Pesquisa em Agroecologia -...

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dezembro 2006 vol. 3 nº 4 Pesquisa em Agroecologia diálogo de saberes no desenvolvimento local

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dezembro2006vol. 3

nº 4

Pesquisa emAgroecologiadiálogo de saberesno desenvolvimento local

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2 Agriculturas - v. 3 - no 4 - dezembro de 2006

v. 3, nº 4(corresponde ao v. 22, nº 3 da Revista LEISA)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos

em Agricultura Alternativa -, em parceria com a FundaçãoIleia – Centre of Information on Low External Input and

Sustainable Agriculture.

AS-PTARua Candelária, n.º 9, 6º andar.

Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21)2233-8363

E-mail:[email protected]

Fundação IleiaP.O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.

Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10www.ileia.org

Conselho EditorialEugênio Ferrari

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

Jean Marc von der WeidAS-PTA

José Antônio CostabeberAss. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica

e Extensão Rural - Emater, RS

Marcelino LimaDiaconia, PE

Maria Emília PachecoFederação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional-Fase/RJ

Maria José GuazzelliCentro Ecológico, RS

Miguel Ângelo da SilveiraEmbrapa Meio Ambiente

Paulo PetersenAS-PTA

Romier SousaGrupo de Assessoria em Agroecologia na Amazônia - GTNA

Sílvio Gomes de AlmeidaAS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editor convidado para este número João Carlos Costa GomesProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Adriana Galvão Freire, João Carlos Costa Gomes,Nádia Maria Miceli de Oliveira e Paulo Petersen

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque Rosa L. Peralta

Tradução Maria Helena Souza Abreu e Maria José GuazzelliRevisão Gláucia Cruz

Foto da capa Construindo o entendimento sobre ofuncionamento dos solos: pesquisadora Adriana Aquino, daEmbrapa Agrobiologia, em interação com a família Gross,

Comunidade Pinheiral, Palmeira, Paraná.Fotógrafo Edinei Almeida

Projeto gráfico e diagramação I GraficciImpressão Holográfica

Tiragem 3.300

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

ISSN: 1807-491X

Edito

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a necessidade nasce a novidade.” Esse dito popularexpressa bem como diferentes sociedades do plane-ta, em diferentes momentos de suas histórias, cria-

ram suas próprias soluções técnicas e sócio-organizativas para de-senvolver suas agriculturas. Essas soluções foram geradas e disse-minadas com base na íntima interação entre o ser humano e osdiversos ecossistemas em que vivia e produzia. Inovações agrícolassurgiam assim da iniciativa de experimentação dos próprios agri-cultores e agricultoras, quando desafiados a responder necessida-des concretas com as quais se deparavam. Além de inovarem auto-nomamente, valendo-se para tanto de suas bagagens culturais, desuas habilidades criativas e dos recursos da natureza localmentedisponíveis, os(as) agricultores(as) sempre demonstraram notávelcapacidade de transmitir seus conhecimentos a seus pares. Nesseprocesso, a inovação tem um claro sentido de aplicabilidade local,não havendo, portanto, a separação entre a geração de conheci-mentos e o seu uso social.

A pesquisa nas ciências agrárias, por sua vez, surgiucomo atividade profissional há cerca de 150 anos. Um período detempo irrisório se comparado com aos dez milênios de história daagricultura. Essa união entre técnica e ciência na agricultura, so-bretudo após a II Guerra Mundial, se deu sob a égide do mercadoque, graças justamente à técnica e à ciência, assumiu uma dimen-são global. Com isso, as motivações para a inovação tecnológica sedesvincularam das necessidades do desenvolvimento local, passan-do a ser orientadas fundamentalmente para atender os interessesdos agentes controladores dos mercados que operam com base emeconomias de escala pela via da padronização e universalização dosmétodos de manejo agrícola. Não é sem razão que a agriculturapassou a ser concebida simplesmente como um “agronegócio”, ouseja, tem sido dominada pela lógica instrumental e utilitarista daeconomia de mercado, em detrimento das múltiplas funções quedesempenha nas sociedades, entre elas a promoção de segurança esoberania alimentar, a geração de emprego, a conservação de cul-turas e modos de vida e a preservação ambiental.

Nesse contexto, restaurar a precedência dos interessesdas populações locais nos processos de inovação na agricultura éum desafio que vem sendo assumido pelos movimentos de defesada Agroecologia em todo o mundo. Para tanto, as dinâmicas deinovação agroecológica vêm trilhando seus caminhos procurandoarticular, num mesmo processo, as formas intuitivas/integradorasde experimentação adotadas pelos(as) agricultores(as) com osmétodos racionais/analíticos empregados pelos pesquisadores pro-fissionais. Nesse caso, o enfoque das pesquisas tem sido orientadopara o desenvolvimento de agroecossistemas que sejam a um sótempo produtivos e que possuam alto grau de autonomia comrelação a insumos e conhecimentos externos.

Metodologias participativas de pesquisa vêm sendodesenvolvidas a partir de interações entre instituições acadêmico-científicas e grupos e organizações de agricultores, interações essasem geral mediadas por ONGs ou órgãos oficiais de extensão rural.Nem sempre tem sido uma condição de fácil alcance assegurar oprotagonismo dos agricultores nesses espaços, de forma a permitiro efetivo diálogo entre os distintos saberes e o equilíbrio das rela-ções de poder entre agricultores e pesquisadores durante o processoinvestigativo. Bloqueios de ordem institucional, metodológica,tecnológica e mesmo filosófica (a noção da superioridade do conhe-cimento científico) continuam impondo obstáculos ao empode-ramento dos(as) agricultores(as). Pouco a pouco, com a evoluçãodas experiências concretas, esses obstáculos vêm sendo superados ea própria idéia do que é participação vai se qualificando.

Este número da Revista Agriculturas apresenta algu-mas experiências significativas nesse sentido. Entre outras ques-tões que merecem destaque, elas evidenciam que não existem re-ceitas universais para a promoção do diálogo entre os saberes cien-tífico e cultural. A pluralidade e a criatividade metodológicas de-vem ser estimuladas para que a pesquisa se integre a processos dedesenvolvimento local orientados pelos interesses e necessidadesda sociedade e, em particular, dos agricultores e das agricultoras.

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Artigos

Editor convidado João Carlos Costa Gomes pág. 4

Universidade, extensão e desenvolvimento rural: pág. 6uma experiência no Vale do JequitinhonhaEduardo Magalhães Ribeiro, Flávia Maria Galizoni eBoaventura Soares de Castro

Construindo o conhecimento agroecológico: pág. 28trajetória de interação entre ONG, universidade eorganizações de agricultoresIrene Maria Cardoso e Eugênio Alvarenga Ferrari

Pesquisa participativa em cafezais de Veracruz, pág. 24México: avanços na busca da sustentabilidadeCarlos H. Ávila Bello, Santo Franco Duarte, Julieta María Jaloma Cruz, MartinaMartínez Martínez e Luis F. Zetina Martínez

Melhorando o serviço de extensão rural em Yunnan, China pág. 20Andreas Wilkes, Shen Shicai e Huang Yulu

A Estação Experimental Cascata e a construção da base pág. 15científica da AgroecologiaJoão Carlos Costa Gomes, Carlos Alberto Medeiros ,Gustavo Crizel Gomes e Lirio José Reichert

Páginas na internet pág. 34

Publicações pág. 33

O Grupo de Citricultura Ecológica: pág. 11aprendendo com a participaçãoFábio Dal Soglio, Eduardo Nascimento Abib e Derli Paulo Bonine

Próximos números pág. 36

pág. 28

pág. 24

pág. 20

pág. 15

pág. 11

pág. 6

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4 Agriculturas - v. 3 - no 4 - dezembro de 2006

Edito

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os últimos tempos, temos observado o fortalecimento da Agroecologia emvários setores, inclusive na pesquisa científica. O que já se pronunciava nosmovimentos sociais e nas ONGs, ganhou espaço em ambientes acadêmicos,

bem como em instituições e políticas públicas. A recente realização do 4º Congresso Brasileiro deAgroecologia, a criação da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), sua atuação junto à Articu-lação Nacional de Agroecologia (ANA) e o lançamento do Marco Referencial em Agroecologia pelaEmbrapa, juntamente com iniciativas de universidades e empresas estaduais de pesquisa, sustentamesta afirmação.

Os textos aqui publicados tornam evidentes que a pesquisa em Agroecologia tem dimen-sões que extrapolam o viés produtivista que domina o enfoque da investigação científica convencio-nal. Eles apresentam casos concretos de construção do conhecimento agroecológico por meio dainteração entre a pesquisa científica e processos locais de desenvolvimento rural.

O relato da experiência do Vale do Jequitinhonha, do Centro de Agricultura AlternativaVicente Nica e da Universidade Federal de Lavras aborda algumas dessas dimensões. Por exemplo, oproblema da tradução ou da mediação entre ambiente acadêmico e agricultores revela a recorrentefalta de articulação entre os conhecimentos empíricos e a ciência. Além disso, faz referência àinadequação metodológica, o que compromete a aproximação de atores e saberes. Enfrentando essasdificuldades, a experiência aponta para o aumento da cidadania, obtido pela coerente articulaçãometodológica e adoção de estratégias tecnológicas apropriadas.

O texto sobre a experiência da cooperativa Ecocitrus e da Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS) também cita a falta de articulação entre os setores produtivo e de pesquisaagropecuária, a insuficiência dos métodos convencionais de pesquisa e a necessidade do uso demetodologias participativas para apreender a complexidade dos sistemas agroecológicos. Relata ain-da o esforço na busca de soluções tecnológicas, principalmente no campo do controle biológico deinsetos-praga e doenças.

A parceria multinstitucional liderada pela Embrapa Clima Temperado se sustenta noprotagonismo construído com a criação do Fórum da Agricultura Familiar e na influência dos própriosagricultores familiares nas políticas de apoio e na consolidação da Agroecologia na região sul do RioGrande do Sul. O conteúdo da experiência se baseia em princípios teóricos, passando pelas questõessocial, metodológica e tecnológica.

Em contexto sociocultural muito diferente do nosso, a experiência da ONG chinesa Centropara Biodiversidade e Conhecimento Tradicional (CBCT) aborda a dificuldade de integração dacriação de animais com outras atividades, um problema relevante na Agroecologia. A descontinuidadede programas, projetos e políticas e o desconhecimento de tecnologias existentes por aqueles quedeveriam ser seus usuários são alguns obstáculos freqüentes que também são enfocados no artigo. Otexto mostra como o emprego de processos participativos pode aproximar os programas públicos dasnecessidades dos agricultores.

Já o relato da Universidade Veracruzana, no México, menciona o paradigma agro-ecológico, mas está muito mais voltado para as questões tecnológicas. Em comum com as outras

As muitas dimensões

da pesquisa emAgroecologia

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João Carlos Costa Gomeschefe-geral e pesquisador da Embrapa Clima Temperado

[email protected]

experiências, a busca de processos participativos como referência para a construção de novasrealidades.

Outra experiência mineira, envolvendo o Centro de Tecnologias Alternativas e algunssetores da Universidade Federal de Viçosa, traz uma importante contribuição ao debate sobre inova-ção agroecológica ao revelar um aspecto ainda comum em alguns programas: a tentativa de desenvol-ver e implementar tecnologias alternativas lançando mão de metodologias convencionais. No casorelatado, as instituições parceiras superaram essa limitação ao promover reajustes metodológicospara a realização de pesquisas científicas articuladas a processos locais de desenvolvimento rural. Aexperiência revela como às vezes é necessário (e possível) relativizar o método para intensificar aparticipação dos agricultores e, assim, aumentar o rigor do processo de pesquisa.

Uma questão até certo ponto comum às experiências aqui apresentadas é que elas partiramde iniciativas isoladas de grupos ou pessoas para gradativamente consolidarem a institucionalização,o que remete a uma estratégia essencial para o avanço da Agroecologia: a adesão de técnicos eespecialistas que possuem conhecimentos pertinentes, mas que ainda não comungam da causaagroecológica. Para isso, são necessárias rupturas institucionais e individuais.

Como reflexão teórica, a partir dos relatos aqui apresentados, mas também como contri-buição para outras experiências, é importante não esquecer que a pesquisa em Agroecologia contémdimensões epistemológicas, metodológicas, sociológicas e tecnológicas.

Em primeiro lugar, devemos atentar para a dimensão epistemológica. Os princípios decorrentes filosóficas como empirismo, racionalismo e positivismo, que orientam a pesquisa clássica,são insuficientes na Agroecologia, onde não existe a busca de verdades científicas nem de princípiosuniversais para a produção e circulação de conhecimento. O processo científico é visto como constru-ção social e, portanto, não pretende deter o monopólio sobre o conhecimento válido. São os proces-sos participativos que resgatam os saberes dos agricultores, articulando-os com o ambiente científi-co, e constituem a base do conhecimento agroecológico.

Outra dimensão a considerar é a metodológica. O locus da pesquisa agroecológica não serestringe aos laboratórios e campos experimentais. O conjunto de técnicas e métodos de investigaçãonão se limita ao estatuto das ciências exatas ou naturais. Nesse tipo de enfoque, é necessário pluralismometodológico, com princípios da pesquisa participativa e de outras correntes das ciências humanas.Não basta o domínio sobre as regras e técnicas para produzir resultados científicos. É necessário realizaro texto no contexto, ou seja, trazer o processo para o meio real, onde as coisas acontecem.

Essa dimensão remete a outra: a sociológica. Como não existe conhecimento neutro edesinteressado do mundo, os atores sociais são sempre os protagonistas. Portanto, a pauta dosprojetos deve partir deles e não da oferta de especialistas. Para que isso ocorra, são necessáriosarranjos locais, como demonstram as experiências aqui relatadas.

Outra dimensão é a tecnológica. Para que avanços tecnológicos na Agroecologia aconte-çam, é preciso superar várias lacunas de conhecimento no campo da fisiologia, da microbiologia, dabioquímica, entre outras, que explicam fenômenos ecológicos nos agroecossistemas. Outro grandedesafio é suprir a necessidade de insumos adequados ao novo formato tecnológico. A tarefa dapesquisa é justamente descobrir ou validar insumos que viabilizem a independência dos agricultorese que não representem apenas uma mera substituição de pacote tecnológico, o que tem ocorrido emalguns casos. É necessário pesquisar práticas de agricultores, assim como iniciativas fomentadasempiricamente por organizações de desenvolvimento. Além disso, é preciso promover adaptações detecnologias desenvolvidas em outros contextos, sintetizando inclusive aquelas produzidas pela pes-quisa convencional. Assim, ainda que a pesquisa em Agroecologia dependa de base epistemológica,metodológica e sociológica definida e aceita, a base tecnológica não pode ser negligenciada, pois énesse campo que os agricultores que iniciam a transição agroambiental depositam mais expectativase apresentam mais carência.

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relação entre uni-versidades e agri-cultores familiares

costuma ser muito difícil. Agriculto-res consideram, na maior parte dasvezes com muita razão, que a produ-ção científica das universidades tempouca ou nenhuma serventia diretapara eles, porque geralmente elas sevoltam para os grandes negócios ru-rais e levam muito pouco em contaos problemas de produção, terra ourenda de pequenos lavradores. Em-bora muitos pesquisadores e estu-dantes universitários se interessempor trabalhar com agricultores fami-liares, eles acabam enfrentando mui-tas dificuldades: da falta de recursosmateriais à inexistência de técnicasapropriadas, do preconceito à inade-quação das metodologias. Às vezes,quando surge uma boa oportunida-de de trabalho conjunto entre univer-sidade e agricultores, ela acaba fra-cassando pela falta de continuidadedas ações.

