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PERCURSOS COLETÂNEA DE TRABALHOS DO PPGA-UEL TRIÊNIO 2010-2012 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA ORGANIZADORES SONIA REGINA VARGAS MANSANO LUÍS MIGUEL LUZIO DOS SANTOS BENILSON BORINELLI

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PERCURSOSCOLETÂNEA DE TRABALHOS DO PPGA-UEL

TRIÊNIO 2010-2012

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

ORGANIZADORES

SONIA REGINA VARGAS MANSANOLUÍS MIGUEL LUZIO DOS SANTOS

BENILSON BORINELLI

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Berenice Quinzani Jordão

Ludoviko Carnascialli dos SantosVice-Reitor

Reitora

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos daBiblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

P429 Percursos / Benilson Borinelli, Luis Miguel Luzio dos Santos, Sonia Regina Vargas Mansano, organizadores. – Londrina : UEL, 2014.

253 p. : il.

Vários autores. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-308-3

1. Administração de empresas – Coletânea. 2. Universidades e faculdades – Pós-graduação. 3. Gestão de empresas. I. Borinelli, Benilson. II. Santos, Luiz Miguel Luzio dos. III. Mansano, Sonia Regina Vargas. IV. Universidade Estadual de Londrina. Centro de Estudos Sociais Aplicados. Programa de Pós-Graduação em Administração.

CDU 658

CapaNoemi Carnielli do Prado

EditoraçãoAdilson Theodo Casarin

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .........................................................................................

PARTE I: GEsTão dE oRGAnIzAçõEsAnálise de stakeholders aplicada em órgãos públicos: o caso da secretaria de estado do turismo do paraná ......................................Saulo Fabiano Amâncio Vieira; Benny Kramer Costa; João Maurício Gama Boaventura; Viviane Celina Carmona

O desafio da comunicação interna nas organizações .....................Marlene Marchiori

Compreensão do desenvolvimento sustentável em contextos organizacionais a partir do estabelecimento de tipos ideais .......Luciano Munck; Rafael Borim-de-Souza

Marketing verde e práticas socioambientais nas indústrias do Paraná ..........................................................................................................Mário Nei Pacagnan; Valéria Neder Lopes

PARTE II: PolíTIcA E GEsTão socIoAmbIEnTAlProblemas ambientais e os limites da política ambiental ...............Benilson Borinelli

Avanços e limites da política pública de economia solidária: um estudo do processo de incubagem de empreendimentos do programa municipal de economia solidária de Londrina – Paraná .........................................................................................................Benilson Borinelli; Dayanne Marciane Gonçalves; Ivan de Souza Dutra; Luis Miguel Luzio dos Santos; Thayla Emanuelle da Silva Ferreira

Teoria da complexidade e as múltiplas abordagens para compreender a realidade social ...........................................................Luis Miguel Luzio dos Santos; Edna Marta Pelosi; Bernardo Carlos Spaulonci Chiachia Matos de Oliveira

Alguns desafios colocados para a pesquisa qualitativa na contemporaneidade ..................................................................................Sonia Regina Vargas Mansano

Universidade e sustentabilidade: ensaio introdutório .................. Paulo Bassani

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PARTE III: dIssERTAçõEs dEfEndIdAs no TRênIoAs relações sociais pela gênese de uma cooperativa de catadores de resíduos sólidos urbano do norte paranaense sob a perspectiva da imersão social de granovetter (2007, 1992, 1973) Dayanne Marciane Gonçalves

Consumo sustentável, o dilema consumo e desenvolvimento sustentável: um estudo com profissionais de comunicação e marketing de Londrina –PR ...................................................................Bernardo Carlos Spaulonci Chiachia Matos de Oliveira

Competências voltadas à sustentabilidade na gestão intermediária: um estudo de caso na indústria alimentícia .........Ana Carolina Vilela de Carvalho

Ecoeficiência: competência para a sustentabilidade organizacional: um estudo estudo de caso na indústria de acumuladores de energia .......................................................................Flávio Augusto Cella-de-Oliveira

Economia solidária: uma alternativa a renda para os catadores de resíduos sólidos de Maringá ...........................................................Julimari Aparecida Bonvechio de Oliveira

O imposto sobre circulação de mercadorias e serviços ecológico na região de Londrina: resultados, limites e avanços ...................Lívia Maria dos Santos

Processos comunicacionais e sustentabilidade na cia. alfa de alimentos ...................................................................................................Morgana Lemos Monteiro de Oliveira Batistella

Relações de poder e regulação ambiental: um estudo da Klabin-PR (1970-2002) ...........................................................................................Mauro Guilherme Maidana Capelari

Sobre os autores .......................................................................................

Créditos ......................................................................................................

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APRESENTAÇÃO

O Curso de Administração da Universidade Estadual de Londrina mantém o intenso esforço de promover a pesquisa científica, estimulando a criticidade bem como a capacidade de debater e de propor alternativas mais democráticas, justas e sustentáveis diante dos problemas que a vida atual nos coloca. Um marco importante nesse sentido foi a criação, em 2010, do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA), que tem como área de concentração a “Gestão e Sustentabilidade”, sendo um dos únicos do país com esse foco. É importante ressaltar que apenas 2,5% dos cursos de Administração do Brasil possuem cursos de mestrado e que no interior do Paraná são apenas dois.

Dessa maneira, a presente coletânea faz parte de um esforço coletivo no sentido de marcar o primeiro triênio do PPGA (2010-2012), compartilhando algumas produções elaboradas por professores e alunos. O objetivo da coletânea é reunir e disseminar a produção expressiva do programa, ou seja, aquela que retrata a trajetória dos grupos de pesquisa integrantes do PPGA. Com isso esperamos oferecer uma fonte de referências consistente sobre o trabalho desenvolvido, temas e abordagens de pesquisa eleitos e tendências do programa ao longo do tempo. Acreditamos que a coletânea poderá contribuir significativamente para disseminar o conhecimento produzido pele programa junto a comunidade interna e externa.

Trata-se de uma proposta inovadora que busca trabalhar com a questão da Sustentabilidade dentro de uma perspectiva multidisciplinar, envolvendo a participação pesquisadores das áreas de Administração, Comunicação, Estatística, Psicologia, Ciências Sociais e Contabilidade. A compreensão dos acontecimentos sociais, a partir de distintos olhares e pontos de vista, enriquece o programa e permite maior consistência na análise das múltiplas conquistas e crises que povoam a contemporaneidade.

A área de Administração é frequentemente reconhecida pela sua perspectiva acrítica e de pseudoneutralidade e prescritivista, como se

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trabalhasse com verdades finais, inquestionáveis e reduzidas unicamente a indicadores técnicos de eficiência e perfomatividade econômica. É comum reduzir-se essa área de conhecimento a um conjunto de ferramentas técnicas, afastadas de uma visão crítica, que apenas reproduz e alimenta as iniquidades do sistema socioeconômico vigente. Essa posição tradicional esconde contradições, jogos de poder e subjetividades, sendo incapaz de dialogar com outros saberes que não venham a reforçar suas “certezas”. Isso se evidencia no desprezo por modelos organizacionais alternativos que fogem à lógica heterogestionária tradicional e que avançam em proposições mais democráticas e sustentáveis, muitas ainda limitadas ao plano experimental, mas que apontam para novas possibilidades institucionais. Nas últimas décadas, ao mesmo tempo em que se assistiu à crise do paradigma hegemônico “positivista/funcionalista” e à ascensão do gerencialismo (pop-management) na área, abordagens críticas e qualitativas ganharam terreno, abrindo novas perspectivas para a análise do fenômeno organizacional e para o pensamento de alternativas à crise socioambiental contemporânea.

Essas são algumas das questões que perpassam esta coletânea que busca ultrapassar o mainstream e acolher a multiplicidade de arranjos e pluralidade de perspectiva que envolve o universo das organizações. Optamos, então, por trabalhar com propostas díspares, dentro de um campo extremamente amplo e heterogêneo, que envolve empresas privadas, instituições públicas, organizações sociais e cooperativas, tendo em vista que cada uma delas desdobra-se numa infinidade de modelos e arranjos, o que aumenta a complexidade das investigações e a riqueza de análises propostas por esse campo amplo de conhecimento.

A disposição dos textos que compõem a presente coletânea segue a trajetória histórica do PPGA, que é constituída em duas linhas de investigação. Acompanhando essa organização do programa, a coletânea foi dividida em três partes. A primeira, denominada “Gestão de Organizações”, agrega textos dos docentes que pertencem à linha de pesquisa de mesmo nome. Nessa parte, os docentes Saulo Fabiano Amâncio Vieira, Marlene Marchiori, Luciano Munck e Mário Nei Pacagnan, juntamente com os

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coautores Benny Kramer Costa, João Maurício Gama Boaventura, Viviane Celina Carmona, Ivone de Lourdes Oliveira, Rafael Borim-de-Souza e Valéria Neder Lopes, tematizam questões referentes à gestão em contextos públicos e privados.

Na segunda parte, compostas pelos estudos realizados na linha “Política e Gestão Socioambiental”, os docentes Benilson Borinelli, Luis Miguel Luzio dos Santos, Ivan de Souza Dutra, Sonia Regina Vargas Mansano e Paulo Bassani, acompanhados dos coautores Juarez Paulo Tridapalli, Maria Fátima Sales de Souza Campos, Cristiane de Castro, Dayanne Marciane Gonçalves, Thayla Emanuelle da Silva Ferreira, Edna Marta Pelosi e Bernardo Carlos Spaulonci Chiachia Matos de Oliveira, trazem artigos que adotam uma abordagem crítica da sustentabilidade, salientando aspectos orçamentais, políticos, metodológicos e sociais.

A terceira parte, denominada “Dissertações Defendidas no Triênio” apresenta o conjunto das dissertações defendidas no triênio 2010 – 2012, no formato de resumo, que tem por objetivo compartilhar os estudos e análises empreendidos por nossos alunos em parceria com seus orientadores.

O que buscamos no decorrer desses anos de trabalho, e que culmina com a publicação da presente coletânea, foi acolher o desafio de produzir conhecimentos situados e não simplesmente reproduzir velhas fórmulas, abrindo-nos para inovar, propor, questionar e arriscar. Como integrantes de uma universidade pública, necessitamos e desejamos nos posicionar criticamente para elaborar análises e respostas múltiplas às demandas colocadas pela sociedade, cumprindo com empenho e qualidade os objetivos de uma instituição pública que está comprometida com a sustentabilidade e com a democratização do conhecimento dentro de uma perspectiva integral e sistêmica.

Por fim, registramos que esta coletânea resulta do trabalho coletivo de um grupo de professores, mestrandos e parceiros do PPGA, aos quais fica o registro de agradecimento pelo esforço e entusiasmo. Também cabe o agradecimento aos editores dos diversos periódicos que autorizaram a publicação, nesta coletânea, de artigos já divulgados em suas respectivas revistas.

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Desejamos que os estudos aqui apresentados sirvam para tornar públicas as produções realizadas em nosso programa e colaborem para que novos pesquisadores juntem-se a nós, acolhendo o desafio de pensar as questões referentes à sustentabilidade em uma perspectiva política e transformadora.

Setembro de 2014

Sonia Regina Vargas MansanoLuis Miguel Luzio dos Santos

Benilson BorinelliOrganizadores

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PARTE I: Gestão de Organizações

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Análise de stakeholders aplicada em órgãos públicos:o caso da secretaria de estado

do turismo do paraná

Saulo Fabiano Amâncio Vieira Benny Kramer Costa

João Maurício Gama Boaventura Viviane Celina Carmos

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a atuação dos stakeholders no desenvolvimento de atividades estratégicas da Secretaria de Estado do Turismo do Paraná - Setu, verificados sob a óptica da teoria do stakeholders. Para tanto realizou-se ainda uma revisão acerca da teoria dos stakeholders descrevendo sua evolução conceitual e modelos de análise utilizados. Em relação ao delineamento da pesquisa tem-se que a mesma se caracteriza pela aplicação de uma pesquisa exploratória, qualitativa, desenvolvida por meio de um estudo de caso único, representado pelo órgão estadual de turismo do Paraná – Setu. No que tange a quem são os stakeholders da Setu verificou-se que aqueles que possuem maior relevância foram identificados uma listagem com 8 instituições pertencentes ao Conselho Consultivo do Turismo do Paraná. Conclui-se que a atuação dos stakeholders junto a definição das políticas e estratégias da Setu ocorre via Conselho Consultivo o Turismo e suas cinco Câmaras Temáticas. Foi verificado ainda que muitos dos membros do Conselho ainda possuem baixa participação nestes órgãos colegiados, porém há uma evolução de sua participação desde a sua criação no ano de 2003.

Palavras-chave: Teoria dos stakeholders; turismo; estratégia.

Introdução

Ao longo dos últimos 46 anos tem sido definido e, por conseguinte, estudado com maior ênfase o termo stakeholders, envolvendo diversos periódicos acadêmicos de renome internacionais como Business Ethics Quartely, Critical Perspectives in Accounting, Academy of Management Review e Academy of Management Journal dentre outras, que têm se dedicado a elaboração e discussão do assunto, assim como tem lançado diversos questionamentos na área (FRIEDMAN e MILES, 2006).

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Na literatura gerencial a temática sobre stakeholders vem sendo abordada a partir da publicação de Richard E. Freeman em 1984, Strategic Management: a Stakeholder Approach (1984). Desde então a gestão dos stakeholders é freqüentemente apontada como um fator crítico de sucesso. A definição clássica de stakeholder é “qualquer grupo ou pessoa cujos interesses podem afetar ou ser afetados pelas realizações dos objetivos de uma organização” (Freeman 1984 p. 46). Freeman (1984) relata ainda que a suposição principal da teoria dos stakeholders é aquela onde a eficácia da organização é medida por sua habilidade de satisfazer não somente os acionistas, mas aqueles que têm um vínculo com a organização. No que se refere às definições do termo stakeholders, 55 delas foram levantadas em 75 publicações, entre os anos de 1963 e 2003, por Friedman e Miles (2006); sendo que todas tomam a organização como o centro das discussões. Quanto aos trabalhos realizados sobre o tema stakeholders, Laplume, Sonpar e Litz (2008) ao elaborarem um estudo sobre a literatura teórica e acadêmica produzida sobre os stakeholders, apontam a necessidade de mais investigação empírica em um vasto conjunto de organizações, um maior número de pesquisas qualitativas para documentar aspectos cognitivos da forma como gestores respondem a expectativas dos stakeholders, e um retorno às teorias que dão ênfase aos benefícios estratégicos da gestão dos stakeholders, com uma visão mais ampla em relação ao desempenho das organizações.

Estes aspectos, em seu conjunto, têm contribuído para a evolução dos estudos relacionados ao tema stakeholders, assim como permite induzir a realização de novos trabalhos em organizações e setores econômicos até então pouco explorados ou sem ter sido alvo de qualquer estudo em relação à atuação de seus stakeholders, podendo ser aplicado na análise do setor turístico em organizações públicas.

Ao se analisar o setor do turismo, observa-se que em nível mundial o mesmo tem se destacado pela sua participação no PIB e pelo volume de empregos gerados. Conforme relatórios da World Travel & Tourism Council – WTTC (2010), as estimativas para 2010 no mundo são que o negócio de viagens e turismo gere US$ 7,542 bilhões em atividades econômicas. Em

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relação ao Brasil, o setor de viagens e turismo encontra-se em 13° lugar na classificação mundial em números absolutos (EMBRATUR, 2007) bem como espera-se que o país gere US$ 133 milhões de acordo com os dados da WTTC (2010). Ao considerar dados referentes aos investimentos públicos dos países a previsão é de que o Brasil invista em 2010 cerca de US$ 11,025 milhões. WTTC (2010)

No Brasil, no ano de 2003 ocorreu a criação de um Ministério exclusivo para o Turismo, Ministério do Turismo - Mtur, refletindo assim a importância que o segmento está conquistando no país. Teve como marcos a elaboração do Plano Nacional de Turismo, bem como o setor teve sua importância ratificada em termos estaduais no mesmo com a implementação de Secretarias de Estado, que mais especificamente no Paraná foi criada a Secretaria de Estado do Turismo do Paraná – Setu. Esta Secretaria tem como principal objetivo planejar o desenvolvimento do Turismo no Paraná, através da estruturação de uma Política Estadual de Turismo conjuntamente com o trade turístico local (PARANÁ, 2008). Ou seja, conjuntamente com a estruturação tanto do Ministério do Turismo quanto da Setu, tinhase implícito neste processo o trabalho dos diversos stakeholders para a definição, implementação e acompanhamento das estratégias públicas do turismo no Paraná.

Desta forma, a necessidade de maior participação e compreensão nos processos decisórios pelos stakeholders do setor turístico, relacionados à sua dinâmica de atuação na condução de atividades estratégicas pode ser transposta para o setor público que possui estreita convivência com as incertezas que emanam do ambiente e que necessitam ser incorporadas nas ações organizacionais. Deste modo, o trabalho é proposto no sentido de preencher lacunas, no que se refere a carência de estudos na área de gestão turística, mais especificamente sobre a atuação dos stakeholders no desenvolvimento de atividades estratégicas da Setu, onde se pretende observar, compreender e delinear suas experiências.

Tendo como base o exposto acima, a presente pesquisa tem como objetivo analisar a atuação dos stakeholders no desenvolvimento de atividades estratégicas da Secretaria de Estado do Turismo do Paraná

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- Setu. Para tanto se formulou as seguintes questões de pesquisa: Quem são e quais as características dos stakeholders? Quais são seus recursos e motivações? Como se dá a atuação dos stakeholders na perspectiva da Setu?

Para tanto o presente artigo esta estruturado em Introdução, revisão de literatura, procedimentos metodológicos, apresentação e análise dos dados e finaliza com as considerações finais.

Teoria dos stakeholders: evolução conceitual e modelos

Diversos estudiosos têm abordado ao longo dos anos temas e pesquisas relacionados à análise dos stakeholders tais como: Freeman (1984); Friedman e Miles (2006); Mitroff (1983); Mitchell et al (1997); Reed, Graves e Dandy (2009); Prell, Hubacek e Reed (2009); Lambert, Pajunen e Parvinen (2008); Medilanski, Chuan e Mosler (2007); Hermans e Thissen (2009); Reed (2008); e Friedman e Mason (2004).

Freeman (1984) mostra que a descrição dos tipos de stakeholders, pelo ponto de vista da firma, corresponde aos seguintes atores: proprietários, defensores dos consumidores, consumidores, competidores, mídia, empregados, grupos de interesses especiais, ambientalistas, fornecedores, governantes e as organizações comunitárias locais.

Conforme descrevem Friedman e Miles (2006) as definições de stakeholder geralmente esclarecem o conceito de stakeholder das seguintes formas: (a) Inicialmente, indicam o tipo de conexão entre organizações e stakeholders, que normalmente fica evidente por um verbo, como, por exemplo, o emprego do verbo afetar na definição de Freeman (1984), que pode ser classificado como amplo, enquanto outras definições também possuem verbos amplos e relativamente neutros como impactar, influenciar, interagir; (b) Entretanto, alguns verbos descrevem mais precisamente o tipo de relação, como responsabilizar, apoiar, depender, dar significado, arriscar algo de valor ou investir, (revelando os interesses).

Freeman (1984, p. 131) também descreve o processo de formulação de estratégias para os stakeholders que se centram nos seguintes pontos:

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(1) análise de seu comportamento; (2) explanação de seu comportamento; (3) análise de coalização; (4) estratégicas genéricas (avaliação das forças estratégicas); (5) programas específicos para os stakeholders; e (6) programa de integração dos stakeholders.

Para Mitroff (1983, p. 36) os tipos detalhados de adequação que caracterizam o comportamento dos stakeholders devem ser subdivididos nas seguintes categorias: As propostas e as motivações; Os recursos impostos, que podem ser: material, simbólico, físico, status, informacional, habilidade; Conhecimentos específicos e opiniões; Comprometimentos de ordem legal e de outros tipos; Relacionamentos com outros stakeholders no sistema em virtude do poder, autoridade, responsabilidade e controle.

Contribuindo para uma teoria geral da identificação dos stakeholders, Mitchell et al (1997) apresentam a proposição de um modelo sustentado em três dimensões: “(1) o poder dos stakeholders de influenciar a empresa, (2) a legalidade do stakeholder no relacionamento com a empresa, e (3) a urgência do stakeholder de reivindicação na empresa”. As bases das três dimensões são tratadas como segue. Gomes (2004) descreve a percepção de Mitchell et al (1997) da seguinte maneira: Poder: sugeriu que o poder fosse provável resultar de três dimensões contextuais: poder normativo, poder coercitivo, e poder utilitário. Urgência: a urgência possui muitos significados, mas nos termos de gerência de stakeholders pode-se ver em conseqüência da sensibilidade e da criticidade do tempo. Legalidade: considerada uma dimensão crítica na identificação de um stakeholder, verifica-se que, as vezes, um ator tem uma estaca na organização mas esta demanda é nem legal nem moral (somente os atores que têm estacas legítimas devem ser considerado stakeholders). Para tal, definem a legalidade como “uma percepção generalizada ou suposição que as ações de uma entidade são desejáveis, apropriado, ou aproprie dentro de alguns sistemas social construídos de normas, de valores, de opinião, e de definições”.

Reed, Graves e Dandy (2009), comentam que a análise de stakeholers significa muitas coisas aos povos diferentes. Destacam que os vários métodos e aproximações foram desenvolvidos nos campos diferentes para finalidades diferentes, conduzindo à confusão sobre o conceito e a prática

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da análise. Para tanto os autores formularam a seguinte questão: como e porque a análise de stakeholders deve ser conduzida para a pesquisa de gestão participativa dos recursos naturais? Os autores discutem a base teórica normativa e instrumental para a análise de stakeholders, e uma tipologia da análise da parte interessada é proposta. Isto consiste em métodos para: i) identificar stakeholders; ii) diferenciar os mesmos categorizando-os; e iii) verificar relacionamentos de investigação entre stakeholders. Estes métodos e aproximações são ilustrados então com uma série de estudos de caso financiados com o programa da economia rural e da utilização da terra (RELU). Estes estudos de caso mostram a escala ampla dos métodos participativos e não-participativos que podem ser usados, e discutem alguns dos desafios e das limitações de métodos existentes para a análise da parte interessada.

Para Prell, Hubacek, e Reed (2009) o uso crescente da análise da parte interessada na gerência de recurso natural reflete um reconhecimento crescente que as partes interessadas possam e devam influenciar a tomada de decisão ambiental. Para os autores a análise dos stakeholders pode ser usada para evitar conflitos, assegura-se que a marginalização de determinados grupos não esteja reforçada, e para representar razoavelmente interesses diversos. Foi realizado um estudo de caso No Parque Nacional no Reino Unido, onde foi usada a análise de rede social para informar a análise da parte interessada. Esta informação auxiliou a identificar que indivíduos e categorias de parte interessada postaram papers fundamentais na rede e quais eram mais periféricos. Tal procedimento contribuiu para as etapas seguintes de seleção da parte interessada, as extremidades do artigo com uma discussão nas forças e limitações a se combinar a análise de rede social com a análise de stakeholders.

Lamberg, Pajunen e Parvinen (2008) disponibilizaram um modelo de processo explanatório da gerência de stakeholders. O modelo mostra como e porque a dependência de recursos é manifestada em edições de gerência de stakeholders. Para tanto realizou-se um estudo de caso longitudinal na United Airlines e na fusão abandonada de vias aéreas dos EUA de 2000-2001. Segundos os autores a análise demonstra que

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as circunstâncias iniciais estão acentuadas pela seqüência de ações, oferecendo uma explanação plausível para resultados do processo, ou seja, devem-se analisar os enlaces dos mesmos durante iniciativas estratégicas para que não haja agravamento de conflitos durante o processo.

Medilanski, Chuan e Mosler (2007) conduziram um estudo das barreiras institucionais a introduzir a separação de esgoto na área urbana de Kunming, China. Com base em uma análise de stakeholders, foram construídos os diagramas que mostram a importância relativa do poder de tomada de decisão e do interesse sobre o assunto. Os resultados da tomada de decisão foram avaliados por todos os stakeholders. Os autores concluíram que embora um número de stakeholders preliminares tivesse um grande interesse na separação do esgoto em um contexto urbano, a maioria das partes interessadas chaves era relutante a esta idéia. Em termos metodológicos foi desenvolvido uma aproximação para corroborar uma análise com a percepção dos stakeholders por eles mesmos. Os autores concluíram que o desacordo com a suposição da maioria de teorias da política, stakeholders locais consideram caminhos informais da decisão de grande importância.

De acordo com Hermans e Thissen (2009) os analistas da política de interesse público usam os métodos enraizados dentro OU e a análise de sistemas para suportar desenvolvedores de política em seu julgamento. Em fazer assim, a maioria dos analistas de políticas reconhecem o valor de alguma compreensão do papel dos atores em processos políticos. Os métodos diferentes estão disponíveis para ajudar a tal compreensão e, embora todo o foco em atores, tenham diferenças importantes entre eles. A introspecção na escala de métodos disponíveis e de suas características ajudará assim analistas de políticas a aprender mais sobre o potencial e as limitações envolvidos em analisar processos incluindo vários agentes. O presente trabalho forneceu tal visão geral, baseada nas exigências que os principais métodos devem cumprir. Esta visão geral é usada para discutir algumas das implicações para os analistas de política que estão interessados em analisar os processos incluindo vários agentes, se centrando especificamente sobre trade-offs entre a qualidade analítica e a usabilidade prática.

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De acordo com Reed (2008) os problemas ambientais exigem uma tomada de decisão flexível e transparente sendo que a participação dos stakeholders tem sido utilizada cada vez mais e encaixado na política nacional e internacional. A revisão do autor segue primeiramente o desenvolvimento de aproximações participativas em contextos disciplinares e geográficos diferentes, e revê as tipologias que podem ser usadas para categorizar e selecionar métodos participativos. Revê então a evidência para benefícios normativos e pragmáticos da participação, e avalia limitações e inconvenientes. Oito características da participação da melhor prática são identificadas então de uma análise sustentada na teoria. Reed discute ainda que a participação do stakeholder precisa ser sustentada por uma filosofia que vise a concessão, a equidade, a confiança e a aprendizagem. Onde relevante, a participação deve ser considerada o mais cedo possível e durante todo o processo, representando stakeholders relevantes sistematicamente o processo precisa ter objetivos desobstruídos no início, e não deve negligenciar a necessidade para altamente - simplificação hábil. Ao final o autor relata que para superar muitas de suas limitações, a participação dos stakeholders deve ser institucionalizada, criando as culturas organizacionais que podem facilitar os processos onde os objetivos são negociados e os resultados são necessariamente incertos. Nesta luz, os processos participativos podem parecer muito arriscados, mas está crescendo a evidência que se bem-desenvolvidas, estes riscos percebidos podem ser tomada boa do valor.

Friedman e Mason (2004) destacam que para analisar a política da tomada de decisão do desenvolvimento econômico deve-se centrar sobre participantes e seus interesses. O presente trabalho dos autores detalha o modelo da análise de stakeholders desenvolvido dentro dos estudos organizacionais por Mitchell, Agle e Wood, para o uso entre formuladores e investigadores de política. Demonstrando o modelo através da introdução dos subsídios para a construção de facilidades de esportes da liga principal, um mapa de stakeholders é criado para avaliar o ambiente constitutivo baseado no grau a que as partes interessadas possuem atributos da legalidade, do poder e na urgência. Com este mapa, os vários fatores situacionais são avaliados para demonstrar a utilidade da análise

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da parte interessada para que os responsáveis pelas decisões controlem estratègicamente os grupos constitutivos e expliquem os resultados do caso e a maneira em que as políticas são determinadas. Embora os resultados sugiram que os responsáveis pelas decisões focalizem seus recursos nas partes interessadas que possuem todos os três atributos, monitorar o ambiente é essencial.

Assim, na presente pesquisa buscar-se-á utilizar-se dos pressupostos teóricos expostos acima para elucidar os objetivos propostos na mesma.

Procedimentos metodológicos

Em relação ao delineamento da presente pesquisa, a mesma utiliza-se de métodos qualitativos com fins descritivos com uma etapa inicial exploratória, desenvolvida via um estudo de caso. Pela perspectiva de uma pesquisa qualitativa, o pesquisador deve ir a campo, buscando “captar” o fenômeno em estudo, a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes (GODOY, 1995). Para Richardson (1989), a pesquisa qualitativa possibilita estudar de forma adequada a natureza dos fenômenos sociais. Minayo (1996) complementa que através dos estudos qualitativos é possível uma melhor compreensão da complexidade dos fenômenos sociais, bem como os seus significados.

Para Godoy (1995), uma pesquisa é descritiva quando os dados coletados são apresentados através de transcrições de entrevistas e anotações de campo, nunca sendo expressos de forma quantitativa ou numérica. Triviños (1995) define um estudo descritivo como sendo aquele que o pesquisador pretende conhecer uma comunidade, seus traços característicos, seus valores, etc. Tais características se fazem presente na pesquisa considerando que a mesma visa compreender e descrever como ocorre a atuação dos stakeholders na perspectiva da Setu.

A pesquisa possui ainda caráter exploratório em função de se desejar um melhor conhecimento e delineamento dos atores atuantes na atividade do turismo à luz da metodologia de análise dos stakeholders.

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Segundo Yin (2001), “em geral os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos” (YIN, 2001, p. 19). Tem-se que o objetivo da pesquisa é analisar como ocorre a atuação dos stakeholders bem como o pesquisador possui pouco controle do fenômeno.

A coleta de dados para a realização de um estudo de caso pode se basear em inúmeras fontes. A variedade de evidências, um banco de dados das evidências e o encadeamento das mesmas, aumentarão substancialmente a qualidade do estudo de caso (YIN, 2001), sendo possível estudar de maneira mais minuciosa o fenômeno desejado. No caso do presente estudo, as informações colhidas foram a partir de dados primários e secundários.

Sobre o método de pesquisa qualitativa, desenvolvendo a partir do encaminhamento de um estudo de caso, seguindo parâmetros preconizados por Yin (2001), ou seja, precisar sua pergunta de pesquisa, fazer um levantamento da literatura pertinente, elaborar uma fundamentação teórica a partir deste levantamento e preparar um plano detalhado de pesquisa. O caso escolhido para o estudo e aprofundamento nesta investigação, compreendeu a Secretaria de Estado do Turismo do Paraná – Setu por ser o órgão máximo do turismo na administração pública estadual. Sua escolha foi feita de forma intencional, levando-se em consideração a facilidade de acesso e a importância deste organismo para a economia regional na qual esta localidade esta inserida.

Foram realizadas entrevistas com os principais dirigentes do órgão investigado, por meio de um roteiro de entrevistas semi-estruturado, focado, e composto de questões abertas (GASKELL, 2002). Neste procedimento, será introduzido o tópico e a partir daí a discussão será guiada por um conjunto de questões específicas. Todas as considerações relevantes obtidas através da análise documental foram registradas nas páginas de anotação de campo, sendo que se somando às entrevistas realizadas, complementaram as informações obtidas. Os resultados obtidos a partir das entrevistas e da análise documental foram inicialmente

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verificados caso a caso, ou seja, individualmente, por cada pergunta feita. Em seguida a análise foi agrupada no sentido de responder e atender a cada uma das perguntas de pesquisa.

A organização pesquisada corresponde a Secretaria de Estado do Turismo do Paraná, órgão responsável pelas políticas e gestão do turismo estadual e o processo de entrevistas ocorreu entre junho de 2009 e março de 2010. Foram entrevistadas e consultadas seis pessoas da secretaria a saber: Secretário de Estado do Turismo, Chefe de Gabinete da Setu, a Coordenadora de Planejamento e uma técnica da Coordenadoria de Assuntos Institucionais ambas Setu, o Presidente e um Diretor da Paraná Turismo. Todos têm curso superior bem como com experiências em formulação de políticas e gestão do turismo na esfera pública.

Quanto as características da organização investigada, foram analisadas as respostas provenientes das entrevistas e as verificações realizadas nos documentos fornecidos pela organização, como atas do Conselho Consultivo do Turismo e suas Câmaras Temáticas, planos pluri anuais dentre outros.

Para análise dos dados utilizou-se a Análise da Enunciação proposta por Minayo (1996) que atendeu às necessidades e as peculiaridades desta pesquisa. Neste caso, os viéses de interpretação diminuíram, na medida em que a análise dos dados foi feita em conjunção com outras percepções. A partir dessa metodologia proposta por Minayo (1996, p. 206-208), a seguir apresenta-se uma sinopse dos trabalhos de análise de conteúdo que foram desenvolvidos nesta pesquisa: 1. foram realizadas as transcrições das entrevistas; 2. foi observado que, para os propósitos deste trabalho, a qualidade do material colhido é mais relevante do que a sua quantidade e que cada fala é uma unidade básica; 3. foi realizada uma primeira leitura atenta e em profundidade de todas as falas transcritas, procurando contextualizar o que foi relatado pelo entrevistado; 4. foi realizada nova leitura do material; 5. foram apartadas as falas similares, juntando-as em blocos distintos, reservando espaços suficientes para futuras anotações; 6. buscou-se o significado explícito de cada uma das falas transcritas; 7. a análise foi encerrada quando os dados começaram a se repetir.

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Tem-se então que ao término das entrevistas, foram realizadas as transcrições dos dados gravados, bem como a análise das informações coletadas, sendo basicamente de caráter qualitativo. Todas as considerações relevantes obtidas através da análise documental foram registradas nas páginas de anotação de campo, sendo que se somando às entrevistas realizadas, complementaram as informações obtidas.

O caso da secretaria de turismo do Paraná

Nesta seção é apresentada a descrição geral do caso, bem como as análises e discussões dos resultados oriundos das entrevistas e da análise documental efetuado.

4.1 Breve Histórico da Criação da Setu

Conforme dados da Setu (2009) as primeiras tentativas de organizar e incentivar o turismo no Paraná, datam do período entre 1932 - 1945, quando Manoel Ribas era Interventor. A única iniciativa que se tem notícia, é a de um grupo de curitibanos que tentou estabelecer na Ilha do Mel um clube náutico que, entretanto não tardou a desaparecer, devido a ocupação da Ilha pela marinha, graças a sua posição estratégica durante a Segunda Guerra Mundial.

Na época foi criado o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP), a exemplo do que ocorria em outros estados da Federação, nos mesmos moldes do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado no Estado Novo por Getúlio Vargas. PARANA (2009).

De acordo com PARANA (2009) com o processo de redemocratização do país e o término da Segunda Guerra Mundial, a imprensa voltou à suas atividades normais, o DEIP teve que se adaptar às novas condições políticas, passando a denominar-se Departamento Estadual de Informações, incumbido de suprir a imprensa com as notícias oficiais e de promover a

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divulgação das realizações do governo. A evolução não parava. Havia uma necessidade de divulgar o Estado a nível tanto interno como externo, com o objetivo de prender e atrair correntes migratórias bem como capital, para ocupação e conseqüente desenvolvimento regional. Em 1953 foi criada a Câmara de Expansão em substituição ao DEIP, esta manteve a Divisão de Turismo, subordinada à Secretaria do Governo. A ação da CEE (Câmara de Expansão Econômica) preocupou-se mais em divulgar os pontos turísticos, além de dar continuidade as obras iniciadas pelo antigo DEIP.

Em 1966 surgiu o Departamento de Turismo e Divulgação, ficando o Departamento de Turismo vinculado à Secretaria de Viação e Obras Públicas e o de Divulgação agregado ao Serviço de Imprensa do Palácio do Governo. Pouco tempo depois, o Departamento de Turismo desmembrou-se e passou a constituir um departamento autônomo dentro da Secretaria de Viação e Obras Públicas. Elaborou-se então um Plano Geral de Turismo mas que não chegou a ser implantado, principalmente por faltas de verbas. SETU (2009)

Após este Departamento de Turismo, foi criada a Secretaria Extraordinária do Comércio e Indústria e o Turismo passou a ser vinculado à mesma, por curto espaço de tempo, ficando em seguida afeto à Secretaria do Governo, de onde partiu a idéia da criação de um Conselho e da Empresa Paranaense de Turismo.

Assim tem-se que a partir do início da década de 1960 o setor do turismo passou a ter vinculações formais conforme será melhor detalhado posteriormente.

Atualmente, conforme descrito no Plano de Desenvolvimento do Turismo no Paraná 20082011, o Estado do Paraná ocupa uma área de 199.554 km², tendo 10,5 milhões de habitantes. Possui 34,6% da região Sul do Brasil e 2,3% do território nacional. Sua divisão política compreende 399 municípios, onde se destacam Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel, Ponta Grossa, Guarapuava, Foz do Iguaçu e Paranaguá.

Conforme dados de Paraná (2008) as regiões turísticas vão desde Natureza e história no Litoral; progresso e humanismo na capital, com o bucolismo e pujança da sua região metropolitana; cultura, mistério e

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tranqüilidade nos Campos Gerais; os pinheiros e as cachoeiras gigantes no Centro-Sul; a expansão da agroindústria e da agropecuária no Norte, Noroeste e Sudoeste; e os campos cultivados da Região Oeste com as empolgantes Cataratas e o gigantismo de Itaipu em Foz do Iguaçu, fazendo o “Paraná de Todos os Roteiros”.

Tem como orientação geral da Política Estadual de Turismo o processo de municipalização e regionalização do Turismo. No período de 2003-2007 o fluxo de turistas foi da ordem 7,3 milhões de pessoas, cresceu 29% de 2002 a 2006. A receita gerada com o turismo no Paraná atingiu o montante de U$1,5 bilhão, crescendo mais do que 60% no mesmo período. Por sua vez, a oferta turística foi ampliada na ordem de 50%. Hoje o mercado turístico disponibiliza mais de 90 roteiros turísticos no Paraná, que passam pelos pólos turísticos – Curitiba e Foz do Iguaçu – bem como em novas opções no interior do Estado.

Analisando as características dos stakeholders

Nesta seção é realizada a análise das duas questões de pesquisa propostas a saber: Quem são e quais as características dos stakeholders e Quais são suas motivações e recursos disponíveis.

Identificando os Stakeholders e a Evolução de sua Participação

Em relação a identificação dos stakeholders da Setu verificou-se, a priori, que são as instituições que se fazem presentes no Conselho Consultivo do Paraná, ou seja, 44 membros, conforme lista a seguir:

ABAV/PR – Associação Brasileira de Agências de Viagens; ABBTUR/PR – Associação Brasileira de Bacharéis em Turismo; ABCMI – Associação Brasileira dos Clubes da Melhor Idade – PR; ABEOC/PR – Associação Brasileira de Empresas de Eventos; ABETA – Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura; ABGTUR - Associação Brasileira dos Guias de Turismo; ABIH/PR – Associação Brasileira da Indústria de Hotéis; ABLA – Associação Brasileira das Locadoras

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de Automóveis; ABRACCEF - Associação Brasileira de Centros de Convenções e Feiras; ABRAJET - Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo - Seccional Paraná; ABRASEL - Associação Brasileira de Bares e Restaurantes; AMP – Associação dos Municípios do Paraná; AMUTUR – Associação dos Municípios Turísticos do Paraná; Associação Comercial do Paraná; Associação de Hostels do Estado do Paraná; Banco do Brasil; Caixa Econômica Federal; Câmara Empresarial de Turismo do Paraná; Ecoparaná; EMATER - Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural; Federação de Convention & Visitors Bureaux do Estado do Paraná; FETHEPAR – Federação dos Empregados em Turismo e Hospitalidade do Estado do Paraná; Fórum de Coordenadores dos Cursos Superiores de Turismo do Paraná; Fórum Estadual dos Secretários e Dirigentes Municipais de Turismo; IBQP – Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade; Instituto Municipal de Turismo de Curitiba; IPARDES - Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social; ISTS - Instituto Superior de Turismo Sustentável; Itaipu Binacional; Ministério do Turismo; Paraná Turismo; SEAB - Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento; SEBRAE/PR – Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas; Secretaria de Estado da Indústria, do Comércio e Assuntos do Mercosul; Secretaria Municipal de Turismo de Foz do Iguaçu; SEDU - Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano; SEEC - Secretaria de Estado da Cultura; SEED - Secretaria de Estado da Educação; SEMA - Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos; SETP - Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social; SENAC/PR - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial; SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural; SEPL - Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral; SESC/PR - Serviço Social do Comércio – Paraná; SETU - Secretaria de Estado do Turismo (Presidente); SINDEGTUR – PR – Sindicato Estadual dos Guias de Turismo do Paraná; SINDOTEL – Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares.

Dessa forma será analisada a configuração atual dos stakeholder para compreender a atuação dos mesmos nas atividades da Setu.

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Atuação dos Stakeholders nas Atividades da Setu

Desde a criação da Setu no final de 2002, a sua operacionalização, já em 2003, se deu de forma participativa. Para tanto os membros do Conselho Consultivo do Turismo são convocados bimestralmente, para auxiliar na definição das atividades estratégicas da Setu, via reuniões ordinárias (seis ao ano) e extra-ordinárias quando necessário.

A Setu possui estrutura organizacional formada pelo Secretario de Estado, Conselho Consultivo de Turismo do Estado do Paraná, Autarquia Paraná Turismo, Centro de Convenções de Curitiba, Serviço Autônomo Ecoparaná (ente de cooperação), Chefia do Gabinete, Assessoria Técnica, Unidade de Coordenação Estadual do Prodetur Sul, Diretor Geral, Núcleo de Informática e Informações, Câmaras Setoriais, Coordenadoria de Relações Institucionais e Coordenadoria de Planejamento Turístico bem como Escritórios Regionais de Cascavel, Foz do Iguaçu e Londrina. ara um melhor resultado dos trabalhos do Conselho, o mesmo organizou Câmaras Temáticas, agrupando-se os temas afetos à área de representatividade de cada membro, definidas pelos Conselheiros e aprovadas pelo Presidente. Tal organização se dá da seguinte forma: Segmentação do Turismo (Patrimônio Natural/Histórico Cultural); Regionalização do Turismo (Municipalização, envolvimento da sociedade, integração de ações e roteiros regionais); Qualificação do Produto (Legislação, Controle de Qualidade, Recursos Humanos); Financiamento e investimento; Promoção e Comercialização do Produto Paraná.As Câmaras Temáticas é uma forma de agrupamento por temas com o objetivo de identificar e discutir os problemas do setor, a fim de encaminhar e propor ações para o Conselho Consultivo de Turismo. Cada Câmara é constituída por representantes das entidades membros do Conselho, que tenham afinidade com o tema proposto e por outros interessados e referendados por esses Conselheiros, com o propósito de iniciar a identificação das necessidades e promover discussões em busca de soluções para o setor. SETU (2009)

Ao se analisar as Atas de Reuniões realizadas pelo Conselho Consultivo do Turismo desde de sua criação, verifica-se uma evolução da

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participação destas instituições, onde no primeiro ano da criação da Setu tinha-se uma presença média de 17,67 participantes, chegando em 2009 a 27 participantes. Apesar da evolução verifica-se um baixo envolvimento no processo de definição / desenvolvimento das atividades turísticas no Estado, conforme pode ser verificado a seguir.

Ao se analisar a mesma lista utilizando-se como parâmetro uma nota de corte as instituições que tiveram presença em 60% das reuniões realizadas a lista de instituições seria a seguinte:

ABAV/PR, ABBTUR/PR, ABEOC/PR, ABGTUR, ABIH/PR, ABRAJET, AMUTUR, Caixa Econômica Federal, Ecoparaná, FCCST PR, FESDMT, IMT de Curitiba, Itaipu Binacional, Paraná Turismo, SEBRAE/PR, SENAC/PR, SEPL, SESC/PR, SETU e SINDOTEL. Com presença maior que 60% temos-se apenas 22 instituições que se fizeram presentes. Verifica-se uma pequena evolução da participação destas (22) instituições, onde no primeiro ano da criação da Setu tinha-se uma presença média de 68,76%, chegando em 2009 a 76,52%, maior percentual desde sua criação. Dentre estas instituições verifica-se um nível de envolvimento, a priori, elevado, considerando apenas a participação nas reuniões do Conselho Consultivo.

Ainda em se tratando de questões relacionadas a identificação e participação dos stakeholders da Setu, foi solicitado aos respondentes, seis no total, que elaborassem uma listagem dos principais stakeholders da Secretaria, sem restrição da quantidade, dos quais foram identificados: Ministério do Turismo; Sebrae Paraná; Governo do Paraná; Fecomércio; ABAV / PR; ABIH; EMBRATUR - Instituto Brasileiro de Turismo; Gestores das instâncias de governança regionais / Órgãos municipais de turismo. Foram ainda citados os seguintes stakeholders: Bancada Federal do Paraná; C&VBureau Curitiba Conselho Consultivo de Turismo e suas câmaras temáticas; Federação dos CVB; ISTS-UFPR; Senac.

Quando se compara a lista das instituições que estão mais presentes nas reuniões com aquelas que foram citadas pelos membros da Setu como sendo os stakeholders mais importantes, chega-se a seguinte listagem por ordem alfabética: ABAV/PR ; ABIH/PR; AMUTUR; Fórum Estadual dos Secretários e Dirigentes Municipais de Turismo; Instituto Municipal de Turismo de Curitiba; SEBRAE/PR; SENAC/PR ; Governo do Paraná (SEPL).

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De 44 stakeholders listados inicialmente, verifica-se que a recíproca sobre a importância dos mesmos para a Setu, tem uma listagem de 8 instituições. Assim, tem-se que estes stakeholders podem ser considerados chaves para a realização dos objetivos estratégicos da Setu.

Características dos Stakeholders

Para levantar as características dos stakeholders da Setu selecionou-se apenas aqueles que foram citados pelos mesmos como sendo de maior importância para a realização dos objetivos da Setu. Desta forma são apresentadas na tabela a seguir as características dos 08 principais stakeholders, listados pelos membros da Setu, na Tabela 1:

A seguir são descritas as características dos principais stakeholders analisadas sob a perspectiva da Setu: • Ministério do Turismo - Possui recursos financeiros, Técnicos, Articulação Política. Definição de Políticas (poder), e Visão Descentralizada. Seu interesse na Setu é de realizar a implementação de políticas no Paraná, do Plano Nacional do Turismo e em Ações estratégicas. A Setu busca junto a este parceiro parceria no desenvolvimento do destino Paraná e seus produtos e Apoio financeiro. Sobre as características descritas por Mitchel et al (1997), observa-se que a instituição possui poder, legitimidade e urgência. • Sebrae PR - Possui recursos Financeiros, Humanos, Técnicos, Networking, e Articulação. Seu interesse na Setu esta em estabelecer Parceria para o desenvolvimento das propostas regionais, Implementação Projeto Sebrae de Turismo, Legitimidade, Atuar junto a definição de políticas públicas e Atender a Política Estadual de Turismo. A Setu busca no relacionamento com o Sebrae Parceria no desenvolvimento do Plano Estadual de Turismo, Networking com empresariado, Formatação do Produto Paraná, Participação da iniciativa privada do Turismo e Recursos Financeiros. Em relação as características de Mitchel et al (1997), verificou-se entre os respondentes que a instituição possui poder e legitimidade em relação aos seus pleitos.

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• Governo do Paraná - Possui recursos Financeiros, Humanos, Articulação e Político. Seu interesse na Setu é o Conhecimento Técnico para ações em parceria e que atendam ao plano de governo, Crescimento econômico e social, Importância institucional / status e Interação setorial via secretarias. Para a Setu sua importância esta em Parceria no desenvolvimento do Plano Estadual, Reconhecimento do Turismo como atividade econômica, Importância Institucional e Apoio Técnico / político operacional. Assim como o Ministério do Turismo, quando indagados sobre as características descritas por Mitchel et al (1997), observa-se que a instituição possui poder, legitimidade e urgência. • Fecomercio - Possui recursos Humanos, Financeiros, Networking e Poder. Seu interesse na

Setu esta relacionado a Parceria para o desenvolvimento das ações do SENAC e SESC,

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Legitimidade / apoio político e Atender a Política Estadual de Turismo. A Setu busca Parceria no desenvolvimento do Plano Estadual (qualificação), Recursos Financeiros e Legitimidade junto ao empresariado. Os informantes descreveram que a instituição possui poder, legitimidade e urgência. • ABAV - Possui recursos de ordem técnica. Seu interesse junto a Setu se da pela Parceria no desenvolvimento de novos produtos para comercialização e para a realização de ações com seus representados. A Setu espera da mesma Parceria no desenvolvimento do Plano Estadual (promoção e apoio à comercialização) e Aproximação e apoio com seus representados. Sobre as características listadas por Mitchel et al (1997) a instituição foi classificada como sendo legitima. • ABIH - Possui recursos Técnicos e de Articulação. Interesse que possui pela Setu: Parceria para a realização de ações com seus representados e Ações estratégicas. O interesse da Setu esta na Aproximação e apoio com seus representados. Assim como a ABAV a instuição foi classificada como sendo legitima de acordo com Mitchel et al (1997). • EMBRATUR - Possui recursos Financeiros, Técnicos e Humanos. Seu interesse na Setu é para Parceria no desenvolvimento do destino Brasil (internacional) e Apoio para implementação do Plano Nacional de Turismo (promoção internacional). A Setu quer da mesma Parceria no desenvolvimento do destino Paraná no mercado internacional e Apoio financeiro e técnico para desenvolvimento de ações no mercado internacional. Os informantes descreveram que a instituição possui poder, legitimidade e urgência. • Instâncias de Governança Regional / Órgãos municipais de turismo - Seu principal recurso é o Contato direto com os atores envolvidos em cada uma das regiões turísticas. Tem interesse na Setu para ter o órgão oficial do turismo como parceiro para consolidação das instâncias com entidade representativa do turismo regional. A Setu tem interesse na mesma para ter em cada região uma entidade representativa para apoiar a estruturação e consolidação de produtos turístico, além de fomentar a política pública de municipalização e regionalização do turismo, visando tornar a região em destino turístico.

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• Secretários e Dirigentes Municipais de Turismo - Possui Recursos Técnicos e Humanos. Tem interesse da Setu na Parceria para implementação das ações municipais. O Interesse da Setu é o apoio e a parceria no cumprimento dos objetivos e metas previstos no Plano de Desenvolvimento do Turismo do Paraná. Os informantes descreveram que a instituição possui poder, legitimidade e urgência.

Verifica-se que Ministério do Turismo, Sebrae, Governo do Paraná e Fecomércio são as instituições que foram lembradas por cinco dos seis respondentes como sendo possuidoras de poder, legitimidade e urgência. Tal característica, quando comparada com a coluna que descreve os recursos que a mesma possui, tem-se em comum a disponibilidade de recursos financeiros das mesmas, o que é essencial para a implementação das políticas públicas para o setor. Foram listadas ainda como sendo possuidoras de poder, legitimidade e urgência a Embratur e os Secretários e Dirigentes Municipais de Turismo, porém por apenas dois dos respondentes o que releva que tais características dos mesmos são em menor proporção.

A ABAV e a ABIH foram classificadas como sendo portadoras de legitimidade e urgência que, comparadas com os recursos que as mesmas possuem, verifica-se as instituições possuem recursos técnicos e de articulação.

Já em relação a Instâncias de Governança Regional / Órgãos municipais de turismo tem-se que as mesmas possuem legitimidade e urgência, já que as mesmas possuem contato direto com os atores envolvidos em cada uma das regiões do Estado.

De acordo com os respondentes verifica-se que as instituições Ministério do Turismo, Sebrae Paraná, Governo do Paraná e Fecomércio são listadas como sendo importantes e possuidoras de recursos necessários a Setu. Porém ao se avaliar a participação das mesmas nas reuniões do Conselho Consultivo verifica-se baixa freqüência da Mtur e Fecomercio, podendo ser indicativo de comprometimento relativamente menor ao despendido pela Setu. Já o Sebrae e o Governo do Paraná, via suas Secretarias, tem-se verificado alto grau de envolvimento.

Instituições como ABAV e ABIH foram consideradas possuidoras de relativa importância e legitimidade, sendo que se observa que as mesmas

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retornam a Setu na mesma proporção colaborando com o desenvolvimento do Conselho Consultivo do Turismo.

Tem-se ainda as Instâncias de Governança Regional / Órgãos municipais de turismo que possuem alta importância relativa porém baixa participação no Conselho, a Embratur que possui importância relativa para a Setu porém não tem cadeira junto ao Conselho, e o Instituto Municipal do Turismo de Curitiba, que não tem importância relativa alta porém tem participação elevada junto ao Conselho. Aqui pode-se destacar a natureza política desta característica já que o Governo Estadual e a Prefeitura de Curitiba são governados por legendas partidárias concorrentes o que, de certa forma, distancia os órgãos.

Analisando a dinâmica de atuação dos Stakeholders

Em relação ao processo de análise dos stakeholders, a mesma foi conduzida a partir da perspectiva da Setu, sendo que foram utilizados alguns dos parâmetros descritos por Freeman (1984), Mitroff (1983) e Reed, Graves e Dandy (2009), a saber: identificar stakeholders; diferenciar os mesmos categorizando-os; verificar relacionamentos entre stakeholders, as propostas/motivações; identificar os recursos impostos (material, simbólico, físico, status, informacional, habilidade; e o comprometimento de ordem legal e de outros tipos).

