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PENTECOSTALISMOS: O DESENVOLVIMENTO DE SUA DIVERSIDADE RELIGIOSA: 2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões XV Simpósio Nacional de História das Religiões ABHR 2016 Ailto Martins 1 Introdução A institucionalização do movimento pentecostal teve como resultado o surgimento de vários pentecostalismos. Este fenômeno tornou-se possível devido à perda da hegemonia das religiões tradicionais oficialmente reconhecidas pelo Estado. O Estado laico em muitos países garantem aos fiéis de todas as religiões, o direito a liberdade de expressão, por meio de leis que proporcionam a defesa dos locais de culto e promovem a tolerância religiosa. Ainda, a secularização constitui outro aspecto que permite a redução da influencia da religião sobre a sociedade. Desta forma, a institucionalização, laicidade e a secularização contribuem para a diversidade religiosa. Dentro deste contexto surgem possibilidades para o diálogo e o ecumenismo nos pentecostalismos. O movimento pentecostal se desenvolveu devido a sua diversidade religiosa. Contudo esta particularidade produziu uma série de pentecostalismos, fruto da fragmentação das diversas expressões pentecostais, orientadas pelo pluralismo e sincretismo religioso. Diante disto, em virtude dessa complexidade torna-se difícil a definição da identidade pentecostal, bem como de sua teologia. Muitos sociólogos, historiadores e teólogos já tentaram formatar sistematicamente o fenômeno pentecostal, por meio de definições e classificações, porém com a evolução e crescimento do movimento essas tentativas não estão dando conta de explicar o fenômeno. Desta forma surgem alguns questionamentos: Qual a fundamentação bíblica e teológica dos pentecostalismos? Qual a 1 Mestrado em Teologia (FABAPAR). Pós-graduado MBA em Gestão de Pessoas (UNINTER). Pós-graduado em Educação a Distância (Portal da Educação/Universidade Dom Bosco). Graduado em Administração de Empresas (UNIVILLE). Ciências Contábeis (UNIASSELVI) e Teologia (FATE/Metodista). Professor da Faculdade Refidim. E- mail [email protected].

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PENTECOSTALISMOS: O DESENVOLVIMENTO DE SUA DIVERSIDADE RELIGIOSA:

2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões

XV Simpósio Nacional de História das Religiões

ABHR 2016

Ailto Martins 1

Introdução

A institucionalização do movimento pentecostal teve como resultado o surgimento

de vários pentecostalismos. Este fenômeno tornou-se possível devido à perda da hegemonia

das religiões tradicionais oficialmente reconhecidas pelo Estado. O Estado laico em muitos

países garantem aos fiéis de todas as religiões, o direito a liberdade de expressão, por meio

de leis que proporcionam a defesa dos locais de culto e promovem a tolerância religiosa.

Ainda, a secularização constitui outro aspecto que permite a redução da influencia da

religião sobre a sociedade. Desta forma, a institucionalização, laicidade e a secularização

contribuem para a diversidade religiosa. Dentro deste contexto surgem possibilidades para o

diálogo e o ecumenismo nos pentecostalismos.

O movimento pentecostal se desenvolveu devido a sua diversidade religiosa.

Contudo esta particularidade produziu uma série de pentecostalismos, fruto da

fragmentação das diversas expressões pentecostais, orientadas pelo pluralismo e

sincretismo religioso. Diante disto, em virtude dessa complexidade torna-se difícil a definição

da identidade pentecostal, bem como de sua teologia. Muitos sociólogos, historiadores e

teólogos já tentaram formatar sistematicamente o fenômeno pentecostal, por meio de

definições e classificações, porém com a evolução e crescimento do movimento essas

tentativas não estão dando conta de explicar o fenômeno. Desta forma surgem alguns

questionamentos: Qual a fundamentação bíblica e teológica dos pentecostalismos? Qual a

