PEREIRA, Oswaldo Porchat. Discurso Aos Estudantes Sobre a Pesquisa Em Filosofia

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    DISCURSO AOS ESTUDANTES SOBRE A PESQUISA EM FILOSOFIA1

    Oswaldo Porchat Pereira

    Se se trata de discutir pesquisa em filosofia, a pergunta imediatamente nos acode: pesquisaem FilosofiaoupesquisaemHistria da Filosofia? A pesquisa em Histria da Filosofia tem sidofortemente desenvolvida entre ns, com profcuos resultados. Um nmero j impressionantede boas monografias historiogrficas foram produzidas por nossos professores e ps-graduados e isso e deve ser para ns um motivo de orgulho. Estamos fazendo boa Histriada Filosofia e estamos preparando nossos alunos com seriedade e rigor para serem bonshistoriadores da Filosofia. Isso no est certamente em questo e creio ser objeto de consenso.Os trabalhos de nossos alunos, os resultados que tm logrado, mesmo durante seu curso deGraduao, o mostram sobejamente, e este mesmo Encontro, que se est hoje Iniciando, disso a irrefutvel prova.

    Todos sabem que fomos formados na slida tradio historiogrfica francesa e que suainfluncia sobre ns foi extraordinariamente importante, particularmente sob a forma doassim chamado mtodo estruturalistade leitura e estudo das obras filosficas. Os nomes denossos grandes professores franceses, de Martial Guroult e, em particular, do meu saudoso eamado mestre Victor Goldschmidt, so de todos vocs conhecidos e nunca demais renovar-lhes o preito de nossa gratido. Eles nos ensinaram o rigor metodolgico na leitura,mostraram-nos como tentar reconstruir uma doutrina ad mentem auctoris. Permitam-me dizer-lhes que continuo totalmente convencido de que se trata possivelmente do melhor mtodopara lograr uma primeira hiptese interpretativa, e de um primeiro passo indispensvel paraqualquer apreenso do significado e escopo de um sistema filosfico. Um primeiro passoindispensvel e preliminar a toda anlise comparativa, a todo esforo de compreenso maisglobal, a uma interpretao posterior mais geral de uma obra que permita relacion-la com seucontexto cultural, poltico, econmico, e que propicie sua insero numa perspectiva maispropriamente histrica.

    Nesse trabalho de refazer os movimentos filosficos que estruturam uma filosofiaparticular, de apreender sua lgica interna, impe-se seguramente a necessidade metodolgicade deixar de lado as posies pessoais, os pontos de vista filosficos que eventualmente setenham, faz-se mister o esquecimento metodolgico de si prprio. E se trata, por certo, de ummtodo difcil de praticar. Ao que se acrescenta a necessidade de nos desvencilharmos dospreconceitos que se opem a um tal mtodo, proclamando, s vezes com base numaargumentao superficial, a impossibilidade de se lograr aquele desideratum. Preconceitos queasserem dogmaticamente a impossibilidade de assumirmos metodologicamente umaperspectiva menos comprometida com nossa situao particular c menos restringida pornossas limitaes histricas.

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    Texto publicado originalmente em Dissenso - Revista de Estudantes de Filosofia, Departamento de Filosofia daUSP, 1998, sob o titulo "Discurso aos Estudantes de Filosofia da USP sobre Pesquisa em Filosofia". A, ao tituloPorchat acrescentou; "Gnero: Provocatio" (nota do organizador).

