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INSTITUTO MATERNO INFANTIL PROFESSOR FERNANDO FIGUEIRA – IMIP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE MATERNO INFANTIL CURSO DE MESTRADO PERCEPÇÕES E SENTIMENTOS DOS CUIDADORES SOBRE A QUALIDADE DE VIDA DE CRIANÇAS MENORES DE CINCO ANOS COM PARALISIA CEREBRAL DORALICE RIBEIRO GOUVEIA LIMA RECIFE - 2008

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INSTITUTO MATERNO INFANTIL PROFESSOR FERNANDO FIGUEIRA – IMIP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE MATERNO INFANTIL

CURSO DE MESTRADO

PERCEPÇÕES E SENTIMENTOS DOS CUIDADORES SOBRE A

QUALIDADE DE VIDA DE CRIANÇAS MENORES DE CINCO

ANOS COM PARALISIA CEREBRAL

DORALICE RIBEIRO GOUVEIA LIMA

RECIFE - 2008

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INSTITUTO MATERNO INFANTIL PROFESSOR FERNANDO FIGUEIRA – IMIP

PERCEPÇÕES E SENTIMENTOS DOS CUIDADORES SOBRE A

QUALIDADE DE VIDA DE CRIANÇAS MENORES DE CINCO ANOS COM

PARALISIA CEREBRAL

Dissertação apresentada ao Colegiado

do Programa de Pós-Graduação stricto

sensu em Saúde Materno Infantil do

IMIP como parte dos requisitos para

obtenção do grau de Mestre em Saúde

Materno Infantil.

ORIENTADORA: Profa.Dra. Katia Virginia de Oliveira Feliciano

CO-ORIENTADORA: Profa.Dra. Ana Rodrigues Falbo

RECIFE – 2008

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DEDICATÓRIA

Ao meu pai, Fernando Gouveia, sempre presente em minha vida. A minha mãe, Maria

José Gouveia, que não está mais aqui, mas que ia gostar de ver este momento.

Às mães das crianças, que confiaram em mim e se expuseram em relatos tão profundos

e delicados.

A minha orientadora, Kátia Feliciano, pela compreensão, empenho, dedicação e apoio.

Muito obrigada. Mesmo.

Foram muitas as crianças que caminharam ao meu lado durante os últimos 17 anos de

profissão. Dedico este trabalho a cada uma delas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus que é minha fonte de bem estar e de Vida. Meu refúgio.

A minha família, que caminha ao meu lado.

A minha co-orientadora, Ana Falbo, pela dedicação e suporte.

Ao IMIP pelas oportunidades oferecidas para o meu crescimento profissional.

Aos profissionais do setor de Fisioterapia Respiratória do IMIP, principalmente,

Aninha, Marcela e Theresa.

A Elizabete Rejane Oliveira dos Santos, obrigada pelo empenho e pela atenção nas

transcrições.

A todos os professores do mestrado pelo compartilhamento dos seus conhecimentos.

A todos que de alguma forma contribuíram para construção deste trabalho.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CIDID Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e

Desvantagens

CHQ Children Health Questionnaire

CQ Caregiver Questionnaire

ICF International Classification of Functioning, Disability

and Health

IMIP Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira

INSS Instituto Nacional de Seguro Social

LAQ Lifestyle Assessment Questionnaire

OMS Organização Mundial de Saúde

PC Paralisia Cerebral

PODCI Pediatric Outcomes Data Collection Instrument

SUS Sistema Único de Saúde

WHOQOL Group Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde

World Health Organization Quality of Life Group

WHOQOL-100 Instrumento de avaliação de Qualidade de Vida

World Health Organization Quality of Life Assesment

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RESUMO

Estudos têm mostrado a importância das expectativas dos principais responsáveis pelos

cuidados sobre a qualidade de vida da criança com problema neuropsicomotor. As

percepções dos cuidadores sobre a qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral

(PC) estão profundamente relacionadas ao investimento na reabilitação da criança. O

objetivo desta pesquisa foi compreender as percepções dos cuidadores acerca da

qualidade de vida de crianças menores de cinco anos com PC. Trata-se de pesquisa

qualitativa realizada no Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, no Recife, de

fevereiro a julho de 2007, incluindo sete mães, principais cuidadores de crianças

menores de cinco anos com PC diagnosticada há mais de seis meses. Para coleta de

dados foram utilizados: um formulário para caracterização clínica da criança e um

roteiro para entrevista semi-estruturada com o cuidador. As entrevistas foram gravadas

e transcritas na íntegra, com o número total de informantes sendo definido por

saturação. Na análise foram identificados os “núcleos de sentido” expressados como

categorias empíricas desenvolvidas pelos participantes, estando relacionadas à

qualidade de vida. As crianças são de ambos os sexos, com idade entre 10 e 58 meses,

todas apresentando deficiência severa. Em um contexto de dependência econômica e

isolamento social, evidencia-se a multidimensionalidade da percepção dos cuidadores

acerca da qualidade de vida dessas crianças: dependência física, reabilitação, conforto,

estabilidade financeira, condições psicológicas, suporte dos serviços de saúde, apoio

familiar, ambiente físico, aceitação social, amor e carinho. É conferida enorme

valorização ao tratamento reabilitador, considerado como elemento central para inclusão

social e bem-estar das crianças. As mães estão empenhadas em assegurar acesso aos

serviços de reabilitação e realizar o reforço domiciliar do trabalho efetuado pelos

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profissionais, sobretudo na fisioterapia motora, apesar das dificuldades no acesso

organizacional, suporte informacional insuficiente e limitações do transporte. Essas

mães que vivem sob precárias condições de sobrevivência e sob constante sobrecarga

física e emocional estão submetidas a restrições para o exercício da cidadania. Isso

mostra a importância de fortalecer as abordagens terapêuticas que visam melhorar a

qualidade de vida, tomando como referência o contexto sociocultural e o ambiente da

vida diária para identificar as necessidades individuais, familiares e sociais.

Palavras-chave: Paralisia Cerebral, Qualidade de vida, Cuidadores, Reabilitação,

Saúde da Criança, Promoção da Saúde.

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ABSTRACT

Studies have shown the importance of the expectations of those mainly responsible for

the children with neurodevelopmental disabilities and their quality of life concerns. The

investments in rehabilitation are deeply affected by their perceptions of the well-being

of children. The objective this research was to understanding the caregiver’s perceptions

about the quality of life of children with cerebral palsy (CP). This qualitative research

was carried out, from February to July 2007, at the Prof. Fernando Figueira

Maternal/Infant Institute (IMIP), in Recife, including seven mothers who are the main

caregivers for children under five years of age who were clinically diagnosed with CP

in IMIP more than six months ago. In data collection were used: a structured form to

obtain information from the children’s clinical history and a guide for semi-structured

interview. The interviews were recorded and integrally transcribed and the total number

of the informants was defined by saturation. In analysis were identified the “meaning

unit” that expressed themselves as empirical categories developed by the participants

themselves concerning quality of life. The children are from both genders, aged

between 10 and 58 months, all have shown severe deficiencies. In an economic

dependence and social isolation context, the reports show the multi dimensions of

perceptions concerning aspects related to the quality of life of these children: financial

stability, independence concerning daily activities, rehabilitation, physical comfort,

psychological state, health services, family support, physical environment, social

acceptance, love and care. The mothers give enormous value to rehabilitation treatment,

considering it as a central element for the children’s social inclusion and well-being.

They are engaged in assuring access to rehabilitation services, mainly concerning motor

physiotherapy, despite the difficulties for organizational access, insufficient information

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support and transportation limitations. These caregivers who live under precarious

conditions of survival and under constant physical and emotional drain show limitations

for exercising their citizenship. Its reveal the importance of strengthening therapeutic

approaches that aim at improving the quality of life, taking as a reference the socio-

cultural and daily life environment context in order to identify individual, family and

social needs.

Key words: Cerebral Palsy, Quality of life, Caregivers, Rehabilitation, Child Health,

Health Promotion.

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SUMÁRIO

DEDICATÓRIA

III

AGRADECIMENTOS

IV

LISTA DE ABREVIATURAS

VI

RESUMO

VII

ABSTRACT

VIII

I. INTRODUÇÃO 1

II. JUSTIFICATIVA 7

III. OBJETIVOS 8

3.1. Objetivo Geral 8

3.2. Objetivos Específicos 8

IV. MÉTODOS 9

4.1. Campo de pesquisa 9

4.2. Trabalho de campo 10

4.3. Análise do material 12

V. ASPÉCTOS ÉTICOS 14

VI. RESULTADOS 15

6.1. Percepções de cuidadores de baixa condição socioeconômica acerca da qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral

16

6.2. Reabilitação e qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral: a visão dos cuidadores

35

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

55

VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

56

APÊNDICES 59

1. Formulário para caracterização clínica da criança portadora de paralisia cerebral

60

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2. Roteiro para entrevista semi-estruturada com cuidadores 61

3. Termo de consentimento livre e esclarecido 64

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I. INTRODUÇÃO

A qualidade de vida dos portadores de paralisia cerebral adquire importância no

mundo à medida que a sua freqüência vem crescendo, devido, em particular nos países

desenvolvidos, ao efeito adverso da utilização de novas tecnologias que têm propiciado

o aumento da sobrevivência de recém-nascidos prematuros e com peso abaixo de

1500gr1-3. Nos países desenvolvidos a incidência da paralisia cerebral é estimada entre

1,5 e 2,5 por 1000 nascimentos4,5, enquanto nos subdesenvolvidos esta incidência tem

alcançado índices de 7 por 1000 nascimentos6. No Brasil, estima-se que ocorram entre

30000 e 40000 novos casos por ano6.

A paralisia cerebral foi originalmente descrita por William Little, em 1861. Para

Little, o parto prematuro, laborioso ou que causasse lesões na cabeça ou pescoço do

bebê, durante o nascimento, poderia causar alterações nos membros do neonato e

rigidez espástica decorrente da asfixia7. Em 2004 foi realizado Workshop Internacional

sobre Definição e Classificação de Paralisia Cerebral, com o objetivo de refinar e

atualizar o conceito da doença com base nos conhecimentos emergentes. Sob a

concordância do grupo de expertos a paralisia cerebral passou a ser definida como

sendo um agrupamento de alterações do desenvolvimento do movimento e postura,

causando limitação da atividade, que são atribuídas a distúrbio cerebral não-

progressivo, ocorrido na fase pré-natal, natal ou pós-natal8.

