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Pens ar Fale com o editor: José Roberto Santos Neves - [email protected] Vitória (ES), sábado, 9 de abril de 2011 O Rio de Janeiro do tempo de Machado de Assis era uma delícia, como descreve o estudioso Wilberth Salgueiro. PÁG. 4 Fale com o editor: José Roberto Santos Neves - [email protected] ( ) Tropicalismo Tropicalismo çã é Especialista explica por que o movimento capitaneado por Caetano Veloso e Gilberto Gil em 1967 continua mais atual do que nunca e ainda determina os rumos da produção cultural, estética e midiática do país. PÁGS. 6 E 7 çã é

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Suplemento de cultura de A Gazeta

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PensarFale com o editor:

José Roberto Santos Neves - [email protected]ória (ES), sábado, 9 de abril de 2011

O Rio de Janeiro do tempo

de Machado de Assis era

uma delícia, como

descreve o estudioso

Wilberth Salgueiro. PÁG. 4

Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

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Especialista explica por que o movimento capitaneado por Caetano Veloso e Gilberto Gil em 1967 continua

mais atual do que nunca e ainda determina os rumos da produção cultural, estética e midiática do país.

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Documento:AGazeta_09_04_2011 1a. CULT_ET_Especial Tabloide_1.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:07 de Apr de 2011 22:43:50

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O prazerda cultura

partirdeste sábado iniciamosemAGAZETA um novo espaço mensalparaadiscussãoereflexãocultural.O Caderno Pensar vai trazer en-saios, artigosecríticas sobre litera-tura, música, cinema, artes plásti-cas, história, teatro, sociologia, psi-cologiaeoutrasáreasdasartesedoconhecimento, assinados por cola-boradores do meio acadêmico ecultural.Oobjetivoébrindaros lei-torescomdiferentes–eprazerosos– olhares sobre o cenário artísticolocal,nacionale internacional,par-tindo da certeza de que a arte deveser vista como fator de representa-ção e transformação social. Entreos atrativos deste primeiro núme-ro,FernandoDuarteanalisacomoaTropicália mantém sua influênciasobreaformadepensaraculturanopaís; Wilberth Salgueiro descreveas relíquias culinárias do tempo deMachadodeAssis;eRogérioCoim-brarevelaosbastidoresdavindadeSarah Vaughan a Vitória. Desfru-temda criação de nossos pensado-res e até o próximo número!

Caros leitores,

EXPEDIENTE – Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Editor de Qualidade: Carlos Henrique Boninsenha; Designgráfico: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Arquivo A GAZETA; Textos: Colaboradores; Correspondência: Jornal A GAZETA,Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória-ES, Cep: 29.053-315; Fax: 3321-8642.---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Pensar:

JOSÉ ROBERTOSANTOSNEVES .é editor doCadernoPensar,novoespaço paraa discussãoe reflexãocultural quecircularáaossábados,mensalmente,em AGAZETA

F A L A N D O D E M Ú S I C A

AO VIVO. Oscar Castro-Neves--------------------------------------------------------------------------------------------------------------

regrava temas que não envelhecem--------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Bossa para japonês ver

Certas incoerências noBrasilsão difíceis de entender. Porexemplo: se, nos EstadosUnidos, ummúsico da novaouvelhaguarda lançaumál-bumcomo repertório de Irae George Gershwin, IrvinBerlineColePorter,este tra-balho é analisado comouma“releitura de standards”.Aqui, quando um artista debossa nova regrava cançõesdeTom,Vinicius, Carlos Ly-ra, Roberto Menescal e Ba-denPowell, logorecebeape-cha de “estagnado” da im-prensa especializada e dospalpiteiros da internet. Éprovável que seja este o tra-tamentodadoaonovoCDdeOscarCastro-Neves,“LiveatBlueNote Tokyo” – com ex-ceção deste espaço.

Compositor, violonista,arranjadoreprodutor,OscarCastro-Neves,70, temtodoodireitoderevisitarorepertó-rio fabuloso de um movi-mento do qual é um dos ar-tífices. Afinal ele participoudas reuniões musicais noapartamento de Nara Leão,nofimdosanos50;estavanofamoso concerto do Carne-

gie Hall (EUA), em 1962; econstruiu uma sólida carrei-ra no exterior, conquistandoo respeito de nomes comoDizzy Gillespie, Stan Getz,Quincy Jones,DaveGrusin.