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    Haveria muito a discutir sobre isso e trata-se de um assunto que mereceria uma atenotoda especial, mas no me demorarei aqui sobre esses pontos. Assumirei que, no nossocontexto especfico, a validade do mtodo historiogrfico dito "estruturalista" de investigaodas obras filosficas representa um ponto de relativo consenso.

    de outra coisa que quero falar, da pesquisa emFilosofia

    , do treinamento do jovemestudioso que resolveu fazer Filosofia, dedicar-se Filosofia e procurou para isso um curso deFilosofia. Aceitemos, ao menos para argumentar, que introduzi-lo prtica do mtodoestruturalista a melhor maneira de prepar-lo para ser capaz de tentar apreender comalguma profundidade a estrutura interna das obras filosficas que nos oferece a histria dopensamento ocidental, desde as suas origens gregas at nossos dias. A melhor maneira, porisso mesmo, de prepar-lo para se tomar um bom historiador da Filosofia. E podemos convir,sem maior discusso, em que fornecer-lhe abundantes cursos predominantemente de Histriada Filosofia sobremaneira eficaz para a consecuo de uma tal meta.

    Quero interrogar-me aqui, porm, sobre se essa e tambm a melhor maneira depreparar algum para a prtica da Filosofia, por outra inteno que no a de tornar-se um diabons historiadores do pensamento filosfico. Seus impulsos eram filosficos. Acredito que sepode dizer isso de um bom nmero de nossos estudantes. E me ocorre, ento, a seguintepergunta que formularei com alguma brutalidade: estamos contribuindo para a concretizaodesses impulsos, ou os estamos matando?

    Talvez seja o momento de comearmos a refletir sobre esse problema, de iniciarmossobre ele uma discusso longa, demorada e ponderada, reunindo estudantes e professores, quepoderia ser levada a efeito em mesas-redondas, em colquios, at mesmo em seminrios e

    cursos. Essa discusso, por que no desenvolv-la logo? Por que no, por exemplo, nosprximos meses?

    Para usar uma linguagem kuhniana2, no se estar desenhando para a nossacomunidade departamental uma perspectiva de mudana de paradigma? No estaro dadas ascondies que propiciaro uma tal "revoluo"? Talvez seja chegada a hora de nospreocuparmos um pouco mais com tentar responder a algumas perguntas que cada vez maisparecem oportunas:prepara-se algum, para a prtica da Filosofia do mesmo modo como se preparaalgum para a prtica da Histria da Filosofia? A iniciao pesquisa em Filosofia a mesma coisa

    que a iniciao pesquisa em Histria da Filosofia? O aprendizado de um mtodo rigoroso de pesquisa

    historiogrfica, do mtodo estruturalista, por exemplo, o nico ou o melhor caminho para fazerdesabrochar as potencialidades filosficas daqueles nossos estudantes que foram trazidos a um curso de

    Filosofia por sentirem sede e fome de Filosofia?

    Porque o temor que me assalta o de que, levados pela nossa segura conscincia deque a Filosofia se alimenta continuamente de sua histria, tenhamos ido longe demais naprtica da orientao historiogrfica. Que, no louvvel intuito de assegurarmos a nossosestudantes uma slida base de conhecimentos historiogrficos, de os afastarmos de umachismo inconseqente prprio dos que nunca freqentaram de perto o pensamento dosgrandes filsofos nem aprenderam a dura disciplina das lgicas internas aos grandes

    empreendimentos filosficos, tenhamos perdido de vista a meta que muitos desses estudantes -

    2 De Thomas Kuhn, Importante filsofo de cincia, norte-americano e contemporneo (nota do organizador).

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    e de ns, tambm - tinham - tnhamos - em nossos horizontes: a elaborao de uma reflexofilosfica, a compreenso filosfica de ns mesmos e do mundo.

    A luz distante que os atraa e iluminava seus primeiros passos no se ter, por nossaculpa, amortecido? No estar o mtodoesterilizando a reflexo? Talvez tenha sido at bom oexagero historiogrfico num primeiro momento. Porque se tero criado as condies para umafeliz conjugao da indagao filosfica com a conscincia da necessidade de uma boa formaohistoriogrfica. Por que no lembrar aqui. Entretanto, as vicissitudes e os ardis da dialtica?Contra a tese da metodologia historiogrfica, talvez tenha chegado a ocasio de enfatizar maisa anttese representada pela investigao criativa, na esperana de que o futuro venha a nosbrindar com alguma sntese satisfatria. De qualquer modo, mudar, parece-me, preciso.