1 Mestrado em Teologia (FABAPAR). Pós-graduado MBA em Gestão de Pessoas (UNINTER). Pós-graduado em Educação a Distância (Portal da Educação/Universidade Dom Bosco). Graduado em Administração de Empresas (UNIVILLE). Ciências Contábeis (UNIASSELVI) e Teologia (FATE/Metodista). Professor da Faculdade Refidim. E-mail [email protected].

influência do pluralismo e sincretismo religioso no desenvolvimento da diversidade religiosa

nos pentecostalismos? O que o Estado laico e o secularismo contribuem para a expansão do

fenômeno pentecostal? Que similaridades e diferenças doutrinárias podem ser encontradas

nos pentecostalismos? Todas estas perguntas podem ser analisadas diante da seguinte

problemática: Quais as principais particularidades e distinções no desenvolvimento da

diversidade religiosa nos pentecostalismos? Assim sendo, a pesquisa visa analisar e

compreender o fenômeno pentecostal na concepção e expansão de sua diversidade

religiosa, com objetivo de sinalizar caminhos para uma unidade dentro da diversidade

pentecostal, por meio de uma teologia do Espírito Santo, que contemple todos os

pentecostalismos.

A estruturação do artigo ocorre de forma tripartida, ou seja, a partir de três

divisões. A análise acontece através de uma revisão bibliográfica em tópicos específicos: O

primeiro tópico apresenta os pentecostalismos e suas possíveis definições e classificações.

Este tema visa abordar em meio às diversas estruturas que tentam organizar os

pentecostalismos, apresentar dois principais autores e suas respectivas classificações e

definições. A classificação e definição dos sociólogos Ricardo Mariano e Paul Freston. Esta

análise das obras destes autores permite perceber, diante do importante trabalho

desenvolvido por estes teóricos, que toda a definição por mais densa que se apresente

promove o reducionismo. O segundo tópico da pesquisa apresenta uma síntese sobre o

pluralismo e sincretismo religioso e, consequentemente, expõe a influencia destes dois

elementos no desenvolvimento da diversidade religiosa nos pentecostalismos. Uma das

forças do pluralismo religioso constitui-se por via da laicidade do Estado, que garante a

liberdade religiosa. Já a secularização promove o pluralismo religioso. Em alguns tipos de

pentecostalismos acontece o processo de secularização, especialmente com um pluralismo

doutrinário. Esta dinâmica tem como objetivo manter o movimento relevante à sociedade. O

sincretismo religioso apresenta-se como um fenômeno social complexo. Ele acontece por

meio do contato dos pentecostalismos com grupos religiosos similares e distintos, numa

condição de contaminação mútua entre os pares. O último tópico da pesquisa sinaliza

possíveis caminhos para uma teologia pentecostal. Pondera as diferenças e semelhanças nas

teologias dos pentecostalismos, buscando similaridades de doutrinas entre as instituições do

movimento, com a finalidade de fundamentar uma unidade teológica que não venha

extinguir a diversidade religiosa, mas sim canalizar esta força em busca de uma teologia do

Espírito Santo, que faça frente às necessidades inerentes a todos os pentecostalismos.

1. OS PENTECOSTALISMOS: POSSIVEIS DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES

Os pentecostalismos se constituem como um fenômeno social e teológico. Quanto à

origem deste fenômeno ocorrem algumas controvérsias. O sociólogo Souza (2004) contradiz

a afirmação de muitos estudiosos do movimento pentecostal, que apresentam o surgimento

do pentecostalismo no inicio do século 20 nos Estados Unidos. Para ele, a origem desse

movimento remete aos movimentos sucessivos anabatistas, quacres e metodistas, ancestrais

do pentecostalismo, que descende de um protestantismo do espírito. Também apresenta

uma série de avivamentos na história da Igreja como marco fundante do pentecostalismo.