Tomou-se como base ainda a definição clássica stakeholder de Freeman “qualquer grupo ou pessoa cujos interesses podem afetar ou ser afetados pelas realizações dos objetivos de uma organização” (Freeman 1984 p. 46).

No que tange ao processo de identificação dos stakeholders da Setu verifica-se que os mesmos, a priori, foram considerados todos os membros do Conselo Consultivo do Turismo do Paraná composto por 44 entidades. Porém verificou-se neste processo que a escolha de tais membros foi induzida pelo Ministério do Turismo que durante o processo de sua estruturação sugeriu aos órgãos estaduais responsáveis pelo turismo uma maior participação da comunidade conforme verificado a seguir:

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“...em 2002, quando nós estávamos estruturando a secretaria tinha também a estruturação do Ministério do Turismo que estava acontecendo no mesmo tempo... assim foram feitas reuniões junto aos órgãos estaduais de turismo para que nós nos adequássemos a algumas diretrizes que estariam sendo implementadas pelo Ministério... uma delas é o processo de regionalização... acabou que as instancias estaduais foram se organizando conforme estas diretrizes, que no nosso caso houve um alinhamento de nossa estrutura organizacional... isso você pode encontrar mais informações no site do ministério .. lá tem o Plano Nacional do Turismo 2003 – 2007 que fala sobre estas diretrizes...” Coordenadora de Planejamento

Tem-se que tal processo pode, conforme descreve Prell, Hubacek, e Reed (2009) e Lamberg, Pajunen e Parvinen (2008), ser usada para evitar conflitos, assegura-se que a marginalização de determinados grupos não esteja reforçada, e para representar razoavelmente interesses diversos. Porém, em contrapartida pode prejudicar o comprometimento de alguma entidades já que as mesmas não precisamente tem ou tinham a cultura de participação em conselhos para se determinar políticas públicas setoriais. Tal fato fica evidente ao se analisar a participação das entidades nas reuniões do Conselho, quando observa-se que apenas 20 entidades tem participação superior a 60% das reuniões realizadas desde de a criação da Setu. Em relação ao diferenciar os mesmos categorizando-os, tal categorização foi feita inicialmente pelos membros da Setu, onde observou-se homogeneidade dentre os respondentes, seis no total, o que evidencia clareza da importância dos mesmo entre a equipe. Foram listados inicialmente como sendo mais importantes: Ministério do Turismo, Sebrae Paraná, Governo do Paraná, Fecomércio, ABAV / PR, ABIH, EMBRATUR - Instituto Brasileiro de Turismo, Gestores das instâncias de governança regionais / Órgãos municipais de turismo. Todos com pelo menos três respondentes citando os mesmo.

Ao ser abordado os recursos disponíveis, relacionamentos, motivações e comprometimento verifica-se que as instituições Ministério do Turismo, Sebrae Paraná, Governo do Paraná e Fecomércio são listadas como sendo importantes e possuidoras de recursos necessários a Setu. Porém ao se avaliar a participação das mesmas nas reuniões do Conselho

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Consultivo verifica-se baixa freqüência da Mtur e Fecomercio, podendo ser indicativo de comprometimento relativamente menor ao despendido pela Setu. Já o Sebrae e o Governo do Paraná, via suas Secretarias, tem-se verificado alto grau de envolvimento. Instituições como ABAV e ABIH foram consideradas possuidoras de relativa importância e legitimidade, sendo que se observa que as mesmas retornam a Setu na mesma proporção colaborando com o desenvolvimento do Conselho Consultivo do Turismo. Tem-se ainda as Instâncias de Governança Regional / Órgãos municipais de turismo que possuem alta importância relativa porém baixa participação no Conselho, a Embratur que possui importância relativa para a Setu porém não tem cadeira junto ao Conselho, e o Instituto Municipal do Turismo de Curitiba, que não tem importância relativa alta porém tem participação elevada junto ao Conselho. Aqui pode-se destacar a natureza política desta característica já que o Governo Estadual e a Prefeitura de Curitiba são governados por legendas partidárias concorrentes o que, de certa forma, distancia o órgão municipal do estadual.

De maneira geral, verifica-se que no presente caso tem-se um processo flexível e transparente que busca encampar os valores envolvidos, conforme postula Reed (2008). Observa-se ainda que a participação dos stakeholders deve ser institucionalizada, o que esta presente no caso da Setu, já que o mesmo esta previsto em lei. Deve-se atentar porém aos resultados levantados por Medilanski, Chuan e Mosler (2007) que com base em uma análise de stakeholders os autores concluíram que o desacordo com a suposição da maioria de teorias da política, stakeholders locais consideram caminhos informais da decisão de grande importância.

De acordo com Hermans e Thissen (2009) os analistas políticos reconhecem o valor de alguma compreensão do papel dos atores em processos políticos. Esta visão geral é usada para discutir algumas das implicações para os analistas de política que estão interessados em analisar os processos incluindo vários agentes, se centrando especificamente sobre trade-offs entre a qualidade analítica e a usabilidade prática.

Realizou-se ainda uma análise a partir das dimensões propostas por Mitchell et al (1997) que apresentam a proposição de um modelo sustentado

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em três dimensões: “(1) o poder dos stakeholders de influenciar a empresa, (2) a legalidade do stakeholder no relacionamento com a empresa, e (3) a urgência do stakeholder de reivindicação na empresa”.

Verifica-se que Ministério do Turismo, Sebrae, Governo do Paraná e Fecomércio são as instituições que foram lembradas por cinco dos seis respondentes como sendo possuidoras de poder, legitimidade e urgência. Tal característica, quando comparada com a coluna que descreve os recursos que a mesma possui, tem-se em comum a disponibilidade de recursos financeiros das mesmas, o que é essencial para a implementação das políticas públicas para o setor. Foram listadas ainda como sendo possuidoras de poder, legitimidade e urgência a Embratur e os Secretários e Dirigentes Municipais de Turismo, porém por apenas dois dos respondentes o que releva que tais características dos mesmos são em menor proporção. A ABAV e a ABIH foram classificadas como sendo portadoras de legitimidade e urgência que, comparadas com os recursos que as mesmas possuem, verifica-se as instituições possuem recursos técnicos e de articulação. Já em relação a Instâncias de Governança Regional/Órgãos municipais de turismo tem-se que as mesmas possuem legitimidade e urgência, já que as mesmas possuem contato direto com os atores envolvidos em cada uma das regiões.

Observa-se que os membros da Setu tem clareza sobre quem são os principais stakeholders bem como os recursos que os mesmos possuem o que possibilita seguir uma constatação destacada por Friedman e Mason (2004) de que para se analisar a política da tomada de decisão deve-se centrar sobre participantes e seus interesses e que os responsáveis pelas decisões focalizem seus recursos nas partes interessadas que possuem legitimidade, poder e urgência. Ou seja, tal fato se encontra presente no referido caso o que aumenta as chances de resultados positivos das políticas a serem implementadas pela Secretaria.

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Considerações finais

A presente pesquisa buscou analisar a como é a atuação dos stakeholders no desenvolvimento de atividades estratégicas da Secretaria de Estado do Turismo do Paraná - Setu. Para tanto se formulou as seguintes questões de pesquisa: Quem são e quais as características dos stakeholders? Quais são seus recursos e motivações? Como se dá a atuação dos stakeholders na perspectiva da Setu?

Em relação a quem são os stakeholders da Setu, conforme relatado por todos os entrevistados, a priori os mesmos são os 44 membros do Conselho Consultivo do Turismo do Paraná. Porém ao se questionar os informantes aqueles que possuem maior relevância foram identificados uma listagem com 8 instituições, que podem ser considerados chaves para a realização dos objetivos estratégicos da Setu, a saber: Ministério do Turismo, Sebrae, Governo do Paraná, Fecomércio, Abav, Abih, Embratur e Dirigentes Municipais de Turismo.

Dentre as oito instituições foram descritas as suas características e recursos disponíveis, sendo que observou-se que Ministério do Turismo, Sebrae, Governo do Paraná e Fecomércio são as instituições que foram lembradas por cinco dos seis respondentes como sendo possuidoras de poder, legitimidade e urgência. Tal característica, quando comparada com a coluna que descreve os recursos que a mesma possui, tem-se em comum a disponibilidade de recursos financeiros das mesmas, o que é essencial para a implementação das políticas públicas para o setor. Foram listadas ainda como sendo possuidoras de poder, legitimidade e urgência a Embratur e os Secretários e Dirigentes Municipais de Turismo, porém por apenas dois dos respondentes, o que releva que tais características dos mesmos são em menor proporção. A ABAV e a ABIH foram classificadas como sendo portadoras de legitimidade e urgência que, comparadas com os recursos que as mesmas possuem, verifica-se as instituições possuem recursos técnicos e de articulação. Já em relação a Instâncias de Governança Regional / Órgãos municipais de turismo tem-se que as mesmas possuem legitimidade e urgência, já que as mesmas possuem contato direto com os atores

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envolvidos em cada uma das regiões. Em relação as motivações / interesses dos stakeholders da Setu verifica-se que o Ministério do Turismo busca implementar o Plano Nacional do Turismo no Paraná; o Sebrae PR – busca estabelecer parceria para o desenvolvimento e implementação do Projeto Sebrae de Turismo, legitimar sua participação bem como atuar na definição de políticas públicas estaduais; o Governo do Paraná tem como interesse o conhecimento técnico para ações em parceria e que atendam ao plano de governo; a Fecomercio busca parceria para o desenvolvimento das ações do Senac e Sesc e legitimidade; a Abav e a Abih parceria no desenvolvimento de novos produtos para comercialização e para a realização de ações com seus representados; a Embratur busca parceria no desenvolvimento do destino Brasil (internacional); e as Instâncias de Governança Regional / Órgãos municipais de turismo e os Secretários e Dirigentes Municipais de Turismo tem interesse em consolidar as instâncias com entidade representativa do turismo regional e implementar as ações municipais.

Desta forma tem-se que a atuação dos stakeholders junto a definição das políticas e estratégias da Setu ocorre via Conselho Consultivo e Câmaras Temáticas. Verificou-se que muitos dos membros ainda possuem baixa participação nestes órgãos colegiados Observa-se que os membros da Setu têm clareza sobre quem são os principais stakeholders bem como os recursos que os mesmos possuem, porém há uma evolução de sua participação desde a sua criação no ano de 2003.

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Os desafios da comunicação interna nas organizações

Marlene Marchiori

Resumo: Os modelos organizacionais mecanicista e orgânico são apresentados e discutidos. O artigo aponta que a dimensão comunicativa é tratada como troca de informações, sendo ainda mais crítica a visão administrativa da comunicação vinculada, única e exclusivamente, ao desempenho de atividades e tarefas. Sugere-se pensar na comunicação como um processo de construção de relações internas. Essa perspectiva incita novas relações organizacionais que oportunizam o desenvolvimento dos seres humanos por meio da negociação social do significado, questão imprescindível para a sustentabilidade das organizações. Organização e comunicação são, na arena organizacional, questões indissociáveis.

Palavras-chave: Comunicação interna; modelos de organização; mudança; relacionamento; significado.

Estamos vivendo uma época de grandes mudanças. Para Daft (2008), são inúmeros os desafios do ambiente atual: globalização; diversidade; preocupações éticas; responsabilidade social; velocidade de respostas para mudanças ambientais, crises organizacionais ou até mesmo mudanças nas expectativas dos clientes; rápidos avanços em tecnologia e ascensão do e-business, tornando as organizações emaranhadas em redes eletrônicas. A exigência que se impõe é a criação de ambientes mutáveis, ágeis e dinâmicos, dispostos e prontos para o desenvolvimento de novos processos, sejam eles de estrutura, de tecnologia ou de recursos humanos.

Zorn, Page e Cheney (2000, p. 515) veem a necessidade de as empresas se organizarem para “mudanças contínuas”, tornando-se organizações flexíveis com capacidade de se adaptarem rapidamente a mudanças ambientais. Nesse cenário, mudanças acabam por se tornar um aspecto natural nas organizações, uma vez que as empresas necessitam pensar, empreender e dirigir seus negócios para a manutenção de suas operações. Deve-se, ainda, levar em conta que as “organizações são

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fundamentais para a vida das pessoas e exercem uma enorme influência”. (DAFT, 2008, p. 11).

Para toda essa dinâmica requer-se que as organizações adotem diferentes estilos no desenvolvimento de suas ações. Ao nos depararmos com uma determinada realidade, devemos observar as características que a diferenciam de outras, ou seja, que modelos de desenvolvimento são promovidos nas suas relações. Sabemos que as organizações são diferentes umas das outras, mas, ao mesmo tempo, certas semelhanças as aproximam e as categorizam. A teoria organizacional discute dois modelos de organização: o mecanicista, com ênfase nas regras; e o orgânico, com ênfase nas pessoas. (MAXIMIANO, 2007).

Burns e stalker, Mintzberg e Morgan (apud MAXIMIANO, 2007) exploraram esses modelos. O mecanicista caracteriza-se por “organizações hierarquizadas, burocráticas, especializadas e adequadas a condições ambientais estáveis”. (MAXIMIANO, 2007, p. 217). O modelo orgânico é assim definido: “Organizações flexíveis, com redefinição contínua de tarefas e organogramas de pouca utilidade. Adequadas a condições ambientais dinâmicas. ” (p. 217). O grau de formalidade e impessoalidade do modelo mecanicista se contrapõe à ênfase do sistema social e das pessoas do modelo orgânico1.3 Fica claro que “nenhuma organização é exclusivamente mecanicista ou orgânica” (p. 220), à medida que combinam elementos dos dois modelos, em que um se sobrepõe ao outro, dependendo da situação vivenciada pela empresa. É indispensável o desenvolvimento de posturas que possam dar equilíbrio às ações organizacionais, o que pode ser conquistado por meio da flexibilidade na condução dos processos.

Ao direcionarmos nosso olhar para a comunicação, constatamos a perspectiva mecanicista do modelo desenvolvido por Shannon e Weaver em 1949, o qual privilegia a fonte, o transmissor, o sinal, o receptor e o destinatário, assim como a mensagem e os ruídos. Trata-se de uma

1 As diferenças e características dos modelos facultam o desenvolvimento de diferentes realidades. Os aspectos de destaque do modelo orgânico: tarefas e linhas de autoridade se alteram, permitindo a sintonia da organização com o seu ambiente, flexibilidade do sistema aberto, ênfase no desenvolvimento das competências humanas, ao passo que o modelo mecanicista prevê disciplina, estabilidade e tratamento uniforme das pessoas, tendo como ponto forte o funcionamento regular e como ponto fraco, segundo Morgan, a desumanização do trabalho. (MAXIMIANO, 2007).

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abordagem clássica que possibilita o entendimento das mensagens. Esse modelo nunca teve como intenção explicar a comunicação humana. (SCHULER, 2004). Para isso, seria necessária a inclusão de preocupações de origem psicológica, sociológica e contextual. Para citar um exemplo, Berlo (2003) considera os aspectos da experiência, das atitudes, do conhecimento, da situação social e da cultura dos elementos como fonte e receptor. O autor reforça a importância da interpretação, decodificação e geração de significado, entendendo-as como um processo de avaliação das informações recebidas. Em ambos os modelos, é fundamental a existência de processos de comunicação, cada um com diferentes enfoques, mas com a função de contribuir para o desenvolvimento das pessoas e de instigar a possibilidade de novas relações.

Ao refletirmos sobre organização e comunicação no contexto organizacional, nos perguntamos: por que organização e comunicação são questões indissociáveis? Por que pensar em comunicação como processo de relações internas? Como esse processo se estabelece? De que forma as organizações experimentam a comunicação interna? São questões que nos fornecem matéria para o desenvolvimento desse tema.

Para Berlo (2003) uma organização de qualquer espécie só é possível por meio da comunicação. É exatamente a comunicação entre os elementos que faz do seu conjunto uma organização e não elementos à parte, isolados e desorganizados. O autor transcende o que entendemos como processo de comunicação mecanicista. Em contrapartida, ao olharmos para as organizações, considerando suas abordagens administrativas, vamos observar que afloram questões como formalização, descentralização, qualificação do trabalhador, amplitude de controle e, naturalmente, comunicação e coordenação. O interessante é considerarmos que a dimensão comunicativa é tratada como troca de informações, sendo ainda mais crítica a visão de comunicação vinculada, única e exclusivamente, ao desempenho de atividades e tarefas.

Ensina Daft (2008):

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A frequência e a atividade de comunicação aumentam conforme aumenta a variedade da tarefa. Problemas frequentes requerem maior intercâmbio de informação para serem resolvidos e garantir apropriada completude de atividades. A direção da comunicação é habitualmente horizontal em unidades de trabalho não-rotineiro e vertical em unidades de trabalho rotineiro. A forma da comunicação varia com a analisabilidade da tarefa. Quando as tarefas são altamente analisáveis, as formas escritas e estatísticas da comunicação (memorandos, relatórios, regras e procedimentos) são frequentes. Quando as tarefas são menos analisáveis, a informação é habitualmente conduzida face a face, ao telefone ou em reuniões de grupo. (p. 258).

Vemos claramente a comunicação tratada como uma ferramenta, um instrumento que pode melhorar o processo de gerenciamento de um determinado empreendimento. Entendemos que essa é, sim, uma das funções da comunicação, mas é preciso avançar, é preciso visualizar a comunicação como um processo, como uma perspectiva de maior desenvolvimento, como algo que gera conhecimento para as pessoas, que modifica estruturas e comportamentos. É necessário ampliar a visão de comunicação organizacional. As empresas que passarem a entender e a praticar a comunicação nessa perspectiva, certamente, estarão evoluindo como organização.

Maximiano (2007) traz duas preocupações básicas em relação à comunicação: a primeira delas é a comunicação entre pessoas, e a segunda, o mecanismo de integração nas organizações. A comunicação passa, portanto, a ser vista como determinante para o desenvolvimento das relações interpessoais no sentido de contribuir para o desenvolvimento de negociações, produtos, orientação e avaliação de desempenho, o que, para a administração, exige um alto nível de capacidade de comunicação.

Maximiano (2007) ressalta: “Da comunicação dependem ainda a coordenação entre unidades de trabalho e a eficácia do processo decisório. Muito mais do que isso, o processo de comunicação é uma extensão da linguagem e, como tal, um componente fundamental da condição humana. ” (p. 296).

A comunicação organizacional é vista na perspectiva de seus fluxos: ascendentes, descendentes e horizontais. As organizações que se orientam

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por uma postura mais funcionalista da administração, ou seja, por uma visão “management-oriented” (mcauley; duBerley; johnson, 2007, p. 20) entendem, hoje, que as práticas gerenciais precisam ser estimuladas para além do alcance da eficiência e da eficácia organizacionais. A metateoria funcionalista toma como unidade principal de análise a organização (PUTNAM, 1983), passando a estrutura social a existir anteriormente à ação dos indivíduos, ou seja, anteriormente à atividade humana. A comunicação é vista, mais uma vez, como um instrumento, uma ferramenta. Segundo Deetz e Kersten (1983, p. 155), a função da comunicação é contribuir para o alcance dos objetivos organizacionais. Sendo assim, vemos que não basta apenas a perspectiva funcionalista na condução dos processos organizacionais e comunicativos.

Para Morgan (apud SMIRCICH, 1983, p. 223), a teoria organizacional funcionalista tem sido a criação e a elaboração de uma linguagem que crie e sustente “um sistema de valores para o conhecimento e gerenciamento da experiência organizacional”.

O significado e o conteúdo das mensagens têm papel secundário, seu significado reside na mensagem e nos filtros perceptivos, sendo, portanto, uma visão mecanicista e linear da comunicação, a qual pode ser medida e avaliada. Aqui, a preocupação é com o nível de informação no interior da organização, principalmente no que tange aos aspectos formais e informais (grapevine) e à rede de comunicação. Putnam (1983) adverte que os filtros podem impedir a transmissão eficiente da mensagem e chama também a atenção para o controle acentuado dos gerentes sobre a organização intacta do fluxo da mensagem.

Linstead e Grafton-small (1992, p. 335) chamam a atenção para o entendimento das pessoas na condição de “membros múltiplos”, porque, ao participarem de outras instituições culturais e sociais, têm maior poder de influenciar os valores da organização, quando vista de uma perspectiva funcionalista. Passamos a questionar como a realidade organizacional é constituída (PUTNAM, 1983), sendo a metateoria interpretativa, crítica e pós-moderna respostas a serem buscadas.

Mcphee e Zaug (2000, p. 1) entendem que as organizações são “constituídas comunicativamente”. Heisenberg e Riley (2001, p.

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293), pesquisadores da área de comunicação, começaram a explorar organizações como “entidades sociais [...] constituídas em interação”. May e Mumby (2005, p. 5) chamam a atenção para o fato de pesquisadores que estudavam “comunicação e organizações”, passarem a examinar “como o processo comunicativo constitui [a] organização”. Nesse embate, organização e comunicação emergem como questões indissociáveis na arena organizacional.

Organização e comunicação constituem processos e relacionamentos, sendo a linguagem constituinte fundamental, visto que ela cria, por meio das pessoas, uma realidade. Essa mesma realidade sofre alterações, pois as situações são recriadas a cada mudança de contexto.

“Organizações alcançam reconhecimento comunicativamente” (PACANOWSKY; TRUJILLO, 1982, p. 122), sendo a comunicação um processo no qual “cada comportamento comunicativo é constituído de relacionamentos interpessoais”. (TRUJILLO, 1983, p. 82). Dessa forma, os processos e as interações comunicativas devem ser continuamente analisados para que se tenha o real retrato do estágio de desenvolvimento de comunicação das organizações. As experiências organizacionais emergem dos relacionamentos que as pessoas mantêm entre si, considerando-se como imprescindível que as pessoas, como seres humanos, são dependentes das práticas que criam.

A realidade organizacional só pode ser compreendida a partir do momento em que ela se relaciona com o contexto histórico e com a estrutura social nos quais foi concebida (CONNERTON, 1976), ou seja, para que uma organização possa ser revelada, não basta olhar exclusivamente para suas estruturas, é preciso que considere o seu conjunto: processos e estruturas.

Gadamer (apud DEETZ; KERSTEN, 1983, p. 149) afirma que todos os artefatos humanos, textos, ações comunicativas e comportamentos possuem significado, não em razão daquilo que eles são, mas principalmente, em decorrência do que eles significam. A capacidade para o entendimento das expressões da vida tem suporte no ser humano, e não, no método ou na objetividade. Para esse entendimento, é fundamental incorporar a história, o contexto, as práticas sociais e as respectivas expressões.

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Portanto, a comunicação não mais reflete uma realidade, pelo contrário é “formativa” no sentido de criar e representar o processo de organizar. (PuTnam; PhilliPs; chaPman, 1999, p. 396).

Ao termos contato com inúmeros artigos a respeito dos desafios organizacionais de hoje, vemos que alguns aspectos se destacam, de acordo com Daft (2008). São eles: 1) transformação para conhecimento e informação como forma mais importante de capital da organização; 2) crescente expectativa dos trabalhadores por trabalho significativo e oportunidades de crescimento pessoal e profissional; 3) perspectivas do passado que não fornecem um mapa para conduzir as organizações atuais; e 4) gerentes que podem e devem projetar e conduzir novas respostas para um mundo radicalmente novo. Todos esses aspectos reafirmam que o ser humano é o principal canal dos acontecimentos nas organizações, nas quais a interação humana é questão primordial. Marchiori (2006a, p. 237) sugere que as interações sociais são sustentadas nas conversações entre as pessoas.

Segundo nosso entendimento, devemos, primeiramente, observar o retrato da comunicação interna brasileira, assim como a realidade da comunicação de outros países, a fim de obtermos pontos que consideramos fundamentais para o desenvolvimento das organizações e das pessoas. Esse raciocínio teórico-prático pode vir a colaborar para o processo de sustentabilidade das empresas.

A Associação Brasileira de Comunicação empresarial (aberje), em conjunto com o instituto Aberje de pesquisa (Databerje) (ABERJE, 2007) vem pesquisando a comunicação interna no Brasil desde 2002, de dois em dois anos. Os estudos abordam o status da comunicação nas empresas, a estrutura das equipes, a formação dos gestores, os meios de comunicação mais utilizados, além de investimentos na área. Inúmeras são as informações da pesquisa. Para o escopo deste trabalho, consideramos indispensável destacar o tipo de comunicação voltado exclusivamente ao nível gerencial da empresa. Ocupando posição de destaque, temos o e-mail, seguido de boletim, intranet com senha, reuniões, newsletter, e a comunicação face a face obteve um percentual de 3,7% em 2007. Na

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opinião de 32,9% dos participantes da pesquisa, a comunicação exclusiva para o nível gerencial não existe. Com relação à questão: Qual é o principal veículo de comunicação interno disponível na empresa?, temos o jornal impresso (26,6%), seguido de intranet, revista, jornal-mural, e-mail, boletim, comunicação face a face, videojornal e outros.

Em contrapartida, existem inúmeros outros veículos disponíveis para os funcionários da empresa. No topo está a intranet (87,2%), seguida de jornal-mural (83,5%), comunicação face a face (50,6%), revista (47,6%), newsletter (47%), boletim (43,3%), jornal impresso (42,1%), e, na sequência, faixas, e-mail, caixa de sugestões, videoperiódicos, outdoors, videojornal, TV interna, campanhas internas de comunicação e outros.

Os resultados apontam para o tratamento da comunicação como um produto ou produtos, nos quais as pessoas veem a comunicação sob a forma de publicações e mídia eletrônica. A visão da comunicação parece estar centrada na postura mecanicista. Olha-se para a comunicação como processo de transmissão, diferentemente de olhar para a comunicação como um processo de criação de conhecimento, como estimuladora de diálogo, como uma comunicação que ajuda a construir a realidade organizacional. Marchiori (2006b) estabelece dois níveis de comunicação: tática e estratégica. A comunicação tática é a comunicadora de fatos ocorridos, tem função informativa e básica, sendo determinante que se processe a partir das organizações. A comunicação estratégica é a geradora de fatos, criadora de contextos. Sugere um novo comportamento porque tem a função de cocriar o futuro da organização.

Pesquisas realizadas em diferentes países apresentam algumas preocupações básicas, que, naturalmente, se refletem na postura de comunicação das organizações. Os últimos estudos do Gallup Management Journal (KRUEGER; KILLHAM, 2005) afirmam que funcionários felizes estão em melhores condições para lidar com relacionamentos, estresse e mudanças. Estudos relativos à felicidade vêm sensibilizando economistas e os levando a descobrir como a felicidade e o emocional podem vir a afetar o desempenho das pessoas nas organizações. Empresas que vêm procurando entender as conexões entre estresse, saúde e bem-estar dos

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seus funcionários, a fim de obterem maior equilíbrio nessas relações, têm, naturalmente, conquistado ambientes internos de maior engajamento.

A pesquisa revela três tipos de funcionários: engajados: 27% (trabalham com paixão e sentem uma profunda conexão com a empresa. São inovadores e levam a organização em frente); não engajados: 59% (simplesmente passam pelo trabalho, despendem tempo, mas não têm energia ou paixão pelo trabalho); e os ativamente desengajados: 14% (não são apenas infelizes no trabalho, ocupam-se trabalhando a própria infelicidade e minam o que os colegas engajados conquistam). Há uma busca contínua para o engajamento dos funcionários nas organizações. Os resultados da pesquisa Gallup (KRUEGER; KILLHAM, 2005) demonstram que os supervisores, gerentes ou chefes imediatos desempenham um papel crucial no bem-estar e no envolvimento dos seus funcionários. Essa descoberta indica que um bom relacionamento com o supervisor tem um efeito importante no engajamento; sugere, também, que pessoas com alto nível de engajamento no trabalho têm, substancialmente, mais interações positivas com seus colegas de trabalho.

É básico que, nas relações entre superiores e subordinados, as pessoas se sintam desafiadas, pois, conforme revela a pesquisa Gallup (KRUEGER; KILLHAM, 2005), 61% dos entrevistados, que se enquadram na categoria engajados, sentem-se frequentemente desafiados para o trabalho, enquanto 49% dos funcionários não engajados e 24% dos ativamente desengajados sentem-se desafiados. A pesquisa revela que mais de 14% dos trabalhadores americanos são desengajados, representando para a economia americana um custo aproximado de $300 bilhões de dólares.

Outro estudo americano demonstra que as pessoas sentem-se abarrotadas com tanta informação, muitas das quais são irrelevantes e conflitantes, o que cria nelas cinismo ao invés de entusiasmo: é como se estivessem assistindo a um evento esportivo com o volume desligado, de acordo com Grates (2006). Os empregados acabam por determinar a verdade e a realidade, prestando atenção ao comportamento – eles estão prestando atenção, mas escolhendo não escutar.

Grates (2006) comenta que, internamente, os funcionários estão confusos em relação aos seus propósitos e papéis, havendo,

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externamente, perda de credibilidade. As organizações estão repensando seus comportamentos em relação a funcionários, comunidades e stakeholders. Os resultados demandam atenção da área de comunicação, uma vez que 84% dos respondentes acreditam que o fluxo de informação não flui livremente nas empresas, prejudicando o desenvolvimento do senso crítico e se tornando a grande carga informacional no trabalho, ou seja, não se transcende na comunicação; apenas 24% dos funcionários entendem de responsabilidade pessoal [personal accountability]. A maioria dos funcionários das grandes corporações acredita que a dimensão delas as torna menos ágeis, além do que existe uma distância entre as percepções dos gerentes e as dos funcionários sobre a funcionalidade e a saúde de suas organizações.

A preocupação maior centra-se na inadequação dos fluxos de informação em organizações não saudáveis quando comparados aos de organizações saudáveis em diferentes aspectos: há nível de informação para a tomada de decisão diária; há fluxo livre de informação considerando-se as fronteiras organizacionais; os gerentes de linha possuem acesso às informações que podem medir os aspectos-chave de sucesso do negócio; não há envio de mensagens conflitantes para o mercado; e informações importantes sobre o ambiente competitivo fluem rapidamente ao topo. A pesquisa, realizada em 2005, revela, ainda, que as organizações estão praticamente sem “saúde organizacional”. Uma organização não saudável é a que não consegue “converter estratégia em ações”, segundo De Anne et al. (2005).

A International Association of Business Communicators (IABC) desenvolveu uma pesquisa em 2005 sobre as melhores práticas de comunicação com funcionários, estudo que apresenta as mudanças e perspectivas globais. o foco básico consistiu em identificar os grandes desafios do século XXI. Do estudo emergiram quatro pontos importantes, quais sejam:

1. motivar os funcionários para que estejam alinhados com a estratégia de negócio. Esse é um processo contínuo que leva os funcionários a se comprometerem com as estratégias e lhes mostra

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como podem ajudar a alcançar a estratégia. A melhor forma para gerar comprometimento está na atitude da organização em facilitar o diálogo com funcionários. O diálogo é crucial, pois as pessoas vão realmente se sentir comprometidas se falarem sobre storytelling, reconhecimento, sessões de diálogo com líderes e funcionários embaixadores;

2. liderar e gerenciar a comunicação. Educar e engajar líderes e gerentes no desenvolvimento de seu papel de comunicação com funcionários. Shaffer (2002) diz que os funcionários formam suas percepções sobre uma organização baseando-se: na liderança (55%) – o que os líderes falam e fazem; no processo (30%) – o que os funcionários experimentam nas organizações; e na mídia formal (15%) – por meio de intranet, jornais, newsletters, e-mails, etc. esses resultados demonstram claramente a necessidade de líderes envolventes, que propiciem crescimento e relacionamento, em todas as áreas da organização.

Um aspecto resultante da pesquisa diz respeito ao comportamento dos líderes: é fundamental a coerência entre o que se fala e o que se faz, sendo esse fator absolutamente crítico quando se avalia a liderança em organizações. O relatório sugere que é indispensável criar uma conexão entre seres humanos, devendo o líder aprender a localizar a informação que atende às necessidades do grupo com o qual se relaciona, já que são tantas as mensagens, que é determinante que se selecione o que realmente faz sentido e tem importância para aquelas pessoas. Algumas questões emergem da pesquisa: líderes não estão envolvidos, visto que não comunicam mensagens consistentes; há falta de visibilidade entre líderes, principalmente em questões complexas; há falta de confiança do funcionário no líder; as lideranças não têm credibilidade; e os gerentes não entendem o papel que desempenham em relação à comunicação, por não possuírem habilidades para esse mister;

3. gerenciar o excesso de informação. Rompendo por meio da comunicação desorganizada. As pessoas têm sido bombardeadas com inúmeras informações, tanto nos ambientes organizacionais como em nível externo. O e-mail, em particular,

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vem sendo extremamente utilizado nas organizações, visto que comunicadores, em todas as áreas organizacionais, entendem que esse veículo é a solução para os problemas de comunicação das empresas. A perspectiva do funcionário em relação a todo esse processo tem impacto, o que demonstra que as mensagens não estão integradas, são repetitivas e, às vezes, conflitantes. O resultado é negativo, porquanto as pessoas não têm tempo para processar e entender muitas das mensagens cuja finalidade é passar informações valiosas. Como resultado, excesso de informação pode fazer com que importantes iniciativas de comunicação estratégica não tenham validade.

A prerrogativa de gatekeeper da informação não mais se aplica, sendo o comunicador visto como um facilitador; ele precisa priorizar e organizar informações para que os funcionários possam reter o que é importante. Empresas estão começando a repensar a infraestrutura de comunicação, diminuindo os veículos utilizados na organização; e

4. mensurar o retorno sobre investimento ROI da comunicação interna. É preciso conectar a comunicação com os resultados de negócios. Os resultados demonstram que as melhores práticas das organizações empregam uma combinação de métodos experimentados e verdadeiros desde que criativos e personalizados para as necessidades únicas, de acordo com a situação e a cultura. Os especialistas afirmam que a comunicação é reconhecida como condutora imprescindível do desempenho das empresas, ou seja, comunicação é crítica. A pesquisa revela que é fundamental uma dedicação maior em relação à mensuração dos resultados do investimento em comunicação, sendo ainda muito incipientes os trabalhos que medem efetivamente os resultados.

Ao ponderarmos sobre as diferentes pesquisas, podemos inferir que a comunicação interna está embasada na administração de processos de comunicação que mantenham as pessoas informadas, por meio de redes formais e informais, mas principalmente mediante os veículos de comunicação que existem e determinam a forma de comunicação, provavelmente com o objetivo de cumprir as funções organizacionais, administrativas, políticas e humanas.

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Além disso, é preciso saber identificar de que forma as áreas de comunicação passam a compor o conjunto de valores, políticas, estratégias e ações de comunicação. Percebe-se que a comunicação interna tem se embasado muito na comunicação de fatos ocorridos nas organizações, o que é imprescindível, mas, de certa forma, mantém a perspectiva funcionalista como direcionamento maior.

Um ponto relevante diz respeito ao incremento de estudos que possam apresentar os líderes organizacionais como propulsores e otimizadores de discursos capazes de favorecer o desenvolvimento das pessoas, assim como o incremento no nível de conhecimento. Os líderes devem assumir a postura do diálogo e não única e exclusivamente a de influenciar pessoas. Devem, sim, olhar para a liderança transformacional, mas também observar que ela somente será realidade a partir do momento em que possa estabelecer discursos com as pessoas com as quais se relaciona. Fairhurst (2007) vem propondo uma corrente teórica que demonstra a necessidade de uma liderança discursiva nas organizações.

É preciso começar a demonstrar não somente os resultados, mas principalmente os processos que levam ao desenvolvimento das relações internas, entendendo-se o que faz sentido para as pessoas em seus ambientes. É determinante um processo que promova a interação social, em diferentes realidades, fomentando a credibilidade das relações internas e mantendo viva a identidade de uma organização.

Por outro lado, mesmo assim, nos questionamos: por que tantos desentendimentos ocorrem? Por que os relacionamentos de trabalho não são fortes? Por que é mais difícil do que poderia ser conseguir que as pessoas façam as coisas?

Entendemos que a comunicação deve olhar para a organização como um complexo. Partindo daí, vemos que a análise da organização levará ao seu total entendimento e aos processos comunicativos que ocorrem na interação social e ao desenvolvimento de atividades que tenham sentido para as pessoas. A comunicação deve passar a construir significado e ser geradora de novos contextos em todos os relacionamentos organizacionais. Os significados são ativamente produzidos, reproduzidos, negociados e

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mantidos por meio da interação social. As interações comunicativas e a relação com o contexto passam a ser prioridade na condução de processos de relacionamento organizacionais.

Para Wood (2000) comunicação é elemento central, é processo generativo que dá forma àquilo que experimentamos como relacionamento. Há um incremento das relações e, consequentemente, da disseminação do poder. O incremento nas relações permite o desenvolvimento de redes de relacionamento. Já estamos falando em nível teórico de cultura relacional: são “processos, estruturas e práticas que criam, expressam e sustentam relacionamentos pessoais e as identidades”. (WOOD, 2000, p. 77).

Daft (2008) afirma:

A base financeira da economia atual é a informação, e não as máquinas ou fábricas [...], o fator primário de produção passa a ser [o] conhecimento, a isso os gerentes precisam responder por meio do aumento do poder dos funcionários. Funcionários e não o maquinário de produção, possuem o poder e o conhecimento necessários para fazer com que a empresa continue competitiva. (p. 8).

Passa a ser fundamental o desenvolvimento de estudos que permeiem a vida organizacional, o que torna a relação organização e comunicação um objeto de estudo e interpretações.

A partir do momento em que a comunicação estiver institucionalizada, ou seja, válida como um processo efetivo de construção, desenvolvimento de relacionamentos facilitadores da criação de uma realidade que tenha sentido para as pessoas participantes daquele ambiente, entendemos que teremos as redes de relacionamento, e o diálogo e a construção de sentido estarão, naturalmente, ocorrendo no interior da organização, que, certamente, refletirá na perspectiva da identidade dessa organização com seus diferentes stakeholders.

Com essa filosofia de comunicação, entendemos que muitos podem ser os resultados da gestão da comunicação interna. Marchiori (2006c) destaca: sobrevivência da organização e, consequentemente, o fortalecimento de suas redes de relacionamento; valorização interna de suas relações; ambiente de trabalho humanizado, colaborativo e

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participativo; estreitamento dos laços de confiança na gestão dos negócios; fortalecimento de diferentes lideranças em inúmeros níveis, permitindo maior flexibilidade, criatividade e, consequentemente, inovação organizacional; comprometimento e respeito como extensão dos processos de interação; equilíbrio entre as necessidades de informação da empresa e as expectativas dos funcionários; aproximação de pessoas, com respeito mútuo; conquista de credibilidade e legitimidade organizacionais internas.

Os espaços organizacionais são hoje permeados pela exploração dos complexos relacionamentos de poder, de conhecimento e de discurso. São ambientes mutáveis e que se ampliam a cada novo processo, refletindo diferentes relações internas no interior de uma organização. Esse é o ambiente a ser observado, entendido e trabalhado para que, a partir daí, se possa falar em sustentabilidade de um empreendimento. O conceito de sustentabilidade perpassa as esferas social, econômica e ambiental, portanto, questões fundamentais na perspectiva de análise do ambiente interno das organizações e que exigem da área de comunicação novos estudos.

Referências

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Compreensão do desenvolvimento sustentável em contextos organizacionais a partir do

estabelecimento de tipos ideais

Luciano MunckRafael Borim-de-Souza

Resumo: Por meio das discussões e reflexões teóricas desenvolvidas neste artigo almeja-se atender ao objetivo de propor tipos ideais para orientar o desenvolvimento sustentável. Tal intento é justificado pelo entendimento de que as organizações têm suas respectivas racionalidades de gestão influenciadas pelos diferentes territórios a que pertencem. Isso torna o conhecimento das especificidades sociais, culturais, ambientais e econômicas destas localidades uma necessidade para a abordagem e a coerente gestão das múltiplas facetas do desenvolvimento sustentável. A proposição de tipos ideais visa a suprir o processo decisório organizacional com informações substanciais precedentes às decisões pontuais que se alinhem a um desenvolvimento sustentável. Sua elaboração passou por uma contextualização teórica oriunda das características dos Modelos Heurísticos propostos por Ramos (1983), as quais foram complementadas por contribuições pontuais extraídas da Sociologia Weberiana (WEBER, 1964, 1968) e enriquecidas pela indicação dos níveis de existência dos seres humanos (GRAVES, 1970, 1974) e dos níveis de representatividade das organizações (BECK ;COWAN, 1996) predominantes em cada uma das configurações teóricas estabelecidas. Ao longo do artigo essas bases teóricas foram relacionadas e sintetizadas em três tipos ideais de desenvolvimento sustentável: o modelo arcaico de desenvolvimento sustentável, o modelo de transição do desenvolvimento sustentável e o modelo atualizante do desenvolvimento sustentável. Esses modelos demonstraram consistente potencial para subsidiar decisões e conclusões sobre limites, possibilidades e desafios para melhor compreender o desenvolvimento sustentável em contexto organizacional.

Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável; sociologia weberiana; modelos heurísticos; níveis de existência dos seres humanos; níveis de representatividade das organizações.

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Introdução

A qualidade das pesquisas em administração tem preocupado alguns estudiosos representativos desta ciência. (CALÁS; SMIRCICH, 1999) Tal incômodo advém do fato de inúmeros construtos serem empregados em incoerência com o contexto metodológico das pesquisas que os investigam. (EVERED; LOUIS, 1981) Quando se fala em qualidade da pesquisa pretende-se discutir alguns assuntos mais recorrentes, dentre eles o devido rigor metodológico que deveria ser empregado em procedimentos empíricos de pesquisa, independente se qualitativos ou quantitativos. (POZZEBON; PINSONNEAUT, 2005)

A representatividade das contribuições teóricas a respeito de alguns termos acaba perdendo força na medida em que esses começam a ser disseminados por discursos homogeneizadores de fenômenos que não se expressam em conformidade com o contexto de pesquisa sobre o qual são observados. Esses discursos buscam amenizar a complexidade de problemas de pesquisa que agregam em si a potencialidade de uma discussão capaz de promover o rompimento de um paradigma social até então predominante. (OSORIO; LOBATO; CASTILLO, 2005)

Por meio deste artigo defende-se que esta concepção errônea se aplica ao que se discute sobre desenvolvimento sustentável, concernente à administração. A definição de desenvolvimento sustentável como o processo que permite satisfazer as necessidades da população atual sem comprometer a capacidade de atender às gerações futuras, concedida por Brundtland em 1987 no relatório Our Common Future e publicado na World Comission on Environment and Development (WCED), é amplamente conhecida e disseminada.

Neste contexto, o tema “desenvolvimento sustentável” foi aceito nas pautas de decisões políticas e conquistou, gradativamente, uma característica enviesada, visto que alguns pesquisadores entendiam que tal fenômeno buscava problematizar as formas de conhecimento, os valores sociais e as bases de produção do capitalismo enquanto que outros o compreenderam como uma mera continuação dos alicerces políticos legitimados pelo sistema

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capitalista. Esta confusão fez com que o desenvolvimento sustentável começasse a ter sua representatividade ameaçada, ante a dificuldade de se flexibilizar as instituições e os instrumentos de planificação para romper ou aprimorar a lógica economicista capitalista e internalizar uma dimensão ambiental ao processo de desenvolvimento. (MEBRATU, 1998; REDCLIFT; BENTON, 1994)

A fragilidade conceitual do desenvolvimento sustentável se alia a sua questionável práxis política e organizacional, pois o significado privilegiado pela WCED se apresenta pouco contributivo para enfrentar os múltiplos desafios da sempre mutante ordem mundial. Isto porque o desenvolvimento sustentável representa e resume a necessidade de mudanças críticas que ainda tentam ser promovidas e defendidas por uma lógica econômica que privilegia as vontades do mercado e que repassa ao meio a ideia equivocada de igualar a expressão em discussão a um crescimento econômico global e ininterrupto. Em outras palavras, percebe-se a tentativa de se homogeneizar a compreensão do desenvolvimento sustentável, a qual é combatida neste artigo por ser admitida como uma das principais fragilidades metodológicas do desenvolvimento sustentável. (MUNCK; BORIM-DE-SOUZA, 2012; SNEDDON; HOWARTH; NORGAARD, 2006)

Defende-se que o desenvolvimento sustentável, enquanto fenômeno social pode assumir diferentes caracterizações mediante a realidade territorial em que é analisado. Propõe-se, portanto, que a análise do desenvolvimento sustentável como fenômeno de estudo para a administração deve observar uma coerência em relação às bases culturais que o ampara ao contexto que o exige e aos indivíduos que o discutem. (LEFF, 2006; MUNCK; BORIM-DE-SOUZA, 2010; MUNCK, 2013)

Esclarece-se que, neste artigo, não existe a pretensão de se desconstruir o conceito de Brundtland (WCED, 1987), ou ainda de promover discussões de erradicação do capitalismo ou de se estabelecer uma nova lógica econômica. O que justifica a apresentação deste estudo é a necessidade de considerar o desenvolvimento sustentável como um fenômeno de pesquisa multifacetário, ou seja, necessário de ser conceituado em conformidade com o contexto social em que é pesquisado e intentado

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de ser promovido, visto como tais regionalidades influenciam diretamente no processo de gestão desempenhado pelas organizações inseridas nestas diferentes realidades.

Este estudo evidencia a inexistência de conceitos específicos e customizados de desenvolvimento sustentável que estejam em coerência com os diferentes níveis de desenvolvimento da sociedade e, consequentemente, das organizações a ela pertencentes. Com este entendimento, propõe-se o objetivo principal de elaborar tipos ideais ou puros para orientar o desenvolvimento sustentável.

Para Weber (1964) o tipo ideal é um instrumento de análise sociológica, utilizado para compreender a sociedade a partir de tipologias puras, destituídas de tom avaliativo. Espera-se assim oferecer um recurso analítico baseado em conceitos coerentemente escolhidos que expressem as especificidades de diferentes contextos sociais, compreendidos como territórios macro nos quais diversas organizações procuram exercer sua racionalidade de gestão.

Desta monta, por meio das relações teóricas apresentadas espera-se ofertar à academia uma sustentação alternativa para as pesquisas que estejam interessadas em ter o desenvolvimento sustentável como um construto coerentemente definido para com o contexto sobre o qual será pesquisado, o que tornará possível o emprego de maior rigor epistemológico e metodológico em futuras intervenções empíricas.

A proposição dos tipos ideais foi conduzida por meio de uma reflexão teórica, elaborada a partir das características dos Modelos Heurísticos de Ramos (1983), as quais foram complementadas por contribuições pontuais extraídas da Sociologia Weberiana (WEBER, 1964, 1968) e enriquecidas pela indicação dos níveis de existência dos seres humanos (GRAVES, 1970, 1974) e dos níveis de representatividade das organizações (BECK;COWAN, 1996) predominantes em cada uma das configurações teóricas estabelecidas. Ao longo do artigo as teorias em pauta são relacionadas e sintetizadas confluindo em três tipos ideais de desenvolvimento sustentável: o modelo arcaico de desenvolvimento sustentável, o modelo de transição do desenvolvimento sustentável e o modelo atualizante do desenvolvimento sustentável.

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Metodologia de pesquisa

O presente artigo foi desenvolvido com o objetivo de propor tipos ideais para orientar o desenvolvimento sustentável. No intuito de responder ao objetivo supramencionado foi realizada uma pesquisa de natureza teórica, cujo problema buscou ser respondido por uma abordagem qualitativa, cujos objetivos foram analisados por uma perspectiva exploratória e que em relação aos procedimentos técnicos é classificada como bibliográfica. (RICHARDSON et al., 2008) O caráter teórico do estudo determinou uma abordagem metodológica qualitativa, como ela é uma forma adequada de entender a natureza de um fenômeno social. A pesquisa também é classificada como exploratória porque busca conhecer inicialmente as características de um fenômeno para posteriormente procurar explicações de suas causas e consequências. (RICHAR-DSON et al., 2008)

A abordagem qualitativa deste ensaio teórico está vinculada a uma epistemologia interpretativista, pois acredita que não é possível estabelecer uma relação causal entre fenômenos sociais que perdure por tempo indeterminado em local específico. (BRYMANN, 2001) Esta abordagem se compreende como uma proposta subjetivista de investigação da sociedade interessada em um contexto de justificação do fenômeno pesquisado. Sendo assim, assume-se que o fenômeno pesquisado é ou está socializado a um determinado grupo de indivíduos, os quais, por uma linguagem pragmática, adotam uma posição crítica ou uma posição criteriosa em relação ao que se investiga. (DENZIN; LINCOLN, 2006; MERRIAM, 2011; MORGAN; SMIRCICH, 1980; POPPER, 1985)

As proposições desenvolvidas ao longo deste artigo privilegiaram o estabelecimento de uma posição criteriosa sobre os temas abordados, pois houve a opção de observar o fenômeno em investigação como algo possível de ser construído e desconstruído por meio de argumentos teóricos (Popper, 1985). A partir dessas considerações metodológicas adotou-se o seguinte pressuposto para o desenvolvimento do estudo: o desenvolvimento sustentável se sujeita à racionalidade presente no território, assim, faz-se necessária sua compreensão para alcançar coerência no processo decisório.

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Neste contexto, foram selecionados os seguintes temas como os mais relevantes para serem discutidos, os quais são detalhados no Quadro 1.

Quadro 1: Estrutura de investigação temática

Tema em Perspectiva O que investigar?

O desenvolvimento sustentável e suas fragilidades metodológicas

Conceitos e discussões teóricas que explorem diversas contribuições advindas dos debates relacionados ao desenvolvimento sustentável e suas respectivas deficiências metodológicas.

Contribuições da Sociologia Weberiana

Informações e pontos analíticos das proposições oriundas da Sociologia Weberiana que auxiliarão a elaborar os conceitos de tipos ideais para o desenvolvimento sustentável.

Modelos Heurísticos para diferentes nações/regiões

Categorizações, padrões de análise e características que permitam diferenciar nações/regiões quanto ao nível de maturidade do sistema capitalista em seus territórios que definem os limites de racionalidade.

Os Níveis de Existência dos Seres Humanos

Caracterizações dos seres humanos em relação ao estágio de evolução psicológica que participam sobre o meio que os amparam.

Níveis de Representatividade das Organizações

Identificação da representatividade das organizações no que concerne às suas capacidades de resposta e planejamento mediante demandas sociais.

Fonte: elaborado pelos autores

Mediante a panaceia ideológica, científica e discursiva encontrada, entendeu-se que o desenvolvimento sustentável pode ser observado em seus tipos puros de existência social, ou seja, em tipos ideais que o caracterize como fenômeno coerente em relação à cultura que o ampara ao contexto que o exige e aos indivíduos que o discutem. É importante destacar que a opção de análise a partir das contribuições da Sociologia Weberiana, dos Modelos Heurísticos de Ramos (1983), dos níveis de existência dos seres humanos estudados por Graves (1970, 1974) e pelos níveis de representatividade organizacional pesquisados por Beck e Cowan

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(1996) deram-se por sua consistência explicativa e pela impossibilidade de analisar todas as sociedades existentes. As contribuições teóricas assumidas se mostraram suficientes e coerentes com os propósitos da pesquisa.

O desenvolvimento sustentável e algumas de suas fragilidades metodológicas

Os problemas ambientais, por uma perspectiva oriunda do construtivismo social, são problemas sociais reivindicatórios definidos por ações coletivas. Por construção social entende-se que os problemas sociais não possuem natureza estática, porquanto não podem ser sempre apreciados por uma realidade identificável, visível e objetiva. Desta maneira, diferentes grupos inseridos em um contexto social identificam e definem os problemas ambientais pelo desenvolvimento e multiplicação de significados e interpretações comunais advindas de discussões em evidência. (SPECTOR; KITSUSE, 1973)

Estes problemas ambientais, em conjunto, estruturam a crise ambiental, a qual para Leff (2008, p.15) “veio para questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a natureza.” Tais questionamentos impulsionados pela crise ambiental contribuíram para a disseminação global da expressão “desenvolvimento sustentável”.

Dentre as definições concedidas à expressão analisada, a mais conhecida é a proferida pela Dra. Gro Harlem Brundtland na WCED, em 1987, pelo relatório Our Common Future, no qual o desenvolvimento sustentável refere-se ao processo que satisfaz as necessidades da população atual sem comprometer a capacidade de atender às gerações futuras. Este conceito, embora merecedor de todos os reconhecimentos, uma vez que foi um dos responsáveis pela propagação mundial do termo, é muito criticado e combatido por pesquisadores de diferentes áreas.

