Pensar Completo2411

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VITÓRIA, SÁBADO, 24 DE DEZEMBRO DE 2011 www.agazeta.com.br Pensar Entrelinhas POESIA COMPLETA DE SÉRGIO BLANK REVELA UMA LONGA EPOPEIA EM BLUE. Página 3 Educação COMO PIAGET E VYGOTSKY RENOVARAM O ENSINO NO SÉCULO XX. Página 4 Música O CHORO ENCONTRA BACH EM DISCOS E LIVRO DE PARTITURAS. Página 5 Artigo O FUTURO DA RÚSSIA 20 ANOS APÓS O FIM DA UNIÃO SOVIÉTICA. Páginas 10 e 11 UMA VIDA DEDICADA AOS PALCOS Considerado um dos maiores atores do país, Sérgio Britto deixou uma grande lição de amor pelo teatro. Página 12 O Natal na literatura FESTA CRISTÃ INSPIROU OBRAS DE SHAKESPEARE E DE OUTROS ESCRITORES CLÁSSICOS Páginas 6, 7 e 8 RAFAEL ANDRADE/FOLHAPRESS

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Suplemento de cultura de A Gazeta

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VITÓRIA, SÁBADO, 24 DE DEZEMBRO DE 2011www.agazeta.com.brPensar

EntrelinhasPOESIACOMPLETA DESÉRGIO BLANKREVELAUMA LONGAEPOPEIAEM BLUE.Página 3

EducaçãoCOMOPIAGET EVYGOTSKYRENOVARAM OENSINO NOSÉCULO XX.Página 4

MúsicaO CHOROENCONTRABACH EMDISCOS ELIVRO DEPARTITURAS.Página 5

ArtigoO FUTURO DARÚSSIA 20 ANOSAPÓS O FIMDA UNIÃOSOVIÉTICA.Páginas 10 e 11

UMA VIDADEDICADAAOS PALCOSConsiderado um dosmaiores atores dopaís, Sérgio Brittodeixou uma grandelição de amorpelo teatro. Página 12

O Natal na literaturaFESTA CRISTÃ INSPIROU OBRAS DE SHAKESPEAREE DE OUTROS ESCRITORES CLÁSSICOS Páginas 6, 7 e 8

RAFAEL ANDRADE/FOLHAPRESS

Documento:AGazeta_24_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_1.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:22 de Dec de 2011 21:04:15

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2PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,24 DE DEZEMBRODE 2011

marque na agenda prateleiraquempensa

Lucas dos PassosémestrandoemLetras,poetaeestudiosodaobradePauloLeminski. [email protected]

MarcosSilvaOliveiraé licenciadoemHistó[email protected]

FernandoDuarteémú[email protected]

FranciscoAurelioRibeiroéprofessoreescritor.MembrodaAcademiaEspírito-SantensedeLetras. [email protected]

NayaraLimaéescritoraegraduandaemPsicologiapelaUfes.ww.nayaralima-versoeprosa.blogspot.com

SolangeCastroMedinaé [email protected]

OsielBasílioégraduandoemLetrasPortuguês/Inglê[email protected]

ManinhoPachecoé jornalista, designergráficoepublicitá[email protected]

LuizTadeuTeixeiraé jornalista, ator, [email protected]

A Rainha doCalçadão, Opus 14Esdras doNascimentoEste romance urbano cariocase desenvolve a partir dosacertos e desacertos dediversas mulheres. O autor

oferece ao leitor a possibilidade de degustaro livro dentro dos padrões tradicionais, doprimeiro ao último capítulo, ou de ler as setenarrativas de forma independente.

432 páginas. Global Editora. R$ 47

ReparaçãoIan McEwanEdição econômica do livroque inspirou o filme “Desejoe reparação”, de Joe Wright.Na trama, umapré-adolescente movida pelosonho de se tornar escritora

comete um crime que marcará o futuro detoda a família e passa o resto de sua vidatentando desfazer o mal que causou.

272 páginas. Companhia das Letras. R$ 32

A Dona da BossaClaudette SoaresCom mais de 45 anos decarreira, a cantora passeiapor standards da MPB nesteregistro gravado ao vivo, no

Teatro Fecap (SP). No roteiro, canções de ZéKéti, João Donato, Ivan Lins, Djavan, JoãoGilberto, Jorge Benjor e Toquinho, e umainteressante adaptação de “Baião” (LuizGonzaga/Humberto Teixeira) para o blues.

12 faixas. Selo Discobertas. R$ 19,90

BilogiaO TerçoA reedição dos doisprincipais álbuns de O Terço,“Criaturas da noite” (1975) e

“Casa encantada” (1976), traz para o séculoXXI a inventiva fusão de rock progressivo eMPB desse supergrupo pilotado por FlávioVenturini antes da criação do 14 Bis.

19 faixas. CD duplo. Microservice. R$ 34,90

Música instrumentalWanderson Lopez lança CD em VitóriaO violonista apresenta ao público o álbum “Violão em Concerto Vol.1”-, dia 29 de dezembro, às 20h, no Teatro do Sesi. Participaçõesdo Baobab Trio e de Jeremy Nauds. Informações: (27) 3334-7306.

IntercâmbioUfes oferece vagas para viagens de estudoA Ufes está oferecendo 40 vagas para intercâmbio no exteriordestinadas a alunos que participam ou participaram de programasde Iniciação Científica e apresentam bom desempenho acadêmico.As viagens de estudo poderão durar de 6 a 12 meses. Maisinformações: [email protected] ou 4009-2046.

27de dezembroNovo livro deKátia BobbioA autora lança “Grandesepisódios ocorridos no EspíritoSanto” na próxima terça-feira,às 9h, na Casa do CongoMestre Antonio Rosa, naSerra Sede, Serra.

29de dezembroJazz in Bossa no Mercado da MúsicaRecém-chegado de um giro pela Europa, o grupo se apresentano Mercado São Sebastião, em Jucutuquara, na próximaquinta-feira, a partir das 20h. Entrada franca.

José Roberto Santos Nevesé editor doCaderno Pensar, espaço para adiscussão e reflexão cultural que circulasemanalmente, aos sábados.

[email protected] LITERÁRIO

Assim que decidimos publicar um artigo sobre a abor-dagem do Natal nos clássicos da literatura, logo nos lembramosdo professor Francisco Aurelio Ribeiro como um estudioso como perfil adequado para cumprir a tarefa. Após aceitar o nossoconvite, em poucos dias ele encaminhou uma brilhantepesquisa sobre o tema, que começa no Novo Testamento atéchegar ao Século XX, passando por nomes como Camões,Shakespeare, Charles Dickens, Eça de Queirós, Machado deAssis e Fernando Pessoa, entre tantos outros escritores célebresque criaram histórias inspiradas no nascimento de Jesus. Em

forma de presente aos leitores, Francisco Aurelio selecionouescritos de três mestres sobre a data sagrada: Rubem Braga,Guilherme Santos Neves e Vinicius de Moraes. O extensoestudo se desdobra em textos de Bocage, Olavo Bilac, MiguelTorga, Eça de Queirós, Mário de Andrade e João Cabral deMelo Neto, que publicamos nos extras do Pensar no site de AGAZETA. Também na capa de hoje a justa homenagem aSérgio Britto, um dos maiores atores do país, como destaca ojornalista Luiz Tadeu Teixeira em artigo na página 12. Umbrinde às artes e à leitura, e até o próximo sábado!

Pensar na webConfira textosdeCamões,Bocage,OlavoBilac,MiguelTorga, EçadeQueirós,MáriodeAndradee JoãoCabraldeMeloNetosobreoNatal, vídeodeSérgioBrittoetrechosde livroscomentadosnestaedição,nowww.agazeta.com.br.

PensarEditor: José Roberto Santos Neves;EditordeArte:Paulo Nascimento;Textos:Colaboradores;Diagramação:Dirceu Gilberto Sarcinelli;Fotos:Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações:Editoria de Arte;Correspondência: Jornal

A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493

Documento:AGazeta_24_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_2.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:22 de Dec de 2011 21:52:53

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3PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

24 DE DEZEMBRODE 2011

entrelinhaspor LUCAS DOS PASSOS

A POESIA DE SÉRGIOBLANK, DARK, BLUE...