    Quero tecer algumas poucas e breves consideraes iniciais sobre essa problemtica,propondo perguntas antes que respostas, levantando dificuldades. Tentando dizer um poucocomo as coisas me aparecem, aqui e agora, sem nenhuma pretenso de ter a verdade, de dar a

    ltima palavra. Tentando pensar em voz alta sobre o assunto com vocs.Antes, permitam-me prevenir uma m interpretao de minhas palavras. Se elas

    contm uma dimenso crtica, se me parece que uma mudana se deve operar em nossasprticas de ensino e pesquisa, se me parece que uma autocrtica a todos ns se impe, umimperativo de honestidade intelectual exige que se inclua de maneira enftica, em 'meio ao quedeve ser criticado, problematizado e revisto, a minha prpria atuao passada como professor eorientador. Os mais velhos sabem que eu fui durante dcadas um defensor intransigente danfase unilateral no ensino historiogrfico, que tenho uma dose bastante grande deresponsabilidade pela orientao que prevaleceu no Departamento de Filosofia da USP. Alis,trs quartos ou mais dos professores deste Departamento sofreram como meus alunos.

    Errare humanum est, sed perseverare in errore diabolicum, diziam os medievais. No queroter parte com o diabo. Quero ter, no momento em que caminho a passos acelerados para osmeus 70 anos, para o momento em que serei forado a deixar a universidade, a coragem derejeitar duramente meus erros passados, denunciar meus procedimentos equivocados, pedirhumildemente desculpas pelas conseqncias Infelizes que possam ter deles resultado. Etentar contribuir para que se busquem outros rumos. Para que a Histria da Filosofia, entrens, comece a dar lugar finalmente Filosofia.

    mais que evidente que no estou propondo que se minimize a importncia de cursos

    historiogrficos sobre o pensamento antigo, medieval e moderno. As disciplinas de Histria daFilosofia so o lugar natural desses cursos, seriam apenas desejvel que se privilegiassem osgrandes movimentos de pensamento que exerceram a influncia que se sabe sobre toda a nossatradio filosfica ocidental. Um mnimo de iniciao se faz sempre necessria ao platonismo,ao aristotelismo, ao ceticismo, ao platonismo e aristotelismo medievais, ao cartesianismo, aoempirismo britnico, ao kantismo, ao hegelianismo. Se no a todas essas posturas filosficas,pelo menos a uma parte considervel delas. Ainda aqui, no entanto, creio que caberia enfatizar,nesses estudos, aqueles pontos - e eles so muitos - que ainda esto presentes nas discussesfilosficas contemporneas, chamando a ateno sobre essa presena e exemplificando-a.Reconhecendo tambm que h questes sobre que se debruaram os grandes mestres que noapresentam hoje nenhum interesse para a filosofia, que pertencem ao museu das antiguidadescuriosas, que somente o especialista em historiografia filosfica das pocas passadas precisa

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    eventualmente conhecer. No verdade que o conhecimento necessrio que nossos estudantesdevem ter dos autores clssicos exija o detalhamento minucioso e oniabrangente de seussistemas.

    E cabe acrescentar que se deve dar maior ateno, nos cursos de Histria da Filosofia,aos autores contemporneos, s tendncias principais do pensamento filosfico de nossos dias,s suas vrias linhas de fora, incentivando nossos alunos a se Interessarem por elas e atrabalh-las. Porque infelizmente possvel, entre ns, terminar a Graduao em filosofia notendo lido nem trabalhado nenhum, ou quase nenhum, dos temas de que se ocupam os filsofosque neste mesmo momento esto em nosso mundo propondo seus filosofemas. Carregando umpouco nas cores, eu diria que temos demasiadamente ignorado, ou quase ignorado, algumasimportantes tendncias e autores que esto influenciando decisivamente o pensamentocontemporneo e que so objeto de estudo e discusso nas melhores universidades doOcidente.