É compreensível que seunovodisco tenha sidograva-donoJapão,paraumaplateiaque demonstra sentir-semaisàvontadedoqueosbra-sileiros diante dos acordesde “Ela éCarioca” (Tom/Vi-nicius), “Manhã de Carna-val” (Luiz Bonfá/AntonioMaria) e “Chora tua Triste-za” (primeiro sucesso deCastro-Neves, em parceriacom Luvercy Fiorini). Seráqueteremosqueredescobrircomosjaponesesoprazerdeouvir “Águas de Março”,aquiemsuaversãoparaoin-glês “Waters ofMarch”?

RegistradonaBlueNotedeTóquio, entre 26 de abril e 1ºdemaiode2009,oálbumcon-tacomumelencodeferasqueincluiAirtoMoreira(bateria),Marco Bosco (percussão),PauloCalasans(pianoacústi-co e teclados) eMarceloMa-riano (baixo elétrico), mais avoz delicada de Leila Pinhei-ro, que se casa perfeitamentecomo lirismodo roteiro.

Impossível deixar de des-tacaraperformancedeAirtoMoreiraem“Caninana”,umanarrativadafiliaçãodoBrasilà África em toques de pan-deiroecantodesenzala.Éas-sim, a partir da fusão da cé-lula rítmica do samba com orefinamentodo jazz,queOs-carCastro-Neves eCia. con-quistaram a terra do sol nas-cente.Porqueistoébossano-va, isto émuito natural.

OSCAR CASTRO-NEVES

CD LIVE AT BLUENOTE TOKYO

GRAVADORA: ATRAÇÃOFONOGRÁFICA. 14 FAIXASQUANTO: R$ 25,EM MÉDIA

José Roberto Santos [email protected]

Pensar na web:Leia crítica dopsicanalista ÍtaloCampos sobre o filme“Cisne Negro” eresenha da publicitáriaMária Lacerda sobreo livro “CâmaraCascudo e Mário deAndrade: Cartas,1924-1944”, nowww.agazeta.com.br

2 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011 Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

Documento:AGazeta_09_04_2011 1a. CULT_ET_Especial Tabloide_2.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:07 de Apr de 2011 22:46:37

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DIVULGAÇÃO

ROMANCE. Em “Ribamar”, José Castello mergulha--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

em si ao descrever o amor de um filho pelo pai--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Caê Guimarães éjornalista, poeta eescritor. Publicouquatro livros eescreve no sitewww.caeguimaraes.com.br

V

MILLÔR FERNANDES

A ENTREVISTA. Trata-se daíntegra da deliciosa entrevistaque Millôr concedeu à revista“80”, no final da ditadura militar.Foram sete horas de conversacom um dos mais importantesintelectuais brasileiros.L&PM EDITORES. 104 PÁGINASQUANTO: R$ 22, EM MÉDIA

TANNÖD. Testemunhasconduzem a trama da premiadaestreia da autora alemã, baseadaem um caso real: o assassinatode um fazendeiro, sua mulher,filha, netos e empregada, naAlemanha pós-guerra.RECORD. 144 PÁGINASTRADUÇÃO: JENS LEHMANN EPATRÍCIA BROERS-LEHMANNQUANTO: R$ 29,90

A.S. FRANCHINI

AS 100 MELHORES LENDASDO FOLCLORE BRASILEIRO.O autor gaúcho conta suaversão de histórias que incluemlendas indígenas, contospitorescos e seres assustadores.L&PM EDITORES. 200 PÁGINASQUANTO: R$ 34, EM MÉDIA

RIBAMAR.EDITORA BERTRANDBRASIL. 280 PÁGINASQUANTO: R$ 37, EM MÉDIA

JOSÉ CASTELLO

E N T R E L I N H A S

ocê entra em um labirinto.Vielaseescadaso levamaní-veis e frestas. Ao seguir, ven-ce a claustrofobia e chega aum recinto escuro onde háumcorredor quedesembocaem uma parede, que acabaemoutroníveleescada.Maisadiante, uma luz difusa pre-nuncia a saída. Ao chegar lásurge outro novelo emara-nhado de ruelas, passos, des-níveis. O labirinto, como osdeEscher,éumajaula.Nãohálado de fora. Tudo é dentro eestamos todos dentroda jau-la – personagens, fantasmas,linguagem.Memórias verda-deiras e inventadas.