ARINY BIANCHI

OS DIAS ÍMPARESSérgio Blank. Editora Cousa.252 páginas. Quanto: R$ 40.Pedidos pelo sitewww.editoracousa.com.br

Antes de qualquer coisa,registre-se a importânciada publicação da poesiacompleta de um dosmaisfundamentais escritoresdo cenário capixaba con-

temporâneo. O volume, intitulado “Osdias ímpares”, ganha, ainda, ao trazer,como companhia para os poemas,uma relevante seleção da fortuna crí-tica acerca da obra de Sérgio Blank,que conta com vozes como as deFernando Tatagiba, Amylton de Al-meida, Paulo Roberto Sodré e Rei-naldo Santos Neves. Tratamento dig-no, pois, do quilate do poeta.Lendo o livro a contrapelo, os textos

críticos apontam, com frequência, o zelovocabular, a sistemática ruptura com asintaxe, os títulos únicos (Pus, Um, etc.) eo recurso à paródia, às citações, à ironia,enfim – tudo escrito em “sangue es-ferográfico”, como uma elegia lonely,uma longa epopeia emblue. Essa é a obrade umpoeta que aprendeu as vanguardasno asfalto das avenidas entre Cariacica eVitória e nos vãos de Jardim da Penha;delas (das vanguardas, das avenidas) edeles (vãos, asfaltos) fez uma poesiadinâmica e um tanto hermética, mas deum hermetismo que comunica. A paixão,mesmo quando encenada, é inequívocafonte de grande parte dos versos e nãoraro responsável pela solidão que se ins-creve letra a letra; afinal, em suas pa-lavras, “amor é espera e morte”. Lem-bre-se, por exemplo, que o primeiro tra-balho de fôlego sobre Sérgio Blank sechama “Sol, solidão”, dissertação demes-trado de Sinval Paulino.Boa parcela dos primeiros livros reu-

Dois poemasINTEMPÉRIEcorre à boca pequena certo boatoum zunzunzum um sopro umventoque escondo um sentimentocanhoto — natimortodiz que estou às boas com maisuma paixão carcomidae este sentimento cheio de nóspelas costasescondo no silêncio escandaloso— pote de poemase que a finada razão ria àsminhas custascomo resposta abotôo meusobretudo

e me encosto num dos oitões dacasaendereço do frio porta semnúmero — nevermoreboulevard com casuarinas quechoram ao vento à sobrepossecontra a minha vontade aventania põe ciscosnos olhos que fitam os umbraisde edgar allan poe(Do livro Vírgula)

ARTIGO DEFINIDOMASCULINO SINGULARo coração metropolitano

catedral de vitrais quebradiçose mosaicos de cacosassassinadoso amor cosmopolitaonde polaroid fica sendo grafitemetal ou gesso ou giz ou óleosente-se a falta de uma moldurano atelier no vernissage navitrinediz-se assim então que é omenosprezoacompanhado de um asteriscoamor em metrópole mas sem neonno país de tic-tacs e fisgadascardíacasdiz-se assim por conseguinte da

paixãoonde estetoscópios avaliam osbluesas badaladas os tum-tum-tunsas canções aceleradasem instantes de suspiros ebaladas de amoramor com coraçãometropolitano e cosmopolitabairrista e saneado e asfaltadoconseqüentemente platônico esem semáforono globo que gira indiferente àsespécies(Do livro A tabela periódica)

nidos sob a capa d’”Osdias ímpares” (sãocinco, ao todo) carrega amarcadoque sepoderia chamar “experimental”. São vi-síveis os detalhes na espacialização dospoemas, na quebra de vocábulos emsílabas, emmínimas letras, quase sempreentrecruzadas. Tal obsessão (e todo poe-ta é, no fim das contas, um obcecado)não some no decorrer da obra, é claro,mas transmuta-se, na tentativa de de-tonar a linearidade sem abolir, por com-pleto, o verso: os detalhes, a cada poemamais elaborados, se sutilizam. É assimque o obsessivo amor platônico de “Atabela periódica” – que, com base no querevela o poeta, seria uma espécie deromanàclef versificado –nãoperdedevista a sobriedade na construção e no“exorcismo” do amado “anjo djim jamesdean”. A propósito, os poemas, à e. e.cummings, são insistentemente escritosdesse modo, apenas com minúsculas;isto é, exceto quando as maiúsculasaparecem no meio das palavras, pro-duzindo novos sentidos.As referências? Numa síntese tanto do

que se preferiu nos anos 1970 e nasvanguardas como do que dita a tradição,vão de Jim Morrison a Shakespeare, deDante a Waldo Motta. Com eles, Sérgio ébeat, pop, rock, dark, marginal, mas,sobretudo, blues. Os poemas carregam,como veias, o fardo do vivencial, da vidade uma roupagem lírica muito singular,que diz: “eles passaram horas / atrás decerta palavra / eu vou em frente do erro”.Acertadaapublicaçãode todaaobradesteque cravou tão bem tantos versos e algunsbons e pensados erros. Que a escrita deSérgio Blank, o leitor e a poesia nãofiquem por aqui.

O autor, que reúne sua obra completa no livro “Os dias ímpares”: zelo vocabular

Documento:AGazeta_24_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_3.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:22 de Dec de 2011 21:53:59

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4PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,24 DE DEZEMBRODE 2011

Pensadores revolucionaram o sistema educacional no século XX ao despertar nas crianças oímpeto para o conhecimento e mostrar que o saber está relacionado à interação com o meio

ideiaspor MARCOS SILVA OLIVEIRA

EDUCAÇÃO EMPIAGET E VYGOTSKY

DIVULGAÇÃO

Jean Piaget: biólogo de forma-ção, cidadão suíço(1896-1990), seus estudos fo-ram focados em teorias deaprendizagem em crianças, dodesenvolvimento mental, da

aptidão para aprender, de níveis deinteligência em estágios de aprendi-zagem. Admitia que há estágios e pe-ríodos de desenvolvimento na criançaem suas etapas de aprendizagem.Vygotsky: russo, psicólogo, morreu

muito jovem (1896-1934), e seus es-tudos de linguagem foram centrados emcomo formalizar o pensamento. Ob-servou que as crianças aprendem pri-meiro a falar e somente depois a es-crever. Interacionista, ele admitia que narelação comomeio e o ambiente emquevivemos, a criança está desperta para aaprendizagemepara o conhecimento domundo ao qual interage.Esses dois psicólogos da educação de

crianças não pretendiam ensinar conteú-dos de conhecimento escolar a elas. Masdespertar o ímpeto para conhecer.Piaget pretendia ensinar a apren-

dizagem constante. Uma vida para oconhecimento. Ensinava a aprender.Vygotsky admitia que o pensamentotem uma labilidade e que era expressoatravés da linguagem. Que o pensa-mento se formaliza. E que na interaçãosocial e com o meio ao qual se pertencese forma uma cultura, inteligência epensamento acerca do mundo.Piaget ensinava jogos de inteligência,

testes, “quebra-cabeças” para as criançassolucionarem e para perceber a aptidão einteligência delas. Vygotsky percebeu queas crianças formam “insights” acerca domundo com o qual interagem, mas umalinguagem fluente, formal, objetiva virásomente algum tempo depois.Ambos eram interacionistas. Mas

unânimes em afirmar que havia es-tágios para o desenvolvimento mentaldas crianças. E que a aprendizagemnãodeveria ser de conteúdos do conhe-cimento, mas uma aptidão para in-teragir com o meio, onde o conhe-cimento do mundo que cerca a criançafosse o resultado da aprendizagem.A teoria construtivista de Piaget ad-

mite que formam-se “constructos” domundo que observamos. Que construí-mos uma imagem e representação destemundo ao qual conhecemos e que o

mundo material é construído pela in-teligência. JáVygotsky pensou que existeuma linguagem adequada do mundoexterno, que a criança, na interação como ambiente, modificava e conhecia. Queo ambiente social era conhecido pelosujeito – interagindo.Enfim: as mudanças no sistema edu-

cacional através da ação pedagógicadesses dois mestres foram significa-tivas. O interacionismo de Vygotsky e oconstrutivismo de Piaget.