De acordo com Fergus e Rowney (2005), esta definição não é nada mais do que ambígua, pois retira o foco do que realmente precisa ser feito

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por meio de um discurso inclusivo e coloca as prioridades mundiais em simples processos técnicos. Esta definição, ainda de acordo com os mesmos autores, é a responsável por inviabilizar um agir social que propicie o alcance do desenvolvimento sustentável já que impera uma posição política de se continuar com ações limitadas a esforços burocráticos impregnados por inúmeros conflitos e por uma tecnocracia dogmática incapaz de abrir os olhos de diferentes sociedades para proposições que questionam o modelo econômico em vigência. (FERGUS; ROWNEY, 2005)

A imprecisão do conceito deste termo, somada com sua respectiva importância junto às políticas nacionais e internacionais levou a uma batalha política a respeito de quanto e como as gerações futuras poderiam afetar o desenvolvimento das gerações contemporâneas. (MEBRATU, 1998) Para Saul (1991) a definição de um termo é concebida com o intuito de que as ideias sejam esclarecidas e que os seres humanos sejam libertados para ações sociais mais coerentes, mas o que se observa na sociedade, em relação aos diversos conceitos sobre desenvolvimento sustentável, é que eles se tornaram um meio de controle e um método impositivo para retrair forças reacionárias.

Lélé (1991) afirma que para se definir coerentemente o desenvolvimento sustentável, ou seja, para considerá-lo como um fenômeno de análise inclusivo em propostas e integrador em processos, uma mudança epistemológica precisa ocorrer nos processos cognitivos de geração do conhecimento. Luke (1995) assevera que os discursos a respeito do desenvolvimento sustentável devem ser relidos por uma nova abordagem que integre poder e conhecimento, e que tenha por objetivo a acumulação de poder para comunidades subnacionais e supranacionais menos representativas por meio da mobilização de novos conhecimentos sobre o desempenho econômico de diferentes nações que realizam o seu crescimento por métodos de governo irresponsáveis.

Estes discursos, ao invés de focar os territórios de nações soberanas, deveriam analisar, em domínios subnacionais e transnacionais, ecossistemas sustentáveis necessários para a reconfiguração dos circuitos de geração e utilização de poderes ecológicos. Sonnenfeld e Mol (2002)

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comentam que, apesar de existirem tendências que rumem nestas duas direções (subnacionais e supranacionais), percebe-se que a noção de estado-nação ainda permanece como prioridade das atividades regulatórias ao redor do planeta.

Percebe-se que tais fragilidades decorrem, principalmente, de um interesse amplamente difundido de tornar o desenvolvimento sustentável um sinônimo de crescimento econômico global ininterrupto, o que segundo Leff (2006, p. 137) pode ser traduzido como um “desenvolvimento sustentado”. Algo considerado como incompatível se desrespeitadas às peculiaridades regionais presentes nas diversas nações que compõem o planeta Terra.

Para os diferentes órgãos e organizações que se interessam por disseminar tal expressão é preciso emergir a consciência de que o que é sustentável em um país, ou em uma determinada localidade, pode não ser em outros territórios. Por trás do referido conceito existe a admoestação de que o manejo do poder social deve acontecer, simultaneamente, em escalas internacionais, nacionais e regionais de gestão. No entanto tais especificidades não são consideradas no estabelecimento de políticas designadas a diferentes contextos regionais, os quais, para muitos dos elaboradores dos tratados públicos e privados incumbidos de manifestar caminhos para o desenvolvimento sustentável, são considerados paralelos e sinônimos, no que diz respeito ao contexto cultural de convivência dos grupos sociais, ao movimento econômico desempenhado por diferentes organizações e à representatividade da natureza sobre a vida local. (BALBINOT; BORIM-DE-SOUZA, 2012; MUNCK; BORIM-DE-SOUZA, 2010)

Contribuições da sociologia weberiana

Para Weber (1964) a Sociologia é a ciência que busca interpretar a ação social, para que assim alcance-se uma explicação causal dos cursos e efeitos deste agir social circunscrito. Em síntese são três as ideias que

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constituem a essência da contribuição de Weber para uma metodologia mais apurada nas ciências sociais: o paradigma da redutibilidade dos conceitos sociológicos para ações dos indivíduos; o paradigma da neutralidade ética; e, o conceito de tipo ideal. Estes são melhores explicados no quadro 2.

Quadro 2: Síntese das contribuições da Sociologia Weberiana

O paradigma da redutibilidade

Regra profilática interessada em explicar o significado de palavras e expressões que denotam condição social em termos de ações proferidas pelos indivíduos. Em verdade, o que mais é relevante a este paradigma da redutibilidade, segundo Andreski (1964) é que por ele Weber (1964), metodologicamente, deixou claro que o que existe enquanto fenômeno de pesquisa para as ciências sociais são os indivíduos, os quais, pelo conjunto de suas ações, determinam a ação social.

O paradigma da neutralidade ética

As conclusões de qualquer estudo estão vinculadas às crenças morais e políticas daquele que conduziu a pesquisa. Reconhece-se, portanto, o fato de qualquer pesquisa estar contaminada pelos valores do pesquisador que a realiza. Mas, apesar dos valores pessoais conduzirem o pesquisador na seleção de seu problema de pesquisa, tais valores devem ser neutralizados no momento de apresentação e análise dos resultados.

O Conceito de Tipo Ideal

Tipo ideal é um fenômeno social, em virtude de sua natureza múltipla, pode ser analisado exclusivamente por formas extremas, as quais, nunca poderão ser observadas em seu tipo puro de existência. As ciências sociais se interessam por estes tipos ideais, já que essas idealizações podem ser encontradas em concepções já legitimadas, tais como nas teorias econômicas, na qual a competição perfeita e o equilíbrio estático dos mercados proveem os melhores exemplos de tipos ideais.

Fonte: elaborado pelos autores com base em Andreski (1964); Barbalet (1980); Christians (2006); Gouldner (1962); Trubek (1972); Weber (1964, 1968).

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Outra contribuição de Weber (1964) está na teoria da estratificação social, por meio da qual ele define “classe” em termos de chances de vida consequentes de interesses econômicos. Barbalet (1980) considera que para esta teorização Weber (1964) parece partir de um individualismo metodológico em vez de uma concepção mais estrutural sobre classe. A situação da classe, para Weber (1964), é aquela em que um determinado indivíduo e muitos outros encontram consenso sobre seus interesses. Trata-se, assim, de uma típica definição marxista de classe que propõe, sinteticamente, que as pessoas possuem interesses atribuídos a elas, mediante a posição de classe que ocupam na sociedade. (BARBALET, 1980)

No entanto Weber (1964) não fica preso às contribuições marxistas, pois admite que a definição de classe opera por meio da compreensão de motivos e intenções, com interesses de mercado que são orientados por cognições e atitudes. Estas caracterizações podem garantir que as classes existam e persistam mediante a perpetuação de interesses específicos.

Por conseguinte, como afirma Barbalet (1980), não existe interesse de classes, mas sim um interesse médio de indivíduos discretos que comungam uma posição econômica. Outro afastamento dos propósitos marxistas se dá quando Weber (1964) rejeita a compreensão desta abordagem sobre a compreensão de que os fenômenos legislativos são causados por forças econômicas ocultas. (TRUBEK, 1972) Weber (1964) demonstrou que as singularidades dos sistemas legislativos europeus deveriam ser explicados tanto por fatores não econômicos como pelas necessidades específicas de cada profissão e pelas necessidades de organização política.

Weber (1968), em sua sociologia política, desenvolveu três tipos ideais de sistemas políticos, ou, formas de dominação, sendo elas a dominação tradicional, a dominação carismática e a dominação legal.

A dominação tradicional é orientada por decisões justificadas por fatos empíricos e alicerçadas em tradições sociais imutáveis. A dominação carismática é aceita pela população como obrigatória, uma vez que é originária de um líder extraordinário e assume uma lógica de decisão situacional. E, a dominação legal existe quando as seguintes condições prevalecem: existem normas de aplicabilidade geral estabelecidas; há uma

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crença de que o conjunto de leis que rege a sociedade representa um sistema consciente de regras abstratas e que a administração de tais leis consiste na aplicação destas regras em casos particulares sujeitos a tais regras; o “superior” (governante) está sujeito a uma lógica impessoal de ordens; a obediência é para a lei como a legitimação da ordem social; e, a obediência é obrigatória somente em esferas racionais delimitadas. (WEBER, 1968; TRUBEK, 1972)

A dominação legal para Woods (2003) é um dos mecanismos de perpetuação do capitalismo, e este para ser desenvolvido economicamente depende de dois aspectos legais imprescindíveis: um nível de previsibilidade de atuação do sistema e a capacidade de desenvolver provisões substantivas, principalmente as relacionadas à liberdade de contratos, as quais são necessárias para o funcionamento do mercado. (TRUBEK, 1972)

Por este cenário de vinculação entre desenvolvimento econômico e dominação legal, Weber (1968) reconheceu que uniformidades previsíveis de ação social podem ser garantidas em muitas maneiras e que todos estes métodos de controle social podem influenciar nas atividades econômicas.

Weber (1964) define a ação como todo comportamento humano que em âmbito individual possui um significado subjetivo em relação ao que está sendo realizado, e, por consequência, a ação social, devido a excelência moral dos significados subjetivos ligados às ações individuais, se responsabiliza por expressar o comportamento de demais pessoas por um curso comum e pré-orientado.

As ações dos indivíduos são dependentes das decisões que tomam, as quais, de acordo com Trubek (1972), baseado nas proposições de Weber (1968), podem ocorrer em quatro padrões de orientações guiados por: uma irracionalidade formal; uma irracionalidade substantiva; uma racionalidade substantiva; e, uma racionalidade lógica formal. Trubek (1972) define cada um destes quatro padrões em quadrantes que os diferenciam quanto ao nível de diferenciação e de generalização das decisões tomadas. O Quadro 3 expõe a lógica desenvolvida por Weber (1968).

Estes padrões de decisões determinam o agir do indivíduo, o agir social, e, consequentemente, o agir das organizações. Para Barbalet (1980)

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as categorizações das decisões individuais e coletivas, que traduzem o agir de uma sociedade, indicam que esta deve assumir uma segmentação entre classes e status, pois de acordo com o autor o status pode ser socialmente relacionado às e condicionado pelas classes. Eles não coexistem como aspectos distintos, ou como dimensões conflitantes da estratificação social, tanto que para Weber (1964) o status social pode, parcialmente, ou, totalmente, determinar a situação das classes, sem, no entanto, ser idêntica a elas.

Quadro 3: Os níveis de diferenciação e generalização das decisões

Níveis de Generalização

Alto Baixo

RACIONALIDADE LÓGICA FORMAL

As decisões deverão ser baseadas em princípios sociais legitimados, cuidadosamente elaboradas, uma vez que poderão estabelecer um novo padrão de ação. Regras coletivas não podem ser desrespeitadas, mas instrumentos individuais de defesa podem ser utilizados para a realização de uma ação mais benéfica em âmbito individual.

IRRACIONALIDADE FORMALAs decisões são tomadas sem qualquer referência a um padrão geral pré-estabelecido e sem maiores preocupações com os pares sociais envolvidos ao processo decisório

RACIONALIDADE SUBSTANTIVA

As decisões consideram critérios e padrões mais generalizados, advindos da religião, da ideologia política e demais influências sociais. Os princípios globais que regem o sistema são compreendidos, logo é possível apreender, racionalmente, como o sistema irá funcionar pós-decisão.

IRRACIONALIDADE SUBSTANTIVA

As decisões levam em conta critérios observáveis baseados em uma ética concreta e considerações práticas sobre casos específicos. Geralmente estas decisões são melhores compreendidas pós-fato.

Fonte: elaborado pelos autores por meio das contribuições de Weber (1968) e Trubek (1972).

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Para Weber (1968) o agir das organizações conflui do agir social quando ocorre a formação de grupos de status, já que por estes grupos se evidencia a habilidade de grandes corporações, associações profissionais e uniões trabalhistas de isolarem-se do livre processo de acontecimento das forças de mercado e adquirirem algum poder mediante seus lucros diferenciais. Este poder pode ser internalizado pelos atores sociais voluntariamente por meio do desenvolvimento de padrões normativos, ou, podem ser submetidos a alguns efeitos externos caso eles se desviem das expectações determinadas pelos mecanismos de dominação legais, em parte influenciados, mas não determinados unicamente pelo agir das organizações.

Tal situação é caracterizada por Trubek (1972) como uma coerção social imposta por aqueles que auxiliam na determinação de quais os procedimentos de dominação legal (regidos desde uma racionalidade lógica formal até uma irracionalidade substantiva) devem ser utilizados em cada uma das circunstâncias em que os interesses econômicos do sistema são não somente ameaçados, mas também abalados.

Por tais considerações advindas da Sociologia Weberiana propõe-se que o desenvolvimento sustentável é um agir social não padronizado que tem como objetivo a razão do paradigma da redutibilidade, em outras palavras, garantir a relevância do ser humano enquanto sujeito social e fenômeno de pesquisa e de análise das Ciências Sociais. Este agir social não é padronizado por envolver em suas discussões todas as dimensões sociais de qualquer sociedade que esteja interessada em promovê-lo. Há, portanto, a necessidade imprescindível de considerar que o desenvolvimento sustentável, embora subjetivo em suas premissas, precisa ser imparcial em relação aos fatos que avalia e às patologias sociais que busca remediar. A credibilidade de este agir social junto à sociedade que o busca está sujeita aos diversos motivos e intenções sociais que pautam os diferentes jogos de interesses estabelecidos entre os sujeitos, as classes, as instituições, as organizações e os governos de determinada comunidade, os quais determinam a estruturação de diversos sistemas de dominação responsáveis por legitimar aquilo que é posto como mais relevante (sustentável) para

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aquela localidade naquele específico intervalo de tempo. Em suma, o desenvolvimento sustentável é um agir social consequente da sociedade que o investiga, bem por isso ele pode ser passivo para algum contexto e reacionário para outros grupos de convivência. Estas informações díspares não descredibilizam o desenvolvimento sustentável enquanto agir social e enquanto fenômeno de estudo para as Ciências Sociais, ao contrário, elas exigem a constituição de tipos ideais para esta expressão, os quais precisam estar em coerência com o contexto social, político, cultural, econômico e ambiental em que é analisado.

Os modelos heurísticos para diferentes nações/regiões

Em uma análise sobre a evolução tecnológica e a administração, Ramos (1983) em seu livro Administração e Contexto Brasileiro esboçou uma teoria geral da administração e apresentou Modelos Heurísticos. Estes modelos contemplam a descrição de distintas fases do desenvolvimento tecnológico e dos distintos sistemas administrativos, para cada uma das quais foram constituídos correspondentes modelos teóricos.

Ramos (1983) desenvolveu os Modelos Heurísticos da evolução tecnológica e os Modelos Heurísticos de administração. Para o estudo em apresentação foram considerados apenas os Modelos Heurísticos da evolução tecnológica, uma vez que a tecnologia “tende a ser o atributo essencial do pensamento funcional e multidimensional, que se aplica a todos os domínios da vida.” (RAMOS, 1983, p. 76)

Três são os Modelos Heurísticos estruturados pelo autor, sendo eles o modelo arcaico, o modelo de transição e o modelo atualizante. O modelo arcaico é o mais rudimentar, presente em regiões ingressantes ao capitalismo. O modelo de transição corresponde a uma fase do capitalismo em que se divisam efetivas tendências para o desenvolvimento autopropulsionado e assimilação crescente das mais modernas técnicas de produção e relações humanas. E, o modelo atualizante, é o modelo limite, no sentido que não se configurou em nenhum lugar. Trata-se de

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um modelo característico de sistemas econômicos dinâmicos e aptos à utilização sistemática de inovações. (RAMOS, 1983)

A qualificação de uma região, ou nação, em referência ao modelo em que está inserida, por meio da complexidade da evolução tecnológica, se estabelece pela consideração dos fatores descritos no Quadro 4.

Quadro 4: Os elementos que avaliam os Modelos Heurísticos

O Instrumento de Trabalho

O aspecto fundamental aqui é a crescente liberação do homem em relação ao instrumento de trabalho quando se do grau inferior ao superior de desenvolvimento tecnológico. No modelo atualizante, a parte humana no trabalho diretamente produtivo decai quase a zero.

O Processo de Produção

O modelo arcaico é marcado pelo predomínio do empirismo, tradicionalismo e pelo domínio comum dos povos. Na fase de transição coexistem sistemas tradicionais de transformação, ao lado de modernos importados (know-how comprado). Já o modelo atualizante implica em considerável criação de tecnologia e know-how, estimulada por elevada demanda.

Sistema de Produção A evolução do trabalho ocorre nas seguintes etapas: (modelo arcaico) I – ofício artesanal completo, II – ocupações artesanais divididas; (fase culminante do modelo arcaico e a liminar do modelo de transição) III – trabalhos parcelados executados sucessivamente; (modelo de transição) IV – trabalhos parcelados executados simultaneamente, V – operações isoladas ou grupadas executadas pela máquina conduzida pelo operário; (modelo atualizante) VI – operações contínuas executadas por um sistema integrado.

Qualidade da Produção

Neste elemento a noção fundamental está no mercado. Onde é mais rudimentar, as empresas, por falta de pressões externas, não precisam utilizar refinadas técnicas administrativas para atender à demanda do relativamente pequeno número de clientes. Quando a demanda cresce e se intensifica a concorrência entre os produtores, que disputam entre si o mercado, as exigências dos consumidores e a crescente complexidade das organizações não só permitem como requerem controle qualitativo dos produtos.

Consumo de Energia O modelo atualizante distingue-se dos outros porque utiliza sistematicamente a energia mecânica para movimentação de materiais e controle de processos de fabricação, levando assim, a eliminar a participação do homem na atividade produtiva, tendência esta que se verifica, na plena efetividade, com a automação.

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Materiais Evolução tecnológica implica mudança dos materiais utilizados na produção. O modelo arcaico acarreta pouca inovação substancial quanto aos materiais. No modelo de transição, que emprega materiais superiores, o suprimento ocorre com algumas dificuldades. No modelo atualizante, verifica-se largo e generalizado emprego de materiais sintéticos, que, em virtude de seu refinamento e raridade, apresentam maiores dificuldades de suprimento.

Razão capital/ trabalho

Quanto mais o complexo tecnológico é atrasado, menor é a razão capital/ trabalho. Intensa aplicação de tecnologia implica poupança de mão-de-obra e consideráveis aplicações de capital.

Técnica Administrativa

Do modelo arcaico ao atualizante, as decisões variam em razão decrescente quanto ao teor coercitivo; as comunicações variam em razão crescente à complexidade e quantidade; o fator econômico varia em razão decrescente à sua importância na motivação do trabalhador.

Fonte: Ramos (1983).

Segundo o autor, “é óbvio e acontece, de fato, que as sociedades apresentam simultaneamente todos os modelos.” (Ramos, 1983, p. 76) No entanto, uma região que apresenta todos os elementos de um modelo é estrutural e funcionalmente distinta da que apresenta apenas alguns desses elementos. Em relação à evolução tecnológica da produção e às etapas da evolução tecnológica, os modelos “evoluem” gradativamente segundo os fatores apresentados anteriormente, e trazem consigo uma ambiguidade: à medida que a capacidade produtiva do capitalismo alcança maiores escalas, maior o nível de participação social exigido em inúmeras decisões, mas, em contrapartida são necessárias cada vez menores quantidades de mão de obra. Produz-se mais com menos pessoas exercendo suas funções.

Níveis de existência dos indivíduos

A teoria dos níveis de existência dos indivíduos, denominada por Graves (1970, 1974) como uma teoria de valores sistêmica e aberta, propõe que o homem escale uma escada existencial para compreender sua

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sobrevivência e sua representatividade em relação à realidade que observa, ou seja, o ser humano se desenvolve por meio de uma movimentação evolutiva caracterizada pelo desenvolvimento sequencial de estágios psicológicos distintos.

Por esta lógica o autor estabeleceu oito níveis de existência principais para o ser humano: o automático, o tribal, o egocêntrico, o santo, o materialista, o sociocêntrico, o cognitivo e o dicotômico. Graves (1970) esclarece que três são os principais pressupostos que fundamentam os sistemas de valores que formam estes níveis de existência: (1) a natureza humana não pode ser compreendida como um fenômeno de investigação padronizado e fechado, mas sim como algo aberto e em contínua emergência; (2) a natureza humana se desenvolve pela evolução consequencial e contínua de estados psicológicos menos avançados para configurações de necessidades mais complexas; e, (3) os valores priorizados pelos seres humanos são dependentes dos sistemas sobre os quais eles estão inseridos, pois são por eles que novas configurações de pensamento e novas necessidades serão observadas. (GRAVES, 1970)

Graves (1974) afirmou que as ações de grupos coletivos são consequências de ações individuais, bem por isso defendia que sua teoria poderia e deveria ser utilizada para analisar o nível de existência de diferentes divisões sociais manifestadas pelas ações dos seres humanos. O autor considerava que nações, instituições, grupos sociais, organizações, grupos de pesquisa e quaisquer outras formas de ações humanas coletivas poderiam ser consideradas como entidades passíveis de serem qualificadas segundo os níveis de existência e o sistema de valores desenvolvido por ele.

Os dois primeiros níveis de existência (o automático e o tribal) foram desconsiderados, pois o próprio Graves (1970, 1974) considerou que os indivíduos assim caracterizados rejeitam qualquer ordem de problema que destoe de sua capacidade de compreensão da realidade. Nestes dois níveis os seres humanos não estão conscientes sobre as consequências de seus atos para com o meio, ou seja, não é possível constatar, por parte destes indivíduos, uma racionalidade em sua convivência social. Os demais níveis de existência (egocêntrico, santo, materialista, sociocêntrico, cognitivo e dicotômico) são apresentados em sequência.

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No nível egocêntrico prevalece uma relação dicotômica de autoritarismo e submissão. O autoritarismo é identificado nos poucos indivíduos que se emanciparam das relações tribais. Estes passam a ser os agentes sociais representativos de suas respectivas comunidades, e por tal razão exercem uma função autoritária sobre seus pares, que por uma necessidade de sobreviver tornam-se submissos a esses desmandos. Este nível é caracterizado por uma lógica de defesa dos interesses individuais em que os submissos acatam ordens por terem seu bem-estar e segurança garantidos e o autoritário empreende as ações que lhe são aprazíveis, desde que essas não ameacem a sua posição de destaque em relação ao grupo subordinado. (GRAVES, 1970, 1974) A incondicionalidade desta dicotomia entre autoritarismo e submissão começa a ser questionada quando o homem, em um novo nível de existência, assume que a convivência ocorre por meio de regras sociais que são previamente estabelecidas para cada uma das relações que compõe o cotidiano de um determinado grupo. Estas regras caracterizam o nível santo, uma vez que os indivíduos assumem que elas descrevem com clareza como cada um deve se comportar para que o próximo não seja prejudicado em decorrência das inconsequências de terceiros. O homem, neste nível, se predispõe a rejeitar um prazer individual em prol de um bem-estar coletivo e de uma convivência social pacífica. (GRAVES, 1970, 1974)

Esta negação individual é colocada em xeque a partir do momento em que o mundo é compreendido como um universo particular de segredos. O interesse por vasculhar as questões mais instigadoras desse mundo é a característica mais marcante do nível materialista. O homem materialista é objetivista e, por consequência, positivista. Este indivíduo tem como prioridade satisfazer todos os seus desejos em um curto período de tempo. Esta doação particular aos anseios de suas realizações individualistas faz com que o homem materialista seja o centro de seu próprio mundo, o que o constitui como alguém respeitado, invejado e não muito bem quisto por seus pares sociais. (GRAVES, 1970, 1974)

A individualidade objetivista do nível materialista revela que os indivíduos assim qualificados possuem uma apatia social, que começa a ser

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desconstruída com a descoberta de conceitos como cidadania e civilidade, os quais contribuem para que o homem descubra-se um ser sociável, ou seja, dotado de uma preocupação compartilhada com ele mesmo e com aqueles com quem divide os mesmos espaços de convivência. Este patamar de compreensão leva o indivíduo a alcançar o nível sociocêntrico, marcado por uma preocupação de pertencer a um grupo, de ser aceito por ele, mas por uma relação de otimização de interesses (barganhas). O homem sociocêntrico é um agente social consciente de sua representatividade, visto que entende as consequências de suas ações, decisões e relações para com todos que direta e indiretamente convivem com ele. (GRAVES, 1970, 1974)

No nível cognitivo esta conscientização do homem sociocêntrico é complementada por uma motivação de conhecer todas as coisas e de entender a relação de todas essas coisas com os seres vivos que dependem, interagem e exercem influência sobre elas. Este nível elevado de abstração denuncia uma preocupação de contribuir para a continuidade dos indivíduos, das sociedades, das instituições e, principalmente, da natureza. Esta reflexividade aguçada do indivíduo propicia sua emancipação de todos os níveis de subsistência e a conquista do primeiro nível de existência, também denominado de homem cognitivo. (GRAVES, 1970, 1974)

Apesar de sua complexidade, o nível cognitivo não representa o estágio mais elevado dos níveis de existência defendidos por Graves (1970, 1974). As reflexões e as abstrações do homem cognitivo podem levar o indivíduo a descobrir a existência de inúmeras lentes do conhecimento, pelas quais diferentes interpretações sobre a realidade podem vir a ser empreendidas. Esta constatação leva o homem ao seu segundo nível de existência, o nível dicotômico. Trata-se de um momento crucial em que o indivíduo reconhece a totalidade de sua representatividade e adquire consciência plena de sua participação social. A contemplação da relevância deste nível coloca o indivíduo em uma posição decisória dicotômica: (1) ele age em relação a este cenário com a consciência de sua representatividade e da existência de inúmeras interpretações possíveis de serem concedidas mediante suas ações e decisões, ou, (2) amedronta-se frente ao mesmo e

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opta por retornar, conscientemente, a estágios anteriores a fim de que seu processo de existência não seja abalado por complexos dilemas científicos e filosóficos. (GRAVES, 1970, 1974)

O Quadro 5 resume brevemente os níveis de existência dos indivíduos defendidos por Graves (1970, 1974).

Quadro 5: Os níveis de existência dos indivíduos

Nível de Existência dos Indivíduos

Breve Descrição

EgocêntricoRelação dicotômica entre autoritarismo e submissão. Prevalece uma lógica de defesa dos interesses pessoais.

SantoAs regras descrevem com clareza como cada um deve se comportar. Nega-se um prazer individual em prol de um bem coletivo.

MaterialistaSatisfação dos desejos individuais em um curto período de tempo. O homem é o centro de seu próprio mundo.

SociocêntricoCidadania e civilidade contribuem para que o homem se torne sociável. A preocupação de pertencer a um grupo e ser aceito por ele.

CognitivoA relação entre as coisas e os seres vivos. Uma preocupação de perpetuar sociedades, instituições e natureza.

DicotômicoCompreensão da realidade por diversas lentes do conhecimento. Consciência plena de sua representatividade para com o meio.

Fonte: elaborado pelos autores a partir das contribuições de Graves (1970, 1974).

Os níveis de representatividade das organizações

Beck e Cowan (1996), sucessores de Graves (1970, 1974), afirmam que se, por alguma ocasião, as circunstâncias sociais se transformarem, por situações que convidem as organizações a responderem e, consequentemente, reconsiderarem seu papel junto à sociedade, isto

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implicará que tais organizações terão que se readaptar, ou realinhar-se, por meio de mudanças em todos os seus mecanismos de gestão já institucionalizados (missão, visão, políticas de desenvolvimento, tomadas de decisões, modelos de reportar ações ao meio, parcerias de negócios etc.).

Graves (1970, 1974) e Beck e Cowan (1996) deixaram claro que as entidades sociais, eventualmente, tentarão conhecer os desafios impostos pela condição social da qual participam, de maneira que possam compreender se a essa estão inerentes os riscos de desaparecimento de necessidades que garantam a sobrevivência dos padrões sociais atuais. Como a comparação que se busca é entre os níveis de existência dos indivíduos e os níveis de representatividade das organizações, buscou-se por um inter-relacionamento que se desenvolvesse a partir do nível egocêntrico. Os níveis de existência dos seres humanos e os níveis de representatividade das organizações são consequentes e complementares. (GRAVES, 1970, 1974; BECK; COWAN, 1996) Para uma organização conquistar uma representatividade dicotômica nem todos os indivíduos precisam estar em tal nível, mas sim aqueles que participam de maior poder de influência sobre os grupos sociais. (BECK; COWAN, 1996) Como Graves (1970) afirmou, nos tempos passados e contemporâneos existiram e existem sociedades compostas por pessoas inseridas em todos os níveis cujos sistemas de valores estão misturados. Graves (1970, 1974) e Beck e Cowan (1996) afirmam que se os seres humanos pertencentes a determinados grupos, tais como as organizações, não se desenvolverem, tais grupos tendem a desaparecer, já que os níveis de existência dos indivíduos tornam-se estáticos e as organizações tendem a extinguir tais comportamentos sociais. Os níveis de representatividade das organizações propostos por Beck e Cowan (1996) a partir da teoria dos níveis de existência de Graves (1970, 1974) são descritos em sequência.

As organizações inseridas ao nível de representatividade egocêntrico exercem suas atividades mercadológicas por meio de uma orientação mercantilista, pela qual privilegia-se a concessão de muito poder para poucos atores sociais. As organizações egocêntricas têm como necessária a acumulação primitiva de capitais e por isso justificam a degradação

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contínua do meio ambiente sem o estabelecimento de um compromisso de compensar os prejuízos socioambientais gerados por meio de atividades produtivas, transações comerciais e prestação de serviços. As organizações egocêntricas constituem o centro de suas redes de relacionamentos, enquanto que outros atores sociais (indivíduos, sociedade, instituições) ficam a margem de processos decisórios importantes. (BECK; COWAN, 1996)

A manutenção de empresas puramente egocêntricas em contextos regionais, nacionais e internacionais incorre em riscos e prejuízos econômicos e ambientais capazes de comprometer a ordem social, bem por isso observa-se o aparecimento de instrumentos coercitivos, de natureza legislativa, que obrigam as empresas a reconhecerem pelo menos parte de sua responsabilidade para com o meio. As organizações que assumem essas responsabilidades por uma ótica sacrificante possuem um nível de representatividade santo. Neste faz-se o que é determinado por lei, a fim de que a organização sinta-se cumpridora de sua função social, ou seja, isenta de punições legais mediante possíveis prejuízos que comprometam a sociedade, a economia, as instituições e o meio ambiente. (BECK; COWAN, 1996)

Quando as organizações descobrem que tais obrigações podem representar novas fontes de lucros elas deixam de observar sua representatividade por uma ótica sacrificante e aderem a uma representatividade orientada por uma lógica de retornos, a qual está inserida no nível materialista de representatividade das organizações. Uma organização materialista auxilia a sociedade, preserva o meio ambiente e valoriza o ser humano desde que haja um retorno financeiro diretamente relacionado a essas ações. Todos os investimentos relacionados ao bem estar do meio precisam comprovar sua viabilidade financeira para a organização, o que testifica o lucro como principal força motivadora da representatividade materialista das organizações. (BECK; COWAN, 1996)

Beck e Cowan (1996) asseveram que a legitimação do lucro significa a possibilidade das organizações observarem a sociedade por uma nova ótica, a da reciprocidade. Nesta concepção passa a existir uma noção de

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reciprocidade entre organizações, sociedade e meio ambiente, sem que haja a desconsideração do lucro como imprescindível. Este é o nível de representatividade sociocêntrico, pelo qual se ressalta a necessidade de manter uma relação saudável com todos aqueles que compõem a cadeia de relacionamento da organização, pois essas cooperações contribuem para a longevidade de suas diversas atividades operacionais. Neste nível de representatividade a organização não é mais o centro das análises, uma vez que se assume como parte de um todo que influencia e é influenciado pelas próprias relações empresariais. (BECK; COWAN, 1996)

No próximo nível de representatividade, denominado por Beck e Cowan (1996) de cognitivo, as organizações reconhecem sua real representatividade junto ao meio que a ampara. Uma organização cognitiva assume que uma busca incessante por lucros contribui para: extinção do meio ambiente, degeneração das estruturas sociais, degradação do patrimônio cultural e rompimento dos ciclos econômicos. A partir deste cenário conclui-se que a continuidade de todos, inclusive das organizações, fica ameaçada. (BECK; COWAN, 1996)

Embora seja complexo, o nível de representatividade cognitivo pode ser complementado por meio da identificação da plenitude dos ricos e benefícios gerados pela organização por meio de suas atividades operacionais. Esta visão completa dos efeitos causados por seu funcionamento coloca a organização em um nível de representatividade dicotômico. Devido a algumas restrições legais, algumas organizações optam por omitirem o fato de terem alcançado este nível. Isto porque teriam de se autodenunciar sobre alguns malefícios ambientais e sociais gerados em seus cotidianos, os quais não são vigiados pelas legislações e não são percebidos pelos diferentes movimentos sociais fiscalizadores. Quando este nível é alcançado e assumido pela organização realiza-se uma gestão preocupada com o todo, isto é, uma gestão holística. (BECK; COWAN, 1996)

O Quadro 6 resume brevemente os níveis de representatividade das organizações defendidos por Beck e Cowan (1996).

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Quadro 6: Os níveis de representatividade das organizações

Nível de Representatividade das Organizações

Breve Descrição

Egocêntrico Ótica puramente mercantilista. Poucos possuem muito poder e muitos possuem apenas o dever de obedecer. Degradação do meio ambiente.

Santo Ótica sacrificante. Faz-se o que está previsto em lei. O foco está em fazer com que a organização cumpra sua função social.

Materialista Ótica de retornos. Auxílios à sociedade, preservação do meio ambiente e valorização do ser humano somente com retornos financeiros.

Sociocêntrico Ótica de reciprocidade entre organizações, sociedade e meio ambiente, sem a desconsideração da necessidade do lucro.

Cognitivo Primeiro nível de reconhecimento pleno da representatividade. Ameaça a continuidade do meio como um todo.

Dicotômico Assunção e reconhecimento da plenitude dos riscos e benefícios sociais gerados pelas atividades organizacionais.

Fonte: elaborado pelos autores a partir das contribuições de Beck e Cowan (1996).

Os tipos ideais de desenvolvimento sustentável

Para a apresentação dos tipos ideais de desenvolvimento sustentável será introduzida uma contextualização sobre suas elaborações. Este exercício será segmentado em três partes, as quais serão representadas pelos Modelos Heurísticos da evolução tecnológica de Ramos (1983). Como já mencionado, estes Modelos Heurísticos foram utilizados para se referenciar aos diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico participados por nações e regiões, os quais, a partir de análises pautadas por sistemas de produção industrial, indicarão o comportamento das organizações em patamares diferenciados de atuação no sistema capitalista.

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As características dos Modelos Heurísticos (o instrumento de trabalho, o processo de produção, o sistema de produção, a qualidade da produção, o consumo de energia, os materiais, a razão entre capital e trabalho e a técnica administrativa) serão complementadas por contribuições pontuais extraídas da Sociologia Weberiana, pelas quais serão analisadas algumas características macro sociais de cada um dos Modelos Heurísticos estudados (a relação entre os grupos de status e as classes sociais, os esquemas de decisões sociais, os sistemas de dominação predominantes e a força legislativa). Tais análises serão enriquecidas pela indicação dos níveis de existência dos seres humanos que predominam em cada configuração estruturada que, por sua vez, será complementada pela apresentação de níveis de representatividade das organizações condizentes com os níveis de existência selecionados.

Por meio da compreensão de algumas informações peculiares sobre o movimento das sociedades, complementada pelo entendimento de comportamentos organizacionais específicos, quanto à evolução tecnológica das regiões que amparam estas empresas, pela caracterização predominante dos indivíduos inseridos nessas localidades e da representatividade conferida por eles ao exercício de gestão racional das organizações, serão apresentados os tipos ideais de desenvolvimento sustentável que podem qualificar regiões como pertencentes, respectivamente, ao modelo arcaico, ao modelo de transição e ao modelo atualizante.

Conforme já exposto, o modelo arcaico representa o exemplo mais rudimentar de exercício do capitalismo. É inerente a este modelo a existência de grupos de status, no entanto estes são idênticos às classes sociais, pois, aqueles que buscam manter seus interesses e status sociais são os mesmos que já possuem uma posição social superior legitimada pela classe social que representam, a qual, por sua vez, é regida por desmandos e vontades de uma elite dominante. Essa, elege um líder para personificar a expressão e a atuação do poder social, pessoa assumida e aceita como superior para decidir e julgar as necessidades e as ações de seus súditos, bem por isso propõe-se que neste modelo predomine a dominação carismática, por ser imposta e obediente a uma jurisprudência situacional. As decisões

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sociais ofertadas por tal líder migram de um quadrante em que os níveis de diferenciação e de generalização de suas sentenças são ambos baixos, isto é, marcadas por critérios pautados por considerações práticas, relacionadas a casos específicos (irracionalidade substantiva), e culminam em um espaço em que as decisões sociais possuem um nível de diferenciação elevado, mas à custa de um baixo nível de generalização, ou seja, referem-se às decisões tomadas sem qualquer referência a um padrão geral pré-estabelecido e sem maiores preocupações com os sujeitos sociais envolvidos àquele específico processo decisório (irracionalidade formal). Por consequência da relação harmoniosa entre os grupos de status e as classes sociais, da predominância de uma dominação carismática e de decisões sociais que partem de uma irracionalidade substantiva e que não conseguem romper com o limite da irracionalidade formal, admoesta-se que a força legislativa está nas mãos dos poucos que elegem o líder carismático. Isto é, importam às legislações os fatores econômicos e a organização política relegando assuntos sociais e especificidades profissionais. (ANDRESKI, 1964; WEBER, 1964, 1968; TRUBEK, 1972; BARBALET, 1980; WOODS, 2003)

No modelo arcaico o indivíduo é compreendido como um sinônimo da força braçal que emprega, haja vista que o processo de produção das organizações é comum a todos os povos, uma vez que há o domínio do ofício artesanal completo, no qual um sujeito é responsável por toda a cadeia de produção, e o início do ofício artesanal especializado, no qual os indivíduos especializam-se em partes do processo produtivo. Isso remete a uma qualidade produtiva rudimentar, marcada pela ausência de técnicas administrativas refinadas, e, por consequência deste cenário, observam-se constantes atrasos nos processos produtivos, os quais têm baixo consumo de energia mecânica e são altamente dependentes do emprego de força humana e animal. A produção ocorre pela lapidação rústica de materiais nada inovadores, como madeira, ferro e bronze. O processo produ tivo, excessivo em mão de obra, é organizado com muitos instrumentos coercitivos, com práticas de comunicações deficientes e com a extrema valorização dos retornos financeiros. Embora exista uma acumulação primitiva de lucros, pelos inúmeros funcionários necessários à produção, existe pouca aplicação (investimento) de capital. (RAMOS, 1983)

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O movimento social e organizacional no modelo arcaico permite inferir que, em regiões assim qualificadas, predomina um sistema de sobrevivência marcado por uma lógica de defesa de interesses pessoais, no qual poucos mandam e muitos obedecem, para que assim sejam garantidas condições básicas de bem-estar e segurança. Está claro para estes indivíduos que certas regras sociais são prescritas a eles, uma vez que essas descrevem claramente o tipo de comportamento esperado de cada classe social. Ela é o centro das relações, por meio das quais impera uma ideologia de obrigação mercantilista, ou seja, a organização apenas fará o que é bom se for obrigada por mecanismos legislativos devidamente legitimados. Observa-se assim que, em relação aos níveis de existência dos indivíduos e aos níveis de representatividade das organizações, mesclam-se fatores dos patamares egocêntrico e santo. (GRAVES, 1970, 1974; BECK; COWAN, 1996)

Apresentadas essas considerações sintetiza-se no Quadro 7 o modelo arcaico de desenvolvimento sustentável.

Quadro 7: O modelo arcaico de desenvolvimento sustentável

O Modelo Arcaico de Desenvolvimento Sustentável

Entende-se por desenvolvimento sustentável um processo interessado em atender preocupações imediatistas, por meio do qual uma elite dominante exerce função autoritária em relação a toda sociedade, que por necessitar de segurança e, em primeira instancia sobreviver, acata tais desmandos. Desenvolver-se sustentavelmente, no âmbito do sujeito, significa defender os seus interesses e desvencilhar-se de punições, em uma relação marcada por um líder específico (personificação da elite) e seus respectivos submissos (sociedade em geral). O ato de desenvolver-se sustentavelmente para as organizações presentes a regiões/nações pertencentes em um modelo arcaico é concebido por uma ótica puramente mercantilista, na qual poucos detêm muito poder e muitos possuem apenas o dever de obedecer. O ambiente importa ao desenvolvimento sustentável do modelo arcaico como fonte “inesgotável” de degradação, a qual é justificada por uma causa maior: a necessidade de uma acumulação primitiva de capitais desinteressada em compensar os prejuízos sociais e ambientais gerados.

Fonte: elaborado pelos autores a partir das contribuições de Andreski (1964), Weber (1964, 1968), Graves (1970), Trubek (1972), Barbalet (1980), Ramos (1983), Beck e Cowan (1996) e Woods (2003).

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O modelo de transição compreende um esquema intermediário entre o que há de mais simples e o mais complexo no capitalismo. Os grupos de status também existem no modelo de transição, mas em localidades imersas em tais condicionantes capitalistas eles começam a divergir dos interesses das classes sociais dominantes, na medida em que surge uma nova elite composta pelos novos ricos. Tal cenário contribui para que o tipo de dominação social predominante seja a tradicional, regida por decisões justificadas por fatos empíricos e fundamentada em tradições sociais imutáveis. Intrínseca a esta dominação estão as decisões que partem de uma irracionalidade formal e conquistam maior expressividade em uma racionalidade substantiva. Nessa, as decisões consideram critérios e padrões mais generalizados. Embora mais pessoas participem das decisões sociais, essas ainda não contemplam os menos afortunados, bem por isso infere-se que os fatores econômicos ainda predominam na constituição de forças legislativas, no entanto com uma atenção maior a necessidade de organização política, haja vista a imprescindibilidade de que a burguesia garanta a sua representatividade. (ANDRESKI, 1964; WEBER, 1964, 1968; TRUBEK, 1972; BARBALET, 1980; WOODS, 2003)

No modelo de transição o indivíduo é valorizado como sinônimo da profissão que representa, uma vez que os processos de produção tradicionais começam a entrar em conflito com as tecnologias importadas, o que obriga a constituição de esquemas de trabalhos parcelados, executados sucessiva e simultaneamente, nos quais as máquinas são operacionalizadas pelos homens. Toda esta revolução conflui em um aumento na complexidade de gestão das organizações e um efetivo incremento no controle qualitativo dos produtos. Como há mais tecnologia, os processos produtivos são relativamente mais rápidos, mas ainda dotados de certos atrasos por precisarem da contribuição do homem na operacionalização das máquinas. As inovações tecnológicas permitem o tratamento de materiais mais inovadores como aço liga, alumínio e ligas leves. As práticas de gerenciamento menos coercitivas, mais comunicativas e com menos relevância ao fator econômico, fazem predominar uma visão de balanceamento dos investimentos em mão de obra qualificada e aplicações de capital mais arrojadas. (RAMOS, 1983)

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As características sociais e organizacionais dominantes no modelo de transição permitem inferir que o ser humano passa a ser conduzido por um desejo de conquistar o mundo em um curto espaço de tempo, ao passo que começa a ganhar a representatividade de um ser sociável, logo, preocupado em se autocompreender e em relacionar-se com os que estão a sua volta. De maneira semelhante, as organizações começam a admitir fatos administrativos como auxiliar a sociedade, preservar o meio ambiente e valorizar o ser humano, desde que tudo isto seja conquistado com retornos financeiros justificáveis. Gradativamente a organização sai do foco de análise e passa a compor parte de um complexo holístico vislumbrado nas relações empresariais. Com base nas contribuições de Graves (1970, 1974) e de Beck e Cowan (1996) é possível observar uma inter-relação entre os níveis materialista e sociocêntrico de existência dos indivíduos e de representatividade das organizações.

A partir das considerações apresentadas sintetiza-se, no Quadro 8, o modelo de transição de desenvolvimento sustentável.

Quadro 8: O modelo de transição de desenvolvimento sustentável

O Modelo de Transição de Desenvolvimento Sustentável

O desenvolvimento sustentável é um fenômeno responsável por tentar remediar o que está errado e desinteressado em antever futuras patologias socioambientais. Embora não seja tão imediatista quanto o desenvolvimento sustentável do modelo arcaico não chega a contemplar uma visão que alcance discussões de médio prazo. O poder deixa de ser patrimônio exclusivo das elites e alcança novas dimensões sociais, as quais são constituídas por novos ricos, os detentores de inúmeros oligopólios. Por tal realidade, para o indivíduo desenvolver-se sustentavelmente é o mesmo que conquistar o mundo por meio da descoberta de seus segredos mais instigadores, por uma ideologia objetivista e positivista na qual a satisfação dos desejos humanos precisa ocorrer em um curto espaço de tempo. A relação de submissão respeitosa no modelo arcaico é substituída por uma relação de inveja e ódio devido à crescente discrepância e miséria social. Para as organizações o desenvolvimento sustentável significa auxiliar a sociedade, preservar o meio ambiente e valorizar o ser humano, desde que tais ações sejam acompanhadas de retornos financeiros sempre maiores.

Fonte: elaborado pelos autores a partir das contribuições de Andreski (1964), Weber (1964, 1968), Graves (1970), Trubek (1972), Barbalet (1980), Ramos (1983), Beck e Cowan (1996) e Woods (2003).

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O modelo atualizante constitui a complexidade máxima do sistema capitalista, se é que essa um dia possa ser alcançada. Vale dizer, no entanto, que este modelo não vai muito além de uma realidade possível de ser observável, pois ele não propõe uma nova ordem mundial, mas sim uma organização mais avançada da ordem requisitada pelo capitalismo. Neste modelo a liberdade de questionar é ampla, bem por isso concede-se a uma elite intelectual (e não financeira) a representatividade dos grupos de status. Estes buscam uma plena liberdade social porque lutam por novos parâmetros de estratificação social. Na verdade, os grupos de status se chocam com as classes sociais, por perguntarem infinitamente: qual a verdadeira riqueza das nações? A investigação da resposta deste questionamento é garantida por um sistema de dominação legal, enquadrado por decisões pautadas por uma racionalidade lógica formal, as quais estão baseadas em princípios sociais legitimados, cuidadosamente elaborados, pois estabelecem os padrões de ações sociais. Esta padronização de de cisões sociais, amparada por um sistema de dominação legal, intenta conferir uma plena regulamentação ao sistema, para que todas as camadas sociais possam ter seus direitos garantidos (o que não implica o cumprimento real dos mesmos). (ANDRESKI, 1964; WEBER, 1964, 1968; TRUBEK, 1972; BARBALET, 1980; WOODS, 2003)

Os indivíduos para uma região atualizante são valorizados como seres pensantes dotados de competências específicas que são capazes de transformar e revolucionar as rotinas econômicas, ecológicas, sociais e políticas de uma comunidade. Os indivíduos que importam ao modelo atualizante elaboram as novas tecnologias, dão vazão às inovações e concedem vida aos desejos mais inquietos dos consumidores. Os demais sujeitos sociais vivem a margem de uma sociedade cada vez mais desigual, que apesar de garantir o direito de sobrevivência dos pares humanos, não oferece a todos a mesma potencialidade de inserção social. As organizações possuem suas técnicas de administração continuamente implementadas por sistemas integrados de gestão sempre mais complexos. Os processos produtivos são rápidos e previsíveis, pois, o que está à frente de todas as tarefas são máquinas configuradas para substituírem os homens. Com o

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excedente de mão de obra, essa, torna-se desvalorizada, o que possibilita a realização de maiores aplicações de capital. São priorizadas a formação e o desenvolvimento de trabalhadores do conhecimento, já que eles podem ser gerenciados sem nenhuma coerção, possuem alta capacidade de assimilação dos programas comunicativos e entendem que o retorno financeiro é uma consequência inevitável do exercício de suas competências. (RAMOS, 1983)

No patamar atualizante, dentre os níveis de existência dos indivíduos apontados por Graves (1970, 1974), acredita-se que possa haver uma relação entre a plenitude do nível cognitivo e um início do nível dicotômico, ou seja, o homem emancipa-se dos estágios de subsistência e alcança o primeiro nível de existência do ser humano. Esta etapa é sequenciada por um momento crucial, no qual o indivíduo compreende totalmente a sua representatividade, adquire a consciência de sua participação social e age em relação a tal cenário, ou teme em relação a ele e opta, conscientemente, por retornar a estágios anteriores a fim de que seu processo de existência não seja abalado por grandes dilemas científicos e filosóficos. (GRAVES, 1970, 1974) O mesmo ocorre com as organizações, que adquirem uma noção sobre sua real representatividade para com o meio que a ampara. Esta ciência determina uma evolução irremediável, por meio da qual ela tende a assumir e reconhecer a plenitude de riscos e benefícios gerados por suas atividades. (BECK; COWAN, 1996)

Levando em consideração essas características sintetiza-se, no Quadro 9, o modelo atualizante de desenvolvimento sustentável.

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Quadro 9: O modelo atualizante de desenvolvimento sustentável

O Modelo Atualizante de Desenvolvimento Sustentável

Após uma evolução que passa pelo modelo arcaico e pelo modelo atualizante, o desenvolvimento sustentável assume um caráter micro e macro social, interpretado por uma abordagem multidisciplinar interessada em investigar os erros passados, resolver as patologias contemporâneas e evitar catástrofes futuras (uma efetiva visão de longo prazo). Para o sujeito, desenvolver-se sustentavelmente é conhecer as coisas e compreender as relações delas com os seres vivos, para que assim a continuidade de existência dos indivíduos, das sociedades, das instituições e da própria natureza seja garantida. Para as organizações inseridas em um molde capitalista atualizante o desenvolvimento sustentável é algo tão imenso que legitima a declaração do óbvio: se por meio de uma busca desenfreada de lucros, extingue-se o meio ambiente, degeneram-se as estruturas sociais e os ciclos econômicos possuem cada vez menos durabilidade, então a continuidade de todos, inclusive da organização, se torna ameaçada. O desenvolvimento sustentável é sinônimo de mudança de paradigma, de reflexibilidade de uma sociedade desigual que busca por parâmetros igualitários de inserção social.

Fonte: elaborado pelos autores a partir das contribuições de Andreski (1964), Weber (1964, 1968), Graves (1970), Trubek (1972), Barbalet (1980), Ramos (1983), Beck e Cowan (1996) e Woods (2003).

Após a exposição das relações teóricas que permitiram a proposição de tipos ideais para o desenvolvimento sustentável apresenta-se em sequência, por meio do Quadro 10, uma síntese de suas principais características.

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Quadro 10 – Os tipos ideais de desenvolvimento sustentável

Modelo Arcaico de Desenvolvimento Sustentável

Modelo de Transição de Desenvolvimento Sustentável

Modelo Atualizante de Desenvolvimento Sustentável

· Os grupos de status são idên-ticos às classes sociais.· Predomínio de uma domina-ção carismática.· Decisões sociais que partem de uma irracionalidade subs-tantiva e culminam na irracio-nalidade formal.· Importam às legislações os fatores econômicos e a organi-zação política.· O indivíduo é sinônimo da força braçal que emprega.· Qualidade produtiva rudi-mentar com controles precá-rios.· Processo produtivo com mui-tos instrumentos coercitivos.· Acumulação primitiva de ca-pitais.· Coexistem os níveis egocên-trico e santo de existência dos indivíduos e de representativi-dade das organizações.Em síntese:O desenvolvimento sustentá-vel é um processo interessado em atender preocupações ime-diatistas. No âmbito individu-al significa defender interesses e desvencilhar-se de punições. Na esfera organizacional signi-fica valorizar o modelo econô-mico mercantilista. O ambien-te importa como fonte inesgo-tável de degradação.

· Os grupos de status começam a divergir das classes sociais.· Predomínio de uma domina-ção tradicional.· Decisões sociais que partem de uma irracionalidade formal e culminam na racionalidade substantiva.· Os fenômenos econômicos ainda predominam na consti-tuição de forças legislativas.· O indivíduo como sinônimo da profissão que representa.· Incremento no controle qua-litativo dos produtos.· Processo produtivo inovado-res e com menos coerção.· Investimentos em mão de obra qualificada e capital.· Coexistem os níveis mate-rialista e sociocêntrico de existência dos indivíduos e de representatividade das organi-zações.Em síntese:O desenvolvimento susten-tável remedia os erros e não se interessa por futuras cala-midades sociais e ambientais. Para o indivíduo o descobrir dos segredos mais instigado-res do mundo. Para as organi-zações o auxílio à sociedade, a preservação do meio ambiente e a valorização do ser humano devem ser ações rentáveis.