Os fatores de risco para paralisia cerebral estão associados à história de

abortamento espontâneo, baixo nível socioeconômico, intervalos muito longos ou muito

curtos entre as gestações, histórico familiar de doença motora, presença de

malformações congênitas, retardo do crescimento fetal intra-uterino, gravidez gemelar,

anormalidades na apresentação do feto, hipertiroidismo materno, uso de hormônio

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tiroidiano e estrógenos. Durante o período perinatal está relacionada ao descolamento

prematuro da placenta, anóxia intra-uterina, prematuridade, presença de mecônio,

valores baixos do Apgar, encefalopatia do recém-nascido e alterações inespecíficas,

como bradicardia fetal, entre outras 9.

As principais características clínicas da paralisia cerebral são as alterações

motoras, apresentando-se, de acordo com o critério topográfico, sob a forma de

quadriplegia, hemiplegia e diplegia ou segundo a disfunção motora como tipos

espásticos, discinéticos, incluindo os hipotônicos, coreoatetóides e os atáxicos e mistos9.

A maioria dos casos é do tipo misto, ainda que seja possível identificar qual a disfunção

motora predominante e os vários tipos de paralisia cerebral apresentam diferenças

importantes no grau de deficiência e na limitação do desempenho pessoal5.

As deficiências motoras tendem a ser acompanhadas por problemas visuais,

auditivos e cognitivos, alterações da fala, do comportamento e da aprendizagem,

epilepsia, complicações ortopédicas (escoliose, instabilidade articular), disfunções do

intestino e bexiga, disartria, disfagia, bem como as alterações do crescimento e da

nutrição 1,9. A criança portadora de paralisia cerebral pode apresentar níveis normais de

inteligência ou atraso intelectual devido não apenas às lesões cerebrais, mas também à

falta de experiências resultante de suas deficiências10.

Desde 1989, de acordo com a Classificação Internacional de Deficiências,

Incapacidades e Desvantagens (CIDID), elaborada pela Organização Mundial da Saúde

(OMS), a deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função

psicológica, fisiológica ou anatômica. A incapacidade é toda restrição ou falta da

capacidade de realizar uma atividade na forma ou na medida em que se considera

normal para um ser humano, a qual decorrente de uma deficiência. Já a desvantagem é

uma situação prejudicial para um determinado indivíduo, em conseqüência de uma

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deficiência ou uma incapacidade que limita ou impede o desempenho de um papel que é

normal em seu caso, por exemplo, em função da idade, sexo e fatores sociais e

culturais11.

A melhoria da qualidade de vida representa um desafio importante das políticas

públicas relacionadas às pessoas com necessidades especiais. No Brasil, apesar de

assegurada pela Constituição Federal11 de 1988 e pela legislação12 produzida desde

então, tem sido complexa a construção de parcerias entre níveis de governo para

viabilizar a proteção ao portador de deficiência. Isso implica na criação de ambientes

favoráveis em relação às idéias e aos valores sobre a deficiência e ao desenvolvimento

das potencialidades na vida diária, levando em conta a locomoção nos espaços públicos

e domiciliares, o lazer, o esporte, o acesso à informação e o apoio dos serviços sociais e

de saúde. A participação da sociedade, do governo e das instituições não-

governamentais é elemento imprescindível para concretizar essas transformações11.

Os serviços de saúde desempenham um papel fundamental na qualidade de vida

da criança com paralisia cerebral, fundamentalmente, mediante a melhoria da

funcionalidade, isto é, do aumento da capacidade potencial da criança, considerando a

sua condição particular, em termos de locomoção, desenvolvimento cognitivo, interação

social e independência11. Estudos sobre qualidade de vida relacionada à saúde de

crianças com este agravo mostram a valorização da função física e da limitação devido à

função física pelas crianças doentes e seus cuidadores14-17.

Apesar da responsabilidade dos serviços de saúde na definição do diagnóstico, o

suporte fornecido por esses serviços passa a ter um significado especial a partir do

momento em que a família é informada que a criança é portadora de paralisia cerebral.

O grau de dependência de longo prazo da criança, cuja presença no meio familiar

exigirá redefinições de papéis e mudanças no cotidiano de cada membro desse núcleo,

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faz com que seja muito importante a compreensão e o envolvimento dos pais desde a

época do diagnóstico1, 17.

O trabalho executado pela equipe de saúde é também essencial para o manejo

domiciliar das necessidades produzidas pela paralisia cerebral. A família precisa

compreender a relevância do manuseio na reabilitação da criança, pois a falta de

orientação para alimentar, dar banho, pegar ao colo e ajudar na locomoção, tem

conseqüências bastante negativas sobre o seu desenvolvimento, uma vez que cria

dificuldades para que seja cuidada de maneira adequada, podendo tornar mais

vulnerável a relação mãe-filho10.

Nesse sentido, as intervenções precoces e intensivas produzem melhores

resultados em relação à criança com paralisia cerebral e favorecem a adaptação da

família, pois aumentam a segurança para lidar com as necessidades especiais5,10.

Convém se atentar que a adaptação das famílias que vivenciam essa situação está

relacionada tanto à gravidade da deficiência, ao grau de dependência e ao temperamento

da criança, quanto às características da organização familiar, ao nível socioeconômico e

à escolaridade dos pais, além da disponibilidade de suporte dos serviços sociais e de

saúde10.

Na busca de qualidade de vida para a criança com paralisia cerebral, as

expectativas sobre o sucesso do seu processo de reabilitação fazem com que as mães e

as famílias tenham muitos questionamentos sobre o futuro, tais como: se a criança vai

conseguir andar, falar e compreender as pessoas, se ela vai poder freqüentar a escola

com outras crianças, etc. As expectativas se transformam ao longo do tempo em

decorrência das vivências, assim, na medida em que vai sendo adquirida uma melhor

compreensão do diagnóstico e da complexidade do manejo diário da doença, existe uma

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tendência para que aumentem também o nível de exigência em relação ao tratamento

oferecido à criança, visando à obtenção de resultados10.

Souza e Pires10 relacionam a intensidade do investimento na reabilitação da

criança com paralisia cerebral ao grau de expectativas maternas, tendo constatado uma

relação direta entre expectativas positivas e maior investimento no tratamento da

criança. Convém atentar para a influência das condições de sobrevivência e dos

significados atribuídos à paralisia cerebral sobre as expectativas dos cuidadores, pois, a

satisfação relacionada à qualidade de vida pode indicar baixas expectativas sobre a

reabilitação e habilitação da criança.

A contribuição dos serviços sociais e de saúde para qualidade de vida destas

crianças depende da compreensão da experiência dos seus cuidadores10,17. Cabe lembrar

que são distintos os significados assumidos pela qualidade de vida que comumente é

percebida pelas pessoas como uma maior ou menor distância em relação aos padrões de

conforto e bem-estar estabelecidos como referência num determinado contexto

sociocultural. Esses parâmetros abrangem as necessidades como alimentação,

saneamento, habitação, trabalho, educação, saúde e lazer, além de amor, liberdade,

solidariedade e inserção social, realização pessoal e felicidade, relacionando o bem-estar

objetivo e subjetivo em múltiplos domínios da vida com as metas, expectativas e

interesses das pessoas18,19.

Na conceituação de qualidade de vida identifica-se uma vertente genérica que não

menciona agravos e outra relacionada à saúde que pode se restringir aos sintomas e às

disfunções ou ter um caráter multidimensional embora enfatize os sintomas,

incapacidades ou limitações ocasionadas por enfermidade 15,16,19,20. Para Waters et al.,15

o recurso às escalas específicas, focalizadas nas dificuldades e limitações físicas em

detrimento das dimensões positivas, na avaliação da qualidade de vida relacionada à

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saúde em crianças com paralisia cerebral é um indicativo da falta de uma visão mais

ampla do conceito e da inexistência de escalas que avaliem de fato a qualidade de vida

nestas crianças.

Além do mais, convém chamar a atenção que as escalas disponíveis avaliam

domínios que foram pré-definidos por clínicos e pesquisadores, traduzindo o ponto de

vista técnico sobre o problema. Com o propósito de acrescentar uma outra perspectiva,

nos últimos anos, tem havido uma valorização crescente dos métodos qualitativos para

conhecer os principais significados, valores e sentimentos ao redor das quais se

organizam os discursos sobre a qualidade de vida das crianças portadores deste agravo,

tentando uma maior compreensão da visão das crianças e dos seus principais

cuidadores15,16,19,20.

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II. JUSTIFICATIVA

As expectativas dos cuidadores quanto à qualidade de vida da criança com

paralisia cerebral estão profundamente relacionadas ao investimento na sua reabilitação

e habilitação. Além disso, resultados positivos atribuídos a esse investimento podem

reforçar a disposição para enfrentar novos desafios, em virtude da antevisão de outras

conquistas no desenvolvimento das potencialidades da criança na vida cotidiana10,17,21.

Apesar de que a contribuição dos serviços sociais e de saúde é condicionada pelas

percepções e sentimentos de cuidadores acerca da qualidade de vida da criança, no

Brasil, são escassos os estudos qualitativos sobre esta temática.

A abordagem utilizada neste estudo está de acordo com as diretrizes da Política

Nacional de Humanização, do Ministério da Saúde22, na medida em que valoriza as

experiências dos usuários, com o propósito de levar em conta, no processo de atenção à

saúde, as suas necessidades, desejos e interesses. A transformação das práticas em saúde

pressupõe que seja dado o devido valor aos aspectos subjetivos nelas presentes. A

melhoria da qualidade de vida das crianças portadoras de paralisia cerebral decorre, ao

menos em parte, da qualidade e eficiência dos serviços prestados por instituições

solidárias que acolhem aos seus cuidadores.

Este estudo é relevante, também, para o IMIP que atua como serviço de referência

para diagnóstico e tratamento de portadores de paralisia cerebral. Uma maior

compreensão dos significados conferidos à qualidade de vida por cuidadores que

demandam diretamente à unidade, certamente, poderá constituir-se como importante

estímulo para mudanças dos conceitos e práticas de sua equipe multidisciplinar, no

sentido de proporcionar assistência mais humanizada e integral ao portador de

deficiência e seus familiares.

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III. OBJETIVOS

3.1. Geral

Compreender as percepções e os sentimentos de cuidadores em relação à

qualidade de vida de crianças menores de cinco anos portadoras de paralisia cerebral.

3.2. Específicos

3.2.1. Descrever as características sociais, econômicas e demográficas da criança,

da família e do seu cuidador.

3.2.2. Caracterizar o tipo de paralisia cerebral, as disfunções do desenvolvimento,

as morbidades associadas e o suporte oferecido pelos serviços sociais e de

saúde.

3.2.3. Reconstruir a rotina de cuidados, evidenciando as percepções e os

sentimentos do cuidador sobre as necessidades especiais e a qualidade de

vida da criança.