DesenvolvimentoPiaget admitiu que há quatro períodos

no desenvolvimento da inteligência: sen-sório-motor de 0 a 24 meses, períodopré-operacional de 2 a 7 anos, períododas operações concretas de 7 a 11 anosou 12 anos, e período das operaçõesformais de 12 anos em diante. E focavano adestramento da aprendizagem atra-vés de múltiplas inteligências, a aptidãopara aprender disciplinas diversificadas ea inteligência múltipla para muitas áreasdo conhecimento.Como era biólogo, admitiu a he-

reditariedade, a adaptação e a per-cepção de que o aprendiz formava es-quemas do entendimento do mundo eque buscava um equilíbrio mental das

faculdades do conhecimento. Formouum método genético para o conhe-cimento – epistemologia genética. Ma-trizes para o conhecimento. O cons-trutivismo significa que o aprendiz cons-trói o mundo ao qual pertence.Vygotsky, ao estudar a linguagem e o

pensamento, buscou adequar a for-malização entre omundo conhecido e asua linguagem objetiva para o conhe-cimento, bem como a estrutura lógicadeste saber das condições do ambienteem que o aprendiz interage.Seu interacionismo é social e ambien-

tal. O conhecimento e o saber são pontosde chegada do aprendiz, da criança, atra-vés da interação e ação sobre o mundoque investiga – sociedade e ambiente. Atransformação do ambiente é a ação e oresultado dessas escolhas para o conhe-cimento. Também uma linguagem e pen-samento adequados à realidade destenovo mundo formado pela interação.Tanto Piaget quanto Vygotsky são

interacionistas. Para Piaget, o conhe-cimento é construído. Para Vygostky, ointeracionismo é dinâmico. Tanto umquanto outro aceitam múltiplas inte-ligências e a educação através de cam-pos e regiões do conhecimento variadas– a interdisciplinaridade.As teorias interacionistas e constru-

tivistas (Piaget e Vygostky) na educaçãorepercutiram. O construtivismo é co-nhecido no mundo inteiro e adotado nasescolas por muitos pedagogos e ten-dências pedagógicas. A psicologia ga-nhou ao introduzir no campo educa-cional as teorias de desenvolvimento dainteligência de Piaget: o método cons-trutivista. Logo se percebeu nas teoriasde Vygotsky sua utilidade para inserir oaprendiz no mundo através da ação emsua interação com o meio e o ambiente.A neurolinguística firmou-se em

muitos estudos de Vygotsky sobre opensamento e a linguagem acerca domeio e ambiente do aprendiz e suarespectiva ação no mundo circundantepara o conhecermos.Então abriu-se e descortinou-se um

novo campo para a psicologia da edu-cação e para a atuação consequente nasescolas de forma pedagógica esclarecidaquanto aos meios para se produzir oconhecimento e a atuação do aprendiz:ação e conhecimento no mundo cir-cundante. O construtivismo é aceito econhecido no mundo inteiro e o in-teracionismo também. A psicologia daeducação surge então para se difundir nosistema educacional como meio e pen-samento para repensar e inovar todae qualquer prática educacional.

Piaget buscou a construção do conhecimento, e Vygotsky apontou a influência das interações sociais na aprendizagem

Documento:AGazeta_24_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_4.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:22 de Dec de 2011 21:55:26

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5PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

24 DE DEZEMBRODE 2011

CHORO MEETS BACH14 peças do repertório deBach tocadas por um regionalde choro. Acompanha 2 CDs eencarte com partituras.Choro Music.Quanto: R$ 54,90. À vendapelo www.choromusic.com.br

falando de músicapor FERNANDO DUARTE

QUANDO O CHOROENCONTRA BACH

DIVULGAÇÃO

tocadas por um regional de choro e aparticipação de solistas como Da-niela Spielmann (sax soprano), Da-niel Dalarossa (flauta), Nailor Pro-veta (clarinete), Alexandre Ribeiro(clarinete) e Rodrigo Lessa (bando-lim). A editora se especializou emcolocar no mercado livros de par-tituras acompanhados por discoscom playbacks para estudo, um re-curso que os jazzistas usam há dé-cadas e que só recentemente os cho-rões puderam desfrutar.

ContrapontoNem a música das grandes bandas

americanas nem a do barroco ale-mão são estranhas para o nosso cho-ro. Severino Araújo, da OrquestraTabajara, foi pioneiro (em meadosda década de 40) em aplicar a ritmosbrasileiros as técnicas de orques-tração de seu ídolo Benny Goodmane abriu caminho para arranjadorescomo Fon-fon e uma leva de cho-ristas/jazzistas como K-ximbinho,Zé Bodega e Paulo Moura. Mas muitoantes, na própria caracterização dochoro está uma técnica típica doperíodo barroco: o contraponto.Contraponto é uma sobreposição

de linhas melódicas. Acredita-se queda produção barroca do período co-lonial brasileiro o choro herda aprática de um “baixo cantante”, exe-cutado por um instrumento maisgrave que dialoga com o solista prin-cipal. A linguagem brasileira de con-traponto é sintetizada nas gravaçõesde Pixinguinha ao saxofone tenor eposteriormente transportada para oviolão por Dino Sete Cordas.Muitos encontros marcaram a his-

tória do choro e novas fontes deinspiração continuam surgindo.Além de respirar ar fresco com novoscompositores (o que faltava há dé-cadas), o gênero vem se beneficiandode lançamentos de livros didáticos ebiografias, caixas de discos, os livroscom discos de playback da ChoroMusic e novos songbooks com par-tituras revisadas e contrapontostranscritos, que propiciam uma pre-cisa visão histórica, indispensável pa-ra quem olha para o futuro. E sealgumas tentativas de aproximaçãocom repertórios do rock e da músicapop são vistos com reserva pela maio-ria dos chorões, a trajetória abso-lutamente universal de Hamilton deHolanda comprova que o chorosegue vivo e se renovando.

A saxofonista Daniela Spielmann éuma das solistas do CD “Choro MeetsBach”, que mostra a universalidadedo gênero musical brasileiro eminterpretações de 14 peças docompositor erudito porum regional de choro

Aorigem do termo Choroé incerta. Historiadorese musicólogos discutemse o nome vem da mú-sica de sopro dos cho-romeleiros, de um tipo

de baile de escravos chamado dexolo, ou se seria uma referência acaráter melancólico, choroso do gê-nero, entre outras hipóteses. Masmuito mais importante do que aquestão etimológica é o uso que sefaz da palavra.Choro já significou um evento, co-

mo pagode já foi sinônimo de festa ecomo hoje o capixaba “vai para orock”. Já serviu para designar o gru-po de violão, cavaquinho, pandeiro eum solista (normalmente flauta oubandolim), enquanto jazz era usadopara qualquer grupo de baile. E tam-bém como rótulo genérico de músicade choro, para descrever o repertóriodas rodas e serenatas.Mas, principalmente, choro signi-

fica uma forma de tocar. Desde asegunda metade do século XIX, quan-do danças europeias como a polca e amazurka eram tocadas por músicosbrasileiros (muitos sem uma instru-ção musical formal), um sotaque pe-culiar dava um novo balanço àquelamúsica. Tecnicamente falando, umdeslocamento do acento rítmico daterceira para a segunda semicolcheiacaracteriza a nossa síncope. Em ter-mos claros, faz a música rebolar.