· Os grupos de status se cho-cam com as classes dominan-tes.· Predomínio de uma domina-ção legal.· Decisões sociais que partem de uma racionalidade substan-tiva e culminam na racionali-dade lógica formal.· Garantia dos direitos bási-cos a todas as camadas sociais (plena regulamentação do sis-tema).· Os indivíduos são seres pen-santes e revolucionários da realidade· Técnicas de qualidade cada vez mais aprimoradas.· Sistemas integrados de ges-tão sempre mais complexos.· Formação e desenvolvimento dos trabalhadores do conheci-mento.· Coexistem os níveis cognitivo e dicotômico de existência dos indivíduos e de representativi-dade das organizações.Em síntese:O desenvolvimento sustentá-vel é multidisciplinar, investi-ga os erros passados, resolve as patologias contemporâneas e evita catástrofes futuras. In-dividualmente existe uma pre-ocupação sobre a continuidade sistêmica. Para as organiza-ções ficam nítidas as ameaças inerentes, as quais cobram por uma mudança de paradigma.

Fonte: elaborado pelos autores a partir das contribuições de Andreski (1964), Weber (1964, 1968), Graves (1970), Trubek (1972), Barbalet (1980), Ramos (1983), Beck e Cowan (1996) e Woods (2003).

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Considerações finais

Este artigo foi desenvolvido com o objetivo principal de propor tipos ideais para orientar o desenvolvimento sustentável. A apresentação deste propósito de estudo se justifica pela necessidade de legitimar um debate acadêmico coerente e fundamenta do sobre o desenvolvimento sustentável junto à administração e às demais ciências sociais aplicadas. Por meio deste debate busca-se introduzir considerações que são proposições científicas e não verdades absolutas e inquestionáveis. A partir do pressuposto apresentado na seção que tratou sobre a metodologia desta pesquisa, isto é, de que o desenvolvimento sustentável se sujeita à racionalidade presente no território que o analisa e o busca, considerou-se necessário compreender, em âmbito teórico, a relação entre este tema e as diferentes configurações territoriais que o interpretam.

Os tipos ideais propostos denominaram-se modelo arcaico de desenvolvimento sustentável, modelo de transição de desenvolvimento sustentável e modelo atualizante do desenvolvimento sustentável. Dentre as muitas caracterizações alocadas a esses tipos ideais, destaca-se a compreensão proposta em relação ao próprio desenvolvimento sustentável. No modelo arcaico o desenvolvimento sustentável foi compreendido como um processo interessado em atender preocupações imediatistas. Para o modelo de transição considerou-se o desenvolvimento sustentável como um fenômeno responsável por tentar remediar o que está errado sem um interesse de antecipar as soluções de futuras patologias. E, para o modelo atualizante, o desenvolvimento sustentável foi assumido como fenômeno de caráter micro e macro social, interpretado por uma abordagem multidisciplinar interessada em investigar os erros passados, resolver as patologias contemporâneas e evitar catástrofes futuras.

A partir das relações teóricas desenvolvidas e que culminaram com a proposição dos tipos ideais foram realizadas algumas ponderações. É possível perceber que o modelo arcaico do desenvolvimento sustentável assume um compromisso de continuidade da lógica mercantilista, sem a consideração ou aceitação de qualquer externalidade sistêmica que indique

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a necessidade de alteração de alguns padrões desta ótica econômica. O modelo de transição concede ao desenvolvimento sustentável um caráter reativo, mas não provocativo, uma vez que acata imposições sem se interessar por romper o limite da obrigatoriedade. E, no modelo atualizante, pode ser constatada uma postura proativa do desenvolvimento sustentável enquanto fenômeno social, pois agrega para si interesses passados, preocupações contemporâneas e cenários futuros que, em conjunto, sinalizam a necessidade de mudanças diversas em prol de que o sistema como um todo não seja extinto.

Essas ponderações indicam, em conformidade com as reflexões teóricas apresentadas, que um desenvolvimento sustentável orientado para a o longo prazo apenas se dará no tipo ideal descrito pelo modelo atualizante de desenvolvimento sustentável, ou seja, na configuração mais complexa das que foram defendidas. Fica claro que o tipo ideal representado pelo modelo arcaico de desenvolvimento sustentável não cobra modificações socioeconômicas muito significativas, que por sua vez são comentadas em nível inicial pelo modelo de transição de desenvolvimento sustentável. Por meio dessas constatações admite-se que transformações e inovações estruturais em prol do desenvolvimento sustentável exigem uma maturidade atualizante do sistema capitalista.

Este conjunto de discussões conflui com a postura necessária de refutar proposições científicas que alinhem, juntamente com o desenvolvimento sustentável, questões sociais, econômicas e ambientais por abordagens ingênuas e inócuas, as quais não conferem com a complexidade exigida pelos sistemas contemporâneos para o alcance de um modelo atualizante de desenvolvimento sustentável. Como opção de combate a essas análises, um tanto inocentes, sugere-se a utilização do conhecimento já disponível sobre o tema para a elaboração de inovações científicas necessárias. Em outras palavras, a criação de neologismos ou novas teorias para explicar um fenômeno que pode ser entendido por meio de nomenclaturas e teorias já existentes, pode contribuir menos para o estado da arte do que pode vir a ser conhecido a respeito do desenvolvimento sustentável.

A proposição de tipos ideais para orientar o desenvolvimento sustentável inova ao relacionar o tema em perspectiva com referências

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relevantes das teorias das organizações, o que ressalta a contribuição mencionada no parágrafo anterior de tentar compreender este fenômeno a partir de nomenclaturas e teorias já existentes.

As relações teóricas permitiram a configuração de três possíveis modelos que podem ser investigados empiricamente, os quais não se pretendem rótulos que circundem o desenvolvimento sustentável em prisões cognitivas descontextualizadas, mas sim caminhos de análise para interpretações mais aprofundadas sobre o tema.

Estudos futuros podem ser desenvolvidos para complementar os tipos ideais aqui propostos, também, para desconstruí-los mediante a apresentação de alternativas ao aqui proposto. Outro tópico relevante a ser abordado seria a consideração das teorias organizacionais que mais estariam vinculadas a cada um dos tipos ideais propostos como candidatos à verdade científica a respeito do tema discutido neste artigo.

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99Percursos

MARKETING VERDE E PRÁTICAS SOCIOAMBIENTAIS NAS INDÚSTRIAS DO PARANÁ

Valéria Neder LopesMário Nei Pacagnan

Resumo: A preocupação das empresas com o meio ambiente e com todas as questões sociais envolvidas em seu processo tem se tornado uma constante nos últimos tempos. Devido a isso, estão surgindo novas formas de administrar os recursos disponíveis. Nesse contexto, enquadra-se o marketing verde que deve estar pautado em práticas ambientalmente corretas, com o intuito de gerar produtos e serviços mais sustentáveis, fortalecendo a imagem das empresas e diferenciando suas marcas no mercado. O intuito neste trabalho foi verificar se as grandes indústrias do Paraná estão se utilizando das práticas de marketing verde e se mantêm projetos de gestão socioambiental. Para atender a tais objetivos, elaborou-se uma pesquisa descritiva e quantitativa com 48 grandes empresas cadastradas na Federação das Indústrias do Paraná. Os resultados obtidos indicam que a maior parte das empresas possui departamento de marketing formalizado, mantém sistemas de gestão ambiental e utiliza moderadamente práticas de marketing verde.

Palavras-chave: marketing verde; meio ambiente; gestão socioambiental.

Introdução

O meio ambiente tornou-se um dos assuntos de maior urgência da atualidade. A discussão iniciada em meados dos anos 1970 foi aos poucos ganhando repercussão e, atualmente, é motivo de preocupação global. Estudos apontam cenários cada vez mais caóticos no que diz respeito ao meio ambiente e aos recursos naturais. Os frequentes desastres naturais, a projeção da falta dos recursos primários, a degradação abusiva do meio ambiente, o consumo sem medida da população e a interferência no processo social tendem a provocar danos irreversíveis ao meio ambiente, o que afetará diretamente a existência humana. Esses fatos têm feito com que pessoas e organizações busquem novos valores e adotem novos paradigmas com relação ao meio ecológico.

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Portanto, é o momento para as empresas alinharem suas estratégias de atuação ante essa nova perspectiva, garantindo benefícios não somente à sua organização, mas também para a sociedade como um todo. Para Ottman (1994), o desenvolvimento de produtos e processos de manufatura ambientalmente saudáveis não apenas fornece uma oportunidade para realizar o correto, mas também pode aumentar a imagem corporativa e de marca, economizar custos e abrir novos mercados para produtos. Todos são esforços com o intuito de satisfazer as necessidades dos consumidores a fim de manter uma alta qualidade.

Para Barbieri (2003, p. 19), “[...] usar recursos de modo mais eficiente, podendo-se dizer que o esforço para compreender e dominar problemas ambientais constitui um dos capítulos mais importantes da história da ciência e tecnologia”. Diante desse novo cenário, as organizações mobilizam-se para apresentar um sistema de gestão mais ético, transparente e com processos mais limpos. Dessa forma, o marketing verde surge como uma ferramenta estratégica que visa equilibrar o consumo da sociedade com o mínimo impacto ao meio ambiente, criando produtos ecologicamente corretos desde a sua produção até o seu descarte para atender a uma demanda crescente de clientes ambientalmente conscientes. Ottman (1994) afirma que os administradores de negócios que puderem atender às demandas de consumidores com produtos ambientalmente saudáveis e estabelecer suas credenciais ambientais, enquanto as atitudes ainda estão se formando, têm chances de obter mais vantagens.

Pesquisas demonstram uma mudança significativa de comportamento das empresas com relação à promoção de processos mais sustentáveis. A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) tem realizado anualmente uma sondagem especial sobre meio ambiente com as indústrias de todo o País. A sondagem de 2010, com uma amostra de 1.227 empresas em todo o Brasil, demonstrou que 94,9% das grandes indústrias e 61,0% das pequenas adotam procedimentos associados à gestão ambiental. Dentre as empresas que adotam esses procedimentos a sondagem da Confederação Nacional das Indústrias (CNI, 2010) levantou quais foram os fatores que as fizeram adotar tais procedimentos, sendo o mais citado “imagem e reputação das empresas” (78,6%).

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Uma vez que um dos principais motivos que levam as empresas a adotar práticas de gerenciamento na área ambiental é a melhoria na imagem e na reputação, a prática do marketing verde é determinante para que este objetivo seja respondido. A melhoria de imagem de uma empresa está associada aos diferenciais e valores agregados aos seus produtos. A diferenciação ambiental em marketing é atingida por meio das práticas dessa ferramenta de marketing. Para Gonzaga (2005), esse termo refere-se aos instrumentos mercadológicos utilizados para explorar os benefícios ambientais proporcionados por um produto. Assim, os mais valorizados, de acordo com Gonzaga (2005), são aqueles que contribuem para a sustentabilidade.

O estudo do tema pode ser justificado por várias razões, dentre elas por ser um tema do presente e do futuro, conforme World Comission on Environment and Development [WCED] (1987), Simms (1992) e Ottman (1994). Para Chamorro (2003), o marketing verde é uma área de investigação muito jovem, que está se incorporando pouco a pouco aos livros de marketing e aos aspectos da gestão ecológica das empresas. Existe grande carência de estudos mais sistematizados sobre marketing e meio ambiente.

Diante do exposto, neste estudo procurou-se identificar quais são as atividades dessa área que podem ser associadas às práticas de gestão de responsabilidade socioambiental das empresas de grande porte, associadas à Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP). Para isso, realizou-se um levantamento bibliográfico, que teve como objetivo buscar as tipologias e evoluções teóricas acerca da teoria que envolve o tema, descrevendo quais são as atividades que permeiam as práticas utilizadas pelas empresas; levantar quais são as práticas socioambientais desenvolvidas pelas empresas e, por fim, verificar a existência de associação entre elas.

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Marketing verde

Desde os tempos do escambo até a globalização, a essência da troca é a mesma: suprir necessidades baseadas em valores e culturas, definindo critérios de consumo e produção. Essa é a premissa original do marketing que, de acordo com a American Marketing Association (AMA), é a execução das atividades de negócios que dirigem o fluxo de bens e serviços do produto ao consumidor. O marketing surgiu no início do século 20, a fim de solucionar problemas com a distribuição e a venda de produtos. Sua evolução ao longo do tempo tornou essa perspectiva mais humana, com o aparecimento de outras filosofias, tais como comportamento organizacional, ética nos negócios, ênfase nos recursos humanos e marketing societal (Peattie & Charter, 2005).

No final do século 20, em razão das mudanças ambientais, as empresas tornaram-se orientadas para o marketing societal. Segundo essa orientação de acordo com Kotler (1995), as empresas devem além de entregar valor aos clientes, satisfazendo suas necessidades e desejos, preocuparem-se em ter considerações com a ética, com a sociedade e com o meio ambiente. O pensamento meramente econômico predominante nas organizações voltou-se para as questões social e ambiental, segundo Layrargues (2000), desde o ambientalismo, que foi um movimento histórico originado a partir do recente reconhecimento dos assustadores efeitos negativos da intervenção na biosfera, em sua crítica ao modelo civilizatório e dos paradigmas da sociedade de consumo.

O ambientalismo empresarial, de acordo com Layrargues (2000), sobressaiu-se somente no início da década de 1990 na comunidade ambientalista, como promotor do desenvolvimento sustentável. Esta visão é apresentada também por Peattie e Charter (2005), os quais, através do contexto acima, demonstram as mudanças de atitude das empresas ao longo dos tempos, pois elas passaram de vilãs a parceiras incondicionais. Isso aconteceu uma vez que se percebeu que não é possível desenvolvimento sem organizações, havendo desenvolvimento sustentável, e é essencial a promoção da sustentabilidade.

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Para promover a sustentabilidade, Gonzaga (2005) destaca que o desafio imposto pelo mercado aos setores de produção de bens e serviços é buscar as soluções de gestão que sejam economicamente adequadas, socialmente aceitas e ambientalmente responsáveis, o que vem de encontro com os conceitos básicos de desenvolvimento sustentável. Esse autor também destaca que, junto com a demanda pelo uso sustentável do meio ambiente, a vigilância pelos valores éticos das organizações empresariais tende a crescer.

Conforme Layrargues (2000), o discurso empresarial verde anuncia uma mudança do rumo proposto em relação ao estilo de desenvolvimento convencional, contornando a omissão das empresas sobre a poluição, sinalizando um processo de transição ideológica, agregando princípios ecológicos aos seus processos, baseados nos critérios da sustentabilidade ambiental. Segundo o autor, o estabelecimento de normas ambientais visa homogeneizar conceitos, padrões e procedimentos relativos à questão ambiental, e está de mãos dadas com a criação do mercado verde. Sendo assim, as organizações devem encontrar outras maneiras de gerenciar seus recursos de modo a se manterem mais competitivas no mercado. Para Dahlstrom (2011), o marketing verde pode oferecer eficiência em cada etapa do processo, diminuindo o impacto ecológico total associado ao consumo.

O marketing verde não tem data específica de constituição, porém alguns autores como Calomarde (2000) e Dias (2007) reforçam a ideia de que seu surgimento está associado aos encontros ambientais ocorridos mundialmente, os quais discutiam as questões ambientais e os modelos de soluções. Por outro lado, Kotler (1995) afirma que, desde 1970, quando começaram a surgir leis de proteção ambiental nos Estados Unidos, o comportamento das empresas mudou: se antes elas podiam emitir resíduos poluentes, daí em diante não mais.

O marketing societal é visto como uma das orientações a área de marketing e, também, sob o ponto de vista de Dias (2007), o marketing verde está contido no conceito de social ou de causas sociais, numa perspectiva de marketing social corporativo. Dahlstrom (2011) afirma que, no contexto de marketing social, o marketing verde é definido como o desenvolvimento e

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a comercialização de produtos destinados a minimizar os efeitos negativos sobre o meio ambiente.

Para Peattie (1992), a preocupação com o meio ambiente na área de marketing ocorreu em três momentos. O primeiro foi no início dos anos 1970, quando começaram a surgir dúvidas quanto ao futuro ambiental mundial, influenciado por discussões referentes ao crescimento populacional e aos recursos naturais limitados e não renováveis. O segundo momento ocorreu em meados dos anos 1980, época em que a ênfase do marketing focado na questão ambiental se deu devido às questões entre marketing e consumo. Nos anos 1990 ocorreu o terceiro momento apontado por Peattie (1992), com a valorização dos princípios éticos na busca de novos modelos econômicos, sociais e mercadológicos.

O termo marketing verde surgiu nos anos 1970, quando a AMA discutiu os impactos do marketing sobre o meio ambiente natural. Nessa ocasião, o termo foi definido como o estudo dos aspectos positivos e negativos das atividades de marketing em relação à poluição, ao esgotamento de energia e dos recursos não renováveis.

Mais tarde, Polonsky (1994) escreveu um artigo considerando que o marketing verde consiste no conjunto das atividades concebidas para produzir e facilitar a comercialização de qualquer produto ou serviço, com a intenção de satisfazer necessidades e desejos humanos, porém causando impacto mínimo ao meio ambiente. Isso envolve modificação de produtos e embalagens, bem como mudanças em processos de produção e publicidade. Um ano depois, Kotler (1995) definiu o marketing verde como um movimento das empresas de criarem e colocarem no mercado produtos ambientalmente responsáveis em relação ao meio ambiente. Esses primeiros conceitos coincidem com a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada em 1992 no Rio de Janeiro, na qual o assunto entrou em voga absoluta.

Para Kotler e Keller (2006), o movimento de marketing verde foi criado em abril de 1990 nos Estados Unidos, com as atividades do dia do Planeta Terra. Houve uma explosão de produtos e programas de marketing ecologicamente corretos, aumentando então o número de empresas que capitalizam com a sensibilidade do consumidor a questões ambientais.

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As atividades de marketing verde devem ser destinadas a minimizar os impactos negativos sobre o ambiente físico, conforme Gonzaga (2005) sugeriu. Isso pressupõe a ideia de que seja possível criar riquezas com a diminuição dos impactos ambientais e as mudanças sociais que regulem os hábitos de consumo. Para Peattie (1992) também devem ser priorizados os aspectos ambientais nas decisões de marketing, mas ele alerta para o fato de que as empresas com atuação ambiental tendem a desenvolver estratégias que enfatizem os aspectos ecológicos de algumas de suas atividades, geralmente desenvolvendo novos produtos e comunicação, sem se dedicarem a criar atividades sustentáveis.

Dias (2007) propõe atividades específicas para o marketing verde, como o redirecionamento da escolha dos consumidores, orientando-os no processo de compra com base em novos valores; a reorientação do composto de marketing, com a incorporação de objetivos ecológicos em cada uma das políticas de marketing; a definição do componente ecológico em todos os processos e ações da organização; e, por fim, a incorporação de objetivos mais gerais com relação ao meio ambiente e aos objetivos específicos da empresa. A gestão de marketing verde é definida por Dahlstrom (2011, p. 6), “como o processo de planejamento e execução do composto de marketing para facilitar o consumo, produção, distribuição, promoção, embalagem e recuperação do produto de uma forma que seja sensível às preocupações ecológicas”.

As atividades de marketing verde devem ter como finalidade orientar, educar e criar desejos e necessidades nos consumidores, sempre visando causar um menor impacto ambiental, além de atingir os objetivos de comercialização das organizações. Além de ter a capacidade de promover eficazmente a conscientização ambiental, possui ligação direta com a sustentabilidade do consumo. Segundo Ottman (1994) e Polonsky (1994), o marketing verde é representado pelos esforços das organizações em satisfazer as expectativas dos consumidores de produtos que determinem menores impactos ambientais ao longo do seu ciclo de vida.

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Composto de marketing verde

As estratégias de marketing são traçadas a partir da combinação de quatro elementos – produto, preço, praça e promoção –, denominada composto de marketing, que, segundo Kotler (1995), são definidos como um conjunto de ferramentas controláveis pelas quais uma empresa pode influenciar a demanda do produto. Para o marketing, a conexão entre essas variáveis constitui uma estratégia poderosa para o desenvolvimento desse mercado verde. Vários autores como Ottman (1994), Callenbach et al. (1999), e Reinhardt (1999) defendem que a adoção de estratégias ambientais em marketing está vinculada à implementação de uma ética ambiental que abranja toda a organização. Ottman (1994) acrescenta que as estratégias não apenas representam uma mudança pioneira de comunicação, mas influenciam o desenvolvimento de novos produtos, sendo que a aliança entre formadores de opinião corporativos e ambientais cria um efeito que acaba por modelar uma solução completa, atendendo a interesses ambientais e dos consumidores.

O gerenciamento de marketing verde, de acordo com Dahlstrom (2011), é um processo de planejamento e execução do composto de marketing. “Embora os componentes do composto de marketing sejam frequentemente apresentados isoladamente, as decisões de marketing devem fluir a partir de objetivos organizacionais, e trabalhar em conjunto para produzir os resultados desejados para a empresa” (Dahlstrom, 2011, p. 222).

Para as empresas focadas na produção sustentável, isso implicará no desenvolvimento de produtos atraentes e funcionais, os quais, ao mesmo tempo em que satisfaçam a relação cliente e consumidor, ainda sejam socioambientalmente responsáveis. Isso não se limita ao produto em si, mas também abrange sua embalagem, seu processo de fabricação, sua logística e seu pós-consumo. Ottman (1994, p. 105) afirma que o produto verde é aquele que a: “performance ambiental e social é significativamente melhor do que as ofertas convencionais ou concorrenciais”.

O maior desafio dessa gestão é desenvolver esses tipos de produtos, com duração a longo prazo, e aliviar a responsabilidade socioambiental

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do consumidor. Nessa nova era de mercado, o valor de um produto inclui sua salubridade ambiental e de sua embalagem, sendo que cada vez mais envolverá seu impacto a longo prazo na sociedade após ser utilizado (Ottman, 1994).

Um produto que possui um atributo verde pode ser considerado diferenciado. Para Gonzaga (2005), aqueles concebidos com preocupações ecológicas e sociais permitem agregar valor comercial, tendo por princípio o potencial educacional e os valores que promovem, projetando uma imagem de alta qualidade, tanto dos produtos como da organização.

Os produtos ambientalmente corretos possuem características próprias. Ottman (1994) explica que os produtos verdes devem ser fabricados: com quantidade mínima de matéria-prima renovável e que conservem recursos naturais no processo de extração; com a máxima eficiência energética e de utilização de água, e com o mínimo despejo de efluentes e resíduos; e envasado em embalagens mais leves e menos volumosas. Essa autora também menciona que um produto verde deve ser concentrado, mais durável, ter utilidade para múltiplos propósitos, ser mais facilmente concertado, ter maior eficiência energética quando utilizado, ser reciclável, ser biodegradável, poder ser refabricado e ser substituído por refil.

Para Gonzaga (2005), a sustentabilidade dos recursos naturais necessários para a produção de bens destinados ao consumo humano implica em mudanças quantitativas e qualitativas de oferta e demanda. A utilização de estratégias ambientais pressupõe a ideia de que seja possível criar riquezas com a diminuição de impactos ambientais negativos e promover mudanças sociais que afetem os hábitos de consumo no mercado.

Os produtos verdes são um caso especial de diferenciação, pois associam a imagem ambiental à marca, e essa característica benéfica do produto deve ser percebida pelos consumidores como um valor vantajoso em relação ao custo. No entanto, Ottman (1994) esclarece que a diferenciação ambiental não é um atributo de produto ou serviço que substitua qualquer uma de suas utilidades básicas, ainda que o consumidor possa aceitar algum tipo de troca entre as vantagens de conveniência e preço por aquelas de qualidade ambiental e saúde.

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Segundo Johr (1994), alguns pontos devem ser considerados para o desenvolvimento de novos produtos verdes, como: a análise de sua composição quanto a toxicidade, efeitos colaterais, reciclagem e emissões; a avaliação de longevidade, manutenção, reciclagem e economia de matéria-prima; a verificação sobre o descarte e possível reaproveitamento; e, por fim, a análise das embalagens.

O preço de um produto deve incluir os custos normais de produção e, no caso de um verde, deve refletir os valores ambientais que ele possui. De acordo com Calomarde (2000), o estabelecimento de seu preço deve refletir a o valor percebido pelo consumidor.

Em regiões mais desenvolvidas, em que a consciência ambiental é maior, a variável preço tem menos influência no momento da compra e, por apresentarem características ambientais, aumenta o poder da venda desses produtos. De acordo com Calomarde (2000), os fatores considerados na determinação de preços para os produtos são a percepção dos consumidores, os produtos e os preços da concorrência e a estrutura dos custos unitários. Os benefícios ecológicos integram o fator de percepção, que é o mais difícil de ser aferido, pois é um balanço entre a utilidade percebida e o esforço de compra. Portanto. Para Dias (2007), a decisão de compra não está unicamente baseada no preço a pagar, mas também nos benefícios que aquele produto pode oferecer.

Segundo Dias (2007), os preços mais elevados dos produtos ecologicamente corretos são decorrentes de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, além de gastos com a comunicação para a conscientização do consumidor com relação ao seu consumo; no entanto, são custos que tendem a diminuir a longo prazo. No mercado de bens de consumo, a disposição de um consumidor para pagar pela diferenciação ambiental é limitada pela utilidade do produto, pelo sucesso ou insucesso em tentativas anteriores de diferenciação e pela sensibilidade ambiental dos consumidores (Gonzaga, 2005). Outros fatores como a percepção de valor, a cultura, os costumes e as experiências são características que, segundo Calomarde (2000), formam opiniões e podem influenciar na hora da decisão de compra de um produto que possua benefícios ecológicos.

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Para Reinhardt (1999), uma das condições básicas para a adoção de um marketing voltado às questões ambientais é a disposição do consumidor em pagar pela qualidade ambiental, condição que pode estar latente e que precisa ser ativada.

Os consumidores possuem percepções diferentes em relação aos valores agregados a determinados produtos, sendo influenciados pela cultura, pelos costumes, pelos valores e pelas experiências. De acordo com Calomarde (2000), tais características formam opiniões e podem influenciar na hora da decisão de compra de um produto que possua benefícios ecológicos. Para Dias (2007, p. 138), quando um consumidor adquire um produto verde, “não o faz unicamente pensando em sua utilidade tradicional, mas também nos valores que possui em relação à necessidade de proteção ao meio ambiente, que serão benefícios escolhidos em longo prazo”.

Dahlstrom (2011) afirma que o desenvolvimento da estratégia de preços pode ser visto como um processo de múltiplos estágios, e seu resultado é a proclamação de valor. Somente após todos esses fatores terem sido considerados, a empresa está em condições de proclamar o valor de sua oferta de produtos.

Para Calomarde (2000, p. 129), a distribuição “tem por objetivo levar os produtos do produtor ao consumidor no tempo, lugar e quantidade adequados”. Calomarde (2000) afirma que ela possui dois elementos de importância para o marketing verde: o reflexo da vida do produto, pois sua avaliação ambiental retrata uma imagem real dos benefícios ecológicos do produto; e o canal inverso para a coleta dos resíduos de materiais ao fim da vida útil do produto.

Do ponto de vista ambiental, Dias (2007) considera a existência de duas direções logísticas, uma de saída, que são os canais de distribuição a serem estabelecidos para a comercialização, e outra de entrada, em que os consumidores são geradores de produtos que serão encaminhados para a reciclagem. Essa dinâmica é conhecida como logística reversa.

A logística reversa é o retorno do ponto de consumo até o de origem. De acordo com Aligleri, Aligleri e Kruglianskas (2009), esta pode ser

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dividida em pós-venda, em que os produtos ainda não consumidos precisam retornar por razões comerciais como garantia e defeitos, e pós-consumo, referindo-se aos descartáveis e reutilizáveis ou embalagens recicláveis e sucatas. Sendo assim, os autores relatam que a logística reversa possui os mesmos elementos da logística direta, como os serviços, a armazenagem, o transporte, os estoques, o fluxo de materiais e os sistemas de informação, porém muitos gestores não conseguem visualizar de maneira integrada as consequências e os ganhos gerados por essa atividade.

As estratégias de comunicação no marketing verde, de acordo com Calomarde (2000), baseiam-se fundamentalmente em transmitir ideias que apoiem a questão ambiental, como a redução do consumo de energia, o uso de reciclados, os programas de melhoria ambiental e a comunicação dos valores internos ao conjunto da organização.

A política de comunicação ecológica deverá fornecer informações sobre os atributos ecológicos dos produtos e passar uma imagem de empresa ambientalmente consciente; sempre deverá recordar o consumidor das vantagens de um produto verde para que essa informação não se perca em sua próxima compra. Também deve ser realizada de forma clara e deve comunicar os valores da organização. Para Ottman (1994), os esforços em comunicação verde funcionam melhor quando os atributos verdes são óbvios, os benefícios ambientais de um produto são tangíveis e os esforços da marca individual são reforçados por iniciativas e êxito corporativos essenciais.

A comunicação deve refletir as propostas das estratégias lançadas pelo composto de marketing verde para o mercado-alvo. De acordo com Dias (2007, p. 157), deve “informar sobre os atributos do produto, principalmente sobre os aspectos positivos em relação ao meio ambiente, e transmitir a imagem da organização relacionada com a defesa e preservação de valores ambientalmente corretos”. No entanto, alerta que a comunicação ecológica pode fomentar prática condenável, como, por exemplo, enganar o consumidor por meio de propagandas, utilizando, como argumento, uma qualidade verde, sendo que o processo produtivo não respeita o meio ambiente.

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Gestão socioambiental

Recentemente, é possível notar que a questão ambiental está cada vez mais integrada ao planejamento das organizações, as quais têm contribuído para o desenvolvimento sustentável por meio da utilização de algumas estratégias como a adoção de certificações socioambientais, a adoção dos sistemas de gestão ambiental e a elaboração de programas de responsabilidade socioambientais.

Os programas de responsabilidade socioambeintal começaram a ter maior evidência a partir dos anos 1990, quando muitas empresas aderiram às certificações como uma oportunidade de mercado, conferindo a elas um certo grau de visibilidade, um diferencial competitivo em relação aos concorrentes. Gonzaga (2005) destaca que, junto com a demanda pelo uso sustentável do meio ambiente, tende a crescer a vigilância pelos valores éticos das organizações empresariais, tornando a prática de responsabilidade social uma constante dentro das empresas. A responsabilidade das organizações, assim como as propostas no conceito de sustentabilidade, são divididas em econômica, social e ambiental (Peattie, 1992). O WCED define a responsabilidade social corporativa como o negócio que contribui para o desenvolvimento econômico sustentável, trabalhando com empregados, suas famílias, a comunidade local e a sociedade, melhorando a qualidade de vida (WCED, 1987).

Sob o enfoque do Instituto Ethos (2008), a responsabilidade social empresarial é uma forma de gestão, definida pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável.

O ponto comum entre todos os conceitos é o fato de que as organizações buscam satisfazer as necessidades de pessoas e grupos com os quais elas se inter-relacionam, o que é chamado de teoria das redes de relacionamento ou stakeholders. De acordo com Aligleri, Aligleri e Kruglianskas (2009), essa perspectiva implica de a organização sentir-se responsável por suas ações perante todos que se sintam como parte

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interessada na atividade da empresa, como acionistas, empregados, comunidade, organizações não governamentais (ONGs), consumidores, fornecedores, concorrentes e o Governo.

A gestão socioambiental inclui todas as atividades operacionais e indiretas da organização. De acordo com Tachizawa e Bernardes (2008), as organizações devem integrar plenamente as políticas e os procedimentos ambientais como elementos essenciais de gestão em todos os seus domínios e, consequentemente, redefinir-se em termos de missão, crenças e valores integrando a sustentabilidade às suas estratégias.

Os resultados com a gestão ambiental dependem da medição e da análise das informações resultantes de estratégias corporativas das organizações empregadas nos principais processos, bem como em seus resultados. As informações necessárias, que servem como bases para a avaliação e a melhoria do desempenho nos programas ambientais, incluem, entre outras, aquelas relacionadas a processo produtivo, desempenho dos produtos, benchmarking ou, até mesmo, referenciais provindos de fornecedores, colaboradores e todos os envolvidos. Logo, a função do gestor ambiental baseia-se na extração e na análise de tais informações para a tomada de decisão sobre o relacionamento da organização com as questões ambientais e sociais (Tachizawa & Bernardes, 2008).

De acordo com Tachizawa e Bernardes (2008), as principais estratégias adotadas pela gestão ambiental nas organizações são: redução no custo e uso de energia e água; mudança na fabricação das embalagens; redução no uso de matérias-primas; reciclagem de sucatas, resíduos ou refugos; disposição adequada dos resíduos sólidos e lixo industrial; controle ou recuperação de emissões gasosas e líquidas; seleção de fornecedores ambientalmente corretos; investimento no sistema de controle e auditoria ambiental; investimento em rotulagem ambiental; projetos sociais em meio ambiente, educação, saúde, cultura, apoio à criança e ao adolescente; e projetos sociais em voluntariado.

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Metodologia

A pesquisa teve natureza quantitativa, na qual foram entrevistadas 48 empresas de grande porte (acima de 500 funcionários) cadastradas na FIEP, de uma população de 78 que mantinham práticas de gestão socioambiental divulgadas em seus respectivos sites institucionais. Esses dados foram coletados por meio de questionários com perguntas estruturadas, via e-mail, para funcionários das áreas de marketing e gestão ambiental das empresas selecionadas. Assim, a amostra pesquisada é não probabilística por julgamento que, de acordo com Malhotra (2011), é uma forma de amostragem por conveniência, em que os elementos populacionais são selecionados com base no julgamento do pesquisador.

A escolha do cadastro da FIEP ocorre pelo próprio histórico da entidade. A FIEP é uma entidade não governamental, que representa as indústrias do estado do Paraná, sendo a quinta maior do Brasil em todos os seus segmentos produtivos.

Os dados coletados pelo sistema do Google Docs foram organizados em planilha Excel e exportados para o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), que possibilitou o tratamento estatístico desejado. Além da estatística descritiva com a análise das médias, do desvio padrão, dos coeficientes de variação e dos cruzamentos de dados, aplicou-se o teste do qui-quadrado com o objetivo de avaliar os níveis de significância entre as variáveis.

Para mensurar as práticas propostas, aplicou-se uma escala de utilização de cinco pontos com as seguintes variações: nenhuma utilização; pouca utilização; moderada utilização; bastante utilização; e total utilização. Para identificar o perfil das empresas e dos respondentes e as estratégias de gestão ambiental e marketing, foram utilizadas perguntas de múltipla escolha.

O instrumento de pesquisa foi elaborado de acordo com as variáveis que levantam dois principais aspectos: a existência das práticas de responsabilidade socioambiental e as atividades de marketing verde, as quais, posteriormente, serão relacionadas. As duas variáveis ainda se complementam com a identificação do perfil das empresas e dos

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respondentes. Dessa maneira, o questionário foi dividido em três partes: a primeira, o perfil da empresa e dos respondentes; a segunda, focada nas estratégias empresariais de gestão ambiental e de marketing; e a terceira tratou das práticas de gestão socioambiental e de marketing verde.

O questionário foi dividido nas perguntas: de um a cinco, em que se buscou identificar as estratégias de gestão ambiental e de marketing; de 6 a 18, delimitando as práticas de gestão socioambiental; de 19 a 22, identificando as atividades de planejamento verde; de 23 a 28, as práticas de produto verde; de 29 a 34, as práticas de distribuição verde; de 35 a 39, as práticas de comunicação verde; e as de 40 a 46, questões que dimensionam as práticas de posicionamento e segmentação de mercado.

Como limitações deste estudo destacam-se o processo da coleta de dados, muito longo e dispendioso, a dificuldade de acesso a algumas organizações e a própria amostra, não probabilística, por não poder ser generalizada.

Resultados

Nesta etapa do estudo serão apresentados e analisados os dados coletados por meio da pesquisa realizada com 48 grandes indústrias filiadas à FIEP no Paraná. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e não paramétrica.

Em um primeiro momento foram analisados os dados referentes ao perfil das empresas e dos respondentes pela estatística descritiva simples. No segundo, os dados sobre os níveis de utilização da gestão de responsabilidade socioambiental e das atividades de marketing verde foram apresentados através da estatística descritiva, utilizando as médias, os desvios padrão e os coeficientes de variação. O desvio padrão é medido para identificar as dispersões das respostas. O coeficiente de variação busca comparar as diferentes variações e dispersões de respostas. Foi utilizada a regra de até 15,0% como baixa dispersão, de 15,0% a 30,0% como média dispersão e acima de 30,0% como alta dispersão das respostas enviadas. Uma terceira parte dessa análise demonstrou, por meio da estatística

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descritiva, as médias encontradas e o cruzamento dos dados pelo teste do qui-quadrado, em que os resultados das análises foram avaliados com nível de significância estatística de 5,0% (p<0,05).

Por tratar-se de uma pesquisa com amostra com grandes empresas, acima de 500 funcionários conforme delimitado na metodologia, mais de 50,0% delas possuem entre 500 e 1.000 funcionários. É importante dar destaque também ao grande percentual de empresas que possuem entre 1.000 e 5.000 funcionários, com 41,6% das entrevistadas. Tais dados demonstram a grande importância dessas empresas para a economia do estado do Paraná, com a geração de empregos e divisas. Além do grande porte, as empresas entrevistadas possuem bastante tempo de funcionamento. Todas elas têm mais de 30 anos de funcionamento, tendo 33,3% delas mais de 40 anos de atuação.

Para complementar a análise do perfil das empresas pesquisadas, também foi levantada a existência de departamento de marketing e a utilização de gestão ambiental. Do total de 48 empresas, 34, ou seja, 70,8% delas possuem departamento de marketing formalizado e 77,1% têm um departamento para o desenvolvimento de novos produtos.

Também foi levantada a adoção de sistema de gestão ambiental e de utilização de certificações ambientais. A grande maioria das empresas pesquisadas possui sistema de gestão ambiental, totalizando 81,2%. Quanto à adesão a certificações ambientais, 35,4% possuem alguma, principalmente as da série ISO 14000, e 41,7% estão em processo de certificação. Dentre as empresas certificadas, 33,3% delas possuem certificação ambiental há mais de cinco anos, várias têm mais de uma. Esse resultado corrobora com a previsão de Donaire (1999) de que a gestão das organizações atuais deverá incorporar a variável ambiental na prospecção de seus cenários e em tomadas de decisões, procurando sempre demonstrar uma postura sociorresponsável e de respeito diante da questão ambiental. Percebe-se essa identificação na amostra estudada.

Quanto ao perfil do respondente, é possível resumir que 52,1% dos participantes são do sexo masculino, com idade média de 34 anos e pós-graduados (60,4%) e graduados (31,3%). A área de formação deles pode ser dividida em 27,1% de gestores ambientais, 18,8% de profissionais

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de marketing e 14,6% de administradores. Os cargos que ocupam são principalmente na área ambiental (50%), de marketing (18,7%) e de gerentes administrativos (10,4%). O tempo médio de trabalho dos respondentes na empresa é de nove anos, e no atual cargo é de quatro anos. Essas informações trazem robustez à pesquisa. Segundo Malhotra (2011), é recomendável buscar entrevistados que tenham uma visão privilegiada da organização e que tenham contato direto com a área pesquisada.

Quanto ao nível de utilização da gestão de responsabilidade socioambiental, utilizou-se a estatística descritiva, com destaque para médias, desvio padrão e coeficiente de variação. Nota-se que os dados foram levantados de acordo com os elementos propostos na revisão teórica pelos indicadores ambientais de responsabilidade social do Instituto Ethos de Responsabilidade Social (Tabela 1).

Tabela 1: Média das Práticas de Gestão de Responsabilidade Socioambiental

Práticas Média Desvio Padrão

% do Coeficiente de Variação

6. Reutilização ou redução do uso de água 3,48 1,09 31,4

7. Redução do uso de energia 3,52 1,15 32,6

8. Redução do uso de embalagens 3,06 1,17 38,3

9. Faz adequada destinação dos resíduos sólidos e lixo industrial

4,67 0,60 12,8

10. Controla ou recupera as emissões gasosas ou líquidas 3,92 1,27 32,4

11. Seleciona fornecedores ambientalmente responsáveis

3,79 1,15 30,3

12. Desenvolve auditorias ambientais 3,71 1,47 39,7

13. Mantém projetos na área do meio ambiente 4,02 1,16 28,8

14. Mantém projetos na área de educação ambiental 3,54 1,22 34,4

15. Mantém projetos na área de saúde 3,50 1,22 34,9

16. Mantém projetos na área da cultura 2,58 1,11 42,9

17. Mantém projetos de apoio à criança e ao adolescente 3,23 1,32 41,0

18. Mantém projetos constantes de responsabilidade social corporativa

3,56 1,18 33,2

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Em uma análise preliminar, os resultados indicam forte tendência das empresas pesquisadas a gerirem seus processos de maneira mais responsável. Alguns quesitos são interessantes e merecem ser analisados, como o fato de todas as empresas considerarem que fazem uma destinação correta de seus resíduos, na variável 9, e somente 8,3% delas se preocupam com a redução do uso de embalagens, o que corresponde a um contrassenso, pois as duas práticas deveriam complementar-se.

Para a análise do nível de utilização do marketing, foram levantados os dados referentes às práticas de marketing verde, sendo analisados o composto de marketing verde, o planejamento, o posicionamento e a segmentação, por meio da estatística descritiva, demonstrando as médias, o desvio padrão e o coeficiente de variação. Para essa análise, a média desejável é próxima a 5 e são poucas as variáveis que a demonstram. Também são grandes as variações do coeficiente demonstrado na extração das médias dessas questões, existindo uma grande dispersão com relação às respostas dadas pelas empresas, demonstrando que elas não seguem apenas uma direção.

Tabela 2 - Médias das Práticas de Gerenciamento de Marketing Verde

Práticas Média Desvio Padrão

Porcentagem do Coeficiente

de Variação19. Utiliza a imagem ambiental da empresa para fins de marketing

2,69 1,36 50,4

20. Preocupa-se constantemente com o impacto ambiental causado pelos produtos/serviços comercializados

4,21 0,85 20,2

21. Estabelece ações de marketing verde em seu planejamento de marketing

2,56 1,22 47,6

22. Mantém política de orçamento específica para estratégias de marketing verde

2,15 1,15 53,5

23. Fabrica ou vende produtos que tem larga durabilidade

3,40 1,55 45,8

24. Utiliza embalagens recicláveis ou recicladas em seu produto final

3,17 1,43 45,3

25. Fabrica ou vende produtos que podem ser reutilizados ou reciclados

3,63 1,50 41,3

26. Utiliza matérias-primas de recursos naturais renováveis

3,73 1,16 31,2

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27. Utiliza rótulos ou selos de proteção ambiental nas embalagens dos produtos

2,31 1,31 56,5

28. Mantém pelo menos um produto com apelo verde em seu portfólio de produtos

2,58 1,56 60,2

29. Exige que seus distribuidores tenham projetos na área ambiental

2,13 1,27 59,5

30. Calcula seus custos ambientais 3,44 1,37 39,8

31. Faz manutenção periódica da frota 3,83 1,24 32,4

32. Exige manutenção adequada da frota terceirizada 3,79 1,17 30,833. Treina os motoristas para obter melhor desempenho da frota

3,48 1,38 39,8

34. Mantém um sistema de logística reversa 2,79 1,35 48,4

35. Mantém campanhas publicitárias com o apelo ambiental

1,96 1,05 53,7

36. Destaca nas embalagens suas ações de responsabilidade ambiental

3,46 1,34 38,6

37. Utiliza o site da empresa para divulgar suas políticas de gestão ambiental

1,75 1,08 61,8

38. Promove ou patrocina eventos com a temática ambiental

2,81 1,18 41,9

39. Mantém ações de marketing voltadas para consumidores que são influenciados pela questão ambiental

2,21 1,05 47,6

40. Mede ou já mediu a influência do fator ambiental na decisão de compra do seu público-alvo

1,69 1,07 63,7

41. Divulga amplamente suas ações ambientais 2,85 1,20 42,1

42. Procura se posicionar no mercado como empresa ambientalmente correta

3,83 1,29 33,7

43. Utiliza critérios ambientais para segmentar seu mercado

2,67 1,40 52,7

44. Mantém discurso da força de vendas alinhado às práticas ambientais da empresa

2,73 1,32 48,2

45. Monitora o faturamento de acordo com as práticas de marketing verde

1,69 0,95 56,2

46. Utiliza logotipo ou slogan que remete ao discurso ambiental

2,23 1,40 62,9

Em uma análise geral da Tabela 2, especificamente sobre os quesitos 21 e 22, fica claro que mesmo sendo grandes organizações, as empresas entrevistadas não voltam seu planejamento às questões de marketing verde.

Quanto às questões sobre produtos verdes (23 a 28), a análise mostra que um percentual considerável de empresas (33,4%) mantém pelo menos um produto verde em seu portfolio de produtos, porém a grande maioria

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(66,7%) ainda desenvolve e produz seus produtos utilizando matérias-primas extraídas de recursos naturais. De acordo com Ottman (1994), o desenvolvimento de um produto verde deve prever a utilização sustentável das fontes de recursos naturais, tanto na sua matéria-prima quanto no seu processo produtivo. Por isso, Ottman (1994), destaca que, para o sucesso das estratégias de produto verde, é necessário que as práticas de marketing verde estejam associadas aos projetos de gestão socioambiental elaborados pelas organizações.

Nos cálculos das variáveis sobre produto verde, nota-se uma predominância da média 3, indicando utilização moderada desse recurso do composto de marketing. O coeficiente de variação sobre esse tema também aponta grande dispersão das respostas enviadas.

Para as perguntas que buscavam identificar as práticas de distribuição verde (29 a 34), foram levantados os quesitos básicos para um sistema de transporte mais eficiente. Para Johr (1994), eficiência é a palavra-chave quando o assunto é transporte. Nesse conjunto de questões, nota-se preocupação maior das empresas pesquisadas em obter o melhor custo-benefício do seu sistema de distribuição, por meio da gestão ambiental de suas frotas.

Quanto à distribuição verde, o coeficiente de variação apresenta alta dispersão de respostas, com índices acima de 30,0%. A média geral do bloco apresenta-se na utilização moderada dessas práticas, apesar de grande parte das empresas estar voltada para uma prática mais sustentável nesse sentido.

Para a identificação de um sistema de comunicação empresarial voltado ao posicionamento verde, o quesito que apresenta maior incidência é a comunicação das práticas e políticas de gestão ambiental por meio dos sites institucionais das empresas (variável 37). É pouco, uma vez que Ottman (1994) coloca que a comunicação dos atributos verdes deve fazer parte de uma política corporativa de excelência ambiental.

Para as questões que abordam as alternativas a respeito do posicionamento e da segmentação voltados para o mercado verde (de 40 a 46), entende-se que as empresas acreditam se posicionar no mercado como

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ambientalmente corretas, conforme observado no item 42, no qual 64,6% se preocupam em ter essa imagem no mercado. De acordo com Dahlstrom (2011), o posicionamento de uma empresa refere-se ao desenvolvimento do composto de marketing para produzir um apelo distinto ao segmento-alvo. Nessa análise nota-se que 29,2% das empresas procuram utilizar critérios ambientais para segmentar seus mercados.

Com referência às médias sobre as variáveis o posicionamento e segmentação, elas estão abaixo do que seria desejável para a aplicação em um gerenciamento de marketing verde. As empresas pesquisadas utilizam pouco da comunicação com apelo ambiental. Para Ottman (1994), algumas podem optar pela não comunicação da qualidade verde de seus produtos, preferindo não chamar a atenção para mudanças que podem parecer insignificantes, porém estão expostas à concorrência que pode dar um passo a frente e fazê-lo.

Teste do qui-quadrado

Para entender o grau de significância entre duas práticas, foi elaborado o teste do qui-quadrado, que é usado, de acordo com Malhotra (2011), para identificar a significância da associação observada na tabulação cruzada. De acordo com Malhotra (2011), esse teste pode ser utilizado para determinar a existência de uma associação sistemática entre duas variáveis.

Para o teste do qui-quadrado, foram cruzadas as questões sobre o tempo de funcionamento na empresa, utilização de gestão ambiental, certificação ambiental, departamento de marketing, departamento de novos produtos com as 40 práticas de gerenciamento de marketing verde elencadas no questionário. Somente as práticas que apresentaram um percentual igual ou menor do que 5,0% foram apresentadas, e aquelas que não apresentaram níveis significantes de associação foram excluídas dessa tabela (Tabela 3).

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Tabela 3: Resumo do Teste do Qui-Quadrado

Nota: NS = Não Significativo. S = Significativo com probabilidade menor do que 5% (p<0,05).

O teste do qui-quadrado demonstra uma distribuição assimétrica das variáveis estudadas. Com relação ao tempo da empresa, as práticas que mais trouxeram significância estatística foram as do planejamento de marketing verde, o que demonstra que quanto mais tempo de mercado as empresas têm, maior a probabilidade de desenvolverem esse tipo de planejamento.

É possível notar um nível considerável de associação estatística para a variável de gestão ambiental. O teste demonstra significância estatística para as práticas de segmentação e posicionamento, comunicação verde, associação aos projetos de responsabilidade social e ao desenvolvimento

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de produtos verdes. Vale lembrar que 81,3% das empresas têm algum tipo de Sistema de Gestão Ambiental, o que facilita tais práticas.

Quanto à certificação ambiental, as práticas que obtiveram maior significância foram: de planejamento de marketing verde, de distribuição verde, de comunicação e posicionamento. A teoria levantada na revisão teórica explica que, para uma empresa obter uma certificação ambiental, é necessária uma visão de planejamento estratégico e mudanças nos processos organizacionais, o que pode ser observado nessas variáveis associadas.

No que tange à existência de um departamento de marketing formalizado, o que corresponde a 70,8% da amostra, é possível notar que as significâncias estatísticas estão associadas aos projetos de responsabilidade social corporativa, distribuição e comunicação.

Por fim, para a análise da existência do departamento de desenvolvimento de novos produtos, as práticas que têm significância estatística são aquelas associadas aos produtos verdes e à comunicação. Ressalta-se que 77,1% das empresas pesquisadas possuem esse departamento.

Considerações finais

Antes de iniciar a pesquisa nas empresas relacionadas, buscou-se entender mais sobre a temática do marketing verde e os assuntos que a permeiam. Para isso, desenvolveu-se uma revisão da teoria, procurando levantar os principais assuntos e autores da área, assim como os fatores que proporcionam às organizações a utilização dessas ferramentas.

Como resposta ao objetivo de identificação da gestão de responsabilidade socioambiental, os resultados obtidos na pesquisa demonstram que as empresas pesquisadas apresentam de moderado a elevado nível de utilização das práticas de gestão socioambiental. As práticas mais utilizadas para esse fim são: adequada destinação de resíduos (93,7%), desenvolvimento de projetos na área ambiental (72,9%) e

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controle das emissões gasosas ou líquidas (70,9%). Como projetos na área de responsabilidade social, as empresas apontaram os projetos ligados às áreas de educação, saúde e apoio a crianças e adolescentes, porém somente pouco mais da metade delas (58,3%) afirmou manter constantemente projetos de responsabilidade social corporativa.

Para as práticas em planejamento de marketing verde, a pesquisa revelou pouca utilização por parte das empresas pesquisadas. As empresas demonstram preocupação com o impacto causado por suas ações ao meio ambiente (77,1%), porém poucas estabelecem ações de marketing verde em seus planejamentos (20,8%) ou mantêm uma política de orçamento específica para esse fim (14,6%).

Na pesquisa, procurou-se identificar a fabricação ou comercialização de produtos verdes como um dos elementos do composto de marketing verde, e notou-se que, no quesito produto, a preocupação maior das empresas é com a questão da reciclagem dos produtos comercializados. Um total de 62,5% delas declarou fabricar e vender produtos que podem ser reutilizados ou reciclados, sendo esse um dos fatores que caracteriza o produto como verde. Em contrapartida, somente 33,4% das empresas afirmam ter um produto com apelo verde em seu portfolio. Esse quesito demonstra moderada utilização das práticas referentes ao gerenciamento do produto verde.

Para identificar se as empresas estão utilizando práticas de distribuição mais sustentáveis, seis delas foram elencadas para a análise, sendo que as que obtiveram maior utilização foram as de manutenção de frota própria e terceirizada. Um importante item sobre a distribuição verde que é a logística reversa foi citada por somente 33,3% das empresas pesquisadas. A questão da baixa adesão às práticas de logística reversa pode se dar devido à amostra da pesquisa, que conta com 10,4% de empresas prestadoras de serviços.

As médias observadas para as práticas de comunicação verde são baixas e observa-se pouca utilização delas. A prática mais utilizada pelas empresas (50,0%) é a utilização do site da empresa para a comunicação das políticas de gestão ambiental.

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A fim de identificar a existência de posicionamento e segmentação voltados para a área ambiental, as médias alcançadas foram de pouca utilização dessas práticas. As empresas procuram posicionar-se no mercado como ambientalmente corretas (64,6%), porém poucas (29,2%) utilizam critérios ambientais para segmentar seus mercados e somente 27,1% delas mantêm o discurso da força de vendas alinhado às práticas ambientais da empresa. A Tabela 4 demonstra a média de utilização das práticas pesquisadas.