Eduardo Magalhães Ribeiro, Flávia MariaGalizoni e Boaventura Soares de Castro

Esse relacionamento pouco fértil já vem sendodebatido há alguns anos, desde que começaram a ficarevidentes os riscos ambientais e o caráter concentrador deterra e renda do modelo de desenvolvimento rural deriva-do da Revolução Verde. A distância entre a prática dosagricultores e a ciência das universidades traz muitos pre-juízos para a sociedade brasileira. A produção de técnicasadaptadas é reduzida, são formados poucos jovens pes-quisadores e extensionistas que compreendem as necessi-dades dos agricultores e o conhecimento tradicional cria-do pelos lavradores em décadas de experimentação é ig-norado pela pesquisa científica. Um bom relacionamentoentre universidades e agricultores permite reunir saberesdiferentes e inovar em pesquisa e extensão. Mas, para isso,é preciso resolver uma questão-chave: quem faz aintermediação entre agricultores e universidade? Quemtraduz e organiza as demandas dos lavradores? Uma orga-nização que faça uma mediação local eficiente é funda-mental para o sucesso desse diálogo.

Desde 1998, o Centro de Agricultura Alterna-tiva Vicente Nica (CAV), ONG de atuação na área rural

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Universidade,extensão e

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Capacitação para estudantes da Escola Família VidaComunitária, em Comercinho

Pesquisa sobre água em Leme do Prado

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do Vale do Jequitinhonha, e o Núcleo de Pesquisa e Apoioà Agricultura Familiar Justino Obers (Núcleo PPJ), grupode pesquisa e extensão da Universidade Federal de Lavras(Ufla), têm partilhado uma experiência de parceria, sendoeste artigo um breve relato desse aprendizado.

Os parceirosDa luta pela terra no alto Jequitinhonha, em

parte dirigida pelo lendário ambientalista e líder campo-nês Vicente Nica, surgiu o Sindicato de TrabalhadoresRurais, e dele nasceu o CAV, como braço técnico da orga-nização dos lavradores. O CAV é uma organizaçãoconstruída e animada por agricultores familiares que, des-de 1994, se dedica a criar sistemas produtivos sustentá-veis e espaços de comercialização solidária para a agricul-tura familiar. Sediado em Turmalina, o Centro extrapolouos limites do município e passou a atuar junto ao movi-mento sindical dos trabalhadores rurais e com as organiza-ções públicas e da sociedade civil da região.

Sua equipe tem 20 técnicos que atuam em trêsáreas. A primeira delas trata dos sistemas agroflorestais,usando a vegetação para recompor a fertilidade dos solose produzir alimentos, envolvendo 32 famílias de agriculto-res monitores que mantêm, em seus próprios terrenos,unidades de demonstração de sistemas agroflorestais aber-tas à visitação e debate comunitário. A segunda área deatuação está vinculada ao tema da água. Desenvolve açõespara conservação das nascentes, captação de água de chu-vas – por meio do Programa Um Milhão de Cisternas(P1MC) – ou ações estruturantes, de educação ambientalde longo prazo. A comercialização é a terceira área deatuação do CAV, que nesse campo desenvolve produtos– como frutas desidratadas e alimentos processados – eespaços de comercialização para a produção, por meio devendas em grandes lotes para o comércio solidário ou for-talecendo a inserção dos lavradores nos mercados tradicio-nais, como as feiras livres (ver Revista Agriculturas, v. 2,nº 2, p.5-9).

A Universidade Federal de Lavras é um centrode pesquisa, extensão e ensino dedicado em grande parteàs ciências agrárias. O Núcleo PPJ surgiu em 1998 comalguns princípios: atuar em parceria com organizações lo-cais, partilhar conhecimentos, promover intercâmbiosentre agricultores e universidade e formar profissionais paratrabalhar com a agricultura familiar. Sua equipe de 20 pes-soas é formada por estudantes de graduação em adminis-tração, agronomia, engenharia florestal, veterinária e en-genharia agrícola, além de estudantes de pós-graduação eprofessores.

A integração das equipes do CAV e do Núcleocomeçou com o apoio recebido da Federação Nacionaldos Estudantes de Administração (Fenead), que conce-dia um prêmio em dinheiro para financiar a cooperaçãoentre organizações universitárias e da sociedade civil. De-pois vieram recursos da Universidade Solidária, dos pe-

quenos projetos do Ministério da Educação, sempre cap-tados em editais abertos para custear um certo número deatividades. Esses apoios foram fundamentais para conso-lidar o relacionamento e definir os rumos de trabalho. Apartir daí, a parceria ganhou solidez, criou as metodologiasde ação e adquiriu experiência na caminhada.

A dinâmica da parceria

No meio rural mineiro há um ditado: “Tudoque é combinado é barato”. Quer dizer: não há surpresasquando existe um bom acordo prévio. Quando organiza-ções diferentes se tornam parceiras, precisam atentar paraa sabedoria contida nesse dito popular, porque dinâmi-cas, objetivos e ganhos devem ser definidos com muitaclareza. Ao longo do tempo, o CAV e o Núcleo PPJ che-garam a quatro combinações de procedimento que sãoessenciais para o sucesso da parceria.

Primeiro: é preciso fazer planejamento. As duasorganizações são parceiras, mas autônomas. Cada umatem sua lógica própria de ação e um planejamento bemfeito é o melhor instrumento para identificar pontos decontato. Cada uma tem suas atividades, mas apenas algu-mas serão conjuntas e deverão ser conciliadas em termosde propósitos, métodos e, principalmente, agendas.

Segundo: é necessário investir muito emcapacitação, uma vez que todo ano é feita uma seleçãopara renovar parcialmente as turmas de estudantes queparticiparão do Núcleo. A capacitação, em parte, servepara atenuar a ansiedade dos estudantes que ingressamafoitos para trabalhar com lavradores, animados por umextensionismo muito nobre, mas pouco consistente. Épreciso convencê-los de que não poderão contribuir mui-

A produção detécnicas adaptadas

é reduzida, são formadospoucos jovens

pesquisadores e extensionistasque compreendem asnecessidades dos agricultores e oconhecimento tradicional criadopelos lavradores em décadas deexperimentação é ignorado pelapesquisa científica. Um bomrelacionamento entreuniversidades e agricultorespermite reunir saberes diferentese inovar em pesquisa e extensão.

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to com os lavradores enquanto desconhecerem suasespecificidades sociais, produtivas e culturais. No início,são os agricultores que mais contribuem para a formaçãodos estudantes, num processo que, em tom de brincadei-ra, tem sido denominado de “intensão rural”, em oposi-ção a “extensão rural”, em que o estudante vai a campopara aprender com os lavradores e suas organizações.

Terceiro: é preciso muita atenção com os rit-mos próprios de cada organização. Há uma certa pressãona ONG por resultados práticos e rápidos, enquanto háuma certa lentidão na universidade para elaborar produ-tos, seja pesquisa ou atividades de sensibilização. Nemsempre resultados de pesquisa, por exemplo, aparecemnos prazos curtos que a ONG requer, como também nemsempre os técnicos da ONG podem dedicar a uma reuniãocom agricultores o tempo que estudantes e pesquisadoresconsideram necessário para aprenderem tudo. Por isso, épreciso conhecer as condições objetivas em que o parceiroatua e respeitar seu ritmo para conduzir atividades.

Quarto: a avaliação deve ser permanente, por-que a equipe do Núcleo sempre se renova e a do CAV incor-pora assuntos novos. A avaliação, além de proporcionar obalanço dos avanços e perdas, serve para partilhar, comtodos os participantes, o histórico daquele processo, paraque cada equipe exponha sua interpretação da atividade.Muitas vezes, as atividades de campo têm implicações quepessoas de fora não percebem, como influências na políticalocal, por exemplo. A avaliação evita que ações desastradasarranhem arranjos locais, sempre muito delicados.

As dificuldadesNo relacionamento entre universidade e ONGs,

algumas dificuldades são, realmente, estruturais. Uma de-las é a falta de tempo da ONG para sistematizar as informa-ções. A demanda das atividades é muito grande, exige de-mais dos técnicos, e colocar no papel informações precisasacaba sendo muito custoso. Isso faz com que o processo deaprendizado seja quase sempre marcado pela informaçãooral. Os técnicos guardam informações na cabeça e as trans-mitem aos estudantes nas avaliações de trabalho, num pro-cesso que tem pouca possibilidade de replicação.

Outra dificuldade é a perda constantede estudantes experientes, que concluemseus cursos depois de alguns anos parti-cipando de atividades do Núcleo e doCAV. Isso é ótimo para quem os con-trata para trabalhar, porque dispõem demuita vivência profissional. Mas é umprejuízo para o Núcleo e o CAV, poisao fim do curso o estudante já dominaos códigos de convívio com os lavrado-res, tem grande experiência em exten-são e pesquisa, lidera equipes em cam-

po e, principalmente, supre o CAV comuma assessoria técnica de qualidade, for-mada em três ou quatro anos de apren-dizado conjunto.

Além disso, a disponibilidade de tempo dos es-tudantes é um grande problema. Eles têm que freqüentaraulas e provas, com pequena possibilidade de substituircursos regulares por atividades de campo. Então,retornamos ao ponto de partida: é necessário planejar,planejar, planejar. No entanto, mesmo quando sobra tem-po para atividades de campo dos estudantes – nas férias,finais de semana, feriados –, esses períodos costumam co-incidir com as épocas de descanso de que a equipe técnicado CAV também precisa desfrutar.

Entre todas as dificuldades, porém, a maior tal-vez seja o financiamento de longo prazo. Até poucos anosatrás, existiam apenas programas de financiamento de pra-zos curtos, 6 ou 10 meses, para integração de pesquisa/extensão entre universidades e organizações rurais. Issocolocava os parceiros sob pressão. Mal conseguiam umfinanciamento e já precisavam buscar outro, e freqüen-temente não havia edital aberto que custeasse o tipo deatividade que estava sendo executada. Uma excelente ino-vação nessa área foi introduzida pelo Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tecnológico/MCT(CNPq), que desde 2001 lança editais voltados para agri-cultura familiar e, depois de 2003, melhorou ainda mais oseditais ao reunir pesquisa com extensão nas suas chama-

Pesquisa sobre feiras no município de Berilo

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das de projetos. Mas o problema continua, porque a maio-ria das agências de fomento apóia apenas atividades pon-tuais e em prazos reduzidos, impedindo que organizaçõesda sociedade civil e universidades criem relações estáveisde trabalho conjunto e diversificado.

As vantagens

As vantagens para os dois lados, porém, sãomaiores que as dificuldades e compensam todos os percal-ços que até agora apareceram no caminho.

Para o CAV, está na possibilidade de ampliarsua equipe, agregando um grupo flexível e sem custos deestudantes, pesquisadores e extensionistas, que pode au-mentar sua capacidade de ação em alguns momentos,como nos dias de campo, sensibilizações e jornadas deeducação de jovens rurais. Isso significa receber um setorde pesquisa e formação que atua em sintonia com suasnecessidades de trabalho. Há, também, a oportunidadede sistematizar experiências agroecológicas em curso, deexplorar, com pesquisa aplicada, os temas e áreas em quea ONG pretende expandir o trabalho e de avaliar os pro-gramas de desenvolvimento que são levados para a região.Além desses, outro aspecto que o CAV tem consideradomuito importante na parceria é a possibilidade deinstrumentalizar a pesquisa. Seu trabalho de campo passaa ser precedido, acompanhado e sucedido por pesquisasrealizadas por uma equipe externa, que o informa, mastambém dissemina a informação para organizações e pú-blicos de outras áreas, que, por sua vez, consultam asmonografias, dissertações ou artigos científicos produzi-dos sobre a base de trabalho do CAV.

As vantagens para a universidade também sãoimensas, e a maior delas não é exclusivamente dela. Trata-se do ganho de toda a sociedade brasileira com a formaçãode jovens pesquisadores e extensionistas cujo aprendiza-

do é fruto tanto do convívio com famílias rurais, como doambiente acadêmico. O estudante aprende a valorizar osaber local sempre que é desafiado pelas particularidadesdo lugar, e valoriza o saber científico a cada vez que preci-sa dar uma resposta técnica. Isso ensina os estudantes aselecionar e organizar rapidamente seus conhecimentos.Existem outras vantagens: atuar na mesma comunidadepor muitos anos dá ao pesquisador uma visão rica e com-plexa do meio rural; a mediação local dá continuidade,segurança e agilidade às relações entre universidade e la-vradores; a pesquisa dedicada a um público delimitadocria relações de confiança e co-responsabilidade entre pes-quisadores e agricultores; e, sobretudo, permite ao pes-quisador compreender a dimensão social do seu trabalho.

Há, ainda, um ganho maior em cidadania, quan-do lavradores descobrem que universida-des podem ter utilidade prática se as suasorganizações influem na seleção das linhasde pesquisa que efetivamente contribuampara o desenvolvimento rural. A partir daí,interessa a eles, realmente, disputar comas organizações patronais essas institui-ções públicas, seus profissionais e seupatrimônio tecnológico.

Produtos atuais efuturos

Em oito anos de parceria, foramconcluídos quinze projetos de pesquisa eoutros estão em andamento; feitas deze-nas de atividades de sensibilização, capa-citação, seminários e dias de campo emcomunidades e escolas rurais; escritas vá-

Há, ainda, umganho maior em

cidadania, quandolavradores descobrem que

universidades podem ter utilidadeprática se as suas organizaçõesinfluem na seleção das linhas depesquisa que efetivamentecontribuam para odesenvolvimento rural. A partirdaí, interessa a eles, realmente,disputar com as organizaçõespatronais essas instituiçõespúblicas, seus profissionais e seupatrimônio tecnológico.

Devolução de resultados de pesquisa em Morro Branco, Chapada do Norte

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10 Agriculturas - v. 3 - no 4 - dezembro de 2006

rias dissertações, monografias e artigos técnicos. Mas al-guns produtos se destacam porque foram criados a partirde pesquisa específica aplicada às demandas locais.

Um deles é o programa de nascentes. Os agri-cultores demandaram ao CAV, que encaminhou a propos-ta ao Núcleo, uma pesquisa sobre a oferta e as fontes deágua nas áreas rurais. As pesquisas revelaram que a maio-ria das famílias rurais dispunha e conservava, como umtesouro, as fontes próprias – as águas pequenas das nas-centes. A partir daí, foi construído um programa de con-servação de nascentes baseado nas famílias, em práticasagrícolas conservacionistas e usos múltiplos das áreas fe-chadas para recarga dos mananciais, como apicultura,coleta de frutos do cerrado e plantas medicinais. Algunsanos depois de implantando o programa, nova rodada depesquisa mostrou que comunidades com nascentes cerca-das pelo programa dispunham de muito mais água porpessoa que aquelas que não as conservavam. No caso, apesquisa sugeriu o rumo da ação e depois avaliou seu re-sultado. Mas não se pode esquecer que a pesquisa foi en-comendada pelo CAV, que soube definir seu objetivo eavaliar sua conveniência.

Outro exemplo é o Programa de Apoioàs Feiras Livres. Na luta para encon-trar mercados para os lavradores doJequitinhonha, o CAV e o Núcleo re-solveram examinar a importância dasfeiras livres em termos de abastecimen-to, renda e produto. Os números levan-tados foram surpreendentes: as feirasabasteciam quase 80% das populaçõesurbanas, geravam mais renda para osagricultores que as transferências dogoverno, aumentavam, em média, omovimento do comércio urbano em20%. Os resultados da pesquisa foramentão usados para mobilizar prefeitu-ras, sindicatos, associações e agênciaspúblicas no apoio às feiras, enfrentan-do com mais vigor os problemas dosfeirantes, além de oferecer cursos e tro-cas de experiências entre feirantes demunicípios diferentes.

Narrado assim, pode parecer que foi fácil en-contrar essa forma de trabalho. Mas não foi. E, finalmen-te, é preciso ensinar ao leitor o caminho das pedras: narelação entre universidade e agricultores familiares, medi-ação é tudo. Universidades só conseguem fazer trabalhosde longo prazo com lavradores quando existe uma organi-zação que os conhece – seja ONG, sindicato, pastoral,associação ou fórum –, que tenha capilaridade e facilite odiálogo, que dê consistência às demandas por pesquisa esaiba transformá-las em produtos úteis no dia-a-dia.

