Perles Joao Comunicacao Conceitos Fundamentos Historia

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Comunicação: conceitos, fundamentos e história João Batista Perles * Índice Introdução 1 1 Fundamentos científicos 2 2 Do grunhido à Internet 4 3 Efeitos convergentes 11 Considerações finais 14 Referências bibliográficas 15 Resumo Visando colaborar prioritariamente para com as disciplinas de Teorias da Comunicação e História da Comunicação, o presente trabalho faz uma releitura do processo de comunicação, focando-se nos marcos conceituais, nos fundamentos científicos e na história da comunicação. Para tanto, toma como elementos essenciais a tríade linguagem, cultura e tecnologia. Recorrendo à pesquisa bibliográfica o texto reúne dife- rentes visões relacionadas ao processo de comunicação e a história dos meios de co- municação de massa e conclui pressupondo a existência de uma transição de modelo sócio-tecnológico da informação. Palavras-chave: processo de comunica- ção, linguagem, cultura, tecnologia. * Professor de Teorias da Comunicação na Facul- dade de Selvíria (FAS)-MS; Professor de Jornalismo Especializado nas Faculdades Integradas de Três La- goas (AEMS)-MS. Introdução Comecemos por falar brevemente sobre o nosso objeto de estudo: o processo de co- municação. Ele representa um dos fenô- menos mais importantes da espécie humana. Compreendê-lo, implica voltar no tempo, buscar as origens da fala, o desenvolvimento das linguagens e verificar como e por que ele se modificou ao longo da história. A linguagem, a cultura e a tecnologia são elementos indissociáveis do processo de co- municação. Quanto à primeira, Tattersall (2006, p. 73) afirma categoricamente que “[...] se estamos procurando um único fator de liberação cultural que abriu caminho para a cognição simbólica, a invenção da lingua- gem é a candidata mais óbvia.” Quanto aos outros dois, nos parece pertinente concordar com Mayr (2006, p. 95) ao propor que “Uma pessoa do século XXI vê o mundo de ma- neira bem diferente daquela de um cidadão da era vitoriana” e que “Essa mudança teve fontes múltiplas, em particular os incríveis avanços da tecnologia.” Souza Brasil (1973, p 76), mais incisivo, enxerga a cultura como subordinada às formas de comunicação Ora, se a existência da cultura está su- bordinada a forma de comunicação do tipo humano, isto é, comunicação simbó- lica, temos que admitir que os fundamen- tos da comunicação precisam ser bus-

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Comunicação: conceitos, fundamentos e história

João Batista Perles∗

ÍndiceIntrodução 11 Fundamentos científicos 22 Do grunhido à Internet 43 Efeitos convergentes 11Considerações finais 14Referências bibliográficas 15

ResumoVisando colaborar prioritariamente para comas disciplinas de Teorias da Comunicaçãoe História da Comunicação, o presentetrabalho faz uma releitura do processode comunicação, focando-se nos marcosconceituais, nos fundamentos científicose na história da comunicação. Para tanto,toma como elementos essenciais a tríadelinguagem, cultura e tecnologia. Recorrendoà pesquisa bibliográfica o texto reúne dife-rentes visões relacionadas ao processo decomunicação e a história dos meios de co-municação de massa e conclui pressupondoa existência de uma transição de modelosócio-tecnológico da informação.

Palavras-chave: processo de comunica-ção, linguagem, cultura, tecnologia.

∗Professor de Teorias da Comunicação na Facul-dade de Selvíria (FAS)-MS; Professor de JornalismoEspecializado nas Faculdades Integradas de Três La-goas (AEMS)-MS.

IntroduçãoComecemos por falar brevemente sobre onosso objeto de estudo: o processo de co-municação. Ele representa um dos fenô-menos mais importantes da espécie humana.Compreendê-lo, implica voltar no tempo,buscar as origens da fala, o desenvolvimentodas linguagens e verificar como e por que elese modificou ao longo da história.

A linguagem, a cultura e a tecnologia sãoelementos indissociáveis do processo de co-municação. Quanto à primeira, Tattersall(2006, p. 73) afirma categoricamente que“[...] se estamos procurando um único fatorde liberação cultural que abriu caminho paraa cognição simbólica, a invenção da lingua-gem é a candidata mais óbvia.” Quanto aosoutros dois, nos parece pertinente concordarcom Mayr (2006, p. 95) ao propor que “Umapessoa do século XXI vê o mundo de ma-neira bem diferente daquela de um cidadãoda era vitoriana” e que “Essa mudança tevefontes múltiplas, em particular os incríveisavanços da tecnologia.” Souza Brasil (1973,p 76), mais incisivo, enxerga a cultura comosubordinada às formas de comunicação

Ora, se a existência da cultura está su-bordinada a forma de comunicação dotipo humano, isto é, comunicação simbó-lica, temos que admitir que os fundamen-tos da comunicação precisam ser bus-

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cados nos caracteres biológicos do ho-mem, pois cultura e comunicação sim-bólica surgiram na terra simultaneamentecomo o próprio gênero humano. Assim,cultura e comunicação são conceitos su-plementares, não se constituindo, nemum nem outro, fundamento mas condiçãonecessária para compreensão e existênciade cada um.

Sendo assim, a linguagem, a cultura e atecnologia constituem a tríade de fatores quealicerçam o presente trabalho. Para tanto, re-corremos à pesquisa bibliográfica, tomandoa antropologia, a história, a sociologia, alingüística e as teorias da informação comocampos de conhecimentos principais, masnão exclusivos.

Ao explorarmos o vastíssimo campo dacomunicação em seus variados aspectos te-mos por objetivo geral contribuir para com asTeorias da Comunicação e a História da Co-municação. Além disso, consideramos queo presente trabalho serve como contrapontoà histórica dos meios de comunicação, intro-duzindo alguns vieses, incluindo nomes depessoas e seus papéis tantas vezes esqueci-dos por aqueles que contam a história dosmass media.