Cita o movimento cristão do montanismo que surgiu no segundo século na inspiração

constante do Espírito Santo, como voz integrante do pentecostalismo. O teólogo Peruano

Bernardo Campos (2002) também trabalha dentro dessa perspectiva, quando introduz o

conceito de pentecostalidade, a qual define como a experiência universal do agir do Espírito

Santo em todos os períodos da história da Igreja Cristã, sendo um princípio norteador para

todos os pentecostais. Desta forma, de acordo com o autor, os pentecostalismos são

manifestações históricas dessa pentecostalidade.

O fenômeno pentecostal tem sido objeto de estudo no âmbito das ciências

humanas nas últimas décadas. Muitos pesquisadores já expuseram algumas classificações,

na tentativa definir e entender o pentecostalismo. Contudo, estes teóricos esbarram na

complexidade do movimento. Incorrem em dois erros primários: a generalização abusiva do

termo e o reducionismo que leva ao estigma social2, onde procuram rotular o movimento, a

2 Estigma Social: o conceito de estigma social está relacionado com as características particulares de um grupo

ou indivíduo que seguem o oposto das normais culturais tradicionais de uma sociedade. Ou seja, tudo o que não é

partir de determinado contexto. Mariano (2005) comenta que o trabalho de classificação do

pentecostalismo torna-se difícil, complexo e sujeito a controvérsias, devido às

transformações ocorridas neste movimento nas últimas décadas que ampliaram a

diversidade teológica, eclesiológica, institucional, social, estética e política nos

pentecostalismos. O sociólogo trabalha as tipologias das formações pentecostais, a partir da

análise de sua dinâmica histórico-institucional. Com base na discussão dessas tipologias

classifica o pentecostalismo em três vertentes 3 : pentecostalismo clássico,

deuteropentecostalismo e neopentecostalismo. Cada uma destas categorizações possuem

representações institucionais históricas.

Já o sociólogo Paul Freston (1996) apresenta a classificação em três ondas4 do

pentecostalismo brasileiro. A partir de um corte histórico-institucional, com implementação

de igrejas. Descreve a primeira onda com a chegada da Congregação Cristã (1910) e

Assembleia de Deus (1911). A segunda onda pentecostal acontece nos anos de (1950 e

1960), com a fragmentação e dinamização do campo pentecostal, três igrejas se destacam:

Igreja do Evangelho Quadrangular (1952), Igreja Brasil para Cristo (1955) e Igreja Deus é

Amor (1962). A terceira onda inicia-se no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80, com a

Igreja Universal do Reino de Deus em (1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus em

(1980). De acordo com o autor a primeira onda é marcada por igrejas fora do eixo Rio-São

Paulo, entretanto, a segunda e terceira onda se desenvolveram no contexto paulista e

carioca.

considerado um padrão cultural social é tido como um estigma para aquela sociedade. Por exemplo, durante

alguns anos os doentes mentais, negros, homossexuais e membros de algumas doutrinas religiosas, como os

judeus, eram considerados estigmas para determinadas sociedades. O estigma social, para muitos estudiosos,

ajuda a provocar a criminalização de alguns grupos excluídos socialmente. Disponível em:

<http://www.significados.com.br/estigma> Acesso em 23.10.2015. 3 A Primeira vertente: o pentecostalismo clássico representado pela Congregação Cristã no Brasil e Assembleia

de Deus, a primeira fundada em 1910 e a segunda em 1911. A segunda vertente: o Deuteropentecostalismo (a

partir de 1950) representada pela Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja Brasil para Cristo e Igreja Deus é

Amor. A terceira vertente: o Neopentecostalismo (a partir de 1970) representada pela Igreja Universal do Reino

de Deus, Renascer em Cristo e Igreja Internacional da Graça de Deus. MARIANO, Ricardo. Neopentecostais:

sociologia do pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 2005. 4 Quanto à história do protestantismo David Martin (1978) divide a dissidência protestante em três ondas: a

puritana ou calvinista, metodista e a pentecostal. FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo

brasileiro. Em: ANTONIAZZI, Alberto et al. Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do

pentecostalismo. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p. 67.

