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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Ciências Sociais e Humanas Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA): Convergência da avaliação entre diferentes fontes Vera Lúcia Gomes Ribeiro Dissertação para obtenção do Grau de Mestre na especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde (2º ciclo de estudos) Orientadora: Professora Doutora Ema Patrícia Oliveira Covilhã, Outubro de 2011

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  • UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

    Cincias Sociais e Humanas

    Perturbao de Hiperactividade com Dfice de

    Ateno (PHDA): Convergncia da avaliao entre

    diferentes fontes

    Vera Lcia Gomes Ribeiro

    Dissertao para obteno do Grau de Mestre na especialidade de

    Psicologia Clnica e da Sade

    (2 ciclo de estudos)

    Orientadora: Professora Doutora Ema Patrcia Oliveira

    Covilh, Outubro de 2011

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    Dedicatria

    Pelo sonho que vamos,

    Comovidos e mudos.

    Chegamos? No chegamos?

    Haja ou no frutos,

    Pelo Sonho que vamos.

    Basta a f no que temos.

    Basta a esperana naquilo

    Que talvez no teremos.

    Basta que a alma demos,

    Com a mesma alegria,

    ao que do dia-a-dia.

    Chegamos? No chegamos?

    -Partimos. Vamos. Somos.

    (O Sonho, Sebastio da Gama)

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    Resumo No DSM-IV, afirma-se que, a fim de estabelecer o diagnstico de PHDA, algumas das

    alteraes causadas pelos sintomas (desateno, hiperactividade e impulsividade) devem

    ocorrer em dois ou mais contextos (por exemplo, em casa e na escola), por isso, o uso de

    diferentes fontes de informao (pais e professores) til e indispensvel no processo de

    diagnstico. O uso combinado de escalas de avaliao permite avaliar a frequncia e a

    intensidade dos sintomas, proporcionando valores de referncia normativos, que facilitam o

    diagnstico e o acompanhamento de forma objectiva.

    O estudo desenvolvido tem como principais objectivos gerais analisar a convergncia da

    avaliao da PHDA entre diferentes fontes, nomeadamente a partir da avaliao

    comportamental (atravs das CRS-R para pais e professores) e da avaliao cognitiva (atravs

    da WISC-III) em crianas do 1 ciclo com suspeita de PHDA. A amostra includa na investigao

    perfez uma totalidade de 60 crianas (42 rapazes e 18 raparigas) com idades compreendidas

    entre os 6 e os 10 anos, acompanhadas no CHCB e no HAL por suspeita de PHDA. Os

    instrumentos utilizados foram as Conners Rating Scales Revised (Long Version) (CRS-R) para

    pais e professores e a Escala de Inteligncia de Wechsler para crianas Terceira Edio

    (WISC-III).

    Os principais resultados/concluses por ns obtidos foram: 1) quando consideradas as

    subescalas e ndices das CRS-R, a concordncia entre pais e professores mais elevada

    quando se avaliam comportamentos externalizantes; 2) quando avaliada a convergncia na

    sinalizao de sintomas de PHDA, apurou-se que existe consonncia quando identificados

    sintomas de hiperactividade-impulsividade, no havendo convergncia relativamente aos

    sintomas de desateno; 3) quando associadas a WISC-III e as CRS-R, conclui-se que o ndice

    de Velocidade de Processamento o melhor preditor na avaliao da PHDA, tanto de tipo

    Hiperactivo/Impulsivo como de tipo Combinado, quando o informador o professor; 4)

    quando relacionadas a WISC-III e os sintomas de PHDA, tanto os sintomas de desateno como

    os de hiperactividade-impulsividade esto associados com provas verbais da WISC-III; e 5)

    segundo os professores existem diferenas de gnero para o ndice de Sintomas do DSM-IV e

    para as subescalas que o integram, com valores mais elevados nas raparigas; na perspectiva

    dos pais apuramos que existem diferenas de gnero na Subescala de Sintomas de

    Desateno, sendo o gnero feminino a pontuar valores mais altos.

    Palavras-chave: PHDA; avaliao psicolgica; convergncia pais/professores.

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    Abstract

    DSM states, that in order to establish the diagnosis of ADHD, some of the changes caused by

    the symptoms (inattention, hyperactivity and impulsivity) must occur in two or more settings

    (eg, at home and at school) therefore, the use of different information sources (parents and

    teachers) is useful and necessary in the diagnostic process. The combined use of rating scales

    allows us to evaluate the frequency and intensity of symptoms, providing normative reference

    values, which facilitate the diagnosis and monitoring objectively.

    The study developed had as main objectives to analyze the convergence of the general

    assessment of ADHD among different sources, including from the behavioral assessment

    (through the CRS-R to parents and teachers) and cognitive assessment (using the WISC-III) in

    children 1st cycle with suspected ADHD. The research sample included a total of 60 children

    (42 boys and 18 girls) aged 6 to 10 years followed at CHCB and HAL for suspected ADHD. The

    instruments used were the Conners Rating Scales Revised (Long Version) (CRS-R) for parents

    and teachers and the Wechsler Intelligence Scale for Children Third Edition (WISC-III).

    The main findings/conclusions we obtained were: 1) when considering the subscales and

    indices of CRS-R, the correlation between parents and teachers is higher when assessing

    externalizing behaviors, 2) when evaluated in signaling the convergence of ADHD symptoms,

    it was found that there is concordance when identified symptoms of hyperactivity-impulsivity,

    although there is no convergence towards the symptoms of inattention, 3) when associated

    the WISC-III and the CRS-R, it is concluded that the Processing Speed Index is best predictor in

    the assessment of ADHD, both type Hyperactive/Impulsive and Combined Type, when the

    informant is the teacher, 4) when WISC-III and the symptoms of ADHD are associated it was

    related, symptoms of inattention and the hyperactivity-impulsivity are associated with tests

    of verbal WISC-III, and 5) according to the teachers, there are gender differences for the

    Index of Symptoms of DSM-IV subscales, with higher values in girls, from the perspective of

    parents we found that there are gender differences in symptoms of inattention subscale, with

    the female gender to score higher values.

    Key-words: ADHD, psychological evaluation, convergence parents/teachers

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    Agradecimentos

    A presente dissertao de mestrado surge como uma meta final de um percurso pautado

    por privaes, sacrifcios, mas tambm por momentos de alegria e satisfao a cada etapa

    conquistada. Sendo o produto de um trabalho rduo e constante, devo expressar o meu

    sincero agradecimento a todos os que de forma directa ou indirecta, contriburam para a

    concretizao de um sonho. Gostaria de exprimir algumas palavras de agradecimento e

    profundo reconhecimento, em particular:

    Antes de mais, aos meus pais e minha irm, um agradecimento infinito pelo amor,

    carinho, apoio e pelos ensinamentos de uma vida que fizeram de mim aquilo que hoje sou;

    Aos meus amigos e colegas, por serem companheiros neste caminho longo que parece

    demorar sempre mais um pouco a chegar ao fim. Obrigada pelos risos que soubemos dar

    quando a ansiedade chega perto, pelo sbio apoio, pelo crescimento, acima de tudo por

    estarem sempre l;

    Professora Doutora Ema Patrcia Oliveira pela competncia com que orientou esta minha

    tese e o tempo que generosamente me dedicou transmitindo-me os melhores e mais teis

    ensinamentos, com pacincia, lucidez e confiana. Pelo acesso que me facilitou a uma

    pesquisa mais alargada e enriquecedora e pela sua crtica sempre to atempada, como

    construtiva;

    Doutora Mnica Grancho do CHCB e s Doutoras M Jos Mira e Cristina Correia do HAL,

    pela disponibilidade e ajuda na seleco da amostra.

    H muito mais a quem agradecer... A todos aqueles que, embora no nomeados, me

    brindaram com os seus inestimveis apoios em distintos momentos e pelas suas presenas

    afectivas, o meu reconhecido e carinhoso muito obrigado,

    Bem-haja!

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    ndice

    Dedicatria .................................................................................................. iii

    Resumo ....................................................................................................... vii

    Abstract ...................................................................................................... iii

    Agradecimentos ............................................................................................. ix

    Lista de Figuras ............................................................................................ xiii

    Lista de Tabelas ............................................................................................ xv

    Introduo .................................................................................................... 1

    Captulo I. Corpo Terico .................................................................................. 3

    1. Conceito e caractersticas da PHDA .............................................................. 3

    1.1.Evoluo histrica do conceito ............................................................. 3

    1.2.Em torno de uma definio ................................................................. 5

    1.3.Dimenses essenciais ........................................................................ 6

    1.3.1. Dfice de ateno....................................................................6

    1.3.2. Hiperactividade.......................................................................7

    1.3.3. Impulsividade..........................................................................7

    1.4. Modelo de auto-regulao de Barkley .................................................... 8

    1.4.1. Processos de inibio comportamental...........................................9

    1.4.2. Conceito de auto-regulao segundo Barkley....................................9

    1.4.3. Funes executivas na auto-regulao............................................9

    1.4.4. Controlo motor......................................................................10

    1.4.5. Aplicao do modelo de auto-regulao PHDA...............................13

    1.5.Prevalncia da PHDA ........................................................................ 13

    1.6.Etiologia da PHDA ........................................................................... 15

    1.7.Comorbilidades e Problemas Associados ................................................. 17

    1.7.1. Desempenho escolar................................................................18

    1.7.2. Desempenho social e comportamental..........................................19

    2. Avaliao da PHDA ................................................................................. 21

    2.1. Entrevista Diagnstica ..................................................................... 22

    2.1.1. Entrevista com os pais e com a criana/adolescente.........................23

    2.1.2. Entrevista com o(s) professor(es).................................................24

    2.2. Instrumentos de avaliao mais utilizados .............................................. 25

    3. Contributos da avaliao comportamental e cognitiva para o diagnstico da PHDA Error!

    Bookmark not defined.