1 Fundamentos científicosDe imediato, podemos classificar a comuni-cação conforme propõem os dicionários, as-sim o termo seria apenas mais um substan-tivo feminino: “1. ato de comunicar; infor-mação, aviso; 2. passagem, caminho, liga-ção”. (Rocha 1997, p.154). Mas tal classi-ficação, além de insuficiente para descrevero fenômeno, se serve do longo processo de

desenvolvimento da linguagem para simpli-ficar um dos fenômenos mais importante dasocialização, cujos limites sempre estão porvir, conforme ressalta Baitello Júnior (1998,p.11):

Hoje o homem tenta lançar pontes (aindaque hipotéticas) não apenas sobre a ori-gem do universo, sobre o chamado bigbang, mas também sobre as raízes remo-tas dos códigos da comunicação humana.Constata que a capacidade comunicativanão é privilégio dos seres humanos; estápresente e é bastante complexa em mui-tos outros momentos da vida animal, nasaves, nos peixes, nos mamíferos, nos in-setos e muitos outros.

Resgatando o termo em sua etimologiaMarques de Melo (1975, p. 14) lembraque “comunicação vem do latim ‘commu-nis’, comum. O que introduz a idéia de co-munhão, comunidade” (grifos do autor).

Mas, se falamos em “processo de comu-nicação”, cabe também uma rápida inspeçãono termo “processo”. Berlo (1991, p. 33)assim descreve sua aceitação do termo:

Um dicionário, pelo menos, define “pro-cesso” como “qualquer fenômeno queapresente contínua mudança no tempo”,ou “qualquer operação ou tratamentocontínuo”. Quinhentos anos do nasci-mento de Cristo, Heráclito destacou a im-portância do conceito de processo, ao de-clarar que um homem não pode entrarduas vezes no mesmo rio; o homem serádiferente e assim também o rio. [...] Seaceitarmos o conceito de processo, ve-remos os acontecimentos e as relaçõescomo dinâmicos, em evolução, sempre

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em mudança, contínuos. [...] Não é coisaestática, parada. É móvel. Os ingredien-tes do processo agem uns sobre os outros;cada um influencia todos os demais.

Acolhendo o pressuposto de Berlo, Sousa(2006, p. 28) assume o conceito de comu-nicação como processo, em razão de que otermo “designa um fenômeno contínuo [...]com sua evolução em interação”.

Não faltaram, ao longo dos estudos da co-municação, contribuições coerentes à com-preensão de fenômeno tão complexo. Seusfundamentos científicos encontram-se an-corado na biologia mencionada por Teles(1973, p. 19) para quem

Uma rocha se comunica, à medida quesuas partículas nucleares se atraem ou serepelem na intimidade de sua estruturaatômica.Como se vê, comunicação implica movi-mento. Por convenção, chamou-se vidaao automovimento imanente. Sua exten-são foi restrita ao campo biológico, plan-tas e animais, em função da imanência.

Na antropologia, considerada por SouzaBrasil (1973, p. 80) quando questiona sobrea capacidade da fala

Já que não estamos estudando especifi-camente a evolução dos primatas, nemmesmo a gênese humana em si, resta-nosportanto saber por que se diz que o ho-mem é sabido, já que só os sabidos pen-sam e falam? [...] Quando e por queum determinado animal poderia ser clas-sificado como homem e quando outro,que apresenta estrema semelhança anatô-mica, não o poderia?

Na psicologia, com Pereira (1973, p. 108)que procura lançar luzes sobre os elementossensoriais e, concomitantemente, sobre im-portantes aspectos da experiência estética

O ser humano é um “sistema” aberto emconstante intercâmbio consigo próprio(vida interior mental e visceral) e com omundo ambiental. Isso só é possível gra-ças aos elementos e órgãos que forma oConjunto SENSORIAL (órgãos do sen-tido, sensibilidade à dor, etc., etc.) eàs FUNÇÕES PERCEPTIVAS. [...] Du-rante a transmissão de sinais ou símbo-los, no trabalho de comunicação, o colo-rido emocional e a tonalidade afetiva temfundamental importância [...] (grifos doautor).

Na sociologia, quando Menezes (1973, p.147) propõe que o processo de comunicaçãopoderia ser considerado como fundamentoda vida social

[...] Com efeito, num plano lógico deconsideração dos fatos, o processo dacomunicação humana poderia ser enca-rado como o fundamento da vida sociale não o contrário, conquanto do pontode vista da natureza ou da estrutura detais fenômenos os dois se manifestam deforma nitidamente inseparáveis e, maisque isso, interdependente: [...].

Na lingüística, porquanto Souza (1973, p.209) sugere que a Lingüística e Teoria da Co-municação tem-se contribuído mutuamente

Seria bizantinismo discutir-se, entreLingüística e Teoria da Comunicação,qual a que maior contribuição prestou à

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outra, já que elas se ajudam reciproca-mente, numa estreita correlação. [...] Épacífico, desde Aristóteles, que o homemé um ser social. Nem todos, porém, con-cordam com os fundamentos dessa so-ciabilidade. Ninguém pode negar, en-tretanto, que a comunicação (principal-mente a lingüística) (sic!) é condição ba-silar dessa sociabilidade, que pressupõeum intercâmbio entre os homens a fim deque seja possível a transmissão, de umpara o outro, de experiências, conheci-mentos e apelos.

E, finalmente, Sá (1973, p. 243) na filo-sofia quando, por analogia, estabelece umaprimordial relação afirmando que

A teoria do Conhecimento está voltadapara três aspectos importantes do saber:—Existe algo?—É possível conhecer?—Pode-se transmitir?A Comunicação está voltada — pois quenisto envolta — para estas mesmas inda-gações. Inverte-se, apenas, a colocaçãodo problema.—Pode-se (comunicar) transmitir?—O que se comunica se conhece?—O que se conhece existe?[...] A possibilidade da transmissão doconhecimento é assunto gnosiológico e é,também, assunto de comunicação.