Eduardo Magalhães Ribeiroeconomista, professor da Ufla e

pesquisador do Núcleo PPJ/[email protected]

Flávia Maria Galizoniantropóloga do Núcleo PPJ/Ufla

[email protected]

Boaventura Soares de Castroagricultor, apicultor, técnico do CAV

[email protected]

Referências bibliográficas:ASSIS, T. R. de P. Agricultura familiar e gestãosocial: ONGs, poder público e participação na cons-trução do desenvolvimento rural. 2005. Disserta-ção (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação emAdministração, Universidade Federal de Lavras,Lavras.

DANIEL, L.O. O processo decisório numa organi-zação não-governamental: o caso do Centro deAgricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), deTurmalina (MG). 2000. Monografia (Bacharelado)– Universidade Federal de Lavras (Ufla), Lavras.

FREIRE, A.G. Águas do Jequitinhonha. 2001. Dis-sertação (Mestrado) – PPGA/Ufla, Lavras.

GALIZONI, F.M. A terra construída. 2000. Dis-sertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Le-tras e Ciências Humanas Universidade de São Pau-lo, S. Paulo.

RIBEIRO, E.M. e GALIZONI, F.M. Água, popu-lação rural e políticas de gestão: o caso do vale doJequitinhonha. Ambiente e Sociedade, v. 6, n. 1,jan.-jul. 2003.

RIBEIRO, E.M. et al. As feiras livres do Jequi-tinhonha: feirantes, consumidores e comércio ur-bano no semi-árido mineiro. Revista Econômicado Nordeste, 2006.

Se existe uma boa mediação, tudo o mais setorna possível. E aí não custa nada fazer duas ou três reco-mendações que deslanchariam esse trabalho: financiamen-tos de longo prazo para integrar universidades e organiza-ções mediadoras; bolsas para estabelecer jovens profissio-nais em pesquisa e extensão ao mesmo tempo nas univer-sidades e organizações da sociedade civil; redes para tro-cas de experiências entre universidades e organizações;currículos flexíveis para estudantes trocarem algumas ho-ras-aula por atividades de campo, entre outras. Há aindaum percurso longo e trabalhoso a ser trilhado, mas hátambém a certeza de que é o caminho para construir umaoutra universidade, mais cidadã, mais roceira, localizadamais perto do Brasil.

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Brasil é importan-te produtor defrutas cítricas. No

Rio Grande do Sul, a produção anualé de, aproximadamente, 750 mil to-neladas e se baseia principalmenteem pomares de exploração familiarque possuem, em média, dois a trêshectares. Embora o estado apresen-te condições favoráveis para a pro-dução de frutas para consumo innatura, a maioria dos citricultoresgaúchos adota pacotes tecnoló-gicos que consistem no uso deinsumos químicos e na simplificaçãodo ambiente – práticas questioná-veis, considerando os prejuízos àsaúde de agricultores e consumido-res e ao meio ambiente, além doselevados custos de produção.

Há experiências de citricultores ecológicos des-sa região que demonstram ser possível produzir citros como emprego de métodos de manejo que dispensam agro-tóxicos ou fertilizantes químicos. Entretanto, existem di-ficuldades para que essas práticas sejam aprimoradas, emrazão da grande desarticulação entre o segmento produti-vo e os setores da pesquisa agropecuária.

Métodos convencionais de pesquisa não têmconseguido responder às necessidades de desenvolvimen-to tecnológico para o manejo ecológico dos pomares. Es-ses sistemas produtivos são complexos e multidimensionais

e, portanto, não podem ser compreendidos apenas pelosfocos de atenção priorizados nos processos de investiga-ção clássicos, ou seja, as dimensões tecnológica e econô-mica. Já as metodologias participativas de pesquisa,conduzidas em conjunto por agricultores, pesquisadorese extensionistas, têm demonstrado grande potencial paraapreender a complexidade inerente a esses sistemas. Issoporque integram conhecimentos das famílias e comunida-des nas dinâmicas de inovação agroecológica, permitindoque as influências sociais, ecológicas e culturais sobre aspráticas de manejo também sejam consideradas.

Neste artigo, apresentamos como os desafiospara a inovação tecnológica vêm sendo enfrentados pormeio da iniciativa de pesquisa participativa conduzida nosvales dos rios Caí e Taquari por uma articulação de institui-ções que compõem o Grupo de Citricultura Ecológica (GCE).

O Grupo deCitriculturaEcológica:

aprendendo coma participação

Fábio Dal Soglio, Eduardo Nascimento Abib eDerli Paulo Bonine

OAgricultores ecológicos, sócios da Ecocitrus

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12 Agriculturas - v. 3 - no 4 - dezembro de 2006

A origem da iniciativa

A Cooperativa dos Citricultores Ecológicos doVale do Caí (Ecocitrus) foi formada em 1994 por quinzeagricultores familiares descontentes com a agriculturaconvencional e que defendiam um modelo de desenvolvi-mento regional fundamentado na produção de base fami-liar e ecológica. Sua criação foi estimulada pelo Programade Viabilização de Espaços Econômicos das Populaçõesde Baixa Renda (Prorenda), coordenado pela AssociaçãoRiograndense de Empreendimentos de Assistência Técni-

ca e Extensão Rural (Emater/RS). A cooperativa tem porprincípio o protagonismo dos agricultores em toda a ca-deia produtiva de citros e, para tanto, organiza-se em di-ferentes setores: usina de compostagem; produção ecoló-gica; formação e pesquisa em agroecologia; comercia-lização; agroindústria; e certificação participativa.

Suas ações no campo da pesquisa participativase iniciaram em 2000, com recursos do projeto Pesquisapor Demanda, do programa RS Rural da Secretaria deAgricultura e Abastecimento do Estado do Rio Grande doSul, articulando técnicos da Emater/RS, professores eestudantes do Programa de Pós-Graduação em Fitotecniada Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).O processo foi motivado inicialmente pela demanda dosagricultores associados à Ecocitrus, que desejavam vali-dar cientificamente as tecnologias ecológicas que vinhamadotando. Os participantes desse projeto autodeno-minaram-se Grupo de Citricultura Ecológica (GCE), queatualmente reúne mais cooperativas e associações decitricultores, inclusive de produção convencional, alémda Embrapa Clima Temperado. O leque de parcerias queconfigura o grupo permite que ele, além dos citricultores eextensionistas, conte com pesquisadores de diferentesáreas do conhecimento, como horticultura, fitopatologia,entomologia, ciência do solo e desenvolvimento rural.

A definição dos objetos depesquisa

Desde a formação do GCE, diversos trabalhosde pesquisa têm sido realizados, começando pela caracte-rização das comunidades e agroecossistemas envolvidos,por meio de levantamentos junto às famílias e reuniões

Cláudio Laux, sócio-fundador da Ecocitrus

Quadro 1. Projetos de pesquisa participativa conduzidos pelo Grupo de Citricultura Ecológica

Projeto Estágio Nº de Nº depesquisadores agricultores(estudantes) envolvidos

Manejo do cancro cítrico em viveiros e pomares Em andamento 8 2 (e estação daEmater)

Estudos sobre o controle biológico natural Concluído 8 3do minador das folhas dos citrosEpidemiologia e manejo da pinta preta e Em andamento 3 7outras doenças fúngicas de citrosFungos entomopatogênicos para o controle Concluído 1 3biológico de cochonilhas-com-escudoEfeitos do manejo orgânico sobre fungos Concluído 1 1micorrízicos arbuscularesOcorrência, manejo ecológico e comportamento de Em andamento 4 10mosca-das-frutas em citros nos vales dos rios Caí e TaquaríControle biológico natural de moscas-das-frutas em Concluído 3 10citros e em frutíferas nativas do vale do rio CaíTecnologias empregadas e estudo socioeconômico Concluído 1 8da produção ecológica de citros pela EcocitrusMonitoramento de mosca-das-frutas nos Concluído Conduzido por agricultores evales dos rios Caí e Taquarí técnicos da Emater/RS

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com as comunidades. As prioridades de pesquisa tambémforam definidas com os agricultores, a partir de um pro-cesso de diagnóstico que reconhecia as práticas adotadaspor eles e consistia em reuniões e seminários para discutirproblemas e possíveis soluções. Nesses encontros, ficouestabelecido que os problemas que mereceriam atençãoimediata seriam de natureza tecnológica, em especial adificuldade de controle do cancro cítrico (causado pelabactéria Xhantomonas axonopodis pv. citri), do ataquedos pomares pelo minador da folha (Phyllocnistis citrella)– pequena borboleta cujas lagartas atacam as folhas e au-mentam a incidência de cancro cítrico – e pela mosca-das-frutas (Anastrepha fraterculus).

As ações de diagnóstico e definição de priori-dades têm sido contínuas de forma a captar as mudançasde conjuntura típicas de uma região dinâmica e com gran-des inter-relações com outros setores da sociedade comoo Vale do Cauí. Esse processo de constante leitura darealidade tem propiciado que novas demandas de pesqui-sa surjam ao longo do tempo (ver quadro).

A condução das pesquisas

Definidas as prioridades, as diferentes ações depesquisa foram iniciadas com a mobilização ativa dos agricul-tores, pesquisadores e extensionistas para estabelecer objeti-vos e metodologias a serem adotadas. Todos os procedimen-tos são elaborados de forma a respeitar as práticas tradicio-nais utilizadas pelos agricultores, cabendo aos pesquisadoressugerirem os métodos de amostragem e de análise.

Essas ações são conduzidas principalmente emáreas de agricultores voluntários, que participam da con-dução dos ensaios, determinações e discussões sobre osresultados. Inicialmente, o número de agricultores en-volvidos variou de um, no caso do controle do cancrocítrico, a dez, no caso do manejo da mosca-das-frutas,cujo monitoramento na região também contou com oauxílio de extensionistas. Esse trabalhofavoreceu o aprendizado sobre critériosde identificação de diferentes espéciesde mosca-das-frutas e outros insetospor parte dos agricultores e técnicos decampo.

Ensaios que não puderam serconduzidos nas áreas dos agricultores de-vido a problemas técnicos ou epidemio-lógicos, tais como a inoculação de vivei-ros com X. axonopodis pv. citri, foramrealizados no Centro de Formação daEmater/RS em Montenegro. Nesse caso,os pesquisadores, extensionistas e agri-cultores participantes do projeto visita-ram periodicamente a área experimentalpara observar e refletir conjuntamentesobre os resultados obtidos. Algumasfases dos projetos também foram desen-volvidas nos laboratórios da UFRGS.

A gestão do processo de pesquisa

Todo o processo é coordenado por uma comis-são, composta por um representante da Ecocitrus, umprofessor da UFRGS e um extensionista da Emater/RS,que se comunicam entre si e com o grupo pela internet.Também são realizados dias de campo com a presença deagricultores, quando os trabalhos são apresentados, apro-veitando-se para fazer a confraternização entre os partici-pantes. Os projetos de pesquisa são discutidos em reu-niões do grupo e também nos espaços de debate própriosde cada uma das organizações envolvidas. As cooperati-vas e associações avaliam o andamento dos projetos emsuas assembléias periódicas e os órgãos de pesquisa e ex-tensão, em suas reuniões mensais.

Nos encontros regionais e nos seminários dediscussão dos projetos, os resultados, em geral, são apre-sentados pelos pesquisadores responsáveis por cada pro-jeto e discutidos por todos (agricultores, extensionistas epesquisadores). No início, havia uma certa dificuldade deinteração, mas, após alguns anos de convivência, os deba-tes se tornaram mais abertos e os agricultores presentesnos encontros se mostram cada vez mais confortáveis paraanalisar os resultados e expressar suas opiniões.

A valorização acadêmica daspesquisas

Cada projeto foi acompanhado por um ou maisestudantes de pós-graduação, além de graduandos emagronomia e bolsistas de iniciação científica. Ao assisti-rem à evolução do processo, os estudantes adquiriram ricaexperiência em pesquisa participativa e, ao final, os estu-dos foram sistematizados na forma de monografias, dis-sertações ou teses apresentadas na UFRGS. Cabe ressal-tar que tem sido uma experiência gratificante contar com

Visita à usina de compostagem da Ecocitrus

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a presença ao menos de alguns dos agricultores envolvi-dos nos projetos nas defesas de mestrado e de doutorado,anteriormente reservadas quase que exclusivamente aoambiente acadêmico.

Outro componente interessante tem sido ametodologia de análise de trabalhos realizados em ambien-tes não-controlados, como os experimentos implantadosnas propriedades, nos quais são utilizadas ferramentas deanálise empregadas na Ecologia. Uma delas é a análisemultivariada de análise estatística, que permite estudar con-juntamente diversos fatores e variáveis e comparar resulta-dos obtidos em diferentes ambientes. Também são usados,como ferramentas de estudo, os índices de diversidade e dedominância de espécies e a análise da suficiência amostral,que auxiliam o monitoramento das mais diversas popula-ções de organismos encontradas nos pomares, desde osnão-desejáveis como aqueles benéficos e que podem servalorizados no controle biológico natural de pragas.

Essas ferramentas são fundamentais, pelo fatode as pesquisas serem realizadas em condições não-con-troladas, diferentemente do que ocorre em trabalhos con-vencionais, onde os tratamentos são comparados lado alado, em parcelas experimentais diminutas e não-repre-sentativas. No entanto, muitas dessas metodologias sãodesconhecidas dos cientistas convencionais de Agrono-mia, o que tem causado uma certa dificuldade para publi-cação dos resultados em revistas científicas ligadas a essaárea. Mesmo assim, os resultados alcançados têm sido di-vulgados em revistas científicas de Ecologia, fato esseimportante para os pesquisadores, já que a avaliação dodesempenho profissional deles é realizada considerandoprincipalmente a quantidade de publicações (e nem sem-pre a qualidade das mesmas).

Perspectivas de continuidade

Diversos projetos estão em andamento, dandocontinuidade aos trabalhos já executados e buscando in-clusive a ampliação do leque temático abrangido pelasações de pesquisa. Eles têm sido financiados com o apoiodo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq) e de outros órgãos de fomento àpesquisa. No entanto, costumam encontrar dificuldadesde operacionalização em função do desconhecimento, porparte desses órgãos, das especificidades metodológicas eorganizativas de processos de caráter participativo. Dian-te disso, para assegurar a aprovação, os projetos são elabo-rados e encaminhados atendendo às prescrições dos editais,que são formulados segundo as concepções da pesquisaconvencional.

Atualmente, estão sendo conduzidos dois pro-jetos, aprovados em 2005, que contam com recursos doCNPq, sendo um para geração de tecnologias para adomesticação de frutíferas nativas e outro para o manejode poda em citros. Os recursos são divididos entre a exe-cução dos projetos em si e o apoio para a implementação

de outros projetos, o que é possível por ocuparem parcial-mente os mesmos espaços e infra-estrutura. No entanto,vários projetos encaminhados ao CNPq não obtiveramaprovação, especialmente os com base em metodologiasparticipativas, por não terem descrição detalhada de obje-tivos e de métodos a serem empregados.

Além das pesquisas tecnológicas, estão sendoexecutadas ações voltadas para o desenvolvimento de ins-trumentos de avaliação, monitoramento e sistematização,assim como para a capacitação dos membros do grupo e adisseminação dos resultados. Em 2005, decidiu-se esta-belecer um Programa de Desenvolvimento da CitriculturaEcológica, visando integrar melhor os projetos, facilitar oacesso a recursos e expandir as atividades de pesquisa paraalém da questão tecnológica. O programa, construído demaneira participativa por meio de encontros, assembléiasnas associações e cooperativas e reuniões com pesquisa-dores e extensionistas, definiu outras prioridades de pes-quisa, além das já mencionadas. São elas: o estudo desistemas ecológicos de produção, inclusive de SistemasAgroflorestais (SAFs), que já vinham sendo estudados pelaEcocitrus; o desenvolvimento de culturas alternativas,como frutíferas nativas do RS; o estudo sobre a cadeiaprodutiva; e estudos sobre a organização social e repre-sentações culturais das comunidades da região. Esses no-vos temas deverão ampliar as parcerias com outros gruposde pesquisa ligados à Embrapa/CT ou à UFRGS, que pas-sam a se interessar pela experiência.