    3.1. Contributo das Escalas de Conners na avaliao da PHDA ........................... 28

    3.2. Contributo das Escalas de Wechsler na avaliao da PHDA .......................... 30

    Captulo II. Corpo Emprico ............................................................................... 35

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    1. Objectivos, hipteses e natureza do estudo ................................................... 35

    2. Mtodo ............................................................................................... 36

    2.1. Participantes ................................................................................ 36

    2.2. Instrumentos ................................................................................ 37

    2.3. Procedimentos .............................................................................. 42

    3. Resultados ........................................................................................... 42

    3.1. Estudo prvio sobre a consistncia interna das CRS-R ................................ 42

    3.2. Anlises descritivas ......................................................................... 45

    3.2.1. Anlise descritiva dos resultados nas CRS-R....................................45

    3.2.2. Anlise descritiva dos resultados na WISC-III...................................50

    3.3. Anlises inferenciais ....................................................................... 51

    4. Discusso ............................................................................................ 59

    Consideraes Finais ....................................................................................... 65

    Referncias Bibliogrficas ................................................................................ 65

    Anexos........................................................................................................77

    Anexo 1: Critrios de Diagnstico para Perturbao de Hiperactividade com Dfice de

    Ateno...................................................................................................79

    Anexo 2: Pedido de autorizao endereado ao HAL..............................................83

    Anexo 3: Consistncia interna por subescala e itens..............................................87

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    Lista de Figuras

    Figura 1: Caractersticas da PHDA segundo o modelo de auto-regulao de Barkley...........12

    Figura 2: Frequncia de sintomas de desateno segundo pais e professores....................48

    Figura 3: Frequncia de sintomas de hiperactividade/impulsividade segundo pais e

    professores...................................................................................................49

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    Lista de Tabelas

    Tabela 1: Distribuio da amostra por gnero.........................................................36

    Tabela 2: Distribuio da amostra por ano de escolaridade.........................................36

    Tabela 3: Distribuio da amostra por instituio....................................................37

    Tabela 4: Interpretao dos T-score e percentis das CRS-R.........................................39

    Tabela 5: Organizao dos subtestes da WISC-III .....................................................40

    Tabela 6: Subtestes que constituem os ndices Factoriais da WISC-III.............................40

    Tabela 7: Coeficientes de consistncia interna das subescalas e ndices da CRS-R para pais..43

    Tabela 8: Coeficientes de consistncia interna das subescalas e ndices da CRS-R para

    professores...................................................................................................44

    Tabela 9: Estatstica descritiva por subescala (T-score) das CRS-R.................................45

    Tabela 10: Estatstica descritiva por ndice (T-score) das CRS-R....................................46

    Tabela 11: Subtipo de PHDA segundo pais e professores, tomando o gnero.....................47

    Tabela 12: Estatstica descritiva por subtestes da WISC-III..........................................50

    Tabela 13: Estatstica descritiva por QIs e ndices Factoriais da WISC-III..........................50

    Tabela 14: Correlaes entre as CRS-R para pais e professores por subescala e ndices........51

    Tabela 15: Correlaes entre pais e professores na sinalizao de sintomas de desateno do

    DSM-IV........................................................................................................52

    Tabela 16: Correlaes entre pais e professores na sinalizao de sintomas de

    hiperactividade-impulsividade do DSM-IV...............................................................53

    Tabela 17: Correlaes entre as CRS-R e a WISC-III...................................................55

    Tabela 18: Correlaes entre a WISC-III e os sintomas de PHDA do DSM-IV.......................57

    Tabela 19: Diferenas de gnero para o ndice de Sintomas do DSM-IV na CRS-R dos

    professores...................................................................................................58

    Tabela 20: Diferenas de gnero para o ndice de Sintomas do DSM-IV na CRS-R dos pais.....59

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    Introduo

    Ele no pra quieto, Est sempre a mexer em tudo, muito agitado e

    impulsivo..., Est constantemente desatento..., No consegue terminar uma nica

    actividade ou tarefa. Estas so algumas das afirmaes que diariamente os pais e

    professores das crianas com Perturbao de Hiperactividade com Dfice de Ateno (PHDA)

    verbalizam. Outras caractersticas so igualmente apontadas s crianas hiperactivas, tais

    como: agitao, irrequietude, preguia, pouca persistncia, imaturidade, irresponsabilidade,

    desorganizao, desinibio comportamental, dificuldades no relacionamento social,

    dificuldades de aprendizagem, entre outras (Lopes, 2003).

    A PHDA , provavelmente, a perturbao da infncia e da adolescncia mais estudada na

    actualidade, sendo um termo cada vez mais utilizado na nossa sociedade. Esta banalizao

    levou, por seu lado, a uma generalizao desta patologia, o que faz com que qualquer criana

    que apresente algumas alteraes comportamentais possa ser, desde logo, rotulada como

    uma criana hiperactiva, sem muitas vezes se tentar compreender quais as condies ou

    variveis que podem justificar tais comportamentos.

    A PHDA pode ser descrita como uma perturbao do comportamento infantil, de base

    gentica, em que esto implicados diversos factores neuropsicolgicos, que provocam na

    criana alteraes atencionais, impulsividade e uma grande actividade motora. Trata-se de

    um problema generalizado de falta de auto-controlo com repercusses no desenvolvimento,

    na capacidade de aprendizagem e na adaptao psicossocial (Barkley, 2006; Cardo & Servera-

    Barcel, 2005). Segundo o Manual de Diagnstico e Estatstica das Perturbaes Mentais 4

    Edio (DSM-IV), a PHDA uma perturbao neurodesenvolvimental que resulta de uma

    semiologia caracterstica: desateno, hiperactividade e impulsividade, cujos sintomas devem

    aparecer antes dos 7 anos de idade e ocorrer em diferentes contextos (em casa e na escola)

    (Ortiz-Luna & Tomasini, 2006).

    A avaliao das perturbaes desenvolvimentais na infncia uma tarefa muito complexa,

    devido diversidade de sintomas observados, que na sua maioria so variantes de estados

    evolutivos normais. A estas caractersticas acrescenta-se ainda, o facto de as crianas no

    assistirem s consultas sozinhas, sendo acompanhadas pelos pais, encaminhadas por

    professores ou outros tcnicos de sade mental. Por estas razes, obter descries vlidas das

    diferentes fontes, que fornecem as informaes necessrias sobre o comportamento da

    criana e da sua histria de desenvolvimento a chave para o diagnstico da PHDA (Montiel-

    Nava & Pea, 2001).

    Em geral, os pais e os professores so as melhores fontes de informao na identificao e

    sinalizao de sintomas da PHDA, sendo a informao obtida a partir de diversas escalas de

    avaliao e entrevistas clnicas. O seu uso combinado permite avaliar a frequncia e a

    intensidade dos sintomas com maior exactido, proporcionando valores de referncia

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    normativos, facilitando o diagnstico e o acompanhamento de forma mais objectiva (Campos,

    Alecha, Garca, Gamissans & Santacana, 2002; Ortiz-Luna & Acle-Tomasini, 2006).

    Contudo, nem sempre existe concordncia relativamente avaliao do comportamento

    das crianas e aos principais sintomas. As discrepncias na avaliao em casa e na escola

    podem dever-se a vrias razes. A mais bvia que a criana apresente um comportamento

    diferente em cada contexto (tratando-se de comprometimento biolgico e enfatizando a

    importncia das contingncias ambientais); ou talvez, a capacidade de observao de cada

    um dos avaliadores diferente. As diferenas na informao proporcionadas por cada uma

    das fontes podem ser interpretadas tambm, como um reflexo da natureza e interaco que

    cada um tem com a criana. Talvez, ainda, reflictam necessidades diferentes dos vrios

    contextos, que na escola no perturbe e colabore e em casa que cause o menor nmero de

    problemas possveis (Cceres & Herrero, 2011).

    Por tudo isto, e sendo a PHDA uma perturbao to heterognea, consideramos pertinente

    estudar o contributo dos principais informadores, nomeadamente pais e professores, na

    avaliao e sinalizao de sintomas, assim como a sua convergncia ou divergncia no que

    avaliao diz respeito. Sabendo ainda que a perturbao traz repercusses ao nvel da

    capacidade de aprendizagem, pretendemos analisar o contributo da avaliao cognitiva no

    diagnstico da problemtica. Desta forma, o objectivo da nossa investigao analisar a

    convergncia do diagnstico da PHDA entre diferentes fontes, nomeadamente a partir da

    avaliao comportamental (atravs das Conners Rating Scales - Revised para pais e

    professores) e da avaliao cognitiva (atravs da Escala de Inteligncia de Wechsler para

    crianas 3 edio) em crianas do 1 ciclo com suspeita de PHDA. Em termos meramente

    descritivos, pretende-se analisar as mdias obtidas por subescala e ndice das CRS-R e por

    subteste, QIs e ndices factoriais da WISC-III; a frequncia de sintomas de PHDA sinalizados

    por pais e professores nas CRS-R, e, ainda o subtipo de PHDA segundo pais e professores,

    tomando o gnero. Pretende-se, tambm, analisar a convergncia entre as CRS-R para pais e

    professores; a convergncia entre pais e professores na sinalizao de sintomas de PHDA; a

    convergncia entre as CRS-R e a WISC-III; e, a convergncia entre a WISC-III e os sintomas

    para PHDA. Por fim, pretende-se averiguar as diferenas de gnero nas CRS-R para pais e

    professores.

    A sequncia estrutural desta dissertao constituda por dois captulos. No primeiro

    captulo apresentada uma reviso da literatura sobre os principais conceitos e

    caractersticas da PHDA, a avaliao da PHDA e os contributos da investigao para o

    entendimento da problemtica. Por sua vez, no segundo captulo exposta a componente

    emprica desta dissertao onde apresentado o tipo de estudo realizado, o mtodo

    (participantes, instrumentos e procedimentos), os resultados obtidos, a discusso dos

    resultados com base na literatura terica e as concluses deste estudo. Por ltimo,

    apresentam-se as limitaes desta investigao e sugestes para estudos futuros.

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    3

    Captulo I. Corpo Terico

    1. Conceito e caractersticas da PHDA

    1.1.Evoluo histrica do conceito

    Segundo Stewart (1970), o entendimento das actuais dificuldades de definio,

    conceptualizao, avaliao e interveno em torno da Perturbao de Hiperactividade com

    Dfice de Ateno (PHDA) aporta-nos para o conhecimento da histria da sndrome. Sendo

    consensual que Still (1902) foi quem primeiro identificou a problemtica, as primeiras

    referncias relativas a crianas agressivas, com dificuldade no controlo de impulsos,

    desafiadoras e indisciplinadas, surgiram na Europa no final do sc. XIX. A hiperactividade era

    percebida como sintoma dos atrasos mentais, caracterstica de crianas muito instveis, com

    falta de ateno e excessiva descoordenao motora (Barkley, 2006).