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IV. MÉTODOS

Estudo qualitativo que utilizou a representação social como meio para

compreender as percepções, as opiniões e os sentimentos de cuidadores acerca da

qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral. Adotou-se a conceituação de

Minayo23 que considera as representações sociais como categorias de pensamento, ação

e sentimento que expressam dada realidade, à medida que a explicam, justificam ou

questionam. Assim, o contexto social pode ser apreendido como um mundo de

significados passíveis de investigação e a linguagem comum ou “fala” é a matéria-

prima para conhecer as distintas maneiras de pensar, sentir e agir em relação à saúde e à

doença.

4.1. Campo de pesquisa

Este estudo foi realizado no Ambulatório de Fisioterapia do Instituto Materno

Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), hospital credenciado pelos Ministérios da

Saúde e da Educação como, respectivamente, Centro Nacional de Referência para

Programas de Assistência Integral à Saúde da Mulher e da Criança e Hospital de

Ensino, localizado na cidade do Recife, Pernambuco. Nesse Serviço, as crianças com

paralisia cerebral que fazem acompanhamento ambulatorial, bem como aquelas que

estão hospitalizadas, são atendidas por equipe multidisciplinar, especializada em

pediatria, integrada por psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, nutricionistas,

odontólogos, enfermeiros e médicos especialistas de distintas áreas do conhecimento.

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4.2. Trabalho de campo

A coleta de dados foi realizada de fevereiro a julho de 2007, com a seleção sendo

feita por conveniência. Foram identificadas nove mães, principais cuidadores, de

crianças menores de cinco anos de idade com paralisia cerebral, independentemente do

grau de incapacidade, cujo diagnóstico clínico havia sido estabelecido há mais de seis

meses. Excluiu-se um cuidador por dificuldade de expressar aspectos fundamentais da

experiência e outro cuja criança era portadora de deficiência moderada. Restaram sete

cuidadores de crianças com a forma grave da doença.

A adoção destes critérios de inclusão é uma decorrência do reconhecimento de

que: (1) as intervenções mais precoces dos serviços de saúde produzem melhores

resultados no tocante à reabilitação da criança com deficiência5,10; e (2) a definição do

diagnóstico pelo profissional tende a provocar mudanças no significado e manejo dado

à doença por enfermos e cuidadores24. O que torna essencial a delimitação de um tempo

mínimo para o diagnóstico de paralisia cerebral.

Para coleta de dados foram utilizados: (1) um formulário estruturado para

caracterizar, a partir das informações registradas no prontuário da criança: o tipo de

paralisia cerebral, as disfunções do desenvolvimento neuropsicomotor, os distúrbios

associados, as doenças secundárias, as internações e as indicações para tratamento

reabilitador (Apêndice 1); e (2) um roteiro para entrevista semi-estruturada com a

pessoa que é a principal responsável pelo cuidado da criança portadora de paralisia

cerebral, contemplando as seguintes dimensões: características sócio-demográficas,

suporte dos serviços sociais, suporte dos serviços de saúde, cotidiano do cuidado à

criança especial, percepções e sentimentos relacionados às necessidades especiais e

qualidade de vida da criança10,13,17. (Apêndice 2).

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Para fins de aprimoramento do roteiro e preparação do pesquisador para lidar de

maneira qualificada com a prática da entrevista semi-estruturada, foi realizado um

estudo piloto. A entrevista semi-estruturada é uma técnica de pesquisa que exige do

pesquisador as seguintes habilidades: ser capaz de fazer boas perguntas e interpretar as

respostas; ser um bom ouvinte, não se deixando enganar por suas próprias pré-

concepções; ter uma noção clara das questões que estão sendo estudadas; ter capacidade

de ser adaptável e flexível para tirar vantagem da confrontação dos itens previstos com

as vivências particulares, permitindo identificar o que requer maior exploração em cada

depoimento25.

As entrevistas foram realizadas em sala cedida pelo IMIP, após agendamento,

utilizando gravador para garantir a qualidade do registro dos depoimentos. A duração de

cada sessão de entrevista dependeu da disponibilidade do informante, tendo sido gasto,

em média, 50 minutos. As entrevistas foram conduzidas de forma a estimular o relato

do cotidiano de cuidados especiais, a partir das quais foram exploradas as vivências

particulares, com base nos aspectos contemplados no roteiro. Foram realizadas duas

sessões com cada informante. As características paralingüísticas não foram trabalhadas,

mas foi dedicada atenção aos sentimentos e reações dos participantes, bem como à

interação do pesquisador e do pesquisado 23,25.

As percepções sobre a situação da entrevista e as informações dadas com o

gravador desligado foram registradas no caderno de campo como notas breves.22 Após

cada sessão, a entrevista foi transcrita na íntegra para que fosse feita uma cuidadosa

aproximação a todo material produzido, avaliando a necessidade de realizar outras

sessões. A coleta dos dados foi finalizada quando as informações começaram a se

repetir, evidenciando um processo de saturação23.

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4.3. Análise do material

Após a organização do material, a análise de cada entrevista foi iniciada pela

leitura flutuante seguida pelo exame minucioso para compreender as idéias nucleares

em relação aos eixos temáticos que expressam as vivências e as percepções desses

cuidadores: comunicação do diagnóstico, cotidiano de cuidados, rede informal de apoio,

rede formal de suporte, reações paternas, reações de familiares e amigos, mudanças na

vida familiar, preocupações maternas, sentimentos maternos e expectativas maternas.

Este processo de interpretação das falas levou à definição dos “núcleos de sentido” que

se expressaram como categorias empíricas desenvolvidas pelos próprios participantes,

dizendo respeito aos domínios da qualidade de vida: limitação devido à função,

reabilitação, conforto, estabilidade financeira, condições psicológicas, suporte dos

serviços de saúde, apoio familiar, ambiente físico e aceitação social. A unidade de

contexto foi a entrevista como um todo23,27.

Para aprofundar a compreensão dos “núcleos de sentido” das mensagens contidas

nos depoimentos, as técnicas de análise de conteúdo27 foram submetidas ao que

Minayo23 denomina de superação dialética, assim os significados manifestos e latentes

serão interpretados tendo como referência o contexto sócio-histórico. Ou seja, a

linguagem deve ser analisada sempre em relação a uma situação em que faz sentido, até

porque o que se pretende é compreender a realidade sobre a qual os cuidadores estão

falando. Por meio da leitura transversal serão identificadas as principais tendências nos

conjuntos diferenciados de entrevistas.

Quanto à generalização de seus resultados, vários autores de distintas correntes de

pensamento, tais como Yin25, Bardin27, Patton28 e Worthen et al.29, entre outros, adotam

uma posição semelhante com relação à validade externa da pesquisa qualitativa, ou seja,

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a aplicação de seus resultados a outros contextos não é automática, pressupondo a

mediação interpretativa, a compreensão da especificidade do contexto. É a mediação

interpretativa que torna possível a comparação de resultados de estudos desenvolvidos

em grupos e contextos diferentes, assim como a utilização de idéias desenvolvidas em

uma pesquisa como instrumento para analisar outros dados.

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V. ASPECTOS ÉTICOS

Os cuidadores selecionados foram informados sobre os objetivos e a importância

da pesquisa, o caráter espontâneo da participação e o sigilo da informação, tendo

assinado o consentimento livre e esclarecido (Apêndice 3), respeitando-se os princípios

éticos para pesquisa envolvendo seres humanos, de acordo com os postulados da

declaração de Helsinque (emendada em Hong-Kong, 1989) e a resolução 196/1996 do

Conselho Nacional de Saúde. O trabalho de campo deste estudo foi iniciado somente

após a sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMIP, de acordo com o

parecer nº874 emitido em 09 de outubro de 2006.

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VI. RESULTADOS

Os resultados desta pesquisa estão sendo apresentados na forma de dois artigos

para publicação.

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6.1 Percepções de cuidadores de baixa condição socioeconômica acerca

da qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral

Doralice Ribeiro Gouveia Lima1

Katia Virginia de Oliveira Feliciano2

Ana Rodrigues Falbo3

1. Fisioterapeuta. Ambulatório de Fisioterapia Respiratória do Instituto Materno Infantil

Professor Fernando Figueira (IMIP). Aluna do Mestrado em Saúde Materno Infantil do

IMIP.

2. Médica sanitarista. Docente PhD do Curso de Pós-graduação em Saúde Materno

Infantil do IMIP.

3. Médica pediatra. Docente PhD do Curso de Pós-graduação em Saúde Materno

Infantil do IMIP.

Autor responsável: Doralice Ribeiro Gouveia Lima

e-mail: [email protected]

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Resumo

Estudos têm mostrado que as decisões relacionadas com o investimento na reabilitação

são profundamente afetadas pelas percepções dos principais responsáveis pelos

cuidados acerca do bem-estar da criança com problema neuropsicomotor. O objetivo

deste artigo é contribuir para a compreensão de significados e intencionalidade das

vivências relacionadas à qualidade de vida da criança com paralisia cerebral. Método:

pesquisa qualitativa realizada no Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira,

Recife, Nordeste, Brasil, incluindo sete mães, principais cuidadores de crianças menores

de cinco anos com paralisia cerebral. Utilizaram-se formulário para caracterizar quadro

clínico e entrevista semi-estruturada para, mediante análise de conteúdo, apreender as

“unidades de sentido” relacionadas à qualidade de vida. Resultados: num contexto de

dependência econômica e isolamento social, os relatos evidenciam a

multidimensionalidade da percepção dos aspectos relacionados à qualidade de vida da

criança com deficiência: dependência nas atividades diárias, reabilitação, conforto,

estabilidade financeira, condições psicológicas, serviços de saúde, apoio familiar,

ambiente físico, aceitação social, amor e carinho. Apesar das expectativas acerca das

transformações do ambiente físico e social e do acesso a serviços especializados, a

participação social não foi mencionada como instrumento de luta. Conclusões: o

profundo desgaste físico e emocional de mães que vivem premidas pelas necessidades

da criança especial, sob precárias condições de sobrevivência, mostra as restrições para

exercício da cidadania e o descompasso entre o que é percebido como necessário e o

que de fato é buscado para propiciar bem-estar à criança.

Palavras-chave: Paralisia Cerebral, Qualidade de Vida, Saúde da Criança, Cuidadores,

Promoção da Saúde

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Abstract

Background: Studies have shown that decisions related to investments in rehabilitation

are deeply affected by the perceptions of those mainly responsible for the caring of the

well-being of children with neurodevelopmental disabilities. This article aims to

contribute to the understanding of the meaning and intentionality of the experiences

related to the quality of life of children with cerebral palsy. Method: qualitative

research carried out at the Maternal/Infant Institute, Recife, Brazil, including seven

mothers who are the main caregivers for children under five years of age with CP. A

form was used to characterize the clinical picture and a semi-structured interview

through content analysis to comprise the “meaning units” interesting quality of life.

