Perante a Cimeira do G20, José Saramago
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
LÍNGUA PORTUGUESA, REDAÇÃO E EXPRESSÃO ORAL I
PERANTE A CIMEIRA DO G20, JOSÉ SARAMAGO
Angélica Suemisu, 6880914
Carlos Eduardo Garisto de Nicola, 6805905
Cibele Velloso Silveira Cunha, 2874423
Daniele Gasparini Marcato, 6803924
Fernando Carvalho Tabone, 6805440
Jéssica Vilela Barreto, 6803754
SÃO PAULO
2009
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
LÍNGUA PORTUGUESA, REDAÇÃO E EXPRESSÃO ORAL I
PERANTE A CIMEIRA DO G20, JOSÉ SARAMAGO
Trabalho de graduação apresentado à
disciplina Língua Portuguesa, Redação e
Expressão Oral I do Curso Superior de
Comunicação Social na Escola de
Comunicações e Artes da USP.
Orientadora: Profa. Dra. Roseli
Aparecida Fígaro Paulino
SÃO PAULO
2009
Durante as primeiras semanas do mês de abril de 2009, a mídia em geral repercutiu
exaustivamente os antecedentes e as consequências relativas à reunião de Cúpula do G20
que foi realizada no dia 2 em Londres. Um encontro internacional dessa magnitude gera
repercussões variadas. A principal se dá no âmbito econômico, uma vez que é essa a – dita
– real motivação do evento: discutir assuntos relacionados à economia mundial. Porém, os
mais diversos assuntos são especulados, como os preparativos para a reunião, as
manifestações contrárias que ocorreram, as medidas que foram adotadas, os discursos dos
políticos, entre outros. Diante desse cenário de agitação, chamou-nos atenção uma
publicação em especial, de certa forma por seu aspecto inusitado: uma crítica de caráter
esquerdista, gerida por um escritor de enorme prestígio literário, em um blog na internet.
No dia 2 de abril de 2009, em seu blog, intitulado “O caderno de Saramago”, José
Saramago publicou um discurso em referência a reunião de Cúpula do G20, que ocorreu no
mesmo dia em Londres. Despertou-nos então analisar seu discurso a partir de uma reflexão
baseada nas teorias discutidas em aula.
Abaixo imagem da página do blog com o texto de Saramago, em 2 de abril de 2009:
Como escreve Maingueneau (2001, p.71), “(...) é necessário reservar um lugar
importante ao modo de manifestação material dos discursos, ao seu suporte, bem como ao
modo de difusão: enunciados orais, no papel, radiofônicos, na tela do computador etc”.
Portanto, mostra-se necessário descrevermos pelo menos um pouco da história desse meio
de transmissão de ideias, o chamado blog, e o seu suporte, a internet. Esta, da maneira que
conhecemos hoje, surgiu em meados dos anos 90. Por meio da conexão de computadores
interligados por redes, como as linhas telefônicas, compartilhavam-se informações de
maneira rápida e nunca antes vista. Já os atuais blogs surgiram de uma mutação nos
chamados fóruns de discussões da internet. Em tais fóruns, os usuários se comunicavam
através da criação de tópicos e assim criavam e desenvolviam uma discussão em torno de
um tema. A ideia inicial dos blogs era semelhante a um diário virtual (alguns ainda o são
hoje). A partir do uso e da observação das suas possibilidades, hoje podemos notar os mais
diferentes tipos de blogs: musicais, esportivos, pessoais, em torno de algum hobby, ou, até
mesmo, político.
O fato do nome do blog analisado ser intitulado “Caderno” já demonstra que o
conteúdo é formado por anotações e pensamentos do escritor português. Saramago utiliza
este meio para fazer anotações e breves reflexões sobre assuntos da atualidade. Temas
como a gripe suína, a crise financeira mundial e outros assuntos de caráter político e social
são tratados com uma visão diferenciada dos discursos das instâncias governamentais e da
mídia de um modo geral. Ao contrário dos blogs usuais, este prescinde da foto do seu autor,
demonstrando o caráter institucional da figura de José Saramago, que é um escritor
laureado com o prêmio Camões, em 1995 e o Prêmio Nobel de Literatura em 1998. A única
imagem que se repete em todas as páginas é a de uma mão escrevendo, que faz referência a
um índice da escrita, não perdendo assim a ideia de que o blog é pontuado por um escritor
de 86 anos, cujo primeiro romance foi publicado em 1947, ou seja, muito antes da assim
chamada “era digital”, num tempo em que os textos eram escritos à mão ou em máquinas
de datilografar. O Caderno de Saramago tem como característica muito próxima do livro
impresso a não intervenção do leitor, pois o blog não permite a contribuição direta de
terceiros (comentários ou modificações do texto), somente através do Really Simple
Syndication (RSS 2.0), que é gerado em outra página, assim não modificando o enunciado
original, criando apenas uma comunicação de hiperlink. “Em vez de uma variação
contínua, temos um objeto inalterável e fechado em si mesmo, como o autor que ele
pressupõe. O texto impresso, ao dispor caracteres invariantes sobre o espaço branco de uma
página idêntica às outras, abstrai o texto da comunicação direta” explica Maingueneau
(idem, p.80). O blog O Caderno de Saramago carrega estas proposições do texto impresso
simplesmente trocando as páginas idênticas por uma única página virtual, que é vista e lida
diversas vezes, até simultaneamente, de ponto geográficos distantes – um internauta acessa
a página em Lisboa ao mesmo tempo em que outro a acessa em Salvador – sem esta se
modificar. É a desmaterialização do suporte físico do enunciado que Maingueneau (idem,
p.83) nos fala.
