Essas particularidades nascem das inter-
relações entre os sujeitos concretos que vivenciam os estágios e os encontros de
supervisão e remetem aos diversos papéis que exercem, a seus modos de apresentar-se,
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a suas aspirações, a seus objetivos, aos graus de submissão que indiciam ter em relação
a exigências sociais etc..
Um exemplo dessas particularidades evidencia-se logo no início do estágio.
Apesar de ser bastante aguardado pelos alunos em função de seu interesse pela prática
docente e pela curiosidade em saber como a escola - espaço institucional ao mesmo
tempo conhecido (em função de sua condição de alunos ao longo de sua escolaridade) e
desconhecido (porque vai ser olhada, a partir de um outro lugar social) - organiza-se e
como as professoras conduzem-se profissionalmente, o estágio é objeto de muitas
reclamações. A dificuldade para encontrar horas vagas para conciliar trabalho, estágio e
faculdade faz com que a queixa prevaleça. Em um primeiro momento, algumas alunas
enxergam o Estágio como mais um trabalho imposto pela Faculdade, do que como algo
que contribuirá para sua formação profissional.
O estágio chega e a gente sem tempo para fazer, porque trabalhamos o dia
inteiro. Não podemos pular essa parte?,dizem algumas alunas.
Em função das dificuldades de tempo, no caso do grupo participante da
pesquisa, bem como o de outros grupos de alunas, estabelecem-se alguns acordos no
sentido de assegurar a realização do estágio, tais como: realizar 2 horas de estágio por
dia até completar a carga horária do semestre, realizar todo o estágio do ano no período
de férias do trabalho, ou mesmo realizar os estágios depois de finalizadas as disciplinas.
Outras alunas, em contato com as escolas e com a dificuldade de inserção em
seu cotidiano questionam a obrigatoriedade da escola em aceitar as estagiárias:
Rita, as escolas têm obrigação de aceitar estagiária?
Eu fui procurar estágio numa escola perto de minha casa e a diretora não
aceitou. Aí eu tava comentando com a minha cunhada, ela é supervisora das escolas
municipais. A minha cunhada estranhou dela não ter aceitado. Aí eu fiquei pensando,
mas será que ela tem obrigação de aceitar estágio?
A dificuldade em se conseguir estágio nas escolas evidencia a contradição
existente entre a obrigatoriedade do estágio e o fato de sua condição de cumprimento
não ser assegurada nem pelas escolas de Educação Básica e nem pela faculdade. Os
questionamentos feitos pelas alunas a esse respeito indiciam o desconforto intelectual
(SCHWARTZ, 2008, 2001) que experimentam em relação a uma obrigatoriedade
cobrada apenas daquele que deve fazer o estágio e não daqueles que devem oferecê-lo e
viabilizá-lo.
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A andança pelas escolas, na tentativa de achar uma que aceite estagiários é
sempre relatada como desanimadora, bem como os requisitos burocráticos do início do
estágio contribuem para reforçar a ideia de que é algo cansativo e cheio de entraves.
Nossa, quanto papel que tem que preencher! Porque precisa de tudo isso? Devia
só ir na escola e observar e pronto... Tá feito o estágio.
O fato de algumas diretoras e coordenadoras das escolas explicitarem que a
escola não quer estagiários - Aqui não cabe mais, já tem muita estagiária. As
professoras estão cansadas de estagiárias em suas salas – suscita indagações nas
alunas acerca dessa recusa e da própria relevância formativa do estágio realizado nessas
condições.
Como a atividade de estágio não é espontânea e sim imposta como uma
condição da formação para obter o diploma de pedagoga, as estagiárias chegam à escola
em cumprimento a uma tarefa escolar acadêmica que é precedida e acompanhada por
leituras, conversas, negociações – com o professor supervisor. Como bem sintetiza Clot
(2007), o estágio é para o iniciante, um processo de inserção em um contexto alheio
pautado por intenções igualmente alheias, às quais ele responde ativamente.