Results: in an economic dependence and social isolation context, the reports show the

multi dimensions of perceptions concerning aspects related to the quality of life of these

children: financial stability, independence concerning daily activities, rehabilitation,

physical comfort, psychological state, health services, family support, physical

environment, social acceptance, love and care. Despite the expectations concerning

changes in the physical and social environment as well as changes regarding access to

specialized services, social participation was not an area of concern. Conclusions: these

mothers who live burdened by their children’s special needs, who live under precarious

conditions of survival and under constant physical and emotional drain show limitations

for exercising their citizenship and the disparity between what is perceived as necessary

for their care and what is in fact looked for to provide for the children’s well-being.

Key words: Cerebral palsy, Quality of life, Child Health, Caregivers, Promotion of

Health.

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Introdução

Este artigo aborda as percepções de cuidadores acerca da qualidade de vida de

crianças com paralisia cerebral (PC), a partir dos sentidos presentes nos depoimentos

sobre as vivências cotidianas. Estudos têm mostrado a importância das expectativas dos

principais responsáveis pelos cuidados sobre a qualidade de vida da criança com

problema neuropsicomotor1,2. Sousa e Pires3 associam a intensidade do investimento na

reabilitação às antevisões positivas dos resultados e os resultados positivos atribuídos ao

investimento, a uma maior disposição para enfrentar novos desafios. A contribuição dos

serviços sociais e de saúde para qualidade de vida destas crianças, sobretudo quando a

deficiência é grave, depende da compreensão da experiência dos seus cuidadores.

A PC é definida como um grupo de desordens não progressivas do

desenvolvimento, movimento e postura que provoca limitação de atividade. Desordens

passíveis de mudanças com a idade, resultantes de lesões cerebrais ocorridas no período

pré-natal, perinatal ou pós-natal4. As deficiências motoras tendem a ser acompanhadas

por epilepsia, problemas visuais e auditivos, distúrbios da comunicação, percepção,

comportamento e aprendizagem, complicações ortopédicas, disfunções do intestino e

bexiga, disfagia, alterações do crescimento e nutrição4,5.

A freqüência da PC vem crescendo no mundo todo, sobretudo devido à maior

sobrevivência de recém-nascidos prematuros e com peso abaixo de 1500gr 6-8. Em

1998, Odding et al.9 constataram que a prevalência da PC, entre 2,0 e 2,5 casos por

1000 nascidos vivos, era semelhante em oito paises da Europa, Estados Unidos e

Austrália, encontrando uma relação inversa entre a prevalência desta enfermidade e o

estrato socioeconômico da família. No Brasil, são escassas as pesquisas

epidemiológicas para determinar a freqüência da PC, mas estima-se que ocorrem entre

30000 e 40000 novos casos por ano10. Segundo o censo de 2000, 14,5% da população

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brasileira apresenta algum tipo de deficiência, colocando os problemas de

desenvolvimento como um dos agravos de maior prevalência na infância e

adolescência11.

A qualidade de vida dos portadores de deficiência adquire importância no país,

desde 1988, quando a Constituição Federal12 estabelece ser da “competência comum da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidarem da saúde e da

assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”.

Gradualmente, as leis dispõem sobre o apoio dos serviços sociais e de saúde e a criação

de ambientes físicos e sociais favoráveis, visando ao desenvolvimento das

potencialidades da criança na vida cotidiana. É assegurado o benefício assistencial de

um salário mínimo mensal e a gratuidade no sistema de transporte13.

A noção de qualidade de vida permeia o cotidiano da população e dos

profissionais e gestores de distintas áreas. Após ampla revisão da literatura, Seidl e

Zannon14 constataram que, no âmbito da saúde, a utilização desta noção vem crescendo

nas últimas décadas devido às mudanças no conceito de saúde e doença que abarca,

agora, além dos aspectos biológicos, os condicionantes socioeconômicos e culturais do

processo. Como conseqüência, a promoção da saúde e a prevenção de doenças passaram

a ser valorizadas, tornando a melhoria da qualidade de vida num dos resultados

esperados das políticas públicas e das práticas assistenciais do setor.

Partindo do princípio de que a definição de qualidade de vida deve considerar a

percepção do indivíduo e suas relações com o meio ambiente, o Grupo de Qualidade de

Vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL Group), desenvolveu um projeto

multicêntrico para elaborar o WHOQOL-100, instrumento de avaliação construído

numa perspectiva internacional15. O reconhecimento da multidimensionalidade

conduziu a conceituação da qualidade de vida como sendo “a percepção do indivíduo de

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sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em

relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Os 100 itens do

instrumento combinam elementos positivos e negativos da experiência em seis

domínios da vida: físico, psicológico, independência nas atividades da vida cotidiana,

meio ambiente, relações sociais e aspectos espirituais, religião e crenças pessoais.

Desde os anos 90, são utilizados para medir qualidade de vida relacionada à

saúde, em crianças com PC, instrumentos que identificam, principalmente, ausência de

saúde e desempenho funcional16. Um dos instrumentos mais largamente utilizado é o

Children Health Questionnaire (CHQ), o qual foi adaptado culturalmente e aplicado no

Brasil, por Morales16, abrangendo: função física, dor e desconforto corporal, limitação

devido à função física e aos aspectos emocionais, percepção de saúde, alterações na

saúde, saúde mental, saúde global, comportamento em geral e auto-estima. Esse

instrumento contempla também aspectos relacionados à família: impacto emocional nos

pais, impacto no tempo dos pais, atividades familiares e coesão familiar16,18.

As escalas comumente aplicadas em crianças com PC avaliam domínios que

foram pré-definidos por clínicos e pesquisadores, traduzindo o ponto de vista técnico

sobre o problema. Permanece em aberto a questão sobre quais são os domínios

constitutivos da qualidade de vida da perspectiva de crianças com PC e seus familiares.

Isso tem propiciado uma valorização crescente dos métodos qualitativos para conhecer

os principais significados, valores e sentimentos que orientam os discursos e as práticas

relacionadas à qualidade de vida dos portadores deste agravo, tentando uma maior

compreensão da visão das crianças e dos seus principais cuidadores14,16,18,19.

Nesse sentido, estudo qualitativo foi realizado em países da Europa, por

McManus et al.18 encontrando mobilidade, transporte, apoio dos pais e para os pais,

atitudes de indivíduos e instituições em relação à criança, burocracia e acesso à

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informação sobre os direitos, como os fatores ambientais que mais preocupam os pais

de crianças com PC. Na Austrália, utilizando abordagem qualitativa, Waters et al.16

identificaram o que os pais e as próprias crianças consideram necessário para ter

qualidade de vida: ausência de dor e desconforto físico, habilidade para desenvolver as

tarefas da vida diária, participação regular em atividades físicas e sociais, auto-estima,

bem-estar emocional e social, interação com a comunidade, comunicação, saúde da

família, ambiente físico favorável à acessibilidade, estabilidade financeira e acesso a

serviços de saúde.

Embora não haja um consenso acerca do conceito de qualidade de vida, as

pesquisas concordam sobre o caráter subjetivo e multidimensional da percepção de

bem-estar diante das condições de vida e da importância do contexto socioeconômico e

cultural sobre os modos de pensar, sentir e agir14,15,19,20. Apesar de sua grande

contribuição, as escalas efetuam uma abordagem “objetivante” das dimensões

subjetivas da experiência humana, portanto, não permitem desvelar a complexidade das

vivências. Neste estudo, a opção pelo método qualitativo teve como propósito

compreender os significados atribuídos à qualidade de vida da criança com PC. Os seus

resultados poderão ser úteis para qualificar a prática clínica, o manejo comunitário e

fornecer subsídios ao aperfeiçoamento das políticas públicas relacionadas com os

portadores de deficiência14,16,19.

Método

Pesquisa qualitativa que utiliza a teoria da representação social, segundo a

conceituação de Minayo21 que considera as representações sociais como categorias de

pensamento, ação e sentimento que expressam dada realidade, à medida que a explicam,

justificam ou questionam. Realizada no Ambulatório de Fisioterapia do Instituto

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Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), hospital que é Centro Nacional de

Referência para Assistência Integral à Saúde da Criança, localizado no Recife, Nordeste

do Brasil, onde as crianças com PC são atendidas por equipe multidisciplinar. O estudo

foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMIP.

No período de fevereiro a julho de 2007, uma das pesquisadoras (d.r.g.l.) realizou

entrevistas semi-estruturadas com nove principais cuidadores de crianças menores de

cinco anos de idade, com diagnóstico clínico de PC estabelecido no IMIP há mais de

seis meses. Excluiu-se um cuidador por dificuldade de comunicação e outro por cuidar

de criança com deficiência leve. Neste artigo, são apresentados apenas os resultados

relacionados aos sete cuidadores de crianças com deficiência grave.

Consideraram-se, na escolha do grupo etário, os efeitos positivos das intervenções

profissionais mais precoces na reabilitação do portador de deficiência3,4 e, na

delimitação do tempo mínimo de diagnóstico, as mudanças que a definição do

diagnóstico pelo profissional tende a provocar no significado e manejo dado à

enfermidade por doentes e cuidadores22. As entrevistas, gravadas e transcritas na

íntegra, foram feitas em sala da instituição, sendo necessárias duas sessões para

aprofundar o roteiro. A coleta foi encerrada quando as idéias acerca das questões

formuladas começaram a se repetir, evidenciando a saturação21.

Utilizaram-se para coleta de dados: (1) formulário estruturado para obter

informações do prontuário da criança: tipo de PC, disfunções do desenvolvimento

neuropsicomotor, distúrbios associados, doenças secundárias, internações e indicações

para reabilitação; e (2) roteiro para entrevista semi-estruturada: características sócio-

demográficas da criança, do cuidador e da família; cotidiano do cuidado à criança

especial; suporte dos serviços sociais e de saúde; percepções e sentimentos relacionados

às necessidades especiais e qualidade de vida da criança. Foi realizado estudo piloto. As

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características paralingüísticas não foram trabalhadas, mas foi dedicada atenção aos

sentimentos e reações dos participantes.

A análise de cada entrevista foi iniciada pela apreensão dos sentidos manifestos,

seguida pela compreensão dos significados latentes, tendo como referência o contexto

sócio-histórico. Foram definidos os “núcleos de sentido” que se expressaram como

categorias empíricas desenvolvidas pelos próprios participantes, dizendo respeito à

qualidade de vida: dependência física, reabilitação, conforto, estabilidade financeira,

condições psicológicas, suporte social (formal e informal), ambiente físico e aceitação

social. Mediante leitura transversal foram identificadas as principais semelhanças e

diferenças entre entrevistas. A reflexão sobre o material empírico e o quadro teórico

permitiu aprofundar a interpretação.