Contudo, é importante salientar que, emboraos agricultores sejam chamados a participar de todas asfases do programa, em muitos momentos a presença delesnão é ampla como se espera. São centenas de agricultoresenvolvidos no programa, mas em geral eles têm poucotempo para participar de todas as reuniões. Assim, elespassam a delegar as decisões sobre a execução e a avalia-ção dos projetos a agricultores mais assíduos ou a técni-cos ligados às associações e cooperativas. Mesmo sendoinformados sobre o andamento dos projetos, nos seminá-rios e dias de campo, não se tem conseguido participaçãomais efetiva de todas as comunidades da região. Para en-contrar alternativas, o GCE planeja promover, no início de2007, um curso de formação para facilitadores em pesquisaparticipativa, destinado a agricultores, técnicos e pesquisa-dores, de maneira a ampliar a abrangência do programa.

Fábio Dal Soglioprofessor do Departamento de Fitossanidade, Programade Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) e

Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia(PPGFitotecnia) da UFRGS

[email protected] Nascimento Abib

engenheiro agrônomo da EcocitrusDerli Paulo Bonine

engenheiro agrônomo da Emater/RS e AssociaçãoSulina de Crédito e Assistência Rural (Ascar)

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ma questão quetem se mantidoaberta na Agroe-

cologia é a necessidade de basecientífica apropriada. Nos ambien-tes acadêmicos, e mesmo fora de-les, existe um certo consenso de quea Agroecologia está amparada ape-nas em conhecimentos empíricos.

Desde seu início, o movimento que vem cons-truindo a Agroecologia no Brasil e no mundo não é dife-rente: esteve relacionado aos movimentos sociais, organi-zações não-governamentais e representações dos agricul-tores. Somente nos últimos anos, instituições de pesquisae universidades iniciaram programas no tema, a maioria apartir de ações individuais e poucos resultantes de políti-cas institucionais.

Muitos conhecimentos e tecnologias produzi-dos seguindo uma concepção científica disciplinar ou

reducionista são úteis para processos de transição agro-ambiental ou para as agriculturas de base ecológica. En-tretanto, projetos específicos em Agroecologia são recen-tes, dado o longo período de execução de projetos organi-zados a partir de enfoques reducionistas. Este artigo rela-ta parte da história da Estação Experimental Cascata, daEmbrapa Clima Temperado, em Pelotas (RS), apresen-tando sua experiência voltada para a pesquisa em agricul-tura familiar de base ecológica.

A Estação Experimental Cascata eas mudanças no contexto agrícola

A Estação Experimental Cascata (EEC) foi cria-da em 1938, durante o governo de inspiração nacionalistade Getúlio Vargas. Dos relatórios do início dos anos 40,constam observações ainda hoje relevantes para a Agro-ecologia. Uma delas dizia respeito à necessidade de estu-dar espécies arbóreas de rápido crescimento e aptidão paraprodução de celulose e energia: “Talvez no futuro sejamcoisas muito demandadas e não podemos correr o risco de

João Carlos Costa Gomes, Carlos Alberto Medeiros , Gustavo Crizel Gomes e Lirio José Reichert

A Estação Experimental Cascatae a construção da base científica

da Agroecologia

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Colheita de batata ecológica em São Lourenço do Sul

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16 Agriculturas - v. 3 - no 4 - dezembro de 2006

acabar com florestas nativas, principalmente de araucárias”.Outra apontava que era preciso fazer pesquisa com hortali-ças que produzissem “da semente a semente”, para nãosubmeter os agricultores à dependência das companhiasinternacionais. Uma terceira afirmava a necessidade de di-versificação da matriz produtiva, relatando trabalhos com123 espécies. Algumas delas só recentemente voltaram àcena, como tungue1 e mamona, na época cultivadas para aextração de óleo, agora com foco em agroenergia.

O conceito de sustentabilidade estava implíci-to nesses documentos, embora ele não fosse textualmen-te citado. Porém, essa preocupação com o longo prazo ecom as questões do entorno socioambiental perdeu forçacom a avassaladora emergência dos valores associados aosprincípios científico-tecnológicos da Revolução Verde.

Assim, com o passar do tempo, a agriculturafamiliar vivenciou a redução de sua diversidade e houveespecialização e aumento da dependência a insumos ex-ternos. A EEC foi testemunho e reflexo desse processo:da pesquisa em agricultura diversificada passou à especia-lização, com foco principal em frutas e hortaliças para in-dustrialização. A preocupação inicial com o contextosocioambiental em que está inserida e com o seu futurosucumbiu à lógica mais imediatista da indústria, cuja óticacoloca em primeiro lugar a produtividade.

Em meados dos anos 80, quando já existiamcríticas ao modelo de agricultura intensiva e sua inade-quação à agricultura familiar, foram iniciadas ações de di-versificação, racionalização ou substituição de insumos.Porém, como não tiveram seguimento, não foram capa-zes de promover grandes mudanças. Essas só vieram apartir de 1996, com a criação do Fórum da AgriculturaFamiliar na região.

A construção do protagonismo: oFórum da Agricultura Familiar

A criação do Fórum da Agricultura Familiarocorreu a partir do interesse de entidades regionais que

vivenciam e trabalham na agricultura familiar. O fórum éum espaço de discussão, articulação e implementação deações voltadas ao desenvolvimento sustentável. Em suacomposição, encontram-se instituições públicas, organi-zações de agricultores, pescadores artesanais, assentamen-tos de reforma agrária, movimentos sociais e ONGs. Essesgrupos têm representantes no núcleo dirigente, formadopor cinco pessoas. As reuniões, seminários ou oficinas dofórum, que ocorrem na segunda terça-feira de cada mês,são realizadas na Estação Experimental Cascata.

Entre os objetivos do Fórum da AgriculturaFamiliar estão a busca de soluções conjuntas para promo-ver o desenvolvimento local sustentável, o apoio à imple-mentação de políticas públicas estruturantes e o encami-nhamento de propostas discutidas e aprovadas às instân-cias competentes, constituindo-se numa representaçãopolítica regional reconhecida pelo trabalho desenvolvido.O fórum proporcionou assim novas condições sócio-organizativas para que a EEC voltasse a incorporar a di-mensão da sustentabilidade em suas ações de investiga-ção científica. Além disso, permitiu a criação de umambiente de interação inter-institucional que equilibra asrelações de poder entre os diferentes atores sociais envol-vidos, assegurando o protagonismo dos agricultores e suasorganizações no processo.

O projeto pioneiro: tecnologiaspara os sistemas de produção

Durante quatro anos, pesquisadores e técnicosda Embrapa, da Fundação Estadual de Pesquisa Agro-pecuária (Fepagro-Sul), da Emater/Ascar-RS, do Institu-to Riograndense do Arroz (Irga), de ONGs (Capa, Unaic,Coopal, Coopar, ArpaSul, MPA, Cooperativa Sul Ecoló-gica) e agricultores familiares realizaram relevante traba-

1 Nome Científico: Aleurites fordii, Família Euphorbiaceae. Produz média de dez milquilos de frutos por hectare e possui conteúdo de óleo de 26% do peso do fruto ou40 a 45% do peso da amêndoa.

Sistema de irrigação manual em canteiros de hortaliças naIlha dos Marinheiros

Pastagem de verão visando a produção de leite à pasto emSão Lourenço do Sul

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lho na região sul do Rio Grande do Sul, com foco no de-senvolvimento sustentável baseado em princípios agro-ecológicos.2

Entre janeiro de 2001 e dezembro de 2004,esse conjunto de instituições colocou em prática o proje-to Geração e Adaptação de Tecnologia Para os Sistemasde Produção e Ações Integradas Para o DesenvolvimentoSustentável da Agricultura Familiar na Região Sul do RS,modalidade de pesquisa contratada – um dos itens dosprojetos de suporte do Programa RS Rural, do governo doestado do Rio Grande do Sul.

O projeto foi voltado para os agricultores fami-liares da região, especialmente para aqueles que se encon-travam organizados, dispostos a adotar práticas agro-ecológicas, mas carentes de suporte técnico-científico parainiciar o processo de transição para a agricultura sustentá-vel. O enfoque metodológico adotado, a pesquisa parti-cipativa, teve como objetivo contribuir para a recupera-ção da cidadania e auto-estima dos atores sociais, muitosdeles alijados das decisões sobre políticas públicas.

Entre os resultados alcançados estão:• identificação de lacunas nos sistemas de pro-

dução para orientar ações de pesquisa para aagricultura familiar;

• capacitação de técnicos e agricultores em pro-cessos de agregação de valor e acesso a merca-dos, visando o aumento da renda familiar;

• realização de pesquisa em indicadores desustentabilidade e recuperação da qualidade desolo e água;

• redução da dependência de insumos externos,contribuindo para o processo de transiçãoagroambiental;

• realização de ensaios de síntese nas estaçõesexperimentais e em propriedades dos agricul-tores da Rede de Referência;

• sistematização, validação de tecnologias, pro-dutos e processos desenvolvidos por agriculto-res e parceiros para a solução de lacunas dossistemas produtivos;

• coleta e seleção de germoplasma adaptado paramanutenção da agrobiodiversidade;

• produção de insumos básicos, entre eles bio-fertilizantes, compostos e fitoprotetores; e

• a consolidação de um arranjo local de pesquisavoltado para a promoção da sustentabilidadeda agricultura familiar na região.

Projetos e atividades emandamento

A articulação do conhecimento científico como saber dos agricultores têm sido preocupação permanen-te nas ações do fórum. A sua existência e o arranjo insti-tucional nele presente têm garantido o protagonismo dosdiferentes grupos sociais que atuam na agricultura fami-liar da região. As tecnologias sistematizadas, adaptadasou geradas promovem maior autonomia dos agricultores eviabilizam economicamente a Agroecologia. Já o enfoquemetodológico, baseado nos princípios da pesquisa parti-cipativa, proporciona a construção de propostas onde osagricultores, por meio de suas organizações, participamda articulação de políticas públicas.

Ensaios de síntese

Uma linha de trabalho que vem sendo importan-te nos processos de inovação tecnológica são os ensaios desíntese. Do ponto de vista formal, esses ensaios trabalhamcom variáveis que necessitam de controle, o que os diferede outras metodologias de validação e disponibilização detecnologias que podem abrir mão do rigor científico. Nosensaios, são utilizadas tecnologias e informações da pes-quisa ou da experiência de técnicos e agricultores para abusca de soluções para os problemas tecnológicos detecta-dos nos sistemas de produção. Preserva-se o enfoquesistêmico e a interdisciplinaridade na aplicação conjuntadas tecnologias, realizando-se os devidos ajustes, para pos-terior validação nas propriedades dos agricultores. Essestestes permitem que os agricultores resolvam pontos deestrangulamento nos sistemas de produção. Alguns dosprincipais ensaios de síntese foram realizados com as cultu-ras da figueira, do pessegueiro e o resgate do sistema milpa.

O cultivo do figo, por exemplo, dispensa o usointensivo de insumos sintéticos para o controle de pragase doenças, razão pela qual a transição para um sistemaecológico pode ser feita com certa facilidade. Foi instala-do um pomar com a cultivar Roxo de Valinhos, dandoespecial atenção ao manejo do solo, crucial para o sistemapreconizado. O solo foi manejado no sistema de cultivomínimo, com a implantação da leguminosa feijão-de-por-co nas entrelinhas das fruteiras após o inverno e uma

Produtor ecológico da Ilha dos Marinheiros apresenta suasexperiências com pimentão crioulo

2Resultados completos no livro Tecnologias para os sistemas de produção e desenvol-vimento sustentável da Agricultura Familiar, organizado por C. A. B. Medeiros, L. J.Reichert, J. C. C. Gomes & A. L.O. Heberlê, editado pela Embrapa Clima

Temperado, em 2005.

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consorciação de aveia preta ou centeio com ervilhaca nooutono. Foi feita adubação com esterco bovino curtido eo controle da ferrugem foi realizado com a utilização decalda cúprica. Também foi observada a interação de irri-gação por gotejamento e aspersão com a utilização decobertura morta na linha das figueiras. A cobertura nasparcelas irrigadas por aspersão resultou em um aumento de100% na produção e na redução da incidência de doenças.

Já na cultura do pessegueiro, o ensaio avalioua transição ecológica em pomar implantado em sistemaconvencional. No solo, mantido com cobertura vegetal,semeou-se feijão-miúdo na primavera, aveia-preta no ou-tono e milheto com feijão miúdo (caupi) no verão. Nosciclos seguintes foi semeada aveia-preta consorciada comervilhaca-peluda no outono. Durante a transição, e pelossintomas de elevada deficiência do solo, a adubação foirealizada com uma mistura de esterco com fertilizantessolúveis. O controle de doenças foi feito com caldas sulfo-cálcica e bordalesa, enquanto as pragas foram combatidascom iscas e armadilhas. Os resultados foram satisfatórios,mantendo a produção nos padrões normais, com frutosde boa aparência. No entanto, o ataque da mosca-das-frutas (Anastrepha fraterculus) foi um dos problemas demais difícil solução na produção ecológica do pêssego. Ocontrole com armadilhas não teve o impacto desejado, ain-da que tenha conseguido um grande número de capturas.

O sistema milpa, prática tradicional desde co-lonizações pré-colombianas no México, consiste na consor-ciação de milho, feijão e cucurbitáceas. O ensaio foi reali-zado por dois anos, comprovando o aumento da produ-ção em todas as culturas, com exceção do feijão em anode forte seca.

Pesquisa participativa em Rede deReferência

A rede é formada por propriedades representa-tivas dos principais sistemas de produção familiar da re-gião, selecionadas com a participação de todos os parcei-ros do projeto. Para formar a Rede de Referência, foramescolhidas quinze propriedades nos municípios de Pelotas,São Lourenço do Sul, Canguçu, Morro Redondo, Rio Gran-de e São José do Norte.

A rede tem como pressuposto tornar-se refe-rência técnica e econômica para outras unidades familia-res. Um dos objetivos é a identificação de demandas depesquisa, por meio de diagnóstico participativo e da reali-zação de testes, ajustes e validação de tecnologias. Nasua condução, são desenvolvidas atividades para aumen-tar a eficiência dos sistemas de produção, disponibilizandoinformações e orientando os agricultores na gestão da pro-priedade. Além disso, a rede serve como base pedagógicapara capacitação de técnicos e agricultores.

No estabelecimento da rede, além da repre-sentatividade, foi considerado o compromisso do agricul-tor com os princípios da pesquisa participativa em Agro-ecologia ou com a implementação do processo de transi-ção agroecológica, devendo, em ambos os casos, estardisposto a realizar mudanças tecnológicas. Para funcio-nar como pólo irradiador, foram selecionados agricultorescom bom relacionamento com a comunidade e partici-pantes de grupos ou associações.

Depois da escolha, ocorreu a caracterização dossistemas de produção, tendo a diversidade como um dosprincípios da Rede de Referência. A fruticultura, com aprodução de pêssego, citros e morango, é um dos siste-mas mais importantes. Embora permeie a quase totalida-de das propriedades, a olericultura tem maior expressãono sistema produtivo da cebola, concentrado nos municí-pios da região costeira, Rio Grande e São José do Norte.Outra atividade presente em número significativo de pro-priedades é a produção de leite. A Cooperativa de Peque-nos Agricultores Produtores de Leite da Região Sul(Coopal) e a Cooperativa Mista dos Pequenos Agriculto-res da Região Sul (Coopar) estão vinculadas a essas expe-riências.

Com apoio de todos os participantes, foi de-senvolvido o Caderno de Caracterização da Unidade deReferência, ferramenta fundamental no diagnóstico quepossibilitou conhecer os aspectos técnicos, econômicos,sociais e ambientais de cada unidade, além de apontaralguns indicadores de sustentabilidade.