    Em 1902, George Frederic Still definiu a problemtica como um defeito de conduta moral,

    referindo-se a estas crianas como portadoras de uma deficincia do controlo moral, baixos

    ndices de inibio volitiva e de ateno, agressividade, hiperactividade e, como problemas

    associados, a desonestidade, a crueldade, a desobedincia sistemtica e dificuldades de

    aprendizagem. Still estava fortemente convicto da origem orgnica do problema, sendo esta

    perspectiva durante algum perodo de tempo corroborada por novas investigaes.

    Provavelmente as crianas com deficincias do controlo moral de Still, seriam actualmente

    diagnosticadas como apresentando uma PHDA, Distrbio de Oposio, Distrbio de Conduta ou

    Dificuldades de Aprendizagem (Lopes, 2004).

    Em meados do sc. XX, sobretudo nos pases anglo-saxnicos, surge o conceito de Leso

    Cerebral Mnima (Barkley, 1997) em consequncia da constatao de que vrias crianas que

    tinham sofrido leses cerebrais graves e tinham sobrevivido, assim como aquelas com

    traumatismos cranianos e expostas a produtos txicos, apresentarem sintomatologia

    semelhante descrita at ento. Tratava-se portanto de uma causa anatmica. Esta

    concepo levantou alguma discrdia, e mais tarde veio a considerar-se que, apesar dos

    dfices funcionais apresentados, a leso cerebral no era sempre evidente, podendo-se ento

    atribuir a sintomatologia presente a um mau funcionamento cerebral (Lopes, 2004). Por esta

    razo, o conceito de leso cerebral foi abandonado, e substitudo pelo no menos controverso

    conceito de Disfuno Cerebral Mnima (DCM). As caractersticas mais frequentemente

    referidas como indiciando a presena de DCM eram: hiperactividade, deficincias perceptivo-

    motoras, labilidade emocional, dfices de coordenao motora, distrbios da ateno,

    impulsividade, distrbios da memria e pensamento, distrbios especficos da aprendizagem,

    distrbios auditivos e de discurso e irregularidades electroencefalogrficas (Clements, 1966).

    Com a crescente explorao do tema e devido ao aprofundamento relativamente s causas

    directas da perturbao, surge a hiptese de que poderiam agrupar-se diversos factores no

    orgnicos, que poderiam desencadear um agravamento da situao e, no raras vezes, serem

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

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    a nica causa (Rebollo, 1972). Desta forma, o debate que gira em torno da PHDA deixou de se

    centrar meramente na etiologia e passou a considerar tambm outros factores presentes, do

    ponto de vista semiolgico.

    Em consequncia dos problemas e objeces em torno do conceito de DCM, alguns autores

    sugerem a substituio desta terminologia por Sndrome Hipercintico Infantil (SHI) (Burks,

    1960; Chess, 1960 & Ounstead, 1955). Chess (1960) definiu a criana hiperactiva como

    aquela que, ou realiza actividades a uma velocidade superior ao normal, ou est

    constantemente em movimento, ou ambos. Esta denominao foi bem aceite e chegou a ser

    utilizada pela Organizao Mundial de Sade (OMS) e Classificao Internacional de Doenas

    (CID 9) (Lopes, 2004). No incio dos anos 70, a definio das caractersticas das crianas com

    esta problemtica veio corroborar estas investigaes, onde a hiperactividade a principal

    sintomatologia, podendo esta associar-se a outros factores como a falta de ateno, escassa

    tolerncia frustrao, impulsividade, distraco e agressividade (Barkley, 2006).

    Em meados dos anos 70, assiste-se a uma mudana radical na concepo do distrbio. Os

    nveis exagerados de actividade motora deixam de ser considerados como o aspecto central

    da problemtica, emergindo o dfice de ateno como a caracterstica que melhor a

    definiria. Esta mudana de concepo foi despoletada pelos trabalhos de Virginia Douglas

    (1972), considerando que os dfices na manuteno da ateno e a impulsividade so o mago

    da problemtica.

    A publicao do DSM-III (APA, 1980) representou a apoteose de uma radical alterao na

    conceptualizao da hiperactividade. A crescente insistncia ao longo dos anos 70 nos

    problemas de ateno das crianas hiperactivas conduziu a Associao de Psiquiatria

    Americana considerasse que, sendo o excesso de actividade secundrio em relao aos

    problemas de ateno e impulsividade, haveria evidncias para alterar no s os critrios de

    diagnstico, mas tambm a prpria denominao da problemtica (Lopes, 2004). Nasce ento

    um novo paradigma, que conduz reviso dos conceitos relacionados com a ateno,

    enquanto processo cognitivo. Surge desta forma, a denominao de Distrbio de Dfice de

    Ateno (DDA). Nesta fase, houve um agrupamento por sintomas: ateno, impulsividade e

    hiperactividade.

    O DSM-III-R (APA, 1987) trouxe uma reviso importante dos critrios de diagnstico

    contidos no DSM-III. Altera a denominao para Perturbao Hiperactiva e Dfice de Ateno

    (PHDA) e no que respeita aos critrios de diagnstico, os sintomas so apresentados numa

    nica lista, eliminando os agrupamentos de sintomas de desateno, impulsividade e

    hiperactividade. Em 1992, atravs do CID-10, encontra-se a designao de Distrbio

    Hipercintico da infncia e da adolescncia. De acordo com esta estrutura taxonmica, no

    s se reala a hipercinese em detrimento da desateno como se assinala a necessidade de o

    despiste ser realizado em mais do que um contexto (Lopes, 2004).

    Lucas (1992) refere que esta dificuldade a nvel conceptual se deve s diferentes

    perspectivas apresentadas pela OMS e pela APA, assim como a diversos estudos

    epidemiolgicos realizados em vrios pases, com resultados contrrios. Com a publicao do

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    5

    DSM-IV (1994), parece comear a existir maior consenso e maior aceitao dos critrios de

    diagnstico, sendo consagrada uma nova subdiviso da lista de sintomas: sintomas de

    hiperactividade-impulsividade e sintomas de desateno. Destaca-se ainda, a importncia do

    despiste ser realizado em contextos estruturados, com particular destaque para a sala de

    aula. Desta forma, embora se considere que a desateno, a impulsividade e o excesso de

    actividade motora so as caractersticas fundamentais da problemtica, reala-se que sejam

    observados por perodos mais ou menos prolongados nos contextos em que frequentemente

    ocorrem (sociais, acadmicos ou ocupacionais). Por esta razo, os professores so

    considerados observadores particularmente privilegiados das manifestaes da problemtica

    (Lopes, 2004).

    Continuam, apesar de a PHDA ser aceite como entidade nosolgica, a surgir novos

    trabalhos e novas investigaes que podero contribuir para uma nova reviso conceptual,

    cooperando para tal diferentes cincias com os seus avanos tecnolgicos.

    1.2.Em torno de uma definio

    Tomando a actual definio do DSM-IV-TR, a Perturbao de Hiperactividade com Dfice

    de Ateno (PHDA) uma perturbao neurodesenvolvimental complexa, de origem biolgica,

    caracterizada por um padro persistente de falta de ateno e/ou impulsividade-

    hiperactividade, com uma intensidade que mais frequente e grave que o observado

    habitualmente nos sujeitos com um nvel semelhante de desenvolvimento (APA, 2002, p.

    85). Trata-se de um distrbio psiquitrico que se caracteriza pela presena de desateno,

    hiperactividade e impulsividade que exige a manifestao de, pelo menos, seis sintomas de

    uma lista de nove de desateno e/ou seis sintomas tambm de uma lista de nove de

    hiperactividade-impulsividade, para que o diagnstico seja estabelecido em crianas,

    adolescentes ou adultos (cf. Anexo 1). De acordo com este sistema de classificao e

    diagnstico, estes sintomas devem manifestar-se antes dos 7 anos, ocorrer em mais do que

    um contexto (por exemplo, casa e escola) e ser causa de disfuno clinicamente significativa

    em contextos importantes de vida da criana (social, acadmico ou familiar).

    Segundo Barkley (2006), a PHDA trata-se de um distrbio do desenvolvimento,

    caracterizado por nveis desregulados de ateno, actividade e impulsividade que aparecem

    habitualmente no incio da infncia e so de natureza relativamente crnica. As suas causas

    podem ser vrias como uma leso neurolgica, dfice sensorial, problema desenvolvimental

    mental e perturbao emocional grave. Trata-se de uma perturbao gentica acompanhada

    por um metabolismo deficitrio ao nvel dos neurotransmissores, condicionando a actividade

    cerebral, a qual comanda o centro de inibio do comportamento, a auto-organizao, o

    auto-controlo e a capacidade para inferir o futuro, conduzindo a graves dificuldades no que

    se refere gesto eficaz dos aspectos do dia-a-dia.

    Podemos assim concluir que, a PHDA uma perturbao de natureza biopsicossocial, isto

    , manifesta dimenses de ordem gentica, biolgica, social e vivencial que competem para a

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    6

    sua intensidade. Agitao, irrequietude, desorganizao, imaturidade, relacionamento social

    pobre, inconvenincia social, problemas de aprendizagem, irresponsabilidade e falta de

    persistncia so algumas das caractersticas apontadas a estas crianas (Lopes, 2004). Uma

    vez que a perturbao interfere de modo significativo na rotina diria, dever haver uma

    interveno eficaz e adequada assim que apaream os primeiros sintomas.

    1.3.Dimenses essenciais

    Como j foi referido anteriormente, a PHDA abarca trs sintomas primrios: falta de

    ateno, excesso de actividade motora (hiperactividade) e impulsividade. Como sintomas

    associados podem destacar-se os distrbios de conduta, dificuldades de aprendizagem,

    problemas de relacionamento social, baixo nvel de auto-estima e alteraes emocionais

    (Garcia, 2001).

    So crianas que costumam ter propenso para sofrer acidentes devido escassa

    conscincia do risco que demonstram em situaes de perigo. Apresentam, tambm,

    problemas de disciplina por incumprimento ou ultrapassagem das normas estabelecidas. A sua

    relao com os adultos caracteriza-se pela desinibio, costumam ter problemas de

    relacionamento social e podem ficar isoladas do grupo de pares. De igual forma, podem

    mostrar dfices cognitivos, atrasos em aptides motoras e na linguagem. Manifestam

    condutas anti-sociais e uma baixa auto-estima (Garcia, 2001).