SotaquesMesmo depois da consoli-

dação do choro como umgênero, outros sotaquesforam sendo incorpora-dos, como o do samba.Hoje consideramosparte do repertório ca-nônico do choro al-gumas valsas, sambase frevos, e músicoscontemporâneos se-guem propondo no-vos encontros, comoDudu Maia e seu tra-balho com ritmos nor-destinos, e Rafael Fer-rari, que dialoga com atradição gaúcha.Os recentes lançamen-

tos da Choro Music refor-çam essa tese numa via demão dupla: clássicos do choroem arranjos para big bands e com-posições de Johann Sebastian Bach

Documento:AGazeta_24_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_5.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:22 de Dec de 2011 21:56:10

Page 6: Pensar Completo2411

7PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

24 DE DEZEMBRODE 2011

6PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,24 DE DEZEMBRODE 2011

PROFESSOR MOSTRA COMO O NASCIMENTO DE JESUSINSPIROU GRANDES AUTORES ATRAVÉS DOS SÉCULOS

literaturapor FRANCISCO AURELIO RIBEIRO

A NOITE FELIZPELO OLHARDOS CLÁSSICOS

Escritores de diferentes épocas, como Camões, Shakespeare, Charles Dickens, Machado de Assis e Fernando Pessoa, produziram histórias que se passam na data sagrada do calendário cristão

DIVULGAÇÃO

Omistério da Natividade deJesus, emBelémda Judeia,hoje pertencente à Pales-tina eapoucosquilômetrosde Jerusalém, é o acon-tecimento marcante do

cristianismo, o ponto de partida da con-tagem da Era Cristã e que só se comparaem importância à Páscoa, quando os cris-tãos comemorama ressurreiçãodeCristo eos judeus a libertação da escravidão noEgito. Nos países de tradição cristã, ostextos bíblicos de Mateus e de Lucas, doNovo Testamento, que narram o nasci-mento de Jesus e amaternidade deMaria,tiveram ampla repercussão na literaturadita profana, em todas as suas mani-festações dos gêneros narrativos, líricos oudramáticos, na prosa ou na poesia.Na Idade Média, há diversos exem-

plos, das representações do nascimentode Jesus na literatura, seja na poesia dostrovadores galaico-portugueses seja narepresentação dos autos de Gil Vicente(1465-1536), como no “Auto da Fé” ou oda “MofinaMendes”.Neles, para alémdodivertir, era permanente a preocupaçãoda educação na fé e a crítica aos mauscostumes. Também encontramos na poe-sia de Sá de Miranda (1495-1558) e nade Camões referências ao Natal, comoeste soneto clássico, “A Cristo NossoSenhor no Presépio”, de Luís Vaz deCamões (1524-1580). Também dele,com o mesmo tema é o soneto “À En-

carnação do Verbo Eterno”.Na verdade, até o século XV, era es-

cassa a literatura escrita existente, em suamaioria restrita a iluminuras e feitas nosconventos. Durante a Idade Média, oNatal era celebradopelosmenestréis comos característicos hinos em homenagemaos personagens do Natal: a família sa-grada, os pastores, os Reis Magos, osanimais, a estrela-guia. Dizem ter sidoFrancisco de Assis o criador do primeiropresépio, na Itália, no século XIII.Na Inglaterra, o poeta Geoffrey Chau-

cer (1340-1400) referia-se aos menes-tréis a desempenhar papel importante

tanto no palácio, como, e principal-mente, nos adros das vilas e aldeias. Umdosmais antigos hinos impressos sobre oNatal, na Inglaterra, é “Christmasse Ca-roles”, de Wynkin de Worde, em 1521 efaz parte das preciosidades da BibliotecaBodleian, de Oxford.Como Camões, em Portugal, William

Shakespeare não deixa de se referir àsfestividades de Natal, relacionando-asapenas a antigos e misteriosos costumese a duendes que desapareciam ao cantardo galo, nas vésperas de Natal. As fes-tividades natalinas, porém, conheceramnovo ímpeto durante os reinados de

Isabel I (1533-1603) e de James II(1633-1701, mencionados pelos cronis-tas da época, nomeadamente SamuelPepys (1633-1703).O Natal, porém, em termos popu-

lares, é comemorado, em muitas re-giões domundo e até aqui no Brasil, empeças teatrais, com autos, teatro deorigem medieval com fundo religioso.

AutosA tradição dos Autos de Natal, iniciada

por Gil Vicente com a encenação do “AutoPastoril Castelhano endereçado às ma-tinas do Natal”, em 1502, continua com o“Nascimento de Cristo”, de Baltasar Dias,em 1600, Antonio Pires Gonge, Clementee Francisco Lopes, Manuel N. de Sousa,Sóror Francisca de La Coluna, FranciscoLodrigues Lobo, no século XVII, Pedro Vazde Quintanilha, em 1678, e inúmerosoutros autores portugueses e brasileiros,nos séculos XVIII (menos) e XIX (mais)até chegarmos ao século XX, com osmodernos João Cabral de Melo Neto(1920-1999) e Ariano Suassuna (1927) eseus respectivos “Morte e Vida Severina.Auto de Natal Pernambucano” e “Auto daCompadecida”, em que pela primeira vezaparece um Jesus Cristo negro.“Morte e Vida Severina” é dividida em

18 cenas, cada uma narrando a jor-nada de um retirante da seca, Se-verino de Maria, da região da seca>

CRÔNICA

NatalÉ noite de Natal, e estou sozinho na casadeumamigo, que foi para a fazenda.Maistarde talvez saia. Mas vou me deixandoficar sozinho, numa confortável melan-colia, na casa quieta e cômoda. Doualguns telefonemas, abraço à distânciaalguns amigos. Essas poucas vozes, dehomem e de mulher, que respondemalegremente à minha, são quentes, e mefazem bem, “Feliz Natal, muitas felici-dades!”; dizemos essas coisas simples comafetuoso calor; dizemos e creio que sen-timos; e como sentimos, merecemos.Feliz Natal!Desembrulho a garrafa que um amigo

teve a lembrança de me mandar ontem;vou lá dentro, abro a geladeira, preparoum uísque, e venho me sentar no jar-dinzinho, perto das folhagens úmidas.Sinto-me bem, oferecendo-me este copo,na casa silenciosa, nessa noite de ruaquieta. Este jardinzinho tem o encantosábio e agreste da dona da casa que oformou. É um pequeno espaço folhudo e

RUBEM BRAGA

Camões faz referências à festa no soneto“A Cristo Nosso Senhor no Presépio”

Charles Dickens é autor do famoso “UmConto de Natal”, publicado em 1843

DIVULGAÇÃO

Em “Cartas de Londres”, Eça de Queirós citou o Natal triste na Inglaterra em 1941

florido de cores, que parece respirar; tema vidamisteriosa dasmoitas perdidas, umgostode roça, umaalegriameio caipiradeverdes, vermelhos e amarelos. Penso, semsaudade nemmágoa, no ano que passou.Há nele uma sombra dolorosa; evoco-aneste momento, sozinho, com uma es-pécie de religiosa emoção. Há também,no fundo da paisagem escura e desar-rumada desse ano, uma clara mancha desol. Bebo silenciosamente a essas imagensda morte e da vida; dentro de mim elassão irmãs. Penso em outras pessoas. Sintouma grande ternura pelas pessoas; souum homem sozinho, numa noite quieta,junto de folhagens úmidas, bebendo gra-vemente em honra de muitas pessoas.De repente um carro começa a buzinar

com força, junto ao meu portão. Talvezseja algum amigo que venha me desejarFeliz Natal ou convidar para ir a algumlugar. Hesito ainda um instante; ninguémpode pensar que eu esteja em casa a estahora. Mas a buzina é insistente. Levan-

to-me com certo alvoroço, olho a rua esorrio: é um caminhão de lixo. Está tãocarregado, que nem se pode fechar; tãocarregadocomose trouxesse todoo lixodoano que passou, todo o lixo da vida que sevai vivendo. Bonito presente de Natal!0 motorista buzina ainda algumas ve-

zes, olhando uma janela do sobrado vi-zinho. Lembro-me de ter visto naquelajanela uma jovem mulata de vermelho,sempre a cantarolar e espiar a rua. Écertamenteaelaquemprocuraomotoristaretardatário; mas a janela permanece fe-chada e escura. Ele movimenta com vio-lência seu grande carro negro e sujo; partecom ruído, estremecendo a rua.Voltoàminhapaz, eaomeuuísque.Mas

a frustração do lixeiro e a minha tambémquebraram o encanto solitário da noite deNatal. Fecho a casa e saio devagar; vouhumildemente filarumafatiadepresuntoede alegria na casa de uma família amiga.