Também Marques de Melo (idem, p.31)traça um rápido panorama da comunicaçãopor meio dos diversos conceitos: o cientí-fico, o filosófico e o estrutural. Adotandoeste último para trilhar, o autor resume a co-municação enunciando: “Comunicação é oprocesso de transmissão e recuperação de in-formações”, mas adverte para o fato de que

“[...] ao analisar o fenômeno comunicativo,cada ciência e corrente filosófica utiliza a suaprópria perspectiva, a sua própria terminolo-gia, os seus conceitos específicos”.

Reconhecemos tais contribuições comofundamentais à compreensão do fenômenocomunicativo e, ampliando tais perspectivas,nos parece pertinente, até em função daquiloque se tem estudo nos últimos anos, men-cionar a existência de pressupostos sócio-interacionistas-discursivos difundidos pelaescola francesa, cujos axiomas foram inau-gurados pelo lingüista russo Mikhail Bakhtine que deságuam no princípio do dialogismo.Mas aqui não discutiremos tais pressupos-tos em função do objetivo do trabalho e seuslimites espaciais, embora a tenhamos comomais uma caminho alternativo para pavimen-tação do campo espistemológico da comuni-cação.

2 Do grunhido à Internet

2.1 Tecnologia e ferramentaPara fins deste trabalho, entendemos comotecnologia qualquer mecanismo que possibi-lite ao homem executar suas tarefas fazendouso de algo exterior ao seu corpo, ou seja,tudo aquilo que se caracteriza como extensãodo organismo humano. Assim visto, é neces-sário ressaltar que o uso de tecnologia pelohomem teve início não relacionado à comu-nicação, mas à sobrevivência, uma vez queas primeiras ferramentas utilizadas pela es-pécie humana serviam para destrinchar ali-mentos. Classificados como modo industrialOlduvainense, ou modo técnico 1, ele surgiuhá cerca de 2,5 milhões de anos. SegundoArsuaga (2005, p. 57), que atribui a utili-zação de tais objetos ao homo habilis “Os

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primeiros artefatos líticos (ou seja, de pe-dra) datados com segurança foram recolhi-dos em Gona, na região do Hadar, país dosAfaris (Etiópia) e contam com uns 2,5 mi-lhões de anos de antiguidade”. No que con-cerne à emissão de mensagens, ou seja, aoprocesso de comunicação, só muito tempodepois é que o homem se serviu de algum ar-tefato a fim de quebrar a barreira do espaçoe do tempo. Para que a comunicação hu-mana alcançasse o estágio atual, tanto em vo-lume e formatos, quanto em velocidade, fo-ram necessárias diversas transformações fisi-ológicas e processos tecnológicos revolucio-nários. Algumas mudanças aconteceram hátanto tempo que quase nunca são menciona-dos ou percebidos pelo homem, mas os seustraços se conservam e, vez ou outra, se fazempresentes nos gestos, expressões e ruídos queemitimos.

2.2 Linguagem e comunicaçãoAté hoje os estudiosos ainda buscam chegara uma conclusão definitiva sobre como oshomens primitivos começaram a se comuni-car entre si, se por gritos ou grunhidos, porgestos, ou pela combinação desses elemen-tos.

De qualquer modo, o homem chegou à as-sociação dos sons e gestos para designar umobjeto, dando origem ao signo, conforme nosfala Bordenave (1982, p.24)

Qualquer que seja o caso, o que a histó-ria mostra é que os homens encontrarama forma de associar um determinado somou gesto a um certo objeto ou ação. As-sim nasceram os signos, isto é, qualquercoisa que faz referência a outra coisa ou

idéia, e a significação, que consiste nouso social dos signos.

A invenção de uma certa quantidade designos levou o homem a criar um processo deorganização para combiná-los entre si, casocontrário, a utilização dos signos desordena-damente dificultaria a comunicação. Foi essacombinação que deu origem à linguagem se-gundo Bordenave (idem, p. 25) quando dizque “de posse de repertórios de signos, e deregras para combiná-los, o homem criou alinguagem”. Certamente a afirmação de Bor-denave refere-se à linguagem verbal (oral ouescrita) bem articulada e não à linguagem emsua acepção mais genérica que inclui a pos-sibilidade do homem emitir sons guturais afim de expressar sensações. Não por acaso,Tattersall (idem, p. 72) nos faz recordar que“os humanos tinham um trato vocal capaz deproduzir os sons de fala articulada mais demeio milhão de anos antes que surgisse evi-dência de linguagem.”

É quase de domínio popular o fato deque o processo de comunicação visual sur-giu muito antes da escrita. Não por acaso,conforme nos adverte Peltzer (1991, p. 98),“muito antes de qualquer escrita, os quehabitaram as grutas de Altamira comunica-ram com seus semelhantes (e poder-se-ia di-zer que continuam a comunicar)” uma vezque “quem visita hoje essas grutas recebe asmensagens cujos emissores são nossos ante-passados [...]”. Esse fato, por si, torna desne-cessário discorrer mais amplamente acercada importância da expressão visual para ohomem. Entretanto, parece-nos interessanteacolher alguns pressupostos teóricos formu-lados por Santaella e Nöth (1998, p. 13),para quem a imagem faz parte da expressãohumana “desde as pinturas pré-históricas” e

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“hoje, na idade do vídeo e infográfica, nossavida cotidiana—desde a publicidade televi-siva no café da manhã até as últimas notíciasno telejornal da meia-noite—está permeadade mensagens visuais [...]”.

Inicialmente o homem comunicava osacontecimentos na mesma ordem em queeles se davam, ou seja, um caçador descre-via sua rotina na mesma seqüência dos fa-tos. Se pegava uma arma, enfrentava um ani-mal, matava-o e comia-o, assim desenhavanos pictogramas (desenhos ou símbolos) eideogramas (sinal que exprime a idéia e nãoos sons da palavra, em oposição à fonográ-fica).

Há cerca de 3.000 anos antes de Cristo, osegípcios representavam aspectos de sua cul-tura por meio de desenhos e gravuras colo-cados nas casas, edifícios e câmaras mortuá-rias.