Tabela 4: Média de Utilização das Práticas Pesquisadas

Atividades MédiaPlanejamento de marketing verde 2,90Composto de marketing – produto verde 3,14Composto de marketing – distribuição verde 3,24Composto de marketing – comunicação verde 2,44Posicionamento e segmentação 2,53Gestão socioambiental 3,58

Nota-se que nenhuma das práticas especificadas tem médias de alta utilização. As práticas que demonstram moderada utilização referem-se ao produto, à distribuição e à gestão socioambiental, o que sugere que as empresas desenvolvem projetos de responsabilidade socioambiental, porém, poucas são as práticas de marketing verde associadas.

Para esclarecer o último objetivo proposto, que é verificar se existe associação entre as atividades de marketing com as práticas de responsabilidade socioambiental, foram utilizados cruzamentos de dados procurando identificar essas associações.

Nas empresas que mantêm projetos de responsabilidade social corporativa (58,3%), observa-se maior utilização da imagem ambiental para fins de marketing. Em 82,4% delas notou-se uma boa utilização dessa prática, já que as empresas que mantêm esses projetos podem efetivamente comunicar tais diferenciais.

Das empresas que possuem sistema de gestão ambiental, que somam 81,3% das pesquisadas, apenas 43,6% possuem algum tipo de certificação

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ambiental. Já daquelas que a tem, que somam 32,4%, apenas 23,5% delas utilizam a identificação dessa certificação em suas embalagens. Essae dados demonstram fragilidade na comunicação desse atributo, uma vez que este tipo de comunicação pode aumentar os valores agregados da marca e da empresa. O mesmo se aplica à questão do produto verde, uma vez que a pesquisa demonstrou que 33,3% das empresas possuem pelo menos um produto verde em seu portfolio de produtos, porém apenas 53,3% divulgam aos seus consumidores.

A pesquisa demonstrou que não há relação entre ter um departamento de desenvolvimento de novos produtos com o desenvolvimento de produtos verdes. Das 37 empresas (77,1%) que afirmam ter esse departamento, apenas 13 (35,1%) relatam ter um produto verde em seu portfolio. A existência de departamento de marketing formalizado também não é determinante para o desenvolvimento de um planejamento de marketing voltado para a área ambiental. Das 34 empresas que têm esse departamento formalizado, apenas oito (23,5%) declararam ter ações voltadas à área ambiental em seus planejamentos de marketing.

De forma geral, pode-se concluir que as empresas pesquisadas possuem práticas na área socioambiental e utilizam-se moderadamente das atividades de marketing verde associadas a essas práticas.

Sugere-se que novos estudos sejam conduzidos na área de marketing verde, aprofundando os conhecimentos nas várias práticas abordadas neste estudo. Investigações sobre as práticas específicas de desenvolvimento e gerenciamento de produtos verdes e ferramentas de comunicação verde seriam positivos na área. As discussões ainda poderiam ser ampliadas no sentido de identificar os fatores propulsores e inibidores das práticas relativas a essa área.

Outros estudos poderiam ser aplicados no sentido de identificar as melhores práticas nas empresas prestadoras de serviços, visto haver uma lacuna na literatura a esse respeito. Por fim, também se sugere a reaplicação do questionário para empresas de pequeno e médio portes em outros setores da economia, como comércio ou prestação de serviços, assim como em outros estados brasileiros. Enfim, o modelo apresentado poderia ser

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aplicado em amostra maior de empresas, de maneira que os resultados possam ser corroborados, e dessa forma, generalizados.

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PARTE II: Política e Gestão Socioambiental

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Problemas ambientais e os limites da política ambiental

Benilson Borinelli

Resumo: A preocupação com a efetividade das políticas ambientais vem crescendo diante de seus resultados insatisfatórios, da maior aceitação pública das ameaças ambientais às sociedades e às espécies e por se estar enfrentando problemas de grande complexidade. Neste artigo, aborda-se, a partir de pesquisa bibliográfica, como as características da problemática ambiental podem influenciar no tratamento político desse campo, contribuindo “intrínseca” e parcialmente para o intrincado processo de formulação e de implementação da política ambiental. Características como a natureza multidimensional e multidisciplinar, a complexidade e incerteza, a irreversibilidade e os conflitos de interesses sociais inerentes aos problemas ambientais tornam os problemas de sustentabilidade ambiental uma nova frente de questionamento às instituições construídas na modernidade. Instituições como o Estado, o mercado, a democracia e a política ambiental encontram sérias restrições epistemológicas e políticas para lidar com os problemas ambientais, dado que os fragmentam e simplificam e os subordinam em grande medida à lógica de organização social capitalista. Dessa forma, a baixa efetividade e o caráter cosmético da política ambiental, ou para além desta, a crise ambiental, devem ser enfrentados tanto no campo político quanto na forma como se reconhecem e se encaminham novas e tradicionais demandas do Estado e da sociedade. Palavras-chave: Política ambiental; instituições; problemas ambientais; sustentabilidade.

Introdução

A disseminação de uma maior certeza quanto aos riscos de grandes proporções das ameaças ambientais à humanidade tem trazido ao centro das discussões de governos, empresas e acadêmicos a capacidade de políticas ambientais nacionais e internacionais enfrentarem tais ameaças. A experiência até aqui acumulada de uma tendencialmente baixa efetividade dessas políticas demonstra tratar-se de um problema de extrema complexidade, em que fatores econômicos, políticos, epistemológicos,

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culturais, raciais, geográficos etc. intervêm e se sobrepõem às leituras, tomadas de decisões e ações. Neste texto, apoiado em bibliografia de diversas vertentes, analisa-se os limites das instituições e políticas ambientais atuais para lidar com os problemas ambientais diante das características desses problemas e da própria lógica de funcionamento do arranjo de instituições vigentes.

A tese central do artigo é que se, por um lado, as características dos problemas ambientais apontam para uma maior complexidade em relação às políticas públicas tradicionais, impedindo ou dificultando o seu encaminhamento efetivo por meio das políticas ambientais, por outro, é a própria lógica de funcionamento das instituições das sociedades capitalistas que produz um tratamento político restritivo e insuficiente para enfrentar as ameaças ambientais geradas e agravadas por estas mesmas instituições.

Este trabalho tem um caráter ensaístico, portanto não é conclusivo nem pretende fundamentar empiricamente os argumentos apresentados ou fazer um levantamento exaustivo de fontes, antes pretende propiciar novas discussões, debates a partir da perspectiva apresentada.

Os argumentos centrais do artigo estão fundamentados principalmente em estudos que abordam criticamente a experiência de políticas e instituições ambientais em países industrializados desde os anos 1970, principalmente do continente europeu e dos Estados Unidos (DRYZEK, 1992; HAY, 1994; GOLDBLAT, 1996; SMITH, 2000). Foram nesses países que os problemas ambientais ascenderam antes a uma categoria de ameaça cuja grandeza exigia uma mobilização internacional e a intervenção estatal sistemática. Pontualmente, são feitas referências à situação da política ambiental brasileira (FERREIRA, 1992; GUIMARÃES, 1992; BORINELLI, 2007). Embora partam de diferentes perspectivas (críticas e reformistas) e objetos de análise, as fontes utilizadas tendem a convergir na constatação das sérias restrições epistemológicas e políticas das atuais instituições políticas e econômicas para lidar com os problemas ambientais.

Estudos sobre a política ambiental, ou sobre a capacidade ou não dos Estados e sociedades enfrentarem a crise ambiental, mais recentemente

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representada pelos efeitos do aquecimento global, assumiram crescente relevância e centralidade no processo político e econômico nacional e internacional. Considerar as características dos problemas ambientais é necessário para se poder compreender mais completamente o impacto e a dinâmica das instituições e políticas ambientais. Isso implica admitir que, em certa medida, tais processos não dependem apenas de disputas políticas e econômicas, mas, em conjunção com estas, das características dos problemas ambientais (DOVERS, 1996; SMITH, 2000). Portanto, é necessária uma maior aproximação entre as ciências sociais e as ciências naturais, de modo a melhor compreender como os problemas ambientais interferem e se acomodam na política ambiental e, inversamente, como os atuais arranjos institucionais do meio ambiente estão encaminhando os problemas ambientais.

Apesar das diferenças de escopo e de entendimento, neste texto, problemas ambientais e problemas da sustentabilidade são assumidos como intercambiáveis. Para tanto, o segundo é entendido, principalmente, em sua dimensão ambiental.

O artigo está organizado em duas principais partes. Inicia com a exposição de algumas características centrais dos problemas ambientais para, em seguida, discorrer sobre a dinâmica das instituições e política ambientais que tendem a incorporar restritivamente esses problemas.

Algumas características dos problemas ambientais

Os ecossistemas são formados por elementos orgânicos e inorgânicos: aglomerados de flora, fauna, e micro-organismos diversos, solo, água, formas geológicas e atmosfera. Eles existem em uma interligação dinâmica entre si. Esta ligação ocorre por meio de cadeias alimentares, ciclos minerais, e hidrológicos e pela circulação de energia. Recorrendo a uma série de mecanismos homeostáticos, os ecossistemas podem alterar-se em torno de um ponto de equilíbrio dinâmico.

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Ao longo de milhares de anos, estas condições transformaram-se e foram transformadas pela atividade humana, a qual crescentemente aprofundou os conhecimentos e o grau de intervenção sobre estes ciclos, à medida que aprimoravam os sistemas produtivos e os conhecimentos científicos e tecnológicos. Em sua relação com o meio ambiente, as sociedades impõem três exigências gerais: a) a provisão de recursos energéticos e matérias-primas renováveis e não renováveis como combustíveis fósseis e energia solar, ferro e madeira; b) certos sistemas vitais para a vida, como a provisão de uma atmosfera respirável, o controle homeostático de certas pragas e doenças, certa estabilidade do clima, o ciclo hidrológico; c) o ambiente presta determinados serviços econômicos às sociedades absorvendo a poluição, arrastando os resíduos pelas águas, fertilizando os solos etc (GOLDBLAT, 1996).

Os problemas ambientais, num sentido geral e biológico, podem ser entendidos como decorrentes de um desequilíbrio entre a espécie e suas possibilidades de adaptação ao meio ambiente biótico e abiótico. Nas sociedades humanas, esses problemas, mediados pelas relações sociais específicas e históricas, são em boa medida consequência direta da intervenção humana nos diferentes ecossistemas da Terra, causando desequilíbrios por meio do esgotamento e contaminação de recursos naturais, e interferindo nos ciclos ecológicos que sustentam a vida humana e de outras espécies. Se partirmos da premissa de que nem a utilização dos recursos naturais nem os resíduos decorrentes desta utilização são em si um problema ambiental, podemos concordar que os problemas ambientais surgem de uma contradição entre o ritmo dos ciclos biogeoquímicos e o ritmo dos ciclos de produção humana com seus respectivos níveis de depredação e contaminação (TOMMASINO; FOLADORI, 2001).

A ruptura do equilíbrio de ecossistemas mostrar-se-á em diversos momentos da história, em diferentes graus de gravidade, extensão e causas (naturais ou sociais). O que destaca as sociedades industriais é a escala assombrosa de riscos e perigos ambientais fabricados a partir do próprio funcionamento normal destas sociedades em seus padrões de apropriação e degradação dos recursos naturais (BECK, 1992)

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Assim, em termos das contradições, em relação à base natural, as necessidades econômicas de uma população crescente e da exploração produtiva indeterminada da natureza defrontam-se com duas importantes limitações materiais: de um lado, o abastecimento de recursos finitos — a área de terras cultiváveis e inabitáveis, água fresca, alimentos e matérias-primas não regeneráveis (minerais, combustíveis etc.); de outro, a capacidade dos sistemas ecológicos insubstituíveis para absorver os poluentes como subprodutos radioativos, dióxido de carbono, ou dejetos caloríferos. Uma lista maior, porém, não exaustiva, dos principais problemas ambientais, ou indicadores da atual crise ambiental, poderia conter: a devastação das matas; contaminação da água; contaminação de costas e mares; sobre-exploração de mantos aquíferos; erosão dos solos; desertificação; perda da diversidade biológica; destruição da camada de ozônio e aquecimento global do planeta; superpopulação e a pobreza.

A política ambiental, portanto, tratará de uma grande diversidade de temas que conjugam fenômenos naturais e sociais. A fim de promover uma maior aproximação do objeto dessa política, são apresentadas, a seguir, algumas características dos problemas ambientais. São elas: a natureza multidimensional e multidisciplinar, a complexidade e incerteza, a irreversibilidade e os conflitos de interesses sociais inerentes. Desde já, advertimos que elas podem assumir inúmeras configurações em casos empíricos, de acordo com fatores culturais e naturais.

Natureza multidimensional e multidisciplinar

Sua extensão e essencialidade à atividade humana no planeta fazem com que as questões ambientais envolvam aspectos físicos, econômicos, espirituais, sociais, culturais e, por conseguinte, sejam objeto de uma variedade de áreas de estudo e de um número muito maior de abordagens (ADGER et al., 2003). “A política de ambiente atravessa, por conseqüência, transversalmente todo o tecido social, tornando-se inseparável do tipo e modo de funcionamento do sistema político e das linhas de força da política econômica de um dado país ou bloco” (SOROMENHO-MARQUES, 1993,

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p. 29). Quase sempre os problemas ambientais desafiam as fronteiras estabelecidas entre as áreas de conhecimento, conduzindo à necessidade de maior conjugação de disciplinas e outras formas de conhecimento para a sua compreensão. Ao implicar revisões de métodos e teorias, isso desafia frontalmente as formas institucionalizadas de produção, cooperação, financiamento e disseminação do conhecimento científico.

Complexidade e incerteza

O caráter sistêmico do meio ambiente não só dificulta estabelecer, em muitos casos, as relações de causalidade, mas também como estas acontecem em padrões espaciais e temporais extremamente complexos. O conhecimento científico sobre os problemas ambientais geralmente é parcial e controverso no que diz respeito à evidência, à quantificação, à identificação de suas causas e aos seus efeitos sobre os diversos ecossistemas e a saúde humana. Devido ao encadeamento dos problemas, a resolução de um deles implica a solução de outros que são a causa do primeiro ou em considerar as alternativas de resolução em relação aos seus efeitos em uma ou mais cadeias interrelacionadas, como no caso das formas interdependentes de contaminação dos solos, da água e da atmosfera. Simultaneamente, devem ser levadas em conta as associações e repercussões sobre os processos das sociedades humanas, que, por sua vez, são organizadas segundo escalas temporais e espaciais variadas.

A incerteza generalizada é uma característica especial da sustentabilidade ambiental e, geralmente, refere-se ao vulto e às causas das mudanças ambientais, aos impactos sobre os sistemas naturais e humanos e à eficácia, implicações e impactos socioeconômicos das medidas políticas (DOVERS, 1996). A incerteza não ocorre apenas por se tratar de uma área de estudo relativamente recente, mas também porque esses problemas acumulam-se ao longo do tempo, são dinâmicos, envolvem diversas áreas de conhecimento e rompem fronteiras geográfico-administrativas e de setores econômicos. Portanto, os problemas ambientais tendem a não ser captados pelos sistemas convencionais de segurança e de cálculos de risco, como aponta Beck (1992).

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Irreversibilidade

Apesar da incerteza que cerca a abordagem dos problemas ambientais, a maioria deles é de natureza irreversível ou de reversão muito difícil. Este é um dos principais argumentos dos defensores da tese da precaução na condução das atividades de risco para o ambiente. Devido às qualidades específicas das transformações do ambiente, os efeitos ecológicos negativos podem ser não só completamente irreversíveis como podem passar pontos de não retorno muito antes de as consequências mais devastadoras tornarem-se visíveis. As correlações dos sistemas biológicos permitem que o impacto de um tipo de transformação ambiental se multiplique rápida e inesperadamente em todo o ecossistema. A ausência de medidas preventivas, nestes casos, pode promover formas de transformação do ambiente a ponto de tornar o seu remédio e controle tanto muito mais dispendioso como completamente impossível (GOLDBLAT, 1996).

Conflitos de valores e de interesses

Em geral, os problemas ambientais são fontes de conflitos multiformes relacionados à sua identificação, das soluções e utilização dos recursos naturais. Esses conflitos são tidos como normais e inevitáveis devido à escassez absoluta ou relativa dos recursos e serviços ambientais, à complexidade e incertezas, ao caráter abrangente e essencial dos recursos e serviços ambientais para a atividade humana, às diferentes formas de entendimento sobre o papel da natureza nas culturas, ao conhecimento científico parcial sobre a área e, ainda, à assimetria entre as percepções objetivas e subjetivas dos problemas (HANNIGAN, 2009).

As discussões podem opor vizinhos, poluidores e vítimas, empresas e órgãos reguladores, classes, setores econômicos, cidades, áreas e tipos de conhecimentos, países pobres e países ricos e blocos econômicos. Além disso, os problemas da sustentabilidade trazem questões éticas e morais novas e de difícil equacionamento como a justiça entre gerações e os direitos de espécies não humanas (DOVERS, 1996; SMITH, 2000).

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As características apresentadas não são exclusivas dos problemas de sustentabilidade, nem todos os problemas de sustentabilidade apresentam todas elas, mas os casos mais sérios de sustentabilidade ambiental tendem a apresentá-las com mais frequência e, mais comumente, em combinação (DOVERS, 1996). Este é o caso de problemas relacionados ao aquecimento global, à extinção de espécies, aos transgênicos e à perda da biodiversidade. Até que ponto estas características podem ser vistas como particularidades da política ambiental ou da sustentabilidade ambiental, ou seja, qualidades que a distinguem significativamente de outras políticas públicas, é uma questão que merece maior atenção, análises comparativas e sistemáticas. Contudo, parece possível, seguindo autores como Dovers (1996) e Beck (1992), aceitar que os problemas ambientais podem ser significativamente diferentes da maioria dos outros problemas tratados pela política pública (por exemplo, fiscais, educação, saúde, prestação de serviços etc.), sobretudo pelo alto grau de complexidade e por confrontar a lógica e premissas que atravessam as demais políticas públicas. Isso não quer dizer que outras áreas sejam fáceis ou simples, mas que a sustentabilidade ambiental vem se constituindo, em uma nova ordem, desafios à política pública, às formas tradicionais de conceber problemas coletivos e inspirando novas abordagens e processos (LEFF, 2001) sobre a crise e a política ambiental. Ao fazer isso, a crítica da política ambiental e de seus limites necessariamente perpassa, como será mostrado a seguir, a imbricação entre as características dos problemas ambientais e as instituições políticas e econômicas.

Os limites das instituições e da política ambiental

A crise ambiental, constatada dos anos 1950 em diante, desencadeou a criação de legislações, instituições e programas ambientais em muitos países. O que se denominou genericamente de a política ambiental era uma resposta do Estado e da sociedade ao crescente esgotamento e contaminação dos recursos naturais e do ambiente, denunciados por vítimas desses fenômenos, movimentos ambientais, acadêmicos e

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consumidores. De forma genérica e formal, a política ambiental vem sendo entendida como o:

[...] conjunto de definições adotadas pelas autoridades, que condicionam e determinam de algum modo o comportamento das pessoas, das empresas e das próprias repartições públicas no que se refere ao uso, manejo e conservação dos recursos naturais e a ação dos serviços ambientais que dispõe a sociedade (BUSTAMANTE; TORRES, 1990, p. 110).

Em que pese os avanços, retrocessos e diferentes estágios de

consolidação nos mais variados países, a institucionalização da política ambiental seguiu basicamente a rotina de definição de um arcabouço jurídico e de um aparato organizacional para a sua implementação. Até o final da década de 1970, a maioria dos países industrializados e em industrialização já possuía, sob diferentes formatos, agências ambientais, distinguindo o caráter fortemente estatal da política ambiental em suas primeiras décadas. Nos anos 1990, em torno da ideia de Desenvolvimento Sustentável, da Ecoeficiência e da Modernização Ecológica (MOL, 2000), um novo modelo de gestão ambiental é fundado, combinando ações estatais, iniciativas de mercado e o voluntarismo de grupos da sociedade civil organizada.

Contudo, as características dos problemas ambientais e as complicações para o seu tratamento, evidentemente, não existem em si, mas são percebidas e acomodam-se a partir de uma cultura, valores e instituições preexistentes, em grande medida, determinantes da natureza e vulto desses problemas. Vários autores têm apontado as características constitutivas das sociedades contemporâneas, a exemplo do mercado, do Estado, da ciência, do liberalismo, do socialismo e até da democracia como óbices para se alcançar a sustentabilidade ambiental (DRYZEK, 1992; HAY, 1994; GOLDBLAT, 1996; MARTINEZ ALIER, 1998; LEFF, 2001).

A seguir, descreve-se em linhas gerais como as instituições centrais e a política ambiental das sociedades ocidentais encontram restrições em enfrentar o desafio ambiental, sobretudo a partir da análise que Dryzek (1992) faz no contexto de países desenvolvidos.

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A questão que norteia o estudo de Dryzek (1992) é em que medida o mercado capitalista, o Estado administrativo e a democracia liberal podem, isolados ou em conjunto, enfrentar o desafio ecológico. A lógica racional instrumental que orienta a ação do Estado administrativo é restrita em suas respostas aos problemas ambientais diante de suas características constitutivas. Para o autor, a racionalidade do Estado administrativo: a) dificilmente consegue ter uma proposta comum em suas unidades, as quais são programadas para lidar com um número limitado de rotinas diante do caráter variável e complexo dos problemas ambientais; b) a complexidade dos problemas ambientais não pode ser verdadeiramente enfrentada, porque estes problemas são artificialmente desagregados pela divisão do trabalho administrativo, resultando em soluções parciais que deslocam os problemas através do tempo e do espaço, e porque a desagregação administrativa dos problemas também compromete a reivindicação de neutralidade dos especialistas devido aos diversos valores e interesses que representam e; c) sistemas hierárquicos necessariamente obstruem a livre transmissão de informação, que é essencial para a efetiva solução de problemas não rotineiros. Esta descrição corrobora as conclusões de vários estudos que apontam o incrementalismo, medidas tendencialmente conservadoras e simplificadoras das opções de ação, como o estilo de política predominante na condução da política ambiental em países industrializados (BAKER, 1997; SMITH, 2000).

Para Dryzek (1992), a face ambiental do mercado capitalista é bastante duvidosa, porque ele depende e se rege pelo crescimento ilimitado em uma perspectiva de curto prazo, negligencia ou não pode contabilizar o futuro em seus cálculos e não tem mecanismo para deliberar sobre problemas com propriedades comuns e bens públicos, os quais, muitas vezes, ele mesmo gera. Os interesses ligados aos negócios dispõem de uma posição privilegiada devido aos recursos financeiros disponíveis, à necessidade dos governantes de cooperação dos empresários na implementação das políticas e ao medo dos governos de uma greve de investimentos ou do declínio econômico na implementação de políticas antinegócios. Ao ter que, em geral, atender aos requisitos da economia

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liberal quanto à lucratividade e liberdade dos investidores e de outras atividades dependentes da atividade econômica, as demandas ecológicas passam por um rigoroso teste de viabilidade política.

Por sua vez, o mercado transfere para a democracia liberal os problemas que ele cria e não consegue resolver. Dryzek (1992) atribui à democracia liberal características como a competição por cargos eletivos, a oportunidade para pressão popular sobre governantes por meio da livre associação política, o conjunto de direitos individuais contra o governo, assegurado mediante limitações constitucionais, e a política para a realização estratégica de interesses definidos em instâncias privadas. Embora a democracia liberal consiga se sair melhor do que o mercado, a sua capacidade de resolver problemas ambientais esbarra em vários limites. A distribuição do poder nos sistemas democráticos liberais sempre é enviesada diante da assimetria de poder entre os atores. As democracias liberais identificam e desagregam problemas ambientais baseadas em interesses particulares das partes afetadas e se empenham em fornecer recompensas tangíveis a interesses identificáveis. Os problemas ecológicos não podem ser reduzidos a estas condições diante de seu caráter complexo, intergeracional e difuso quanto aos beneficiários. O horizonte de tempo da democracia liberal é frequentemente não maior do que o do mercado, privilegiando, assim, problemas e ações de curto prazo: “a próxima eleição age freqüentemente como limite externo da previsão”, ressalta Dryzek (1992, p. 23). Um último limite da democracia liberal para tratar dos problemas ambientais é que ela está aprisionada pelo imperativo do crescimento econômico; crises econômicas tornam desigualdades mais visíveis e problemáticas política e socialmente. Embora possa conter estes limites, para Dryzek (1992), a democracia liberal, em comparação ao mercado e ao Estado administrativo, é um dos sistemas em que a resolução dos problemas ambientais mais avançou. A sua abertura para diferentes grupos de interesses é uma dos principais responsáveis pela “inundação de legislações ambientais” nas sociedades ocidentais democráticas.

Segundo o autor, seria possível pelo menos chegar a duas conclusões sobre a combinação dessas três instituições. Primeiro, a democracia liberal e

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o Estado em geral estão “aprisionados” pelo mercado capitalista, excluindo aquelas medidas que impeçam os níveis de lucratividades desejados. Segundo, a democracia liberal e o Estado administrativo possuem uma lógica de solução de problemas que procede pela decomposição analítica de acordo com a preocupação e peso de interesses particulares.

É evidente que as três instâncias de regulação expostas — capitalismo, Estado e democracia liberal — não existem isoladamente. Elas estabelecem várias ramificações em suas interações, articulando-se ascendentemente com outras dimensões da vida social tal como a ciência, a tecnologia e a cultura. Dessa forma, as características dos problemas ambientais podem afetar a dinâmica e o desempenho das políticas ambientais de diversas formas.

Aqui, o foco do conflito central que envolve os problemas ambientais não é tanto em torno da complexidade e das incertezas, mas das certezas institucionalmente consolidadas. Na maior parte dos casos, sugerir e reivindicar mudanças nas conceituações, soluções e modo de uso dos recursos naturais têm como resultado alterações nas estruturas de distribuição do poder político e econômico. O ambientalismo tornou-se uma ameaça ao se apresentar, nas versões mais radicais (DRYZEK, 2005), como um instrumento de reestruturação das relações de poder no cenário nacional e internacional e de ampliação das ramificações com antigas e novas reivindicações de justiça e de democracia (REDCLIFT, 1993; LE PESTRE, 2000). A politização dos problemas ambientais torna-se inevitável. Como afirma Sabatini (1997, p. 5):

A relação de forças entre as partes ou interesses em disputa é a variável chave que define a evolução que vai ter a situação colocada pelo impacto ambiental. Nesse sentido os conflitos ambientais devem ser considerados conflitos políticos. A relação de forças determina se os problemas se expressam como conflitos, e qual é a forma de sua resolução.

Como já deu a entender Dryzek (1992), uma das funções do Estado

é justamente processar politicamente os riscos e impactos ambientais de modo a restringir os seus efeitos práticos sobre a dinâmica econômica e

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política. Uma vez que os impactos ou problemas ambientais e sociais não se convertam automaticamente em custos financeiros a serem absorvidos pelo Estado e pelas empresas, é necessário que se considere os embates e tensões para definir impactos como custos e a possibilidade destes não virem a ser reconhecidos ou considerados legítimos. Balizados e, muitas vezes, favorecidos pelas características dos problemas ambientais, governos, empresas podem valer-se de estratégias tais como: ignorar tais custos; contestar a validade das provas que demonstram a sua existência; declarar que os impactos presentes são legítimos ou que se justificam; recusar-se a compensar ou dar respostas aos danos, ou podem negar a possibilidade de intervenção, conforme Goldblat (1996, p. 142). Parece claro que os governos não fazem isso sozinhos; a administração da crise ambiental e seus riscos é, também, como aponta Beck (1992) em sua Sociedade de Risco, objeto das dimensões judicial e epistemológica (cultural, científica e tecnológica).

Follari (1993, p. 92) cita um exemplo disso no campo científico, ao frisar uma possível função ideológica do conceito de interdisciplinaridade no discurso ecológico: “quando não há decisão política, melhor é apelar para cortinas de fumaça como a interdisciplina. Elas que conduzem a soluções imaginárias pautadas na imanência do técnico e no adormecimento das consciências sobre as opções que teriam real eficácia”.

Desse ângulo, o conhecimento nem sempre é desejado, pelo contrário, em muitos casos, não deve ser produzido ou deve ser relativizado ou omitido. Existem contradições potenciais entre as definições e soluções possíveis dos problemas ambientais. A quase inexistência de publicação sistemática de relatórios de qualidade ambiental no Brasil e as disputas, controvérsias e omissões presentes nos relatórios de impacto ambiental (EIA/RIMA) são um bom exemplo disso (ZEN, 2004; ROTHMAN, 2008; FEARNSIDE, 2011).

A falta de indicadores de performance e de relatórios sistemáticos e acessíveis à população limitam ou impedem o controle social e a mobilização da opinião pública, enfraquecendo as críticas e a avaliação do desempenho, geralmente restrito e deficitário, das instituições ambientais (BARROS,

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2003; MILANEZ; BÜHRS, 2009). O acúmulo de conhecimento sobre um determinado tema pode ser ameaçador para determinados atores, uma vez que as contradições potenciais entre estas soluções tornam-se mais evidentes (LE PESTRE, 2000). Assim, a ascendência da problemática ambiental realçou e potencializou uma arena de poder, na qual as relações de definição, segundo Beck (1992), assumiram uma nova centralidade política.

As características dos problemas ambientais da multifuncionalidade e multidiciplinaridade, da complexidade e incerteza, da irreversibilidade e do conflito de interesses constituem uma variável de grande importância na compreensão do tratamento social e político - sobretudo, na acomodação e legitimação na estrutura estatal - da questão do meio ambiente. Tais características podem influenciar a implementação e dinâmica da política ambiental, contribuindo para a sua baixa efetividade, de diferentes formas.

Em geral, a tomada de posição pelo público é dificultada por uma quantidade grande de conhecimentos científicos que, frequentemente, acaba tornando-se uma discussão de especialistas. Mesmo nos casos em que é possível tomar posições, convertê-las em ações significa enfrentar uma nova ordem de restrições em termos monetários, políticos e existenciais decorrentes da mudança para um estilo de vida mais coerente com os conhecimentos disponíveis sobre uma vida ecologicamente consequente.

Há também complicações para a capacidade e qualidade da mobilização social em torno dos problemas ambientais, devido ao enquadramento ideológico difuso da questão ambiental. Embora se vincule a uma dimensão civilizatória, relacionada à reprodução das condições sociais de existência, as questões ambientais não têm um sujeito histórico ou social preciso, o que torna sua circulação ideológica pouco consistente, quando comparada aos demais movimentos sociais (SADER, 1992).

No âmbito do Estado, as políticas ambientais cortam o espaço institucional de várias políticas públicas, provocando disputas jurisdicionais entre instituições burocráticas e societais. A transversalidade dentro do Estado e a fragmentação das ações que têm implicações positivas ou negativas para o meio ambiente são inúmeras e, muitas, desconhecidas a

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curto e médio prazo. Essa complexidade dificulta, por exemplo, a definição de um montante de gastos públicos e privados em políticas ambientais e a verificação da eficiência destes (TRIDAPALLI et al., 2010), situação bastante agravada nos casos, como o do Brasil, em que há quase a ausência de indicadores de qualidade ambiental.

Além disso, esta política nasce sob um signo de restrição a um estilo de desenvolvimento econômico e social consolidado e legítimo nas sociedades, em nome de resultados de difícil mensuração direta. Definir com relativa clareza quem são os “perdedores” e os “vencedores” é uma tarefa mais complicada nas políticas ambientais, se comparada à maioria das demais políticas públicas.

Dentro do arcabouço cultural da civilização moderna, no qual o ser humano não faz parte e sim está à parte da natureza, as políticas de meio ambiente são necessariamente antipáticas, inoportunas e desagradáveis. Ou seja, se distinguem das demais políticas pelo seu caráter de ‘estraga festa’. Políticas tradicionais, como as que se desenvolvem em agriculturas, indústria, educação, saúde pública ou previdência social, todas, sem exceção, fundamentam sua legitimidade em objetivos ‘positivos’. Todas ‘entregam’ algo à sociedade. [...] Inversamente, as políticas do meio ambiente se dirigem à coletividade como um todo, incluindo uma coletividade que ainda não nasceu. Nesse sentido, as políticas ambientais são caracteristicamente ‘negativas’, sempre chamando a atenção para o que não deve ser feito, sempre sublinhando os efeitos negativos das políticas “positivas” (GUIMARÃES, 1992, p. 70).

Essa condição é agravada em países como o Brasil, com elevados

índices de miséria e pobreza, onde a alocação de recursos e decisões ambientais, em nome de direitos coletivos e de gerações futuras, restringe investimentos em políticas sociais ou usos tradicionais dos recursos naturais, penalizando parcelas significativas das populações atuais, carentes de condições mínimas de sobrevivência (GUIMARÃES, 1992).

Portanto, na medida em que implicam diversos níveis de conflitos quanto à distribuição de riqueza e de poder social, os antagonismos nas políticas ambientais podem ser mais inevitáveis quanto mais os benefícios sejam difíceis de mensurar (aparecem, geralmente, somente a longo prazo e

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visam prevenir e remediar os danos ambientais). Por sua vez, a complexidade e o caráter difuso de seus resultados, o alto grau de antagonismos quanto às formas de apropriação dos recursos naturais, tendem a caracterizar o campo de decisão e implementação da política ambiental por adiamentos indefinidos (FERREIRA, 1992; LE PESTRE, 2000), no interior dos arranjos institucionais predominantes nas sociedades contemporâneas. Contudo, essa afirmação pode ser relativizada, quando se considera a especificidade da política ambiental de acordo com a natureza da problemática em jogo. Por exemplo:

A busca de soluções políticas para a utilização do espaço atmosférico ou dos fundos marinhos será mais fácil do que no caso dos recursos terrestres, uma vez que aqueles domínios de ação implicam políticas para a utilização distributivas em vez de redistributivas, e por serem menos marcadas por um conteúdo simbólico, não se relacionaram com clientelas definidas e bem estruturadas e, por fim, por serem menos submetidas a catástrofes súbitas (LE PESTRE, 2000, p. 94).

Em suma, reiterando o caráter complexo da política ambiental,

deve-se levar em conta que o tipo de questão determina o tipo de política e a sua probabilidade de maior ou menor chance de alcançar os resultados esperados, porque implica atores, riscos e soluções diferentes.

De qualquer forma, como já aludido teórica e empiricamente (FERREIRA, 1992; GUIMARÃES, 1992; GOLDBLAT, 1996; BAKER, 1997; LE PESTRE, 2000; SMITH, 2000; BORINELLI, 2007), é mais freqüente constatar o baixo desempenho das instituições ambientais, ou sua debilidade institucional (BORINELLI, 2007) nas tentativas de frear a degradação ambiental.

Enquanto o Estado e as empresas legitimam-se pela produção de evidências de melhorias parciais e avanços no campo ambiental, geram uma frágil sensação de segurança ambiental por meio de vários recursos que poderiam ser denominados de uma política ambiental cosmética (BECK, 1992; HAY, 1994).

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[...] a racionalidade básica da representação democrática encoraja o estado a restringir suas respostas para essas crises ao mínimo necessário para a restauração da legitimidade de curto prazo. Isto pode ser alcançado através da combinação de sintomas de melhoramentos, declarações de intenções vagas, do “esverdeamento” da ideologia de legitimação política, e do deslocamento da crise em uma variedade de diferentes direções - para dentro da sociedade civil (ao tornar o indivíduo responsável por uma resposta à crise ambiental, facilitando, assim, a sua transformação em um consumidor “verde”) ou para o programa político global ou em outra direção, apresentando a crise como, por exemplo, problema de legitimação de outro estado (HAY, 1994, p. 88).

Como foi demonstrado até aqui, se essa falta de sucesso da política

ambiental não pode ser atribuída exclusivamente a fatores políticos e econômicos, mas também a fatores relacionados às características dos problemas ambientais, é no campo político e econômico que se encontram as possibilidades de uma diferente e mais receptiva forma de tratar os problemas ambientais.

Lidar com a incerteza, incentivar a longevidade das políticas e processos de monitoramento ambiental, melhorar a coordenação política e a integração entre os setores, problemas e governos, produzir versões alternativas dos problemas ambientais, que revelem distorções impostas pelos próprios cálculos de consequência-risco de uma crise ambiental realizados pelo estado e pelo setor econômico, aprofundar a disseminação de informações e conhecimentos e as formas de participação nos processos decisórios que afetam o meio ambiente e o impacto social desses continuam a ser reivindicações e questões de luta, no atual contexto, para o maior controle social da política ambiental e dos riscos ambientais.

O vulto do cenário descrito, além de todas as imbricações da questão ambiental com questões sociais, epistemológicas, culturais, mostra que não estamos diante de uma tarefa fácil e simples, que se resolveria com as reformas promovidas pela Ecoeficiência, pela Modernização Ecológica (MOL, 2000) ou pelos modelos redistributivistas de inspiração socialdemocrata. O reformismo das mudanças institucionais e tecnológicas defendidas e desenvolvidas pelas vertentes associadas à Modernização Ecológica, alinhadas às soluções de mercado e hegemônicas na atualidade,

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não podem ser de todo desprezadas em suas contribuições pontuais, mas também são pouco convincentes quanto à sua eficácia e alcance para tratar de questões ambientais globais, mais ainda para dar respostas à injustiça e à desigualdade dentro e entre os países de forma duradoura. Da mesma maneira, políticas e programas sociais, inspirados em princípios redistributivos e de geração de emprego e renda em grande escala, também são pouco realistas ao não considerarem o impacto negativo de novas e crescentes demandas por recursos naturais, derivado do aumento da renda da população, conjugado aos atuais padrões de consumo. Em ambos os casos, esperar uma saída redentora da ciência e da tecnologia é uma alternativa tão óbvia quanto vazia já que a questão central é se “seremos capazes ou não de redirecioná-las radicalmente, uma vez que hoje ambas estão estreitamente determinadas e circunscritas pela necessidade de perpetuação do processo de maximização dos lucros” (MÉSZÁROS, 2009, p. 53).

A crescente gravidade dos problemas ambientais e a evidência de suas ameaças à vida, cada vez mais, ilustram que as atuais instituições políticas e econômicas são pouco confiáveis e aptas. Um encaminhamento político dos problemas ambientais pautado por princípios democráticos, de justiça socioambiental e de sustentabilidade, requer profundas mudanças nos padrões de produção, consumo e de distribuição de poder, e, por consequência, das formas de pensar e planejar a política pública ambiental.

Embora de uma perspectiva crítica ao capitalismo estas alternativas sejam quase impossíveis no marco do atual modelo de sociedade, a crise ambiental pede um empenho intelectual e político desde já, pois nada garante que as questões trazidas por essa crise e suas ameaças às formas de existência e de organização política como conhecemos terão fácil solução em uma possível nova sociedade. Além disso, não podemos desprezar a maior possibilidade de ter que lidar e conviver com essas ameaças antes, e talvez durante, a construção de novos padrões de relação sociais e com o meio ambiente.

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Considerações finais

Características dos problemas ambientais como a natureza multidimensional e multidisciplinar, a complexidade e incerteza, a irreversibilidade e os conflitos de interesses sociais das instituições e políticas ambientais para enfrentar o desafio ambiental. Contudo, como uma dimensão adicional da política ambiental, as características dos problemas ambientais não são uma condição suficiente para explicar a ordem de constrangimentos que afetam essa política. Se, por um lado, não podem ser desconsideradas as contribuições destas características a um desempenho determinado da política ambiental, por outro, elas remetem a atenção para as instituições sociais que formulam e processam o tratamento específico dispensado a elas. Portanto, tão sério quanto a complexidade e o relativo desconhecimento dos problemas ambientais é a forma como eles vêm sendo incorporados e processados nas instituições das sociedades industriais capitalistas.

A complexidade dos problemas ambientais tende a ser potencializada e mesmo usada favoravelmente para legitimar arranjos institucionais promotores da degradação ambiental, como se tem assistido largamente nas sociedades contemporâneas. À medida que os atuais arranjos institucionais não conseguem encaminhar, satisfatoriamente, os problemas ambientais, ao afirmarem que o estão fazendo, por meio da mercantilização do apelo ambiental, de tecnologias verdes e de instituições estatais débeis, maquiam a realidade e produzem uma falsa sensação de segurança. Como parece lógico, esse quadro conduz ao acúmulo e ampliação dos problemas ambientais, aumentando ainda mais o grau de complexidade que deve ser enfrentado. Nos marcos da argumentação descrita, em caso de agravamento da manifestação de uma crise ambiental, diante da falta de experiência em lidar com a complexidade e da forte resistência a mudanças políticas, econômicas e institucionais, parece ser mais lógico esperar um quadro de medidas autoritárias e de caráter discriminatório como receituário para garantir a sustentabilidade sistêmica das atuais sociedades.

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Independentemente da forma como os problemas ambientais vêm sendo institucionalizados nas sociedades capitalistas, os problemas são reais. A tarefa que se apresenta à produção do conhecimento e à ação política no enfrentamento da crise ambiental é, ao mesmo tempo, investigar e divulgar as falhas, limites e contradições das atuais estruturas institucionais que condicionam e são favorecidas pela Política Ambiental e elaborar novas coordenadas para mudanças políticas, sociais, econômicas e ambientais, visando um contexto mais adequado para lidar com a complexidade dos problemas ambientais sem excluir os históricos anseios por justiça e igualdade. Dessa forma, a baixa efetividade e o caráter cosmético da política ambiental, ou para além desta, a crise ambiental, devem ser enfrentados tanto no campo político quanto na forma como se reconhece e se encaminham novas e tradicionais demandas do Estado e da sociedade.

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Avanços e limites da política pública de economia solidária: um estudo do processo de incubagem de empreendimentos do programa municipal de

economia solidária de Londrina –PR

Benilson Borinelli Dayanne Marciane Gonçalves

Dr. Ivan de Souza DutraLuis Miguel Luzio dos Santos

Thayla Emanuelle da Silva Ferreira

Resumo: A incubagem de empreendimentos pode ser entendida como um processo com temporalidade definida, de caráter formativo e recíproco entre a organização incubadora, e grupos e/ou cooperativas incubadas, que ao seu final visa às suas autonomias. Neste artigo, analisam-se os avanços e os limites da política pública de Economia Solidária, dando especial atenção ao processo de incubagem de empreendimentos do Programa Municipal de Economia Solidária de Londrina (PMES-LDA), no Paraná, Brasil. A metodologia do trabalho está classificada como estudo de caso, sendo que os dados foram coletados em documentos oficiais, periódicos, observação direta e entrevistas com representantes de empreendimentos incubados, bem como integrantes da equipe desse programa. Constatou-se que o programa está caracterizado com o processo de incubagem, apesar de não seguir os moldes de incubadoras tradicionais de cooperativas. Além disso, atendeu número grande de empreendimentos. No entanto, ainda necessita de melhor normalização, bem como divulgação e reconhecimento do processo de incubagem, e também de quadro qualificado para assessoria econômica e de gestão, de parcerias mais consistentes, o que tem resultado num baixo grau de formalização e de sustentabilidade econômica dos empreendimentos. Apesar dos avanços institucionais evidenciados, aponta-se o não equacionamento do dilema entre o assistencialismo improdutivo e a emancipação dos empreendimentos, o que poderá comprometer a avaliação não só da efetividade da política pública de Economia Solidária, mas o potencial utópico e alternativo que ela representa.

Palavras-Chave: Economia Solidária; programa municipal de economia solidária; incubagem de empreendimentos

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Introdução

As transformações do sistema capitalista, nas últimas décadas, caracterizaram-se por grandes mudanças tecnológicas, a financeirização da economia, a concentração de riqueza, todos contribuindo fortemente para o desemprego estrutural de um grande contingente de trabalhadores. Diante da dificuldade em conseguir espaço no mercado de trabalho convencional, desempregados ou subempregados criaram, desde os 1980, alternativas autônomas de geração de trabalho e renda, dando origem a práticas variadas dentro do universo da Economia Solidária.

As iniciativas de Economia Solidária desdobram-se em organizações de produção comunitária, comércio solidário, financiamento solidário, clubes de troca ou sistemas locais de emprego e comércio, economia de comunhão, consumo crítico, entre muitas outras modalidades econômicas adotadas por pessoas que, por algum motivo, encontram-se fora do mercado de trabalho tradicional. Essas iniciativas surgem da mobilização dos próprios trabalhadores desempregados ou subempregados que, muitas vezes, são organizados através da iniciativa de organizações não-governamentais, igrejas, governos e grupos de solidariedade internacional, além de incubadoras que se propõem a fomentar e apoiar estas iniciativas.

Uma consequência desse processo foi a institucionalização de políticas públicas de Economia Solidária (PPES) no Brasil, com o objetivo de oferecer subsídio e fomento às propostas de Economia Solidária. O marco do processo foi a criação, em 2003, da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), a qual teve como atribuições desenvolver ações efetivas de promoção e difusão das iniciativas de Economia Solidária, apoiando diferentes iniciativas dos governos estaduais e municipais em todo o Brasil. A partir disso, verificou-se no país o surgimento de inúmeras iniciativas de governos municipais e estaduais no sentido de criar espaços de incentivo e apoio a empreendimentos locais de Economia Solidária .

Entre as iniciativas municipais, destaca-se a cidade de Londrina, no Estado do Paraná, que criou, em 2005, o Programa Municipal de Economia Solidária (PMES), com a finalidade de atender grupos de geração de

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trabalho e renda nas áreas de artesanato, alimentação, material de limpeza e reciclagem de lixo. Considerando que o processo de incubagem de empreendimentos é um dos mais importantes instrumentos de promoção da Economia Solidária e da PPES, o presente estudo analisa os avanços e os limites desse processo no PMES de Londrina. Com isso, lançando mão de uma pesquisa de estudo de caso, o artigo pretende contribuir para melhor compreensão da recente experiência da PPES no Brasil, fomentando novos estudos e práticas no campo e a reflexão crítica sobre as possibilidades e os limites do papel do Estado na promoção da Economia Solidária.

Num primeiro momento, apresenta-se a Economia Solidária como Política Pública, com base em sua origem e desenvolvimento no Brasil, apontando os avanços e limites dessa política. Em seguida, analisa-se criticamente o PMES de Londrina, descrevendo sua origem, funcionamento e seus avanços e desafios, com ênfase nos desafios do modelo de incubagem de empreendimentos de Economia Solidária adotado.

Economia solidária como política pública

As contradições e iniquidades da sociedade atual baseiam-se na manutenção de um número expressivo da população apartado do mercado de consumo e das garantias mínimas de dignidade e bem-estar. Assim, a Economia Solidária surge como um movimento em torno da mobilização popular pela busca de justiça social e econômica. Alternativamente, essa nova economia procura desenvolver e apoiar iniciativas autônomas num formato cooperativo e autogestionário, visando ao desenvolvimento sustentável e à inclusão social como bem maior. (SACHS, 2009).

A empresa solidária é a base da Economia Solidária seja ela cooperativa de produção, cooperativa de comercialização, cooperativa de consumo ou cooperativa de crédito. O que a impulsiona é a possibilidade de, conjuntamente às pessoas, conseguir driblar as condições adversas do mercado competitivo, pautada em um sistema de ganhos em escala que permitam reduzir substancialmente os custos, através de exploração de

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nichos de mercado, ou ainda como fornecedoras do poder público entre outras modalidades de viabilização (SINGER 2002).

O conceito e os objetivos que balizam a Economia Solidária encontram-se intimamente imbricados com os ideais de emancipação, os quais, por sua vez, se apóiam na busca por atingir-se a maioridade de consciência, com autonomia de conhecimento e de percepção da realidade independentemente de imposições ou influências externas apresentadas como naturais. Cattani (2003, p.130) define emancipação como “o processo ideológico e histórico de libertação de comunidades políticas ou grupos sociais, da dependência, da tutela e da dominação nas esferas econômicas, sociais e culturais.”. Esse conceito apresenta múltiplos contornos e é potencializado quando é analisado num contexto mais amplo da vida social, entendendo-se uma sociedade como emancipada quando “a lei maior é o bem comum, objetivo e universalizante [...] é o inverso do pensamento elitista que afirma continuamente a incapacidade congênita do povo de ter iniciativas autônomas e de manifestar e defender seus próprios interesses” (CATTANI, 2003 p.130).

Diferentes autores, tais como Sousa Santos (2002), Singer (2002) e Cattani (2003), vêm fazendo um esforço no sentido de estudar o fenômeno da Economia Solidária como potencial mecanismo de emancipação social. Estes modelos organizacionais ousam ao abandonarem a lógica tradicional, apoiada na subserviência, na hierarquia vertical e no despotismo econômico, substituindo-a por uma estrutura organizacional sustentável, amparada em bases democráticas participativas e na solidariedade como elemento essencial para a construção de uma nova sociabilidade.

De acordo com Schwengber (2005, p. 5), no Brasil, a Economia Solidária e as políticas públicas de fomento a esse setor: “não são um universo separado do restante da sociedade brasileira, da sua cultura política, do seu contexto socioeconômico, das suas conquistas e das suas contradições, da sua institucionalidade”. São as experiências e a trama conceitual que se formam em torno da Economia Solidária, que permeiam os princípios organizadores das intenções e objetivos dos gestores públicos, as quais viram referência social que pautam a conjuntura na maneira de formular

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questões com certa regularidade, bem como a maneira de formulá-las, expandindo-se, e ganhando espaço institucional. Assim, as experiências “vão ganhando visibilidade como iniciativa social e que atravessam espaços institucionais, constituindo objeto da análise e densidade como fenômeno associado às políticas públicas de Economia Solidária” (ARAÚJO; SILVA, 2005, p. 31).

Representando um projeto democrático, a Economia Solidária deve ser vista como uma instituição insurgente (WILLIANS, 1979) e, portanto, em oposição à lógica geral do Estado brasileiro e de suas políticas públicas que, a rigor, encontram-se comprometidas com o modelo econômico de mercado (OFFE, 1986) e com a reprodução de racionalidades privatizantes (SHWENGBER, 2005). Assim, a consolidação da Economia Solidária como movimento e política pública encontra-se em um campo de disputas e de oposição constantes, processo que se expressa nas concepções de política pública de Economia Solidária (PPES) existentes no país.

Para Shwengber (2005), com base em pesquisas de campo no Nordeste e Sudeste do país, diante da dificuldade de inclusão de uma lógica diferenciada na sociedade brasileira, há duas concepções de PPES. A primeira seria a utilitarista, a qual insiste na importância da qualificação profissional, sendo próxima a uma concepção de empreendedorismo e, ainda, muito focada na dinâmica de mercado, buscando a acomodação dessa economia informal nos marcos institucionais regulatórios da economia de mercado. A segunda concepção, chamada pelas autoras de solidarista (ou comunitarista), amplia essa primeira, pretendendo responder a estratégias territoriais de desenvolvimento em torno do fomento de outra dinâmica econômica (princípios de valores da Economia Solidária), baseada na construção e fortalecimento de cadeias sócio-produtivas locais, integradas ao tecido de relações social, político e cultural do lugar, interligando as esferas do Estado, sociedade civil e os mercados por meio da autonomia, afastando-se do cunho compensatório.

Numa perspectiva semelhante, França (2006) diferencia duas políticas de geração de trabalho e renda, que podem ser vistas como complementares. A primeira concepção, insercional-competitiva, é aquela

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que insiste na importância da qualificação profissional, mas não a considera como suficiente em si mesma. Estas são pensadas e elaboradas em função de acompanhamento das tendências de mercado e para seguir a demanda real de qualificação, visam também à organização dos trabalhadores que se encontram na informalidade. A segunda concepção, sustentável-solidária, por sua vez, trabalha para a construção de estratégias territoriais de desenvolvimento em outra dinâmica econômica, ou seja, a construção de circuitos sócio-produtivos locais integrados ao tecido das relações sociais, políticas e culturais do lugar onde o grupo está inserido.

Outra contribuição importante para avaliar a concepção de PPES, é dada por Pochmann (2004) com o termo assistencialismo improdutivo. Para o autor, esse seria o caso, quando se verificam medidas instrumentais à Economia Solidária como compensatórias e incapazes de oferecer alternativas ocupacionais diante da crise do desenvolvimento capitalista no Brasil. Isso demonstra a insuficiência da política governamental em “oferecer saídas emancipatórias às angústias do conjunto dos excluídos”. (POCHMANN, 2004, p.30). Nesse caso, o papel do Estado acaba se confundindo com o ciclo político eleitoral, atuando de forma compensatória e incompleta, sem apontar para a geração de saídas emancipatórias.

Essas concepções demonstram que a PPES está sujeita a várias interpretações e projetos estratégicos, segundo os atores e a correlação de forças que determinam a sua criação e implementação no âmbito do Estado.

Desde os anos 1980, considerando a grave problemática do desemprego no Brasil e as contradições socioeconômicas nas últimas décadas, o poder público vem sofrendo pressões para tornar-se agente mais proativo e efetivo no enfrentamento das questões sociais. Além disso, a lógica de mercado tradicional vem dando sinais de incapacidade para equalizar avanços econômicos com benefícios sociais generalizados, o que cria um espaço propício à experimentação e à busca de novos modelos organizacionais que se pretendem inclusivos e sustentáveis econômico, social e ambientalmente.