De acordo com esse contexto os pentecostalismos se estabeleceram como religião

urbana e popular. Passos (2005) analisa a estrutura da religião popular. Descreve os

elementos que permanecem sujeitos às diversas práticas: as funções sociais dos santos e as

práticas culturais e morais. Este processo permanece ao longo da história, onde ocorrem os

embates, as oposições e assimilações. Filho (2005) destaca como seu objeto de estudo em

sua pesquisa, a matriz cultural e matriz religiosa brasileira, com a finalidade de tecer um

comentário aceitável do campo religioso brasileiro. Estas matrizes representam uma série de

valores religiosos e de símbolos que lhe correspondem e que ensejam uma concepção

religiosa ampla e difusa vivenciada em todos os tipos de religiosidade. Diante disto, o autor

expõe a função da religião imersa nessa complexidade social, por meio da coesão e cisão

alcança grupos específicos e, consequentemente, forma subculturas, que pode gerar

conflitos. Desta forma, a diversidade religiosa coopera para disputas, concorrências e para o

aprofundamento de divergências, com proeminência nas discussões do campo moral,

doutrinário e teológico. As matrizes dos pentecostalismos perpassam essa diversidade

religiosa fundamentada na proeminência do pluralismo e sincretismo religioso.

2. O PLURALISMO E SINCRETISMO RELIGIOSO: A INFLUÊNCIA DESTES ELEMENTOS PARA

DIVERSIDADE RELIGIOSA NOS PENTECOSTALISMOS

O pluralismo e sincretismo religioso bebem da fonte do secularismo. O processo de

secularização se utiliza do conceito weberiano de “desencantamento do mundo”. Weber

(1967) afirma que por meio do desencantamento religioso o mundo abandona o domínio

que veem das forças ocultas transcendentes, que podem ser manipuladas pela ação

transcendental, para serem controladas somente pela ciência. Esta dinâmica apresenta a

eliminação da magia no interior das religiões, a qual vai sendo substituída por uma prática

religiosa estabelecida pela ética. Dentro desta perspectiva, Rivera (2010) diz que uma

sociedade não secularizada define-se pela autoridade da religião no plano do saber e na

esfera dos valores. Neste caso, a secularização corresponde ao desenvolvimento e à

autonomia das ciências, ofuscando o poder religioso oficial e abrindo espaço para outras

manifestações religiosas. Este contexto fortalece o desenvolvimento do pluralismo e

sincretismo religioso em todas as religiões.

O grande marco no processo de secularização realizou-se por via da laicidade do

Estado. Ferreira (2012) menciona que a religião pentecostal foi a quem mais se beneficiou

com o Estado laico5. O estudioso das religiões argumenta que a tomada do poder da religião

pelo Estado possibilitou a diversidade religiosa através da multiplicação das instituições

religiosas pentecostais. Desta forma, o Estado laico sustenta o pluralismo religioso, que por

sua vez, se apresenta como uma das consequências mais importantes da secularização.

Diante destes fatos, a tendência religiosa contemporânea é plural e desenvolve um campo

fértil para o sincretismo religioso. Burke (2003, p.47) define o sincretismo, “como a mistura

deliberada de elementos de determinadas crenças”. Dentro de alguns pentecostalismos o

elemento sincretista representa o ferramental adequado para a penetração da fé

pentecostal em espaços de difícil acesso. Ambientes onde o protestantismo histórico

encontrou muitas dificuldades de adaptação e resistências, os pentecostalismos assimilaram

as diferenças e as controvérsias e se estabeleceram.

