Pensar Aveiro (Amigosd'Avenida) 1

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10 22 DE JANEIRO DE 2010 SEXTA-FEIRAWWW.DIARIOAVEIRO.PT

ENTREVISTA JOSÉ CARLOS MOTADINAMIZADOR DOS AMIGOS D’AVENIDA

“Vivemos numa sociedade muito partidarizada e pouco habituadaa confrontar opiniões”, avalia o fundador do movimento cívicoAmigos d’Avenida, José Carlos Mota, criado há dois anos

“Em Aveiro ospartidos políticosnão desenvolvemo seu papel”

João Paulo Neves

e Rui Cunha

� José Carlos Mota é fundador eprincipal dinamizador do movi-mento cívico Amigos d’Avenida,que se tem batido pelo reforço dodebate em torno de questõesassociadas ao planeamento e aodesenvolvimento de Aveiro. Esteprofessor de Planeamento Regi-onal e Urbano da Universidadede Aveiro, de 43 anos, diz que fal-ta um “pensamento global sobrea cidade”. “Não podemos ter umavisão fragmentada”, avisa.

Como surgiu este movimento?Este movimento surgiu a propó-sito de um debate que a autar-quia de Aveiro lançou há doisanos sobre o futuro da avenida eum grupo de pessoas organizouum blogue, à volta do qual temvindo a organizar um conjuntode reflexões e iniciativas quevisam tornar a nossa cidademais atractiva, mais bem plane-ada e mais bem pensada. Oesforço de agregação à volta deum blogue tem vindo a procurarlegitimar este movimento atra-vés de um conjunto de práticas omais transparentes, abertas emobilizadoras possível. Preten-demos sobretudo que a comuni-dade e as instituições que gover-nam a cidade se envolvam naconstrução de uma cidade dife-rente, mais interessante e maispreparada para os desafios dofuturo.

Acha que tem sido um exemplode sucesso no que diz respeito àmobilização da população local?Vivemos numa cidade que nãotem uma tradição muito forte dediscussão sobre a transforma-

ção da cidade. Portanto, é naturalque estes processos de criação demovimentos desta natureza te-nham algumas resistências e se-jam vistos com alguma descon-fiança. Cabe às pessoas que orga-nizam estes movimentos mos-trar a razão por que existem epara que servem. Isto só podeacontecer se tiverem práticas devalorizar o que é o acto de cons-trução da cidade e de o procurarqualificar. O que tem sido inte-ressante neste movimento é acapacidade de agregar pessoasde diferentes contextos profissi-onais e enquadramentos políti-cos - sendo que é um movimen-to completamente apartidário -,procurando qualificar o debatesobre a cidade. É uma tarefa de-morada, complexa e exigente etemos procurado captar a aten-ção e fazer as pessoas pensaremsobre a cidade que temos e sobrea cidade que gostaríamos de ter.

Quantas pessoas estão envolvi-das nos Amigos d’Avenida?Este é um movimento de geome-tria variável que mobiliza maisou menos cidadãos dependendodo tipo de iniciativas que desen-volvemos. Mas tem conseguidomobilizar um conjunto signifi-cativo de cidadãos, por exemploa propósito da animação da Pra-ça Melo Freitas.

É possível traçar o perfil de quemestá envolvido?É transversal. Temos a partici-pação de um grupo muito signi-ficativo de agentes culturais e depersonalidades ligadas à univer-sidade ou ao meio artístico e ci-dadãos comuns que estão a acor-dar para esta necessidade de teruma atitude mais pró-activa. Vi-

vemos numa cidade que não temuma tradição de uma participa-ção cívica forte na discussão dasquestões locais. E mesmo os ór-gãos institucionais próprios -Assembleia Municipal, Câmara- não são um espaço que privile-gie este tipo de contacto. Vive-mos num vazio de acompanha-mento destas iniciativas cívicase há um caminho que se está aproduzir e para o qual temos tidouma grande receptividade.

O aparecimento deste tipo demovimentos não é sinal da inca-pacidade das organizações polí-ticas, abrindo espaço a outrasvisões vindas de fora?É natural. Os movimentos cívi-cos surgem sempre pela maiorou menor capacidade dos pode-res estabelecidos de responderàquilo que são os anseios da suacomunidade.