Mas opercursonão é soli-tário. Você caminha, braçosemlaçoepésemdescompas-so,comaperdadamatrizque

te legou costela e traço, fisio-nomiaenome,olhoselingua-gem. Seu pai é também a lín-guaquevocê fala. E amemó-ria, emharmoniaoucontras-te,queteenlevaerevela.Tra-duz e corrói. Seu pai émuitomaisdoqueumretratonapa-rede.Eissodói. JosééfilhodeRibamareescreveumalongacarta ao progenitor morto.Nela,rasgaascamadasdoste-cidos do afeto e da perplexi-dade que permeou ambas asvidas. E anunciaqueescreve-rá um livro cujo título é o no-me do pai. O labirinto arqui-tetadopor JoséCastelloé for-radoporespelhoscôncavoseconvexos. Mas “Ribamar”(Bertrand Brasil) também éumlabirintofeitodepântano.A cada instante o chão podeceder. E as paredes, instáveis,mudar de lugar.

Num engenhoso jogo deduplos,Castellodesfolhaare-lação José x Ribamar desdo-brada em seu afeto literáriomais potente e confesso,Franz Kafka. Em especial, oKafkade“CartaaoPai”.Nestelivro, o tcheco estabelece edesconstrói o diálogo que

nunca teve com HermannKafka,paionipresenteaquemse deixou oprimir por todasuabreveexistência. Emumadasesquinasdolabirinto,Joséreencontra o exemplar domesmo livro comadedicató-ria que fizera quase 40 anosantesaoprópriopai,quenun-ca deixou transparecer ao fi-lho se lera ounãoo livro.

NARRATIVASinuosacomooscaminhosdamemória, a narrativa é cons-truída no diapasão da cançãode ninar herdada desde qua-trogeraçõespeloshomensdafamília. Ribamar a entoavaparaJoséquandoesteerame-nino. Castello descobriu acançãoaocaso,aoouviramãecantá-la. Disparado o gatilhodalembrança,pediuaoirmãomúsico que a transcrevesseem partitura. E a intitulou“Cala aboca.”Assim feito, re-correu àmelodia que embalaos versos para estruturar otexto em capítulos corres-pondentes a notas musicais.A lógica rege a duração doscapítulos – os chamados se-mínimatêmodobrodotama-

nho dos intitulados colcheia.Os temas também entramnaciranda. Os capítulos em fáabordam a infância do autorcomopai,osque “tocam”emsol descrevem sua viagem àParnaíba,noPiauí, terranatalde Ribamar, e assim poradiante. Como o próprio au-tor/narrador/filho afirma,“Romancesdevemterumes-queleto, oudesabam”.

Destacolunavertebralpar-tem as terminações nervosasriscadas pela pena de JoséCastello.Cadasinapsefalanãoapenas sobre a vida e o amorfilial,mas sobre aprópria lite-ratura. “Todo escritor é umnáufrago”. “Escrever é caval-gar.Somososcavalos”.“Émui-todifícil visitar a simesmo”.

Escritor e jornalista, autorde “Inventário das sombras”,“Literatura na poltrona”, “Vi-nicius de Moraes – uma Bio-grafia”,entreoutros,JoséCas-tello é umourives da palavra,afeito a mergulhar de formaarguta no universo do outro,como biógrafo e ministradorde concorridas oficinas detexto.Em“Ribamar”,elemer-gulhaemsi.Masaovoltaràto-na, fala sobre nós.De quandofalamos. E de quando nosquedamosmudos.

Labirinto de afeto ememórias sinuosas

ANDREA MARIA SCHENKEL

NAS P RAT E L E I RA S

3PensarFale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011

Documento:AGazeta_09_04_2011 1a. CULT_ET_Especial Tabloide_3.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:07 de Apr de 2011 22:47:30

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LIVRO. “Relíquias Culinárias”, de Rosa Belluzzo, traz panorama----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

cultural e gastronômico do Rio de Janeiro de tempos machadianos----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Degustando Machado de Assis