Os pensadores contemporâneos vêm discutindo e dialogando temas relacionados

ao pluralismo religioso, sincretismo religioso, tolerância religiosa, ecumenismo, diálogo inter-

religioso, teologia pluralista das religiões, entre outros. Para analisar a contemporaneidade

religiosa dos seres humanos torna-se indispensável o exame desta nova consciência. Vigil

(2006, p.376) enfatiza esta realidade: “Estamos vivendo essa nova experiência espiritual. Há

um Espirito novo rondando-nos, desafiando-nos, quase que cada dia, numa multiplicidade

de gestos, de reflexões, de novas práticas. Estamos passando por um momento de

transformação”. O autor descreve algumas características mais importantes do pluralismo,

especificamente no contexto cristão. Afirma que modus operante do cristocentrismo na

religião cristã esta de passagem para o pluralismo. Paradoxalmente há medo e resistência,

ao mesmo tempo, atração, clareza e evidência. Todo este discurso demonstra o poder do

5 Estado laico significa um país ou nação com uma posição neutra no campo religioso. Também conhecido como

Estado secular, o Estado laico tem como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou

discriminando nenhuma religião. <http://www.significados.com.br/estadolaico> Acesso em 23.10.2015.

pluralismo religioso na religiosidade contemporânea. Desta forma, os pentecostalismos

principalmente diante do agir livre e espontâneo do Espírito Santo, a qual se pode chamar do

movimento do Espírito vai dando lugar a um pentecostalismo cuja identidade não pode mais

ser explicável como única, assume formas diversas de acordo com o local e as demandas

populares.

A inter-religiosidade das religiões ajuda entender os aspectos sincretistas de todos

os movimentos religiosos. Klinger (2010) questiona se existe um sincretismo legítimo. Avalia

o conceito de sincretismo como um problema de linguagem. O linguístico deve-se ser

empregado com cuidado, sabendo qual sentido e para qual finalidade. De acordo com o

autor sincretismo é originalmente um conceito politico, que significa um crescimento

conjunto frente uma ameaça exterior. Contudo, hoje é usado com um sentido pejorativo e

negativo. O crescimento conjunto é traduzido como mistura de religiões. Deste modo, o

sincretismo é um sinal característico de todas as religiões. Boff (1982) destaca que a

catolicidade como sinônimo da universalidade, só torna-se possível sob a condição do

sincretismo. Portanto, partindo deste princípio do pensamento de Boff, a pentecostalidade

do Espírito Santo deve acontecer dentro dos ambientes plurais e sincretistas das religiões.

No entanto, Júnior (2014) faz uma crítica acentuada ao neopentecostalismo no

desenvolvimento do seu sincretismo. Denuncia a prática sincrética desrespeitosa por este

tipo de pentecostalismo, que vem desenvolvendo um sincretismo de inversão, a qual expõe

uma alta dose de intolerância religiosa, na estrutura e conjuntura de sua religiosidade. Esta

postura nega a essência do sincretismo que é a tolerância e o respeito a todas as religiões.

3. CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA DO ESPÍRITO SANTO: SIMILARIDADES E DIFERENÇAS

TEOLÓGICAS NOS PENTECOSTALISMOS

A diversidade cultural e religiosa da humanidade se mostra na sua própria história.

Stroher (2015, p.126 e 127) trabalha os direitos humanos e a diversidade religiosa em um

Estado laico. Salienta que “a diversidade é uma realidade humana, conquanto caiba

evidenciar que esta diversidade foi construída e é resultado de um processo histórico e

cultural. E, entre os Direitos Humanos fundamentais, é preciso reafirmar o direito à

diferença como elemento componente e constituinte da diversidade”. Todavia, a autora

argumenta que “nossa diversidade étnico-cultural é uma diversidade histórica resultante da

colonização/colonialidade, enraizada em políticas de escravidão, desumanização e exclusão”.

Portanto, a diversidade religiosa não é analisada na dinâmica da colonização devida

principalmente o sofrimento de pessoas neste processo. Muitos sujeitos passaram pela

extinção de suas crenças e, consequentemente, a catequização de suas religiosidades,

devido à prática do método que visava impor a cultura e a religião dos civilizados aos

desumanizados. Esta constatação ajuda a entender a diversidade religiosa nos

pentecostalismos, visto que é nos movimentos de massas, mesmo perante a negação da

religiosidade dos marginalizados e excluídos, por parte da classe dominante, que se encontra

o desenvolvimento da diversidade religiosa. Diante disto, Gutiérrez (1996) destaca o sentido

popular do movimento pentecostal, a qual incluiu os marginalizados e os excluídos, com uma

proposta de transformação social.