Como resultado da Rede de Referência, foramcriados vários grupos e associações de agricultores ecoló-gicos, feiras de produtos agroecológicos e um departa-mento específico para tratar de Agroecologia na Coopar.

Biofábrica: desenvolvimento,produção e validação científica deinsumos para a Agroecologia

A produção de insumos para uso na transiçãoagroambiental na região sul do Rio Grande do Sul ganhouforça a partir de 2001, quando foi instalada a Biofábrica,estrutura criada na EEC. Destinada ao estudo e produçãode insumos para nutrição e proteção de plantas, a Bio-fábrica também objetiva a recuperação do conhecimentosobre esses insumos, a pesquisa sobre sua eficiência e acapacitação dos agricultores na sua elaboração e utiliza-

Demonstração de preparo de canteiro para o cultivo de horta-liças na Ilha dos Marinheiros

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ção. Objetiva ainda desenvolver novos sistemas defitoproteção que aumentem a segurança de agricultores econsumidores e que reduzam custos de produção. Sãopriorizados produtos capazes de ativar os mecanismosnaturais de resistência das culturas, como é o caso da pes-quisa com plantas bioativas. Recentemente, junto àBiofábrica, foi instalado um forno que produz extratopirolenhoso, usado como fitoprotetor, agora avaliado cien-tificamente.

Também foi instalada uma central de produ-ção de compostagem e adubos orgânicos, usando basica-mente resíduos gerados nas propriedades da região, com aadição de resíduos industriais, como cascas de acácia eeucalipto compostadas, casca de arroz – material abun-dante na região – e produtos derivados do xisto betumi-noso. São utilizados métodos clássicos de compostageme de vermicompostagem, juntamente com a pesquisa so-bre novas tecnologias no tema.

Biodiversidade como fatorde sustentabilidade naagricultura familiar

As ações conduzidas pela EEC no campo dabiodiversidade objetivam coletar, caracterizar e avaliargermoplasmas de hortaliças, grãos e espécies florestais parauso na recuperação de solos e exploração econômica. Sãovários bancos ativos de germoplasma, englobando grandediversidade de espécies como cucurbitáceas, cebola, ce-noura, mamona, batata doce, milho, pimentas, fruteirasnativas, azevém e plantas medicinais.

Merece destaque a recuperação do milho varie-tal farináceo branco açoriano, oriundo da colonização aço-riana, de grãos brancos, aparência cerosa e elevada capa-cidade de produção de farinha, que possui textura equiva-lente à do trigo. A contaminação do material original oca-sionou a perda de grande parte de suas características.Por meio de parceria com a Fepagro e com a Emater, foipossível realizar processo de seleção visando à recupera-

ção dessas características. Houve multiplicação de semen-tes e repasse aos agricultores familiares, que hoje têm nes-se material excelente fonte de produção de farinha.

Ações voltadas para a identificação, reprodu-ção e reintrodução de espécies florestais arbóreas earbustivas da floresta estacional semidecidual na Serra dosTapes também mereceram atenção.

Quintais orgânicos de frutascontribuindo para a segurançaalimentar

O incentivo à intensificação da produção dosquintais representa a revalorização a uma prática voltadapara o consumo familiar, comum no passado. Com a espe-cialização da produção, até mesmo agricultores familiarestinham abandonado a idéia de que, em pequenos espa-ços, é possível produzir boa parte das necessidades bási-cas da família. A proposta dos quintais é a de produzirfrutas durante o ano todo, com o plantio de 12 espécies,cinco plantas por espécie, totalizando 60 plantas em áreainferior a um quarto de hectare. As espécies selecionadastêm propriedades alimentares, mas também de prevençãode doenças e fortalecimento do organismo. Em três anos,foram instalados mais de 300 quintais em propriedadesfamiliares, assentamentos de reforma agrária, áreasquilombolas, escolas rurais, urbanas e peri-urbanas.

Novos métodos de pesquisa, novasrelações e novos papéis

Independentemente do tema pesquisado e dametodologia empregada, o conjunto das experiências emrealização a partir da EEC representa a oportunidade derenovação de papéis dos diferentes atores envolvidos noprocesso de investigação científica. Pesquisadores parti-cipando de processos organizativos e da discussão de po-líticas públicas são um exemplo disso, assim como a parti-cipação de técnicos dos movimentos sociais e da extensãorural em projetos de pesquisa. Dessa forma, a conduçãode estudos não-restritos aos campos experimentais e la-boratórios tem ensejado o protagonismo dos agricultoresno processo e o fortalecimento da capacidade de realizarsuas próprias observações.

João Carlos Costa Gomespesquisador da Embrapa Clima Temperado

[email protected] Alberto Medeiros

pesquisador da Embrapa Clima TemperadoGustavo Crizel Gomes

engenheiro agrônomo, colaborador do Programa RS RuralLirio José Reichert

analista da Embrapa Clima Temperado

Demonstração de plantio de cebola ecológicaem São José do Norte

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Centro para Bio-diversidade e Co-nhecimento Tra-

dicional (CBCT), uma ONG chine-sa, tem promovido abordagens par-ticipativas para o desenvolvimentoe extensão tecnológica no tema dacriação de animais, no condado deGongshan, Yunnan, China. Os mo-dos de vida dos produtores da re-gião baseiam-se numa produçãomista, ou agropastoralismo, ondeos animais exercem um papel cen-tral. Há problemas na criação de ani-mais em todas as comunidades, o

que aumenta os custos e os riscosdessa produção. Embora existammuitas tecnologias que poderiamser úteis para a solução desses pro-blemas, elas não são conhecidas enem adotadas pelos produtores oupelos técnicos. Em geral, os técni-cos conheciam pouco as necessida-des dos produtores, e os esforços deextensão não tinham continuidade;freqüentemente, tecnologias eramdemonstradas e não eram acompa-nhadas no ano seguinte. Ainda queas taxas de adoção das inovaçõesfossem baixas, havia poucos estu-dos sistemáticos para avaliar as ra-zões disso.

Desenvolvimento Participativo deTecnologias no condado deGongshan

Em 2003, o CBCT começou a implementar oprojeto Melhorando os Modos de Vida Agropastoris noNoroeste de Yunnan. Para tratar dos problemas enfrenta-dos com a criação de animais e com a extensão, o projetoincluiu o componente de Desenvolvimento Participativode Tecnologias (DPT)1, uma abordagem metodológica

Melhorandoo serviço de

extensão ruralem Yunnan,

ChinaAndreas Wilkes, Shen Shicai e Huang Yulu

Um produtor explica a outros os seus métodos de estocar forragem

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1Para conhecer essa abordagem, veja o livro Reijnkjes, C. e outros. Agricultura parao futuro: uma introdução à agricultura sustentável e de baixo uso de insumos exter-nos. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1999. (nota do editor)

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Agriculturas - v. 3 - no 4 - dezembro de 2006 21

de promoção do desenvolvimento baseada em capacida-des e recursos locais. O cerne do DPT são experimentosconjuntos envolvendo técnicos e produtores. Os experi-mentos são direcionados aos problemas e necessidadesdos produtores, e esses estão envolvidos em todo o pro-cesso de experimentação, incluindo a difusão de tecno-logias úteis. O objetivo do DPT é produzir tecnologias lo-calmente apropriadas e relevantes, bem como apoiar atoresimportantes a melhor se engajarem nos processos locais deinovação tecnológica. O DPT requer uma gama de capaci-dades – técnicas, de facilitação e de comunicação, e deanálise. Para as administrações locais e os técnicos oficiaisdo condado, o DPT também demanda capacidades de lide-rança e de gerenciamento organizacional. O aprendizadodessas capacidades requer um longo processo.

Inicialmente, o objetivo em introduzir aborda-gens de DPT nesse contexto era o de resolver questõestécnicas na criação de animais. Contudo, à medida que otrabalho progrediu, tornou-se claro que abordagens partici-pativas também induzem processos de aprendizagem nostécnicos e nos agentes oficiais a respeito de uma gama deassuntos, entre eles os relacionamentos interpessoais e osproblemas de gerenciamento organizacional. Aprendemosque o DPT pode contribuir para a reorientação orga-nizacional das agências de serviços de extensão. Este artigodescreve como ocorreu esse processo de aprendizagem.

Facilitando os experimentos dosprodutores

Quando o projeto iniciou, em 2003, foi realiza-do um encontro em que a abordagem do DPT foi apresen-tada e discutida. Participaram do evento membros do pro-

jeto CBCT e do Departamento de Produção Animal docondado. Com a finalidade de identificar questões que osprodutores tinham interesse em trabalhar, seis membrosdo CBCT e um técnico do condado ficaram duas semanasna comunidade de Dimaluo, utilizando métodos de diag-nóstico rápido e realizando encontros com membros dacomunidade a fim de entender seus modos de vida e ques-tões relacionadas à criação de animais. A equipe identifi-cou que quase todas as famílias têm problemas com faltade forragem no inverno, e que as doenças nos animaisprovocam perdas significativas todos os anos. Foram acer-tados, a partir daí, alguns experimentos enfocando tecno-logias para produção de forragem (espécies exóticas degramíneas e para silagem) e tratamentos preventivos paradoenças de aves. Em junho de 2003, 36 produtores apre-sentaram-se como voluntários e foram escolhidos paraparticipar dos experimentos.

Todos os experimentos foram conduzidos pe-los produtores em suas propriedades ou utilizando seuspróprios recursos forrageiros. Não foi pago nenhum subsí-dio pela participação, já que os envolvidos tinham demons-trado interesse e motivação próprios. Para os experimen-tos com espécies de gramíneas exóticas, o CBCT provi-denciou sementes para uma área de apenas três metrosquadrados, a fim de reduzir o risco dos produtores caso asgramíneas introduzidas se mostrassem inapropriadas. Afo-ra isso, a localização, o momento e todos os outros aspec-tos dos experimentos foram decididos pelos próprios pro-dutores. A equipe do CBCT e, inicialmente, um técnicodo condado visitaram e entrevistaram os agricultores-experimentadores mensalmente para saber que mudançashaviam ocorrido, como os produtores entendiam e expli-cavam essas mudanças e quais resultados as tecnologiasestavam produzindo.

Tabela. Estágios no processo de aprendizagem 2003-2006

Período Atividades principais Relações Preocupações principaisdos serviços oficiais

Pré-projeto Falta de freqüência e de efetividade Pouca colaboração entre a Como apoiar a organizaçãonas atividades de extensão administração local e os produtores através da solicitação do

Nenhum mecanismo formal financiamento de projetospara parcerias

2003-2004 O CBCT facilita experimentos em Pouco envolvimento da administração Como utilizar experimentos parauma comunidade (12 experimentos) local ou do condado assegurar mais financiamento

O CBCT trabalha com os de projetosprodutores e busca aproximaros produtores e o condado

2004-2005 A administração local facilita A administração local começa Como colaborar eficazmenteexperimentos em uma comunidade a colaborar formalmente com com os produtores(2 experimentos) os produtores

O CBCT dá apoio àadministração local

2005-2006 Quatro administrações locais O condado dá apoio à Como o condado pode dar apoiofacilitam experimentos em 4 administração local para colaborar às administrações locaiscomunidades (8 experimentos) com os produtores Como tornar claros os papéis do

O CBCT dá apoio ao condado e condado e apoiar a melhoria daà administração local provisão de serviços

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22 Agriculturas - v. 3 - no 4 - dezembro de 2006

Logo após o trabalho de monitoramento teriniciado, a participação do técnico do condado diminuiu.Os técnicos do condado e os agentes oficiais acharam quea escala dos experimentos era muito pequena para ter qual-quer impacto. Eles estavam mais interessados em implan-tar grandes áreas de demonstração que pudessem ser uti-lizadas para mostrar os benefícios das gramíneas forrageirastanto aos produtores quanto a agentes oficiais visitantes.Essa é a forma usual como as agências governamentaisestimulam seus superiores a darem mais fundos aos proje-tos. O técnico do condado também achou que não eranecessário entrevistar os produtores com tanta freqüên-cia, justificando que, de acordo com sua experiência, mui-tos não dizem a verdade aos técnicos, falando uma coisana sua frente e outra pelas costas.

Do ponto de vista do CBCT, os experimentos (aomenos alguns) mostraram que os produtores estavam inte-ressados e tinham condições de realizar experimentações detecnologias. Contudo, uma avaliação mostrou que apesar deum experimento individual ter sido bem sucedido e do agri-cultor-experimentador ter conseguido dominar a tecnologia,não necessariamente outros produtores tomavam conheci-mento dos resultados. Assim, experimentos conduzidos porunidades familiares individuais não necessariamente levam àdisseminação do conhecimento e das novas capacidades nacomunidade. De forma similar, uma avaliação de uma grandeárea de demonstração do Departamento de Produção Ani-mal mostrou que, apesar de muitos produtores saberem arespeito dela, eles não conheciam o resultado do experimen-to que estava sendo feito e, raramente, perguntavam àquelesque estavam envolvidos.

Aprendendo a colaborar

Na primavera de 2004, técnicos do posto vete-rinário local, próximo à comunidade de Dimaluo – que não

se envolveram nos experimentos do primeiro ano – conta-taram a equipe do CBCT dizendo que tinham ouvido falara respeito do sucesso do trabalho e estavam interessadosem aprender como trabalhar melhor com os produtores.Eles explicaram que a equipe local era toda jovem, recém-formada em escolas técnicas e, portanto, interessada emcolocar em prática o que haviam aprendido. Buscavam,assim, melhorar suas capacidades técnicas.

Para lidar com o problema de fluxo de infor-mações dentro da comunidade, o projeto decidiu traba-lhar com grupos de agricultores-experimentadores aoinvés de unidades familiares individuais. Após levanta-mentos participativos, foram organizados grupos de agri-cultores-experimentadores. Cada grupo enfoca um as-pecto distinto da criação animal. Os produtores inte-gram esses grupos com base em seu próprio interesse eapós serem indicados em uma reunião comunitária. Osgrupos desenham seus próprios experimentos com oapoio dos técnicos locais e, então, os implementam. Acada mês, os técnicos facilitam a troca de experiências edos resultados dos experimentos em um encontro dogrupo. Quando os membros do grupo sentem que o ex-perimento produziu resultados objetivos, eles os resu-mem e os repassam para outros produtores. Se o experi-mento é bem sucedido, eles fazem um plano para garan-tir os materiais necessários e para difundir a tecnologiaentre os produtores.

Em junho de 2004, três grupos de agricultores-experimentadores foram formados em uma comunidade-piloto: um dedicou-se à prevenção de doenças em aves,outro focou a produção de forragem e um terceiro organi-zou-se em torno do tema de criação de porcos. Mensal-mente, os técnicos locais organizaram reuniões dos gru-pos e discutiram o progresso dos experimentos. Duranteseis meses de experimentação, os técnicos melhoraramseu conhecimento sobre as condições de produção na co-

munidade e as questões na criação de ani-mais que interessavam aos produtores;aprimoraram suas capacidades de se co-municar eficazmente com os produtorese de organizá-los; e também aprenderamsobre o uso de várias tecnologias em con-dições reais de produção.

Depois de seis meses, algunsexperimentos tiveram um final bem su-cedido, mas foi impossível prosseguirpara uma próxima fase. Um exemplo dis-so são os experimentos sobre impactosde vacinações contra a doença deNewcastle e peste bubônica na taxa desobrevivência de aves. Embora os resul-tados do experimento tenham sido bemclaros – as unidades produtivas familia-res participantes tiveram altas taxas desobrevivência, ao contrário das não-par-ticipantes –, o estoque de vacinas doveterinário da estação do condado ter-

Técnicos discutindo com produtores a criação de um fundo rotativo, depois de umexperimento bem sucedido com tratamentos preventivos de animais

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minou, e passaram-se meses até que outro estoque fosseadquirido. Esse exemplo revelou que uma colaboração bemsucedida com os produtores também requer apoio contí-nuo das agências do condado.