MACHADO DE ASSIS –RELÍQUIAS CULINÁRIASEDITORA UNESP. 156 PÁGINASQUANTO: R$ 80

WilberthSalgueiro éprofessor da Ufes,pesquisador doCNPq e autor de“Forças & formas:aspectos dapoesia brasileiracontemporânea”(2002), e “Lira àbrasileira” (2007),ambos [email protected]

Títulosenganam:“MachadodeAs-sis: Relíquias Culinárias”, de RosaBelluzzo, não é um livro sobre apresençadecomesebebesnaobrado badalado escritor. Quem dera.Ele se quer um “panorama gastro-nômico do Rio de Janeiro de tem-posmachadianos”.Mas, comopa-norama, alcança vitóriamaior: fazum vasto quadro da vida culturalcariocadoséculoXIXeprincípiosdoXX.Émais um livrodehistóriaedeantropologia, emenosdegas-tronomia – enada,mesmoporquenãopromete,decríticaouteoriali-terária. Basta-nos, no entanto,avançaralgumaspáginaseMacha-do,dechamariz, se tornadonoda-quilo que, isca do título, se vende:dolugar,porexcelência,emquesedá o paladar: da língua.

Numacrônicade1888,dirános-so escritor: “Nunca comi croquet-tes,pormaisquemedigamquesãoboas, só por causa do nome fran-cês. Tenho comido e comerei filetde boeuf, é certo, mas com restri-çãomentaldeestarcomendolom-bo de vaca. Nem tudo, porém, sepresta a restrições; nãopoderei fa-zer o mesmo com as bouchées dedames,porexemplo,porqueboca-dos de senhoras dá ideia de antro-pofagia,peloequívocodapalavra”.Ouseja,Machadopensaavida fei-toumpassede letra, palavra, frase,língua, linguagem,e issovale tantopara suas reflexões acerca da polí-tica e dos hábitos de sua épocaquantoparasuasconcepçõesesté-ticas e filosóficas, tramadas emcrônicaseromances,contosepoe-mas, peças e outras armadilhas.

Plasticamente, o livro é impecá-vel:pode-sepô-lonamesadecentrodasala,eali ficarámuitobem,aola-do de publicações de arte. Toda asuaiconografiaéexcelente,comde-zenasde fotos, chargesepinturas, eas devidas legendas. Há, sim, 25 re-ceitascomosingredienteseomododefazer,desdeocitadobouchéesdedame ao ensopadinho de camarãocomchuchu,dobacalhauàlagareiraaos pastéis de nata, da sopa de cas-

tanha eperdiz ao toucinhodocéu.

COMPOSIÇÃOOtomdo texto acompanha a com-posiçãodolivro,sendoambosagra-dáveis e transparentes, sem sinto-masdepedantismo.(Aepígrafege-ral, deRobertoSchwarz, expertemMachado, e o ótimo prefácio deCarlosLessa,conhecidoeconomis-ta, soamcomoumapiscadela, vã, aum leitor supostamente exigente.)AhistóriadoBrasilsefazveremto-do capítulo, sem o intuito de altasanálises, e por isso livrando-se dapretensa erudição que, com fre-quência, alhures, sedilui emlancesherméticos ou cosméticos.

Lendo “Relíquias Culinárias”,lembramo-nosdavindadeD. Joãoem1808edadesapropriaçãodeca-sas para a corte portuguesa, quan-do se pregava às portas um auto-ritário“P.R.”,significando“prínci-

peregente”,masqueagentetradu-ziapor“propriedaderoubada”.Es-sa gente, garante Belluzzo, alheiaàs transformações da cozinha ca-rioca, se mantinha namesma toa-da: “A grande maioria da popula-ção livre e dos escravos alimenta-va-se de feijão, carne seca, farinhademandioca, pirão e angu”.

Fatosecuriosidadessemultipli-cam: a popularização dos pães –“atéentão iguariade luxo”–graçasaos franceses, o surgimento doslampiõesdeazeiteelogoaseguirosde gás, a primeira feijoada cariocacompleta, a primeira “machina detirar chope”, a primeira sala de ci-nema, a inauguração de casas tra-dicionais (Colombo, Casa Cavé,ClubeRabelais,CaféCentral, atualLamas),ochoquedecivilidade im-posto ao Rio pelo “prefeito bo-ta-abaixo”PereiraPassos,queproi-biu“ocomérciodeleiteondeasva-

cas eram levadas de porta empor-ta”, a metamorfose, enfim, de umacidade emdireção aoprogresso.