Citando novamente Maingueneau (idem, p. 71), “Hoje estamos cada vez mais
conscientes de que o mídium não é um simples ‘meio’ de transmissão do discurso, mas que
ele imprime certo aspecto a seus conteúdos e comanda os usos que dele podemos fazer”. O
blog do escritor português é formado por textos pequenos de parágrafos curtos que diferem
(e muito) da sua escrita literária, cujas características principais são o hermetismo de textos
que possuem longos períodos e frases, e utiliza-se da pontuação de uma maneira não
convencional, a exemplo dos diálogos, sem travessões, inseridos dentro dos parágrafos. O
público virtual é acostumado com textos rápidos com uma linguagem mais dinâmica, o que
levou Saramago a adotar um novo estilo para transmitir suas idéias a um público mais
jovem, o que ratifica a afirmação de Maingueneau (idem, p.72): “O modo de transporte e
recepção do enunciado condiciona a própria constituição do texto, modela o gênero de
discurso”. Os textos do escritor na rede tratam de temas mais comuns ao resto do universo
de usuários, ganharam espaço para serem citados e inclusive discutidos nesse meio até por
um público completamente alheio ao campo do estudo da crítica literária.
Saramago começa seu discurso de maneira interessante: “Perante a cimeira do G20
de hoje, só três perguntas”, trazendo à tona a questão da variedade lingüística. A palavra
“cimeira”, na variedade do português utilizado em Portugal, significa o mesmo que reunião
de cúpula. Para um brasileiro, essa palavra pode representar dificuldade, demonstrando que,
mesmo sob uma – teórica – unidade linguística, diversos países podem se utilizar de termos
e expressões diferentes.
Como descrito por Dino Pretti (1997, p.24) sobre as variações geográficas: “Suas
manifestações são contidas na comunidade por uma hipotética linguagem comum do ponto
de vista geográfico que, sendo geralmente compreendida e aceita, contribui para o
nivelamento das diferenças regionais”. No caso do texto, essa hipotética linguagem comum
seria o português, falado tanto no Brasil quanto em Portugal. Essa língua “comum” nivela
as variações e traz os dois países – ou os países restantes – ao mesmo nível, em termos de
língua falada. Entretanto as variações estão presentes e, mesmo - como disse Pretti - sendo
contidas, continuam evidentes e demonstram a capacidade de a língua modificar-se.
Para analisar mais a fundo o discurso de José Saramago sobre o G20 faz-se
necessário conhecer um pouco dos fatos históricos que o cercam: nascido em 1922, viveu
no auge e na decadência do ideário da esquerda no mundo, em que vários regimes políticos
foram formados a partir das ideias de Karl Marx. Mesmo vivendo durante a decadência das
repúblicas comunistas, não perdeu sua esperança em relação à sua posição política e ainda
hoje faz parte do Partido Comunista Português. Mesmo assim, não se exime de criticar a
esquerda, como podemos verificar na seguinte citação: “Antes gostávamos de dizer que a
direita era estúpida, mas hoje em dia não conheço nada mais estúpido que a esquerda"
(jornal Público, Última Hora, 13.06.2007). Demonstra também sua posição ideológica
dentro desta nova mídia, já que em seu blog menciona a esquerda atual como sendo
indiferente aos avanços da direita, que manda e desmanda no mundo com práticas
econômicas e políticas que segregam os povos mais pobres, sem voz, cuja mão-de-obra e
matérias-primas são exploradas pelas grandes corporações.
O G20, criado em 1999, constitui-se das 19 maiores economias do mundo mais a
União Européia (constituída de 27 países), englobando 85% do produto nacional bruto
mundial, 80% do comércio mundial e dois terços da população mundial. Tem por objetivo
principal o crescimento e o desenvolvimento mundial por meio do fortalecimento da
economia. Caracteriza-se por adotar políticas neoliberais como a eliminação de restrições
no movimento de capital internacional, condições flexíveis do mercado de trabalho, a
liberalização do comércio global, entre outras metas. Tais políticas vão de encontro às
posições de esquerda. O texto de Saramago trata da última reunião desse grupo realizada no
dia 2 de abril de 2009 em Londres, que resultou na adoção de algumas medidas para
combater a crise financeira mundial, dentre elas a injeção de 1,1 trilhões de dólares para
reanimar a economia. Porém os leigos, em geral, pouco entendem o que essas medidas
acarretarão, principalmente na vida de um cidadão comum. Muito fala-se em números e
quantias de dinheiro, porém surge a questão: essas medidas ajudarão, por exemplo, na
resolução de problemas como a diminuição da pobreza e da miséria no mundo? É
provavelmente a partir de questões como essa que Saramago intervém questionando:
“Quê?”, “Pra quê?” e “Para quem?”.