Aprendendo a mudar

A cada três meses, o posto veterinário local es-crevia um relatório sobre o progresso dos experimentos, eo seu chefe fazia relatos orais aos agentes oficiais do con-dado. O chefe do Departamento de Produção Animal docondado ficou muito impressionado com o progresso dascapacidades técnica, organizacional e de redação dos téc-nicos de campo. Em junho de 2005, o departamento con-vidou o CBCT para apoiar um processo similar de aprendi-zagem em três outros postos veterinários locais. Em agos-to de 2005, o CBCT treinou agentes oficiais locais e docondado em DPT e acompanhou os técnicos locais narealização de diagnósticos participativos e no estabeleci-mento de grupos de experimentação em comunidades-piloto em cada um dos três locais.

Os diagnósticos revelaram muitos problemascomuns em todo o condado, tais como: crescimentolento de porcos; falta de forragem no inverno; e o pre-domínio de doenças e mortalidade em porcos e aves.Experimentos com tecnologias disponíveis comercial-mente foram desenhados e implementados em cadacomunidade-piloto. O levantamento e o processo deexperimentação levantaram diversas questões. Além dafalta de estocagem de vacinas para aves pela agênciaveterinária do condado, percebeu-se que as vacinas es-tavam disponíveis somente em embalagens para 300aves – grandes demais para valer a pena seu uso naspequenas comunidades do condado. A agência não foicapaz de sugerir alternativas a esses problemas. Outraquestão foi a baixa capacidade dos membros da equipeem diagnosticar doenças.

No final de 2005, o escritório de produção ani-mal do condado começou a considerar seriamente comopoderia proporcionar melhor apoio aos processos de expe-rimentação nas comunidades. No nível técnico, estava claroque os técnicos de campo precisavam de apoio para a rea-lização dos diagnósticos. O condado começou a imple-mentar diversas medidas, tais como: veterinários com ex-periência para atuar como facilitadores e propiciar trei-namento e consultoria aos seus colegas mais jovens queatuam nas comunidades; utilização do recém-instalado la-boratório para saúde animal do condado, não somentepara atender exigências de relatórios das condiçõesepidemiológicas, mas, também, para atender às necessi-dades dos técnicos de campo para apoio em diagnósticos;e, o desenvolvimento de um sistema pelo qual as informa-ções do monitoramento epidemiológico e de casos pos-sam auxiliar nas decisões de estocagem de vacinas e deinoculantes na estação veterinária do condado. Atualmen-te, a agência veterinária está ativa na busca de informa-ções sobre tecnologias adequadas.

Essas mudanças exigem novos mecanismos paracolaboração entre os serviços oficiais. Foram instituídosencontros bimensais das lideranças dos agentes oficiais,nos quais os líderes dos postos veterinários locais podemexpressar suas necessidades, e os líderes da estação docondado podem compartilhar suas informações, necessi-dades e planos. Ambos os escritórios estão, agora, discu-tindo um novo conjunto de procedimentos para se relacio-narem e aumentar a eficiência dos serviços oficiais.

Um processo de aprendizagem

Nossas experiências de introduzir DPT emGongshan sugerem que abordagens participativas de de-senvolvimento tecnológico e de extensão são uma formaprática de começar a tratar questões de desempenho, deeficácia e de eficiência. Comprometer-se com DPT nessecontexto foi útil “pelos provedores de serviços terem me-lhorado tanto suas capacidades técnicas, quanto outras,necessárias para um trabalho efetivo em áreas rurais; porinduzir os técnicos de campo a se engajarem mais freqüen-temente e com maior efetividade no trabalho de extensãoem áreas rurais; por reorientar as atividades dos serviçosde extensão dos escritórios locais e do condado na direçãodas necessidades dos produtores; por promover mudan-ças nas estruturas e nos procedimentos de gerenciamentoorganizacional; e por intensificar a colaboração entre osserviços oficiais dentro do condado”. Diversos fatores fo-ram fundamentais para se chegar a esse resultado. A abor-dagem leva em conta as necessidades dos produtores (op-ções para melhorar a produção) assim como dos técnicose agentes oficiais (capacitação). O desenvolvimento daabordagem baseou-se em trabalho prático, comenvolvimento tanto dos técnicos como do CBCT, che-gando, assim, a um consenso sobre o que funciona e o quenão funciona. A equipe do CBCT desempenhou papéischaves na facilitação para os técnicos e agentes governa-mentais analisarem as questões e os problemas enfrenta-dos, em termos de dificuldades de produção nas comuni-dades, de necessidades de capacitação da equipe e dequestões organizacionais.

ReferênciasEste artigo é baseado em um documento mais ex-tenso, que pode ser acessado em http://www.cbik.ac.cn/cbik-en/cbik/our_work/livelihood/idrc.htm

Andreas Wilkes e Shen Shicai:Center for Biodiversity and Indigenous Knowledge

[email protected] Yulu:

Gongshan County Animal Husbandry Bureau,Yunnan, China.

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esde abril de 2004,uma equipe inter-disciplinar consti-

tuída por professores e estudantes daUniversidade Veracruzana (especia-listas em agroecologia, trabalho so-cial, biologia, desenho gráfico, agro-nomia e vida silvestre) iniciou um pro-jeto de pesquisa sobre a diversidadebiológica dos cafezais em áreas mar-ginais. O projeto se desenvolveu nacomunidade de Ocotal Chico, no mu-nicípio de Soteapan, Veracruz, den-tro da área que compreende a Re-serva da Biosfera dos Tuxtlas (Fi-gura 1). A pesquisa foi desenvolvidaem resposta à complexa problemáti-ca de marginalização da comunidade,onde interagem fatores ambientais,

econômicos, políticos, sociais e cul-turais, exercendo pressão sobre osprodutores e os recursos naturais.A cafeicultura mexicana tem sido seriamente

afetada pela permanente e contínua queda dos preçosinternacionais do café. A conseqüência é uma significati-va perda do poder aquisitivo dos pequenos produtores,abandono parcial ou total de muitos cafezais ou em suatransformação em pastagens; migração constante para onorte do país e os Estados Unidos; e uma oportunidadepara aqueles que financiam ou promovem os cultivos ile-gais. No México, a província de Veracruz ocupa o segun-do lugar na produção de café em termos de volume deprodução e do número de produtores, ficando atrás ape-nas de Chiapas.

Em torno de 30% da área dedicada à produçãode café em Veracruz estão localizados entre 300 e 800metros acima do nível do mar. Essas áreas são considera-das marginais para a produção de café. Por isso, apresen-tam baixos rendimentos e baixa qualidade do produto.Essa é a situação em que vive a cafeicultura de OcotalChico. Ela carece de processos adequados de manejo pro-

Pesquisa participativa em cafezais de avanços na busca da susten

Carlos H. Ávila Bello, Santo Franco Duarte, Julieta María Jaloma Cruz,Martina Martínez Martínez e Luis F. Zetina Martínez

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Figura 1. Localização da área de trabalho na Reserva daBiosfera dos Tuxtlas. A comunidade de Ocotal Chico fica pertode Soteapan, Veracruz, México.

Figura 2. Processo de secagem do café a pleno sol

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dutivo, processamento e comercialização. Ocotal Chicotem um pouco mais de 900 habitantes, que pertencem aogrupo étnico popoluca (descendentes dos olmecas). Amaior parte da sua população tem baixo nível educacio-nal; os adultos chegam, em média, até o segundo ano doensino básico, mas a maioria dos habitantes não sabe ler,nem escrever. A comunidade tem área de 1.354 hectares,dos quais 1.100 são ocupados por propriedades rurais,220 são usados coletivamente e 24 para as moradias. Comoem outras comunidades da região, os habitantes de OcotalChico se dedicam basicamente ao cultivo do milho e docafé. O milho é usado para consumo próprio e o café, paraa comercialização. Esse sistema vem sendo adotado desdea década de 1930, com o apoio técnico e econômico dediferentes instituições governamentais.

Pesquisa participativa: mudançada realidade

O trabalho realizado em Ocotal Chico tem comoobjetivo promover a conscientização sobre os problemassociais e a busca por transformações positivas, por meiode processos de fortalecimento e autogestão coletiva, afim de alcançar uma melhor qualidade de vida e um usomais sustentável dos recursos naturais. O projeto se fun-damenta nos princípios da Agroecologia, na teoria de sis-temas, na sustentabilidade e na pesquisa-ação participativa

(García B., 2000; Gliessman, 2003). Com essa concep-ção, realizou-se oficinas, nas quais os produtores interes-sados, homens e mulheres de diferentes idades, contribu-íram com seus conhecimentos, reflexões e propostas.

Nesse processo, foi fundamental a intervençãodo estudante popoluca Santo Franco Duarte como agen-te animador. Ele é nativo de Soteapan, possui o domínioda língua local e grande conhecimento da região, o quefavoreceu uma maior confiança e participação por partedos produtores.

A partir das oficinas e das diferentes técnicasgrupais aplicadas, foi possível aprofundar alguns conheci-mentos e práticas comunitárias, como, por exemplo, ocalendário agrícola, as plantas úteis da horta caseira, da“milpa”1, como também aquelas colhidas nos diferentestipos de vegetação local; o funcionamento dos sistemasde produção (café e milho); e as formas de organização dogrupo de produtores e os problemas que estes enfrentampara comercializar seu café (Figura 2).

Novas linhas de pesquisa

Do projeto original, surgiu a necessidade deestudar o uso dos recursos naturais de maneira integral,na busca pelo desenvolvimento sustentável da comunida-de e pelo trabalho familiar e coletivo. A complexidade dosistema nos obrigou a traçar novas linhas de pesquisa rela-cionadas com:

a) o estudo dos cafezais, com a finalidade de enten-der seus funcionamentos, seus componentes e ospontos críticos no processo de produção;

b) o estudo da “milpa”, com o objetivo de conhe-cer o sistema de produção do milho, caracterizaras variedades cultivadas (preto, amarelo, bran-co e vermelho) e conhecer a diversidade biológi-ca atual e seus usos (Figura 3);

c) pesquisa sobre o controle biológico de pragas,como a “cigarrinha” (Aeneolamia spp.) no cul-tivo de milho; e

d) pesquisa com os produtores colaboradores so-bre o estabelecimento de dois sistemas agro-florestais em curvas de nível: um para o café eoutro para o milho.Além desses estudos, surgiram outros temas a

serem pesquisados e que são de fundamental importânciapara a compreensão da problemática social, tais como asrelações inter-pessoais na comunidade, a educação dosadultos e a percepção dos produtores com respeito aosrecursos naturais.

Veracruz, México:tabilidade

1Milpa é uma palavra de origem náhuatl que significa “campo recém-limpo”. É umaárea dentro da floresta, destinada ao cultivo do milho e outros produtos. Segundo ascondições locais, é possível encontrar na milpa muitas combinações de plantas . (notada tradutora)

Figura 3. Diferentes variedades de milho crioulo preservadaspor alguns produtores

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Resultados em direção àsustentabilidade

Alguns dos resultados das oficinas, das entre-vistas e das visitas a campo nos permitiram conhecer me-lhor o sistema produtivo e a sua importância para a comu-nidade (Figura 4). Nesse processo foram propostos indi-cadores de sustentabilidade relacionados com os pontoscríticos positivos e negativos do sistema. Os pontos críti-cos positivos mais importantes são a alta diversidade bio-lógica que a região possui e a disponibilidade local de insu-mos. Os negativos incluem um baixo nível de organização(dos 154 produtores, somente 30 estão organizados e,

mesmo assim, a falta de solidariedadeentre eles é um denominador comum);grande presença de minifúndios (exten-são reduzida das áreas); falta de manejoda broca do café (Hypothenemus ham-pei); pouco emprego de práticas de ma-nejo como, por exemplo, as podas; ren-da insignificante proveniente do ma-nejo de outras espécies que não o café;dependência do mercado internacio-

nal; e total ausência de processos de autogestão.Alguns produtores demonstraram interesse pela

conservação e diversificação dos seus sistemas de produ-ção, como Barnabé Matías González e HermenegildoMateo González, que cederam parte de suas propriedadespara estabelecer dois sistemas agroflorestais: o primeirocom café e o segundo com milho (Figura 5).

As inovações que foram discutidas eplanejadas junto com esses produtoressão as seguintes: no primeiro caso, tra-çar curvas de nível para o plantio deervilha (Pisum sativum); no extratoarbóreo superior, o plantio de espéciesnativas madeiráveis, como o cambará(Vochysia hondurensis) e o louro-freijó(Cordia alliodora), e no extrato arbóreoinferior, o plantio de árvores frutíferasenxertadas como o sapoti (Manilkarazapota) e a graviola (Annona muricata),assim como da laranja (Citrus sinensis)e da banana (Musa spp.). Já no espa-ço entre as curvas de nível, o cultivo decafé (Coffea arabica var. Garnica) noextrato arbustivo e o amendoim for-rageiro (Arachis pintoi) no extrato her-báceo, este último com a finalidade deproteger o solo da erosão e como fonteprincipal de nitrogênio. Também foi cul-tivada a palmeira camedórea (Chama-edorea sp.) no extrato herbáceo.

No segundo caso, nas curvas de nível, onde sesemeou a ervilha, se planejou também cultivar abacaxi,introduzir as árvores frutíferas mencionadas anteriormen-

Figura 4. Representação do sistemade produção. As linhas contínuasindicam o fluxo de matérias a as pon-tilhadas, o intercâmbio de energia. Aprodução de milho e, em alguns casos,a criação de gado bovino, são vistascomo uma forma de poupança para aunidade familiar

Figura 5. Colheita do café em uma das propriedades rurais deOcotal Chico

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te e cultivar o milho no espaço entre as curvas de nível.

Educação para os adultos

Entre as estratégias para conseguir a transfor-mação social e melhorar as condições de vida, estão a edu-cação e o desenvolvimento humano. Por meio de entrevis-tas domiciliares, que tinha como finalidade conhecer os in-teresses e as necessidades de capacitação da população,foram identificados os desejos de estudar e de obter os do-cumentos que comprovem a educação básica, o que au-mentam suas oportunidades de trabalho. Paralelamente àsatividades realizadas com os produtores em diferentes li-nhas pesquisa, os homens e mulheres interessados inicia-ram aulas de alfabetização e de educação primária e secun-dária (Figura 6). A metodologia aplicada foi o “modeloeducativo para a vida e o trabalho” do Instituto Nacionalpara Educação de Adultos (INEA). Esse modelo faz comque os adultos que participam do processo de alfabetiza-ção e educação “captem” conhecimentos por meio da re-flexão das condições de vida em seu próprio contexto, bus-cando respostas aos desafios que aparecem e integrandoativamente essas respostas ao processo de mudança e decrescimento pessoal. O projeto de educação teve início comum grupo de 33 pessoas, das quais 26 são mulheres, quetêm mostrado maior interesse e perseverança nos estudos.Ainda que o avanço seja lento e o grupo, flutuante – alémde enfrentar também problemas logísticos –, o trabalhocontinuará enquanto existir o compromisso e a dedicaçãodas pessoas por sua preparação e crescimento.

ConclusõesO projeto de pesquisa participativa tem favore-

cido o estabelecimento de uma relação horizontal com oshabitantes da comunidade de Ocotal Chico, assim comode novas linhas de pesquisa encaminhadas a partir da con-formação de uma equipe interdisciplinar.

Carlos H. Ávila [email protected]; [email protected]

Santo Franco DuarteJulieta María Jaloma CruzMarina Martínez Martínez

Luis F. Zetina Martínez

professores da Universidade Veracruzana

Referências bibliográficasGARCÍA B., R.. Conceptos básicos para el estudiode sistemas complejos. In: LEFF, E. (Coord.). Losproblemas del conocimiento y la perspectivaambiental del desarrollo. Segunda edición. SigloVeintiuno. México, D. F., 2000. p. 381-409.

GLIESSMAN, S. R. Agroecología. Procesos eco-lógicos en agricultura sostenible. CATIE.Universidad Autónoma de Yucatán. GTZ.PROTROPICO. University of Southern California.Turrialba, Costa Rica, 2002. 359 pp.