Nas supervisões, as perguntas indiciam preocupações com relação aos modos de
agir no estágio: Como vamos fazer Rita, podemos anotar tudo o que a professora faz em
aula? O que vamos dizer a ela (professora) já no primeiro dia de estágio?
Tendo em conta tais preocupações, os primeiros encontros de supervisão são
dedicados a orientar a inserção dos estagiários na escola. Uma sugestão sempre feita é a
de que se aproximem aos poucos das práticas escolares instauradas na sala de aula,
através de conversas com os professores e com as pessoas que trabalham na escola. As
principais orientações são as de que explicitem para a professora ou professor, em cuja
sala estiverem inseridos, que o estágio é um espaço privilegiado de aprendizagem dos
modos de ensinar e de aprender e que não é atividade de observação apenas, estando,
por isso, os estagiários disponíveis para ajudá-los no que for preciso, desde que sejam
orientados por eles.
O objetivo dessas recomendações iniciais é o de que os estudantes instaurem,
desde o primeiro dia do estágio, espaços de atuação junto aos professores, de forma a
não se limitarem a observar as práticas docentes produzidas. Cheguei a essas
recomendações através de experiências anteriores como supervisora, nas quais fui
percebendo que a maioria dos estagiários tendia a observar a aula, mantendo-se
sentados nas últimas carteiras da sala, alegando que era difícil conseguir uma
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aproximação mais direta com os professores da sala, seja por dificuldades pessoais, seja
porque eles, os professores, não abriam espaços espontaneamente.
Assumindo o reconhecimento dessas dificuldades, passei a sinalizar,
deliberadamente, que havia que se preparar para elas, lembrando com Fontana e
Guedes-Pinto (2002, p. 13) que: “trabalhar na escola, quando não se tem um lugar
definido e assegurado [dentro dela], implica em negociar um lugar com o professor ou
professora, implica preparar-se para ocupá-lo, implica experimentar-se diante da sala
toda e do professor [...]”.
A partir da ideia de negociar um espaço com os professores, passei a orientar os
estagiários a assumirem os espaços que lhes fossem possibilitados, qualquer que fosse
sua natureza - corrigir cadernos dos alunos, escrever conteúdos na lousa, ajudar um
aluno com mais dificuldade etc. – explicitando alguns dos aprendizados sobre a
atividade docente que tais formas de atuação permitem elaborar.
Outra orientação dada aos estagiários e retomada com a turma estudada dizia
respeito ao material a ser levado para a escola como material de estágio - um caderno de
anotações, a que damos o nome de diário de campo, onde devem ser registradas as
observações feitas a cada dia de estágio – e à forma de proceder ao registro. Os alunos
são orientados a não escrever tudo o que a professora faz em aula, mas algumas
palavras-chave que depois facilitem a elaboração mais detalhada e descritiva das
observações, tendo em vista os relatórios a serem feitos sobre o estágio realizado,
conforme especificação anteriormente feita.
Mesmo nas anotações breves, as impressões dos estagiários sobre a escola, a
professora, as crianças e a aula de que participaram aparecem e têm efeitos, sobre as
professoras e sobre os próprios estagiários. Tais efeitos são frequentemente relatados
nos encontros de supervisão.
Outro dia, a professora ficou tão preocupada com o que eu estava escrevendo
que pediu para ler o meu diário de campo. Nunca mais anotei nada das minhas
impressões. Chego em casa e faço o relatório, para não esquecer.
Em outra situação de anotação das atividades observadas na escola, uma aluna
estagiária comentou o seguinte:
Um dia eu fiquei super preocupada porque eu fui no intervalo com os alunos e
esqueci meu diário de campo na sala... E eu sempre anotava coisas do tipo: Não
acredito que a professora falou isso ou fez aquilo. Aí a professora ficou na sala
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corrigindo os cadernos dos alunos e eu fui para o intervalo com eles... Imagina se ela
olha o que eu escrevi... Ela não ia me deixar entrar na sala dela de novo.