Cabe lembrar que a mediação interpretativa possibilita a comparação de

resultados de estudos realizados em grupos e contextos diferentes, bem como a

utilização de idéias desenvolvidas numa pesquisa como instrumento para analisar outros

dados23.

Resultados

As crianças participantes são de ambos os sexos, têm entre 10 e 58 meses de idade

e residem em distintas microrregiões do estado de Pernambuco. A PC resultou

principalmente de causas perinatais. Todas apresentam incapacidade física grave

acompanhada de epilepsia, problemas cognitivos e distúrbios da comunicação, sendo

comuns a disfagia e o refluxo gastro-esofágico. (Quadro 1). Todas recebem benefício

mensal do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Os seus principais cuidadores

são as mães, com idade entre 18 e 39 anos. Quatro têm o primeiro grau incompleto de

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escolaridade. A criança, comumente, é a principal fonte de renda fixa da família.

(Quadro 2).

A disponibilidade de suporte social imediato é considerada essencial para atenuar

o desgaste físico materno e propiciar condições mais satisfatórias à criança. Assim,

valem-se, principalmente, da ajuda dos irmãos maiores e/ou do pai na rotina doméstica

e na busca de oferecer à criança conforto físico, estímulo ao desenvolvimento

neuropsicomotor e afeto. Sobrecarregadas pelas exigências do cuidado à criança

especial, as mães manifestam sua gratidão, mas percebem o apoio intradomiciliar como

insuficiente. A família extensiva colabora pouco, quase sempre mediante ajuda

financeira dos avós, os contatos sociais tendem a ser escassos, havendo a percepção de

rejeição à criança deficiente.

Apesar da dificuldade de adaptar a dinâmica familiar às novas exigências da

rotina e da inconstância dos próprios sentimentos na tentativa de aceitar o fato

consumado e manter a esperança, o cotidiano é perpassado pelo cuidado com o bem-

estar da criança. Os relatos mostram a valorização da aprendizagem constante para

realizar atividades simples da vida diária que requerem habilidades técnicas quando se

trata da criança com PC, como alimentação e banho. As mães sentem orgulho do

amadurecimento conquistado, permitindo a superação da insegurança originada pela

complexidade do manejo da deficiência motora e distúrbios associados.

Elas relacionam a mobilidade e a capacidade de realização das atividades da vida

cotidiana à qualidade de vida, empenhando-se para assegurar acesso à reabilitação nos

serviços especializados e construir a própria competência, visando ao reforço domiciliar

do trabalho efetuado ou apenas orientado por profissionais, sobretudo na fisioterapia

motora. Praticamente todas as crianças cumprem agenda de consultas médicas

especializadas. Há enorme insatisfação com o acesso organizacional, em particular ao

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tratamento reabilitador, além da necessidade de receber mais informações e orientações

dos profissionais que prestam assistência.

A percepção da alegria e do prazer da criança faz com que as mães prolonguem o

tempo dedicado ao banho, a pegar no colo e a passear no entorno da casa. Elas tentam

atenuar o desprazer provocado, principalmente, pelo uso de dispositivos mecânicos de

auxílio ao tratamento reabilitador. Os depoimentos revelam o cuidado com a

conscientização dos irmãos e/ou do pai sobre a importância das brincadeiras e das

conversas para estimular a capacidade de interação, integrando a criança ao ambiente

familiar. A rejeição da criança pelo pai provoca dor e revolta, conforme relato das mães

separadas. Todas as mães fazem questão que a criança esteja presente durante as

atividades rotineiras da casa. Prática que mescla a vigilância constante para garantir a

segurança física e a preocupação em evitar o isolamento. A dedicação ao filho especial

desperta sentimento de culpa porque os outros filhos ficam relegados e podem cobrar o

cuidado materno.

As mães demonstram irritação com a abordagem nos espaços públicos para

explicar a condição da criança e consideram imprescindível a criação de ambientes

favoráveis à integração social, expressando a pretensão de que as crianças especiais

sejam tratadas “normalmente”. A tentativa de normalização pode ser um indicativo da

falta de aceitação materna da condição da criança: duas mães já haviam pensado matar a

criança e depois cometer suicídio. Todas sentem uma tristeza que não passa nunca.

Alguns relatos evidenciam as dificuldades de avaliar o que acontece no presente e

definir antevisões quanto ao futuro da criança. O isolamento social é uma constante no

cotidiano da criança e do seu grupo doméstico.

Compreendido como essencial para o bem-estar da criança e do seu cuidador

devido, particularmente, aos deslocamentos constantes para serviços especializados, o

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transporte é problemático. A disponibilidade é mais importante no interior, onde as

crianças tendem a depender do suporte institucional dos municípios, enquanto a falta de

adaptações nos ônibus para cadeira de roda é ressaltada nas outras áreas. Obstáculos

arquitetônicos como falta de adaptação de veículos para transporte coletivo, de

logradouros e edifícios de uso público justificam, ao menos em parte, o caráter

excepcional das atividades de lazer que são relacionadas de maneira sistemática à

qualidade de vida da criança.

Quando estimuladas a expressar as preocupações com a qualidade de vida da

criança, as mães destacam as condições financeiras, o acesso a tratamento reabilitador, o

apoio da rede informal, a inclusão social e o transporte. Apesar da referência ao suporte

formal, sobretudo à reabilitação motora, todas consideram como aspectos decisivos para

a qualidade de vida atual da criança, os sentimentos de amor, carinho e

responsabilização maternos, valorizando a participação do pai e/ou irmãos.

Aparentemente, são estes elementos que impulsionam a busca por superação dos

obstáculos que emergem do confronto diário entre as necessidades especiais e as

limitações dos recursos financeiros, do suporte formal e informal, do ambiente

doméstico e do ambiente físico e social. É árdua a construção do bem-estar do portador

de PC, exigindo uma luta permanente em favor da criança.

Discussão

Num contexto de profunda dependência econômica e isolamento social das

famílias, praticamente todos os domínios da qualidade de vida identificados pela OMS15

emergem no cotidiano dos cuidados prestados pela mãe, recebendo uma ênfase

diferenciada devido à valorização atribuída pelo cuidador às múltiplas e diversificadas

necessidades especiais da criança. É preciso notar que os relatos da experiência diária

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mostram um espectro mais amplo de componentes da qualidade de vida, quando

comparados com aqueles presentes nas respostas dadas às questões que estimulam a

reflexão sobre os condicionantes do bem-estar da criança. A compreensão daquilo que é

fundamental para a qualidade de vida da criança com deficiência é, fundamentalmente,

uma construção da prática. É um processo de aprendizagem constante que tende a

aumentar o nível de exigência na expectativa de oferecer um melhor padrão de vida à

criança3.

Para Park et al.20, as inter-relações entre pobreza, oportunidades, desenvolvimento

de habilidades e competências, rotina doméstica e condições emocionais repercutem

significativamente no processo de inclusão de crianças com deficiência. Sousa e Pires3,

ao estudar o comportamento de mães portuguesas, de formação universitária, em

relação aos filhos menores de cinco anos com PC, identificaram também a

aprendizagem continua que visa à inserção social da criança. Inseridas noutros

ambientes socioculturais e familiares, essas mães, pensando a longo prazo, ampliaram o

projeto de reabilitação mediante o envolvimento direto na adaptação do meio e

mudança na perspectiva social atual, participando de associações para dar visibilidade

ao problema da integração da pessoa deficiente à sociedade.

Neste estudo, apesar das expectativas acerca das transformações do ambiente

físico e social e do acesso a serviços especializados para facilitar a integração à

sociedade, nenhuma mãe mencionou a participação social como instrumento de luta. O

profundo desgaste físico e emocional de mães que vivem premidas pelo atendimento

das necessidades da criança especial, em contextos de precárias condições de

sobrevivência, apoio familiar insatisfatório e obstáculos no acesso ao suporte formal,

evidenciando as restrições no efetivo espaço social para exercício da cidadania.

Acentua-se, portanto, o descompasso entre o que é percebido como sendo necessário e o

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que de fato é buscado para propiciar bem-estar à criança. As mães se distanciam da

perspectiva da garantia de direitos, a qual envolve sociedade, governo e instituições3,18.

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Quadro 1: Características sócio-demográficas e clínicas das crianças com Paralisia Cerebral

Caso

Idade Sexo Procedência Tipo clínico Disfunções associadas

1 31 meses Masculino Interior Tetraparética Forma grave

Epilepsia, disfagia, refluxo gastro-esofágico, estrabismo, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

2

30 meses Masculino Interior Tetraparética Forma grave

Epilepsia, microcefalia, refluxo gastro-esofágico, desnutrição crônica, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

3

35 meses Masculino Região Metropolitana

Tetraparética Forma grave

Epilepsia, microcefalia, disfagia, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

4 50 meses

Masculino Região Metropolitana

Tetraparética Forma grave

Epilepsia, disfagia, amaurose, escoliose, estrabismo, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

5

10 meses Feminino Recife Tetraparética Forma grave

Epilepsia, disfagia, refluxo gastro-esofágico, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

6

40 meses Feminino Recife Tetraparética Forma grave

Epilepsia, disfagia, escoliose, estrabismo, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

7

58 meses Feminino Interior Tetraparética Forma grave

Epilepsia, microcefalia, escoliose, constipação crônica, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

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Quadro 2: Características sócio-demográficas do principal cuidador e das famílias das crianças portadoras de Paralisia Cerebral

Caso

Idade Sexo Escolaridade Parentesco criança

Situação conjugal

Principal provedor

Tipo de composição da família

1 34 anos Feminino 7ª série Mãe Separada

Criança Mulher responsável pela família, sem companheiro, com filhos

2

18 anos Feminino 4ª série Mãe Casada Criança (única fonte de renda fixa)

Casal com filhos

3

39 anos Feminino 6ª série Mãe Vive junto Criança (única fonte de renda fixa)

Casal com filhos

4 36 anos Feminino 2º grau

Mãe Separada Criança e Mãe Mulher responsável pela família, sem companheiro, com filhos

5

24 anos Feminino 2º grau Mãe Casada Criança (única fonte de renda fixa)

Casal com filhos

6

25 anos Feminino 2º grau Mãe Solteira Criança Casal com filhos e com parentes

7

26 anos Feminino 6ª série Mãe Casada Pai Casal com filhos

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6.2. Reabilitação e qualidade de vida de crianças com paralisia

cerebral: a visão dos cuidadores

Doralice Ribeiro Gouveia Lima1

Katia Virginia de Oliveira Feliciano2

Ana Rodrigues Falbo3

1. Fisioterapeuta. Ambulatório de Fisioterapia Respiratória do Instituto Materno Infantil

Professor Fernando Figueira (IMIP). Aluna do Mestrado em Saúde Materno Infantil do

IMIP.