As descobertas científicas e desenvolvimento tecnológico torna o mundo

progressivamente mais globalizado e diverso. A diversidade cultural, social e religiosa cada

vez mais se configura e cresce continuamente na sociedade contemporânea. Bock (2004)

propõe uma releitura da teologia cristã na perspectiva da unidade na diversidade, com

objetivo de mostrar possíveis caminhos de consenso, diante das controvérsias teológicas no

contexto pós-moderno. Por meio desta temática chama a atenção ao comprometimento e

ao envolvimento através do diálogo desafiador a respeito de Deus no mundo. Propõe uma

revisão histórica das raízes do evangelicalismo,6 observando os limites impostos que diz

respeito à verdade, bem como o compromisso no evangelho e na autoridade única da Bíblia,

6 O evangelicalismo tem sua origem no interior da Igreja da Inglaterra no século XVIII. Havia, desde o século

XVI, a herança da ala mais protestante da Igreja (“igreja baixa”), com a influência luterana e calvinista e a

presença de puritanos que optaram pela permanência na instituição. Com os irmãos John e Charles Wesley,

George Whitefield e John Fletcher vem a influência armeniana. Vale lembrar que o “metodismo” foi

primeiramente um movimento evangélico dentro da Igreja Anglicana. Os irmãos Wesley viveram até o fim nessa

igreja, e, até hoje, constam como homenageados pelo calendário anglicano. Após a sua morte é que há o cisma,

com a criação da Igreja Metodista. Parcela significativa dos seus seguidores, porém, continuou na Igreja

Anglicana, formando a ala evangelical. CAVALCANTI, Robinson. As origens do evangelicalismo. Revista

Ultimato. n.253, Jul-Agos, São Paulo: 1998.p.27.

a qual busca delinear a posição e a direção que a teologia cristã deve tomar frente ao

pensamento pós-moderno. Diante da proposta de Bock, que tenta encontrar uma unidade

teológica, em meio à diversidade de cristianismos, os teólogos pentecostais também

necessitam sinalizar caminhos para uma teologia que tenha fundamentos na

pentecostalidade do Espírito e que venha contemplar todos os pentecostalismos.

As diferenças no campo teológico dos pentecostalismos incidem de várias formas.

Pommerening (2013) descreve o maior distanciamento entre dois tipos de pentecostalismos.

O designado pentecostalismo clássico e o neopentecostalismo. O autor destaca que a

exposição desta categorização díspar tem como objetivo diferencia-los. Faz uma síntese das

diferenças teológicas entre eles, a qual se pretende destacar nesta pesquisa os quatros

principais. O pentecostalismo clássico quanto à questão do pecado a ênfase é no

arrependimento. A respeito de Jesus, Ele é Senhor e Salvador. A salvação pela graça com

regras. A Bíblia deve ser interpretada na literalidade. Já o neopentecostalismo estas

teologias sistemáticas são interpretadas de forma diferente. O tema pecado, a ênfase é na

ausência de culpa humana. Jesus é Salvador e Provedor. Já a salvação acontece pelo

sacrifício financeiro e o uso da Bíblia ocorre com parcialidade. Todas estas diferenças

teológicas são melhores compreendidas quando se analisa o ponto central do fazer teológico

desses dois pentecostalismos. A teologia do pentecostalismo clássico esta centrada na

pessoa e obra do Espírito Santo no processo de santificação e de glorificação. Já a teologia

do neopentecostalismo esta totalmente imergida na teologia da prosperidade.