É isso que tem acontecido emAveiro?Há necessidade de mudar algu-mas práticas de planeamento dacidade. Os projectos importan-tes para a cidade são normal-mente promovidos como inicia-tivas sectoriais. Parece que sãoencomendas para resolver pro-blemas, quando a intervençãona cidade envolve uma multipli-cidade de questões e abordagens.Isto implica uma mudança depostura e de práticas e estemovimento tem procurado aler-tar para a necessidade de mudaros paradigmas de planeamento.

Existe massa crítica em Aveiropara promover reflexões sobreeste tipo de questões?Aveiro é uma cidade universitá-ria, temos um tecido económicomuito relevante em termos naci-onais e em alguns casos interna-cionais. Por outro lado, temosuma sociedade civil com umagrande bagagem e conhecimen-to histórico. O que pode estar aocorrer é algum adormecimen-to, mas que não é só em Aveiro.Esse adormecimento é preocu-pante porque significa que a pró-pria administração não valorizaa comunidade como um recursopara transformar a cidade e paramobilizar as suas mais-valias.Na questão da Praça Melo Frei-tas, por exemplo, é evidente o es-quecimento desse potencial.

Até que ponto é que o poder polí-tico valoriza este tipo de movi-mentos cívicos? Olha para elescomo um contributo válido oucomo um estorvo?Vivemos numa sociedade muitopartidarizada e pouco habitua-da a confrontar opiniões. Equando há este confronto julga-mos que se trata de uma posturade adversidade, o que não é omais adequado. Nós, como mo-vimento, fomos no passado par-ceiros de iniciativas que nosparecerem relevantes, e isso dá-nos uma legitimidade acrescidapara, em situações em que dis-cordamos, podermos mostrá-lo.Esta nova cultura cívica tem defazer o seu caminho e devemos

procurar que esta troca de opi-niões seja vista como uma ques-tão natural.

Mas sente que o poder políticotem valorizado os contributosque o movimento procura dar?Absolutamente. O presidente daCâmara manifestou apreço pelotrabalho do movimento e apoioao manifesto pela qualificaçãodo espaço público que nós apre-sentámos o ano passado, tendodemonstrado interesse em quefosse utilizado como uma ferra-menta para a transformação dacidade. Não vemos razões paraque essa opinião tenha sido alte-rada.

Os Amigos d’Avenida podemevoluir para um movimento polí-tico, com participação directa emeleições, por exemplo?O movimento tem tido umaintervenção política forte. O quenós estamos a fazer é política, nosentido mais puro do termo.Mas os movimentos cívicos têmum papel e os partidos políticostêm o seu. O que acontece emAveiro, e isso pode ser preocu-pante, é que os partidos políticosnão desenvolvem o seu papel,que é discutir e reflectir sobre aspolíticas mais adequadas para acidade. A maior parte dos parti-dos só desenvolve essa reflexãonos períodos pré-eleitorais. Te-mos uma cultura muito frágil emuito pontual de debate.

Fariam falta mais movimentosindependentes que se pronunci-em sobre temas locais?Acho que sim. Aveiro é uma ci-dade pujante e quanto mais rele-vante for a intervenção cívica,melhor será governada.

Os Amigos d’Avenida envolve-ram-se no debate em torno darequalificação da Praça MeloFreitas, elaborando um abaixo-assinado contestado o modelo deintervenção proposto pela Câ-mara. Porquê?O caminho proposto para a in-tervenção deixa-nos preocupa-dos, porque contraria os princí-pios que temos vindo a defender,e que a autarquia suportou, decomo se deve planear o espaçopúblico. Temos algo a dizer paraque seja proposta uma novaabordagem.

O que propõem para esse largo?Este espaço devia merecer umaatenção especial por parte daautarquia e estamos a insistirnum segundo pedido de reavali-ação da situação. Nós propomosa organização de uma sessão pú-blica e o início de um concurso de

“O MOVIMENTO TEM TIDOUMA INTERVENÇÃO POLÍTICAFORTE. O QUE NÓS ESTAMOSA FAZER É POLÍTICA, NO SENTIDOMAIS PURO DO TERMO”