Os signos sonoros e visuais, como o tantã,o berrante, o gongo e os sinais de fumaça, fo-ram os primeiros a serem utilizados pelo ho-mem a fim de vencer a distância. A utiliza-ção desses artefatos caracteriza a tecnologiada comunicação em seus primórdios, já que,através deles a mensagem humana vence oâmbito familiar e grupal. Mas somente coma invenção da escrita, por volta do século IVantes de Cristo, é que o homem encontrouuma solução mais definitiva para o problemado alcance, já que a mensagem escrita podeser levada de um para outro lugar. Mais doque isso, a escrita inaugura o início da histó-ria, uma vez que, sem ela, “poucos especia-listas ousam fazer assertivas, e a maior partedas interpretações é tão genérica e cautelosaque quase nada revela sobre a vida na pré-história (Gontijo, 2004, p. 48).”

2.3 A escrita e a tradição oralO homem descobriu que as palavras ou no-mes de objetos eram compostos por unida-des menores de som, descobrindo, portanto,os fonemas e, conseqüentemente, a possibili-dade de representar os objetos e as coisas pormeio destas unidades. Esta descoberta per-mitiu o surgimento da escrita chamada fono-gráfica, na qual os signos representam sons.A combinação dos sons em seqüências dediversos comprimentos pode, além de des-crever objetos, representar idéias. A possi-bilidade dos signos gráficos serem represen-tados por unidades de sons menores que aspalavras deu nascimento ao conceito de le-tras. Com elas, o homem formou os alfabe-tos. Antes que o alfabeto tomasse a formaque o conhecemos atualmente, passou porinúmeras transformações. Primeiro surgiramos silabários, que consistiam num conjuntode sinais específicos para representar cada sí-laba chegando muito tempo depois ao alfa-beto greco-latino (Gontijo, idem, p. 48-166).

Mas, ainda assim, por séculos, a culturacontinuou sendo transmitida oral e visual-mente. Durante a Idade Média o povo nãotinha acesso à linguagem escrita, que era res-trita aos monges e às pessoas letradas.

Enquanto a linguagem se desenvolvia, ossuportes e meios de comunicação tambémiam se aperfeiçoando. O surgimento do pa-pel, inventado pelos chineses, substituiu assuperfícies de pedra, os papiros e os perga-minhos de couro, então utilizados para a es-crita.

A história da escrita tem muito de fascí-nio. Antes que a tecnologia ocidental de im-pressão surgisse para disseminar os textos, ascópias manuscritas circulavam entre os pou-cos que decifravam seus códigos. Briggs e

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Burke (2004, p. 19) contam que “nas expe-dições que fazia, Alexandre, o Grande, car-regava consigo um porta-jóias com a Ilíadade Homero,” e que, “além disso, uma grandebiblioteca com cerca de meio milhão de ma-nuscritos foi erguida na cidade que levou seunome, Alexandria”.

2.4 Prensa, tecnologia ecomunicação de massa

Entre 1438 e 1440, o alemão Johann Gens-fleish Gutenberg aperfeiçoou os tipos mó-veis criados pelos chineses que foram osprimeiros a imprimir livros. O sistema deprensa tipográfica criado por Gutenberg, as-sociado às possibilidades oferecidas pelo al-fabeto romano, composto de pouquíssimasletras quando comparado aos inúmeros ide-ogramas chineses, não somente possibilitoua produção de livros em grande escala, comopropiciou o surgimento do jornal. Dava-seentão o primeiro passo para a democratiza-ção da escrita e, conseqüentemente, do saber,conforme ressalta Gontijo (idem, p. 167) di-zendo que “quando foi possível mecanizaresse processo através da prensa e reproduzirem série, o livro tornou-se portátil e o saberextrapolou os limites dos mosteiros, feudose nações.”

O surgimento do sistema tipográfico gu-tenberguiano é considerado a origem da co-municação de massas por constituir o pri-meiro método viável de disseminação deidéias e informações a partir de uma únicafonte.

Ao surgimento da imprensa Fernando Sá(2002, orelha) ressalta um outro importantemarco histórico

O aparecimento e difusão da imprensa

também estará diretamente vinculada aodesenvolvimento comercial e industrialdas principais cidades da Europa. É coma imprensa que a cultura sai dos claus-tros e vai para as ruas, permitindo o sur-gimento do público leitor. Quando umaparte importante desses leitores passa ase interessar pelas publicações políticas edecide se envolver com os assuntos pú-blicos, teremos chegado ao nascimentodo público político.

Porém, o jornal não foi o primeiro pro-duto a ser impresso por meio da tecnologiados tipos móveis. Antes, Gutenberg produ-ziu cerca de 300 exemplares da Bíblia divi-didos em dois volumes.

O clero, que via na impressão uma ame-aça ao seu domínio, rendeu-se à tecnologiatipográfica e passou a utilizar o invento paraimprimir as indulgências, textos teológicos emanuais de instrução para a condução de in-quisições, aumentando a influência da Igreja.

Bacelar, (2002, p.2) descreve como a pro-dução de textos foi fundamental para a que-bra do papel da Igreja como guardiã da ver-dade espiritual. Segundo ele

Cópias impressas das teses de Lutero fo-ram rapidamente divulgadas e distribuí-das, desencadeando as discussões que vi-riam iniciar a oposição à ideia do papelda Igreja como único guardião da ver-dade espiritual. Bíblias impressas emlinguagem vernáculas, em alternativa aolatim, alimentaram as asserções da Re-forma Protestante que questionavam anecessidade da Igreja para interpretar asEscrituras — uma relação com Deus po-dia ser, pelo menos em teoria, directa epesssoal.

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Além de quebrar dogmas religiosos, Ba-celar (idem, p. 4) ressalta a importância daimprensa também como instrumento de re-voluções

Veja-se como exemplo, o papel que aimprensa desempenhou nas colónias in-glesas da América, divulgando e defen-dendo as ideias visionárias que deramforma à Revolução Americana ou, maistarde ainda, o papel que desempenhounos aparelhos de agitação e propagandapara a disseminação das ideais de todosos movimentos ideológicos revolucioná-rios que, a partir do século XIX, se pro-puseram transformar o mundo.