    Deixando, porm de lado os cursos de Histria da Filosofia, em que sentido proponhoque a Histria da Filosofia, entre ns, comece a dar lugar Filosofia? Como isso se poderiafazer? Em primeiro lugar, introduzindo cursos e seminrios- e orientando trabalhos e pesquisas -,no apenas sobre doutrinas filosficas deste ou daquele autor, sobre questes internas lgicade seus sistemas, maspreferencialmente, ainda que no exclusivamente sobre problemas filosficos,sobre diferentes tratamentos e formulaes desses problemas, sobre as polmicas filosficasque os envolvem e nas quais to frtil a literatura filosfica antiga, moderna econtempornea. E a preferncia deve tambm recair, parece-me, sobre problemas que sejamproblemas para o mundo filosfico contemporneo, que sejam tratados na literatura filosfica denossos dias, introduzindo a eles os nossos alunos. Disciplinas como Introduo Filosofia,

    Moral, Esttica, Lgica, Teoria do Conhecimento, Filosofia da Cincia, Filosofia Geral,parecem-me particularmente adequadas para esse tipo de atividade (e alguns dos semestresletivos de Histria da Filosofia poderiam Igualmente ser destinados ao estudo de problemasgerais que foram relevantes para as pocas estudadas e envolveram diferentes autores edoutrinas).

    Dever-se-ia dar tambm ateno especial, porm, queles problemas filosficos que soproblemaspara nossos estudantes, questes que naturalmente os preocupam. Alias, inseridos queesto e no poderiam deixar de estarem no mundo contemporneo, muitos dos problemasdesses jovens refletem compreensivelmente parte da problemtica com que esto lidando os

    filsofos de hoje. Parece-me, por exemplo, que os problemas defilosofia moraltm a um lugarespecial. Tm acaso sido eles objeto importante de nossos cursos e atividades de ensino epesquisa? Temo sinceramente que no.

    Em segundo lugar, muito desejvel que nossos estudantes sejam fortementeincentivados, desde o incio, desde o primeiro ano, a exprimirem livremente nos seminrios, nostrabalhos e nas aulas os seus prprios pontos de vista sobre os assuntos tratados. A tomarem posio, acriticarem, a ousarem criticar, se isso lhes parece ser o caso, mesmo as formulaes dos grandesfilsofos e suas teses.

    Tenho plena conscincia de que estou quase pisando aqui num terreno minado, que minhaspalavras podem horrorizar os bem-pensantes. E eles rapidamente alinharo, parece-me,argumentos e objees inmeras, que esgrimiro solertes contra o que estou dizendo. Uma

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    dessas objees pressinto que consistir em dizer que minha proposta favorece o achismo, isto, a proliferao irresponsvel de propostas do tipo "eu acho que...", avanadas sem maiorembasamento, sem rigor, mesmo sem comprometimento responsvel de seus autores. E seacrescentar, tambm prevejo, que os estudantes, por no terem ainda suficiente formaohistoriogrfica em filosofia, proporo argumentos toscos, ignorando na maior parte das vezes

    que verses mais sofisticadas e filosoficamente mais srias das mesmas posies e argumentosque esto avanando foram formuladas de modo seguramente mais adequado e pertinente porgrandes autores. E se dir que, na falta de um sistema ordenado e mais completo de idias, nafalta de um mtodo de progresso lgico-filosfica, dificilmente podero dizer algo defilosoficamente relevante. E se dir que, antes de tentar filosofar, preciso adquirir uma slidaformao historiogrfica, conhecer bem os grandes autores (e alguns mdios e outrospequenos...), domesticar os impulsos filosofantes, cuidar de adquirir mtodo e rigor, etc.

    Se tudo isso se faz e logra, poder no futuro talvez sobrevir, ento, quem sabe, o grandeDia D, o dia de comear a pensar filosoficamente com as prprias foras...