2. Médica sanitarista. Docente PhD do Curso de Pós-graduação em Saúde Materno

Infantil do IMIP.

3. Médica pediatra. Docente PhD do Curso de Pós-graduação em Saúde Materno

Infantil do IMIP.

Autor responsável: Doralice Ribeiro Gouveia Lima

e-mail: [email protected]

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Resumo

Objetivo: compreender o significado atribuído à reabilitação nos discursos de

cuidadores acerca da qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral. Método:

pesquisa qualitativa realizada no Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira,

Recife, Nordeste do Brasil, de fevereiro a julho de 2007, incluindo sete mães, principais

cuidadores de crianças menores de cinco anos com paralisia cerebral. Utilizaram-se

formulário para caracterizar quadro clínico e entrevista semi-estruturada para, mediante

análise de conteúdo, compreender as representações sociais da reabilitação. Resultados:

as mães conferem uma enorme valorização ao tratamento reabilitador, considerado

como elemento central para inclusão social e bem-estar das crianças. Estão empenhadas

em assegurar acesso aos serviços de reabilitação e realizar o reforço domiciliar do

trabalho efetuado por profissionais, sobretudo na fisioterapia motora, apesar das

dificuldades no acesso organizacional, suporte informacional insuficiente, limitações do

transporte, escassez de recursos financeiros, redefinições das expectativas de sucesso,

pressões do ambiente familiar, desgaste físico e emocional. Conclusões: os resultados

mostram a importância de fortalecer as abordagens terapêuticas que visam melhorar a

qualidade de vida, tomando como referência o contexto sociocultural e o ambiente da

vida diária para identificar as necessidades individuais e familiares.

Palavras-chave: Reabilitação, Qualidade de Vida, Saúde da Criança, Paralisia Cerebral,

Cuidadores

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Abstract

Objective: To understand the meaning that is attributed to rehabilitation in the

caregivers’ statements concerning the quality of life of children with cerebral palsy.

Method: qualitative research carried out at Professor Fernando Figueira Maternal/Infant

Institute, Recife, Brazil, from February to July 2007, with seven mothers who are the

main caregivers of children under five with cerebral palsy. A form and a semi-

structured interview were used to characterize clinical situation and through content

analysis to understand the “meaning units” concerning rehabilitation. Results: The

mothers give enormous value to rehabilitation treatment, considering it as a central

element for the children’s social inclusion and well-being. They are engaged in assuring

access to rehabilitation services and carry out the reinforcement of the work done by the

professionals at home, mainly concerning motor physiotherapy, despite the difficulties

for organizational access, insufficient information support, transportation limitations,

financial resource shortages, redefinitions of expectations of success, family

environment pressures and physical and emotional wear. Conclusions: Results show

the importance of strengthening therapeutic approaches that aim at improving the

quality of life, taking as a reference the socio-cultural and daily life environment

context in order to identify individual and family needs.

Keywords: Rehabilitation, Quality of life, Children health, Cerebral palsy, Caregivers

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Introdução

A garantia dos direitos à qualidade de vida da pessoa com paralisia cerebral (PC)

adquire relevância crescente no mundo, à medida que aumenta a ocorrência de casos,

sobretudo devido à maior sobrevivência de recém-nascidos prematuros e com peso

abaixo de 1500gr1,2. No Brasil, a Constituição Federal estabelece, desde 1988, que é da

“competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

cuidarem da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas

portadoras de deficiência”3. São escassas as pesquisas para determinar a freqüência da

PC no país, mas estima-se que ocorrem entre 30000 e 40000 novos casos por ano4. O

censo de 2000 demonstra que 14,5% da população brasileira apresentam algum tipo de

deficiência, colocando os problemas de desenvolvimento como um dos agravos de

maior prevalência na infância e na adolescência5.

A PC é uma doença crônica e incurável que exige tratamento ao longo da vida,

cuja maior prevalência ocorre entre famílias de baixo nível socioeconômico,

envolvendo altos custos financeiros, o que torna essencial o suporte dos serviços

sociais6. O atendimento das necessidades especiais demanda grande utilização de

serviços de saúde para assistência médica e reabilitação. Porterfield e McBride7 alertam

para a associação entre baixo estrato socioeconômico, baixa escolaridade e menor

percepção da necessidade de utilizar os serviços de saúde entre cuidadores de crianças

especiais.

O tratamento reabilitador das crianças com PC deve ser realizado por uma equipe

multidisciplinar, sendo o principal enfoque terapêutico o fisioterápico, mas o terapeuta

ocupacional, o fonoaudiólogo, o psicólogo e o pedagogo desempenham papéis muitos

importantes nesse processo8. Número crescente de métodos de tratamento, os quais

implicam em distintas concepções sobre reabilitação, está disponível visando aprimorar

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a função motora, estimular estratégias compensatórias de desenvolvimento e promover

maior grau de independência funcional dos portadores de PC8-11.

A reabilitação da criança demanda a combinação dos esforços, pois o reforço

domiciliar é essencial para garantir a efetividade do tratamento. Neste sentido, os

profissionais orientam e adaptam condutas e procedimentos ao longo do processo

terapêutico para potencializar a utilização dos recursos disponíveis nos serviços, nas

comunidades e nos domicílios. É da competência dos pais continuarem em casa o

trabalho que é desenvolvido nos serviços, ajustando de forma sistemática os

procedimentos adotados com a criança ao contexto doméstico e comunitário12,13.

Vários estudos sobre qualidade de vida de crianças com este agravo mostram a

valorização da função física e da dependência física pelas crianças doentes e seus

cuidadores9,14,15. Ademais, segundo Odman et al.11, a melhora no estado de saúde, a

troca de informações, o cuidado respeitoso e que oferece suporte às necessidades e a

capacitação da criança e da família são os aspectos considerados pelos pais como

tradutores da maior qualidade dos serviços de saúde. Os pais associam, com maior

freqüência, o alcance das expectativas acerca do tratamento às necessidades mais

globais da criança do que ao progresso percebido na função física.

Nos últimos anos, profissionais e pesquisadores têm mostrado um crescente

interesse nas abordagens terapêuticas que tornem a melhoria da qualidade de vida num

dos resultados esperados da atenção de saúde10,11,16. A conceituação de qualidade de

vida desperta controvérsia, mas existe concordância sobre a subjetividade e

multidimensionalidade da percepção de bem-estar14,15,17-19. O Grupo de Qualidade de

Vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL Group)19 define a qualidade de

vida como sendo “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da

cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos,

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expectativas, padrões e preocupações”, considerando elementos da experiência em seis

domínios da vida: físico, psicológico, nível de independência nas atividades da vida

cotidiana, meio ambiente, relações sociais e aspectos espirituais, religião e crenças

pessoais.

De acordo com esta perspectiva ampliada da reabilitação da pessoa com

deficiência, a International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF),

proposta pela Organização Mundial de Saúde para obter uma visão mais global dos

efeitos das condições de saúde na vida do indivíduo, abrange as dimensões biológica e

social, incluindo a participação na sociedade9. Logo, compete às equipes de saúde

identificar as áreas nas quais crianças com PC e seus cuidadores se sentem mais

vulneráveis, buscando maior efetividade na satisfação das necessidades individuais e

familiares14,15.

A legislação brasileira dispõe sobre o apoio dos serviços de saúde e serviços

sociais e a criação de ambientes físicos e sociais favoráveis ao desenvolvimento das

potencialidades da criança na vida cotidiana 3. Cabe ao Sistema Único de Saúde (SUS) a

operacionalização das dimensões preventivas, curativas, promocionais e reabilitadoras

das ações de saúde específicas para os portadores de deficiência e voltadas para doenças

e agravos comuns à infância, considerando as pessoas, famílias e comunidades no

sentido de reduzir os problemas funcionais e favorecer a inclusão da criança especial20.

Apesar da contribuição dos serviços de saúde ser afetada pelas percepções de

cuidadores acerca da reabilitação11, no Brasil, não escassos os estudos sobre esta

temática. Daí a relevância deste artigo que aborda o significado conferido à reabilitação

nos discursos de cuidadores sobre a qualidade de vida de crianças com PC. Os

resultados apresentados poderão ser úteis para qualificar a prática clínica, o manejo

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comunitário e fornecer subsídios ao aperfeiçoamento das políticas públicas voltadas aos

portadores de deficiência14,15,17,18.

Método

Pesquisa qualitativa realizada no Ambulatório de Fisioterapia do Instituto

Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), hospital que é Centro Nacional de

Referência para Assistência Integral à Saúde da Criança, localizado no Recife,

Pernambuco, Nordeste do Brasil, onde as crianças com PC são atendidas por equipe

multidisciplinar. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMIP.

No período de fevereiro a julho de 2007, uma das pesquisadoras (d.r.g.l.) realizou

entrevistas semi-estruturadas com nove principais cuidadores de crianças menores de

cinco anos de idade, com diagnóstico clínico de PC estabelecido no IMIP há mais de

seis meses. Excluiu-se um cuidador por dificuldade de comunicação e outro por cuidar

de criança com deficiência leve. Neste artigo, são apresentados apenas os resultados

relacionados aos sete cuidadores de crianças com deficiência grave.

Consideraram-se, na escolha do grupo etário, os efeitos positivos das intervenções

profissionais mais precoces na reabilitação do portador de deficiência 13,22 e, na

delimitação do tempo mínimo de diagnóstico, as mudanças que a definição do

diagnóstico pelo profissional tende a provocar no significado e manejo dado à

enfermidade por doentes e cuidadores23. As entrevistas, gravadas e transcritas na

íntegra, foram feitas em sala da instituição, sendo necessárias duas sessões para

aprofundar o roteiro. A coleta foi encerrada quando as idéias acerca das questões

formuladas começaram a se repetir, evidenciando a saturação21.

Utilizaram-se para coleta de dados: (1) formulário estruturado para obter

informações do prontuário da criança: tipo de PC, disfunções do desenvolvimento

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neuropsicomotor, distúrbios associados, doenças secundárias, internações e indicações

para reabilitação; e (2) roteiro para entrevista semi-estruturada: características sócio-

demográficas da criança, do cuidador e da família; cotidiano do cuidado à criança

especial; suporte dos serviços sociais e de saúde; percepções e sentimentos relacionados

às necessidades especiais e qualidade de vida da criança. Foi realizado estudo piloto. Na

situação da entrevista foi dedicada atenção aos sentimentos e reações das participantes.