A tecnologia mecânica de Gutenberg au-tomatizou o sistema de produção de textos eantecipou-se ao que seria a Revolução Indus-trial, iniciada na Inglaterra em 1750. Assim,não caracteriza exagero afirmar que a tipo-grafia instituiu a tecnologia moderna de co-municação, visto que, antes, o que tínhamoseram tecnologias primitivas (tambor, ber-rante, fumaça) ou arcaicas (placa de barro,papiro, pergaminho).

A associação mundial dos jornais aceitacomo verdadeira as evidências de que o pri-meiro jornal do planeta tenha sido o Rela-tionen, produzido por Johann Carolus, em1605. De acordo com o site Observatórioda Imprensa (2005), Carolus residia em Es-trasburgo, que no século XVII pertencia aoImpério Alemão e hoje pertence à França.Os descobridores do jornal, Martin Welkere Jean Pierre Kintz dão garantias de que operiódico circulava em cópias manuscritasdesde 1604. Afora isso, não é incomum de-pararmos com textos que afirmam serem asActas Diurnas publicadas em Roma desde59 a.C a origem do jornalismo.

O primeiro jornal brasileiro foi o CorreioBraziliense. Seu número inicial foi lançadoem 1o de junho de 1808, por Hipólito José daCosta. Sua impressão era feita em Londres,porque a Coroa Portuguesa proibia a existên-cia de impressoras na colônia.

No mesmo ano, a família Real, que fugiadas invasões napoleônicas, chegou ao Brasiltrazendo nos porões dos navios as máquinasque iriam dar origem a Imprensa Régia, fa-zendo surgir o primeiro jornal impresso emterritório brasileiro. A Gazeta do Rio deJaneiro foi fundada em 10 de dezembro de1808 e publicava documentos oficiais e no-tícias de interesse da Corte, com linguagembem parecida com os atuais diários oficiais.

Nos anos seguintes foram surgindo outrosperiódicos, mas com linguagens marcada-mente agitadoras, que partiam especialmentede Cipriano Barata e Frei Caneca. Desses,predominou o jornalismo panfletário da im-prensa que sobreviveu até metade do séculoXIX. Gontijo (idem, p. 285) assegura que

De início, os jornais demonstravam teralguma consciência de que parte da mis-são era educar o povo. No entanto, du-rante esse período turbulento, o que seviu foi uma disputa radical, que fez surgirestilos vigorosos e originais de redaçãojornalística, embora, muitas vezes, des-cambassem para acusações infundadas eataques pessoais.

2.5 A era da eletricidadeNa esteira do desenvolvimento tecnológicosurgiu o rádio. As transmissões eletromag-néticas propiciaram primeiro a criação do te-légrafo, que transmitia apenas código Morse.Em 1900 foi feita a primeira ligação radiote-

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legráfica de 300 km, entre Cornwall e a ilhade Wight, na Inglaterra.

Muito embora o nome do italiano Gugli-elmo Marconi seja tido como o do inven-tor do rádio, o certo é que em 1896 Mar-coni patenteou o primeiro aparelho transmis-sor sem fios. Suas investigações começarampor volta de 1894, quando conseguiu enviarsinais fracos a cerca de 100m de distância.Em pouco mais de dois anos os sinais já ul-trapassavam a barreira de 1 km. Mas antesque o cientista italiano tivesse realizado ex-periências de sucesso, o padre brasileiro Ro-berto Landell de Moura já havia transmitidovoz por meio do eletromagnetismo. Grecco(2006, p. 77) afirma que “Há registros de queas primeiras experiências do padre Landellcom transmissões de ondas portando a vozhumana teriam ocorrido entre 1893 e 1894.No mínimo um ano antes da façanha de Mar-coni na Itália”. Gontijo (idem, p. 355) tam-bém ressalta o fato de Landell ter se adian-tado a Marconi na transmissão radiofônica

A primeira demonstração oficial de seuinvento foi a transmissão entre a avenidaPaulista e o bairro de Sant’ana, sem aajuda de fios, de sua própria voz, atravésda irradiação de uma onda eletromagné-tica, em junho de 1900, na presença deautoridades e da imprensa, 22 anos antesdo Centenário da Independência.

Vejamos como o Jornal do Commercio,em sua edição de 10 de junho de 1900, noti-ciou o fato:

No domingo próximo passado, no altode Sant’ana, cidade de São Paulo, o pa-dre Roberto Landell, fez uma experiênciaparticular com vários apparelhos de sua

invenção, no intuito de demonstrar algu-mas leis por elle descobertas no estuda dapropagação do som, da luz e da eletrici-dade atravez do espaço, da terra e do ele-mento aquoso, as quaes foram coroadasde brilhante êxito. (sic!)Estes apparelhos eminentemente praticossão como tantos corollários deduzidosdas leis supracitadas. (Sic!)Assistirão á estas provas, entre outraspessoas, o Sr. P.C.P. Lupiton, represen-tante do Governo Britânico e sua família.(Sic!)

A primeira transmissão de música pormeio do eletromagnetismo se deu na noitede Natal de 1906, na cidade de Brant Rock,Massachusetts, Estados Unidos, por Regi-nald Fessenden. O sinal foi captado por na-vios a 80 km de distância.

O advento do rádio marcou uma nova eranas comunicações, porque suas ondas possi-bilitaram a quebra de uma barreira que sub-sistiu à tecnologia da impressão: o analfabe-tismo. Como conseqüência, cristalizou-se oprocesso de massificação, cuja abrangênciao viabilizou como principal instrumento po-lítico da época.

No Brasil, a primeira transmissão radiofô-nica pública oficial ocorreu em 7 de setem-bro de 1922, no Rio de Janeiro, quando opresidente Epitácio da Silva Pessoa discur-sou na inauguração da Exposição do Cente-nário da Independência.