    Convm, antes de mais, esclarecer alguns pontos-chave relativamente aos sintomas

    primrios que caracterizam a PHDA:

    1.3.1. Dfice de Ateno

    A ateno um requisito fundamental para o processo de aprendizagem, devendo ser

    selectiva e contnua, isto , orientada para um estmulo relevante de entre outros e manter-

    se nele por um perodo de tempo alargado. A ateno de uma criana com esta problemtica

    dispersa-se facilmente com estmulos irrelevantes para a tarefa que est a realizar. A criana

    tem dificuldade em orientar a sua ateno de acordo com um processo organizado de

    prioridades a conceder aos estmulos que o meio lhe vai oferecendo (Parker, 2003).

    No sendo a ateno um processo independente, existem variveis que a condicionam,

    umas externas ao indivduo (e.g., a intensidade dos estmulos) e outras internas (e.g.,

    capacidades e interesses). A ateno caracteriza-se por um processo multidimensional, cujos

    principais problemas podem estar relacionados com o alerta, a activao, a selectividade, a

    manuteno, o nvel de apreenso, entre outros (Hale & Lewis, 1979 cit. in Lopes, 2004).

    Os sintomas que, segundo o DSM-IV-TR, so indicadores de falta de ateno se forem

    verificados pelo menos seis deles: 1. No presta ateno suficiente aos pormenores ou

    comete erros por descuido nas tarefas escolares, no trabalho ou noutras actividades; 2. Tem

    dificuldade em manter a ateno em tarefas ou actividades; 3. Parece no ouvir quando se

    lhe fala directamente; 4. No segue as instrues e no termina os trabalhos escolares,

    encargos ou deveres no local de trabalho (sem ser por comportamentos de oposio ou por

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    7

    incompreenso das instrues); 5. Tem dificuldade em organizar tarefas e actividades; 6.

    Evita, sente repugnncia ou est relutante em envolver-se em tarefas que requeiram um

    esforo mental mantido (tais como trabalhos escolares ou de ndole administrativa); 7. Perde

    objectos necessrios as tarefa ou actividades (por exemplo, brinquedos, exerccios escolares,

    lpis, livros ou ferramentas); 8. Distrai-se facilmente com estmulos irrelevantes; e 9.

    Esquece-se das actividades quotidianas.

    Se forem verificados pelo menos seis sintomas de falta de ateno (e menos de seis

    sintomas de hiperactividade-impulsividade) estamos perante uma PHDA de tipo

    predominantemente Desatento (APA, 2002).

    1.3.2. Hiperactividade

    O excesso de actividade motora que caracteriza as crianas hiperactivas, e que por sua

    marcante presena, deu o nome perturbao, manifesta-se por uma actividade corporal

    excessiva e desorganizada, geralmente sem uma finalidade concreta. precisamente a

    ausncia de um objectivo nos comportamentos expressos que permite diferenci-la do

    excesso de actividade observada no normal desenvolvimento das crianas (Benczik, 2000).

    As crianas com PHDA revelam, na sua actividade diria, padres comportamentais em que

    a actividade motora acentuada, inadequada e excessiva. Tm dificuldade em permanecer

    no seu lugar, mexem-se constantemente, mantm um relacionamento difcil com os colegas e

    adultos, no prestam ateno e precipitam as suas respostas, no concluem as tarefas ou

    mudam de tarefa constantemente. So crianas inquietas, impacientes e que revelam

    impulsividade (Barkley, 2002 cit. in Ramalho, 2009).

    De acordo com o DSM-IV-TR, a criana hiperactiva dever apresentar de forma persistente

    os seguintes sintomas: 1. Movimenta excessivamente as mos e os ps, move-se quando est

    sentado; 2. Levanta-se na sala de aula ou noutras situaes em que se espera que esteja

    sentado; 3. Corre ou salta excessivamente em situaes em que inadequado faz-lo; 4. Tem

    dificuldade em jogar ou dedicar-se tranquilamente a actividades de cio; 5. Anda ou s

    actua como se estivesse ligado a um motor; e 6. Fala em excesso.

    1.3.3. Impulsividade

    A impulsividade define acima de tudo um tipo de estilo cognitivo, isto , uma forma

    especfica de processamento da informao e de realizao cognitiva, influenciando a forma

    como o indivduo apreende, armazena e utiliza a informao no seu meio ambiente,

    independentemente do contedo especfico dessa informao. De um modo geral, pode

    afirmar-se que as crianas impulsivas so referidas como menos pro-sociais, menos

    socializadas, menos competentes a lidar com os estmulos agressivos, menos capazes de inibir

    os impulsos motores e de adiar a gratificao (Cruz, 1987).

    A impulsividade baseia-se na dificuldade em regular a conduta, uma vez que as crianas e

    adolescentes passam aco sem reflexo prvia, ou seja, apresentam dificuldade em

    reflectir antes de agir, em prever as consequncias das suas aces, em planificar actividades

    e em seguir normas estabelecidas, o que traduz uma dificuldade na aceitao das regras

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    8

    sociais estabelecidas e a exigncia da satisfao imediata dos seus desejos, manifestando,

    tambm, tendncia para praticar actividades perigosas (Barkley, 2006).

    A incapacidade de inibio dos impulsos leva-as tambm a proferir frases socialmente

    inadequadas ou interromper a sequncia do discurso dos outros. Por estas razes, a impresso

    que fornecem s pessoas que lidam de perto com elas, o de serem crianas imaturas,

    irresponsveis, mal-educadas, preguiosas, impertinentes e difceis de aturar

    (Cabeleira, 2009).

    A criana impulsiva dever apresentar os seguintes sintomas: 1. Precipita as respostas

    antes que as perguntas tenham acabado; 2. Tem dificuldade em esperar pela sua vez; e 3.

    Interrompe ou interfere nas actividades dos outros (por exemplo, intromete-se nas conversas

    ou jogos).

    importante referir que, actualmente, a hiperactividade e a impulsividade j no so

    consideradas como entidades isoladas e parte uma da outra. A hiperactividade-

    impulsividade um padro de comportamento que tem origem numa dificuldade geral para

    inibir o comportamento (Barbosa, Gouveia & Barbosa, 2000). A PHDA de tipo

    predominantemente Hiperactivo-Impulsivo dever ser usada se seis (ou mais) sintomas de

    hiperactividade-impulsividade (mas menos de seis sintomas de falta de ateno) persistirem

    (APA, 2002).

    A PHDA de subtipo Misto ou Combinado caracteriza-se tanto pela falta de ateno, como

    pela hiperactividade-impulsividade, sendo este o tipo mais frequente. Combina, pelo menos,

    seis sintomas de falta de ateno bem como pelo menos 6 sintomas de hiperactividade e/ou

    impulsividade (Arcus, 2001). A PHDA de subtipo combinado tem vindo a ser apontada como a

    mais comprometedora do funcionamento adaptativo, com maior incidncia de problemas de

    relacionamento interpessoal e de comportamento exteriorizado, como sejam a agressividade,

    a impulsividade ou a perturbao de oposio e do comportamento (Murphy, Barkley & Bush,

    2002; Short, Fairchild, Findling & Manos, 2007). No que respeita aos comportamentos

    interiorizados, as diferenas entre os subtipos tendem a extinguir-se quando se controlam

    aspectos fundamentais, como as fontes de informao, critrios de identificao, tamanho da

    amostra e respectivo poder estatstico para diferenciar grupos, bem como a presena ou

    ausncia de comorbilidade com problemticas exteriorizadas (Bayens, Roeyers & Walle, 2006;

    Power, Costigan, Eiraldi & Leff, 2004).

    1.4. Modelo de auto-regulao de Barkley Sendo Barkley (2006), um dos principais autores a nvel internacional que maior contributo

    deu para a explicao e entendimento da problemtica, procuramos neste momento

    descrever o modelo que sustenta o surgimento da PHDA tendo como suporte as funes

    executivas e consequente auto-regulao do comportamento.

    O modelo da auto-regulao uma teoria das funes do lobo pr-frontal ou, neste caso,

    do sistema das funes executivas (Barkley, 2006). O modelo baseia-se na anlise das relaes

    entre a inibio comportamental, as funes executivas e a auto-regulao (Servera-Barcel,

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    9

    2005). Estes construtos psicolgicos tm a sua base neurolgica no crtex pr-frontal e so

    explicados de seguida.

    1.4.1. Processos de inibio comportamental

    A inibio comportamental inclui trs processos que esto intimamente relacionados entre

    si: 1) a capacidade para inibir respostas prepotentes; 2) a capacidade para interromper

    padres de resposta habituais e permitir um perodo de latncia na tomada de deciso; e 3) a

    capacidade para proteger este perodo de latncia e as respostas auto-dirigidas que ocorrem

    nas interrupes decorrentes de eventos e respostas competitivas (controlo de interferncia)

    (Barkley, 1997a).

    A resposta prepotente aquela associada a processos de reforo imediato. A criana com

    PHDA tem especiais problemas em inibir tanto as respostas associadas a reforo positivo

    aquelas em que recebe uma recompensa como negativo evita um estmulo ou actividade

    desagradvel -. O desenvolvimento da auto-regulao comea tanto com a inibio das

    respostas prepotentes como dos padres de resposta habituais, em que a partir de

    determinada altura se mostram ineficazes. Quando uma criana capaz de exercer controlo

    motor sobre as suas aces, e estabelecer perodos de latncia enquanto avalia a

    convenincia de um ou outro comportamento, refora a auto-regulao. O ltimo elemento

    da inibio comportamental o controlo de interferncias. No momento em que a criana

    capaz de introduzir perodos de latncia para a tomada de decises, especialmente

    importante que os proteja de interrupes e interferncias que podem provir tanto de

    estmulos ambientais como interioceptivos (Servera-Barcel, 2005).