    O que pensar dessa orientao? Primeiramente, cabe lembrar um fato simples: o de quea maioria esmagadora dos pensadores filosficos (os grandes, os mdios e os pequenos...) nose prepararam desse modo para filosofar, no adquiriram primeiro uma slida formaohistoriogrfica haurida na prtica austera do mtodo estruturalista (inventado, alis, quando javanado em anos o sculo XX: no esqueamos que a Histria da Filosofia, como tal, coisado sculo XIX) - a maioria, alis, no adquiriu uma tal formao nem primeiro nem depois, no aadquiriu nunca, eles no tiveram a felicidade de ser nossos alunos... Ter-lhes- isso causadoum grande mal? Filosofia, no esqueamos, o que eles fizeram e fazem e ns os estudamosem nossos cursos.

    E cabe recordar tambm que os gregos, afinal os pais da Filosofia, praticaramfundamentalmente o mtodo da discusso filosfica, da proposio de teses e antteses, deperguntas e respostas, de argumentos e objees. E tudo isso sobre problemas e questes quediziam respeito s preocupaes efetivas dos homens de ento. E levando em conta e tomandocomo ponto de partida as opinies professadas plos estudantes que acorriam aos cursos deFilosofia. Socrticos, platnicos, aristotlicos, cticos, neoplatnicos, a maioria, enfim,procedeu dessa maneira. E quem desconhece a prtica medieval da argumentaocontraditria, os estudantes enfrentando-se na defesa ou impugnao de teses sob a supervisodos mestres, defendendo um e outro lado nas posies e teses consideradas? Para gregos e

    medievais, para muitos modernos e para muitos contemporneos, em muitas universidades,sobretudo nos pases de lnguas anglo-germnicas, aprender a filosofar aprender a debaterteses, a sustentar pontos de vista, a impugnar pontos de vista contrrios aos que se estodefendendo.

    Afirmar que os primeiros exerccios filosficos sero forosamente toscos, desajeitados,mesmo ingnuos, proferir um trusmo banal, pois forosamente assim em todos os ramosdo saber terico, algo de anlogo tambm ocorre em todos os ramos da sabedoria prtica.Haver outra maneira de aprender a fazer algo, no campo terico ou prtico, seno comeandoa fazer e fazendo, de preferncia sob o acompanhamento e aconselhamento de um mestre,

    aquilo que se quer aprender a fazer bem? No , alis, o mesmo que ocorre no aprendizado dahistoriografia filosfica? No que concerne particularmente ao aprendizado filosfico, caber aomestre apontar as necessrias imperfeies das primeiras tentativas, sugerir leituras que

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    possam ser utilizadas como ponto de apoio para os passos seguintes, corrigir falhas deargumentao, estimular o debate filosfico entre os prprios estudantes. E, sobretudo,municiar os debates e discusses pelo recurso utilizao pontual de textos e passagens deobras filosficas apropriadas ao tratamento dos temas em questo. Alis, a impressionanteproliferao de artigos sobre as mais variadas questes filosficas na bibliografia filosfica

    contempornea fornece um material abundante e mesmo Inesgotvel que poder sempre servirde base de referncia para tais propsitos.

    certo que tudo isso torna mais rdua a tarefa do professor. Ele no poder mais limitar-se a expor os resultados de sua pesquisa historiogrfica a mostrar sua competncia notratamento erudito de certas questes. Ele dever acompanhar uma literatura filosfica maisampla e abrangente que aquela, j em si mesma vasta, exigida pelo desenvolvimento de suapesquisa. E ele no mais poder valer-se de sua autoridade magistral: em Histria da Filosofiaa autoridade parece contar muito, em Filosofia a autoridade no conta nada. Seja qual for aminha erudio historiogrfica, minha opinio filosfica conta tanto, na esfera do saber e no