“A ideologia tem, pois, uma materialidade e o discurso é o lugar em que se pode ter
acesso a essa materialidade.” Orlandi (1990, p.16) O enunciado de Saramago carrega sua
ideologia anticapitalista e vemos em seu discurso a materialidade desta. Sob uma
interpretação exclusivamente política, o co-enunciador poderia ver as perguntas do escritor
da seguinte maneira: O que é o G20, por detrás da explicação simplista de “as 19 maiores
economias além da União Europeia”? Para que o G20 existe além da chamada "manutenção
do atual sistema econômico" e de resguardar os países participantes da crise? Quem são os
reais beneficiados com as medidas tomadas por essa entidade? Toda a população mundial
ou apenas uma limitada parcela populacional dos países membros?
Outra abordagem que poderíamos fazer sobre as questões que o autor levanta estaria
menos ligada às posições políticas, e mais à questão da informação nos dias atuais. Ao
questionar os leitores sobre a reunião do G20, estes poderiam parar e se perguntar se
realmente sabem do que o escritor está falando. Diante de tanta informação no mundo atual,
podemos dizer que a população, exposta a uma quantidade enorme de informação,
assemelha-se ao personagem Kaspar Houser, do filme de Werner Herzog, ao adentrar à
cidade. Sua estupefação e total ausência de meios de descrevê-la pode assemelhar-se ao
mesmo sentimento sofrido (mas não tão bem percebido) pela grande massa exposta
diariamente aos mais diferentes meios de transmissão de informações. A grande quantidade
em detrimento da qualidade mantém as pessoas sempre cientes dos assuntos, mas nem
sempre da melhor maneira e do jeito mais producente. Sabe-se de tanta coisa, a todo
momento, que fica difícil separar, e até mesmo refletir, sobre os acontecimentos noticiados.
Talvez tratando-se da repercussão da reunião de cúpula do G20, a maioria da população
tenha encontrado-se realmente nessa situação: exposta a muita informação, porém sem total
compreensão da realidade. José Saramago, então, através de questões simples e básicas,
induz as pessoas a refletirem se estão verdadeiramente informadas ou não.
No presente trabalho, pudemos observar como a discussão sobre um evento recente
pode suscitar diferentes interpretações e até modos de escrita opostos. O escritor José
Saramago, por meio da utilização de um veículo de comunicação – a Internet – de uso não
tão comum no meio literário, manifesta a sua opinião sobre o acontecimento de maneira
sucinta e ao mesmo tempo profunda: utilizando-se de apenas três questões de uso comum,
incute-nos diferentes leituras. Possivelmente, seguindo a intenção original do autor,
refletimos e discutimos sobre a real validade da reunião do G20 partindo da idéia de
questionamento dos seus objetivos. Podemos seguir uma linha de pensamento mais política,
ligando as questões ao fato do escritor ser um conhecido esquerdista ou até mesmo partir do
principio que o autor trata da chamada “desinformação” no mundo atual.
A partir da utilização de textos lidos e discutidos em aula, fizemos uma breve
reflexão sobre vários aspectos do texto do autor e do ambiente que o ronda. Aspectos como
a variedade linguística, a adaptação da escrita ao meio em que é divulgada e a questão da
materialidade do discurso, foram trazidos à tona, enriquecendo e promovendo a reflexão em
cima de um texto – aparentemente – simples.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MAINGUENAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradução Cecília Pérez
de Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo: Cortez, 2001. p.71-83.
MALHEIROS, J. Vitor, Escritor apela à insubmissão, José Saramago: “Não conheço
nada mais estúpido que a esquerda”. Jornal Público, Lisboa, 13 jun. 2007. Disponível em: <
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=126644 >. Acesso em 05 maio 2009.
ORLANDI, Eni P. Terra à vista. Discurso do confronto: velho e novo mundo. São Paulo:
Cortez: Ed. Da Unicamp, 1990. p. 13 a 17 e de 25 a 37.
PRETTI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala (um estudo sociolinguístico do diálogo
na literatura brasileira). São Paulo: Nacional, 1997. p.11 a 71.
SARAMAGO, José, G20. O Carderno do Saramago. Portugal, 2 abril 2009. Disponível em:
< http://caderno.josesaramago.org/2009/04/02/g20/ >. Acesso em 05 maio 2009.
WIKIPEDIA, Blog. Wikipédia a enciclopédia livre. Brasil, 2 de maio de 2009. Disponível
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WIKIPEDIA, G20 maiores economias. Wikipédia a enciclopédia livre. Brasil, 30 abril
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WIKIPEDIA, José Saramago. Wikipédia a enciclopédia livre. Brasil, 2 de maio de 2009.
Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Saramago >. Acesso em 05 maio 2009.