    1.4.2. Conceito de auto-regulao segundo Barkley

    Barkley (1997b) define a auto-regulao como qualquer resposta ou cadeia de respostas do

    indivduo que altera a probabilidade da ocorrncia de uma resposta que normalmente segue

    um evento, e tambm altera a longo prazo a probabilidade das suas consequncias

    associadas. Dentre as suas implicaes, importa destacar que a auto-regulao do

    comportamento se centra mais no indivduo do que no evento, altera-se a probabilidade de

    que ocorra de forma subsequente ao evento, trabalha-se para resultados a longo prazo e

    desenvolve-se a capacidade para a organizao temporal das consequncias do

    comportamento para adivinhar o futuro (Barkley, 2006). Na verdade, o factor tempo a

    chave da auto-regulao; o perodo de latncia entre o estmulo e o comportamento de

    responder o espao de aco das funes executivas de controlo (Servera-Barcel, 2005).

    1.4.3. Funes executivas na auto-regulao

    As funes executivas referem-se quelas aces autodirigidas que o indivduo utiliza para

    se auto-regular. As quatro funes executivas do modelo de Barkley so: 1) a memria de

    trabalho no-verbal; 2) a memria de trabalho verbal (ou fala internalizada); 3) o auto-

    controlo da activao, da motivao e do afecto; e 4) a reconstituio (Servera-Barcel,

    2005). Juntos, partilham o mesmo propsito: internalizar comportamentos para antecipar

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    10

    mudanas no futuro, e assim, maximizar a longo prazo benefcios no indivduo. Do ponto de

    vista evolutivo, as quatro funes assumem a privatizao (maturao) de padres de

    comportamento manifestos: a memria de trabalho no-verbal interioriza as actividades

    sensrio-motoras, a memria de trabalho verbal, a fala, o auto-controlo da

    activao/motivao/afecto e, finalmente, a reconstituio representa a internalizao do

    jogo (Servera-Barcel, 2005).

    A organizao do comportamento atravs das funes executivas, segundo Barkley

    denomina-se por comportamentos intencionais e intencionalmente destinados a alcanar um

    objectivo (Servera-Barcel, 2005). Mais especificamente, estas funes so definidas da

    seguinte forma: a memria de trabalho no-verbal a capacidade para manter internamente

    representadas as informaes que sero usadas para controlar a emisso de respostas

    contingentes a um evento. Representa a percepo encoberta do indivduo voltada para si

    mesmo. A memria de trabalho verbal proporciona um meio de reflexo e descrio, pelo

    qual, o indivduo, de forma encoberta, rotula, descreve e contempla verbalmente a natureza

    de um evento ou situao antes de responder a ele. Refere-se ao processo pelo qual a aco

    est ao servio do pensamento atravs da linguagem. Por esta razo, a fala internalizada

    seria um dos principais indicadores de que a criana est madura. Por seu lado, a auto-

    regulao do afecto/motivao/activao permite modificar, moderar e alterar as nossas

    prprias reaces emocionais aos acontecimentos. A capacidade de activar carga emocional

    associada memria de trabalho um elemento essencial para a auto-regulao. Por ltimo,

    a reconstituio refere-se capacidade da linguagem para representar objectos, aces e

    propriedades que existam no meio. Representa dois importantes processos: anlise e sntese.

    A anlise significa a capacidade de separar as sequncias comportamentais nas suas unidades

    (estratgia de organizao). Essas unidades comportamentais podem ser recombinadas para

    criar novos comportamentos e sequncias comportamentais a partir de respostas pr-

    aprendidas, num processo chamado de sntese (criao da estratgia) (Barkley, 2008).

    O modelo de Barkley enfatiza a compreenso da PHDA atravs do comportamento

    encoberto, privado e auto-dirigido, e fornece uma estrutura hierrquica, onde as funes

    executivas dependem da inibio comportamental, e a interaco entre ambas d lugar

    auto-regulao e ao controlo motor (Barkley, 2006).

    1.4.4. Controlo motor

    O controlo motor refere-se ao conjunto de comportamentos que so postos em prtica

    para alcanar o objectivo num processo de auto-regulao. Obviamente, refere-se

    implementao de aces concretas que so necessrias, mas vai mais longe: 1) incorpora o

    conceito de fluncia, isto , a capacidade para gerar comportamentos inovadores e

    criativos no momento em que so necessrios; e 2) integra o conceito de sintaxe, ou seja, a

    capacidade para reconstruir e representar internamente a informao do meio (Servera-

    Barcel, 2005).

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    11

    Ambos os conceitos tm uma especial relao com a funo de reconstituio e dotam a

    aco do indivduo de flexibilidade necessria para acomodar o seu plano s contingncias

    habituais, que ocorrem em qualquer processo comportamental orientado para um objectivo a

    longo prazo (Servera-Barcel, 2005).

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    12

    Desinibio Comportamental Desinibio de respostas

    preponderantes Incapacidade de mudar padres

    habituais Dbil controlo de interferncia

    Fraca memria de trabalho (no verbal) - Incapacidade para

    reter eventos em mente;

    - Incapacidade de actuar sobre os eventos;

    - Limitada capacidade de imitao de sequncias complexas;

    - Inexistncia da recuperao de eventos e sua previso;

    - Auto-conscincia limitada;

    - Limitaes no comportamento regido por regras;

    - Problemas de organizao temporal.

    Atraso na internalizao da fala (memria de trabalho verbal)

    - Capacidade reduzida de reflexo;

    - Fraca capacidade de resoluo de problemas (auto-questionamento);

    - Limitaes no comportamento regido por regras (instruo);

    - Menor criao efectiva de regras;

    - Limitada compreenso da leitura;

    - Atraso no raciocnio moral.

    Auto-regulao imatura do afecto,

    motivao e activao

    - Limitada auto-regulao do afecto;

    - Menor perspectiva social/objectividade;

    - Pouca motivao para a auto-regulao;

    - Pouca auto-regulao da activao ao servio da aco orientada para um objectivo.

    Reconstituio lesada - Anlise e sntese

    limitada do comportamento;

    - Reduzida fluncia verbal e comportamental;

    - Menor criatividade e diversidade comportamental orientada para um objectivo;

    - Atraso na capacidade de sintetizar comportamentos.

    Reduo do controlo motor, da fluncia e da sintaxe

    - Desinibio de comportamentos irrelevantes tarefa;

    - Limitadas respostas orientadas para um objectivo;

    - Diminuda capacidade de persistncia; - Insensibilidade ao feedback; - Inflexibilidade comportamental; - Menor capacidade de retomar tarefas

    perante interrupes; - Pobre auto-controlo a partir da

    representao interna da informao.

    Figura 1: Caractersticas da PHDA segundo o modelo de auto-regulao de Barkley (adaptado de Servera-Barcel, 2005)

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    13

    1.4.5. Aplicao do modelo da auto-regulao PHDA

    Exposto o modelo da auto-regulao, importante perceber a aplicao deste modelo

    PHDA (cf. Figura 1):

    1) Apelando psicopatologia evolutiva da perturbao, os problemas comeariam com um

    estado de desinibio comportamental: incapacidade de inibir respostas prepotentes, de

    mudar os padres habituais de resposta e um fraco controlo de interferncia;

    2) Este estado afectaria o desenvolvimento de determinadas funes cognitivas superiores. A

    criana com PHDA apresenta uma fraca memria de trabalho, um atraso e mau

    funcionamento da internalizao da fala, uma imaturidade no controlo do afecto,

    motivao e activao e uma reconstituio lesada;

    3) O padro de PHDA estaria completo com uma reduo na capacidade de controlo motor,

    fluncia e sintaxe, noutras palavras, estaramos perante crianas com srias

    dificuldades em desenvolver comportamentos orientados para um objectivo, com reduzida

    capacidade de persistncia, de controlo comportamental e activao emocional, muito

    sensveis ao feedback do processo e resultado, muito afectadas por aspectos irrelevantes

    tarefa, pouco organizadas e ainda, menos criativas (Servera-Barcel, 2005).

    1.5.Prevalncia da PHDA

    As crianas diagnosticadas com PHDA representam uma populao muito heterognea,

    manifestando uma grande variao relativamente sintomatologia, idade de diagnstico,

    prevalncia dos sintomas em diferentes contextos e na medida em que outras desordens

    ocorrem associadas (Barkley, 2006).

    De acordo com o DSM-IV, a prevalncia da PHDA estimada em 3-5% entre as crianas em

    idade escolar e de 5-10% apresentam esses sintomas em menor nmero continuado, contudo,

    interferem e afectam de modo significativo o rendimento escolar. Os dados mostram tambm

    que a perturbao mais frequente nos rapazes (80 a 90%) do que nas raparigas (Bretton,

    Bergeron, Valla, Berthiaume & Gaudet, 1999). As explicaes apontadas para esta prevalncia

    prendem-se com prticas de sociabilizao diferenciadas, por parte dos pais, para rapazes e

    raparigas e tambm com o facto de os rapazes parecerem apresentar maior imaturidade,

    tratando-se de um factor de vulnerabilidade (Melo, 2003). Contudo, recentemente, o nmero

    de raparigas a quem diagnosticada a perturbao tem vindo a aumentar (Quinn, 1997).

    Este problema refere-se caracterizao da perturbao no sexo feminino. As dificuldades

    surgem, sobretudo, da menor prevalncia neste gnero e, consequentemente, menor

    representatividade das amostras que, muitas vezes, so constitudas apenas por meninos

    (Seidman, Biederman, Monuteaux, Valera, Doyle & Faraone, 2005). Recentemente, Staller e

    Faraone (2006) sustentaram que o sexo feminino estaria subdiagnosticado devido

    importncia atribuda aos sintomas de hiperactividade e impulsividade. Realmente, do ponto

    de vista comportamental, as meninas parecem apresentar menor prevalncia de

    comportamentos exteriorizados e, em particular, da comorbilidade com a perturbao do

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    14

    comportamento. Alguns estudos apontam uma probabilidade 2,2 vezes maior de ocorrncia do

    subtipo desatento no sexo feminino (Biedermanet al., 2002 cit. in Staller & Faraone, 2006).

    Por sua vez, a predominncia de sintomas de desateno contribui para uma deteco mais

    tardia da problemtica, frequentemente aps os 7 anos de idade. No seu conjunto, estes

    factores poderiam contribuir para uma representao diminuda do sexo feminino e,

    consequentemente, deflacionar os valores de prevalncia (Oliveira & Albuquerque, 2009).