2.6 A estética da imagemConforme nos explica Pacheco (2005, p. 2)“estética tem sua origem em ‘estesia’, ouseja, sensação, sensibilidade, sentido. Emcontraposição, temos a palavra ‘anestesia’,

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negação de ‘estesia’, em que os sentidos esensações são bloqueados.” Partindo de taisprincípios, nos parece que as experiênciasestéticas encontram-se relacionadas ao nú-mero de sentidos que as mensagens e osmeios de comunicação são capazes de aci-onar no homem. A tecnologia que propicioua imagem em movimento e adicionou a ela oelemento sonoro, rompeu com as experiên-cias estéticas até então vivenciadas por meioda técnica de impressão.

O cinema antecedeu a televisão enquantotecnologia que possibilitou a visualização daimagem em movimento.

Assim como o rádio, a televisão tambémnasceu de um conjunto de descobertas inici-adas em 1817 quando o químico sueco TonsJacob Berzelius descobriu o selênio, que pro-duzia uma corrente de elétrons sempre queatingido por um feixe de luz.

Em 1923, o russo naturalizado americano,Vladimir Zworykin, inventou o iconoscó-pio que, aperfeiçoado, iria se converter noatual tubo de imagem dos televisores, tam-bém chamado de cinescópio. De acordo comGotijo (idem, p. 404)

Os primeiros passos para a televisão co-mercial foram dados pela RCA, com atecnologia desenvolvida pelo russo natu-ralizado americano Wladimir Zworykin.Foi o seu sistema, completamente eletrô-nico, que permitiu a primeira demonstra-ção pública, em Nova York, de transmis-são das imagens produzidas nos estúdiosda RCA.

As primeiras experiências de transmis-são iniciadas na década de 1930 na Europae nos Estados Unidos foram interrompidaspela Segunda Guerra Mundial, somente re-tornando após o conflito. Já na década de

1950 existiam diversos modelos de recepto-res. Estava, portanto, concretizado o inventoque uniu o som e a imagem em movimento.

O Brasil foi o quinto país do mundo a pos-suir emissora de televisão, depois dos Esta-dos Unidos, Grã-Bretanha, Países Baixos eFrança. A primeira emissora brasileira foia PRF3-TV, futura Rede Tupi de São Paulo,inaugurada em 18 de setembro de 1950.

O incremento na comunicação viveu umanova fase com a invenção dos satélites. Osprimeiros geoestacionários do tipo Syncomforam colocados no espaço nos anos de 1963e 1964, servindo simultaneamente a diversasestações terrestres de localidades ou paísesdiferentes.

Mas o processo de integração dos meiosde comunicação iria sofrer o mais profundoimpacto com o advento da rede mundial decomputadores, denominada Internet. A redeplanetária surgiu de experiências e pesqui-sas realizadas para fins militares no finalda década de 1950 e, dela, deriva o debateentre apocalípticos e integrados, permeadospor um terceiro grupo denominado “técnico-realístico” citado por Lemos (1998, p. 46):

O imaginário da cibercultura é perme-ado por uma polarização que perseguea questão da técnica desde tempos ime-moriais: medo e fascinação. O que ve-mos hoje, com o desenvolvimento da ci-bercultura (Internet, realidade virtual, cy-borgs, hipertexto, etc.), é o acirramentoda querela entre o que Umberto Eco cha-mou de apocalípticos e integrados (Eco,1979).[...] um grupo de americanoscriou, em março de 1998, uma correntede pensamento e posicionamento em re-lação à tecnologia batizada de “técnico-realismo”.

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Mais recentemente, Briggs e Burk (idem,p. 310) aludindo à Internet afirmam ser delaa responsabilidade por uma nova psicologia

Em um período de aceleração da tec-nologia, a Internet desafiou as previsões[...]. Rapidamente deixou para trás a fí-sica e desenvolveu uma psicologia pró-pria, como havia sido feito o desbrava-mento da fronteira, e o que veio a serchamado de sua “ecologia”, palavra novanos estudos da comunicação [...].

Assim, nos parece que a Internet conso-lida uma era estetizada pela imagem, masnão a supera, conforme se poderia deduzirde modo simplista.

3 Efeitos convergentesSentado em uma poltrona, acompanhado ounão por outras pessoas, no silêncio de um cô-modo tomado pela penumbra ou num am-biente de extrema iluminação e sacudidopela algazarra de vozes e sons, o homemaponta o controle remoto para a televisão e,utilizando-se de suas múltiplas funções, “na-vega” por diferentes canais, aumenta e dimi-nui o volume do som, controla as cores e aintensidade de luz da imagem etc. Tudo isso,envolvido na simplicidade das coisas e go-zando do conforto das condições que a vidamoderna pode oferecer, dependendo, eviden-temente, do poder aquisitivo de cada um.

Se voltarmos no tempo, em plena era dovapor, vamos nos deparar com um texto deWillian Shockley, escrito em 1927, retra-tando uma época em que a mecânica tinhalá os seus deslumbramentos. (Burke apudShockley, 2004, p. 26):

Nossa era é eminentemente mecânica.Viajamos de um lugar a outro a velocida-des relativamente monstruosas, falamosuns com os outros a grandes distânciase lutamos contra nossos inimigos comsurpreendente eficiência — tudo com aajuda de artifícios mecânicos.

Vinte anos depois (1947), o próprio Shoc-kley, em parceria com Jhon Bardeen e WalterBrattain, seria responsável pela invenção dotransistor, dispositivo eletrônico que levouao surgimento do circuito integrado, comobem lembra Burke. (idem, p. 27).

Shockley dividiria um prêmio Nobel defísica, em 1956, quando a miniaturizaçãode circuitos elétricos estava começando atransformar todos os aspectos de projetoe uso tecnológicos. [...] Todavia, a de-manda por transistores ainda engatinhavae só aumentou acentuadamente após oadvento do circuito integrado.