Na análise de cada entrevista buscou-se a compreensão dos sentidos manifestos e

latentes, sendo definidos os “núcleos de sentido” que se expressaram como categorias

empíricas, desenvolvidas pelos próprios participantes, relacionadas à reabilitação como

componente da qualidade de vida: dependência física, aceitação social, acesso

organizacional, suporte informacional, acesso a equipamentos, acesso geográfico,

ambiente físico e transporte. Foram identificadas as principais semelhanças e diferenças

entre entrevistas. A comparação de resultados de estudos realizados em grupos e

contextos diferentes e a utilização de idéias desenvolvidas numa pesquisa como

instrumento para analisar outros dados pressupõem a compreensão da especificidade

dos contextos diversificados de vida24.

Resultados

As crianças participantes são de ambos os sexos, têm entre 10 e 58 meses de idade

e residem em distintas microrregiões do estado de Pernambuco. A PC resultou

principalmente de causas perinatais. Todas apresentam incapacidade física grave

acompanhada de epilepsia, problemas cognitivos e distúrbios da comunicação, sendo

comuns a disfagia e o refluxo gastro-esofágico. (Quadro 1). Todas recebem benefício

mensal do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Os seus principais cuidadores

são as mães, com idade entre 18 e 39 anos. Quatro têm o primeiro grau incompleto de

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escolaridade e as outras concluíram o segundo grau. Quatro são casadas ou vivem

maritalmente com o pai da criança. Para três famílias a criança é a única fonte de renda

fixa, sendo geralmente a principal fonte.

Receber a notícia de que o filho é uma criança com necessidades especiais foi

doloroso e chocante. A sensação de desamparo, muitas vezes, sendo acentuada pela

falta de compreensão da linguagem utilizada pelos profissionais. Essas mães se sentiram

“perdidas”, precisando empreender esforços na busca por informações para

compreender a doença e identificar ações para recuperar as funções comprometidas. As

dúvidas sobre “se a criança vai andar e falar”, surgidas na hora da comunicação do

diagnóstico de PC, permeiam o processo continuado de redefinições das expectativas

maternas de sucesso acerca da redução das conseqüências da deficiência.

O manejo das necessidades especiais pressupõe alta demanda de cuidados gerais e

atividades para reabilitação das crianças, mas as mães precisam atender também as

solicitações da vida familiar. Na rotina doméstica e na busca de oferecer à criança

conforto físico, estímulo ao desenvolvimento neuropsicomotor e afeto contam,

fundamentalmente, com a ajuda dos irmãos maiores e/ou do pai. Num contexto

sociocultural onde se evidencia a discriminação ao portador de deficiência, é comum a

percepção de rejeição pela família extensiva e a relutância de familiares em ficar com a

criança devido ao temor originado pela incapacidade motora e a labilidade clínica. O

isolamento social atinge a criança e o seu grupo doméstico.

As mães associam à mobilidade e à independência nas atividades da vida diária ao

bem-estar da criança e empenham-se em assegurar acesso aos serviços de saúde, às

vezes por iniciativa pessoal. Conforme o Quadro 2, afora uma criança que realizou

apenas consultas médicas esporádicas e fisioterapia respiratória – mãe adolescente, com

o nível de escolaridade mais baixo dentre as entrevistadas, residente no interior, com o

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benefício mensal representando a única fonte de renda fixa da casa – praticamente todas

cumprem agenda de atenção especializada, sobretudo no tratamento reabilitador. Apesar

da preocupação em não provocar desconforto ou fadiga na criança é corriqueiro o

reforço domiciliar do trabalho efetuado pelos profissionais.

Na visão dessas mães são poucos os serviços públicos que oferecem suporte à

reabilitação (terapia visual, fonoaudiologia, terapia ocupacional e fisioterapia motora).

Nesses, o excesso de demanda posterga o início do tratamento e tende a reduzir a

freqüência e o tempo dedicado às atividades reabilitadoras, provocando insatisfação

com a qualidade da atenção prestada à criança. O confronto oferta e demanda torna

proibitivo receber o mesmo tipo de tratamento reabilitador em mais de um serviço,

levando às mães a omitirem informações. As dificuldades são ainda maiores para as

crianças que residem no interior de Pernambuco.

Os relatos evidenciam que ao longo do tempo, geralmente, as informações

atendem às necessidades pontuais. Limitação reforçada pelo fato de que os tratamentos

podem ser realizados em serviços diferentes, sem que haja interlocução entre os

profissionais. Embora o suporte informacional seja considerado insuficiente, é comum

receberem orientações sobre o uso de equipamentos para auxiliar no desempenho das

atividades e no tratamento reabilitador, a correção da postura para não prejudicar as

aquisições motoras da criança e a introdução de estímulos nas atividades e brincadeiras

integradas à rotina da família. Os serviços propiciam a convivência com outras mães

que estão vivendo uma situação semelhante, o que ajuda no ajustamento das práticas e

das expectativas maternas.

Como essas crianças apresentam incapacidade física grave, o excesso de demanda

compromete, também, a continuidade do tratamento pela falta de expectativa técnica

quanto ao progresso. É grande o temor materno de que a criança venha a ser afastada de

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algum tratamento considerado importante, particularmente da fisioterapia motora, da

qual três crianças encontram-se excluídas. As mães destas crianças continuam

recebendo orientações e tentam fazer a manutenção da função motora presente, mas

sentem-se profundamente magoadas e revoltadas pela decisão institucional.

A consciência, bastante generalizada, de que o comprometimento motor grave

torna imprescindível o tratamento reabilitador intensivo, faz com que as mães sintam-se

constrangidas, impotentes e frustradas pela falta de recursos para que os filhos utilizem

os serviços privados e os aparelhos de que necessitam como órteses, próteses, cadeiras

de roda e andadores. Elas criticam a burocracia para acesso a equipamentos no SUS,

com as longas filas de espera retardando a efetivação desse direito. Algumas, na

tentativa de ganhar tempo recorrem a conhecidos e a organizações não-governamentais.

Por sua vez, a falta de adaptação nos transportes coletivos para cadeira de rodas e

os obstáculos arquitetônicos dos espaços públicos, considerados fundamentais para a

qualidade de vida, comprometem a mobilidade da criança que já não pode ser carregada

no colo. Num ambiente de pobreza, a necessidade de receber ajuda de outra pessoa no

deslocamento da criança implica em gastos com passagens. Dentre elas há quem sugira

a descentralização dos serviços para facilitar o acesso geográfico.

A disponibilidade materna para realizar a reabilitação física persiste, apesar das

dificuldades no acesso organizacional e geográfico, do desgaste físico e emocional, das

limitações dos recursos financeiros, das cobranças e insatisfações provocadas pela

presença da criança no ambiente doméstico e do apoio familiar insuficiente. Em alguns

casos, as antevisões excessivamente otimistas que aparentemente indicam dificuldades

de avaliação do que acontece no presente, superdimensionando as potencialidades da

criança para responder ao investimento na reabilitação, parecem conferir razão ao

esforço cotidiano na busca de efetivar a integração social da criança.

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É interessante notar como a observação do dia-a-dia das outras crianças, ao

mesmo tempo acentua o sentimento de perda, o luto diante da situação do filho portador

de deficiência, e reforça a necessidade de dedicação ao tratamento reabilitador. É um

longo caminho de amadurecimento pessoal e renovação continuada da esperança para

manter viva a luta na busca de transformar em realidade as expectativas de ver o filho

brincando, indo à escola e respondendo pelo próprio cuidado.

Discussão

Num contexto onde os seus principais cuidadores manifestam nos discursos sobre

as práticas uma grande valorização do tratamento reabilitador, considerado elemento

central do bem-estar das crianças com PC, convém reconhecer o enorme desafio que a

melhoria da qualidade de vida dos portadores de deficiência representa para as políticas

públicas. Neste sentido, faz quase duas décadas que a legislação brasileira contempla o

direito a serviços sociais e de saúde e a criação de ambientes físicos e sociais

favoráveis3. Contudo, tem sido lenta a transformação do compromisso em ação, sendo

ainda insatisfatório o desenvolvimento de parcerias entre os distintos níveis de governo

para viabilizar a efetivação do previsto.

A complexidade que encerra a transformação do ambiente físico fica evidente,

inclusive, em países onde existe um maior respeito aos direitos humanos. As limitações

da participação em decorrência da falta de adaptação no transporte e nos logradouros

públicos foram bastante enfatizadas em pesquisa realizada na Europa por McManus et

al.25. Neste estudo, o empenho em garantir acesso ao tratamento reabilitador representa

um importante motivo para as críticas maternas relacionadas à inadequação do ambiente

físico.

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O isolamento social dessas famílias pode acentuar o preconceito e estigma da

doença, dificultando o seu enfrentamento. As abordagens terapêuticas voltadas para a

qualidade de vida reconhecem que as representações da PC influenciam os modos de

agir, portanto, o envolvimento da família na rotina dos cuidados requeridos pela criança.

Aspecto fundamental, já que o processo de reabilitação da criança exige do cuidador

disponibilidade total e desempenho de múltiplas funções 13.

No setor saúde, as limitações no acesso organizacional e na qualidade da

assistência reabilitadora evidenciam a distância entre o proposto pelo SUS20 e a atuação

dos serviços especializados, com repercussões negativas na reabilitação dessas crianças.

No momento em que foram informadas do diagnóstico, as mães se ressentiram da falta

de clareza na linguagem dos profissionais de saúde. A noticia desencadeia reações que,

em grande parte, decorrem do tipo de informação e do modo como ela é fornecida, da

atitude da pessoa que informa e do apoio que essa família recebe da equipe de saúde

12,26. Degenais et al.26 mostram a importância das informações sobre a PC e o seu

manejo. Ferrari e Morete 27 falam da inteligibilidade, receptividade e espaço para que o

outro expresse dúvidas e inquietações, traduzindo uma atitude acolhedora na

comunicação do diagnóstico.

As mães se revelam insatisfeitas com a qualidade do suporte informacional ao

longo do tempo. Opiniões negativas sobre a informação recebida dos serviços são

encontradas também em países europeus onde, semelhante a esta pesquisa, os

cuidadores se sentem obrigados a buscar soluções por conta própria25. A relação da

equipe com o cuidador é essencial para reabilitação da criança, inclusive na adequação

das expectativas acerca dos resultados possíveis de alcançar. As conquistas referentes

ao bem-estar dependem do acesso à informação técnica e sobre os direitos do portador

de deficiência. Os significados atribuídos à qualidade de vida pelos profissionais de

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saúde não podem ficar restritos a um referencial clínico que relaciona qualidade de vida

às condições físicas e biológicas da criança18.

O apoio da equipe é ainda mais importante porque a noção de luta permanente em

favor da criança é uma característica marcante da trajetória de prestação de cuidados.