Cético e cínico, Machado escre-via à queima-roupa sobre o tempo,personagem-mordesuaobra.Aves-so à modernização da Rua do Ou-vidor, dispara, em crônica de 1893:“Éaruaprópriadoboato.Válácor-rerumboatoporavenidasamplaselavadas de ar. O boato precisa doaconchego,dacontiguidade,doou-vidoàbocaparamurmurardepres-saebaixinho,esaltardeumladopa-ra outro”. O livro de Rosa Belluzo,em suma, faz jus àquela sensaçãoque alguns temos ao ler Machado:numapalavra, ouduas, dá gosto.

Sabor. O bolo Mãe-benta está entre as25 receitas contidas no livro

ROSA BELLUZZO

IRONIA. Em crônica de 1888, o autor escreveu: “Nunca comi croquettes,por mais que me digam que são boas, só por causa do nome francês”

4 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011 Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

Documento:AGazeta_09_04_2011 1a. CULT_ET_Especial Tabloide_4.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:07 de Apr de 2011 22:49:10

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CRÔNICAS E POESIA. Nayara Lima, Gabriel Menotti e Milena Paixão----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

expõem diferentes olhares sobre o dia a dia em linguagem sensível----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Merece um brinde

Quanto vale apoesia? Até vir aresposta decidificar com ela navaranda, lendo nossopoeta Vinicius deMoraes.

H

Nayara Lima éescritora e tem22 anos. E-mail:[email protected]: nayaralima-versoeprosa.blogspot.com

átrêssemanasoBrasilaguarda-vacomansiedadeodiscursodopresidente Barack Obama naCinelândia.Hátambémtrêsse-manas internautas brasileirosdiscutiamsobre a polêmica emtorno do custo do projeto “Omundo precisa de poesia”, quetem por objetivo a criação deum blog para difundir a poesiabrasileira pelo mundo. Quantovaleapoesia?Atévir a respostadecidi ficarcomelanavaranda,lendo nosso poeta Vinicius deMoraes. Tudo isso acontecen-dosábado,nomomentoemqueeucontemplava as estrofes queopoeta intitulou “Odiadacria-ção”,declamadascomentusias-mo por ele e plateias durantemuitos shows inesquecíveis:

“(...) Há uma comemoraçãofantásticaPorque hoje é sábadoDaprimeira cirurgia plásticaPorque hoje é sábadoEdandoos trâmitespor findosPorque hoje é sábadoHáaperspectivadodomingoPorque hoje é sábado (...)”.

E era. Enquanto eu lia estesversos, o domingo chegaria eouviríamos o homem conside-radomais importante domun-dofalaremnossoTeatroMuni-cipal do Rio de Janeiro. Assimfoifeito.Aspáginason-lineain-da discutiam sobre o valor dapoesia, enquanto o presidentecomeçava o seu discurso. Atéque me vi em alegre espantofrente à televisão. O leitor tal-vez se lembre: Barack Obamacitou o filme “Orfeu Negro”

contando ter sido apresentadoaeleporsuamãe.Malpudemeconter! Porque este filme foiinspiradonoespetáculo“OrfeudaConceição”,dopoetaqueas-sim se apresentava com orgu-lho: “Eu, por exemplo, capitãodo mato Vinicius de Moraes,poeta e diplomata, o brancomais preto doBrasil...!”.

Poisaotalfilmeopresidenteamericano se orgulhou em re-correr.Masomais incrível ain-da aconteceria. Horas depoisdo discurso me deparei comuma notícia, nomínimo, valio-sa:umjornalistaebiógrafobra-sileiro, Fernando Jorge, contouem um de seus livros uma his-tória que ficou para a História:

GABRIEL MENOTTIFOMALHAUT *

As estrelas, quandofalo de estrelas, nãofulguram distantes,fornalhas atômicas:

as estrelas, imagemde estrelas, apesarda coincidência de órbitas,apesardo esgotamento da luz:

o sossego de sucessivasencarnaçõesno espírito. Memóriaprojetadana tela: é um álbum; jáera;

é mais que o bastante.Paperback/romancedilacerado no vãoentre o carro e aplataforma,a História

pelos trilhos, se descama

feitomoscas, na sopade aspargos;

(como) caspa,na lapela do garçom.