Em algumas escolas, as coordenadoras pedem para ler os relatórios antes que as
alunas os entreguem para as professoras supervisoras de estágio. Incomodada com isso
uma aluna decidiu escrever dois relatórios distintos:
Eu já aprendi, faço um relatório para a escola e faço outro para você Rita,
porque nesse que a coordenadora quer ver, eu não posso escrever tudo o que penso. Tá
certo, né??
As preocupações com os registros dão visibilidade às tensões em que se
assentam as relações de estágio. O desconforto intelectual apontado por Schwartz é
vivido também por aqueles que recebem os estagiários. Fontana e Pereira (2012, p. 15-
16), em um dos simpósios apresentados no XIV ENDIPE, resumem assim os
sentimentos experimentados pelos professores, frente aos apontamentos feitos pelos
estagiários:
Os educadores em atuação na escola básica, por sua vez, reclamam
dos registros por se sentirem invadidos em seu trabalho pelas
orientações dos formadores, materializadas no olhar perscrutador dos
estagiários e em seus apontamentos, e por não terem assegurado o
acesso a eles. Eles reivindicam a leitura dos relatórios feitos pelos
alunos e, quando lêem essa produção, questionam a plausibilidade dos
registros produzidos, por neles não se reconhecerem. Manifestam
sentirem-se incompreendidos e mal avaliados pelos estudantes.
Por outro lado, as próprias impressões que as pessoas que trabalham na escola
vão fazendo das alunas estagiárias, evidenciam "estranhamento" e "recusa" com relação
à permanência delas na escola.
Ao explicitar as dificuldades de aceite nos primeiros momentos e contatos com a
escola, uma das alunas relatou o seguinte na supervisão de estágio:
Rita, eu não sei se vai dar certo na escola que eu arrumei para fazer o estágio?
Por que, o que aconteceu? Você mal iniciou?
Sabe o que é, eu estava na sala da diretora, para ela assinar meus documentos
para o início do estágio e uma das professoras sinalizou para a diretora – Para mim
não, eu não quero estagiária na minha sala. A diretora ficou meio sem graça, sem jeito,
porque ela percebeu que eu vi, mas disse para a professora que quem decidia aonde as
estagiárias iam era ela e não a professora. O que eu faço Rita, se eu tiver que estagiar
nessa sala com essa professora? Ela já não me quer, sem me conhecer.
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Como aponta Fontana (mimeo, s/data), o que não se sabe de antemão, em se
tratando do estágio e da supervisão, é o que vai acontecer estando o jovem estagiário na
escola, face a face com os sujeitos singulares que a produzem, pois é nessa
relação que vai se construir uma história entre esses sujeitos, cujo desfecho não se tem
como antecipar.
Considerações Finais
A insegurança, o medo de não saber o que fazer, o medo da professora não abrir
espaço para o estágio, o medo de não serem bem-vindos na escola, são sentimentos que
tomam conta dos estudantes, praticamente em todo o início do estágio. Esses
sentimentos indiciam o não domínio do patrimônio profissional pelo aprendiz de
professor e sua dependência dos outros que lhe atribuem seu lugar na escola, acolhendo-
o na distribuição social das atividades dentro dela e iniciando-o na sua realização.
No que tange à supervisão, por mais que a professora seja conhecida, as regras
de funcionamento dos encontros sejam explícitas e os critérios de avaliação conhecidos,
inseguranças e medos também se manifestam, uma vez que na relação de supervisão
encontram-se e contrapõem-se duas instâncias da formação que se cruzam no estágio –
a formação acadêmica e a vivência de situações práticas. Na supervisão, o desconforto
intelectual põe em questão a organização e condições de produção tanto da educação
básica quanto da formação em nível superior.
Daí a importância de apreender, nos encontros de supervisão, indicadores dos
sentidos da escola, da docência e da formação acadêmica em circulação e em debate na
supervisão de estágio, bem como de identificar quais desses sentidos eram privilegiados
e como afetavam as compreensões em elaboração pelas estagiárias e pela própria
professora supervisora acerca de seu papel como professora.
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