SIEMMENS, A. H. Los paisajes. In: GUEVARA, S.;J. LAVORDE D. & G. SÁNCHEZ-RÍOS (Ed.). LosTuxtlas. El paisaje de la sierra. Instituto deEcología. Unión Europea. Xalpa, Veracruz, Méxi-co, 2004. p. 41-59.

A vinculação do projeto com um processoeducativo local, identificado como uma necessidade da pró-pria comunidade, permite que o alcance das iniciativasextrapole as questões produtivas passando a exercer papelpositivo também sobre as relações sociais, a autoestima e oempoderamento local.

Por outro lado, a participação concreta dos agri-cultores tem sido reduzida até o momento, pois 70% darenda das famílias da comunidade provêm de programasassistencialistas do governo, o que gera uma certa passivi-dade e dificulta bastante a organização de processos coleti-vos autogestionáveis.

É necessário mencionar, no entanto, que o pro-jeto se encontra apenas em sua fase inicial. A relação entreseus participantes começa a se consolidar e os resultadosdos experimentos já chamam a atenção de outros agricul-tores ainda não plenamente envolvidos.

A equipe de pesquisadores planeja realizar estu-dos mais detalhados sobre biodiversidade e práticas defitoterapia e alimentação com base no uso das espécies cul-tivadas nos quintais. Um dos objetivos desses novos estu-dos é o de desenvolver ações capazes de mobilizar as mulhe-res da comunidade nos processos de inovação em curso.

Figura 6. Aula de alfabetização com uma das mulheres dacomunidade

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m dos pilares me-todológicos daAgroecologia é o

respeito, resgate e valorização dosconhecimentos de agricultores eagricultoras em processos de inova-ção orientados para a promoção deagroecossistemas mais sustentáveis.Segundo o enfoque agroecológico,a produção de conhecimento não éuma atividade de domínio exclusivodos profissionais da ciência, mas deveenvolver a participação ativa deagricultores(as), desde a definiçãodos problemas das pesquisas até adivulgação de seus resultados. Issosignifica o rompimento da concep-ção adotada na pesquisa clássica, naqual os(as) agricultores(as) são con-siderados meros receptores dos co-nhecimentos ou das tecnologias ge-radas pela atividade científica(Gonsalves et al., 2005). Essa neces-sidade de entrelaçar saberes popu-lares e científicos nos processos deconstrução do conhecimento agro-ecológico encerra um grande desa-fio de natureza metodológica.

Este artigo apresenta a evolução das aborda-gens metodológicas adotadas em dinâmicas sociais de ino-vação agroecológica na Zona da Mata de Minas Gerais,promovidas a partir da interação entre o Centro deTecnologias Alternativas (CTA), alguns departamentosda Universidade Federal de Viçosa (UFV) e organizaçõesde agricultores(as) familiares da região. A trajetória dessaparceria, que já se estende por mais de vinte anos, é ricaem ensinamentos sobre abordagens de pesquisa científicaintegradas a processos locais de desenvolvimento agro-ecológico.

Tecnologias alternativas,metodologias convencionais: oinício da interação

Com sistemas produtivos baseados na associa-ção da cafeicultura com a pecuária e o cultivo de culturaspara o autoconsumo, tais como milho, feijão e mandioca,a agricultura familiar da Zona da Mata enfrenta problemascrônicos relacionados à queda de produtividade das la-vouras, em razão de processos de degradação ambientaldos agroecossistemas e da grande oscilação dos preços docafé, sua principal fonte de renda monetária.

A difusão dos pacotes técnicos associados àmodernização da agricultura na região acentuou ainda maisas tendências históricas de superexploração do meio na-tural e tornou os sistemas produtivos familiares econômi-ca e ambientalmente mais vulneráveis.

No final da década de 1980, logo depois de suafundação, o CTA atuou com a perspectiva de difundir

Construindo oconhecimento agroecológico:trajetória de interação entre

ONG, universidade eorganizações de agricultores

Irene Maria Cardoso e Eugênio Alvarenga Ferrari

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tecnologias alternativas aos pacotes técnicos da Revolu-ção Verde. Essas alternativas eram identificadas junto àspróprias famílias agricultoras da região ou já faziam partedo acervo dominado pela equipe técnica. Alguns experi-mentos foram conduzidos na área do CTA com o objetivode comprovar a eficácia das tecnologias alternativas a se-rem difundidas. No entanto, essas iniciativas pouco mobi-lizavam ou estimulavam agricultores(as) e pesquisa-dores(as) de outras instituições.

Nessa fase inicial, o CTA criticava anatureza das tecnologias modernas,mas não logrou se desvencilhar dos fun-damentos metodológicos empregadosnos sistemas convencionais de produ-ção e disseminação de conhecimentos.A noção de difusão de tecnologias ain-da estava fortemente presente nas con-cepções da entidade. Em geral, limita-va-se à identificação e sistematizaçãode tecnologias populares (alternativas)que seriam posteriormente dissemina-das. Assim, embora a idéia de valori-zação dos conhecimentos dos(as)agricultores(as) figurasse como umareferência importante, não se sabia exa-tamente como integrá-los aos proces-sos de inovação.

Portanto, a abordagem adotada significava umavanço considerável do ponto de vista metodológico, masnão alterava em essência os procedimentos convencionais

dos sistemas oficiais de pesquisa e exten-são rural. Entre outras razões, por nãopermitirem o estabelecimento de relaçõesde poder mais horizontais entre assesso-res e agricultores. Apesar do respeito àcultura popular, o protagonismo do pro-cesso permanecia com os técnicos.

Das tecnologiasalternativas aosagroecossistemas: umamudança de enfoque

Ao perceber as limitações naimplementação das propostas técnicas di-

fundidas, o CTA passou a realizar diagnósticos participativosde agroecossistemas. Com isso, pretendia aprofundar e sis-tematizar o conhecimento dos técnicos e agricultores acer-ca dos entraves e potencialidades em cada uma das regiõesde sua atuação.

O CTA realizou vários diagnósticos, permitin-do definir temas mobilizadores das dinâmicas de inovaçãoagroecológica que passaram a orientar a interação entreagricultores(as), técnicos da entidade e professores da uni-versidade.

Os primeiros diagnósticos foram realizados em1990, nos municípios de Guidoval e Rodeiro. A partir dadefinição dos problemas produtivos e de possíveis solu-ções, foram conduzidas algumas experimentações em pro-priedades de agricultores, relacionadas ao manejo fitos-sanitário e à adubação verde em olerícolas.

Em 1991, o diagnóstico abordou a produçãoanimal em Miradouro, envolvendo pesquisadores do De-partamento de Zootecnia da UFV e do Centro de Pesqui-sa de Gado de Leite da Embrapa. Esse diagnóstico foirealizado a partir de uma demanda das organizações dos(as)agricultores(as), que buscavam na pecuária uma alterna-tiva de renda para atenuar a crise provocada naquele perío-do pela acentuada queda dos preços do café.

Em 1993, o Sindicato dos Trabalhadores Ru-rais de Araponga solicitou ao CTA uma assessoria para aelaboração de um plano de ação, cujo ponto de partida foio apoio para a condução de um diagnóstico de agroecos-sistemas do município. Dois temas principais se destaca-ram: o enfraquecimento das terras agrícolas e a preocupa-ção com a criação do Parque da Serra do Brigadeiro, oque, segundo o Instituto Estadual de Florestas (IEF), sig-

Debate sobre sistemas agroflorestaisenvolvendo agricultores eestudantes da UFV

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nificaria a demarcação e desapropriação das terras de cen-tenas de famílias que estavam acima da cota de mil metrosde altitude. Para buscar soluções para esses problemas,foram criadas duas comissões compostas por agricultores,técnicos do CTA e do Departamento de Solos (DPS) /UFV:a Comissão Terra Forte e a Comissão do Parque.

A Comissão Terra Forte estimulou experimen-tações para o controle da erosão e reposição de nutrientesretirados pelos cultivos, principais razões diagnosticadaspara o enfraquecimento das terras. Entre as inovações tes-tadas nas comunidades, destacam-se o cultivo de cana-de-açúcar em cordão de contorno no cafeeiro, a roçagemda vegetação espontânea, o uso de calcário, o uso de legu-minosas e as práticas agroflorestais.

Já a Comissão do Parque estimulou processosde mobilização dos sindicatos de trabalhadores rurais dosmunicípios do entorno da futura unidade de conservação.Um diagnóstico socioeconômico e ambiental do entornoda Serra foi realizado e várias pesquisas (inclusive demestrado e doutorado) foram desenvolvidas, demonstran-do as vantagens do envolvimento das famílias agricultorasna criação do parque e, posteriormente, no desenvolvi-mento de atividades produtivas sustentáveis. Estas asse-gurariam a conservação dos remanescentes florestais naregião. Todo esse processo evitou as desapropriações epermitiu a criação participativa do parque, experiência atéentão inédita no Brasil.

Monitoramento de impactosApós alguns anos de atuação em Araponga, as

instituições parceiras deram início a processos sistemáti-cos de monitoramento das ações desenvolvidas no mu-

nicípio. Os primeiros esforços nesse sentido contaram coma assessoria do instituto inglês IIED (International Institutefor Environment and Development) e tiveram como objeti-vo aprimorar as capacidades dos agricultores(as) para regis-trarem e analisarem mudanças ocorridas em suas proprieda-des após a incorporação de inovações agroecológicas.

Durante o monitoramento, algunsmétodos adotados pelos cientistas paraconferir rigor às informações geradasforam colocados em cheque pelos agri-cultores. Foi preciso então redefinirmetodologias para assegurar a produ-ção de informações úteis e de relevân-cia local. Essa experiência foi bastantereveladora do ponto de vista das difi-culdades existentes quando agriculto-res e cientistas interagem para produ-zir novos conhecimentos. Esses proces-sos requerem convergência de normasnos métodos de coleta e interpretaçãodos dados. Aprendemos que o métodocientífico não pode prevalecer na inte-ração, sob pena de os agricultores ques-tionarem a qualidade de sua participa-ção no processo.

Entre as várias atividades desenvolvidas emAraponga, decidiu-se monitorar os sistemas agroflorestais(SAFs), em particular no que se refere a seu impacto sobreo controle da erosão e o aumento da produtividade doscultivos. Em pesquisa realizada pelo Departamento de So-los, comprovou-se de forma inequívoca a relação entre os

SAFs e o controle da erosão.Apesar da comprovação des-se efeito ambiental, omonitoramento revelou queos SAFs não produziam satis-fatoriamente e demandavammuita mão-de-obra. Segundoos agricultores, a introduçãode grande número de árvoresno sistema dificultou muito aspráticas de manejo. A tentati-va de complexificar o sistemade uma só vez, tal como foiproposto pelos assessores, nãotrouxe bons resultados. Issoporque, normalmente, os agri-

Trabalho de grupo envolvendotécnicos, estudantes eagricultores durante cursosobre SAFs, ministrado peloCTA e DPS/UFV

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cultores incorporam as inovações pouco a pouco, por meiode um processo de experimentação. Essas conclusões abri-ram caminho para modificações no manejo e desenho dosSAFs. Espécies arbóreas foram retiradas do sistema e ou-tras foram introduzidas, especialmente aquelas de maisfácil manejo (como as caducifólias, que não exigem po-das) e aquelas geradoras de renda, como as frutíferas(abacate, banana, etc). Atualmente, os agricultores têmseus SAFs desenvolvidos segundo suas próprias lógicas etempo e não a partir de modelos supostamente ideais,transplantados de outras realidades.

A sistematização participativados SAFs

Todo o processo de inovação com SAFs geroumuitas informações, várias delas documentadas em estu-dos acadêmicos, relatórios institucionais, material de di-vulgação, etc. Outras, porém, ficaram sob o domínio dosagricultores e/ou técnicos. Tais informações, registradasou não, estavam dispersas, o que dificultava o seu uso poroutros agricultores, pelos novos membros da equipe doCTA e por outras pessoas interessadas. Para superar essadeficiência, gerar conhecimentos novos e realçar as liçõesaprendidas, sistematizou-se de forma participativa as ex-periências com sistemas agroflorestais (Souza, 2006).

Várias lições importantes foram coletivamenteassimiladas nesse processo. Entre elas, o reconhecimen-to, por parte dos agricultores, da compatibilidade de al-gumas espécies arbóreas nativas com o café. Essaconstatação possibilitou o manejo de tais espécies nos

SAFs, contrariando a tradiçãode sua eliminação total dasáreas de cultivo.

A sistematizaçãopermitiu também identificarlacunas de conhecimento re-lacionadas ao funcionamentoecológico dos sistemas. Entreelas, destacamos a ciclagem denutrientes, a identificação deespécies arbóreas potenciais, aanálise e levantamento dos ser-viços ambientais prestados pe-los SAFs, como os efeitos so-bre a conservação de fauna sil-vestre, do solo e da água.

Café com ciência

Para responder al-gumas das questões identi-ficadas durante a sistematiza-ção, diversos projetos de pes-quisa1 foram elaborados. Tais

projetos, ou parte deles, estão sendo desenvolvidos emambientes controlados ou em laboratórios, mas sem dei-xar de estar imersos em um processo mais amplo da dinâ-mica social de inovação. Esses projetos têm os mesmosagroecossistemas como foco, mas cada um olha oagroecossistema a partir de seu ângulo específico. A con-vergência desses olhares não têm sido fácil. Em um esfor-ço de integração, os participantes dos projetos realizamreuniões quinzenais para planejar as ações e discutir os re-sultados ou assuntos relacionados aos temas de pesquisa.

Buscando intensificar essa integraçãoe subsidiar o avanço dos conhecimen-tos dos grupos de agricultores(as) en-volvidos, foram criados encontros de-nominados Café com Ciência. O pri-meiro encontro foi realizado em Ara-ponga e teve como foco a discussãodos objetivos e metodologias a seremutilizadas nos projetos de pesquisa.Para aprofundar o debate e apresentaralguns resultados preliminares, foi rea-lizado no campus da UFV o Café comCiência II, que deu a oportunidade para

1 São quatro projetos para estudos de solos, três para estudos florístico e etnobotânico,um para estudos de polinizadores e um para estudos de competição por luz e nu-trientes. Departamentos envolvidos: Solos, Biologia Vegetal, Biologia Animal eFitotecnia. Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de MinasGerais (Fapemig) e CNPq.

Atividade de campo envolvendo técnicos do CTA, estudantes e professores da UFV

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as famílias observarem e manusearemparte do instrumental de laboratórioadotado nas pesquisas.

Alguns agricultores que participaram desseseventos manifestaram explicitamente o interesse em en-tender o funcionamento das técnicas por eles utilizadasno manejo de seus sistemas. Por isso, avaliam positiva-mente esse tipo de iniciativa e consideram necessários osprojetos de pesquisa. Outros encontros deverão ser reali-zados no campo e no campus, para que, todos juntos,possamos entender os porquês das coisas.

Esses eventos foram planejados a partir da co-brança feita durante a sistematização pelos agricultores,que expressaram o desejo de participar de todas as fasesda pesquisa, desde a elaboração das perguntas, passandopelo desenvolvimento, análise e discussão dos dados. Em-bora muitas pesquisas acadêmicas estivessem sendoconduzidas com material coletado nas áreas de experi-mentação dos agricultores, eles não se sentiam suficiente-mente integrados às mesmas.

A contribuição da pesquisacientífica

Os estudos acadêmicos produzidos durante atrajetória de interação da UFV com o processo de desen-volvimento local na Zona da Mata produziram, ao todo,onze teses (mestrado ou doutorado); sete capítulos delivros; quatro artigos publicados em periódicos nacionaise cinco em periódicos internacionais; mais de trinta resu-mos publicados em anais de eventos nacionais e três emeventos internacionais; onze palestras proferidas em even-tos nacionais e cinco em eventos internacionais; e mais de40 publicações de divulgação científica.