PONTOS DE REFERÊNCIA *

um relógio sem torreum ponto de ônibus

um pequenino elefantedo tamanho dapalma damão

vagando perdido atravésde um deserto de conchasconchinhas

entre moinhos de ventoum semáforo plantadono fundo do mar.

O anjo caracol não temasas:ele carrega, nas costas,sua casa

– ele nunca sai do lugar.

ESPAÇO DA POESIACaliandra

onto-lhes a breve história deumadasminhas primeiras per-das.Qualquer inverossimilhan-çadeveseratribuídaaoespantocomumàscriançasdaquelaida-de, em que as coisas diante dosolhosparecemumpoucomaio-res emais interessantesqueemseusestadosnaturais.Éporissoque, não raro, comopassar dosanos, os adultos vão progressi-vamenteperdendoahabilidadede ver os detalhes, as rendilhas,e têmquearranjar-se comopo-demcom lentes ópticas. Enfim,a questão é que naquele tempoeu morava a uma rua calçadacom paralelepípedos, desses jáencerados pelo uso. Perigo emdia de chuva, caíamos muito,mãe pedia cautela, joelhos vi-viamraladosdeinventardedes-ceromorrosemsaída sobre fo-lhas de papelão. Era nomesmomorro semsaídaquehavia essaarvorezinha. Dava umas floressemimportância,porquenãosepareciam comas que todas nósmeninasdesenhávamos,colori-díssimas. Não tinha pétalas ar-redondadas, ou miolinho praser pintado de amarelo –opro-pósito domiolo era justamenteser pintado de amarelo. Ao in-vés, essa flor calhou de ter umaexistência estranhaearrepiada,se espalhava pra todos os ladosnumas filandras de um brancoencardido, que mudava a uminesperado rosa purpúreo naextremidade.

Tinhaaépocadeaárvoreflo-rescer. Mas essa época vinhasempre ao acaso, nunca era an-siada feitoo tempodasmangas.Certodiaolhávamospromorro,lá estava a árvore apinhada da-quelas flores. “Ah”, dizíamos,

Milena Paixão écachoeirense, poetae professora deLíngua Inglesa [email protected]

C

desinteressados.Eíamoscuidarda vida. A árvore se esvaindonaquela abundância à beira denossas brincadeiras de rua, poranos. Pouco ligávamos.

Foientãoquehouveumatar-de muito particular. Senta-mo-nosemumcírculodecrian-ças e nos pusemos a discutirnossosassuntosdeextremaim-portância. Íamosbemassimatéque nos interrompeu o sobres-salto inesperado de uma amigasentada à minha frente, queabriu a boca para dizer algo enãoconseguiu.Diantedenossosilêncio, logrou soltar uma ex-

aos 16 anos, branca e de classemédia,amãedeObamafoiparao cinema assistir ao filme ins-pirado em “Orfeu da Concei-ção”, quando ficou encantadacom o ator protagonista BrenoMello. Algum tempo depois,morando no Havaí, conheceuum queniano cujas feiçõesmuito se assemelhavam às doator.Resultado:ajovemseapai-xonou perdidamente pelo ho-meme comele teve um filho.

Portanto, caro leitor, pode-mos concluir que graças a Vi-niciusdeMoraes temoshojeoprimeiro presidente america-no negro daHistória.

Independentemente do va-lorquesediscuta,achoqueelamerece nossa homenagem:porque hoje é sábado, umbrinde! Umbrinde à poesia.

Tinha a época de aárvore florescer. Masessa época vinhasempre ao acaso,nunca era ansiadafeito o tempo dasmangas.

clamação sem forma e apontarpor sobrenossas cabeças.

Quandopudemevirarsóen-xerguei a pequena árvore comaquelas suas mesmas dezenasdeflores.Masalgoeranovidadeno entorno daqueles instantes,como se o céu mesmo tivesseassumidoumazulmaisprofun-do de anunciações, e corresseporaliumventocausadordear-repiosna gente.De repente en-tendiqueumadasfloresbemnocentro da copa da árvore haviaacabadodeseabrirporcomple-to e eu não havia visto. Era di-ferente das outras, até menosencardida – provavelmente detãopoucodemundoaindaqueaaborrecia. Estava embriagadadesol, túrgidadeilusõespreco-ces.Achei-abonita, fiquei tristepordiasdeumapenaprofunda.Passei a perder muitas coisaspequenas depois disso: lápis,borrachas, chaves,moedas,mi-nutos.Nuncame recuperei.