As similaridades e diferenças teológicas nos pentecostalismos se formam devido à

diversidade religiosa. Diante deste cenário religioso destaca-se em todos os

pentecostalismos a experiência com o Espírito. Pommerening (2014) fala desta experiência

pneumatológica que sustenta a compreensão de fé pentecostal. Enfatiza a importância que

os pentecostais colocam na experiência do Espírito, visto que ela aponta caminhos

fundamentais de organização pessoal, familiar e social. Ainda destaca o conforto espiritual

do individuo, por meio de um sentimento de pertença. Moltmann (2010) também sustenta

essa ideia, que a experiência pessoal do Espírito é fundamental para a pessoa se sentir

amada e cuidada por Deus. A presença do Espírito advindos do êxtase e o empoderamento

espiritual somente podem ser percebidos perante a experiência. Outro aspecto de

similaridade entre os pentecostalismos que também esta imersa na experiência encontra-se

no Batismo no Espírito Santo. Para Campos (2002) a força do Espirito esta relacionada à

práxis pentecostal, que constitui poder a pessoa, para suplantar as condições que querem

desumanizar os seres humanos. Nos cultos de muitos pentecostalismos os dons espirituais

tem primazia e guia a vida de muitos pentecostais, principalmente por meio dos dons de

profecia. Souza (2004) diz que o movimento pentecostal na sua origem buscou os carismas

do Espírito Santo para a espiritualidade da igreja e o trabalho de evangelização. Já no

segundo momento, a ênfase foi colocada na cura e libertação. O autor termina destacando a

década de 80, que a operação do Espírito Santo liberta da pobreza, da miséria e da

depressão. Desta forma, as principais similaridades dos pentecostalismos podem ser

sintetizadas nas experiências do Espírito, no Batismo do Espírito Santo e nos dons espirituais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fenômeno pentecostal tem expirado muitos pesquisadores para o estudo dos

pentecostalismos. Esse campo religioso se apresenta ainda fértil, vigoroso e, em constante

crescimento. Toda essa força explica-se pela diversidade religiosa proporcionada pela

pentecostalidade do Espírito, em todos os momentos iluminados, mas também em períodos

de perseguições e sofrimentos, enfrentados pela Igreja Cristã no decorrer da história. O

pluralismo religioso e o sincretismo contribuíram de forma significativa para a expansão dos

pentecostalismos, visto que a sociedade contemporânea é plural e sincretista. O mover do

Espírito tem quebrado hegemonias de religiões fundamentalistas e opressoras, dando voz

aos marginalizados e excluídos. O Espírito da vida é especialista em transformar miséria em

bênção, sofrimento em alegria, perdição em salvação. Toda esta transformação deve ser

compreendida como imerecida, por meio da ação justificadora e regeneradora do Espírito

Santo. Já quanto à definição e classificação dos pentecostalismos, diante dos importantes

trabalhos de muitos pesquisadores, incide ainda um longo caminho que precisa ser

percorrido. O slogan principal para estes perseverantes da ciência deve ser este: “o Espírito

sofra onde quer”, visto que Ele é livre.

As similaridades e diferenças teológicas nos pentecostalismos estendem-se por via

da diversidade religiosa. Paradoxalmente a diversidade tem o poder de unir e separar. As

igualdades e as desigualdades no ser humano, em um sentido positivo são importantes para

a construção do sujeito. Ser igual e diferente torna-se fundamental para a multiplicação e

perpetuação da espécie. Homens e mulheres, seres iguais e diferentes que se unem com a

potencialidade de formar uma nova criatura. Desta maneira, o Espírito age na unidade do

ser, criando seres humanos diversos. A teologia nos pentecostalismos necessita dessa

sinergia do Espírito, focando principalmente nos aspectos teológicos vitais, como as

experiências, o Batismo do Espírito Santo e os dons espirituais, a qual proporciona a unidade

nos pentecostalismos, isto deve ocorrer sem comprometer a diversidade, visto que é através

dela que ocorre a propagação desta unidade. Este deve ser o principio norteador para o

desenvolvimento da teologia do Espírito Santo.

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