(Rubem Braga. A Borboleta Amarela. Riode Janeiro: Ed. do Autor. 1963, pág. 124).

até o litoral, onde chega, no dia donascimento de uma criança, nosalagados de Recife. A morte é o

elemento de ligação entre uma cena eoutra. Publicado em 1956 e encenado apartir de 1958, é uma das peças teatraismais populares do Brasil.Tanto na literatura feita em Portugal

quanto na do Brasil, vários autores doséculo XIX trataram do tema do Natal,em verso e prosa. Cabe citar alguns doscontos mais conhecidos e seus autores:“OSuaveMilagre”, de Eça deQueirós; “ACeia deNatal”, de JúlioDinis; e “Noite doGalo”, de Machado de Assis, mas ne-nhum conto é mais conhecido, mun-dialmente, e mais referenciado do que océlebre “Um Conto de Natal”, de CharlesDickens (1812-1870), autor inglês.Seus “Contos de Natal”, escritos de

1843 a 1848, retratam sua revolta emrelação às condições sociais dos pobres emseu país. A mais conhecida história na-talinadeDickenspodeserassimresumida:em meio ao frio e à neve de Londres, àvéspera do Natal, todos se preparam paraa celebração do nascimento de Cristo. Asmulheres seocupamcomseusassadoseoshomens anseiam voltar pra casa; as crian-ças não conseguem dormir pensando nospresentes. Apenas uma pessoa não estáfeliz com o Natal: o velho Scrooge, ne-gociante sovina, ranzinza e solitário. Elenão vê razão para tanta alegria e in-quieta-se, apenas, com a folga que terá dedar a seu empregado. Recebe, então, avisita do fantasma de Marley, seu sóciofalecido, que searrependede terpassadoavida atrás do dinheiro e leva Scrooge em

uma viagem inesquecível para tentar sal-vá-lo enquanto é tempo. A história daredenção do velho Scrooge, Sovina, emportuguês, é, sem dúvida, o mais co-nhecido conto de Natal.

Infanto-juvenilA Literatura destinada a crianças e

jovens é pródiga em obras referentes aoNatal e a mais conhecida, talvez, é “Amenina vendedora de fósforos”, de HansCristian Andersen. A escritora sueca Sel-ma Lagerlöf, a primeira a ganhar umPrêmio Nobel de Literatura com obradestinada a criança, em 1909, tambémescreveu célebres histórias com temas

natalinos, dentre as quais “A lenda darosa do Natal” e “As crianças de Belém”.O imaginário natalício, com as suas

cores, simbologias, valores, rituais, é alvode uma atenção particular por parte daliteratura para a infância, assumindo umpeso considerável no panorama editorialportuguês e brasileiro. Ana Maria Ma-chado, Ruth Rocha, Ziraldo, são autoresque têm várias histórias sobre o tema.Nacrônica,EçadeQueirós(1845-1900),

em suas “Cartas de Londres” (1941), pu-blicou uma intitulada “O Natal”, em quefala doNatal triste na Inglaterra, pois o paísestava envolvido em vários conflitos. Namesma obra, escreveu, também, sobre osluxuosos livros de Natal destinados às

crianças feitos na Inglaterra, produto ine-xistente em Portugal e no Brasil, na época.Um dos mais instigantes contos sobre a

temática do Natal é “O Peru de Natal”, deMário de Andrade (1893-1945). Nele, oautor apresenta uma família patriarcal,que vive de aparências e mantém astradições, com a hipocrisia que predominanas reuniões familiares. É uma crítica aosentido do Natal, em sua prática ma-terialista, o que contraria a verdadeiraessência do Natal, que é o nascimento deJesus Cristo, a confraternização, o amorentre os seres humanos.É hora de concluir este levantamento

sobre a recorrência do tema Natal naLiteratura. Para encerrar, cito “Poema deNatal”, de Fernando Pessoa (1888-1935),um dos meus poetas preferidos:

Natal... Na província neva.Nos lares aconchegados,Um sentimento conservaOs sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,Como a família é verdade!Meu pensamento é profundo,Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graçaA paisagem que não sei,Vista de trás da vidraçaDo lar que nunca terei!

E, para dar uma cor local a estetexto que já vai longo, uma crônica deRubem Braga (1913-1990), nossoescritor-mor.

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8PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,24 DE DEZEMBRODE 2011

+ artigo de capapor GUILHERME SANTOS NEVES

O NATAL ATRAVÉS DA VOZ DOS ANIMAISTexto do professor Guilherme Santos Neves e poema de Vinicius de Moraes, selecionadospor Francisco Aurelio Ribeiro para esta edição, ilustram a festa natalina pelo olhar dos bichos

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O estudiosoda cultura

popularGuilherme Santos

Neves (1906-1989)

“Natal”

Leio na clássica obra de Pereirada Costa, “Folclore pernam-bucano” (Rio de Janeiro,1908, p. 46), esta informaçãoque data dos meus distantestemposde criança (aonde vão

eles, Santo Deus...): "O pato e o peru sãotambém [animais] excomungados, por-que na frase de uma curiosa legenda,geralmente narrada pormulheres no seucontar de histórias, quando o galo com oseu canto anunciava o nascimento doMessias, dizendo: Cristo nasceu; e ocordeiro respondia: Em Belém; retor-quia o pato: Cabeça fora; e o peru, com asua arrogante fatuidade, de plumagemeriçada e asas arrastando, acudia ime-diatamente: Logo, logo, logo!..." Há va-riantes dessa lenda ou parlenda infantil,mas todas elasmantêmo canto do galo eo balido da ovelhinha: – Cristo nasceu!– Em Belém!...Por exemplo:GustavoBarroso, em seu

interessante e erudito livro, “O sertão e omundo”, ao estudar "O reisado dos bi-chos" (p. 162) escreve: "Na vasta cópiadesses reisados, há um que é como umaespécie de parlenda infantil e procuraimitar a voz de todos os bichos do-mésticos, aplicando-a ao fato do nas-cimento de Cristo. Esse 'reisado dosbichos' deveria ter sido em rimas an-tigamente. Com o correr dos tempos epor ser próprio das crianças, perdeu-as etomou esse feitio simplório de parlendacom que ora se apresenta. Não há me-nino do Nordeste brasileiro que o nãoconheça de cor e que não o repita naépoca consagrada aonascimentodeCris-to. Dizem eles, procurando fazer com asdiversas frases uma como onomatopéiados diversos modos de voz dos animais:O galo: – Cristo nasceu!O boi: – Aonde? Aonde?O carneiro: – Em Belém! Em Belém!O burro: – Vamos! Vamos!A cabra: – Mata! Mata!O peru: – Degola! Degola!O capote (galinha de Angola): –Não! Está fraco! Está fraco!"Nos “Cantos populares espanõles”,

de Rodriguez Marin (Madri, 1951,tomo I, p. 80), encontro esse diálogoinfantil, que se prende (embora aí nãose diga) a essa mesma parlenda doNatal:– Quiquiriqui– Cristo nació,

– En dónde?– En Belén– Quién te l'ha dicho?– Yo que lo sé.Não se explica, igualmente, quem é

que pergunta ou quem responde, mas,pelas variante conhecidas, sabe-se que,pelo menos, o "quiquiriqui" e o "Cristonació" são vozes do galo; e que o "EnBelén", a voz do carneiro ou da ovelha –animais abençoados. Aliás, a signifi-cação do cantar do galo é tão difundidaque já entrou até para a poesia do povo.Uma trovinha, referida por Pereira daCosta (op. cit), diz assim:Meia-noite; canta o galo,Dizendo – Cristo nasceu!Cantam os anjos nas alturas:Gloria in excelsis Deo!No estudo que fez Gustavo Barroso

(p. 166) vamos verificar que essa par-lenda dos bichos no Natal é muito maisantiga do que se possa imaginar. De-parou o ilustre folclorista patrício, numlivro de autor francês, Paul Lacroix,referência expressa no "Noel de la joyedes bestes à la nouvelle de la naissancedu saint enfant". Ora, esseNoel [Natal]francês – que data da Idade Média – vaimencionar as vozes e o significado devários animais com relação ao nas-cimento doMenino Deus, semelhantes,até certo ponto, ao que Gustavo Bar-roso registrou no "reisado dos bichos"do Nordeste. Mas com uma diferençabem acentuada: os animais da velhacantiga francesa falam em... latim.Através desse texto, escrito em fran-

cês antigo, verifica-se que o galo (lecoq) repete (em latim) que Cristonasceu! O boi pergunta logo: Onde?