    domnio das verdades filosficas, quanto a de qualquer um de meus alunos, minhasperformances"magistrais" no garantem a verdade do que eu possa afirmar. E, se queremos defato levar nossos alunos a filosofar, teremos de abdicar do desejo de brilhar, de exibir perantenossos alunos nossa capacidade retrica de construir aulas bem ordenadas, eruditas,magnificamente estruturadas, mas que so fundamentalmente estreis, ou quase isso, no querespeita a sua eficcia pedaggica para a formao filosficade nossos alunos. Professor de filosofiano tem de ser artista, aulas de Filosofia no tm de ser espetculos de arte oratria. O modeloque muitos seguimos do aggreg de Filosofia francs dos mais infelizes para o ensino daFilosofia. Nossos estudantes no devem ser tratados como basbaques que devamos deixarextasiados com a mgica de nossas palavras, o fulgor de nossa inteligncia e a manifestao

    exuberante de nosso saber e erudio...

    Ensinar a filosofar exige que se filosofe tambm. Que se tenha a coragem de pensar porconta prpria, de propor idias, de tomar posies, de fazer crticas e de receb-las. Exige quenos exponhamos publicamente, oralmente e por escrito. lamentvel que alguns historiadoresda Filosofia, ilustres e de indiscutvel valor em sua rea de pesquisa, nos tenham querido fazeracreditar que se pr a filosofar pressupe a crena na prpria genialidade. Nada conheo demais castrador do que essa tese, quando arremessada sobre a cabea de um jovem que seprope a estudar e praticar a Filosofia. Mas ela falsa. Ela to falsa em Filosofia quanto obviamente falsa em qualquer outro ramo do saber terico ou pratico dos homens. Para

    filosofar no se exige mais genialidade que a que se exige para ser astrnomo, antroplogo,engenheiro, cozinheiro ou jogador de basquete. Basta apenas que se tenha alguma inclinao,alguma capacidade e um certo amor pelo que se quer fazer. E muito til que se tenhamprofessores que saibam ajudar-nos a percorrer o caminho escolhido.

    Ensinar a filosofar exige ainda uma dose infindvel de pacincia, tolerncia e compreensopara com os que esto comeando. Exige um enorme respeitopor eles. Exige que privilegiemoso ouvi-los, o entend-los, que saibamos tranquilamente com eles conversar, sem agressividade,sem nos mostrarmos escandalizados com certas impropriedades que, como multo natural,com alguma freqncia sero levados a proferir. Os grandes carvalhos nascem pequenos, so

    de incio plantas tenras que a floresta ajuda a fazer crescer, alimenta e protege. Se as condiesde crescimento lhes so dificultadas, talvez no cheguem a se tomar as rvores potentes quetinham tudo para ser.

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    A atual gerao dos professores de Filosofia do Departamento de Filosofia da USPteve negadas todas as condies que propiciam a boa iniciao prtica da Filosofia. Seusmestres, eu sou um deles, lhas negaram todas, os prepararam apenas para que se tornassembons historiadores da Filosofia. E eles assim se tomaram, o que muito bom. Mas forameducados -ou deseducados - no temor malso da criatividade filosfica, o que foi muito mau.

    Sob esse aspecto, ns, os mestres deles, miseravelmente falhamos. Meu mea culpavem muitotarde, eu o sei. Embora da confisso da culpa se possa talvez dizer o mesmo que o poeta disseda liberdade: quae ser, tamen...

    Mas por que no mudar? Nosso Departamento rico em recursos humanos e,sobretudo, visceralmente democrtico. H muito espao nele para a discusso filosfica, apolemica filosfica sria, o debate filosfico amplo. H espao de sobra nele para a critica epara a indispensvel autocrtica. Basta abrir algumas salas que esto fechadas, as salas dadiscusso, da polmica, do debate, da crtica, da autocrtica. Disseram-me que vocs tm as chaves.

    Referncia:

    PEREIRA, Oswaldo Porchat. Discurso aos estudantes sobre a pesquisa em filosofia. In: SOUZA,Jos Criststomo de (org.). A filosofia entre ns. Iju: Ed. Uniju, 2005. 106p. (Coleofilosofia e ensino; 8)