    Apesar da plausibilidade desta hiptese, nem todas as investigaes corroboram a maior

    incidncia do subtipo desatento nas meninas. Neuman e colaboradores (2005) analisaram uma

    amostra de 564 famlias com pares de gmeos entre os 7 e 18 anos, nos quais havia sido

    diagnosticada PHDA em pelo menos um deles. O estudo incluiu tambm um grupo de controlo

    com 183 famlias. Baseados nos critrios do DSM-IV, os resultados revelaram uma maior

    prevalncia do subtipo desatento nos meninos e do subtipo combinado nas meninas, embora

    os meninos apresentassem maior severidade na generalidade dos sintomas. Os autores

    concluram que o subtipo desatento poderia estar sub-identificado e, consequentemente, sub-

    intervencionado nos dois sexos, uma vez que a maioria das amostras composta por meninos

    do subtipo combinado (Oliveira & Albuquerque, 2009).

    Em conformidade com revises anteriores, na meta-anlise conduzida por Gershon (2002),

    as meninas tendem a apresentar maior prevalncia de problemas interiorizados, em

    detrimento de problemas exteriorizados. Contudo, uma vez mais, se verifica a necessidade de

    contextualizao dos dados. De facto, nas amostras clnicas, os meninos tendem a apresentar

    ndices mais elevados de problemas de comportamento, embora, essas diferenas no sejam

    consistentes quando se recorre a amostras no-clnicas. Nestas ltimas, pode observar-se

    algum efeito da fonte de informao utilizada, com os pais a apontarem ndices semelhantes

    de problemas de comportamento em ambos os sexos, e com os professores, em observaes

    no contexto escolar, a indicarem uma maior severidade daquele tipo de problemas nos

    meninos (Derks, Hudziak & Boomsma, 2007). Outros estudos, porm, no encontraram

    diferenas significativas entre os sexos quando compararam contextos ou fontes de

    informao (DuPaul, Jitendra, Tresco, Vile Junod, Volpe & Lutze 2006; Graetz, Sawyer,

    Baghurst & Ettridge, 2006).

    De um modo geral, o esclarecimento dos dados aparece associado necessidade de

    controlar questes metodolgicas importantes, como a possibilidade de uma menor incidncia

    de comportamentos exteriorizados nas meninas, a maior probabilidade de vis na

    identificao das mesmas por pais e professores, o recurso predominante a amostras clnicas

    masculinas e do subtipo combinado ou o aprofundamento da comparao de cada um dos

    sexos com grupos comrbidos e com grupos clnicos (Derks, Hudziak & Boomsma, 2007; Nvik,

    Herbas, Ralston, Dalsgaard, Pereira & Lorenzo, 2006; Seidman, Biederman, Monuteaux,

    Valera, Doyle & Faraone, 2005; Staller & Faraone, 2006).

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    15

    No que diz respeito s diferenas de prevalncia nos diferentes subtipos de PHDA, a

    percentagem de cerca de 11% para o subtipo Misto, de 16% para o subtipo

    predominantemente Desatento e de 24% para o subtipo predominantemente Hiperactivo-

    Impulsivo (Cardo & Servera-Barcel, 2005).

    1.6.Etiologia da PHDA

    As causas da PHDA so variadas e, provavelmente, estaro dependentes de vrios factores,

    por isso, na maioria dos casos, torna-se difcil determinar a sua especfica causa. Trata-se de

    um distrbio frequente da infncia e que desde cedo objecto de estudo por parte dos

    mdicos e psiclogos, contudo, os factores que o originam no foram identificados com

    clareza e de forma precisa (Garcia, 2001).

    A opinio mais generalizada entre os peritos a de que as condutas hiperactivas so

    heterogneas na sua origem, isto , mais do que existir um ou vrios mecanismos

    explicativos, h mltiplos factores que interagem, exercendo cada um o seu prprio efeito,

    numa actuao conjunta (Garcia, 2001; Lopes, 2004; Miranda, Jarque & Soriano, 1999).

    Segundo esta perspectiva, a sintomatologia pode resultar de vrios mecanismos causais, no

    existindo uma nica causa aparente para a PHDA (Barkley, 1998).

    De entre as vrias causas da PHDA, aquelas que so mais passveis de serem apontadas s

    crianas, so de natureza endgena, como a influncia gentica e os factores

    neurobiolgicos. sabido que a perturbao est associada a alteraes subtis na estrutura

    do funcionamento do crebro. As variveis externas ou exgenas so encaradas como factores

    agravantes da perturbao e no como uma causa propriamente dita. Posto isto, a PHDA

    parece depender mais de anomalias no desenvolvimento cerebral do que de factores

    ambientais (Lopes, 2004).

    No que ao factor hereditariedade diz respeito, parece agora mais claro que o que mais

    contribui para a gnese da PHDA. As investigaes com mais evidncia, neste campo, foram

    as realizadas com gmeos, nas quais se compararam gmeos mono e dizigticos e as que

    compararam parentes biolgicos e no biolgicos de crianas adoptadas. Estes estudos

    comprovaram o elevado valor atribudo hereditariedade enquanto causa da PHDA (Taylor,

    1986).

    Goodman e Stevenson foram aqueles que mais se debruaram neste mbito, encontrando

    uma relao directa com a hiperactividade em 51% de gmeos monozigticos e 33% entre

    gmeos dizigticos (Lopes, 2004).

    Verifica-se que a incidncia de PHDA maior em familiares prximos, em geral o pai,

    assim como tambm existe maior frequncia em irmos (30-40%) e gmeos idnticos (90%),

    estando implcita a base gentica. Falardeau (1999) refere que, de acordo com estudos

    realizados, em mais de 95% dos casos a hiperactividade hereditria e que 35% dos pais e 17%

    das mes de crianas hiperactivas so igualmente hiperactivas.

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    16

    Ainda relativamente hereditariedade, investigaes na rea da gentica, conseguiram

    identificar dois genes, gene transportador e gene receptor de dopamina, muito importantes

    para o entendimento da problemtica. Estes genes so aqueles que se pensam ter maior

    relao com o aparecimento da PHDA, e so aqueles que at agora tm recebido maior

    ateno. Foram descobertas diferenas especficas nestes genes, nas crianas com PHDA, em

    comparao com aquelas que no a manifestam. Este facto revela-se de extrema

    importncia, uma vez que a dopamina um neurotransmissor importante para as partes do

    crebro, que esto intimamente ligados e implicados com a PHDA (Lopes, 2004).

    No que respeita ao factor neurobiolgico, historicamente aquele que tem recebido

    maior ateno como principal factor etiolgico. A perspectiva mais antiga sustenta-se na

    ptica de que uma base orgnica, que estaria na gnese da disfuno cerebral mnima,

    poderia surgir desde a gestao, at vrios anos aps o nascimento. As suposies mais

    antigas acreditavam que as crianas que manifestavam a perturbao eram portadoras de um

    dano cerebral estrutural, que contribua para a dificuldade no controlo da ateno e

    comportamento (Barkley, 1998).

    O avano tecnolgico ao servio da medicina, nomeadamente a Imagem por Ressonncia

    Magntica e a Tomografia por Emisso de Positres, conseguiu trazer alguns progressos neste

    campo, nomeadamente na gnese da PHDA. Foram descritas algumas caractersticas orgnicas

    e funcionais do crebro que contribuem para o aparecimento da perturbao. Pesquisas

    apontam para diferenas significativas e possveis anormalidades nas redes estriatais do

    crebro, nas crianas com PHDA. Uma das seces mais estudadas o crtex pr-frontal, que

    se pensa estar envolvido na inibio do comportamento e na mediao de reaces a

    estmulos exteriores (Lopes, 2004).

    Tambm os neurotransmissores, principalmente a dopamina e a norepinefrina esto menos

    disponveis em determinadas zonas do crebro. Tal hiptese baseia-se no facto de que a

    medicao utilizada em crianas com PHDA, como a ritalina, aumenta a disponibilidade

    destes neurotransmissores. Por um lado, devido ao facto de as drogas estimulantes, que se

    supe aumentarem a disponibilidade da dopamina no crtex pr-frontal, revelarem uma

    considervel eficcia na reduo dos nveis de agitao e de desinibio comportamental; e

    por outro lado, porque estudos com animais permitiram verificar experimentalmente o

    aumento da disponibilidade da dopamina aps administrao de estimulantes (Lopes, 2004).

    Alm disso, a destruio selectiva (atravs de qumicos) em ratos e ces jovens, de zonas do

    crebro ricas em dopamina, produziu um aumento considervel da hiperactividade em

    animais (Garcia, 2001).

    No seu conjunto, estes estudos apontaram para uma deficincia no mecanismo da

    dopamina no crebro de sujeitos com PHDA. Contudo, necessrio ser-se cauteloso nas

    concluses, uma vez que se tratam de investigaes promissoras, as incertezas so ainda

    muitas (Lopes, 2004; Miranda, Jarque & Soriano, 1999).

    Segundo Villar e Polaino-Lorente (1994), algumas investigaes apontam para uma relao

    entre a capacidade atencional e o nvel de actividade cerebral. Foram detectadas reas do

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    17

    crebro menos activas em pessoas portadoras da problemtica por comparao com pessoas

    sem a perturbao, conduzindo suspeita de uma possvel disfuno do lbulo frontal e das

    estruturas diencfalo-mesenflicas.

    A teoria que colhe maior ateno aquela que considera um distrbio neurobiolgico

    hereditrio influncia hereditria que pode alterar o funcionamento cerebral. Na maioria

    dos casos, a causa especfica do problema em qualquer criana frequentemente

    indetectvel e permanece inexplicada.

    Para alm dos factores neurolgicos, biolgicos e genticos tambm a influncia do meio

    pr-natal e as complicaes surgidas durante a gravidez tm sido ressaltadas como causas

    relacionadas com as problemticas de conduta infantil (Garcia, 2001). Existe uma ampla

    tradio, avaliada por numerosas investigaes, que reala a influncia negativa dos partos

    prematuros e do baixo peso nascena sobre os problemas de conduta infantil. Para alguns,

    as crianas prematuras, com baixo peso nascena, que sofreram de anoxemia durante o

    parto ou de infeces neonatais, tm um maior risco de desenvolver problemas

    comportamentais e hiperactividade (Miranda et al., 1999; Garcia 2001).

    No perodo pr-natal, as variveis que tm suscitado maior interesse entre os

    investigadores, devido sua relao com os problemas de conduta observados na infncia,

    so o consumo de tabaco, o abuso de lcool e o stress psicolgico na me grvida (Garcia,

    2001).