onde? onde? A cabra (em lugar daovelha) é que responde: em Belém. Oburro (Maistre baudet) convida to-dos (Emus!) a irem ver o Menino, eafinal a bezerrinha, por duas vezes, dizque quer ir (Volo, volo!). Segundoinformação de Lacroix, essa cantiga eraentoada, no século XIII, em procissãodo Natal. E é Gustavo Barroso quem odiz: "Não é de admirar que se cantasseesse Noel acompanhando a procissão,imitando seguidamente em coro as vo-zes dos animais". (id.167) Imaginem sócomo deveria ser interessante e ruidosaessa procissão natalina com cocorocóse zurros e balidos e berros, lá na Françada Idade Média...Quero encerrar estas nótulas – que

valem apenas pelo que se transcreveu –com esta lição de Gustavo Barroso, exatae meditada "...em matéria de folclore, asorigens das menores manifestações seperdem ao longe, na vasta corte dasgerações passadas" e "o verso que ou-vimos no som da viola ou a parlenda quenos recita um menino já foram escu-tados, com o mesmo encanto, entrepovos os mais diversos, séculos e séculosantes de nós. Tão forte é a memóriacoletiva, e tão facilmente ela lega suasriquezas, e tão facilmente também suaherança é recolhida, que, enquanto otempo destrói a pedra dos monumentose as inscrições gravadas no bronze, mo-difica os cantos e remembranças fol-clorísticas, não tendo, porém, força su-ficiente para de todo acabar com elas."

Reprodução parcial, editada, de artigopublicado em A GAZETA, 25 de dezembrode 1956.

VINICIUS DE MORAESDe repente o sol raiouE o galo cocoricou:– Cristo nasceu!O boi, no campo perdidoSoltou um longo mugido:– Aonde? Aonde?Com seu balido tremidoLigeiro diz o cordeiro:– Em Belém! Em Belém!Eis senão quando, num zurroSe ouve a risada do burro:– Foi sim que eu estava lá!E o papagaio que é giraPôs-se a falar: – É mentira!Os bichos de pena, em bandoReclamaram protestando.O pombal todo arrulhava:– Cruz-credo! Cruz-credo!BravaA arara a gritar começa:– Mentira! Arara. Ora essa!– Cristo nasceu! – canta o galo.– Aonde?- pergunta o boi.– Num estábulo! – o cavaloContente rincha onde foi.Bale o cordeiro também:– Em Belém! Mé! Em Belém!E os bichos todos pegaramO papagaio caturraE de raiva lhe aplicaramUma grandíssima surra.

Vinicius de Moraes (1913-1980): poemapublicado no livro “A Arca de Noé” (1970)

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9PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

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poesias

AS LUZESDE NATALOSIEL BASÍLIOAs luzes da cidade se acenderam cedoBrilham nas praças as cores do NatalAs árvores agora estão iluminadasOs olhos das crianças brilhamtambém.O Natal traz um encanto que o restodo ano não tem,Ainda que seja um encanto muitasvezes hipócrita.Para as crianças é um encanto real.Árvores reais, artificiais,Enfeites, formas, cores e luzesNos parques, praças, prédios e ruassão mágicos.As crianças se entortam e babam deadmiraçãoNão entendendo o fenômeno daárvore que acende.Os adultos não explicam direitoE elas acreditam em qualquerexplicação.Por isso, para elas o Natal significauma porção de coisas,Menos o que significa de verdade.Até que cresçam e entendamQue as luzes de Natal são apenasluzes que se acendem na cidade.

crônicas

PEQUENA ROSA À VIOLETAPor NAYARA LIMA

Ter existidome bastou? Aomenos umdiafoi assim?A casa desarrumada (o quenãome é raro), arrumou toda bagunça dedentro entulhada por fileiras e fileiras depensamentos (vãos?). Escrever é dar decara com a pilha amontoada de sen-sações, mesmo que vazias. Entendam:escrever éabismo.Aindaqueaescrita sejada palavra sorriso, ou da palavra parque.Escrevo de olhos abertos mas fechados,miro osmovimentos contínuos de dentro,onde que eu mesma desconheço. Olho osol e penso o quanto é bom tê-lo existindoe sei que logo ele estará naminha escrita,como tudo que existe (sendo bom ou nãoque exista).É solitário o gesto de escrever,como há algum tempo pensei que tam-bém fosse o de existir. Ainda não sei se osdois gestos falam da mesma solidão. Oque você faz? “Estou escrevendo por aí”.Quando digo isso, está escrito: não vê?Estou existindo.

Por quanto tempo será preciso es-crever? Enquanto eu existir? Não bastatambém estar viva. É preciso existir nospassos pelo chão, no adormecer da pri-mavera, no despertar do verão, no aten-der ao telefone, no anotar a senha dobanco, no olhar para aquela pessoa aolado. É preciso existir no caos demeio-dia, na calma da meia-noite, ou nocaos da meia-noite também. Se eu nãoexistir enquanto estiver viva não hácomo eu escrever. Acabo de lembrar:tenho dormido enquanto o sol nasce.Passo a existir ainda mais agora, neste

instante: você lê. Hoje você vai come-morar o Natal quando a noite chegar epouco importa quem foi que escreveu.Mas você, que lê, passa a existir paramim.Não nos conhecemos, o que tambémpouco importa. Este texto e você existem.É assim. Então eu vou te contar: nãoacreditei que o verão viesse, não aqui

dentro, mas veio – o céu claro prometeum segredo. Acho que viver é lento ederrete estrelas na gaveta (e acho que eujá disse isso nesta coluna).Feliz Natal. Se você prestar atenção, vai

ver que eu não disse nada. Vai perceberque essas linhas, em absoluto, têm gostode nada, têm gosto de água. Mas fuidescobrir que a liberdade está na su-perfície e por isso cavar a liberdademe fazpensar nesta frase que escutei dentro deuma peça profunda: “Quantos de nossosesforços são oferendas ao nada?”.Aprendi a não cavar liberdade. Mas a

criá-la. Fazer estas linhas é não fazer maisdo que existir. Será Natal daqui a pouco.“Existirmos, a que será que se destina?”–perguntou Caetano Veloso na canção dequando Torquato Neto se transformounuma pequena rosa em suas mãos. Ele jácantou a letra também em homenagem aVioleta Arraes. Cito de novo o músico emminhas crônicas. E isso não me espanta.Citar Violeta Arraes também não me

espanta. Ela não resiste a existir aindasempre. Acho que desde o primeiroparágrafo devo estar pensando nela.Feliz Natal, Violeta.

FIM DE ANOPor SOLANGE CASTRO MEDINA

O ano se aproxima do final e, inevi-tavelmente, o ser humano se dispõe abalanços interiores. Vai desfilando mês amês, na memória, toda sua propostaeufórica empenhada para si mesmo. Umaaquisição aqui, outra ali... Comparandocom o ano anterior, ele constata que atémesmo a agenda ainda está nova, e oscompromissos programados lhe parecemiguais... A rotina, que se estabelece nopassar dos dias, pela pressa de viver ecumprir oque se firmou, transforma todasas cores, espraiadas na calma, num cinzaindefinido, fincado na ansiedade.Vive-se pulando etapas, pois são tantas

metas para atingir. Daí, a urgência mas-cara a apoteose alcançada, porque aplenitude reside na serenidade.Catalogam-se aspirações que não com-

portam no exíguo espaço do ser que tempressa... No céu, mãos mágicas esculpem

nuvens emesculturas fugazes, irrepetíveise irreproduzidas, que os observadoressensíveis de um tempo, que já vai bemdistante, já não podem admirar, sugadosque foram pela correria do dia a dia. Omar, cúmplice nessa habilidade em ex-tasiar visões, nesse contexto de arte na-tural, joga e recolhe suas águas, numapintura infinita que se move e, assim,comoas nuvens, é cadadiamais ignoradopelos que correm... Em nome de umapressa incompreensível, desdenha-sea arte da natureza que nos cobre enos cerca...Contabilizar o que se empenhou é