* Publicados originalmente no livro “Yù”,de Gabriel Menotti, premiado no edital deProdução de Obras Literárias daSecretaria de Estado da Cultura

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5PensarFale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011

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E

ENSAIO.Mais de 40 anos depois do disco-manifesto “Panis et Circencis”, movimento mantém influência sobre a forma de pensar a cultura no país----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Tropicália: um projeto permanente de Brasil

Vocês não estão entendendo nada”Caetano Veloso reagindo às vaias a “É ProibidoProibir”, no Festival Internacional da Canção,em setembro de 1968

ARQUIVO AG

ALEGRIA, ALEGRIA.Caetano Velosoe Gilberto Gil noauge doTropicalismo:artífices domovimentodialogam com ajuventude atuale vivem emconstanterenovação

FernandoDuarte émúsico,pesquisador eeditor do siteBandolim.net.

msetembrode1968,umCaetanoVeloso contrariado tentava can-tar “É Proibido Proibir” para aplateia do Teatro da Universida-de Católica de São Paulo, o TU-CA, onde acontecia a disputa doFestival Internacional da Can-ção. Amúsica tomava empresta-da uma das frases de efeito dasmanifestações do Maio de 68francêsetinhacomodestaquedoarranjo a guitarra distorcida deSérgio Dias, dosMutantes.

Irritado com as vaias e a agres-sividadedopúblico,oartista,entãocom26anos,despejousobreoses-pectadores um discurso históricoem que exprimiu sua decepçãocom o conservadorismo estéticodaesquerda.“Maséissoqueéa ju-ventude que diz que quer tomar opoder? Vocês têm coragem deaplaudir este ano umamúsica quevocês não teriam coragem deaplaudirnoanopassado;sãoames-majuventudequevaisempre,sem-pre,mataramanhãovelhoteinimi-goquemorreuontem!”, e concluíacom veemência: “Vocês não estãoentendendo nada, nada, nada, ab-solutamentenada.”

Hojeocompositoréuminques-tionável ícone cultural do país econvive em paz com a juventudeatual. Aos quase 70 anos, Caetanoganhou umprêmio com seu showao lado da Orquestra Imperial, seapresentacomacantoraMariaGa-dú e lança o DVD do álbum “Zii eZie”, gravado com uma banda for-madapormúsicos jovens.Suaopi-niãoésempreouvida,arespeitodacapacidade de políticos, da quali-dadedenovos artistas ou,mais re-centemente, sobre a questão dosdireitos autorais e a internet.

E não é sóCaetano.TomZé foialçado,comjustiça,aseupostodegênio, Gilberto Gil cumpriu seumandatodeministrodaCulturaeOsMutantes são febre na EuropaeEstadosUnidos.Maisde40anosdepois do lançamento do dis-co-manifesto do movimento, aTropicália mostra que não foiuma agitação passageira, e quesuas propostas e protagonistas

continuaminfluenciandoeorien-tando não só a produção artísticacomotambémaformadepensaracultura no Brasil.

LINHA EVOLUTIVANomomento de embrutecimentodaditaduramilitaredecerradapa-trulhaideológica,afiguradejovenscabeludos misturando guitarraselétricas,Chacrinha,CinemaNovoe Roberto Carlos era assustadora.Sobopropósitodedarcontinuida-de à “linha evolutiva” da músicabrasileira e se irmanar às tendên-cias que vinham de fora, os tropi-calistas evocavamoAntropofagis-modageraçãode22.Seaformaeraviolenta ede ruptura, poroutro la-do oprocesso de criação propostonãoeranadainédito.Aproveitarin-formações estrangeiras para de-senvolver características própriasé uma constante na formação damúsica brasileira e não faltamexemplospara comprovar.

Ochoronasceno fimdoséculoXIXcomoumjeito reboladodesetocar danças europeias, como apolca. Villa-Lobos deu cores eru-ditasagêneroseinstrumentospo-

pulares. Pixinguinha sofreu, qua-tro décadas antes, as mesmas crí-ticasqueosguitarristas,porusarosaxofonenamúsicabrasileira.Do-dôeOsmardesdeocomeçodadé-cadade50jáestavameletrizandoocarnavalbaiano.EmesmoaJovemGuarda, tida como representantedadominaçãocultural ianque, erauma justamisturade rockcomte-máticas de samba-canção e bole-ros em tonsmenores.