    Os vrios estudos realizados puseram em relevo que todas estas complicaes pr e peri

    natais no afectam igualmente todas as crianas. Ou seja, a sua influncia no universal

    nem determinante, pois embora incidam em determinados aspectos problemticos, como a

    inquietude, a falta de ateno, o atraso na maturao, a falta de coordenao motora e as

    dificuldades de aprendizagem, o seu efeito no definitivo.

    1.7.Comorbilidades e Problemas Associados

    As crianas que apresentam PHDA tm uma maior probabilidade de manifestarem outro

    tipo de problemas associados com o comportamento, com a aprendizagem ou com o

    funcionamento social e emocional (Baptista, 2010). Segundo DuPaul e Stoner (2007) a

    desateno, a impulsividade e a hiperactividade actuam como manes no surgimento de

    outras dificuldades. Embora estes problemas no se manifestem em todas as crianas com

    PHDA, surgem em nmero significativamente mais elevado do que seria de esperar para a

    generalidade das crianas, no podendo por esta razo serem menosprezados. Uma vez que

    estes problemas constituem um acrscimo de dificuldades nos vrios contextos de vida de

    quem tem PHDA, trataremos apenas dos mais problemticos, nomeadamente no que respeita

    ao desempenho escolar, social e comportamental.

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    18

    1.7.1.Desempenho escolar

    De entre os vrios problemas associados PHDA, as lacunas no domnio cognitivo e

    acadmico, so provavelmente aquelas, que tm maior expresso em contexto de sala de

    aula. Abarcam dificuldades intelectuais ligeiras; deficincias moderadas ou graves no

    funcionamento adaptativo e no desempenho acadmico; e risco acrescido de desenvolvimento

    de Dificuldades de Aprendizagem (DA) (Barkley, 2006).

    Em tempos, a investigao apontou para o facto das crianas com PHDA apresentarem

    desempenhos intelectuais inferiores aos seus pares ou irmos, contudo estudos mais recentes

    ressalvam o contrrio (Frazier, Demaree & Youngstrom, 2004). Alguns autores acreditam que

    estas divergncias podem estar relacionadas com a coexistncia das DA, quando medido o

    Quociente Intelectual (QI). Na perspectiva de Lopes (2004), as crianas com DA podero

    apresentar QIs inferiores, pelo facto de haver ausncia de controlo da comorbilidade entre a

    PHDA e as DA, o que conduz a que se conjecture que as crianas com PHDA tm desempenhos

    intelectuais inferiores mdia. No entanto, mais recentemente, foi avanada outra hiptese,

    que aponta as dificuldades na inibio comportamental e nas funes executivas, presentes

    em crianas com PHDA, como as responsveis pela eventual relao negativa entre a PHDA e

    o QI. Isto verifica-se, porque a avaliao do QI est relacionada com as funes executivas,

    nomeadamente com a memria de trabalho, com a internalizao do discurso, e com o

    desenvolvimento do pensamento verbal, que no caso destas crianas se manifestam

    deficitrios. Desta forma, estima-se que entre 3 a 10% da varincia no QI se deva aos sintomas

    da PHDA e no apenas s DA (Barkley, 2006).

    Em torno de toda a controvrsia sobre os nveis intelectuais de crianas com PHDA,

    interessa salientar que a nvel do seu desempenho acadmico, este significativamente mais

    baixo do que as suas capacidades e constitui uma das suas maiores limitaes, com especial

    destaque para o nvel de produtividade em contexto escolar e para o grau de dificuldade que

    acarretam. Assim, apresentam ndices mais reduzidos de comportamento dedicado tarefa,

    durante perodos de instruo e trabalho independentes (Abikoff, Courtney, Szeibel &

    Kiplewicz, 1996), o que conduz a que finalizem menos trabalhos, com mais erros de

    realizao e a terem menos oportunidades de responder durante a instruo,

    comparativamente aos seus colegas (Pfiffner & Barkley, 1998 cit. in DuPaul & Stoner, 2007).

    Esta limitao na realizao do trabalho independente pode explicar a associao entre a

    PHDA e o desempenho acadmico inferior, dado que 80% das crianas com a perturbao

    manifestam tambm problemas de aprendizagem ou de desempenho acadmico (Cantwell &

    Baker, 1991). Exibem ainda, risco acrescido para vrios problemas relacionados com

    determinadas reas do desempenho, em testes e funcionamento cognitivo, demonstrando

    dificuldade com solues e habilidades organizacionais; na linguagem expressiva e na

    motricidade fina ou grossa. Estas dificuldades em conjunto ou isoladamente aumentam a

    probabilidade de desempenho acadmico inferior (DuPaul & Stoner, 2007).

    As DA so um outro problema associado PHDA, e como j referido, alvo de vrios estudos

    e muitas controvrsias. As crianas com PHDA parecem mais propensas a ter DA, sendo

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    19

    frequente a coexistncia das duas perturbaes. Para alguns investigadores, a PHDA uma

    consequncia das DA e resulta do desinteresse e desmotivao, que os sucessivos insucessos

    vo originando nestas crianas no decorrer do percurso escolar (McGree & Share, 1988).

    Outros investigadores sustentam a ideia de que se trata de duas perturbaes independentes,

    embora considerem que podem aparecer em simultneo no mesmo sujeito. Alegam que as

    duas perturbaes so geneticamente independentes: os perfis cognitivos das crianas com

    PHDA e DA diferem entre si; e as diferenas encontradas entre crianas com DA e crianas

    com PHDA e DA so reduzidas (Shaywitz et al., 1997 cit. in Fonseca, 1998).

    Face literatura analisada, verifica-se que h crianas que tm associadas estas duas

    perturbaes, pelo que ser importante definir a que diz respeito o conceito de DA, para que

    se possa clarificar as suas implicaes em conjunto com a PHDA. Segundo Barkley (2006), a DA

    diz respeito a uma discrepncia significativa entre a inteligncia ou habilidade mental e o

    desempenho acadmico em determinada rea (matemtica, leitura, ortografia, caligrafia ou

    linguagem).

    Uma outra dvida colocada pela investigao saber se o aparecimento precoce de DA

    pode conduzir PHDA ou vice-versa. Os dados divulgados indicam que a PHDA no conduz,

    mais tarde, ao desenvolvimento de DA mas, DA precoces, podem estar associadas ao aumento

    dos sintomas de PHDA ao longo do desenvolvimento (McGree & Share, 1988). Contudo, foram

    apurados outros resultados com concluses contrrias, ou seja, que dfices de ateno

    precoces aumentam o risco de desenvolvimento de dificuldades na leitura, enquanto que

    estas ltimas no aumentam o risco para problemas atencionais (Fergusson & Horwood,

    1992).

    A investigao tem demonstrado que existe uma relao de sobreposio entre as duas

    perturbaes, apontando que uma em cada trs ou quatro crianas com PHDA, tem tendncia

    a manifestar uma deficincia especfica de aprendizagem e quase 40% das crianas com DA

    podero tambm vir a apresentar sintomas significativos de PHDA. Contudo, importante

    ressalvar que a maioria das crianas com PHDA no manifesta DA e a maioria das crianas que

    apresentam DA, no rene todos os critrios para o diagnstico de PHDA. O mesmo acontece

    em relao ao funcionamento intelectual, onde em mdia as crianas com PHDA no se

    afastam da populao escolar e muitas delas tambm no apresentam dfices cognitivos

    especficos (DuPaul & Stoner, 2007).

    1.7.2.Desempenho social e comportamental

    J demos relevo aos problemas relacionados com o desempenho acadmico e intelectual,

    importa agora que nos centremos nos problemas de comportamento, que acarretam questes

    de relacionamento social, de percepo social, de auto-imagem e de integrao social.

    importante que nos foquemos neste tpico, uma vez que, por um lado, esta uma das reas

    onde os problemas manifestados por crianas com PHDA so mais evidentes, e por outro,

    estas questes tm implicaes, ao nvel da sua adaptao em sociedade (Lopes, 2004).

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    20

    Os problemas de relacionamento associados com o comportamento de crianas com PHDA

    sucedem do conflito que se estabelece, entre um contexto escolar muito exigente sob o

    ponto de vista das regras sociais, e o recurso a comportamentos que so contrrios

    sintomatologia apresentada (Kos, Richdaleb & Hayc, 2006). Prova disso so as lacunas

    manifestadas no relacionamento com o grupo de pares, com comportamentos disruptivos,

    com desobedincia a regras e a figuras de autoridade e com problemas de conduta, como

    mentir e roubar (DuPaul & Stoner, 2007). Este tipo de comportamento provm sobretudo dos

    sintomas de impulsividade e da excessiva actividade motora, tendo como resultado que estas

    crianas sejam descritas por pais, professores e colegas como agressivas e abusivas em

    situaes sociais, perturbadoras, dominadoras, inconvenientes e socialmente rejeitadas,

    sobretudo se forem rapazes (Lopes, 2004).

    Os dfices de desempenho social frequentemente associados PHDA so: as tentativas de

    se juntarem a actividades de grupo j em curso, sem respeito pelas regras estabelecidas; a

    pobre manuteno de uma conversa, interrompendo frequentemente e no prestando

    ateno ao que os outros dizem; a utilizao de solues agressivas para problemas banais; ou

    a propenso para perder o controlo face a um conflito ou frustrao em situaes sociais

    (DuPaul & Stoner, 2007; Lopes, 2004).

    Este quadro deficitrio ao nvel das relaes sociais, estabelece uma ligao negativa

    entre as crianas que tm a problemtica, e os seus pares, e explica a dificuldade em iniciar

    e manter relaes duradouras de amizade. A explicao para estas dificuldades reside no

    facto destas crianas tenderem a apresentar comportamentos controladores, disruptivos e

    agressivos. Estes comportamentos so percepcionados pelos seus pares como negativos e

    levam a que sejam postos de parte das actividades ou jogos. Na prtica, comeam por se

    intrometer nas actividades dos colegas de forma abrupta e ruidosa, sem pedir autorizao,

    causando a insatisfao dos mesmos na actividade; depois, dada a dificuldade em manter uma

    conversa socialmente correcta, tendem a interromper os outros, no prestando ateno ao

    que lhe dizem, e em sequncia, respondem de forma insignificante; por fim, tm tendncia

    para resolver os problemas interpessoais agressivamente (Kos, Richdaleb & Hayc, 2006). Este

    ltimo factor ilustra a forte ligao existente entre a PHDA e a agressividade fsica, onde se

    sublinha uma tendncia vincada para discusses e lutas com os colegas. caracterstica

    destas crianas a irritabilidade fcil, o descontrolo, a provocao e a incitao a brigas,

    situaes de gesto fcil para a maioria das crianas sem PHDA, mas que na maioria das

    vezes, estas crianas agem de forma brusca e violenta (Barkley, 2002; DuPaul & Stoner, 2007;

    Kos, Richdaleb & Hayc, 2006; Lopes, 2004).