tão fugidio como observar um ca-leidoscópio; tudo se mistura na sen-sação doída de quem não segurou aessência preestabelecida.Dozemeses sepassarameoutros tantos

já estão ao alcance da nossa teimosia em

adiar possibilidades. E apenas porque fal-ta-nos obstinação para concretizá-las, da-mos-lhes o nome de desafios, que jus-tificam a tibiez da nossa coragem... Virar apágina da agenda é mais ameno, nãocompete com noites insones... No tilintardas taças, os nossos sorrisos conterãotodas as euforias convencionalmente pro-gramadas, e os fogos não dirão que émentira... Estarão lá para confirmar ale-grias confraternizadas em comemorações,até nos darmos conta de que mesmo eles,após dilacerarem o céu tantas vezes comsuas luzes fantásticas, caem sobre o mar,aflito para apagar ilusões encomendadas.Todavia, a frase calada, o gesto adiado,por um tempo que não sabemos di-mensionar, podem durar apenas um se-gundo, basta que nós, que tão bem nosconhecemos, os transformemos e façamosvaler a pena...

PALRADORPalavras evasivasNada persuasivas,Palavras ao ventoPerdidas no tempo

Palavras dissonantes,Sons cacofônicos,Estrepitosos,Insalubres.

Palavras e mais palavras.Sem rumo, sem nexo.Palavras abundantesQue não dizem nada

Palavras que ecoam do vazio,Palavras que partem do nada,Palavras que não chegam a lugarnenhum.

Palavras sem força,Palavras sem vida,Palavras pálidas,Palavras débeis,

Palavras de um utópico.Palavras de quem não sabe o que diz.Palrador frívoloCriador de sofismas.

Documento:AGazeta_24_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_9.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:22 de Dec de 2011 20:49:48

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11PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

24 DE DEZEMBRODE 2011

10PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,24 DE DEZEMBRODE 2011

política internacionalpor MANINHO PACHECO

A QUEDA DO IMPÉRIO SOVIÉTICO:VINTE ANOS ESTA NOITE

AP

Em 25 de dezembro de 1991, a renúncia de Mikhail Gorbachev e a dissolução da UniãoSoviética decretaram o fim do comunismo, mas a Rússia até hoje cultua líderes do passado

Foi um Natal e tanto aquele de1991 para os (ainda) sovié-ticos. Em meio ao horárionobre, o então presidenteMikhail Gorbachev apresen-ta-se em cadeia nacional de

televisão para anunciar duas bombas:sua renúncia e a dissolução da União dasRepúblicas Socialistas Soviéticas(URSS). Em suma, o fim do comunismo.Aquele 25 de dezembro foi, digamos, o11 de setembro do povo russo. Umdivisor de águas. Para o bem e para omal. Natal mais emblemático do queaquele só mesmo o de 1929, quandoStálin baniu as árvores de Natal sob oargumento de serem “relíquias do estilode vida burguês”. Háde se esclarecer queo Natal na Rússia só é festejado no dia 7de janeiro. Isso porque a Igreja Ortodoxasegue o calendário juliano, criado porJúlio César, 46 anos antes de Cristo, enão o gregoriano.As festas natalinas religiosas são co-

memoradas na Rússia nas mais de 18 milcatedrais, igrejas emonastérios do país. Ocentro das celebrações acontece na ca-tedral de Cristo Salvador, Moscou, cons-truída sobre os pilares do templo original.Até 1932 a construção era uma incom-parável joia arquitetônica erguida peloimperador Alexandre I no século XIX emhonra de seus soldados mortos que lu-taram contra a invasão napoleônica. Masnada daquilo que juntava história, sen-sibilidade e beleza fazia muito sentidopara a cabeça pragmática do camaradaJoseph Stálin, que decide simplesmentedinamitá-la por considerá-la símbolo doimpério czarista. Sobre seus escombrosseria erguido o "Palácio dos Sovietes". Omais alto prédio domundo, bem ao estiloarquitetônico monótono e funcional dorealismo socialista. Com 416 metros dealtura, oito a mais do que o Empire State,sobre seu topo se equilibraria uma co-lossal estátua de Lênin de 98 metros, trêsvezes o tamanhodaEstátuadaLiberdade.A coisa desandou e o delírio sequerpassou do desenho da prancheta. Em seulugar surgiu um piscinão público.

BarbárieStálin fez mais, muito mais do que

arrasar templos históricos para dar lugara construções duvidosas. Ele comandoupessoalmente a política de terra arrasadade toda uma geração. Duas, talvez. Mais

que isso: de uma sociedade inteira e deseu povo. Há um ano chegou às livrariasbrasileiras “Sussurros” (Record), do his-toriador inglês Orlando Figes. Junto com“A Tragédia de um povo - A RevoluçãoRussa, 1891-1924” (Record), lançadoem 2008, do mesmo autor, são obrasseminais sobre a sociedade russa e quenos convidam para um mergulho nastrevas da alma humana tendo comotrampolim a vida privada de um povodurante a barbárie stalinista, conformenos resgata “Sussurros”.“Tragédia de um povo” recua ainda

mais no tempo, mas não na brutalidade.Remonta a Rússia czarista e a tomada dopoder pelos bolcheviques. Nesse livro to-ma-se conhecimento, por exemplo, quenaestepe de Bashkir foram documentadosnão centenas, mas milhares de casos decanibalismo provocados pelo fracasso dosplanos econômicos de Lênin. Em uminquietante depoimento, um canibal re-vela que em sua cidade havia tavernasonde se servia carne humana, inclusive decrianças. Figes ilustrou a narrativa comuma fotografia de dois antropófagos dian-te dos restos de uma refeição.Quando aUnião Soviética passa para

o controle absoluto de Stálin um novopadrão alimentar se afirma. Ao con-trário de Hitler, cuja repressão sob seucomando foi seletiva contra alvos es-pecíficos (judeus, homossexuais, co-munistas, doentes mentais etc.), a fúriastalinista voltou-se contra a própriasociedade, comunistas inclusive (e,principalmente), tornando aquele di-tador o mentor e executor do tota-litarismo autofágico, notável aberraçãosociopolítica que tem na excêntricadinastia ditatorial Kim, da Coreia doNorte, sua mais completa tradução.No período em que Stálin esteve à

frente da União Soviética (1924-53),pelo menos 32 milhões de cidadãos

foram executados ou desapareceramnas cidades ou nas colônias de camposde trabalho forçados, os Gulags. Nadamenos do que 60 milhões de traba-lhadores camponeses foram removidosde suas aldeias e casas. Outras tantascentenas demilhões de soviéticos forampresos, torturados, deportados ou exi-lados dentro do próprio território russo.No auge do Grande Terror (1937-38),em que Stálin desconfiava da própriasombra, toda família soviética tinha, aomenos, um caso de parente morto, de-saparecido ou preso.Passado tanto tempo desde a queda

do stalinismo e, décadas mais tarde, doimpério soviético como um todo, aRússia ainda ostenta seus cadáveresilustres. Na Praça Vermelha, o corpo deLênin jaz embalsamado no mausoléude vidro e granito cinza. No complexodas paredes avermelhadas do Kremlin,o túmulo de Stálin e de outras per-sonalidades do antigo regime conti-nuam sob proteção da guarda nacional.Na nova Rússia, o culto aos líderes dopassado é apenas o lado visível daherança soviética. Outros se revelam deforma mais subliminar. Na Rússia dePutin (ok, na da “rainha da Inglaterra”Dmitri Medvedev!), a cultura stalinistano controle da mídia e na intolerânciacom os críticos ainda persiste, entra-nhada que está no inconsciente coletivode todo um povo. Como observou ohistoriador russo Mikhail Gefter, “ostalinismo entrou em todos nós”.