Nessa perspectiva, o principal marco da Política Pública de Economia Solidária no Brasil deu-se no gorverno do Presidente da República Luis

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Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, ex-sindicalista, que retoma as ideologias dos movimentos sociais e sindicais das décadas de 1980 e 1990. Em junho de 2003, o Congresso Nacional aprovou o projeto de Lei criando a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, vinculada à do Ministério do Trabalho e Emprego. A inciativa reconhecia que o Estado brasileiro está passando por um profundo processo de mudanças sociais, provocado pela crise do trabalho que vem assolando o país desde a década de 1980, e que lhe caberia assumir a responsabilidade de promover iniciativas de trabalho e renda em moldes coletivos e solidários (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2010). A SENAES objetiva apoiar e induzir as iniciativas e experiências de trabalho e renda, que em parte encontram-se organizadas pelas mãos de diferentes organizações da sociedade civil, como ONG’s, sindicatos, igrejas e várias unidades econômicas cooperativadas. Logo, não tem como objetivo atender a uma demanda social específica, como por exemplo os programas Bolsa-Família ou Fome Zero, ainda que em muitos casos esteja atrelado a estas políticas (BARBOSA, 2007).

Entre os principais objetivos da PPES pode-se destacar: a erradicação da pobreza, a melhoria nas condições de trabalho e o fortalecimento da participação social e política dos trabalhadores da Economia Solidária. Para alcançar estes objetivos foram criados instrumentos como: a formação dos trabalhadores; a incubagem dos empreendimentos; o fomento das atividades desenvolvidas e a luta por um marco legal e regulatório para a Economia Solidária .

Avanços e Limites da PPES

A Política Pública de Economia Solidária é recente, razão pela qual

ainda está em construção e em processo de implantação no país. Para se identificar os seus principais avanços e limites, é apresentado, a seguir, um referencial formado a partir da consulta a livros, relatórios institucionais e trabalhos acadêmicos.

Uma das mais importantes referências sobre os avanços e limites da PPES no Brasil é o Relatório Final de Avaliação das Políticas Públicas

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de Economia Solidária, realizado em 2005 pelo SENAES, em parceria com pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA); Universidade de Brasília (UnB); Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Rede de Gestores. O objetivo principal deste estudo era conhecer profundamente as ações em Economia Solidária no Brasil, bem como avaliar a construção desta nova política nos municípios brasileiros.

O Relatório (2005) destaca quatro avanços, seguidos de quatro desafios das PPES no Brasil: i) a sensibilização dos atores políticos; ii) a organização da sociedade civil; iii) a criação das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares e; iv) as articulações intragovernamentais. Como desafios destacam-se: i) a partidarização das ações da Economia Solidária; ii) a redemocratização das relações entre Estado e sociedade; iii) o tempo para desincubagem e; iv) a fragilidade das parcerias.

Segundo o Relatório (2005), a sensibilização do dirigente municipal ao tema possibilitou o empreendimento de ações em Economia Solidária. No entanto, atrelado a esta sensibilização encontra-se o desafio da despolitização das ações da Economia Solidária. Desta forma, as ações foram realizadas de “cima para baixo”, o que fez com que os movimentos sociais participassem pouco desta implantação.

A adoção destas ações por parte dos dirigentes é fundamental na promoção e desenvolvimento das iniciativas de Economia Solidária, por outro lado esta articulação pode gerar dependência da opção/partidarização política dos dirigentes, podendo sofrer ruptura quando ocorrer a troca de governo. Para que isso não ocorra, é necessário que a sociedade civil apodere-se destas conquistas e passe a pressionar o Governo para garantir a permanência dos programas públicos de apoio à Economia Solidária.

Passos importantes estão sendo dados em todos os municípios pesquisados para que a articulação entre sociedade civil e Estado aconteçam de forma a se evitar uma verticalização excessiva das políticas. Um exemplo disso é a constituição de Centros Públicos e a presença de gestores públicos oriundos do próprio campo da economia popular e solidária. Um problema verificado é a dificuldade em encontrar grupos organizados, mobilizados e

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politizados, o que faz com que, via de regra, haja uma indução externa em relação à organização dos grupos sociais como primeiro passo para o seu desenvolvimento (RELATÓRIO, 2005).

O Relatório (2005) salienta a importância das parcerias estabelecidas entre Programas de Economia Solidária com Instituições e organizações da Sociedade Civil, uma vez que foi por meio da proximidade com Universidades que surgiram as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP). Essas parcerias são a principal alavanca de apoio na disseminação da Economia Solidária e do conhecimento sobre autogestão para dentro e fora das Universidades, além de estimular o desenvolvimento de outras tecnologias específicas e estratégias apropriadas aos empreendimentos populares. Entretanto, este acompanhamento tornou-se um desafio para as PPES (Políticas Públicas de Economia Solidária); primeiro porque esta não sabe ao certo o momento adequado para a desincubagem dos empreendimentos e segundo por não saber como transferir toda a tecnologia desenvolvida em parceria com os alunos e professores para o empreendimento sem comprometer a vida do mesmo. Em geral, as Incubadoras de Tecnologia de Cooperativas Populares (ITCPs) ainda não sabem o momento adequado para desincubar os empreendimentos, criando uma relação de co-dependência entre as incubadoras e os empreendimentos.

O outro desafio está ligado à parceria que se estabelece com as Universidades, em sua maior parte, através de projetos de extensão, que contam com recursos humanos e contratos temporários. O fato é que os professores, alunos e outros profissionais envolvidos nestas parcerias não compartilham da mesma realidade do empreendimento, o que compromete a continuidade das ações. Outra grande dificuldade está em retirar destes parceiros a imagem que os trabalhadores projetam de que eles são detentores de saberes técnicos e políticos superiores, o que gera dependência e subserviência que pode imobilizar a autonomia e emancipação dos grupos de Economia Solidária (RELATÓRIO, 2005).

França (2006) identifica como avanço das PPES a espontaneidade dos empreendimentos e é graças a esta criatividade encontrada nos

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empreendimentos, juntamente com a mobilização popular em torno dos projetos, que até hoje vários núcleos de trabalho perduram, apesar de todas as adversidades. Contrapondo esta característica positiva das PPES, o autor destaca a existência de baixa institucionalização da temática na estrutura pública brasileira. Ou seja, para ser Economia Solidária é preciso a união de todas as esferas do setor público, para que sejam alcançados não só os objetivos econômicos, mas também os sociais, educacionais, etc.

Nishimura (2005), ao descrever o processo da implantação no PMES no município de Londrina, identifica como principal avanço das PPES o crescente interesse do Estado em propor a Economia Solidária como alternativa de enfrentamento aos altos índices de desemprego encontrados no país. Entretanto, este avanço traz consigo uma dificuldade, que é a baixa adesão do Poder Público na esfera estatal à Economia Solidária como Política Pública, criando um descompasso entre os esforços federais, estaduais e municipais, reduzindo a efetivação das políticas. Outros dois limites, de acordo com a autora, são a ausência de profissionais familiarizados com o tema para a formação da equipe técnica responsável pelo acompanhamento dos empreendimentos e a falta de estratégias para a difusão do conceito e das práticas da Economia Solidária, tanto para os próprios empreendimentos quanto para toda a sociedade.

Cruz (2007), ao estudar as potencialidades e desafios dos empreendimentos solidários em Londrina, salienta que o principal limite dos empreendimentos da Economia Solidária é a ausência de estratégias de inserção no mercado que garantam a informação, conscientização e promoção das práticas desta economia, bem como de seus produtos/serviços. Logo, o desconhecimento por parte da população em geral, das particularidades nas quais se fundamenta a Economia Solidária, com seus valores e princípios, reduz a potencialidade de alcance dos produtos e serviços provenientes dos empreendimentos de Londrina.

Prochet (2009) identifica ainda como limite à PPES a falta de formalização dos grupos de geração de trabalho e renda, o que reduz enormemente a capacidade de se integrarem ao mercado de consumo formal e, por consequência, de avançarem para patamares mais elevados

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de desenvolvimento. A autora alerta, também, para o fato de que propor políticas públicas favoráveis à ampliação dos empreendimentos da Economia Solidária não basta, é necessária a elaboração de estratégias de enfrentamento das relações de trabalho e o fortalecimento da capacitação de gestão de cada trabalhador.

Por fim, é importante registrar que grande parte dos desafios impostos a PPES encontra-se enraizado na natureza dos empreendimentos de Economia Solidária. Em geral, esses empreendimentos devem desenvolver-se competindo em um terreno capitalista adverso e em condições muito inferiores de operação. O que Gaiger (2007) chama de debilidade estrutural dos empreendimentos de Economia Solidária caracteriza-se nas precárias condições de vida, na baixa formação escolar e profissional, nas dificuldades de capitalização dos empreendimentos, na baixa capacidade de gestão, na dificuldade de comercialização e de garantia de direitos trabalhistas básicos aos seus membros. As debilidades estruturais afetam o reconhecimento dos empreendimentos pelo mercado, reduzindo, assim, sua capacidade de gerar excedentes que garantam autonomia econômica, retribuições aos trabalhadores, coesão e qualificação do quadro de sócios. (GAIGER, 2007) A PPES surgiu em decorrência e deve lidar com esse quadro de problemas, da resposta ao qual dependerá a vitalidade e legitimidade não só dessa política, mas do próprio projeto da Economia Solidária.

Do exposto acima, optou-se em usar como categorias centrais de análise da incubagem de empreendimentos de Economia Solidária realizada pelo PMES de Londrina: o processo de incubagem; as parcerias; a capacidade do quadro técnico; e grau de formalização e dependências dos empreendimentos.

Metodologia O processo de incubagem é percebido neste trabalho como

um fenômeno social, político e técnico complexo e sujeito a diversas interpretações e intervenções dos atores mais diretamente envolvidos.

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Assim, a abordagem qualitativa se apresenta como a mais indicada para a sua investigação, especificamente uma análise exploratório-descritiva com a adoção do procedimento de estudo de caso.

O estudo de caso, segundo Merrian (1998), pode ser uma descrição bem delimitada de um fenômeno, instituição, programa, grupo de pessoa ou pessoa, porém trabalhado de modo holístico e intensivo. Nesse aspecto, a autora destaca que o(s) pesquisador(es) tem (têm) mais preocupação em compreender os processos sociais num contexto, do que as inter-relações das variáveis. Dessa maneira, o estudo de caso justifica-se como a melhor escolha para o objetivo desta pesquisa, uma vez que busca explorar processos e comportamentos no entorno da Economia Solidária como política pública municipal brasileira, algo que tem pouca compreensão.

Os dados foram coletados entre Julho e Novembro de 2009, em documentos oficiais (estatuto e relatórios do CEPS), observação direta e entrevistas semi-estruturadas com os envolvidos no processo de incubagem do Programa Municipal de Economia Solidária. Para avaliar o processo de incubagem do referido Programa, foram entrevistados a Coordenadora do PMES de Londrina e a Gerente de Inclusão Produtiva do Município do Programa; um professor da Universidade Estadual de Londrina e integrante do PROSOL – Projeto de Apoio à Rede de Comercialização de Produtos da Socioeconomia – projeto que presta assessoria ao Programa Municipal; um Assessor Técnico do Estado do Paraná, da UNISOLBRASIL - Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários; e três representantes de empreendimentos econômicos assessorados pelo Programa Municipal de Economia Solidária, denominados de grupos A, B e C. Nas entrevistas, procurou-se explorar as categorias expostas na literatura específica, destacadamente: o processo de incubagem; as parcerias; a capacidade do quadro técnico; e grau de formalização e dependências dos empreendimentos.

Na análise dos dados, utizou-se a técnica de análise de conteúdo, quando se procurou confrontar os dados das entrevistas, da observação direta e dos documentos com contribuições da literatura para identificar os limites e os avanços do processo de incubagem, bem como discutir a concepção de PPES predominante no PMES de Londrina.

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O Programa Municipal de Economia Solidária de Londrina

Desde 2002, com o I Encontro de Economia Solidária em Londrina, discutia-se a participação do poder público municipal no apoio a esse novo campo de ação. A origem da política pública de Economia Solidária em Londrina deu-se nos trabalhos e articulações com o Programa Federal Fome Zero, que possuía quatro eixos de atuação: 1) Ações de Combate à

Fome; 2) Abastecimento Alimentar; 3) Renda Mínima; e 4) Geração de Renda e Capacitação Profissional. Contudo, medidas mais efetivas da Política Pública de Economia Solidária em Londrina surgiram em 2005 com a criação do Programa Municipal de Economia Solidária e o Centro Público de Economia Solidária, na gestão do petista Nedson Micheletti.

Em Londrina, desde o seu início, a política pública municipal de Economia Solidária foi concebida, modelada segundo a perspectiva da política de assistência social, ficando o

PMES vinculado à estrutura administrativa da Secretaria Municipal de Assistência Social.

Londrina foi um dos primeiros municípios a articular e implantar a Política Pública de Economia Solidária e a montar um Centro Público de Economia Solidária (CPES), financiado pela SENAES, o qual é referência para todo o país. Este espaço destina-se à informação, capacitação e atendimento aos empreendimentos, além de servir de ponto de comercialização dos produtos desenvolvidos pelos grupos incubados. Além do Centro Público, a comercialização dos produtos desenvolvidos pelos grupos incubados também são ofertados nas feiras de Economia Solidária e Geração de Renda – FEISOL, e outras feiras descentralizadas promovidas pelo PMES (NISHIMURA, 2005).

Os 42 grupos incubados pelo Programa atuam nas áreas de alimentação, artesanato, reciclados (papel, tecido), confecção e prestação de serviços. Reúnem beneficiados pela assistência social, indígenas, contemplados pelo programa bolsa família, desempregados, agricultores familiares (público-alvo da assistência social etc). Em agosto de 2008, foi aprovada pela Câmara Municipal de Londrina a Lei Municipal número

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10.523, que reconhece e legaliza o Programa Municipal de Economia Solidária. Em seus capítulos são abordados os objetivos do programa; a estrutura organizacional; os projetos; os princípios, os objetivos, os beneficiários, os recursos e o crédito das PPES municipal; refere-se, ainda, ao Centro Público de Economia Solidária e à participação e controle social.

O Processo de Incubagem do PMES de Londrina

O PMES não é intitulado como incubadora, embora apresente

características de uma, já que organiza e capacita grupos de geração de trabalho e renda pautados nos princípios da Economia Solidária e Cooperativismo, contando com uma equipe técnica para assessorar os empreendimentos, como ocorre nas incubadoras convencionais. Para Kruppa e Sanchez (2002, p.11):

A incubagem é entendida como um processo com temporalidade definida, de caráter permanente, realizado mediante o estabelecimento de compromissos recíprocos entre Incubadora e grupos/cooperativas incubadas, visando à autonomia destes no final do processo. Tendo como ponto de partida a realidade e as demandas dos grupos apoiados, com forte caráter formativo.

Todo o processo de incubagem é composto por diferentes e

progressivas etapas. Sendo que estas têm um prazo determinado para o fim da assessoria. Vale ressaltar que o estabelecimento de um prazo determinado para o fim da incubagem não visa ao seu rápido encerramento, mas sim à autonomia dos grupos incubados, ou seja, busca desenvolver e formalizar as organizações assessoradas de forma que elas possam caminhar por si mesmas de forma independente.

A SENAES não determina um modelo de incubagem, já que existem diferentes modelos, como os promovidos por organizações do terceiro setor, por universidades, ou pelo próprio poder público. No caso especifico de Londrina, foram inicialmente pesquisados modelos de incubagem de três incubadoras de universidades: Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE; Universidade Federal de Alagoas – UFAL; e Universidade Federal

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do Rio de Janeiro - UFRJ. E também de uma iniciativa do poder público, o PRODIOTES - Programa de Desenvolvimento de Incubadoras Públicas Tecnológicas de Empreendimentos Econômicos Solidários.

Dentre essas incubadoras, a que descreve com maior clareza todas suas etapas, inclusive define o prazo para a desincubagem dos empreendimentos, é a incubadora da UFRJ. A sua metodologia de incubagem compreende quatro etapas: 1) Organização do grupo; 2)

Cursos de treinamento/qualificação profissional; 3) Legalização da cooperativa e; 4) Acompanhamento do grupo. A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da UFRJ é a única que incluiu, em sua metodologia, a questão da educação formal, pois a maior parte dos trabalhadores que entra na incubadora possui baixa escolaridade, o que tende a dificultar o desenvolvimento das atividades e, principalmente, a autonomia destes empreendimentos. O tempo para a desincubagem dos empreendimentos incubados pela UFRJ é de três anos e meio.

Segundo a Coordenadora do PMES de Londrina (Entrevista, 10/11/2009), o Programa difere de uma incubadora tradicional, uma vez que esta tem apenas o objetivo de incubar empreendimentos, enquanto o Programa possui outros objetivos que vão além da simples incubagem. O Programa realiza oficinas de sensibilização em Economia Solidária e destas oficinas surgem os grupos, diferentemente das incubadoras tradicionais, nas quais, em geral, os grupos já chegam formados.

O PMES não realiza um processo de seleção, assim como as incubadoras. De acordo com a Coordenadora, todos os trabalhadores e trabalhadoras de uma determinada região da cidade são convidados a participar das oficinas de sensibilização. Essas oficinas são realizadas pelos Centros de Referência de Assistência Social - CRAS, sendo que a adesão é livre e voluntária. Assim, a seleção ocorre a partir do interesse e da vontade de cada um em aderir ao Programa.

Quanto ao critério utilizado para incubarem os empreendimentos, o Programa segue os critérios estabelecidos pela Lei Municipal de Economia Solidária, que define como públicoalvo todas as pessoas que recebam benefícios ou estejam incluídos em algum serviço da política pública de

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assistência social. Sendo assim, são alvos do programa trabalhadores desempregados e/ou indígenas; beneficiários dos serviços de saúde mental e trabalhadores da agricultura familiar (LEI MUNICIPAL 10.523/2008, art. 8).

Ao avaliar a primeira etapa do processo de incubagem, a coordenadora do PMES de Londrina identifica como limites o desconhecimento, em geral, do que vem a ser Economia Solidária e a necessidade de se trabalhar este conceito e seus princípios fundamentais, uma vez que estes norteiam as atividades. (Entrevista, 10/11/2009) Com relação ao tempo despendido nesta etapa, ela acredita que depende da capacidade de cada empreendimento em se apropriar do que aprendeu durante as oficinas de formação, ressaltando que o aprendizado é diário e vivenciado na prática.

A segunda etapa do processo de incubagem é caracterizada pela viabilidade econômica e contém as seguintes tarefas: define-se a atividade produtiva que será desenvolvida; apresentam-se ferramentas administrativas e de gestão; são realizadas as melhorias necessárias nos produtos; são definidas as políticas e estratégias de comercialização; é elaborado o plano de negócios e calculada a renda justa para cada trabalhador. A escolha da atividade que será desempenhada pelo grupo é feita de acordo com as experiências, conhecimentos e habilidades de cada trabalhador. Além disso, realizam uma pesquisa de mercado na localidade em que estão se inserindo, procurando identificar uma demanda e analisando a capacidade de comercialização naquela região. Quanto à adoção das ferramentas administrativas, a entrevistada acredita que estes conhecimentos são incentivados desde o inicio da atividade, mas há dificuldade em compreender a importância de tantos controles formais, o que faz com que esta atividade possa demandar um tempo considerável para ser apropriada pelos grupos. (Coordenadora do Programa, entrevista, 10/11/2009)

A terceira e última etapa do processo de incubagem é a desincubagem. Ou seja, o momento em que se verifica que o grupo apoderou-se dos conhecimentos necessários para se desenvolver autonomamente, de forma democrática. Nesse sentido, o PMES havia estabelecido um prazo

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de 2 (dois) anos para que o grupo tivesse concluído todas as etapas descritas anteriormente e pudesse desincubar-se. Porém, a coordenadora acredita que o estabelecimento de prazos rígidos pode fazer com que se desincubem dos grupos ainda frágeis, perdendo todo o trabalho referente ao processo de desenvolvimento conquistado até esse momento. (Entrevista, 10/11/2009). Esta posição assemelha-se ao da incubadora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), que também relativiza os prazos de desincubagem de acordo com a apropriação do conhecimento.

Vale ressaltar que a classificação da Política Pública depende da forma como o responsável a vê e a executa. Um olhar referente apenas à inclusão social, definida como utilitarista (SHWENGBER, 2005), não garante a sustentabilidade dos empreendimentos por não considerar a escassez do recurso público e o mercado. Enquanto a visão ideal é a solidariedade, que percebe o mercado e o Estado apenas como subsidiários de suas dinâmicas (ARAÚJO; SILVA, 2005).

PMES de Londrina: Avanços e Limites

Os integrantes do grupo B identificaram como avanço a criação do Centro Público de Economia Solidária, referência na área, e o surgimento de novos empreendimentos. Também destacam o Centro Público de Economia Solidária como um avanço, assim como já haver uma Legislação Municipal específica.

Quanto aos avanços do processo de incubagem desenvolvido pelo PMES de Londrina, grande parte dos entrevistados citou a formalização dos empreendimentos, através da criação da Coopersol, como uma das principais conquistas. Os grupos A, B e C, juntamente com mais seis grupos, participam da cooperativa. Trata-se da primeira cooperativa de empreendimentos solidários formalizada pelo Programa e também é a primeira do município. No entanto, algumas dúvidas despontam como a capacidade de autonomia da Coopersol, a dificuldade em desenvolver-se em três segmentos distintos de atuação, artesanato, confecção e alimentação e, ainda, a capacidade de integrar mais grupos ao longo do tempo, gerando trabalho e renda dignos e de forma sustentável.

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Para o professor da Universidade Estadual de Londrina (Entrevista, 14/11/2009), os avanços são válidos e relevantes, porém acredita que os problemas na operacionalização da PPES relativizam e restringem esses avanços. Reforçando este posicionamento, os grupos A, B e C apontaram que a principal limitação deles é a comercialização. Segundo o exposto por um integrante do grupo C, se fossem elaboradas outras estratégias para a comercialização, o grupo teria mais recursos e dependeria menos do Programa Municipal de Economia Solidária: “O problema está na comercialização. Se a gente tiver um espaço bom para comercializar, venderíamos melhor e não precisaríamos do Programa. Vender no bairro é difícil, porque as pessoas compram fiado, ai não pagam e o grupo leva prejuízo” (Entrevista, 18/11/ 2009).

Os integrantes dos grupos B e C avaliaram que a informalidade dos empreendimentos é uma barreira que se reflete na comercialização e no desenvolvimento dos próprios grupos. A falta de nota fiscal limita a capacidade de comercialização, principalmente, para empresas que certamente poderiam ser consumidores de grandes volumes alavancando todo o processo. Esta barreira vai ao encontro do limite identificado por Cruz (2008), a qual evidencia a falta de uma política de comercialização propícia à ampliação do mercado ao consumidor dos produtos da Economia Solidária. O professor da UEL acrescenta ainda que se essas deficiências não forem sanadas, as iniciativas de Economia Solidária tornar-se-ão meras políticas assistenciais compensatórias, desvirtuando-se a essência da própria Economia Solidária. Essa discussão será retomada mais adiante.

Contudo, embora o limite da comercialização seja o mais evidente no comprometimento desses empreendimentos, Borinelli, Santos e Pitaguari (2010) chamam a atenção para o fato de que tal limite, muitas vezes, acontece por falta de um planejamento da produção atrelado a uma estratégia mercadológica mais elaborada.

A disponibilização de recursos para os empreendimentos assessorados é de suma importância, tendo em vista que as atividades só conseguem viabilizar-se, de início, através de apoio financeiro. Entretanto, de acordo com o grupo C, os trabalhadores não desejam tornarem-se

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dependentes do Programa e, mais uma vez, ressaltam que o principal limitador para a autonomia dos grupos é a ausência de desenvolvimento da comercialização. Com relação à autonomia dos empreendimentos, o professor da UEL argumenta que:

Precisa-se urgentemente de um maior debate em torno das verdadeiras vocações e possibilidades para a Economia Solidária. Não acredito que a solução esteja em enfrentar mercados muito concorridos, mas antes encontrar vias que reduzam e facilite o caminho destas organizações. Um exemplo que acredito é uma mudança na lei para que estas iniciativas possam participar de licitações e parcerias com o poder público com vantagens sobre as empresas capitalistas, uma outra é passarem a atender mercados locais específicos (Entrevista, 14/11/2009).

Logo, de fato, no que tange à conquista da autonomia dos

empreendimentos, dois limites destacam-se: o primeiro diz respeito à escolha da atividade e comercialização e o segundo é a apropriação dos empreendimentos por parte dos trabalhadores.

Assim, a escolha da atividade a ser desenvolvida pelo empreendimento é crucial para o seu sucesso ou fracasso. Os produtos da Economia Solidária necessitam ser diferenciados num mercado de elevada concorrência, o que impõe um esforço adicional em pesquisa e desenvolvimento para criar vantagens sustentáveis ao longo do tempo. No entanto, há certa dificuldade diante das limitações de formação que caracterizam a realidade dos grupos. Considerando estas dificuldades intrínsecas à realidade dos empreendimentos de Economia Solidária em geral, o professor da UEL (Entrevista,14/11/2009) defende que uma das saídas poderá ser a mudança da Lei de Licitação, em que os empreendimentos econômicos solidários tenham preferência sobre os demais, ou pelo menos possam trabalhar com um sistema de cotas para produtos destas iniciativas. Esse posicionamento converge com a crítica à tendência de transferir para o trabalhador toda a responsabilidade pelo desemprego e pobreza (BARBOSA, 2007), quando a sua exclusão faz parte de um problema estrutural alimentado ao longo da história e que, por isso, é uma injustiça transferir essa responsabilidade para os grupos de Economia Solidária.

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A dificuldade em desenvolver autonomia nos grupos também é percebida como um ponto crítico, levando-se em conta a baixa apropriação de todo o processo de trabalho e gestão pelos trabalhadores. Diante deste cenário, o Programa Municipal de Economia Solidária, segundo o professor da UEL (Entrevista, 14/11/2009) e os integrantes do Grupo A (Entrevista, 16/11/2009), necessita desmistificar o mercado, a comercialização e a gestão. Os entrevistados identificaram limites quanto à formação profissional dos técnicos que acompanham os empreendimentos incubados. Segundo o professor, faltam profissionais da área de gestão: “Definitivamente faltam administradores para dar apoio, essa é a área por excelência da administração, vemos um campo imenso de carências e de problemas que são o escopo de atuação da administração e que hoje é dominado de forma absoluta pelos assistentes sociais” (Entrevista, 14/11/2009).

Também, os integrantes do grupo A acreditam que a falta de formação específica dos técnicos que assessoram os grupos atrapalha o aprendizado dos trabalhadores e as parcerias ficam comprometidas:

Nenhum dos técnicos tem essa capacitação de contabilidade, gestão. Porque, por exemplo, os estagiários vieram verificar se nós tínhamos aprendido a fazer os cálculos de custo de produção, esse trabalho deveria ter sido feito nas bases. Se tivesse um profissional em cada área, ensinando esses grupos nas suas bases, ensinando todas as trabalhadoras a fazer o calculo. Esse deve ser o melhor caminho para ter o equilíbrio e que tenha realmente grupos formados (Grupo A, entrevista, 16/11/2009).

A gerente de Inclusão Produtiva do Programa, por sua vez, não

identifica problema algum em relação à formação profissional dos técnicos do Programa Municipal de Economia Solidária. Segundo ela, não é função dos técnicos do Programa possuir conhecimentos específicos, mas sim conhecimentos acerca do que é Economia Solidária e dos princípios que a caracterizam. Esta abordagem é expressa em Araújo e Silva (2005), quando alerta que em alguns casos se preconiza primeiramente a formação ideológica dos empreendimentos e apenas em um segundo momento a questão econômica de cada atividade.

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De acordo com a gerente de Inclusão Produtiva do Programa, quando os empreendimentos demandam necessidades específicas, o Programa busca parcerias com instituições de ensino superior, com outras secretarias do governo municipal ou, ainda, com outras instituições que têm proximidade com o tema:

Na questão de conhecimentos específicos, buscam-se as parcerias. Porque não teria como ter um profissional para atender todos os grupos. É humanamente impossível. Imagine como ficaria o ultimo grupo a ser visitado? Nas parcerias se tem várias pessoas o que possibilita a pulverização do trabalho entre os grupos. É claro que na perspectiva da qualidade do trabalho ou atingir as metas pode ser prejudicado (Entrevista, 19/11/2009).

Entretanto, como a própria entrevistada relatou, o trabalho realizado

pelos parceiros nem sempre atinge os resultados esperados, tanto pelo acúmulo de tarefas a executar como pelo tempo reduzido das parcerias. Nem sempre os projetos possuem profissionais especializados em determinadas áreas carentes e, assim, os problemas tendem a se acumular ou serem tratados fragmentadamente. Essa condição, tende a tornar mais difícil a implementação de metas gerenciais e de capacitação nos termos das parcerias, aumentando a frustração e reduzindo as expectativas em relação a esse recurso.

O professor da UEL (Entrevista, 14/11/2009) acredita que o campo da Economia Solidária ainda é pouco estudado e que para o meio acadêmico são necessárias constantes adaptações dos conceitos tradicionais de gestão para a Economia Solidária. Não existe uma metodologia apropriada para a transferência de tecnologia e conhecimento dos parceiros para os empreendimentos, o que pode gerar sérios problemas. Esta perspectiva alinha-se com a imagem transmitida pelo Relatório (2005), em que os parceiros são os “detentores do saber” e não transmitem, de forma eficaz, os conteúdos necessários para a manutenção da atividade produtiva.

O assessor técnico do Estado do Paraná da UNISOL e o professor da UEL acreditam ser necessário criar instrumentos formais para a avaliação de cada etapa do processo de incubagem. Segundo eles, a estipulação de

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prazos é difícil, tendo em vista que cada empreendimento possui uma dinâmica, porém o Programa necessita ter metas a serem perseguidas, formalizadas e, acima de tudo, apresentar resultados de todo o trabalho realizado, considerando que são recursos públicos que estão sendo alocados no Programa.

Entretanto, o resultado do estudo realizado com várias iniciativas de Economia Solidária no país e publicado no Relatório Final de Avaliação das Políticas Públicas de Economia Solidária (2005) revelou que a falta de definição de prazos para a desincubagem dos empreendimentos pode criar uma relação de co-dependência entre a incubadora, neste caso, o PMES e os empreendimentos econômicos solidários.

Tomando as contribuições da literatura específica sobre a situação da PPES no Brasil, percebe-se que a experiência de Londrina vem enfrentando vários obstáculos já constatados em outros locais, dentre os quais se destacam: a predominância de uma perspectiva assistencial em detrimento da efetividade econômica dos empreendimentos; o amadorismo quanto à gestão estratégica e econômica, do planejamento de mercados e produtos; e, como consequência, o baixo grau de autonomia social e econômica dos empreendimentos incubados. A falta de maior objetividade das ações de incubagem realizadas pelo Programa faz com que os empreendimentos continuem na informalidade. Em seu estudo do CPES de Londrina, Prochet (2009) defende que a autonomia dos trabalhadores consiste no fato de se formalizarem como cooperativa para que acessem as linhas de financiamento oficiais não provenientes da assistência social.

Percebe-se a predominância de uma tendência de concepção de PPES sustentávelsolidária (FRANÇA, 2006) em Londrina, dada a ênfase na dimensão ideológica da Economia Solidária e na preocupação em ampliar a noção de economia em suas atividades, atrelando-as às questões políticas, sociais, culturais e ambientais do contexto local e regional. Contudo, ainda é frágil o seu caráter de construção e fortalecimento de cadeias sócio-produtivas locais que garantam maior autonomia dos grupos e menor dependência de medidas de cunho compensatório, assinalado por Schwengber (2005) em sua concepção solidarista (ou comunitarista) de PPES.

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Assim, o caso analisado aproxima-se de um assistencialismo improdutivo (POCHMAN, 2004), sugerindo o desafio crítico para PPES dado na relação entre o assistencialismo e a emancipação dos empreendimentos. O caráter tendencialmente assistencial confunde o processo de incubagem com outros programas de transferência de renda ou de terapia ocupacional. Percebe-se a existência de uma engrenagem de autoalimentação, em que uma estrutura foi montada com a sedutora bandeira de promover ações emancipatórias através do fomento e apoio a empreendimentos solidários, mas o que ainda se presencia são a perpetuação das condições de vida deste público e a dependência extrema em relação ao poder público municipal.

Essa vocação assistencial na orientação do processo de incubagem fica evidente na própria constituição do corpo diretivo do programa municipal de Economia Solidária, em que as ações estratégicas, e mesmo operacionais, são predominantemente definidas por profissionais do setor de assistência social, o que tende a comprometer o desenvolvimento de iniciativas com viabilidade mercadológica e efetividade de gestão, ingredientes essenciais para a autonomia dos empreendimentos. É evidente que não se trata apenas de um problema de corporativismo profissional, já que os conhecimentos de gestão econômica e administrativa podem ser dominados por pessoas de diferentes formações -, mas também de uma estratégia institucional - que combina elementos ideológicos, corporativos e organizacionais – em resposta à debilidade estrutural dos empreendimentos (GAIGER, 2007). A ênfase na assistência pode ser vista como uma forma de confrontar o modelo de Economia Solidária dominante no Brasil, no qual, segundo Barbosa (2007), procura-se transferir os problemas sociais para a esfera privada, transferindo aos pobres e excluídos a tarefa heróica de se tornarem empreendedores de sucesso, simplesmente porque estão unidos. O dilema entre um assistencialismo improdutivo e a maior efetividade econômica dos empreendimentos deve ser problematizado e repensado sob o risco de comprometer a PPES e o projeto da Economia Solidária.

Em épocas de democracia de baixa intensidade e de desestatização da regulação social em favor do mercado (SANTOS, 2007), as conquistas da Economia Solidária em termos de disputa de espaço na estrutura do Estado

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e por recursos públicos não devem ser minimizadas ou desperdiçadas. Essas conquistas são históricas, mas não definitivas. Ainda se percorre um caminho incerto e às vezes arriscado, o que exige muita atenção crítica, criatividade, compromisso e competência. (SANTOS; BORINELLI, 2010)

Em outras frentes, o PPES em Londrina conquistou, apesar de pouco tempo de existência, importantes avanços na sua institucionalização, como o caso da criação do Centro Público de Economia Solidária e a promulgação da Legislação Municipal específica. Essas e outras ações do CPES têm sido determinantes para dar visibilidade e disseminar a Economia Solidária na cidade e região de Londrina, contribuindo, como afirma Cunha (2007), para a politização da sociedade civil e a democratização do Estado e a redefinição das relações entre Estado e sociedade. E, ainda, para a politização das relações de produção e consumo.

Considerações finais

O presente estudo objetivou analisar os avanços e os limites da política pública de Economia Solidária, dando especial atenção ao processo de incubagem de empreendimentos do PMES de Londrina - Paraná. Embora a PPES de Londrina tenha garantido importantes avanços para a institucionalização dessa política pública na cidade, como a criação de uma cooperativa de produção, a criação do Centro Público de Economia Solidária, a promulgação da Legislação Municipal, o atendimento de um grande número de empreendimentos, o processo de incubagem analisado possui vários limites, dos quais se destacam a baixa normalização e publicização do processo de incubagem, a falta de quadro qualificado para assessoria econômica e de gestão e de parcerias mais consistentes. A consequência mais direta desse quadro é o baixo grau de formalização e de sustentabilidade econômica dos empreendimentos incubados.

Como decorrência de condições de extrema precariedade que afligem boa parte dos integrantes dos grupos que compõem a Economia Solidária em Londrina, assiste-se a um esforço por parte do PPES em dar assistência básica aos membros dos empreendimentos, até que

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estes possam desenvolver-se autonomamente. Porém, o que se nota é a dificuldade de superação deste estágio inicial e o alcance da almejada eficácia econômica. Percebe-se um impasse de difícil solução entre ações de assistência que garantam o mínimo de dignidade e, ao mesmo tempo, criem condições para a emancipação socioeconômica. Novas pesquisas poderiam aprofundar a compreensão de tal questão e sua manifestação em termos operacionais no processo de incubagem. Ainda, estudos comparativos poderiam demonstrar como outras experiências similares estão equacionando o mesmo problema.

Há que se entender o propósito da emancipação, que fundamenta boa parte dos esforços da Economia Solidária, como um conceito complexo e multifacetado que envolve elementos que não se podem resumir a indicadores econômicos. Nesse sentido, ressaltam-se alguns sinais de avanços importantes dos participantes da Economia Solidária de Londrina, como o desenvolvimento das relações sociais, melhora da auto-estima, além de uma capacidade de leitura mais rica e consciente da realidade. Todavia, não se deve cair na tentação de entender esses avanços como suficientes ou substitutivos da insustentabilidade econômica e da incapacidade em gerar renda suficiente para dar dignidade e autonomia aos integrantes dos grupos da Economia Solidária apoiados pelo CEPES.

A maior parte dos desafios pessoais e institucionais encontrados é constituída de embates não apenas tecnológicos, mercadológicos ou corporativos, mas políticos e ideológicos. Como seria de esperar, são embates inevitáveis para um projeto contrahegemônico como se pretende a ES, em sua busca por um modelo econômico social e ambientalmente alternativo. De qualquer forma, essa busca dá-se hoje em um terreno relativamente aberto à criatividade, à inovação e à determinação na construção de novos saberes, tecnologias e formas de organização social e produtiva, que promovam a emancipação na Economia Solidária.

A criação da Copersol, incubada pelo CPES, e as sistemáticas discussões e avaliações com os atores envolvidos no processo de incubagem mostram que também existe um trabalho contínuo de reflexão e crítica no sentido de avançar em práticas e formas de organização já trilhadas por outras experiências de Economia Solidária. Isso indica que as fragilidades

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e escolhas do caso analisado podem fazer parte da própria dinâmica de amadurecimento institucional do programa, o que inevitavelmente deve levar a uma análise crítica do contexto institucional que deu origem e move a trajetória dessa política pública. O futuro do programa passa pela resposta à seguinte questão: até que ponto a PPES, a intervenção estatal na Economia Solidária, poderá legitimar-se com ações, em grande medida, assistenciais de grande teor simbólico, mas de baixo impacto social e econômico? A médio e longo prazo, a não equação do dilema entre o assistencialismo improdutivo e a emancipação dos empreendimentos poderá comprometer a avaliação não só da efetividade da política pública de Economia Solidária, mas o potencial utópico e alternativo que ela representa.

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Teoria da Complexidade e as múltiplas abordagens para compreender a realidade social

Luis Miguel Luzio dos Santos

Edna Marta Pelosi Bernardo Carlos Spaulonci Chiachia Matos de Oliveira

Resumo: Este ensaio é produto de uma reflexão sobre as múltiplas abordagens, que se contrapõe ao reducionismo e ao determinismo positivista hegemônico. Propõe-se a auxiliar na compreensão de como a Teoria da Complexidade apresenta-se como um modelo epistêmico mais frutífero para as ciências sociais à medida que apresenta uma visão mais complexa e ampliada da realidade. Parte-se, no entanto, num primeiro momento, da premissa de que a teoria geral dos sistemas, antes mesmo que o pensamento complexo, propõe-se a romper com o reducionismo, o mecanicismo e o determinismo clássico, mas falha justamente onde o primeiro é mais avassalador para a prática sócia l– na capacidade que este demonstrou durante longos anos de manter a regulação e a ordem vigente. Contudo, sem intencionar apresentar a Teoria da Complexidade como uma alternativa definitiva ao pensamento ortodoxo, faz-se um paralelo entre esta e a dialética marxista, com a qual, ao mesmo tempo em que parece dialogar, diverge num aspecto fundamental – a forma de conceber a mudança social – e a partir disto adentra-se na discussão sobre seu possível relativismo.

Palavras-Chave: Paradigma positivista; teoria geral dos sistemas; teoria da complexidade.

Introdução

Para Thomas Kuhn (2005), o termo paradigma (do grego parádeigma: modelo, padrão, exemplo) é a visão de mundo que assegura a uma comunidade científica suas abordagens de investigação científica. São, portanto, realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante certo período de tempo, fornecem modelos de problemas e soluções para uma comunidade de praticantes da ciência. Neste sentido, pesquisadores que compartilham do mesmo paradigma foram submetidos à mesma iniciação profissional e educacional similares, absorvendo a mesma literatura técnica e absorvendo delas as mesmas lições.

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Segundo Serva, Dias e Aperstedt (2010), as ideias de Kuhn são especialmente importantes, porque permitem a compreensão das forças impulsionadoras e restritivas de novas teorias e ideias. Ao questionar o enfoque tradicional do progresso científico, este autor revela que a ciência está em constante estado de evolução, que ocorre de forma descontínua quando um paradigma é substituído por outro. A revolução científica ocorre quando o paradigma instaurado se vê total ou parcialmente superado por outro que desponta como um veículo mais apropriado para a teoria e a prática científicas, ou seja, trata-se de uma transformação dos princípios organizadores do conhecimento.

Nesse sentido, o paradigma funcionalista que representou a hegemonia absoluta nos estudos sociais e organizacionais até meados do século passado (SERVA; DIAS; APERSTEDT, 2010), dada a sua capacidade de fazer predições, estabelecer relações lineares de causa e efeito e, principalmente, de parecer exercer controle sobre as questões sociais, apresenta sinais de desgaste. Isso porque, ao transpor os modelos da ciência natural para a esfera social, excluiu desta análise dimensões humanas e subjetivas que não podiam ter sido renegadas, criando sérios obstáculos à compreensão das mudanças que estão hoje ocorrendo no mundo, fruto de sua própria racionalidade. Como asseveram Morin e Le Moigne (2000), a crise de responsabilidade e de consciência pela qual passa o racionalismo mecanicista postula a reintrodução do sujeito, de um sujeito que reflete sobre si mesmo, discute sobre ele mesmo, e contesta a própria ação.

Assim, reconhecendo a possibilidade de uma crise que se assenta principalmente nas características determinísticas e reducionistas do racionalismo científico, este ensaio perpassa por duas propostas que apontam para uma epistemologia mais ampliada da realidade: a teoria geral dos sistemas e a teoria da complexidade. A teoria geral dos sistemas por meio do conceito de sistemas abertos apresenta uma análise mais complexa da realidade social e aponta para uma reorientação da visão do observador para a diversidade, as inter-relações e os mecanismos de adaptação que ocorrem no sistema e entre ele e o ambiente (MORIN, 2005a). Contudo, segundo o entendimento neste ensaio, a TGS não se constitui uma evolução

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muito profícua, já que, ao buscar o equilíbrio constante, não consegue ver o conflito como potencial de transformação e, portanto, não consegue romper com os preceitos epistemológicos e teóricos vigentes.

No que se refere à complexidade, busca-se delinear como este paradigma reconhece a autonomia, a independência e o indeterminismo da parte perante o todo e, portanto, do sujeito perante a sociedade. Para possibilitar esta compreensão, recorre-se à reconceituação que Edgar Morin (2005a) apresenta em Ciência com Consciência acerca da teoria sistêmica. Desse feito, reconhece-se na complexidade a possibilidade de uma evolução metodológica no que se refere aos princípios deterministas cunhados pelo pensamento dominante.

Contudo, não intencionando colocar esta alternativa como perfeita ou definitiva, abre-se uma discussão sobre a forma como este paradigma concebe a mudança social, que, diferentemente da dialética (com a qual parece dialogar), não pressupõe a superação de um modelo de sociabilidade por outro, seja em termos econômicos ou outro qualquer. Discute-se, então, sobre o que pode parecer um possível relativismo por parte desta abordagem.

O racionalismo científico

O racionalismo científico que fundamenta a ciência moderna emergiu pela superação do paradigma escolástico predominante ao final da Idade Média, época em que os preceitos filosóficos Aristotélicos eram disseminados pelo clero, que buscava uma conciliação entre razão e fé, e, portanto, subordinava todo o conhecimento ao dogmatismo cristão. O Renascentismo e, posteriormente, o Iluminismo são considerados pela história, o resgate da razão até então oprimida pelo obscurantismo do paradigma escolástico.

Entre os pioneiros dessa revolução científica destacam-se Nicolau Copérnico, que formulou a concepção heliocêntrica do universo; Galileu Galilei, considerado o fundador da física moderna, tendo comprovado, por

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meio do uso do telescópio, a teoria de Copérnico de que a terra gira em torno do sol; e Francis Bacon, criador do método empírico e propositor da metodologia indutiva. De Francis Bacon também deriva a ideia de que o bem-estar do homem depende do controle científico obtido por ele sobre a natureza. O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observação dos fatos e pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem pode mais (BACON; CIVITA, 1999 ).

Contudo, é a René Descartes (1596-1650) e a Isaac Newton (1642-1727) que se atribui as maiores honras pela formulação da ciência moderna, ou ciência positivista como passou a ser chamada depois destes pensadores (BAUER, 2009). A visão de mundo que se disseminou depois desta época é denominada paradigma positivista ou, em reverência aos seus dois maiores artífices, “paradigma cartesiano-newtoniano”.

Considerado o pai do racionalismo moderno, Descartes postulou serem as leis do pensamento regidas pelas leis da matéria. Consolidou as metodologias analítica (que representa o processo lógico de decomposição do objeto em seus componentes básicos) e dedutiva (que do geral apreende o particular, com base num rigoroso uso da matemática), também foi o principal mentor do princípio da causalidade, pelo qual os efeitos decorrem necessariamente das causas. Na busca de uma matemática universal, capaz de unificar os díspares campos do conhecimento, argumentava pela progressão de termos superiores por meio da informação dos anteriores, como se tudo pudesse ser derivado de causas primeiras (BAETA NEVES; NEVES, 2006).

Descartes foi também o autor do célebre postulado “Penso, logo existo”, que levou à cristalização dos dualismos matéria-espírito e corpo-alma nas ciências e na filosofia, como bem ressalta Bauer (2009). A este respeito, Andery et al. (2007) explicam que, ao distinguir corpo e alma, Descartes atribui um valor diferente para cada um deles. O corpo humano identifica-se com os demais corpos do universo: é extenso, movimenta-se e pode ser explicado mecanicamente. Já a alma é a essência do ser humano e, diferentemente dos outros corpos, é inextensa e indivisível. No entanto, à alma cabe pensar, o que envolve entendimento (responsável pelo

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conhecimento) e vontade (à qual estão ligados o desejar, o negar, o duvidar). Cabe então à alma, a principal função na produção de conhecimento: desvendar o que as coisas são. Todavia, para Descartes isto só será possível por meio da razão, único elemento que, pelo método cartesiano, é capaz de chegar a leis ou princípios gerais acerca das coisas.

Assim, toda a natureza, poderia ser dividida em dois domínios exclusivos - o da mente (res cogitans) e o da matéria (res extensa) o que iria resultar no progressivo afastamento entre as ciências humanas, concentradas na “coisa pensante”, e as naturais, voltadas à “coisa extensa” (BAUER, 2009, p. 23).

Isaac Newton, propositor de uma mecânica racional, postulou ser possível demonstrar, por meio das forças dos movimentos, todos os demais fenômenos da natureza. Newton também trouxe para seu modelo de universo a noção de espaço tridimensional da geometria euclidiana, da qual deriva as noções de espaço e tempo absolutos. O universo é ordenado e harmônico, existe uma ideia de totalidade que pode, após Newton, ser descrita por leis elegantes e simples (BAETA NEVES; NEVES, 2006, p. 184). Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da matéria é uma máquina cujas operações podem se determinar exatamente por meio de leis físicas e matemáticas, um mundo estático e eterno a flutuar num espaço vazio, um mundo onde o racionalismo cartesiano se torna cognoscível por meio da decomposição das partes.

Assim, o que se configurou após estas ideias e empreendimentos foi uma visão de mundo sustentada em premissas tais como a ordem das coisas, a legislação universal, a sistematização do real, o absoluto, o determinismo mecanicista, a dualidade sujeitoobjeto, o rigor metodológico, a razão e a máquina. A concepção metafórica do universo como uma máquina leva à crença de que ele pode ser regido por leis perfeitas e imutáveis. Esta compreensão de mundo vai exercer influências em outros campos do saber, principalmente em decorrência das conquistas da revolução científica que se finalizam no século XVIII, reforçando a ideia de que a ordem e a estabilidade originárias deste pensamento são a precondição para a transformação tecnológica do mundo. A partir daí estão criadas as

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condições para a emergência das ciências sociais no século XIX (SANTOS, 2002).

Dessa forma, a confiança e a euforia em relação ao progresso científico fornece a base para a formulação da sociologia positiva de Auguste Comte (1798-1857) propositor da lei dos três estados, pela qual o desenvolvimento do conhecimento humano havia percorrido três fases distintas: a teológica; a metafísica e a científica – sendo que, apenas na terceira fase, ou seja, com a ciência positivista a humanidade encontrava a maturidade definitiva. Apresentando os fundamentos de uma teorização sociológica característica do modelo “positivo” das ciências naturais e utilizando analogias mecânicas e orgânicas, Comte distingue entre estático (ordem – a causa) e dinâmico (progresso – o efeito), segundo a crença de que a civilização ruma sempre numa direção “positiva” (o ideal do progresso científico-tecnológico), apoiada numa ordem, enquanto lei causal, determinante para a existência social (BAUER, 2009). Dessa feita, ao extrapolar a metodologia das ciências naturais para o estudo da sociedade, Comte inaugura o pensamento positivista que por muito tempo iria predominar quase que absoluto nos estudos sociais.

Contudo, é a Émile Durkheim (1858-1917) que se atribui o mérito de fundador da sociologia acadêmica moderna, que respaldado no positivismo comteano, constrói as bases da sociologia funcionalista que se manteve hegemônica no campo dos estudos sociais até a metade do século passado. Um exemplo claro da transposição da metodologia das ciências naturais para o campo do social é o tratamento dos fatos sociais como “coisas”, ou seja, como uma realidade que é dada e que se impõe externamente ao observador. Assim, a própria sociologia deveria, segundo Durkheim (2009), ao analisar o fato social, partir de suas dimensões externas, regulares, observáveis e mensuráveis e não de aspectos internos ao indivíduo.

Nesse contexto, a sociedade precede o indivíduo e se sobrepõe a ele, justamente mediante os fatos sociais que, revestido pelas leis, pelas instituições da sociedade e pela educação, tem o papel de conformar o indivíduo a um determinado padrão de comportamento social. Ao

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indivíduo, cabe se conformar a estes padrões sob pena de ser excluído do sistema.

Contudo, é o conceito de divisão social do trabalho e de coesão social que mais expressa o caráter funcionalista do trabalho de Durkheim. Para ele, a divisão social do trabalho pode ser comparada a um organismo, em que as diferentes funções e especificações são complementares e, portanto, geradoras da integração social, integração esta que ele chama de solidariedade orgânica. Assim, diferentemente das sociedades primitivas, em que a integração social era dada por meio da crença, da língua e das leis e costumes, nas sociedades modernas, esta coesão se daria por meio do trabalho, ou seja, da divisão social do trabalho, único meio, a partir de então, de conformação das relações sociais.

Entretanto, é importante ressaltar que, mesmo antes do positivismo de Comte e Durkheim, é possível constatar a influência positivista na formulação de algumas teorias e conceitos que ainda perduram em nossa sociedade. Para Bauer (2009) dois exemplos podem se destacar: A metáfora da “mão invisível” (natural) de Adam Smith, segundo a qual o comércio e a indústria são guiados por uma lei (também natural) de oferta e demanda, e que se constitui no principal fundamento do liberalismo econômico; e o conceito de “darwinismo social”, que extremou o conceito de “mão invisível” numa relação entre a teoria da seleção natural de Darwin e o universo social que, desde Darwin, principalmente por meio da obra de Herbert Spencer, vem sendo utilizada para dirimir a compaixão e esclarecer serem os pobres os inadaptados na seleção natural do capitalismo.

Daí se depreende que a transposição dos preceitos da nova racionalidade para o plano do social não aconteceu de forma despropositada, mas sim porque favorecia a elite dominante, que precisava justificar as desigualdades que começavam a brotar desde muito cedo na economia capitalista em plena ascensão. Como descreve Santos (2002, p. 64-65):

O determinismo mecanicista é o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e transformar. No plano social, é esse também

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o horizonte cognitivo mais adequado aos interesses da burguesia ascendente, que via na sociedade, em que começava a dominar, o estágio final da evolução da humanidade (o estado positivo de Comte, a sociedade industrial de Spencer, a solidariedade orgânica de Durkheim). Daí que o prestígio de Newton e das leis simples a que reduzia toda a complexidade da ordem cósmica tenham convertido a ciência moderna no modelo de racionalidade hegemônica que pouco a pouco transbordou do estudo da natureza para o estudo da sociedade. Tal como foi possível descobrir as leis da natureza, seria possível descobrir as leis da sociedade.