    Todas estas questes so problemticas e acarretam consequncias. Uma delas sem

    dvida que, a rejeio de uma criana uma situao que tende a manter-se ao longo do seu

    percurso desenvolvimental (Parker & Asher, 1987), e por esta razo, preditiva de

    desajustamentos na adolescncia e vida adulta. Para alm de que, a rejeio prolongada

    pelos pares, far com que a criana com PHDA se percepcione e percepcione o mundo como

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    21

    negativos, vendo afectados muitos aspectos do seu desenvolvimento moral, social, acadmico

    e afectivo (Lopes, 2004).

    A forte correlao existente entre a PHDA e a agressividade abarca implicaes

    preocupantes a longo prazo (Lopes, 2004). Sabe-se que os problemas de agressividade podem

    agravar-se para outro tipo de problemticas, como comportamentos de desafio e oposio,

    que no caso desta perturbao, integra o estatuto de comorbilidade, para mais de 65% das

    crianas que a manifestam. No raras vezes, estas crianas irritam-se facilmente, chegando

    mesmo a agredir verbal ou fisicamente outras crianas, com a agravante destes problemas se

    vir a transformar em problemas de conduta (mentir, roubar, lutar, fugir de casa, destruir

    propriedade privada, entre outros) que podem afectar cerca de 45% das crianas com PHDA

    (Barkley, 2002).

    Mais ainda, a elevada prevalncia de comorbilidades assume uma dificuldade acrescida na

    investigao da PHDA, uma vez que os dados revelam que a comorbilidade a regra e no a

    excepo. Para alm do impacto sobre as manifestaes da perturbao, a comorbilidade co-

    loca dificuldades na constituio dos grupos, uma vez que se exige um rigoroso,

    frequentemente difcil, diagnstico diferencial. Na reviso levada a cabo por Biederman

    (2005), os valores estimados de comorbilidade nas crianas com PHDA so superiores a 60%

    para a perturbao de oposio, a 15% para a perturbao do comportamento, a 25% para a

    perturbao do humor e da aprendizagem, e aproximam-se dos 30% para as perturbaes da

    ansiedade (Oliveira & Albuquerque, 2009).

    A elevada comorbilidade na PHDA amplamente investigada. Num estudo levado a cabo

    por Souza, Serra, Mattos e Franco (2001), a anlise dos ndices de comorbilidade revelou uma

    prevalncia na ordem dos 86%, dos quais 57% se referiam co-ocorrncia de pelo menos duas

    perturbaes a par da PHDA. ndices significativos de comorbilidade foram, igualmente,

    apresentados por Barkley (1999) ao indicar que 44% dos sujeitos com hiperactividade

    apresentaram uma perturbao concomitante, 32% apresentaram duas e 11% apresentaram

    pelo menos trs (Decker, McIntosh, Kelly, Nicholls & Dean, 2001). Todos estes dados

    salientam um outro aspecto determinante e que se refere possibilidade da comorbilidade

    no se cingir a uma nica perturbao, podendo abranger duas ou mais perturbaes

    coexistentes (Oliveira & Albuquerque, 2009).

    2. Avaliao da PHDA As crianas hiperactivas constituem um grupo muito heterogneo, uma vez que nem todas

    manifestam os mesmos sintomas, nem a mesma frequncia e intensidade dos mesmos. Uma

    correcta avaliao da perturbao tem de ter isto em conta, da a importncia em adoptar

    uma perspectiva multidisciplinar com especialistas de diferentes reas, analisando tambm o

    comportamento da criana em variados contextos (Garcia, 2001; Lopes, 2004; Ramalho,

    2009).

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    22

    A avaliao cuidadosa de uma criana com suspeita de PHDA necessria frente

    popularizao das informaes, nem sempre claras para a populao em geral, e,

    principalmente, no meio pedaggico. O desconhecimento ou pouco conhecimento sobre a

    patologia gera dificuldades, uma vez que crianas, adolescentes e pessoas adultas podem

    receber, equivocadamente, o rtulo de PHDA, assim como muitos indivduos com esta

    patologia podem passar despercebidos e ficar sem tratamento (Graeff & Vaz, 2008).

    Ainda que o profissional tenha competncias (experincia clnica, conhecimentos

    tericos), o processo de diagnstico da patologia cheio de armadilhas, pois distingue-se de

    diagnsticos mais precisos, como aqueles que envolvem problemas fsicos ou at mesmo

    outros quadros psicolgicos. A primeira dificuldade a inexistncia de testes fsicos,

    neurolgicos ou psicolgicos que possam provar a presena da PHDA numa criana ou num

    adolescente. Uma segunda dificuldade que ocorre na avaliao clnica que 80% das crianas

    permanecem quietas durante a consulta, no permitindo ao profissional condies para a

    identificao dos sintomas da perturbao (Phelan, 2005).

    De acordo com Garcia (2001), existe um conjunto de aspectos que esto intrinsecamente

    implicados na avaliao da hiperactividade infantil: enfoque multidisciplinar e integrador;

    ateno ao nvel do desenvolvimento evolutivo; considerao dos modelos educativos e das

    normas de conduta prprios do ambiente familiar e escolar; comparao do comportamento

    infantil com o do grupo social de referncia e; informaes de observadores independentes

    sobre os comportamentos infantis anmalos.

    Idealmente, a avaliao da PHDA compreenderia as seguintes etapas: 1) entrevista com a

    criana/adolescente e os pais; 2) exame mdico (se necessrio); 3) preenchimento de

    questionrios pelos pais; 4) entrevista com o(s) professor(es); 5) preenchimento de

    questionrios pelo(s) professor(es); e 6) observao directa do comportamento nos contextos

    de vida do sujeito (Lopes, 2004).

    Na prtica, de momento impossvel preencher todos estes requisitos. Em primeiro lugar,

    este tipo de perturbao de desenvolvimento muito pouco reconhecido, pelo que so

    poucos os profissionais que esto vontade para realizar o diagnstico. Por outro lado, seria

    necessrio um trabalho de equipa que, no mnimo, integrasse um psiclogo e um mdico, o

    que pouco frequente. E, finalmente, o profissional que avalia raramente tem possibilidades

    de fazer observao directa, pelo que a entrevista com os pais e/ou com os professores ganha

    uma extraordinria relevncia (Lopes, 2004).

    2.1. Entrevista Diagnstica

    O diagnstico da PHDA realizado predominantemente atravs de uma minuciosa

    investigao clnica da histria do paciente (Barkley, 2006), porm possvel e indicada a

    realizao de um abrangente processo, em que possam ser utilizados vrios recursos

    instrumentais (entrevistas, escalas, testes psicolgicos). Alm do objectivo central de

    determinar a presena ou ausncia da PHDA, a avaliao permite investigar as condies

  • PHDA: Convergncia da avaliao entre diferentes fontes

    23

    acadmicas, psicolgicas, familiares e sociais para que se possa delinear um plano de

    interveno adequado para o tratamento do quadro (Calegaro, 2002).

    A primeira questo a ser analisada diz respeito frequncia dos sintomas. Apesar de no

    haver consenso sobre esta questo, uma definio possvel que os sintomas devem ocorrer

    num nmero maior de vezes do que no ocorrer na situao investigada. A durao dos

    sintomas tambm est preenchida por dificuldades, onde a persistncia dos sintomas em

    vrios contextos ao longo do tempo deve ser alvo de uma minuciosamente investigao. O

    profissional deve estar atento para a possibilidade de que os sintomas sejam fruto de outros

    quadros, uma reaco a um factor psicossocial desencadeante, o produto de uma situao

    familiar catica ou de um sistema de ensino inadequado (Rohde, Filho, Bentti, Gallois &

    Kieling, 2004).

    Um outro ponto imprescindvel para uma avaliao adequada envolve a identificao de

    quadros associados PHDA. H um grande nmero de comorbilidades associadas

    perturbao, de modo que nos possvel afirmar que, em grande parte dos casos, a PHDA no

    encontrada na sua forma pura, em que at 65% dos casos encaminhados para tratamento

    podem apresentar alguma problemtica associada (Anastopoulos, 1999).

    Tendo em considerao os aspectos mencionados, fica evidente a importncia de uma

    avaliao abrangente sobre o funcionamento da criana. Para que isto seja possvel, existe

    uma gama de tcnicas e instrumentos que podem ser utilizados a fim de enriquecer o

    processo avaliativo e diagnstico, como entrevistas clnicas, uso de escalas, testes

    psicolgicos e neuropsicolgicos. A multidisciplinaridade de extrema importncia, pois a

    troca de informaes entre profissionais de diversas reas, pode ser muito til para um

    entendimento mais global de um caso (Graeff & Vaz, 2008).

    2.1.1.Entrevista com os pais e com a criana/adolescente

    Os pais das crianas so fonte vital de informao, porm a entrevista com eles nem

    sempre fcil, pois normalmente comparecem consulta muito desgastados com o

    comportamento do seu filho (Phelan, 2005). Nas entrevistas com os pais imprescindvel a

    investigao de sintomas como onde, quando, e com que frequncia eles ocorrem. Regra

    geral, trazem um relato confivel de sintomas como agressividade, impulsividade,

    desateno, oposio e hiperactividade (Martins, Tramontina & Rohde, 2002).

    De acordo com Calegaro (2002), importante que a entrevista comos pais abarque vrias

    reas: a) preocupaes e queixas principais dos pais (durao, frequncia, incio, oscilaes,

    repercusses dos sintomas); b) dados demogrficos sobre a criana e a famlia (idade, data de

    nascimento, parto, escola que a criana frequenta, nome dos professores); c)

    desenvolvimento (motor, intelectual, acadmico, emocional, social e da linguagem); d)

    histria familiar (possveis per