Cabe se atentar para a influência das condições de sobrevivência e dos significados

conferidos à PC sobre as expectativas dos cuidadores, pois a satisfação quanto à

qualidade de vida pode indicar baixas expectativas de reabilitação da criança. Sousa e

Pires13 alertam que altos níveis de insatisfação dos cuidadores em relação ao suporte

técnico traduzem a percepção de uma grande distância entre suas expectativas e a

qualidade de vida real da criança. Pesquisadores identificaram uma relação direta entre

expectativas positivas e maior investimento no tratamento da criança 13,28.

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Quadro 1: Características sócio-demográficas e clínicas das crianças com paralisia cerebral

Caso

Idade Sexo Procedência Tipo clínico Disfunções associadas

1 31 meses Masculino Interior Tetraparética Forma grave

Epilepsia, disfagia, refluxo gastro-esofágico, estrabismo, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

2

30 meses Masculino Interior Tetraparética Forma grave

Epilepsia, microcefalia, refluxo gastro-esofágico, desnutrição crônica, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

3

35 meses Masculino Região Metropolitana

Tetraparética Forma grave

Epilepsia, microcefalia, disfagia, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

4 50 meses

Masculino Região Metropolitana

Tetraparética Forma grave

Epilepsia, disfagia, amaurose, escoliose, estrabismo, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

5

10 meses Feminino Recife Tetraparética Forma grave

Epilepsia, disfagia, refluxo gastro-esofágico, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

6

40 meses Feminino Recife Tetraparética Forma grave

Epilepsia, disfagia, escoliose, estrabismo, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

7

58 meses Feminino Interior Tetraparética Forma grave

Epilepsia, microcefalia, escoliose, constipação crônica, problemas cognitivos, distúrbios da comunicação

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Quadro 2: Utilização da rede de serviços especializados pelas crianças com paralisia cerebral

Caso Assistência Médica especializada

Reabilitação: atividades anteriores

Reabilitação: atividades atuais

1 Consultas agendadas

Fisioterapia motora Terapia visual

Fonoaudiologia Terapia ocupacional (orientações 2/2 meses) Fisioterapia respiratória

2

Demanda espontânea

Não

Fisioterapia respiratória

3 Consultas agendadas

Fisioterapia motora Terapia visual e ocupacional

Fisioterapia respiratória

4 Consultas agendadas

Terapia visual Fisioterapia respiratória

Fisioterapia motora Fonoaudiologia Terapia ocupacional

5 Consultas agendadas

Fonoaudiologia Terapia ocupacional e visual Fisioterapia respiratória

6 Consultas agendadas

Fonoaudiologia Fisioterapia motora

Encaminhada terapia visual Fisioterapia respiratória

7 Consultas agendadas

__ Fonoaudiologia Terapia ocupacional (orientações, periodicidade variável) Fisioterapia motora Fisioterapia respiratória

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VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões sobre os resultados apontam para o caráter imprescindível do

fortalecimento das abordagens terapêuticas que visam melhorar a qualidade de vida,

tomando como referência o contexto sociocultural e o ambiente da vida diária para

identificar as áreas nas quais as crianças e suas famílias se sentem mais vulneráveis.

Assim, buscando maior efetividade na satisfação das necessidades individuais e

coletivas 16,24.

Cabe reconhecer o enorme desafio que a promoção da saúde dos portadores de

deficiência representa para as políticas públicas, mas é premente o desenvolvimento de

parcerias entre os distintos níveis de governo e entre os distintos setores de atividades

comprometidos com a qualidade de vida para viabilizar a efetivação do que está

previsto, faz quase duas décadas, na legislação brasileira13. Avanços que pressupõem,

também, transformações nas concepções e práticas dos profissionais de saúde que não

podem ficar restritos a um referencial clínico da qualidade de vida19.

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VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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condition-specific measure of quality of life for children with cerebral palsy: empirical

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19. Prebianchi HB. Medidas de qualidade de vida para crianças: aspectos conceituais e

metodológicos. Psicologia. Teoria e Prática 2003; 5(1):57-69.

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20. Seidl EMF, Zannon CMLC. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e

metodológicos. Caderno de Saúde Pública 2004; 20(2): 580-588.

21. White-Koning M, Bourdet-Loubère S, Colver A, Grandjean H. Subjective quality of

life in children with intellectual impairment – how can it be assessed. Develomental

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22. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de

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27. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.

28. Patton MQ. How to use qualitative methods in evaluation. Third edition. United

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29. Worthen BR, Sanders JR., Fitzpatrick JL. Avaliações centradas nos participantes.

In: Avaliação de Programas: concepções e práticas. São Paulo: Editora Gente; 2004. p.

223-243.

Page 70: PERCEPÇÕES E SENTIMENTOS DOS CUIDADORES SOBRE …;20080627.pdf · roteiro para entrevista semi-estruturada com o cuidador. ... A qualidade de vida dos portadores de paralisia cerebral

APÊNDICES

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APÊNDICE 1:

FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO CLÍNICA DA CRIANÇA PORTADORA DE PARALISIA CEREBRAL

NOME DA CRIANÇA: _________________________________Nº REGISTRO: ___________

IDADE: __________ SEXO___________ PROCEDÊNCIA:__________________________

DIAGNÓSTICO (tipo de paralisia cerebral):_________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

DISFUNÇÕES ASSOCIADAS:___________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

DOENÇAS SECUNDÁRIAS: ____________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

HOSPITALIZAÇÕES: __________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

TRATAMENTO DE REABILITAÇÃO (especificar as instituições):______________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

OBSERVAÇÕES:______________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

______________________________________________________________________

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APÊNDICE 2:

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM CUIDADORES

1. Características sócio-demográficas:

• Criança: sexo, idade, procedência, benefício previdenciário, como é gasto o dinheiro

do benefício e condições de acomodação no domicílio..

o Cuidador: sexo, idade, local de residência, escolaridade (último ano que estudou até

o fim/completou na escola), ocupação atual/prévia, relação de parentesco com a

criança, situação conjugal atual/ prévia, religião, qual a relação do companheiro

com a criança, participação social (grupos religiosos, outras).

o Família: tamanho e composição da família, renda familiar e principal provedor da

família.

2. Cotidiano de cuidados à criança especial

• Reconstrução da rotina da criança: detalhar a maneira como ocupa o tempo pela

manhã, tarde e à noite, em cada dia da semana, descrevendo o dia-a-dia dentro e fora

do domicílio, de forma que seja possível conhecer os auxílios recebidos e as

atividades e os tratamentos realizados, bem como aqueles que estão envolvidos

nesse processo (serviços, instituições e pessoas).

• Rede informal de apoio: detalhar para cada pessoa mencionada

(anterior e atual): sexo, idade, escolaridade, mora/morava na casa da

criança, relação com a criança, tipo de ajuda que foi/está sendo dada,

tempo que ajudou/está ajudando, número de vezes por semana,

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número de horas por semana, opinião do cuidador sobre a ajuda dada

à criança, outras necessidades de ajuda.

• Em relação às atividades de tratamento que estão sendo/foram realizadas em casa

com a criança, esclarecer quais as orientações recebidas e quem orientou.

Treinamentos recebidos para cuidar da criança, identificando o que foi ensinado e os

responsáveis pelos treinamentos.

• Atividades relacionadas com a criança que gosta mais de realizar/ que não gosta de

realizar, os motivos para esses sentimentos. As dificuldades identificadas para

cuidar da criança e formas de superação das dificuldades.

3. Rede formal de suporte

• Suporte dos serviços sociais: instituições que fornecem apoio ao cuidado da

criança (previdência social, grupos de apoio e associações de portadores de

deficiências, Prefeituras, outras) e tipo de apoio oferecido. Identificar

facilidades/dificuldades para começar/continuar recebendo o auxílio.

• Suporte dos serviços de saúde: como tomou conhecimento do diagnóstico (quem,

como e a quem informou) e opinião sobre a maneira como a noticia foi dada.

Assistência de puericultura (vínculo com serviço da rede básica), demanda por

doenças secundárias (freqüência, serviços utilizados, tipos de morbidade),

internamentos hospitalares (freqüência, motivos e serviços utilizados), realização ou

indicação de procedimento cirúrgico e atividades de reabilitação e habilitação.

Identificar facilidades/dificuldades para iniciar/continuar desenvolvendo o

tratamento.

Page 74: PERCEPÇÕES E SENTIMENTOS DOS CUIDADORES SOBRE …;20080627.pdf · roteiro para entrevista semi-estruturada com o cuidador. ... A qualidade de vida dos portadores de paralisia cerebral

o Percepção e expectativa sobre o suporte recebido, outras necessidades que

gostaria que fossem atendidas e sugestões para melhorar a vida da criança.

4. Percepções e sentimentos relacionados às necessidades especiais

• Sentimentos ao ser comunicado do diagnóstico, reação do pai da

criança/família/amigos ao serem informados do diagnóstico, como estão reagindo às

necessidades especiais da criança no transcurso do tempo.

• As principais preocupações com a criança, as expectativas quanto à reabilitação e

habilitação, os sentimentos diante da situação da criança e as percepções e

sentimentos sobre as repercussões das necessidades da criança na

organização/dinâmica familiar. Para todos esses aspectos considerar as mudanças

ocorridas desde o diagnóstico até o momento atual, bem como as razões que

justificam essas transformações.

5. Qualidade de vida da criança

• Os significados atribuídos pelo cuidador à qualidade de vida da criança, as

percepções sobre contribuições, necessidades e dificuldades relacionadas ao bem-

estar da criança, além das expectativas acerca da qualidade de vida da mesma,

levando em conta as mudanças ocorridas ao longo do tempo.

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APÊNDICE 3:

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Autora: Doralice Ribeiro Gouveia Lima

Título: Percepções e sentimentos dos cuidadores sobre a qualidade de vida de crianças

menores de cinco anos como paralisia cerebral

Esta pesquisa tem o objetivo de conhecer os sentimentos e as expectativas dos

cuidadores de crianças portadoras de paralisia cerebral em relação à qualidade de vida.

Para este fim, os dados serão colhidos por meio de entrevistas gravadas com o cuidador

principal da criança e de consulta ao prontuário da criança.

É garantido ao participante: direito a qualquer esclarecimento sobre a pesquisa em

qualquer fase da mesma através dos telefones 9142-8382 (pesquisadora) ou 2122-4702

(Comitê de Ética); direito a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da

pesquisa; confidencialidade e anonimato: as informações serão sigilosas e os

participantes não serão identificados.

O menor continuará a ser atendido no IMIP, dispondo de toda a atenção,

independente de sua participação no estudo.

Eu,________________________________________________aceito participar como

informante da pesquisa acima referida.

Data:

Assinatura: ______________________________________________