Utilizamos esta introdução apenas paradescrever como a tecnologia, na ponta deconsumo, opera a sensação de linearidade.Ao chegar no homem-consumidor, apare-lhos, equipamentos, acessórios e proces-sos promovem o bem-estar social resumidonuma comodidade inimaginável há algumasdécadas. O produto acabado esconde, emsua fetichização, uma cadeia de produçãovertiginosa que vai desde o trabalho mais“simples” do operário que regula e controlaas máquinas na linha de produção aos téc-nicos que operam os complexos equipamen-tos dos laboratórios de nanotecnologia, pas-sando pelos inúmeros pesquisadores encar-regados de planejar as formas e os conteúdosdos produtos que serão lançados como novas

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vedetes nos mais variados segmentos do con-sumo. Eis, pois, aqui, o termo mágico peloqual tudo se move: consumo. Esse aspectoé tratado por Jambeiro (1998, p. 3) quandolembra que a concepção de serviços e pro-dutos se destina à apropriação das estruturaseconômico-financeiras da sociedade.

Não importa a natureza da informação,a tecnologia necessária para transformá-la, editá-la, transportá-la ou armazená-la é a mesma, embora em certa medidapersistam métodos e qualificações dife-renciados para os processos de concep-ção e produção de serviços e produtos.Serviços e produtos estes que passarama submeter-se aos processos de apropri-ação típicos das estruturas econômico-financeiras da sociedade.

O cenário atual é caracterizado forte-mente pelas ocorrências de arranjos técnicosque produzem ininterruptas convergências.Trata-se do equacionamento de conteúdos noformato de arquivos digitais, infra-estruturade transmissão e plataforma de visualização.De acordo com Briggs (idem, p. 270), desde1990 o termo convergência é aplicado ao de-senvolvimento tecnológico digital, “à inte-gração de texto, números, imagens, sons ea diversos elementos na mídia”.

Para entendermos minimamente as vicis-situdes da convergência precisamos retomara história do desenvolvimento tecnológico dainformação. O inventário desse processo his-tórico, evidentemente, está além do que pre-tende este trabalho, mas é imprescindível ci-tar ao menos os fatos mais relevantes. A co-meçar pelo computador que, no início, fun-cionava mecanicamente. Seu protótipo foiexposto na Galeria de Instrumentos Cientí-

ficos no King’s College, em Strand (Grã-Bretanha), por seu inventor, o economistabritânico Charles Baggage. Sem o computa-dor não haveria como lançar os satélites geo-estacinários e, nem tampouco, possibilidadesde interligar as pessoas por meio da Internet.

Quando em outubro de 1957 a ex-UniãoSoviética colocou o Sputnik no ar, seu lança-mento chamou mais a atenção do que o pró-prio computador — equipamento imprescin-dível para a ocorrência daquele ato — des-pertando, segundo Briggs (idem, p.293), ogoverno norte-americano para uma corridatecnológica.

Por um breve período na história mun-dial, os satélites de comunicações, os“comsats”, impossíveis de serem lança-dos sem os computadores, atraíam maisa atenção do que os próprios computa-dores. Os satélites eram as mais fasci-nantes (alguns diriam até “sexy”) expres-sões de tecnologia depois do lançamentodo Sputinik pela União Soviética em ou-tubro de 1957, o surpreendente “acon-tecimento” que levou o governo norte-americano a encontrar uma resposta omais rápido possível.

As primeiras transmissões de programasde televisão via satélite foram enviadas em11 de julho de 1962. Futuramente o satéliteteria sua utilização ampliada para a telefonia.

Foi o lançamento do Sputinik que levou ogoverno norte-americano a investir no desen-volvimento da rede de computadores. A Ad-ministração dos Projetos de Pesquisa Avan-çada do Departamento de Defesa dos Esta-dos Unidos foi fundada em 1957 e recebeugrande injeção de verbas entre os anos de1968 e 1969, como resposta aos soviéticos.

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No início, tratava-se de uma rede limitada, aArpanet, que compartilhava informações en-tre universidades de alta tecnologia e outrosinstitutos de pesquisa.

Independentemente das visões utilitaris-tas que rivalizavam as universidades e oPentágono, havia uma preocupação tecnoló-gica com a denominada “arquitetura do sis-tema” que, segundo opinião de Briggs (idem,p.311),

Qualquer que fosse a posição vantajosa,de cima ou de baixo, era de importânciacrucial, tanto de imediato quanto a longoprazo, que a “arquitetura do sistema”(termo empregado com freqüência) dife-risse daquela construída para a rede te-lefônica. Os responsáveis pelo sistema seorgulhavam disso. Qualquer computadorpodia se ligar à Net de qualquer lugar, ea informação era trocada imediatamente,em “fatias” dentro de “pacotes”. O sis-tema de envio quebrava a informação empeças codificadas, e o sistema receptorjuntava-a novamente, depois de ter via-jado até seu destino. Esse foi o primeirosistema de dados empacotados da histó-ria.

A Internet, nos parece, representa a cul-minação de um ciclo de desenvolvimento datecnologia da informação, tanto quanto ou-tros ciclos que se completaram. Mas tal afir-mação, longe da ingenuidade e crença sim-plista, não supõe fim algum, antes, apontapara o surgimento de uma nova era, aindaque insipiente.

A nanotecnologia é um termo ainda novoe quase desconhecido no vocabulário do pú-blico. Ele deriva da escala nanométrica quedivide o metro por segmento de bilionésimo

e vem movimentando investimentos gover-namentais na ordem de bilhões de dólares emtodo o mundo.

Há cerca de 2.500 anos, filósofos gregosquestionavam sobre a possibilidade da exis-tência de “tijolos” como componentes maissimples da matéria a constituir as coisas domundo. Guardadas as especificidades e res-peitados os períodos históricos, essas elucu-brações de cunho filosófico se tornaram reaisno século XIX com a descoberta do átomo, oconstituinte fundamental da matéria que, noinício, supunha ser indivisível.

Em 1959, durante uma palestra no Insti-tuto de Tecnologia da Califórnia, o físico Ri-chard Feynman sugeriu que num futuro nãomuito distante os engenheiros poderiam pe-gar os átomos e colocá-los onde bem enten-dessem. A palestra de Feynman é tida comoo marco inicial da nanotecnologia.