ComunismoVinte anos após a dissolução da

URSS, o comunismo, assim como aItabira de Drummond, “é apenas umretrato na parede. Mas como dói”.Dói, sobretudo, para as viúvas e viú-vos stalinistas, parcela nada despre-zível da sociedade russa que aindasonha com os bons tempos da “PátriaMãe” comunista. Nas últimas sema-nas, esses saudosos bolcheviques fo-ram vistos às dezenas com suas ban-deiras desenhadas com foice e mar-telo nas principais cidades da Rússia,em protesto contra o resultado su-postamente fraudulento das recenteseleições parlamentares.Os hoje inofensivos comunistas

não abrem mão de seus ideáriosdogmáticos e do candidato à Pre-

sidência Gennady Zyuganov, ve-terano líder em sua incansávelquarta tentativa de chegar ao

Kremlin. Mas a velha guarda é minoria.Nas últimas duas décadas, o capita-lismo se infiltrou do cóccix ao pescoçodaquela sociedade e produziu uma ge-ração estalando de nova que não estánem aí para o trágico passado de horrore medo da Rússia de seus recentesantepassados.Atualmente em frente ao Kremlin,

epicentro do poder soviético e hojeresidência oficial do presidente rus-so, o clima predominante na praça éde descontração. Em lugar da at-mosfera sombria do passado, umaprofusão de estilos contrastantes re-vela uma Rússia vibrante e cosmo-polita. O individualismo burguês e oconsumismo desenfreado dão o tomda capital e do país. Grifes inter-nacionais, como Louis Vuitton, Bur-berry, Armani e Kenzo, além de umsupermercado recheado de produtosimportados e cafés requintados, seconfundem com a incontável frota deBentleys, BMWs e Mercedes que cir-culam às centenas nas largas ave-nidas construídas por Stálin.A nova Rússia combina uma cor-

rupção avassaladora com uma maior

liberdade individual e política. Masainda está a léguas de distância doparaíso liberal e democrático ima-ginado pelos entusiastas da queda doimpério comunista. Tecnicamentepluripartidário o país, na prática, étocado pela mão forte do partidoRússia Unida, leia-se Vladimir Putin,ex-presidente e atual primeiro-mi-nistro. Putin até tenta esconder seuímpeto autoritário, mas a compulsãototalitária é mais forte e sempre lhefoge ao controle. Costuma premiarseus amigos com liberdade total ereservar a prisão aos inimigos.Caso se eleja presidente nas eleições

de março de 2012 e se reeleja em 2018para o mandato de seis anos, somadosaos oito anos que ele já ficou napresidência, entre 2000 e 2008, po-derão ser 20 anos no poder. Só Stálinficou mais que isso no comando dopaís. O que automaticamente nos re-mete ao epílogo da peça “A resistívelascensão de Arturo Ui”, de Brecht, umaparódia à Alemanha nazista em que oautor alerta para que se evite en-tusiasmos precipitados pela morte deHitler. “Não vos regozijai, homens,com amorte da besta. Apesar da quedado bastardo a cadela que o pariuestá no cio novamente”.

Manifestantes exibem bandeira com imagem de Stálin em protestos recentes

DIVULGAÇÃO

Gorbachev conduziu as reformas que levaram ao fim da Guerra Fria; hoje, o ex-líder pede a convocação de novo pleito após denúncias de fraude nas eleições parlamentares

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No período em queStálin esteve àfrente da UniãoSoviética, pelomenos 32 milhõesde cidadãos foramexecutados oudesapareceram”

A nova Rússiacombina umacorrupçãoavassaladora comuma maiorliberdadeindividual epolítica”

SUSSURROSOrlando Figes. Trad.:Marcelo Schilde e RicardoQuintana. Ed. Record, 822páginas. 2010Quanto: R$ 84,90

A TRAGÉDIA DE UMPOVO – A REVOLUÇÃORUSSA 1891-1924Orlando Figes. Trad.:Valéria Rodrigues.Ed. Record, 1.103páginas. 1999Quanto: R$ 109,90

Documento:AGazeta_24_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_10.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:22 de Dec de 2011 20:53:19

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12PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,24 DE DEZEMBRODE 2011

memóriapor LUIZ TADEU TEIXEIRA

UMA ESTRELA QUEBRILHA NA TERRASérgio Britto, que morreu no último dia 17, aos 88 anos, foi exemplo de coragem,generosidade e amor pelo teatro, como destaca jornalista especializado em artes cênicas

LENISE PINHEIRO/FOLHAPRESS

O ator em cena no monólogo “Sérgio 80”, sob a direção de Domingos Oliveira, em 2003: uma vida dedicada ao palco

Para escrever sobre SérgioBritto devo esquecer mi-nha condição de jorna-lista e de artista e assumirsobretudo uma atitude defã. Desde que o vi em cena

pela primeira vez, em “Fim de Jogo”,de Beckett, com direção de AmirHaddad, por volta de 1971, no antigoTeatro Senac (hoje Sesc de Copa-cabana). Sei que ele esteve váriasvezes em Vitória nos primeiros anosapós a reconstrução do Teatro CarlosGomes, no início dos anos 70, ao ladode Fernanda Montenegro para astemporadas de “Homem do Princípioao Fim”, de Millôr Fernandes; comTeresa Rachel em “Tango”, do tchecoSlamovir Mrozec, e para atuar comoo Celebrante na polêmica montagemde “Missa Leiga”, com texto de Chicode Assis e direção de Ademar Guerra,

lembrada também por causa da po-lêmica em cena aberta travada com ojornalista capixaba Antônio Alaerte.Sempre acompanhei de perto a tra-

jetória do Sérgio Britto a partir doinício dos anos 70, mas nunca dele meaproximei. Até que no final de 74voltei pra Vitória e aí essa aproxi-mação ficou ainda mais difícil. Numaviagem ao Rio, corri para vê-lo em“Rei Lear”, de Shakespeare, dirigidopor Celso Nunes, diretor que algumtempo depois esteve em Vitória paradirigir uma montagem da qual par-ticipei, “Queima de Arquivo”.Nos anos 80, Sérgio nos deu uma

grande lição de arrojo, comprovandoque o ator também precisa se arriscarcomo empreendedor para voos maisaltos. Ele juntou-se a quatro amigospara a criação do Teatro dos Quatro(agora batizado de Teatro Sérgio Brit-

to), no Shopping da Gávea, no Rio,onde grandes espetáculos são mon-tados desde então, geralmente commuito sucesso, provando que qua-lidade também pode ser comercial.

ParceriaIntercalando direções ou interpre-

tações em produções alheias, Brittonos brindou nessas últimas décadascom atuações memoráveis em “Qua-tro Vezes Beckett”, de Samuel Beckette Gerald Thomas; e numa longa eprodutiva parceria com Mauro Rasi,inclusive na mais emblemática delas,“Eterno Retorno”, com base nas re-lações entre Jean-Paul Sartre e Sim-mone de Beauvoir.A generosidade de Sérgio é re-

conhecida por toda a classe, inde-pendente do modo como se expressa.

No cinema, por exemplo, ele se juntoua um grupo para viabilizar a produçãode “A Maldição de Sanpaku”, policialde José Joffily, com Patrícia Pillar eFelipe Camargo, vitimada pelo fu-racão Collor que no início dos anos 90dizimou todas as formas de produçãono Cinema Brasileiro.Esse é o Sérgio Britto que conheci,

antes de encontrá-lo finalmente emVitória, em meados dos anos 90.Nessa época ele veio avaliar as pro-duções apresentadas no Festival deTeatro de Vitória. Durante uma se-mana, quem esteve no Teatro doCarmélia pôde acompanhar, após osespetáculos, uma fala generosa eobjetiva, sobretudo instrutiva, plenade lições para quem escolheu o tea-tro como profissão e/ou quer en-tender melhor a mais complexade todas as artes: viver.

Nos anos 80, Sérgionos deu uma grandelição de arrojo,comprovando que oator também precisase arriscar comoempreendedor paravoos mais altos. Elejuntou-se a quatroamigos para acriação do Teatrodos Quatro (agorabatizado de TeatroSérgio Britto), noShopping da Gávea,no Rio”—Luiz Tadeu Teixeira, jornalista e ator

Documento:AGazeta_24_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_12.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:22 de Dec de 2011 21:01:53