Para Campos (1997) este paradigma mecanicista, que deu o

tom do progresso científico e tecnológico, que conformou as relações sociais na sociedade moderna e que ainda hoje é dominante, tem como concepção fundamental o universo como sistema mecânico, externo ao indivíduo, formado por partes estanques, ordenado segundo leis estáticas desvendáveis pela ciência, por meio do desenvolvimento de teorias. Para a autora tal concepção suportou a crença na possibilidade de fazê-lo melhor conhecido pela via da subdivisão progressiva das partes, sem prejuízo da essência do todo. O reducionismo, a fragmentação e o determinismo, típicos do método científico desta concepção de mundo, desdobraram-se na era moderna na ilusão da neutralidade, na dificuldade de se aceitar e lidar com opostos, no paroquialismo e na arrogância.

A fragmentação progressiva foi deixando suas marcas ao estabelecer a divisão entre mente e corpo, e mais tarde a separação da mente humana em racional e intuitiva. Dado que o próprio método impedia a apreciação entre os opostos, a ciência favoreceu o pensamento racional, em prejuízo do pensamento intuitivo; favoreceu o objetivo em detrimento do subjetivo. Dessa feita, a concepção fragmentada reproduz-se nos modelos organizacionais nos quais se supõe a política separada da administração; o planejamento da execução e a separação entre os que pensam e os que fazem, em que é tributária a epistemologia da administração, preconizada por Fayol e Taylor, e bastante viva ainda hoje.

O pensamento linear revela-se nas tentativas de aplicar aos problemas divergentes suposições simplistas de causa e efeito; na crença de que tudo se desdobra numa sequência mandatória de fases; na fé cega

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no progresso, no desenvolvimento, na globalização, traduzida na certeza de que tudo que está por vir será melhor do que o que já passou (SANTOS, 2002). Estas relações simplistas de causa e efeito podem explicar o determinismo com o qual se revestem muitas das abordagens nos estudos sociais e organizacionais: sempre haverá uma “melhor maneira” de resolver um problema, proveniente sempre de uma determinada causa (the one best way de Taylor).

Exemplos claros de reducionismo podem ser percebidos na literatura organizacional, quando se percebe a racionalidade instrumental tomada como a razão humana; a lógica econômica como a lógica da vida; o ser humano reduzido ao recurso humano; o trabalho ao emprego formal na organização econômica; o sucesso no emprego e no cargo como sinônimo de autorrealização; o lucro como principal quando não o único parâmetro de desempenho organizacional; e o crescimento econômico como a única forma de progresso humano (CAMPOS, 1997).

Estas considerações nos remetem à Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, publicada pela primeira vez em 1947, nos quais tais autores defendem que o esclarecimento que tomou o ocidente no século das luzes converte-se novamente em mito quando, ao colocar todo o conhecimento e toda a ciência a serviço da dominação da natureza, da tecnologia e do capital, acaba por exercer a mesma dominação e controle que as figuras mitológicas outrora exerciam na humanidade, isto porque como representações da essência da realidade e da verdade, as figuras mitológicas e também agora o progresso, o mercado e o capital não deixam nenhuma brecha para a esperança, já que em ambos os casos a realidade é dada como fato acabado (ADORNO; HORKHEIMER, 2011).

A Teoria Geral dos Sistemas nas Ciências Sociais

Num capítulo de seu livro Gestão da Mudança: Caos e Complexidade nas Organizações, Bauer (2009) apresenta a física quântica como o início do fim do reducionismo, seguido das primeiras descobertas da física

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quântica, diversas outras teorias que despontaram em meados do século passado tentam demonstrar a complexidade dos sistemas, os princípios de incerteza, de indeterminismo e de não linearidade. É nesse contexto que situamos a teoria geral dos sistemas, que, como apregoa este autor, também é fruto da necessidade de se procurar alternativas para o reducionismo até então vigente.

Assim, a teoria geral dos sistemas surge nos estudos sociais e organizacionais com o intuito de sanar o reducionismo e o mecanicismo que permeava o funcionalismo clássico. Como sugere Demo (1989, p. 209), “a metodologia sistêmica esconde atrás de si, entre outros elementos, também certa decepção com o especialista demasiado, que sabe até a idiotice tudo sobre apenas certa coisa”. Busca-se então por meio da descoberta de propriedades comuns a todos os sistemas o que o referido autor chama de o “especialista em generalidades”, ou seja, o homem capaz de conservar a supervisão do sistema global entravada pelo intento voraz de decomposição analítica.

A teoria dos sistemas, ainda que herdeira do Positivismo inicia uma crítica ao mecanicismo até então incontestável, que divide organismos em agregados de células, células em agregados de moléculas, moléculas em agregados de átomos, e o comportamento humano num agregado de reflexos condicionados e incondicionados (BAUER, 2009, p. 44).

Parece, contudo, haver certa tendência, por parte de alguns autores, de considerar a teoria dos sistemas como um simples desdobramento das teorias funcionalistas, como é o caso de Souza (2001). Defende-se aqui a ideia de que se o funcionalismo está fortemente influenciado pelo conceito de “causalidade social”, que liga a teoria social, conceitualmente à física, como é o caso do “fato social” de Durkheim (CAPRA, 2002); e que a compreensão sistêmica baseia-se no pressuposto de que a organização social é análoga aos sistemas vivos, biológicos, apresentando padrões de organização semelhantes a estes sistemas.

[...] biologicamente a vida não é manutenção e restauração do equilíbrio, mas essencialmente manutenção de desequilíbrios, como revela a doutrina do organismo como sistema aberto. Nestes termos assume-se

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não só o ponto de vista da funcionalidade das partes, mas também, e até certo ponto, sobretudo, a convivência normal com a disfuncionalidade, dentro, porém de um contexto de organização (DEMO, 1989, p. 215)

Assim, se antes a unificação das ciências tinha sido vista como

redução de todas as ciências à física, a resolução final de todos os fenômenos em acontecimentos físicos, do ponto de vista da teoria geral dos sistemas, a unidade da ciência ganha um aspecto mais realista, porque considera a isomorfia das leis em diferentes campos. A função integradora desta teoria se resume na consideração das uniformidades estruturais que se manifestam por traços isomórficos de ordem nos diferentes níveis e domínios (BERTALANFFY, 2008).

Vale ressaltar, entretanto, que essa postura é derivada de sua base positivista, que vê a ciência como um empreendimento nomotético, isto é, que estabelece leis baseadas no fato de os acontecimentos na natureza serem repetitivos e recorrentes, e daí a base para o estudo das relações isomórficas que acabam por torná-la uma teoria que busca entender o mundo como organização, como relação (DEMO, 1989). Originalmente, um sistema é um conjunto de elementos em interação. Mas, inúmeras outras definições mais detalhadas foram elaboradas, tais como: a) um sistema é um todo organizado e complexo; b) sistema é um conjunto de elementos interdependentes, cujo resultado final é superior ao somatório dos resultados que esses elementos teriam caso operassem de forma isolada; e c) sistema é qualquer conjunto de partes reunidas, desde que caracterizado pelas relações entre partes e pelo comportamento do todo (BAUER, 2009). De forma sintética, o sistema dá primazia a duas dimensões importantes: a) um todo inter-relacionado e b) o todo organiza as partes.

No entanto, foi a redescoberta do fenômeno cibernético que superou o conceito exposto acima trazendo para a teoria dos sistemas a noção de dinamismo e autorregulação. Sistema é autorregulação. Por meio dos conceitos advindos da teoria da informação (input, conversão, output, feedback), a cibernética levou à constatação de que o sistema não se atém mais apenas ao fenômeno da inter-relação das partes e de sua organização interna, mas centra-se, sobretudo no discernimento da propriedade

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da organização autossuficiente, com regulação própria. A capacidade de absorver informação e de responder a ela deu origem ao conceito de realimentação sistêmica, que passou a ser considerada o ponto essencial da definição de sistema, porque é a alma da autorregulação. A retroalimentação do sistema é o que o torna um todo, dá-lhe contorno delineável e explica sua razão de persistência, ou seja, que o torna sistêmico (DEMO, 1989).

Assim, o sistemismo se revela bem mais dinâmico do que o funcionalismo e o estruturalismo, com os quais muitas vezes é comparado e até mesmo confundido. Este dinamismo, segundo Demo (1989, p. 217-218), depreende-se, sobretudo, de três conceitos básicos:

a) o conceito de contingência que denota que todo sistema tem organização contingente e, portanto não rígida; b) o conceito de coerções que ao representar o reverso da contingência, implica que a capacidade de coadunação do todo é significada pela coerção – por aquilo que mantém o todo unido, que mantém de maneira homogênea um todo heterogêneo; e c) retoma-se ao primeiro conceito, acrescentando-se apenas o caráter probabilístico de toda a organização. Por mais organizado que seja um sistema, a possibilidade de desorganização não poder ser eliminada, mesmo porque já faz parte da visão dinâmica de sistema.

Tais conceitos permitem, segundo o autor, a colocação tão cara ao

sistemismo de “sistema aberto”. Assim, o sistema é aberto se não se basta a si mesmo, se não há só dinamismo interno, isolado em si, mas convivência com mundos externos, com o qual convive por vezes, conflituosamente. Não se parte de um equilíbrio funcionalista, mas da sobrevivência em ambiente adverso.

Ao se considerar os conceitos de inputs, outputs, transformação e feedback, entende-se que a estabilidade do sistema é mantida por uma cadeia causal de estímulo/resposta. O conceito de feedback quando utilizado nos sistemas sociais funciona basicamente para diminuir as dissonâncias entre o sistema e o entorno, preservando a estabilidade. É possível, contudo, como ressalta Ribeiro e Neves (2005) a partir da descoberta de sistemas instáveis, caóticos e indeterminados, em que avulta a ideia de que a ordem pode emergir do caos, falar em transformação, embora o novo sistema,

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tanto quanto o anterior, há de desenvolver procedimentos capazes de superar qualquer ameaça de extinção. Isto porque a teoria do sistema trata da sobrevida da sociedade, da sua reprodução.

Isto posto, ao ressaltar a diversidade e a complexidade dos sistemas, a inter-relação e sinergia que existe entre os seus diferentes elementos e sua interação dinâmica com o ambiente, a abordagem sistêmica adverte para a fragilidade das explicações reducionistas e mecanicistas da realidade, que, ao separar a parte do todo, negligenciam as inúmeras inter-relações que existem entre as diferentes partes, e delas com o ambiente. Assim, a abordagem sistêmica aponta para uma reorientação da visão do observador para a diversidade, as inter-relações e os mecanismos de adaptação que ocorrem no sistema e entre ele e o ambiente, o que deveria, conforme observa Souza (2001), conduzir para uma posição de maior humildade do homem perante o mundo, o que de fato quase nunca ocorre.

Crítica ao método sistêmico

A principal crítica à teoria geral dos sistemas parece ser proveniente de seu biologismo, ou seja, da tentativa de explicar os fatos sociais por meio de conceitos advindos das ciências naturais. Se o funcionalismo parte da matemática e da física para formular suas teorias acerca do universo, o sistemismo parte das ciências biológicas e por isso não supera a tendência que condiciona as ciências sociais à racionalidade das ciências da natureza, em que não se leva em conta o papel da cultura e da intencionalidade emancipada sobre a realidade.

Ao analisar a realidade social e as organizações utilizando-se instrumentos importados da biologia, a TGS pressupõe que o objeto de sua análise tende a tornar-se tão previsível quanto os sistemas biológicos, e por isso constrói uma teorização baseada na predição, no controle e na intenção de manter um equilíbrio constante, o que é incompatível com a natureza complexa das ciências sociais (DEMO, 1989). Assim, a despeito de toda a utilidade que esta teoria teve para a prática organizacional, pode-

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se inferir dela aspectos bastante perversos quando analisada de um ponto de vista crítico, isto porque, ao ser aplicada na esfera social, com base nos seus pressupostos de controle e regulação, ela cria mecanismos que, a despeito de todos os problemas vigentes na esfera social, buscam manter constantemente a ordem vigente. No contexto particular da análise social e organizacional a epistemologia dominante permanece irredutível.

Afinado com esta crítica, Souza (2001) observa que por enfatizarem tanto os aspectos de integração, organização, funcionalidade, propósito, evolução e interrelacionamento sistêmico, as teorias sistêmicas deixam de fora da análise social toda e qualquer noção de poder, conflito e dominação que permeia toda a organização social. A análise sistêmica subtrai a ideia de que uma organização social não é um sistema simétrico, no qual todos têm o mesmo papel na realização dos fins, mas sim um sistema em que existem disputas de poder, e alguns membros, mais do que outros, são os responsáveis pela determinação dos propósitos, e alguns são cooptados e controlados pela organização social. Da mesma forma, o sistemismo, sobretudo a partir da TGS, passa a desconsiderar que cada elemento que participa da organização social é um sujeito político, possui livre arbítrio e pode arcar com as consequências de suas decisões e, portanto, que as relações que permeiam a sociedade de uma maneira geral não podem ser resumidas à condição biológica.

Nesta mesma linha de pensamento, recorremos às opiniões de Demo (1989), que caracteriza as relações de conflito consideradas pela teoria sistêmica como uma “dialética não antagônica”, já que, em se partindo da definição de que um sistema é um todo que se autorregula, todo o conflito que ocorre dentro do sistema é, portanto, regulável. O autor explica que esta noção é derivada da característica metodológica central de circularidade sistêmica que se funda no processo de retroalimentação, que religa output ao input, e que se choca com a dialética porque tende a considerar mudança dentro do sistema mas nunca do sistema.

Isso significa que, mesmo sendo depositária dos méritos de ter avançado neste campo em relação às teorias funcionalistas que consideram o conflito como mera disfunção, a TGS ainda que o admita o percebe como

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possivelmente domesticável e regulável e, portanto, em nada avança no sentido de conduzir a superações históricas; mas de forma idêntica ao funcionalismo conduz apenas para reformas incrementais, com o intento de manter a ordem e a integração.

Ao discorrer sobre os aspectos relacionais da TGS, Demo (1989) tece críticas ainda mais incisivas ao seu organicismo quando afirma que a concepção científica do mundo tem se apartado do interesse pela substância, pelas qualidades e propriedades inerentes, voltando-se para a focalização central dos princípios da organização em si, dos princípios relacionais, sem levar em conta o que é que está organizado.

Talvez isto constitua até certo ponto o componente terrificante lançado sobre o sistemismo e todas as metodologias que privilegiam o aspecto relacional da realidade, fomentando visão estática e desumana, por prejudicar o tratamento de conteúdos históricos. O computador não capta o homem, mas aspectos relacionais que cabem num cartão perfurado de acordo com um código frio. O homem reduz-se a feixe de variáveis. No campo relacional, ademais, não entram horizontes éticos, pelo que o homem tende a aparecer como peça perdida na imensa maquinaria da organização social e física (DEMO, 1989, p. 213).

Ainda nos termos deste autor, ao aplicar o modelo cibernético à

política, a teoria sistêmica torna-se bastante conveniente aos olhos dos que dominam a cena do poder. A capacidade de desenvolver expedientes de controle social por meio da coleta e sofisticação de dados, previsão de conflitos, manejo de riscos políticos e etc., torna as ciências sociais um instrumento formidável de domesticação das massas.

Para Morin (2005a), a cibernética ao mesmo tempo em que enriquece as ciências sociais, restaurando o principio de totalidade complexa, transpõe por meio de sua base paradigmática e epistemológica o princípio de racionalidade e funcionalidade para o campo social e reduz tudo aquilo que é social, humano e biológico à lógica unidimensional das máquinas artificiais.

Corroborando estas colocações, Bauer (2009) afirma que a principal deficiência que se constata hoje na teoria dos sistemas é justamente a

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noção de equilíbrio, que esta teoria forjou dos sistemas naturais, em que o ciclo ininterrupto de funcionamento de um sistema cibernético tem como produto último justamente o equilíbrio. Ao contrário do que se costumava acreditar, na natureza, as situações de equilíbrio são antes exceção do que regra, e isso tem sido comprovado com a descoberta dos sistemas complexos. Com a descoberta da não linearidade, as teorias do caos apelam a suspeitar da capacidade de ação (controle das causas) e a capacidade de previsão (controle das consequências), pondo em causa a ideia de transparência entre causa e efeito e, portanto, de equilíbrio constante (SANTOS, 2002). Da mesma forma, nos tempos atuais, atributos como permanência, estabilidade e equilíbrio são os que menos existem nas esferas sociais, econômicas, culturais, políticas etc.

Nestes termos, dentro da perspectiva sistêmica não é possível conceber uma mudança significativa nos pressupostos epistemológicos que conformam a teoria e a prática organizacional no sentido de se transpor a racionalidade instrumental e substituíla por uma racionalidade mais substantiva,2 em que aspectos humanos, sociais, ambientais e valorativos passem a ser também considerados no contexto organizacional, que ainda hoje dá primazia total à eficiência, ao lucro e ao crescimento contínuo. Haja vista sua limitação em romper com os pressupostos de controle e regulação do paradigma hegemônico.

Uma reformulação do conceito de sistemas proposto pela Teoria da Complexidade

Em sua obra, Ciência com Consciência, Morin (2005a) afirma que a teoria dos sistemas resolveu aparentemente o problema do reducionismo ao incorporar o holismo como novo princípio; aqui busca-se a explicação no nível da totalidade ao invés da explicação no nível dos elementos de base como fazia o reducionismo. Contudo, para o autor, o holismo proposto

2 Ver Ramos (1981). A Razão Instrumental é baseada no cálculo das consequências utilitárias de cada ato humano. A Razão Substantiva orienta o homem na ordenação de sua vida pessoal e social eticamente em direção à autorrealização.

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pela teoria dos sistemas depende do mesmo princípio simplificador que o reducionismo ao qual se opõe (ideia simplificada do todo e redução do todo), só abrangendo visão parcial, unidimensional e simplificadora do todo.

O autor propõe então uma reconceituação de sistemas e preconiza que um sistema precisa passar a ser visto como sendo, a um só tempo, tanto mais como menos que a soma de suas partes. Mais porque a reunião das partes permite o surgimento de novas potencialidades para o conjunto, qualidades emergentes que também retroalimentam as partes, estimulando-as a expressar suas potencialidades individuais, e menos porque o conjunto acaba por determinar restrições às partes e as inibe de expressar aquelas mesmas potencialidades individuais. “O homem, por exemplo, associado a outros homens, é integrante de uma sociedade produtora de cultura, que ao mesmo tempo o estimula e o constrange” (BAUER, 2009, p. 51). Essa definição de sistema inaugura uma nova concepção de mundo e de realidade, apontando para um dinamismo organizacional bastante contrário ao determinismo concebido pela ciência clássica.

Nesse sentido, o que Morin (2005a) propõe é, sobretudo, o reconhecimento da circularidade nas explicações simultâneas do todo pelas partes e das partes pelo todo, ou seja, ambas essas explicações são complementares, sem que nenhuma possa anular as características antagônicas e concorrentes da outra. Três circularidades são propostas pelo autor, que constrói uma visão complexa da realidade: a circularidade todo - partes; a circularidade unidade – diversidade; e a circularidade ordem – desordem.

No que se refere à primeira circularidade, “a visão simplificada diria: a parte está no todo. A visão complexa diz: não só a parte está no todo; o todo está no interior da parte que está no interior do todo!” (MORIN, 2007, p. 88). Isso é verdade para cada célula do nosso organismo que contém a totalidade do código genético presente em nosso corpo. Isso é verdade também para a sociedade que desde nossa infância se imprime como todo em nossa mente, por meio da linguagem, da cultura, das crenças e saberes.

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O indivíduo está na sociedade, que está no indivíduo. Daí surge o princípio hologramático, que juntamente com os princípios recursivo e dialógico são utilizados por Edgar Morin para explicar a trindade indivíduo/sociedade/espécie, ou seja, a relação entre estas três instâncias que compõe a totalidade.

A circularidade unidade-diversidade implica que o todo existe enquanto uma única unidade global, mas as partes têm dupla identidade, preservando suas identidades próprias, não redutíveis ao todo e também constituindo uma identidade comum. Assim, ao mesmo tempo em que a diversidade constrói a unidade, a unidade constrói a diversidade. A relação sociedade – indivíduo, de acordo com o princípio recursivo, não se realiza por um determinismo social que tolera margens de autonomia individual, mas mediante um anel de produção mútua entre indivíduos e sociedade, no qual a sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos, mas, uma vez produzida, retroage sobre os indivíduos e os produz. Assim, os indivíduos produzem a sociedade que produz os indivíduos. “A emergência social depende da organização mental dos indivíduos, mas a emergência mental depende da organização social” (MORIN, 2005b, p. 167).

Contudo, como bem ressalta Bauer (2009), a principal das circularidades, proposta por Morin e a que exprime a essência do sentido de complexidade, dá-se entre as instâncias da ordem e da desordem: circularidade ordem - desordem. “O que digo a respeito da ordem e da desordem pode ser concebido em termos dialógicos” (MORIN, 2007, p. 74). Entre indivíduos e sociedade, que se complementam, também existem antagonismos, que vêm da oposição entre egocentrismo e sociocentrismo; a sociedade reprime pulsões, desejos e aspirações individuais; essas pulsões, desejos e aspirações tendem a transgredir as barreiras, normas e interdições da sociedade, colocadas justamente para inibi-los e recalcá-los. A ordem e a desordem são dois inimigos: um suprime o outro, mas ao mesmo tempo, em certos casos, eles colaboram e produzem organização e complexidade. O princípio dialógico, desta forma, permite mesmo no seio da unidade (sociedade) manter a dualidade (diversidade individual). Ele associa dois termos ao mesmo tempo complementares e antagônicos.

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Nesta reelaboração do conceito de sistemas, proposta por Morin (2005a), alguns conceitos clássicos são superados: a) o reducionismo, que busca compreender o todo com base nas descrições das partes; b) o holismo, que em sua vertente totalizante é também simplificador já que reduz o que é por natureza complexo a uma única instância-chave (o todo), terminando por negligenciar as partes; e c) o hierarquismo, que impõe uma precedência unilateral do todo sobre as partes, por meio de sistemas que englobem sistemas que englobem sistemas etc. A evolução rumo ao paradigma da complexidade deve passar a considerar a circularidade e a recorrência de instâncias que são entre si complementares, concorrentes e antagônicas. De uma relação linear de causa-efeito determinista, passa-se a considerar relações recíprocas que condizem com a autoorganização e o dinamismo do sistema.

Daí a definição que Morin (2007, p. 13) traz da complexidade: “a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo”. Complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações e acasos que constitui o universo fenomênico.

Ao reformular o conceito de sistemas, Morin (2005a) antecede seu pensamento complexo. Dessa feita, dentro de sua visão complexa o ser humano é parte do que o autor denomina trindade “indivíduo/sociedade/espécie” que de forma hologramática, recursiva e dialógica funcionam numa engrenagem de dependência recíproca, umas gerando as outras. Assim, a própria reprodução da espécie é ela mesma influenciada pela sociedade que por meio de sua cultura estabelece as regras da vida em comum. “A sociedade se autoproduz pela reprodução biológica, que se auto-reproduz de acordo com a norma sociológica.” (MORIN, 2005b, p. 170).

Dessa forma, contrariando a ciência tradicional em que tudo é determinismo, a complexidade de Morin traz à tona a emergência do sujeito e, consequentemente, da autonomia. Mundo e sujeito são colocados em situação de reciprocidade e inseparabilidade, contudo, dada esta inseparabilidade, a própria autonomia é ela mesma dependente.

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Surge então o conceito de autonomia dependente: não há sociedade sem indivíduos e não há indivíduos propriamente humanos dotados de espírito, linguagem e cultura sem sociedade. Ao mesmo tempo em que o indivíduo recebe influências do seu meio cultural, também é dotado de autonomia inata, que inibe o total determinismo cultural e social.

Então, ser sujeito é ser autônomo, sendo ao mesmo tempo dependente. Dependente de seu patrimônio genético, do qual depende sua autonomia cerebral; de seu meio ecológico, do qual depende sua autonomia biológica; das normas sociais, no qual, por meio da cultura, adquire seu modo individual de conhecer, de comportar-se e adquire sua autonomia mental (MORIN, 2005b). Portanto, a autonomia alimenta-se de dependências; para ser quem somos dependemos de uma sociedade, de uma cultura, da linguagem, de educação, mas também de nossos genes, estes últimos, nos permitem ter um cérebro e uma mente e de poder assumir uma cultura e exercer autonomia sobre o meio em que vivemos.

Para Morin, uma vez que a natureza humana é complexa, da mesma forma ela deve ser vivenciada, e por isso a sociedade que mais favorece as autonomias individuais é a sociedade complexa. “A alta complexidade está ligada ao desenvolvimento das comunicações, das trocas econômicas e de idéias, ao jogo dos antagonismos entre interesses, paixões e opiniões” (MORIN, 2005b, p. 274). Quanto maior os pluralismos no campo econômico, político e cultural, maior são as possibilidades de liberdade e escolha individual e menos nossa vida é programada em relação aos genes, à sociedade e à cultura. Para o autor, é nestas condições que a submissão do indivíduo se torna moderada, que a marca indelével dos determinismos culturais passam a conformar algumas brechas, e que os desvios passam a desempenhar um papel inovador ao invés de serem rechaçados. A complexidade social limita a exploração e a subjugação do indivíduo ao aparelho do Estado e das normas sociais, permitindo autonomia física, mental e espiritual.

Dessa forma, ao conceber o indivíduo autônomo e capaz de influir no processo social, a teoria da complexidade, assim como a dialética, afasta-se da concepção metafísica hegemônica, da qual é tributário o funcionalismo

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e o sistemismo e que, como salienta Konder (1998, p. 9), “prevaleceu ao longo do tempo porque correspondia, nas sociedades divididas em classes, aos interesses das classes dominantes, sempre preocupadas em organizar duradouramente o que já estava funcionando”. Contudo, uma análise mais profunda da metodologia complexa aponta para um novo conceito de transformação, se é que se pode falar assim, que, ao contrário da dialética, não prevê necessariamente a transformação com base na superação de um modelo social pelo outro, mas, sim, a possibilidade de convivência de diversas formas diferentes de organização social no seio de uma mesma sociedade complexa.

A complexidade apresentada por Morin propõe uma nova lógica que se opõe à visão polarizada e excludente entre princípios organizativos distintos, defendendo em seu lugar a necessidade de modelos híbridos e complementares, considerando-se que a realidade é multifacetada, constituída por uma infinidade de nuances que não podem ser reduzidas ou aniquiladas, mas respeitadas como inerentes à realidade social em que vivemos. Todavia essa posição tão genuína à teoria da complexidade encontra críticas em distintos autores, como Harvey (2005) que entende essa posição como uma forma de relativismo, que tenta acomodar forças e propostas distintas quando não contrárias, o que tende a conduzir a um processo de cooptação, pertencendo ao plano imaginário a possibilidade de convivência pacífica entre interesses declaradamente opostos.

Santos (2007) traz alguns avanços ao afirmar que a teoria crítica centra-se na defesa do princípio da igualdade, mas foi incapaz de reconhecer as diferenças, o que se opõe à própria realidade. Nesse sentido, o autor vê na teoria da complexidade uma outra maneira de entender o mundo em termos políticos e epistemológicos, não numa aderência ao relativismo, mas antes numa convivência entre movimentos que, mesmo distintos, comungam em pontos fundamentais, nomeadamente nos ideais emancipatórios e na defesa de propostas contra-hegemônicas, o que poderá sinalizar avanços importantes.

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Complexidade e dialética

Para melhor elucidarmos as afirmações anteriores, partiremos de uma comparação entre aspectos fundamentais da relação sociedade-indivíduo do ponto de vista da complexidade com a dialética histórico-estrutural marxista. Ambas parecem concordar que o indivíduo pode influir na transformação social, porém, se para a dialética marxista o ator político está condicionado pela estrutura objetiva da sociedade, ou seja, pelas condições econômicas que se lhes impõe, para a complexidade ele é muito menos dependente destas sanções, ou melhor, tanto menos dependente quanto maior for sua participação na vida cultural, política e ideológica da sociedade, já que é nestes aspectos da vida em sociedade que reside a formação da consciência crítica.

A dialética marxista subordina a vida intelectual à determinação material e por conseguinte, a superestrutura (sistema jurídico, político, artístico, filosófico e ideológico) à infraestrutura (produção econômica material). Estando a condição econômica como determinante de todo o resto, só poderá haver mudança profunda com a superação do modelo econômico, neste caso, superação do modo de produção capitalista por outro. “Dificilmente se poderia admitir revolução na superestrutura, do tipo revolução na educação, na cultura, na arte, na consciência, e mesmo na política” (DEMO, 1989, p. 111), uma vez que a própria consciência, é ela mesma determinada pelo modo de produção.

Neste sentido, enquanto para a dialética marxista a transformação representa, preliminarmente, transformação na forma de produção econômica, da qual deriva todos os aspectos subjetivos da sociedade, para o paradigma da complexidade a transformação se faz possível a partir do próprio indivíduo, que por meio da educação, da arte, da cultura, da política e da participação numa sociedade livre pode desenvolver uma consciência crítica capaz de questionar as bases da sociedade e, portanto, transformá-la (MORIN, 2005b).

Deve-se, no entanto, antes de exaurir está análise levar em conta que enquanto na dialética marxista o objeto de estudo foram as relações

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capitalistas e as contradições inerentes a esta forma de produção, já que, desde Hegel, a superação dialética se dá por meio do trabalho (KONDER, 1998); para a complexidade, o objeto de estudo é a complexidade social, a complexidade do sujeito e as relações que brotam entre estas duas instâncias. O capitalismo do ponto de vista da teoria da complexidade é apenas uma forma de produção econômica que subordinou toda uma sociedade aos seus ditames e, por isso mesmo, reduziu toda a complexidade do sujeito e da vida a um único aspecto – a dimensão econômica. Contudo, dentro de uma abordagem complexa, o que se busca não é a superação deste modelo por outro, mas, sim, a possibilidade da convivência entre o capitalismo e modelos alternativos.

Esta se constitui, inclusive, na principal crítica que a complexidade defere à modernidade – a redução da vida social a um único elemento determinante sobre todos os demais (o econômico); a um único modelo econômico sobre todos os demais (o capitalista); a uma única racionalidade sobre todas as demais (a científica), e assim por diante (MORIN, 2007).

O paradigma da complexidade, dentro da proposta de Edgar Morin, inaugura uma nova forma de conceber o mundo e a sociedade, em que não há espaços para determinismos, hierarquismos e reducionismos. Assim, não se pode conceber determinismos sociais, como se toda a vida fosse determinada por algum fator social que preponderasse sobre os outros; não se pode conceber que uma instância da vida do indivíduo seja mais importante ou se sobreponha a outra e, principalmente, não se pode reduzir a vida humana ao fator econômico, ao trabalho ou ao consumo, como presenciamos em nosso dias. Dessa feita, a própria dialética, na forma como compreendemos aqui, remete à racionalidade criticada pelo paradigma da complexidade uma vez que supõe a revolução apenas por via do fator econômico, sobrepondo-o a todo o resto.

Assim, o paradigma da complexidade rompe com várias posturas da modernidade, principalmente no que se refere à busca de certezas e de uma verdade absoluta, como o fez a dialética marxista ao propor o modelo socialista como ideal. No entanto, para nossas mentes acostumadas a verdades e soluções definitivas, a proposta da complexidade pode, num

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primeiro momento, parecer um tanto relativista, uma vez que não parte de nenhuma ideia de “estado final das coisas”, ou mesmo de uma proposta concreta e de fácil apreensão para superar as mazelas da sociedade contemporânea, como propunha a dialética marxista.

Considerações finais

No que se refere às propostas alternativas ao paradigma dominante, entende-se aqui que a teoria sistêmica dá sua contribuição e supera o reducionismo clássico, quando partindo do conceito de sistemas abertos, ressalta a diversidade e a complexidade dos sistemas, a inter-relação e sinergia que existe entre os seus diferentes elementos e sua interação dinâmica com o ambiente. Contudo, infere-se que, por acreditar na possibilidade de um equilíbrio constante e, portanto, na possibilidade de regulação permanente, essa abordagem não se constitui numa alternativa profícua ao pensamento dominante.

O pensamento complexo de Morin, ao enaltecer a independência da parte perante o todo, do indivíduo perante a sociedade e de outras circularidades que compõe a constituição do universo e da vida apresenta um dinamismo maior no entendimento da sociedade e, portanto, parece constituir-se numa alternativa mais concreta ao determinismo e a estabilidade defendidos pela abordagem funcionalista. Parafraseando Serva, Dias e Alperstedt (2010), apontamos para a possibilidade de uma epistemologia da complexidade dar conta dos pontos cegos do paradigma dominante, trazendo uma proposta de transformação no modo de conceber a sociedade, uma proposta que inclua na análise dos sistemas sociais e organizacionais o conflito, as ambiguidades e os paradoxos, por meio de uma lógica também paradoxal.

Do paralelo estabelecido entre teoria da complexidade e dialética marxista, apontou-se para um novo conceito de transformação, se é que se pode falar assim, que, ao contrário da dialética, com a qual parece dialogar em diversos aspectos, não prevê necessariamente a transformação com

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base na superação de um modelo social pelo outro, mas sim a possibilidade de convivência de diversas formas diferentes de organização social no seio de uma mesma sociedade complexa.

Assim, se por um lado a epistemologia complexa parece ser bastante eficaz ao demonstrar os pontos cegos do paradigma dominante, demonstra certo relativismo quando defende a convivência entre forças distintas, o que nem sempre é fácil de conciliar e pode conduzir a um processo de cooptação em que alguns interesses particulares se sobrepõem e anulam os demais num processo assimétrico de forças interagentes. De acordo com Bauman (2003), a fragmentação excessiva dos interesses pode incorrer num processo de individualização, no enfraquecimento do sentido de comunidade e no arrefecimento da luta por uma sociedade economicamente mais justa e socialmente mais consistente, pautada na construção do bem-comum.

Contudo, ainda que a fragmentação e a pluralidade de bandeiras que caracterizam o nosso momento histórico possam fragilizar ou mesmo dificultar a construção de projetos mais profundos e ambiciosos de transformação social, como se acreditava no passado, parece que esta multiplicidade de expressões se sintoniza melhor com as demandas e necessidades particulares de cada grupo social dentro da contemporaneidade. Como alerta Santos (2007), essa variabilidade de propósitos não exclui a existência de pontos de intercepção e convergência, principalmente quando se identificam obstáculos comuns que impedem os avanços de diferentes movimentos sociais, emergindo a necessidade de congregar forças, hoje dispersas, em torno de um projeto contra-hegemônico comum, capaz de promover a emancipação social e a construção do bem-comum sem negligenciar as particularidades inerentes a cada grupo específico.

Assim, sem intencionar qualquer desfecho sobre o assunto, este ensaio buscou auxiliar na compreensão de como o paradigma da complexidade pode se constituir numa alternativa profícua ao entendimento da complexa realidade social contemporânea, quando, diferentemente do paradigma dominante e de outras perspectivas críticas, como a dialética, com a qual

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a comparamos neste trabalho, defende a necessidade de modelos híbridos e complementares, uma vez que considera a realidade multifacetada e constituída por uma infinidade de nuances que não podem ser reduzidas ou aniquiladas, mas respeitadas como inerentes à realidade social em que vivemos.

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Alguns desafios colocados para a pesquisa qualitativa na contemporaneidade

Sonia Regina Vargas Mansano

Resumo: A complexidade da vida em sociedade está longe de ser apreendida por pesquisas de tipo quantitativo. Apesar de ter sua importância científica inquestionável, coube às ciências humanas a tarefa de inventar outras estratégias de investigação por meio das quais fosse possível problematizar a vida cotidiana para além dos dados estatísticos (ainda que, por vezes, os tome como ponto de partida). Assim, o presente estudo busca expor algumas especificidades trazidas pela pesquisa qualitativa que agregam valor à produção de conhecimento sobre a vida social. Partindo da complexidade veiculada a este tipo de metodologia, destacaremos aqui a noção de “problematização” tal qual compreendida por Gilles Deleuze em sua obra “Diferença e repetição”. Nela, o autor ensina que o ato de pensar acontece pela violência que pode advir dos encontros com a diferença e que colocam em suspenso as convicções e verdades cristalizadas sobre os modos de viver.

Palavras-chave: pesquisa qualitativa; problematização; sujeito

Problematizando a Pesquisa Qualitativa

Afinal, para que servem as pesquisas qualitativas em Ciências Humanas e, mais especificamente, em Psicologia? Que tipo de conhecimento é possível construir sobre a existência, uma vez que esta é mutante e, portanto, irredutível à definição de uma verdade? Em quais concepções sobre o humano tais pesquisas apoiam-se para questionar os acontecimentos que advém, por vezes ao acaso, transformando o cotidiano e as relações sociais? Tomar estas questões em consideração quando se pretende compreender os desafios colocados para a pesquisa qualitativa, requer, logo de saída, o abandono de formas cristalizadas de saber e de pesquisar. Isso porque, na perspectiva que adotaremos no decorrer deste estudo, os saberes são historicamente construídos e contextualizados ao grupo social que lhe deu contornos e legitimidade. Tais saberes levam-nos

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a considerar que as explicações mais categóricas e rígidas, atribuídas aos acontecimentos sociais, podem ser levadas ao seu limite e ganhar contornos de obsolescência ou, em outras palavras, podem perder os sentidos que lhes foram atribuídos quando retiradas das circunstâncias que lhe davam legitimidade. Isso é inevitável, uma vez que a existência é movimento e, enquanto tal, as tentativas de compreendê-la necessariamente implicarão um jogo irredutível de perguntas e respostas.

Assim, distante das generalizações e das verdades instituídas, a problematização está mais preocupada com a criação, multiplicação e variação das perguntas do que propriamente com a fixação em respostas categóricas. Mas, como estas problematizações ganham contornos?

Deleuze (1987) considera que o sujeito problematiza o que acontece ao seu redor quando coagido, forçado e na presença daquilo que, afetando seu corpo de maneira intensa, exige que novas sensibilidades sejam nele acionadas, fomentando a elaboração de questões e ensaios de respostas que são gerados pelos incômodos vividos no contato com a diferença. É possível considerar, então, que os problemas colocados em pauta em uma pesquisa qualitativa, ao invés de serem resolvidos, incomodam e insistem na multiplicação e mutação das questões. Daí a tarefa colocada para esse tipo de investigação: acompanhar o movimento como um método em movimento, atenta a composição provisória dos dados e investigando sua funcionalidade naquela circunstância específica.

Entretanto, cabe salientar que as questões não são exclusividades do campo das pesquisas científicas. Elas também se fazem presentes no cotidiano, em ações simples como a mera decisão sobre quais alimentos comporão uma refeição ou sobre o trajeto ser seguido para chegar a um destino. Analisando esse emaranhado de questões que nos assolam diariamente, Orlandi considera a existência como um “nomádico hábitat do questionar” (ORLANDI, 2006, p. 2), assinalando que “o questionar ocorre em toda parte e em qualquer tempo, desde que haja cintilação de diferenciações” (Idem). Novamente, deparamo-nos aqui com a questão das diferenças e seus movimentos. Mas, o que seriam essas diferenciações? Poderíamos compreendê-las como aquilo sobre o que ainda não sabemos,

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uma vez que sofremos apenas os efeitos de variação que elas produzem nos corpos, no tecido social, nos saberes e nos encontros. É nesse sentido que as diferenciações são da ordem do complexo e só podem ser apreendidas na parcialidade, pelos efeitos que produzem e pelos signos que emitem.

Outro ponto a ser considerado é que, independentemente da vontade consciente daquele que questiona, os problemas são praticamente impostos de fora, pelos encontros e pelo acaso. Assim, insiste Orlandi:

Estou querendo redizer que o questionar está imerso nas relações entre as coisas, estou querendo redizer que a potência de cada modo existencial é inseparável dos sinais de questionamento que ela emite em função de suas variações. Estou redizendo que há dimensões objetivas, ontológicas do próprio questionar, e antes que este seja assumido como iniciativa do sujeito pensante (ORLANDI, 2006, p. 2).

Nota-se que a decisão por questionar não parte exclusivamente de um sujeito decidido por fazê-lo, que se vale de uma ação intencional e racionalmente dirigida a um problema já delineado. Para Deleuze, as questões são impostas pelos acontecimentos e encontros que provocam incômodos e evidenciam um não saber. Esta espécie de provocação, que coloca ênfase no desconhecido, inviabiliza o possível sossego frequentemente depositado em certezas e generalizações que atravessam o social.

As diferentes áreas de saber também são afetadas por esses incômodos e dão contornos às suas pesquisas à medida que se ocupam da produção de questões sobre o que se passa em cada problema apreciado. Tem-se, assim, que as pesquisas movem-se em um campo problemático que mantém entre os elementos analisados relações complexas, díspares e mutáveis. Foucault chega a considerar que “para que um domínio de ação (...) entre no campo do pensamento é preciso que um certo número de fatores tenham-no tornado incerto, tenham-no feito perder sua familiaridade, ou tenham suscitado em torno dele um certo número de dificuldades” (FOUCAULT, 2004, p.232). Pode-se dizer, então, que a pesquisa ganha contornos naquilo que incomoda, naquilo sobre o que pouco se sabe e que, por isso mesmo, que pode levar o pesquisador a

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lugares e conexões imprevisíveis. Obviamente, esta não é a única maneira de fazer pesquisas qualitativas. Mas, uma vez que nos aproximemos dela, uma certa concepção de sujeito há de ser considerada.

Uma concepção de sujeito

Dedicando-se ao estudo sobre o empirismo, proposto por David Hume, Deleuze extrai uma concepção de sujeito como aquele que “se define por e como um movimento, movimento de desenvolver-se a si mesmo” (DELEUZE, 2001, p. 93). Nesta concepção, não há uma natureza humana a ser simplesmente conhecida, controlada, reposta ou esquadrinhada. Assim, “por si mesmos, o organismo e os sentidos não têm imediatamente as qualidades próprias de uma natureza humana ou de um sujeito; eles deverão recebê-las alhures” (Idem, p. 98). E como isso acontece? Deleuze assinala que o sujeito se constitui na relação com os mais variados dados advindos dos encontros que são experimentados no decorrer de sua trajetória de vida. Assim, os dados implicam tudo aquilo que se encontra nesse complexo experenciar de encontros, em meio ao qual o sujeito vai se constituindo.

No contato com os dados, o sujeito “estabelece relações entre ideias” (Idem, p. 110). Mas, para estes autores, as ideias não são portadoras de significação. Sob esta perspectiva de análise, “... as relações são exteriores às idéias. E se elas são exteriores, é delas que decorre o problema do sujeito, tal como é levantado no empirismo: é preciso saber, com efeito, de quais outras causas elas dependem, isto é, como se constitui o sujeito na coleção de idéias”, uma vez que estas “são exteriores aos seus termos” (Idem, p. 110-11). Ora, se as ideias são exteriores a seus termos, quem produz as relações entre elas e lhes atribui sentidos é o próprio sujeito nas conexões com a pluralidade de dados que lhe chega das mais diferentes fontes, com intensidades variadas e em distintos momentos da sua existência.

Estamos diante de uma concepção de sujeito que abarca uma incessante produção de si nas experiências. E como isso funciona? Ao

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invocarmos a noção de subjetividade para compreender as pesquisas qualitativas, ela aparece como uma produção, uma prática que se mantém em aberto. Deleuze considera: “E, olhando bem, isso é tão-só uma outra maneira de dizer: o sujeito se constitui no dado. Se o sujeito se constitui no dado, somente há, com efeito, sujeito prático” (Idem, p. 118). Acompanhar a produção de si nas relações ou, em outras palavras, acompanhar a incessante produção de subjetividades, consiste em acolher a diferença (e aquilo sobre o que pouco se sabe, visto estar em franca produção) como constituinte irredutível nesses processos. Afinal, como assinala Deleuze: “Cada sujeito exprime o mundo de um certo ponto de vista” que é variável em cada momento histórico. E “o ponto de vista é a própria diferença”. Assim, “cada sujeito exprime, pois, um mundo absolutamente diferente e, sem dúvida, o mundo expresso não existe fora do sujeito que o exprime” (DELEUZE, 1987, p. 43).

Se acolhermos esta concepção de sujeito como uma produção incessante de si em meio às “cintilações de diferenciação”, tal qual dito anteriormente com Orlandi, as pesquisas qualitativas ganham consistência ao percorrer a heterogeneidade de componentes que são assumidos, expressos e criados no contato do sujeito com o mundo e nas variações que esses encontros precipitam. O que caracteriza essa produção é o fato de que ela mantém-se distante das noções de equilíbrio, constância, generalização e identidade, categorias estas por demais cristalizadas para acompanhar as sutilezas de uma produção que não se esgota no visível ou representável, mas que se mantém próxima do movimento e do acaso. Sua tarefa consiste em investigar como se dá a composição provisória dos dados e qual sua funcionalidade naquela situação específica que está sendo investigada. Assim, estamos diante da heteroprodução de si e do outro que acontece necessariamente no limite daquilo que pode ser problematizado, apreendido e conhecido entre os múltiplos dados que compõem a experiência. Pode-se dizer que é precisamente esta tarefa, de levar adiante os questionamentos sobre um determinado problema investigado, que está posta hoje para as pesquisas qualitativas, independentemente do campo em que ela estiver sendo efetuada.

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Violência e pensamento

Nesse ponto, consideramos que as pesquisas qualitativas nos colocam ao mesmo tempo uma oportunidade e uma série de desafios. No que se refere à oportunidade, pode-se dizer que, abandonando as exigências da neutralidade e a busca por uma verdade aplicável e generalizável, esta estratégia de investigação permite acompanhar a própria produção de subjetividades e dos modos de viver que circulam em um dado tempo histórico. Assim, esse tipo de pesquisa encarna necessariamente um “aprendizado” (DELEUZE, 1997, p. 4). Em sua obra “Proust e os signos”, Deleuze assinala que esse aprendizado “diz respeito essencialmente aos signos. Os signos são objetos de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem decifrados, interpretados” (Idem). Nesse aprendizado, o contato direto com os dados torna-se primordial, uma vez que, conforme pontua Deleuze, “alguém só se torna marceneiro tornando-se sensível aos signos da madeira, e médico tornando-se sensível aos signos da doença (...). Tudo que nos ensina alguma coisa emite signos” (Idem).

Como os signos funcionam? À medida que o contato com a diferença impõe questões incômodas que não admitem respostas rápidas, prontas ou absolutas. Para Deleuze, “há sempre violência em um signo que nos força a procurar, que nos rouba a paz” (Idem, p. 16). Em função desse roubo é que, em alguns momentos, as problematizações abrem espaço para a manifestação da impotência no pesquisador que pode, inclusive, ficar privado de ideias no decorrer de suas investigações. Vale questionar, então: quais os encargos assumidos pelas pesquisas que buscam definir fundamentos sólidos em uma organização social que insiste na mudança?

Talvez um desses encargos seja, precisamente, a vontade de acalmar a expectativa socialmente compartilhada de que um “bom” pesquisador deve produzir verdades que seriam passíveis de generalizações, das quais derivariam as regras de previsibilidade e controle ou as técnicas aplicativas. Mas, será que a Psicologia e, em especial a Psicologia Social, pode deixar-

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se levar pelas expectativas dessas certezas apaziguadoras? Se acolhermos as considerações de Deleuze sobre a aprendizagem colocada em curso no contato com os signos/dados, veremos que a “decepção é um momento fundamental da busca ou do aprendizado: em cada campo de signos ficamos decepcionados quando o objeto não nos revela o segredo que esperávamos” (Idem, p. 34). É essa ausência de confirmação e de certeza que coloca em movimento (mas também em repouso) as pesquisas de tipo qualitativo. Sua condição de possibilidade está em elaborar e fazer circular questões do tipo: Como? Quando? Onde? Por quê? Do que é feito? Quem participa? Quando acontece? Quais efeitos produzem? Nota-se que estas são questões que se ocupam da emergência e manifestação do vivido no contato com o outro, ou seja, elas buscam acompanhar a incessante produção das experiências, incluindo aí o experenciar do próprio pesquisador. Nesse sentido, Kastrup chega a considerar que “não há coleta de dados, mas, desde o início, uma produção dos dados da pesquisa” (Kastrup, 2010, p. 33).

Tal produção acontece quando questões são espalhadas pelo campo social que está sendo investigado e, ao serem enunciadas e percorridas, cooperam para delinear diferentes saberes sobre o vivido, atribuindo-lhe qualidades. Mas, estas qualidades e análises não se prestam à estagnação. Isso acontece uma vez que as respostas, sempre parciais, tendem a fugir, desaparecer e se transformar no decorrer das investigações. Desta maneira, nenhum conhecimento mais instituído é capaz de interromper o fluxo da pesquisa e impor uma ordem. Nota-se, então, que os campos problemáticos percorridos nas pesquisas qualitativas são móveis e transitórios, tendo seus resultados descritos na parcialidade e no limite da produção dos saberes.

Assim, as problematizações explicitam a difícil tarefa de não apenas romper com as expectativas idealizadas de consolidação da verdade, por vezes geradora de prescrições, mas também a tarefa de dar visibilidade às explicações absolutas que, uma vez distantes do contexto em que foram inventadas, já não suscitam mais questões e tendem a uma perigosa naturalização. É possível considerar, então, que ao acionar as problematizações, atribuindo-lhes um lugar de preponderância, as pesquisas qualitativas podem tomar contornos de um exercício político

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que busca acompanhar e produzir transformações nessa complexa rede de encontros sociais que compõe a vida em sociedade.

Quando as problematizações ganham contornos de resistência

Se, como visto no decorrer deste estudo, não cabe às pesquisas qualitativas a primazia das respostas prontas, das certezas ou das generalizações aplicativas, quais as contribuições que ela traz para a produção de conhecimento? É precisamente por seu caráter questionador que esse tipo de pesquisa se configura como uma prática capaz de produzir outros ângulos de análise por meio dos quais o vivido pode ser compreendido e também inventado, envolvendo nessa produção múltiplos agentes. Nesse sentido, Deleuze alerta para a necessidade de

romper com um longo hábito de pensamento que nos faz considerar o problemático como uma categoria subjetiva de nosso conhecimento, um momento empírico que marcaria somente a imperfeição de nossa conduta, a triste necessidade em que nos encontramos de não saber de antemão e que desapareceria com o saber adquirido. O problema pode muito bem ser recoberto pelas soluções, nem por isso ele deixa de subsistir na Idéia que o refere às suas condições e organiza a gênese das próprias soluções. Sem essa Idéia as soluções não teriam sentido (DELEUZE, 2000, p. 57).

É por implicar-se tanto com a produção de ideias quanto com a invenção dos modos de vida que esse tipo de pesquisa pode ganhar contornos políticos de resistência, uma vez que não admite o simples jogo das explicações totalizantes e nem sequer o aprisionamento da vida em conhecimentos absolutos a serem seguidos como regras gerais. Assim, a cada contato com os problemas analisados, novas questões ganham consistência e podem levar adiante aquela heteroprodução da qual falamos no início.

Como poderíamos compreender essa demanda pelas certezas sobre a vida em sociedade? É possível reconhecer aí dois tipos de riscos para a pesquisa qualitativa: por um lado, elas reporiam as expectativas idealizadas

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de controle sobre a dimensão imprevisível da vida. Mas, por outro, essa demanda implica, em alguma medida, a desqualificação do próprio sujeito enquanto questionador, produtor de saberes e experimentador da vida. Esse saber do cotidiano configura-se, então, como uma das fontes das pesquisas qualitativas. Em um diálogo entre Deleuze e Foucault, o risco desta desqualificação fica bastante evidente. Diz Foucault:

os intelectuais descobriram que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber. Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade. Os próprios intelectuais fazem parte deste sistema de poder, a idéia de que eles são agentes da ‘consciência’ e do discurso também faz parte desse sistema (FOUCAULT, 1996, p. 71).

Aproximar-se da produção dos saberes que se constituem no cotidiano coloca o pesquisador mais próximo da vida como heteroprodução e lança-o no complexo jogo que comporta simultaneamente problemas, dúvidas, soluções parciais, bem como o abandono de convicções e análises preliminares. Nesse sentido, Deleuze ressalta:

as soluções não suprimem os problemas, mas aí encontram, ao contrário, as condições subsistentes sem as quais elas não teriam nenhum sentido, as respostas não suprimem de forma alguma a pergunta, nem a satisfazem e ela persiste através de todas as respostas. Há, pois, um aspecto pelo qual os problemas permanecem sem solução e a pergunta sem resposta (DELEUZE, 2000, p. 59).