Mesmo no Brasil, onde os investimentosna área são parcos, a nanotecnologia já rendefrutos. Um grupo de pesquisadores da Em-brapa, liderados pelo Dr. L. H. Matoso,desenvolveu uma “língua eletrônica”, dis-positivo que combina sensores químicos deespessura nanométrica com um sofisticadoprograma de computador para detectar sa-bores. O invento que ganhou prêmios e foipatenteado é mais sensível que a língua hu-mana.

O físico Cylon Gonçalves da Silva, ex-diretor do Laboratório Nacional de Luz Sín-crotron e idealizador do Centro Nacional deReferência em Nanotecnologia, levanta al-gumas suposições sobre os limites da nano-metria (Silva, 2004, p.3)

As aplicações possíveis incluem: aumen-tar espetacularmente a capacidade de ar-mazenamento e processamento de dados

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dos computadores; criar novos mecanis-mos para entrega de medicamentos, maisseguros e menos prejudiciais ao pacientedos que os disponíveis hoje; criar mate-riais mais leves e mais resistentes do quemetais e plásticos, para prédios, automó-veis, aviões; e muito mais inovações emdesenvolvimento ou que ainda não foramsequer imaginadas. Economia de ener-gia, proteção ao meio ambiente, menoruso de matérias-primas escassas, são pos-sibilidades muito concretas dos desenvol-vimentos em nanotecnologia que estãoocorrendo hoje e podem ser antevistos.

A velocidade do desenvolvimento na áreade nanotecnologia levou pesquisadores auma afirmação quase chocante, em março de2004, durante o EPA (Environmental Protec-tion Agency), órgão do governo dos EstadosUnidos, quando disseram que

A nanotecnologia, incluindo a nanobio-tecnologia, tem sido divulgada pelas in-dústrias e pelos governos como a pró-xima revolução industrial, a maior e amais rápida do mundo. Mais de 450 em-presas dedicadas à nanotecnologia já es-tão no mercado produzindo uma gamade produtos da ’nano velha’, como par-tículas usadas em cosméticos e atomiza-dores, e produtos da ‘nano nova’ comochips, sensores e novas formas de car-bono. É preciso que o setor industrial seempenhe para que as preocupações rela-tivas à saúde e ao meio ambiente não sedesviem do progresso da nanotecnologia.

Tais elementos oferecem condições paraque possamos supor que um novo tempotecnológico venha se forjando, caracterizado

pelo surgimento de novos produtos e ele-mentos que devem, num tempo ainda difí-cil de precisar, quebrar novos paradigmas co-municacionais e alterar os condicionantes darelação humana.

Seguramente, os profissionais, donos deempresas, estudantes da área de comunica-ção, escolas de jornalismo, bem como espe-cialistas da área, serão desafiados a produzira partir de novas concepções, em que a ca-pacidade de criação e inventividade nunca sefez tão emergente.

Considerações finaisA chamada sociedade da informação ou so-ciedade tecnológica é considerada por mui-tos autores como um fenômeno recente nahistória do homem e é mais fácil senti-lado que descrevê-la, porque o mote princi-pal de sua existência se deve a complexos fa-tores que fizeram emergir novos paradigmasna produção, recepção e percepção da infor-mação. Sobre seu advento, Jambeiro (idem,p.3) lembra que sua caracterização se dá nosanos 70: “Na base tecnológica da mudançatem estado um intenso desenvolvimento ci-entífico e tecnológico que, desde os anos 70,vem apontando fortemente para a convergên-cia entre a eletrônica, a informática e as co-municações”.

No que concerne a sua complexidade epercepção, Baitello Júnior (idem, p.11) ad-verte para o aspecto multifacetado do pro-cesso comunicativo afirmando que

[...] Com esse espectro cada vez maisamplo, ainda em crescimento exponencial,pode-se dizer que não apenas houve e estáhavendo uma explosão informacional na so-ciedade humana de nosso tempo, como tam-bém se pode dizer que a investigação da co-

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municação humana passa por uma explosãosimilar, compreendendo que apenas uma vi-são transdisciplinar poderá enxergar o objetoplurifacetado que é o processo comunicativodo homem. [...] A conseqüência mais imedi-ata é que o instrumental de que a ciência dis-punha para a investigação dos processos co-municativos seguramente não consegue maisdar conta da complexidade do objeto.

Uma das conseqüências do fenômeno darápida transformação pode se traduzir nosentimento de incerteza, marcada por inten-sas alterações históricas, como bem lembraSantaella (2003, p. 16)

Nas últimas décadas, tem havido umaconstatação constante de que estamos atra-vessando um período de mudanças par-ticularmente rápidas e intensas. Temsido freqüentemente lembrado que o últimoquarto do século XX não teve precedente naescala, finalidade e velocidade de sua trans-formação histórica. A única certeza para ofuturo é que ele será bem diferente do que éhoje e que assim será de maneira muito maisrápida do que nunca. A razão disso tudo,quase todos afirmam, está na revolução tec-nológica, uma idéia que se tornou rotineira elugar comum, nestes tempos de tecnocultura[...].

Além disso, cada vez mais, a sociedadeda informação se delimita pela fetichizaçãodo tempo. Citando Ramonet, Sylvia Mo-retzshon (2004, p.4) lembra que “não é maispossível analisar a imprensa fora da lógicado ‘tempo real’, que submete todas as for-mas e meios através das quais se pratica ojornalismo”.

Finalizamos este trabalho sugerindo queum novo tempo tecnológico vem se forjando,pressupomos uma transição do modelo dasociedade da informação ou tecnológica para

o da sociedade da nanoinformação ou da na-notecnologia. Não se trata de cunhar novaspalavras, nem tampouco de exercitar a futu-rologia. Afora o neologismo, e considerandoaquilo que já falamos sobre aspectos estéti-cos enquanto mecanismo associado aos sen-tidos, nos parece evidente a transição paraum modelo social em que o processo de co-municação vivencie novas experiências sen-soriais.

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