Muitos desses estudos podem ser con-siderados como pesquisa-ação, ou seja,foram orientados para responder per-guntas do tipo “O que fazer?” (Tripp,2005). Outras pesquisas foram direcio-nadas por questões do tipo “Por quê?”,procurando compreender os processosecológicos envolvidos no funcionamen-to das inovações, como, por exemplo,o entendimento da melhoria da cicla-gem de nutrientes nos SAFs. Para rea-lizar esse tipo de investigação, muitasvezes foi e continua sendo necessário odesenvolvimento de trabalhos em labo-ratórios ou casas de vegetação, assimcomo devem ser conduzidos experimen-tos controlados tanto nas propriedadesdos agricultores quanto em estaçãoexperimental.

Irene Maria Cardosoprofessora do Departamento de

Solos da Universidade Federal de Viç[email protected]

Eugênio Alvarenga Ferraricoordenador executivo do Centro de

Tecnologias Alternativas da Zona da [email protected]

Referências Bibliográficas:

GONSALVES, J. et al. Participatory Research andDevelopment for Sustainable Agriculture and Na-tural Resource Management: a sourcebook. Ca-nadá, 2005.

SOUZA, H.N. Sistematização da experiênciaparticipativa com sistemas agroflorestais: rumo àsustentabilidade da agricultura familiar na Zonada Mata mineira, 2006. Dissertação (Mestrado) –Universidade Federal de Viçosa. 163 p.

TRIPP, D. Pesquisa-ação: uma introduçãometodológica, 2005. p. 443-466.

Considerações finaisA longa trajetória de interação entre univer-

sidade, o CTA e agricultores(as) propiciou o desenvolvi-mento de uma relação profunda, marcada pelo respeito e aconfiança mútua, condição fundamental para a realizaçãode qualquer projeto de pesquisa dessa natureza. Pro-fessores da UFV passaram a integrar o quadro de asso-ciados do CTA, fazendo parte do seu conselho e dire-toria, e participam das instâncias de planejamento edeliberação da entidade. Tudo isso contribui para osentido de compromisso recíproco entre os diversosatores na construção da Agroecologia na Zona da Matade Minas Gerais.

Muitos desafios ainda permanecem. Entre eles,a incorporação de pesquisadores de outras áreas de estu-do e o aprendizado multi/transdiciplinar na análise dosagroecossistemas. Para superar esses desafios, é precisomudanças institucionais na organização da pesquisa e nassuas formas de financiamento, que permanecem fragmen-tadoras e distantes da realidade. É preciso também que auniversidade reconheça oficialmente o verdadeiro valor dosagricultores(as) no desenvolvimento e produção do co-nhecimento, desconstruindo o mito da superioridade dosaber científico.

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Publicações

Agricultores experimentadores e pesquisa

CHAMBERS, Robert; RICHARDS, Paul; BOX, Louk. Riode Janeiro: AS-PTA, 1989. 45 p. (Agricultores na Pes-quisa, 1)

Coletânea de textos que se destacam por situar a questãoda pesquisa participativa a partir de uma abordagemconceitual. O primeiro, de autoria de Chambers, traz umaapreciação de um seminário realizado em 1987, em Sussex,Inglaterra, sobre a interação de agricultores e pesquisado-res na investigação agrícola. Embora escrito há duas déca-das, o texto permanece atual, já que aponta sugestões depolíticas governamentais ainda não-implementadas. O tex-to de Louk traz uma abordagem interessante para o dese-nho de projetos de pesquisa que articulem pesquisadores,extensionistas e agricultores. Já o artigo de Richards apre-senta alguns exemplos de métodos que empregam princí-pios gerais em pesquisas com caráter participativo.

Participatory Research and Development: ASourcebook Overview

GONSALVES, Julian; BECKER, Thomas; BRAUN, Ann;CAMPILAN, Dindo; DE CHAVEZ, Hidelisa; FAJBER,Elizabeth; KAPIRIRI, Monica; RIVACA-CAMINADE, Joy& VERNOOY, Ronnie.

A pesquisa articulada a processos de desenvolvimento ru-ral não é um tema de domínio exclusivo de cientistas. Umamplo leque de atores sociais deve estar envolvido na cons-trução conjunta de soluções para os problemas locais. Éexatamente sobre esse tema que tratam os três volumesdeste livro. Eles abordam, de forma simples e didática,aspectos de natureza conceitual e metodológica relacio-nados ao tema da pesquisa participativa. Além disso, apre-sentam exemplos concretos de experiências, realizadas emmais de 30 países, que abrangem a investigação emtemáticas variadas, como a criação de animais, manejoflorestal e de microbacia, conservação e manejo dos solose água e processos pós-colheita.A publicação está disponível para download na seção“Dossiê” do site da Revista Agriculturas e no endereço http://www.idrc.ca/es/ev-84706-201-1-DO_TOPIC.html.

A lógica dos agri-cultores experi-mentadores: o ca-so da América Cen-tral.

HOCDÉ, Henri. Rio deJaneiro: AS-PTA,1999. 36 p. (Meto-dologias Participa-tivas, 2)

A partir de diversi-ficadas experiênciasde integração entrepesquisadores e agri-

cultores em projetos de pesquisa agrícola realizados nosseis países da América Central, o autor apresenta as múl-tiplas possibilidades metodológicas empregadas. Trêsprincípios fundadores são destacados: especificidade lo-cal, flexibilidade operacional e criatividade. O texto re-vela como essas metodologias foram capazes de elevar aeficiência dos sistemas oficiais de pesquisa e extensãorural.

Caminhos para a colaboração entre técnicos ecamponeses

BUCKLES, Daniel (Org.). Rio de Janeiro: AS-PTA, 1995.125 p. (Agricultores na Pesquisa, 7)

Coletânea de estudos de caso apresentados em semináriosobre métodos participativos de experimentação e exten-são aplicados às tecnologias baseadas em adubos verdes.Traz, em sua parte introdutória, alguns textos de nature-za conceitual e analítica sobre a experimentação campo-nesa e o desafio de valorizá-la nos processos científicos depesquisa agrícola.

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Páginas na internet

http://gipaf.cnptia.embrapa.br/

Com o objetivo de favorecer o intercâmbio de informa-ções entre pesquisadores, estudantes e outros profissio-nais interessados no tema de pesquisa científica voltadapara a agricultura familiar brasileira, a Embrapa Meio Am-biente e a Embrapa Informática desenvolveram o sítio doGrupo de Interesse em Pesquisa para a Agricultura Fami-liar (Gipaf). O portal pretende ser um repositório de arti-gos, ensaios, teses e demais documentos, disponíveis emdiversas seções, e ainda tem como vocação o planejamen-to da divulgação científica, de modo a agregar os diversosatores ligados ao seu tema central.

O Agroecologia em Rede é um banco de dados destinadoa socializar informações sobre experiências, pesquisas econtatos de pessoas e instituições vinculadas à Agro-ecologia no Brasil. De livre acesso na internet, o sistemaapresenta um banco de pesquisas científicas no qual ousuário poderá ter acesso a resumos de estudos orienta-dos para a produção de conhecimentos ecológicos, so-ciais e econômicos relacionados ao manejo de agroecos-sistemas sustentáveis.

www.agroecologiaemrede.org.br/banco_pesquisas.php

www.fao.org/participation/espanol/default.htm

O sítio de participação da FAO (sigla em inglês para Foodand Agriculture Organization) foi criado em 1999 peloGrupo Informal de Trabalho Sobre Enfoques e MétodosParticipativos de Apoio à Agricultura Sustentável e à Se-gurança Alimentar (IWG-PA). Um dos principais objeti-vos do grupo é dar visibilidade às experiências de campomais exitosas da FAO que tenham enfoques e métodosparticipativos, para que possam ser adaptadas, replicadase disseminadas. O usuário poderá ter acesso a um acervobibliográfico sobre o tema, a uma seção dedicada a instru-mentos de campo. O site apresenta exemplos de aplica-ções e análise das dificuldades e obstáculos do empregode modelos participativos.

www.pronaf.gov.br/dater/arquivos/29_Palestra_Agricultura_Organica_Oficial.pdf

Em agosto de 2004, o Conselho Nacional dos SistemasEstaduais de Pesquisa Agropecuária (Consepa) realizouum curso sobre Agroecologia que teve como objetivo criare/ou ampliar relações entre as unidades de pesquisa esta-dual, federal e da iniciativa privada. Os resultados dessecurso e suas principais conclusões podem ser acessadospelo endereço acima.

O Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura FamiliarJustino Obers (Núcleo PPJ) é uma associação formadapor profissionais, estudantes e professores, em sua maio-ria vinculados à Universidade Federal de Lavras. Criado em1999, o PPJ assessora organizações locais, promovendointercâmbios de conhecimento e atividades ligadas à agri-cultura familiar, meio ambiente e desenvolvimento. Napágina, o usuário poderá ter acesso à lista de artigos pro-duzidos a partir dos resultados de pesquisas realizadas jun-to às comunidades rurais do Vale do Jequitinhonha.

www.nucleoestudo.ufla.br/nppj/

www.rcpla.org

A rede RCPLA (sigla em inglês para Resource Centres forParticipatory Learning and Action), estabelecida em 1997,é uma aliança entre 17 diferentes organizações de todomundo e tem como objetivo organizar, sintetizar e difun-dir informações sobre metodologias participativas em for-matos apropriados e em línguas locais. A rede ajuda pes-quisadores e extensionistas a compartilhar informações eexperiências sobre abordagens participativas de aprendi-zado e incentiva a implementação dessa metodologia. Coma rede, os parceiros têm influenciado o desenvolvimento eaplicação de metodologias participativas nos âmbitos lo-cal, nacional e internacional.

34 Agriculturas - v. 3 - no 4 - dezembro de 2006

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A trajetória da Embrapa na pesquisa emAgroecologia se iniciou com ações isoladas de técni-cos, pesquisadores e centros de pesquisa e foi aospoucos avançando na consolidação de projetos comesse enfoque. Mais recentemente, por determinaçãoda diretoria-executiva, a empresa promoveu um pro-cesso participativo e exógeno para definir oficialmen-te sua posição institucional no tema.

Para dar início ao processo, a Embrapa rea-lizou em Brasília (DF), entre os dias 10 e 11 de outu-bro de 2005, a Reunião de Trabalho Sobre Agricultu-ra de Base Ecológica. No evento, técnicos e pesqui-sadores da empresa e representantes de movimentossociais, ONGs, setor acadêmico e órgãos públicos fe-derais discutiram rumos comuns e estratégias de par-cerias. O encontro teve como resultado o desenca-deamento de um amplo processo de construção doMarco Referencial em Agroecologia. O documentofoi elaborado por 16 pesquisadores que formam o Gru-po de Trabalho em Agroecologia da Embrapa, tam-bém constituído durante a reunião. Sua elaboraçãocontou igualmente com a colaboração de mais de 350

pessoas de dentro e fora da instituição. Seu lança-mento oficial ocorreu no IV Congresso Brasileiro deAgroecologia, realizado no último mês de novembro,em Belo Horizonte (MG).

A mensagem do Marco Referencial emAgroecologia é clara. Seu principal objetivo é criar umambiente favorável ao fortalecimento de laços de con-fiança entre a Embrapa e o movimento agroecológicobrasileiro, gerando oportunidades permanentes paraa inovação em ciência e tecnologia voltada para a pro-moção da agricultura sustentável. A concretizaçãodesses laços vem avançando com a implementação daRede de Projetos em Transição Agroecológica, quebusca tanto promover a integração de projetos emrede já em andamento na Embrapa, quanto concebernovos projetos para atender demandas locais,territoriais e nacionais.

Luciano Mattospesquisador da Embrapa Sede e

coordenador do Grupo de Trabalho emAgroecologia da Embrapa

[email protected]

Luciano Mattos

Embrapa lança MarcoReferencial em Agroecologia

Exemplares do Marco Referencial emAgroecologia podem ser adquiridosgratuitamente no seguinte endereço:

Embrapa Informação TecnológicaParque Estação Biológica (Pq EB)Av. W3 Norte (final) / Brasília-DFCEP: 70.770-901

Os pedidos podem ser feitos pelo telefone (61)3340.9999, fax (61) 3340.2753 e correioeletrônico [email protected].

A versão eletrônica encontra-se disponível nosendereços: www.sct.embrapa.br ouwww.catir.sede.embrapa.br(clique na comunidade virtual “Agroecologia”).

Agriculturas - v. 3 - no 4 - dezembro de 2006 35

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Divulgue suas experiências nas revistas Leisa

Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na RevistaAgriculturas: experiências em agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa Latino-Americana (editadano Peru) e na Leisa Global (editada na Holanda).

Apesar da estreita dependência das atividades agro-pecuárias em relação aos ecossistemas, as ciências agrá-rias convencionais se desenvolveram mantendo poucosvínculos com os princípios da Ecologia. Nos sistemastécnicos desenvolvidos segundo o enfoque científicoconvencional, os cultivos e as criações são manejadosde forma pouco conectada ao meio natural em que sãoproduzidos. As técnicas são disseminadas por meio depacotes voltados para proporcionar as condiçõesambientais adequadas para a máxima expressão produ-tiva das espécies de interesse econômico. Fertilizantesquímicos, agrotóxicos, rações industriais, irrigação emecanização intensiva são alguns dos instrumentosempregados para isso. Cria-se, assim, enorme artificia-lização das condições de produção, e o meio naturalpassa a ser concebido como mero suporte físico para asatividades produtivas.Mais recentemente, com o crescimento das oportuni-dades comerciais para os alimentos organicamente pro-duzidos, um número significativo de agricultores detodas as regiões do mundo vem abolindo o emprego deinsumos não-permitidos pelas normas desse mercadoemergente. Para tanto, muitos deles se limitam a subs-

tituir insumos químicos por insumos orgânicos (ou na-turais). Embora esse procedimento represente um avan-ço inquestionável nos padrões ambientais de produ-ção, na maioria das vezes não é capaz de promover orestabelecimento dos vínculos ecológicos entre as es-pécies cultivadas e criadas e os ecossistemas. Com isso,os produtores permanecem altamente dependentes deinsumos externos às propriedades e comunidades e oscustos produtivos mantêm-se tão ou mais elevados doque os da produção convencional.A edição v.4, nº 1 da Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia publicará artigos que retratem e ana-lisem experiências de famílias e comunidades de produ-tores que vêm adotando sistemas de manejo estru-turados para valorizar explicitamente os processos eco-lógicos que atuam na reprodução da fertilidade e dasanidade dos agroecossistemas, promovendo efeitospositivos sobre o desempenho produtivo das atividadesagropecuárias e reduzindo ou eliminando a necessidadedo aporte de insumos externos às propriedades.

Datas-limite para envio dos artigos:28 de fevereiro (Revista Agriculturas)

19 de fevereiro (Revista Leisa Latino-Americana)

Temas das revistas Leisa em 2007

Sementes da biodiversidade (v.4, nº 3)Datas-limite para envio dos artigos:15 de julho (Revista Agriculturas e Revista Leisa Latino-Americana) • 01 de março (Revista Leisa Global)

Saúde pela Natureza (v.4, nº 4)Datas-limite para envio dos artigos:15 de outubro (Revista Agriculturas e Revista Leisa Latino-Americana) • 01 de junho (Revista Leisa Global)

Os artigos deverão descrever e analisar experiências con-cretas, procurando extrair ensinamentos que sirvam deinspiração para grupos envolvidos com a promoção daAgroecologia. Os artigos devem ter até cinco laudas de2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Os tex-tos devem vir acompanhados de duas ou três ilustrações

Instruções para a elaboração dos artigos

Acesse: http://agriculturas.leisa.info

(fotos, desenhos, gráficos), com a indicação dos seusautores e respectivas legendas. Os(as) autores(as) deveminformar dados para facilitar o contato de pessoas interes-sadas na experiência. Envie para [email protected].

Maiores informações na página:http://agriculturas.leisa.info

Indo além da substituição de insumos: otimizando processos ecológicos na agricultura (v.4, nº 1)

Organizações de agricultores(as) na promoção do desenvolvimento local (v.4, nº 2)Datas-limite para envio dos artigos:15 de abril (Revista Agriculturas e Revista Leisa Latino-Americana)