A pesquisa qualitativa evidencia, assim, a possibilidade de acompanhar e criar novas formas de expressão para o problema que está em pauta em uma investigação. E, para fazer isso, é precioso que o pesquisador esteja à espreita dos sinais que são atualizados no campo problemático que se lhe apresenta. Nesse campo, muitos são os elementos que o forçam a pensar, a questionar e a percorrer ângulos distintos de análise. É nesse sentido que uma pesquisa consolida-se como um exercício

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de aprendizagem ao mesmo tempo em que coloca em curso linhas de resistência àquilo que já é sabido. Considerações finais

Se o sujeito se constitui no encontro com os dados e se estes não possuem sentido prévio, o movimento de constituição de si e do outro é gerado pelo próprio fato de sermos corpos vivos e em diferenciação. Pode-se dizer, portanto, que os conhecimentos produzidos sobre a vida estão longe de envolver um empreendimento simples. A vida é da ordem do problemático e, enquanto tal, não admite respostas definitivas. Isso nos lança no campo dos ensaios e das experimentações qualitativas. Nele, a produção de conhecimento tem valor à medida que pode ser usada, transformada, questionada, abandonada e/ou subvertida. Deleuze afirma de maneira insistente: “É por isso que uma teoria não expressará, não traduzirá, não aplicará uma prática; ela é uma prática. Mas local e regional” (DELEUZE, In: FOUCAULT, 1996, p. 71). E, em seguida, complementa:

Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o significante... É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para usála, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou (DELEUZE, In: FOUCAULT, 1996, p. 71).

Cabe ainda dizer que nas pesquisas em psicologia social, colocam-se problemas nos quais desaparecem os limites entre sujeito e objeto, bem como a exigência de neutralidade por parte do pesquisador. Em seu lugar, ganha espaço a violência do contato com o diferente e a problematização sobre as variações nos modos de existir que são colocas em curso. O corpo sensível e implicado do pesquisador ganha relevância nesse tipo de investigação. Assim, pode-se dizer que toda produção de saber é atravessada por relações complexas de poder. Dar movimento a estas relações, ora atentando para as reversões precipitadas entre os agentes de poder, ora promovendo rupturas para com as verdades mais cristalizadas, ora, ainda, questionando os modos de viver que circulam num dado momento histórico são as maiores contribuições que podem advir desse tipo de pesquisa.

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Nesse caso, podemos retomar aquela concepção de sujeito descrita no início deste trabalho: o sujeito se constitui nos dados da experiência e, dessa maneira, sua produção implica movimentos de diferenciação de si e do mundo. Tomando em consideração a ação das forças/dados que participam da produção de conhecimentos, cabe continuar questionando: quais elementos participam da produção de uma dada maneira de ser? Quais forças estão presentes nessa produção de práticas relacionais? Que tipo de saber é extraído daí e como ele é utilizado no cotidiano das relações sociais? Situando-se nesse campo problemático e resgatando os estudos realizados por Foucault, Orlandi assinala:

É nesse sentido que se pode dizer que Foucault ajuda a subverter a ontologia clássica, pois, em vez da primazia do verbo ser, uma pluralidade de outros verbos se impõe através da pergunta por essas práticas; assim, uma outra ontologia vem à tona, uma ontologia histórica de nós mesmos, que se interessa pelas condições concretas que nos constituem. Donde a pergunta igualmente crítica e autocrítica: sendo nossa interioridade, ou melhor, nosso dentro, um complexo de dobras e redobras do fora, que estamos ajudando a fazer de nós mesmos em meio às redes de saberes e poderes que ao mesmo tempo nos constituem? Como se nota, não se trata apenas de constatar uma heteroconstituição de nós mesmos, mas de sondar e viabilizar resistências e saídas no próprio campo dos condicionantes, das múltiplas conexões que nos enredam. Como o corpo é capturado em redes de saberes e poderes, como ele é enredado nos jogos das forças, trata-se de sondar a complexidade aí embutida (ORLANDI, 2007, p. 89).

O campo das pesquisas qualitativas implica movimentos de produção e de sondagem. Com suas respostas parciais e circunstanciais, esse tipo de investigação oferece aos pesquisadores a oportunidade de manterem-se próximos da complexa de produção dos modos de vida e de relação. Como essa produção não é estática, Foucault mostra que “a teoria não totaliza” e, para ter algum valor prático, é importante que o pesquisador mantenha-se distante dessa expectativa idealizada. Portanto, o que se pode dizer é que “a teoria se multiplica e multiplica” (FOUCAULT, 1996, p. 71) as maneiras de produzir conhecimento no campo qualitativo.

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Referências

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FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1996.

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221Percursos

Universidade e sustentabilidade: ensaio introdutório

Paulo Bassani

Resumo: Pensar possibilidades de um fazer universitário que vincule elementos da sustentabilidade é objetivo deste ensaio. Como as construções sustentáveis podem seredificadas nas dimensões do ensino, pesquisa e extensão, para impulsionar internamente uma revisão das maneiras de elaborar o conhecimento científico em sua relação com a sociedade. Dessa forma, no percurso, colocar a Universidade no século XXI diante dos desafios e perspectivas que ela também em conjunto com a sociedade pode buscar as respostas.

Palavras chave: Universidade; sustentabilidade; fazer universitário; transformação.

Introdução

“Dos maiores riscos também podem brotar as oportunidades, quando sabemos nos mobilizar coletivamente para enfrenta-los” (Anthony Giddens)

Este texto constitui-se num ensaio introdutório sobre a relação entre a Universidade e a Sustentabilidade. Tema que vem sendo trabalhado pelo autor nos últimos anos transformou-se num projeto de pesquisa, em fase inicial, mas que ao estabelecer os primeiros diálogos com a comunidade científica, também pretendo captar elementos discursivos presente no seio da própria instituição bem como de interprete e de leitores interessados na questão da sustentabilidade no início do século XXI. Portanto não esperem deste ensaio questões prontas e acabadas, mas apenas algumas indicações por onde caminham os estudos propostos.

A educação superior tem uma função estratégica para a transformação social. Assim passamos por uma constante reflexão e avaliação dos nossos paradigmas. Há um difícil trânsito e um largo espaço entre os conceitos e as práticas. Para construir uma universidade é necessário um projeto educativo mais audaz. Há nesse motor erupções ideias e conhecimentos,

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tecnologias, massa crítica, capacidades e há disposição para tanto, não de forma homogênea, de forma integrada, não há uma sinergia institucional. Há nela ideias de cooperação e solidariedade. Por isso é preciso pensar a questão com traçados diversos: falar da inclusão sem estender a exclusão. Formar e educar seres humanos éticos e comprometidos com a vida, com a humanidade, com a natureza. Não há moldes, não há receitas, mas há formas possíveis onde as grandes questões podem ser tratadas.

As situações sociais do nosso país exigem respostas universitárias: a) diálogo permanente com a sociedade; b)possibilitar o encontro de caminhos conjuntos; c) definir valores e princípios nos quais devemos criar e estimular para a rota do desenvolvimento sustentável local/regional; d) buscar as complementaridades dos enfoques presentes na universidade e na comunidade; e) buscar vínculos com atores relevantes nas comunidades; f) estimular uma parceria em que a sociedade organizada deve construir uma responsabilidade social pela sociedade não organizada; g) gestão inteligente e pró-ativa dos processos e dos impactos promovidos, e, para que o bem estar possa estar em todos os lugares. Diante disso a universidade por tudo o que gera é um motor potencial de transformação.

Isso equivale preparar um cidadão, profissional social consciente de seu meio com saberes, habilidades, críticas e comprometimento. O fazer Universitário nessa esteira de desafios e perspectivas, exige:

1. avançar no campo da investigação e dos diagnósticos;2.  distanciar-se da fragmentação do conhecimento;3.  criar novos métodos do aprender: o futuroesta em aberto;4. firmar uma identidade local regional;5. ouvir todas as vozes, incorporar todas as diferenças;6. combater as desigualdades sócio-econômicas geradoras da

exclusão social;7. gerar processos científicos, tecnológicos, culturais, sociais,

econômico para que um novo processo civilizatório se instale.

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A caracterização da sustentabilidade

Um amplo e renovado debate vem ocorrendo em diferentes lugares, com diferentes matizes. Nessa caracterização há um teor que se distribui entre a esperança, o encantamento e as orientações necessárias para o novo e aquele que o percebem como mais uma desesperança, um desencantamento um conjunto indecifrável de concepções que aperfeiçoam os sistemas existentes.

Num sentido ou noutro não há como negar que vivemos numa sociedademuito mais complexa, muito mais complicada e com outros problemas que até algumas décadas não eram tema de nossas análise e preocupações, quer por estudiosos, intelectuais que se preocupam em explicar as coisas, quer pelas experiências das populações.

Hoje mais do que nunca, comecei a me preocupar do assunto com o objetivo de alcançar, antes de tudo para mim um entendimento, uma explicação. Para ser mais abrangente entender a relação do homem com a natureza, os impactos da ação humana sobre o planeta que vivemos, enfim o meio e o ambiente desta relação. Porque vem sofrendo alterações? Que alterações são estas? Como ocorrem? Como os pesquisadores e o conhecimento científico que detém possibilitam explicar e buscar alternativas para um viés destrutivo.

Nas últimas décadas muitas vezes ouvimos a expressão sustentabilidade nas revistas, nos jornais, nos livros, nos projetos, nos TCCs, nas dissertações e teses, nos seminários e congressos, nas ONGs e Instituições públicas e privadas de ensino, nas empresas públicas e privadas. Tornou-se um conceito, uma palavra, uma ideia, uma noção comum e ao mesmo tempo pouco compreendida. Usada por muitos com inúmeros sentidos, significados e intenções. Isso nos remete comparar aos anos de 1980 e de 1990 do século passado, onde a palavra chave para tudo entender e explicar girava em torno do conceito e prática da dialética. Este conceito-prática estava presente na fala, na escrita e nas experiências de muitos com inúmeros significados e alcances.

Entender a dimensão filosófica e propositiva da sustentabilidade implica pensar sobre os inúmeros campos, dimensões do pensar e do

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fazer humano. Quais os significados que esta noção conceitual vem sendo utilizada. Esta foi deslocada de cá para lá, geralmente orientada por leituras derivadas de uma forma de fazer ciência moderna. Algumas vezes com caráter desenvolvimentista, oportunista outras com caráter preservacionista e conservacionista.

Um quadro amplo, difuso, confuso de manifestações teórico e práticas, dos “conhecedores” que possuem “os discursos competentes” aos que possuem a mínima ideia do que se trata. Dos que imaginavam que sustentabilidade somente poderia se expressar, ou ter algum significado se associada e conjunta com a noção de desenvolvimento. Este último um entendimento da composição de “desenvolvimento sustentável”, talvez pela complexa identificação de encontrar uma empresa, uma instituição, um país sustentável. Isto nos remete a compor indicadorescomplicados de serem analisados durante um tempo que possa ser realmente incorporado por todas as pessoas desta fase planetária. Argumentos definitivos não conseguem fixar-se na história apenas apresentam ideias muito abstratas e experiências muitos localizadas, pontuais.

Dizer que o desenvolvimentismo, o crescimento, a prosperidade econômica o PIB, o controle da inflação, o aumento da produção e do consumo não apresenta noções de desenvolvimento sustentável é o mesmo em dizer que ser sustentável é ter um povo feliz, com emprego, renda, estabilidade econômica e politica. Este é um viés falacioso, pois não apresenta alternativas ao sistema, mas dentro do sistema, formas de aperfeiçoamento para estabilizar e controlar as diferenças, as discrepâncias que lhes são endógenas. A persistência de uma forma não significa a possibilidade de outra emergir. Mesmo que os dados demonstrem a ascendência de um pretenso crescimento, ligado a noção de sustentabilidade, parece não ganhar um chão histórico. Os números macros minimizam a compreensão micro que é associada constitui um grande problema. Esta é uma das tarefas das ciências sociais moderna: dar conta de novos dados atribuírem novas interpretações e explicações dos dados já conhecidos. Isto tudo implica descrever, compreender, ordenar, explicar a realidade que émovimento. No percurso analítico cabe distinguir, ou pelo menos tentar, o que relevante do que é irrelevante.

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O insustentável em curso: como tratá-lo

Vivemos no mundo onde, apesar de tudo, conhecemos muita coisa e outras tantas não nos foi possível conhecer, quer pelas limitações humanas, quer pelos interesses em não avançar em determinados cursos possíveis da história humana. Há um avanço inexorável sobre esta determinação do que humano, não é possível, num determinado momento e com o desenvolvimento de determinados métodos tornar conhecido algo inimaginado no primeiro momento. O debate que busca o aprofundamento nos leva necessariamente a formar novas explicações, a orientar novos mapas novos passos de nossa historia. Isto possibilita emergir procedimentos, atitudes e comportamentos estimulados ou acordados por tomada de decisão das maiorias.

Esta reflexão nos remete a pensar as dicotomias, os olhares e experiências. Entre o passado e o futuro, entre as guerras e a paz, a fome e a satisfação, a doença e a saúde mais uma dicotomia central nessa análise pode ser expressa na díade insustentável e sustentável. Podemos sim dizer que algo insustentável não é sustentável como também o contrario. Tornasse vivencial e pertinente pela grande maioria a compreensão de que promove a vida, o bem estar e do que promove a violência, o medo. A compreensão de que um enunciado se faz no confronto com o outro diferente, passado e com menos teor qualificado de um presumível modo de viver. A um pressuposto que toda a mudança é qualitativamente superior a que já se demonstrou. Não mudamos para o pior, mudamos para o melhor. Observo, em tempo, que qualquer axiologia positiva ou negativa com todos os conceitos que cada expressão carrega depende em grande medida de quem delas se apropria.

Esta conduta analítica nos remete as analises de Norberto Bobbio (1995, p.19-20) quando ao tentar explicar as razões e significados de uma distinção politica entre direita e esquerda, assim expressa:

Estamos atentos para não brincar com as palavras, especialmente quando nos encontramos diante de palavras escorregadias como “liberdade” e “igualdade”. Todavia, creio poder dizer que o que faz de um movimento

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de libertação um movimento de esquerda é um fim ou oresultado a que se propõe: a derrubada de um regime despótico fundado na desigualdade entre quem esta em cima e quem esta embaixo na escala social, percebido como uma ordem injusta, e injusta precisamente por que igualitária, por que hierarquicamente constituída; e a luta contra uma sociedade no qual existem classes privilegiadas e, portanto em defesa e pela instauração de uma sociedade de iguais juridicamente, politicamente, socialmente contra as mais comuns formas de discriminação (Bobbio, 1995, p.19-20).

O que o autor, nesta fala apresenta, é uma tentativa de explicar o que é a esquerda e o que é a direita, ou pelo menos tenta identificar características que podemos elencar em qualquer situação, como indicadores que referenciam esta ou aquela forma. Parece oportuno esta preocupação se colocar a díade pobres e ricos, proprietários dos meios de produção das mercadorias e não proprietários, ditaduras e democracias. Nesta ou naquela díade, o que se destaca é que igualdade e liberdade são pressupostos aliados não compatíveis a formas autoritárias, militares, imperialistas. Nesta esteira discursiva torna evidente que são critérios uteis e significativos para a compreensão, esclarecimentos destas díadespodem esta cindidas nos elementos “... que promovam a incessante luta pelo melhoramento da sociedade” (Idem, p. 20).

Este destaque, quanto à relação entre a direita e a esquerda pode, num primeiro momento remeter a fatos da história vinculados as características da direitapresente nos modelos desenvolvimentistas e isto de fato ocorreu e vem ocorrendo. Entretanto, lembra o autor, à esquerda com seus modelos historicamente implantados também não conseguiu suplantar formatos igualitários, libertários de qualidade de vida para todos.

Nesse debate asustentabilidadeem sua dimensão substantiva pode fazer a universidade atuar em inúmeras dimensões da sociedade. Projetar a universidade a partir de práticas críticas e transformadoras não divorciadas do humanismo. Debater e conceituar algumas categorias teóricas e práticas. Debater continuidade e descontinuidade de formas de desenvolvimento. Definir uma agenda estratégica de nosso entorno local e regional. Gerar práticas coletivas e de autogestão. Essa dimensão permite impulsionarinternamente nas universidades:

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1. reflexão ética sobre o papel das IES;2. leitura política do rumo, do norte que desejamos;3. um projeto de envolvimento sustentável;4. a definição de responsabilidades que abra portas e compromissos

paratodos.A Universidade pode criar um Observatório Social, de investigação e

de acompanhamento com profundidade de questões importantes da nossa sociedade local e regional, de acompanhamento e de avaliação das nossas atividades e produzir uma consciência crítica da nossa universidade. Este pode contribuir nos formatos dos projetos de ensino, pesquisa e extensão. Além de compor as possibilidades de formatação de uma agenda institucional, uma agenda estratégica que situe nosso fazer universitário a curto, médio e longo prazo. Uma estratégia onde as dimensões local, regional e global estejam presentes no universo de todos os atores envolvidos.

Dos objetivos e preocupações centrais Observatório Social:1. Dar ênfase a uma perspectiva de equilíbrio, inclusão social e o

desenvolvimento humano e ambiental;2. Alcançar a perspectiva social da realidade;3. Centro de informação;4. Banco de dados regionais para orientar nossas práticas;5. Definição de uma intervenção crítica e horizontal;6. Observar, analisar, monitorar a realidade;7. Compreender em que grau de influência decisões tomadas

resultaram em ações favoráveis, sustentáveis;8. Influenciar processos políticos, culturais, econômicos, sociais

pelos tomadores de decisões;9. Orientar a geração de práticas sociais sustentáveis geradoras de

emprego e renda e que preservem o meio ambiente;10. Zonear a região em seus diferentes aspectos para que se permita

uma leitura crítica dos modelos de desenvolvimento;11. Observar suas inequidades, equidades e suas tendências;

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12. Traduzir aspectos diversos, em elementos de orientação de políticas públicas que permita apontar um conjunto de caminhos e de possibilidades;

13. Identificar os diversos atores, os diferentes grupos e quais as distancias, as resistências e o que os aproxima;

14. Identificar o que é inevitável,o que é evitável,o que é necessário e o que é possível mudar – planejarmos o desenvolvimento social;

15. E por fim, difundir e ampliar em todas as ações uma percepção ética do que é justo.

Penso como Enrique Leff (2010) que estamos tratando de possíveis

construções de futuro. Por isso precisamos de atores e paradigmas que possam tocar estas ideias como motor da história futura, de uma nova história para o planeta.

Ver o mundo como possibilidade, como uma construção social do fazer constante, impulsionado por novas utopias que ressignificam a vida e a forma de viver. Trata-se de pensar a ciência em seu processo educativo em

... preparar novas mentalidades capazes de compreender as complexas inter-relações entre os processos objetivos e subjetivos que constituem seus mundos de vida para gerar habilidades inovadoras para a construção do inédito. Trata-se de uma educação que permite preparar-se para a construção de uma racionalidade; não para uma cultura de desesperança e alienação, mas, pelo contrário, para um processo de emancipação que permita novas formas de reapropriação do mundo e de convivência com outros (Leff, 2010, p.204).

Mais adiante o autor, lembra:

Esse é o maior desafio da educação em nossos dias: o da responsabilidade da tarefa de contribuir para este processo de renovação, e educar pra que os novos homens e mulheres do mundo sejam capazes de assumir esta crise civilizatória e conviver no sentido de sua existência, em um reencantamento da vida e de reconstrução do mundo (Idem).

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Para construir o futuro, o amanhã sustentável será preciso abrir a nossa caixa de pandora para que o inusitado se faça presente, vivo, ativo. Assim não basta pensarmos, para fazermos o futuro neste traçado, é preciso outra, linguagem, uma outra maneira de estabelecer as relações. Construir elementos com significados que possam abranger novas maneiras que sirvam a Este propósito, um propósito de passagem, de fixação, de aprender a apreender o mundo como espaço, vida finita.

Leff (2010, p. 234) “A abertura para a sustentabilidade é uma nova aurora; é um início da odisseia civilizatória para um mundo diverso, levando pela heterogeneidade da diversidade e por uma ontologia da diferença; por uma ética do cuidado e da fecundidade da outrocidade”. Isto quer apontar que estamos diante não de uma escolha de um final, mas sim de uma trilha capaz de nos conduzir. Para tanto se faz necessário a desconstrução dos elementos de um mundo insustentável sem omissão, sem hipocrisias. Compreender o não saber como um saber contemporâneo da amplitude de nossa crise: “... é aprender a viver em outro entendimento do mundo, com outro conhecimento, convivendo com outros mundos de vida e diversas formas de ser” (Idem).

Viver uma era de sustentabilidade é estar num tempo marcado por um novo começo desperto por passadas diversas das percorridas até o presente. Algumas passadas serão as mesmas que estão exercitadas em nosso tempo (estas como elementos secundários) as passadas principais serão as inovadoras: “... implica desconstruir ideias que fundaram a história e conduziram seu caminho até a modernidade, guiadas pela ideia do progresso e do crescimento sem limites” (Leff, 2010, p. 234).

Nesse diálogo fala-se em algo inédito. A educação para um mundo sustentável aparece como uma pedagogia preparatória de esperança e de futuro. E nas instituições educacionais, escolas e as universidades podem contribuir

...mas a escola e universidade devem deixar de ser aparelhos ideológicos do Estado que reproduzem a realidade coisificada, para ser os campos de prática dos sonhos utópicos e das gramáticas de futuro, para exercitar o músculo da imaginação para idealizar futuros desejáveis e ensaiar sua possível realização; para desconstruir as teoria herdadas e ambientalizar as ciências, mais que para aprender os decálogos de conhecimentos

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estanques, e para nos encerrar nas jaula de racionalidade da ciência normal, nos míopes olhares paradigmáticos e nos interesses disciplinares egoístas de nossa arrogância científica. A escola deve constituir-se em laboratório do novo pensamento, para aprender a formular desejos possíveis e a realizá-los, a forjar uma ética de outricidade e a ensaiar o diálogo de saberes, a brincar com palavras e a inventar novos sentidos para elas, a lançá-las ao vento como pombos-correios para novos mundos de vida (Leff. 2010, p. 248).

Para tanto a Universidade necessita de autonomia. Uma autonomia ética e comprometidanão pode ser um escudo isento da sociedade, mas, uma autonomia que se constrói e edifica com a sociedade. Isto porque a Universidade não é constituída por um bloco homogêneo de atividades, há pouca unidade de pensamentos e práticas. Os níveis éticos mais elevados das teorias e das práticas devem estimular as iniciativas que podem começar em qualquer lugar e por quaisquer atos. Uma inserção ética e comprometida pode ser geradora, guia, defensora, mediadora, intérprete, participante de muitas causas que brotam por todos os lugares. Nessa esteira, o diálogo pode possibilitar o estreitamento de inúmeras relações, melhorar práticas e contribuir para a definição de políticas públicas e a ampliação da ação do estado com qualidade.

Considerações finais

Penso e podemos dizer por ora, que o fazer universitário numa perspectiva sustentável não pode naturalizar a fome, o desemprego, a desumanização, a destruição ambiental, precisamosentender a natureza disso tudo e colocar em nossos currículos, em nossas atividades, com clareza os elementos que explicam isso tudo. Cada um que acredita na democracia e nos processos participativos deve fazer sua parte e ser um agente multiplicador de novos valores e de novas práticas que realmente contribuam para a edificação de um novo processo civilizatório. A Universidade é constituída por uma grande diversidade de pensamentos e práticas, nem todos caminham nestanessa direção, entretanto, há muitos que acreditam e lutam no seu dia a dia para tornar isso possível.

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A Universidade e asociedade são constituídas da mesma matéria, uma não vive sem a outra. É possível estabelecer uma agenda de compromissos para que essaaproximação se efetive. A Universidade pode ouvir e apreender muito com a sociedade e a sociedade pode muito se apropriar dos conhecimentos e tecnologias produzidas na academia. Um via de mão-dupla dos processos do apreender e de mudanças. Nossos currículos e investigações podem e devem refletir analisar, explicar o curso da história percorrido até o presente. Nesta reflexão e análisepode emergir e indicar novas construções, novos mapas,paradigmas afinados com um modelo de envolvimento crescente que se aproprie do melhor do patrimônio histórico, das experiências do senso comum, das práticas sociais edas transformadoras tecnológicas de alcance social e que preservem os recursos naturais.Isto significa pensar um modelo de envolvimento comprometido e reflexivo de nosso fazer Universitário nas práticas internas e nas suas interfaces com a sociedade.

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PARTE III:Dissertações Defendidas no Trênio

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As relações sociais pela gênese de uma cooperativa de catadores de resíduos sólidos urbano do norte paranaense sob a perspectiva da imersão social de

granovetter (2007, 1992, 1973)

Autor: Dayanne Marciane Gonçalves

Orientador: Ivan de Souza Dutra

Resumo: objetivo da dissertação foi compreender a influência dos elementos da Imersão Social, sob a perspectiva de Granovetter (2007), na constituição da COOPEROCHA – cooperativa de catadores de resíduos sólidos urbanos do norte do Paraná - entre 1996 e 2012. Para alcançar os resultados almejados foram traçados especificamente quatro objetivos: levantar o registro histórico do contexto socioeconômico e político que contribuiu para constituição da COOPEROCHA; identificar episódios de Confiança estabelecidos entre os catadores fundadores da COOEPROCHA; identificar episódios de Oportunismo estabelecidos entre os catadores fundadores da COOPEROCHA; verificar a influência da Ordem nas transações estabelecidas pela COOPEROCHA; compreender a influência dos elementos da Imersão Social (confiança, oportunismo e ordem) entre os catadores na constituição da COOPEROCHA. Para tanto se utilizou como base teórica a Economia Solidária e a Imersão Social proposta por Granovetter (2007). A escolha da perspectiva de Granovetter (2007) sobre Imersão Social para a análise do presente estudo foi determinada pelo pressuposto de que a ação econômica está imersa em relações sociais, não se limitando a puros cálculos da economia, e por apresentar pontos teóricos em comum com a compreensão e definição dos preceitos da Economia Solidária. O trabalho foi exploratório descritivo de perspectiva longitudinal, com método qualitativo e abordagem histórica das relações sociais. Para levantar os dados propostos utilizou-se as técnicas de coleta de dados como: entrevistas, documentos, observação assistemática e história oral. Esta última técnica foi utilizada como suporte para levantar os episódios de confiança e oportunismo, com base em 2 (dois) sujeitos principais, que acompanharam todo o processo de constituição da cooperativa. Com vistas a alcançar a resposta sobre as possíveis influências dos elementos de Imersão Social na constituição da cooperativa, num primeiro momento, foi preciso levantar o histórico social, político e econômico da trajetória da COOPEROCHA, e, concluiu-se que existem três fases, relevantes, na história da coleta seletiva do município de Londrina. A trajetória histórica da coleta seletiva de Londrina permitiu compreender os principais momentos que levaram à constituição dessa cooperativa, e apontou os principais atores envolvidos no seu processo de constituição. Para chegar à Confiança, elemento da Imersão Social, foi preciso retroceder na história das relações sociais entre os catadores buscando compreender suas categorias

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específicas. Os episódios de Oportunismo, levantados perante os catadores sobre a constituição da cooperativa remetem a decepções ao longo de suas histórias. A ordem ou desordem é a consequência da forma como as relações sociais foram estabelecidas entre os catadores enquanto membros das ONG’s e a sua manutenção após a constituição da cooperativa. O antes e o depois da organização da cooperativa aponta para a estrutura administrativa e o rateio dos valores adquiridos com a venda dos materiais, pressupondo ser uma cooperativa que segue os preceitos da Economia Solidária. Há, pois, evidências de que as relações sociais influenciam as estruturas sociais, e por consequência, as organizações. Entre os resultados obtidos destaca-se a manutenção das relações sociais que foram construídas ao longo do tempo, antes mesmo da constituição da cooperativa, com base em uma identidade familiar, a reputação dos catadores e do poder público, sob o clima da desconfiança. 

Palavras-chave: Economia solidária; cooperativas; cooperativismo; relações sociais

CONSUMO SUSTENTÁVEL, O DILEMA CONSUMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO COM

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PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO E MARKETING DE LONDRINA –PR

Autor: Bernardo Carlos Spaulonci Chiachia Matos de OliveiraOrientador: Luis Miguel Luzio dos Santos

Resumo: crise socioambiental, dentre as diferentes explicações, tem no crescimento acelerado do consumo uma das suas principais causas, o que decorre de um estímulo programado em relação ao consumo como principal motor do desenvolvimento econômico contemporâneo. As organizações passaram a produzir em volumes e em ritmo cada vez mais acelerados, o que conduziu a progressivos ganhos de escala, garantindo um aumento contínuo no escoamento da produção e na maximização dos lucros, com destaque para o modelo econômico que vigorou até então, centrado na seguinte lógica: mais consumo, mais produção, consequentemente, mais emprego e renda, gerando assim mais consumo, desconsiderando em sua lógica as limitações ambientais. Logo, partimos do pressuposto de que o consumo tornou-se um elemento-chave na discussão da crise socioambiental contemporânea, tendo como grande motor a publicidade - principal ferramenta do Marketing na confecção e no atendimento dos desejos dos consumidores. Desse modo, o presente estudo teve como objetivo compreender como os profissionais de comunicação e marketing, da cidade de Londrina-PR, percebem essa situação, de forma particular, averiguar, na perspectiva deles, como apreendem o discurso do consumo sustentável. Em relação aos procedimentos metodológicos, a presente investigação é do tipo descritiva, de natureza qualitativa e de corte transversal. A estratégia de coleta de dados foi o focus group e a entrevista em profundidade como complemento da investigação e os dados coletados foram interpretados por intermédio de análise de conteúdo. Os resultados das análises das falas do grupo selecionado apontam que parece haver uma visão seccionada da realidade; parece não haver um entendimento sistêmico da situação, parece ainda prevalecer a visão pós-moderna de fragmentação da realidade e da crença de que “no final tudo acaba bem”. Por mais que fizessem parte do mesmo meio publicitário, encontramos participantes que se destacavam pela visão limitada ao mercado, ou pela visão menos limitada ao mercado, ou ainda pela visão destoante - metafísica. 

Palavras-chave: Comportamento do consumidor; consumo (economia) - aspectos ambientais; desenvolvimento sustentável; sociedade de consumo - percepção temporal; marketing

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COMPETÊNCIAS VOLTADAS À SUSTENTABILIDADE NA GESTÃO INTERMEDIÁRIA: UM ESTUDO DE CASO NA

INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA

Autor: Ana Carolina Vilela de CarvalhoOrientador: Silvio Roberto Stefano

Resumo: A discussão em torno da sustentabilidade tornou-se uma realidade em organizações públicas e privadas, e iniciaram-se reflexões e questionamentos sobre sua forma de responsabilidade e gestão. A fim de que este movimento organizacional torne-se efetivo, estudos apontam que é necessária a participação de lideranças no processo de criação e estímulo a novas formas de pensar e agir em termos de sustentabilidade organizacional. Assim, considerou-se relevante analisar a relação de competências voltadas à sustentabilidade dos gestores do nível tático de uma organização pertencente ao setor industrial. Para que fosse possível alcançar tal objetivo, realizou-se uma revisão teórica abordando os temas sustentabilidade organizacional, que se baseia nas considerações de resultados econômicos, sociais e ambientais das organizações, chamado ‘triple bottom line’, e competências, entendida para além dos conhecimentos, habilidades e atitudes dos indivíduos no contexto profissional, mas como entrega e agregação de valor para a organização e para o indivíduo. Além disso, da fundamentação teórica emergiu um quadro de competências e entregas voltadas à sustentabilidade, bem como um modelo para avaliação. Do ponto de vista metodológico, esta investigação é caracterizada como exploratória e descritiva, de abordagem quantitativa e qualitativa, adotando um estudo de caso em uma indústria alimentícia como estratégia de pesquisa, cujos dados foram coletados por meio de pesquisa documental, entrevistas semi-estruturadas e questionários de autoavaliação junto aos gerentes e coordenadores. A partir da análise de dados foi possível avaliar o contexto da gestão da sustentabilidade na empresa pesquisada, que apesar de não se declarar como sustentável, possui práticas e ações voltadas ao desenvolvimento econômico, ao cuidado com o meio ambiente, ao bem estar dos stakeholders, e à melhoria contínua de seus processos. Além disso, observou-se que os gerentes e coordenadores da organização autoavaliam que atendem à maioria das competências e entregas voltadas à sustentabilidade, apesar de não contarem com políticas e incentivos específicos por parte do departamento de recursos humanos no que se refere a este tema. Uma possível inferência desse resultado na organização Alfa, é que uma política estruturada e formalizada do Sistema Integrado de Gestão, isto é, da gestão da qualidade, meio ambiente, saúde e segurança, segurança de alimentos e 5S, pode proporcionar percepções positivas quanto à sustentabilidade organizacional no corpo de gestores do nível tático. 

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Palavras-chave: Gestão ambiental; alimentos - indústria - aspectos ambientais; administração de empresas - aspectos ambientais; desenvolvimento sustentável; organizações públicas - aspectos ambientais; responsabilidade social da empresa.

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ECOEFICIÊNCIA: COMPETÊNCIA PARA A SUSTENTABILIDADE ORGANIZACIONAL:

UM ESTUDO ESTUDO DE CASO NA INDÚSTRIA DE ACUMULADORES DE ENERGIA

Autor: Flávio Augusto Cella-de-OliveiraOrientador: Luciano Munck

Resumo: A presente dissertação, ao trabalhar com os temas sustentabilidade organizacional e ecoeficiência aliado a lógica das competências e a teoria do agir organizacional, foi orientada pela pergunta de pesquisa “Como a ecoeficiência, enquanto uma competência organizacional, compõe a sustentabilidade organizacional?”, a qual originou o objetivo de “analisar, sob a ótica da teoria do agir organizacional e da lógica das competências, a ecoeficiência enquanto uma competência organizacional componente da sustentabilidade organizacional”. Para que tal objetivo pudesse ser alcançado, uma revisão teórica abordou a sustentabilidade organizacional, a qual é entendida como o equilíbrio das sustentabilidades organizacionais econômica, ambiental e social; e a ecoeficiência que trata do progresso econômico e ambiental necessários para o aumento da prosperidade econômica através da utilização mais eficiente dos recursos e de menos emissões nocivas para o ambiente. Em um segundo momento abordou-se a lógica das competências, entendida como um processo deformação e desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes, tendo em vista o aprimoramento de sua capacitação, podendo, dessa forma, adicionar valor às atividades da organização, da sociedade e a si próprio. Por fim, apresenta-se ainda a teoria do a teoria do agir organizacional, que exprime uma maneira de ver e conceber os fenômenos organizacionais em termos de processo, o que permite fazer a ligação entre a ecoeficiência e as competências. Ainda um estudo de caso, tanto qualitativo como quantitativo, adentrou em uma indústria do ramo de acumuladores de energia – baterias automotivas, angariando dados a respeito do tema estudado. Ao final deste trabalho foi possível compreender a ecoeficiência como componente fundamental da sustentabilidade organizacional e, a partir da teoria do agir organizacional, a mesma pode ser visualizada como um agir organizacional e, portanto, passível de ser compreendida como uma competência de apoio à sustentabilidade organizacional. A combinação da ecoeficiência enquanto uma competência organizacional também culminou nos indicadores da ecoeficiência através de competências, o que mostrou-se um versátil instrumento capaz, ainda, de ser replicado em outras organizações.  Palavras-chave: Empresas - aspectos ambientais; competência e desempenho; teoria da organização; acumuladores - indústria; gestão ambiental.

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ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA ALTERNATIVA A RENDA PARA OS CATADORES DE RESÍDUOS SÓLIDOS

DE MARINGÁ

Autor: Julimari Aparecida Bonvechio de OliveiraOrientador: Luis Miguel Luzio dos Santos

Resumo: objetivo central da dissertação foi compreender a vivência por parte dos membros dos empreendimentos de Economia Solidária da cidade de Maringá- PR. Amiúde foram três objetivos: descrição dos Empreendimentos da Economia Solidária em atuação na cidade de Maringá; a apresentação do processo de desenvolvimento dos empreendimentos de economia solidária e suas particularidades e entender a incorporação dos princípios da economia solidária, por parte de seus principais atores. Para a compreensão, inicialmente apresentou-se o modelo de desenvolvimento econômico centrado nas ideias liberalizantes, que exigiram minimização da ação do Estado para fins puramente econômicos. Para avançar, o estudo buscou compreender as suas contradições atuais e excludentes do capitalismo, bem como a emergência da Economia Solidária como tentativa de resposta a intensificação das camadas excluídas. A Economia Solidária fundamenta-se em ideais humanistas de inclusão a renda e na emancipação do indivíduo. A pesquisa realizada foi qualitativa de cunho exploratório-descritivo. O paradigma crítico foi adotado, visando verificar o status quo a partir das contradições pelos catadores. Para a coleta de dados realizou-se uma entrevista com roteiro flexível para extrair o comportamento dos envolvidos. Além das falas transcritas, observaram-se as contradições no ambiente por meio de imagens e da organização do lay out local. Desenvolveram-se pesquisas em quatro empreendimentos de economia solidária que coletam resíduos sólidos e uma caracterização do movimento do artesanato existente na cidade. Foram examinados os princípios solidários existentes por meio das seguintes categorias: autogestão, solidariedade, gerenciamento das atividades, emancipação/alienação, entraves. As falas forneceram o suporte para as conclusões. Quanto ao resultado evidenciou-se que há avanços na introjeção dos princípios graças ao empenho da Assessoria Unitrabalho que periodicamente repassa conhecimento sobre Economia Solidária. Na situação em que o empreendimento pode contar com o aporte de conhecimento e informação das igrejas situadas nos mesmo bairro, houve uma representatividade positiva no avanço da renda e na emancipação dos envolvidos. Contudo, nas demais cooperativas, há vários limites e entraves para o curso da emancipação: o baixo grau de escolaridade dificulta a compreensão de cálculos de custos dos produtos e das rendas dos envolvidos. Também, há dificuldade no gerenciamento das atividades internas e estratégias de comercialização, além de infraestrutura inadequada que dificulta também o processo, a ausência de apoio por parte do setor público, que ao alocá-los no processo solidário, deixou-os à mercê da própria

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sorte, negando-lhes melhorias pertinentes. Assim, identificou-se que há sérios limites no curso da emancipação social dos envolvidos nestes empreendimentos solidários de catadores de resíduos sólidos de Maringá. 

Palavras-chave: Economia solidária; cooperativas; cooperativismo; renda - distribuição; desenvolvimento econômico – pesquisa.

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O IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS ECOLÓGICO NA REGIÃO DE LONDRINA:

RESULTADOS, LIMITES E AVANÇOS

Autor: Lívia Maria dos SantosOrientador: Benilson Borinelli

Resumo: A dissertação teve como objetivo avaliar os resultados, avanços e limites do ICMS Ecológico na região de Londrina, entre o período de 1997-2010. O método utilizado foi o modelo de avaliação de instrumentos econômicos de Mickwitz (2003). Os critérios do modelo foram os gerais e os democráticos. Buscou-se demonstrar que apesar dos avanços, o instrumento apresenta limites, que comprometem sua continuidade. No primeiro, avaliou-se os resultados físicos (Unidades de conservação e repasse), impacto, efetividade e persistência; quanto ao segundo, avaliou-se a legitimidade, transparência e equidade. A coleta de dados foi feita através de análise de documentos e entrevistas. Como resultado, o ICMS Ecológico vem aumentando as áreas de preservação de uma forma lenta da região e o repasse tem sido maior. Os efeitos positivos têm sido persistentes no estado de meio ambiente; é um instrumento aceito por todos, como uma boa solução para problemas ambientais, ou seja, é legitimo; quanto a equidade, apesar do modelo de repasse ser uma fórmula, há regiões que por certas características são mais beneficiadas, não sendo totalmente equitativo, devido ao seu modelo de avaliação. Quanto à transparência, o instrumento necessita de diversos ajustes, sendo o item mais preocupante quanto ao resultado da avaliação. 

Palavras-chave: Economia ambiental; gestão ambiental; política ambiental; desenvolvimento econômico - aspectos ambientais.

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PROCESSOS COMUNICACIONAIS E SUSTENTABILIDADE NA CIA. ALFA DE ALIMENTOS

Autor: Morgana Lemos Monteiro de Oliveira BatistellaOrientador: Marlene Regina Marchiori

Resumo: A atualidade do tema sustentabilidade e a necessidade de mais estudos sobre o assunto desperta a atenção da academia e do mundo corporativo em função do comportamento da sociedade que se mostra mais atenta ao que tem acontecido ao redor do planeta. Deste modo, o tema tem influenciado as mudanças nos processos e discursos organizacionais em favor da sustentabilidade, que se tornou uma importante estratégia nos negócios, o que impacta a gestão organizacional como um todo, e, por conseguinte, exige o redimensionamento das práticas de comunicação adotadas, ou a comunicação proporciona o sentido de sustentabilidade impactando, por sua vez, a gestão, ou seja, é a comunicação permeando todo o processo do discurso à prática da sustentabilidade das organizações. Neste trabalho destaca-se a comunicação nas perspectivas funcionalista, a comunicação informacional e interpretativa, a comunicação relacional, pois se acredita que ambas se complementam na construção e entendimento da realidade organizacional. Portanto, diante de temas complexos, recentes e relevantes, o trabalho tem como objetivo compreender a comunicação que constrói o significado sobre sustentabilidade para os indivíduos, partindo de uma discussão teórica que aborda os temas sustentabilidade, a sustentabilidade nas organizações, a contextualização da relação entre comunicação e organização e dos processos comunicacionais, seguido do estudo de caso único, cujos dados foram coletados por meio de pesquisa documental e pesquisa qualitativa com questionário semiestruturado com entrevista em profundidade e grupo focal, na tradição interpretativista, na Cia. Alfa Alimentos, nome fictício, para preservar a identidade da organização, localizada no interior do Paraná. A partir da análise dos dados foi possível observar os processos comunicacionais, por meio das vias informacional e relacional, se manifestando na organização, muitas vezes sem a possibilidade clara de identificar seu começo, meio e fim, já que a comunicação é contínua e complexa. O estudo permitiu também verificar que os processos comunicacionais dão forma à organização, ou seja, por meio da comunicação informacional e relacional, a organização é construída no seu cotidiano por meio da informação e das oportunidades de interação que permitem a interpretação e a oportunidade de significação dos acontecimentos do cotidiano, impelindo o sujeito a agir, a produzir, a gerar experiências e alimentar o ciclo de interação, interpretação, resignificação a cada novo contexto. 

Palavras-chave: Comunicação nas organizações; empresas - aspectos ambientais; desenvolvimento sustentável; gestão ambiental.

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RELAÇÕES DE PODER E REGULAÇÃO AMBIENTAL: UM ESTUDO DA KLABIN-PR (1970-2002)

Autor: Mauro Guilherme Maidana CapelariOrientador: Benilson Borinelli

Resumo: O objetivo principal da dissertação foi analisar a relação entre a indústria de papel e celulose Klabin-PR e o órgão de meio ambiente paranaense – ARH, SUREHMA e IAP – na condução do processo de regulação ambiental da indústria, dentro do recorte temporal de 1970 a 2002. Especificamente, três objetivos foram traçados: a demarcação de momentos de ruptura da política de regulação ambiental; as oscilações da base de recursos de poder das duas instituições em análise; e a contextualização de como foi constituída a relação proposta entre as duas instituições. Para tanto, nos servimos da teoria neoinstitucional histórica como modelo teórico de compreensão do caso. Através dessa abordagemia foi possível centrar as argumentações da pesquisa em torno das relações de interesses da Klabin-PR que podem ter ajudado a retardar a sua regulação ambiental. Devido a isso, o entendimento que embasou o trabalho esteve pautado nas contradições de uma política que conviveu e convive com a necessidade de proteger o meio ambiental atrelada a economia desenvolvimentista de mercado, usualmente, relacionada com a degradação da natureza. Características como momentos críticos e dependência da trajetória percorrida complementaram os marcos neoinstitucionalistas desenvolvidos nesta dissertação. O trabalho foi exploratório-descritivo de perspectiva longitudinal, com método qualitativo e abordagem histórica usou como fontes de dados entrevistas, pesquisa documental e hemerográfica. Os resultados apontaram para três momentos críticos da política de regulação ambiental no Estado. O primeiro, 1973 a 1981, relacionado à ideia de “guarda noturno”, devido às atitudes de legitimidade e não de resolubilidade dos problemas ambientais, indicou o início da submissão da proteção ambiental ao processo de desenvolvimento econômico no Paraná e, consequentemente, à Klabin-PR. A fraqueza da capacidade institucional do órgão público e a potencialização dos interesses políticos da indústria ilustraram o período. O segundo momento, 1981 a 1992, fez menção à ideia de “ouro de tolo” por meio do entendimento de que, apesar da melhora em seus recursos de poder, o órgão ambiental continuou submisso às diretrizes impostas pelo desenvolvimento econômico demonstrado, principalmente, através da continuidade da poluição e pelo aumento das redes políticas na região e das associações de classe da papeleira de Telêmaco Borba. O fato que marcou o período foi a participação da SANEPAR e do Município de Londrina em um movimento pela redução da poluição da Klabin. Evidenciava-se, pela primeira vez, o interesse do Estado no término da poluição no Tibagi, assim como os interesses contraditórios dentro do próprio modelo econômico capitalista. O terceiro e último momento, 1992 a 2002, mostrou as características

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do modelo liberal de gestão na política de regulação ambiental. A proposta pela autorregulação surgiu atrelada à redução da capacidade institucional do órgão e do instrumento de comando e controle para patamares mínimos. O resultado final foi a constatação de que a política de regulação ambiental nasceu em um contexto de dependência das arrecadações provinda das indústrias, assim como, da necessidade de barrar o desenvolvimento dessas mesmas indústrias para alcançar objetivos de proteção ambiental. Assim, a relação do órgão com a indústria Klabin-PR esteve pautada nos interesses políticos que direcionaram o não alcance dos resultados de proteção ambiental propostos pelo órgão. Dessa forma, a capacidade institucional do órgão público – contratações, profissionalizações, repasse de verbas, modernização, entre outros – não foi capaz de resolver os problemas ambientais da região de influência da Klabin-PR. 

Palavras-chave: Gestão ambiental; papel - indústria - aspectos ambientais; licenças ambientais; política ambiental.

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SOBRE OS AUTORES

Benilson BorinelliDoutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina e vice-coordenador do PPGA (Programa de Pós-Graduação em Administração). Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Política Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: política ambiental, economia solidária, responsabilidade social, instituições e meio ambiente.

Benny Kramer Costa Pós-doutor em Administração pela Universidade de São Paulo. Professor Titular do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Nove de Julho - UNINOVE e Professor Livre-Docente do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - USP. Editor-Chefe da Revista Iberoamericana de Estratégia – RIAE.

Bernardo Carlos Spaulonci Chiachia Matos de OliveiraDoutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atua em pesquisas na área de sustentabilidade, principalmente em trabalhos voltados a Economia Solidária e Consumo Consciente.

Dayanne Marciane GonçalvesMestre pelo Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Estadual de Londrina. Professora da Faculdade Guarapuava e Campo Real/ Guarapuava/ Pr. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Recursos Humanos, integrando o curso de Direito e Administração (Área de Ciências Sociais Aplicadas).

Edna Marta PelosiMestre em Administração pela Universidade Estadual de Londrina (2013). Possui MBA em Gestão Empresarial (2009). Atualmente atua como Administradora na Universidade Tecnológica Federal do Paraná e, como professora, atua prioritariamente nos seguintes temas: gestão socioambiental, socioeconomia, teoria das organizações, pensamento complexo.

Ivan de Souza DutraDoutor em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto da Universidade Estadual de Londrina. Coordenador do PPGA. Membro do Comitê Científico da Revista Capital Científico. Editor da Revista Organizações e Sustentabilidade.

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João Maurício Gama Boaventura Pós-Doutor em Administração na EAESP-FGV e Livre-Docente pela FEA-USP. Professor na Fundação Instituto de Administração FIA, da Fundação Escola Comércio Álvares - FECAP e do Programa de Mestrado em Administração da Universidade Paulista UNIP. Editor da Revista Brasileira em Gestão de Negócios RBGN e revisor da Revista de Administração - RAUSP, da Revista Gestão & Regionalidade, da Revista Angrad e da Revista Administração e Inovação - RAI. Avaliador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais INEP.

Luciano MunckDoutor em Administração pela Universidade de São Paulo. Professor Adjunto e Pesquisador do PPGA. Atualmente coordena o MBA em Gestão de Pessoas. Desenvolve pesquisas com publicações em periódicos e anais científicos como IJESD, RAM, RAUSP e ENANPAD. Bolsista Produtividade da Fundação Araucária. Pós-doutorando pela Western University, Canadá, com pesquisas na área de criação de valores sustentáveis para os negócios.

Luis Miguel Luzio dos Santos Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Adjunto da Universidade Estadual de Londrina. Professor do PPGA. Coautor dos livros: “Economia Solidária em Londrina” e “Economia Solidária numa pluralidade de perspectivas”.

Mário Nei PacagnanPós-Doutorado pela PUC-Pr. Doutor em Administração pela FEA-USP. Cursos na Tsinghua University School of Economics And Management de Beinjing e na Shanghai University Of Finance Ad Economics. Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Londrina. Pesquisador em Estratégia e Marketing. Atua principalmente nos seguintes temas: administração, estrategia, marketing, construção civil e sustentabilidade.

Marlene MarchioriPós-doutora em Comunicação Organizacional pela Purdue University, dos Estados Unidos. Doutora pela Universidade de São Paulo, com estudos desenvolvidos no Theory, Culture and Society Centre da Notthingham Trent University, do Reino Unido. Professora Sênior do PPGA.

Paulo BassaniDocente do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Londrina. Professor do PPGA. Coordenador desde 2003 do GEAMA- Grupo de Estudos Avançados sobre o Meio Ambiente.

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Rafael Borim-de-SouzaDoutor em Administração na linha de Inovação e Tecnologia pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Paraná (PPGADM-UFPR). Pós-doutorando em Administração pela Universidade Estadual de Londrina. Docente do curso de Administração da Universidade Estadual de Londrina – UEL.

Saulo Fabiano Amâncio Vieira Doutor em Administração pela Universidade Nove de Julho. Professor Adjunto do Departamento de Administração da Universidade Estadual de Londrina e do PPGA/UEL. Tem experiência na área de Administração, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão Pública, Estratégia, Análise de stakeholders, Empreendedorismo e Inovação.

Sonia Regina Vargas Mansano Docente do Departamento de Psicologia Social e Institucional e do PPGA da Universidade Estadual de Londrina. Doutorado e Pós-Doutorado em Psicologia Clínica pela PUC/SP. Autora dos livros: “Vida e Profissão: Cartografando trajetórias” (2003) e “Sorria: você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle” (2009), ambos publicados pela Editora Summus.

Thayla Emanuelle da Silva FerreiraGraduada em Administração pela Universidade Estadual de Londrina (2009). Técnica de gestão pública da Prefeitura Municipal de Londrina. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Responsabilidade Social; Planejamento e Recursos Humanos.

Valéria Neder LopesMestre em Administração pela Universidade Estadual de Londrina, especialista em Marketing, Comunicação e Negócios. É professora titular de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Norte do Paraná. Possui experiência na área empresarial, relacionadas ao Marketing, Marketing Ambiental e Sustentabilidade.

Viviane Celina Carmona Mestre em Administração de Empresas. Possui MBA em Economia do Turismo pela FIPE - USP. Atualmente é Coordenadora do curso de Administração a distância (EAD) e Docente da FAE - Faculdade de Administração e Economia da Universidade Metodista de São Paulo. Tem experiência na área de Administração, Turismo e Internacionalização.

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CRÉDITOS

Parte dos capítulos que compõem esta coletânea foram publicados previamente na forma de artigos em periódicos científicos. Agradecemos a todos os editores que, gentilmente, cederam estes materiais para republicação.

ANÁLISE DE STAKEHOLDERS APLICADA EM ÓRGÃOS PÚBLICOS: O CASO DA SECRETARIA DE ESTADO DO TURISMO DO PARANÁRevista de Ciências da Administração, n. 13-31, 2011.

OS DESAFIOS DA COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕESConexão – Comunicação e Cultura – UCS – Caxias do Sol, vol. 9, n. 17, 2010.

COMPREENSÃO DO DESENvOLvIMENTO SUSTENTÁvEL EM CONTExTOS ORGANIZACIONAIS A PARTIR DO ESTABELE-CIMENTO DE TIPOS IDEAIS Organizações & Sociedade, vol. 20, n. 67, 2013.

MARKETING vERDE E PRÁTICAS SOCIOAMBIENTAIS NAS INDÚSTRIAS DO PARANÁRevista de Administração, RAUSP, vol.49, n.1, jan/fev/mar 2014.

PROBLEMAS AMBIENTAIS E OS LIMITES DA POLÍTICA AMBIENTALServiço Social em Revista, vol. 13, n. 2, 2011.

AvANÇOS E LIMITES DA POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: UM ESTUDO DO PROCESSO DE INCUBAGEM DE EMPREENDIMENTOS DO PROGRAMA MUNICIPAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DE LONDRINA – PARANÁ Observatorio de la Economía Latinoamericana, n. 167, 2012.

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TEORIA DA COMPLExIDADE E AS MÚLTIPLAS ABORDAGENS PARA COMPREENDER A REALIDADE SOCIAL Serviço Social em Revista, vol.14, n. 2, 2012.

ALGUNS DESAFIOS COLOCADOS PARA A PESqUISA qUALITATIvA NA CONTEMPORANEIDADE Revista Espaço Acadêmico, n. 136, Set. 2012.

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