Desde quando jesuítas tocado-res de viola encontraram índiosdançadoresdecatira,amúsicabra-sileira evoluiupormisturas.Ao fa-zerestardalhaçocomocruzamen-toderockevanguardacommúsicabrasileira(daBossaNovaaoreper-tóriotidopormaiscafonaàépoca),os tropicalistas não se declararamdonos ou criadores do método.Mas ao assumirem como caracte-rísticaoqueeranaturaldoproces-so de evolução, fadaram toda ten-tativa posterior de combinação deelementos a ser carimbada comoconsequência daTropicália.

Certamenteoque chocouopú-blico naquele momento foi aabrangência da proposta sincerade abraçar todo o Brasil. O poeta

TROPICÁLIA OUPANIS ET CIRCENCISUNIVERSAL. 12 FAIXASCD E LP. PREÇO DEPENDEDA RARIDADE DA EDIÇÃO

Torquato Neto, em seu texto “OTropicalismo para Principiantes”,pergunta “Como achar Fellini ge-nial e não gostar de Zé doCaixão?Porque o Mariaaschi Maeschi émaismísticodoqueArigó?”E res-ponde em tom de confissão que“somos um país assim mesmo”.Comosenãobastasseagenialobramusical produzida no período, aTropicália ainda legou um projetode Brasil mais complacente comsuaspróprias peculiaridades.

Osartistas ligadosaomovimen-to ainda reivindicavama liberdadetotaldetemas, instrumentosepro-cessos de criação. Ao incorpora-rema guitarra elétrica, o uso artís-ticodesignoscotidianos(comonoready made de Marcel Du-

OUTROS TROPICALISTAS

Como achar Fellini genial e nãogostar de Zé do Caixão? Por que oMariaaschi Maeschi é maismístico do que Arigó?”Torquato Neto, no texto “O Tropicalismo paraprincipiantes”

Manifesto vai doerudito ao brega

N

CRÍTICA

o momento de transporpara o vinil “Tropicáliaou Panis et Circencis”(1968)asideiasereferên-ciasque ferviamemsuascabeças, o chamado“grupobaiano”(CaetanoVeloso, Gilberto Gil, GalCosta,TomZé,Capiname o piauiense TorquatoNeto) se cercou de par-ceiros de inegável com-petência. A participaçãoda cantora Nara Leãocantando o bolero “Lin-donéia”(inspiradonumaobra do artista plásticoRubens Gerchman) erasignificativa da filiaçãomusical da Tropicália,masos elementos essen-ciaisaoresultadosonorodo disco foram RogérioDuprat e osMutantes.

OmaestroDuprat vi-nha de uma relação delongadatacomamúsica

erudita do século XX,familiarizado com osprocessos composicio-nais de Pierre Boulez,Karlheinz StockhauseneJohnCage,efaziapartedo grupo de músicosvanguardistas sob in-fluência do alemãoHans-Joachim Koell-reutter. Além disso, ti-nha muita experiênciacom música de publici-dade e sólida técnica dearranjadorparacriarso-noridades que iam dacomicidade ao maisprofundo desespero.

Já os Mutantes eramumgrupodeadolescen-tesquedominavamcomextrema maestria umaoutra escola musicaligualmente importantena mistura tropicalista:o rock and roll. Conhe-cedores da evolução dogênero dos primórdiosdecountryebluesaore-finamento psicodélicodos Beatles, eram há-beis instrumentistas ecantores,e foramaface-ta pop que faltava à se-riedade intelectual domovimento.

A somadas capacida-desdessesartistaspossi-bilitoutraduzirmusical-mente a colagemde ele-mentos que iam do mo-dernismo e da poesiaconcreta ao histrionis-mobrega e àsnovidadesdo rock inglês, sintetiza-da na capa do disco comuma irônica “foto de fa-mília” à brasileira. (Fer-nandoDuarte)

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Conheça alguns coadjuvantes e personagensdos bastidores da história da Tropicália

champ), o gesto cênico do happe-ning e elementos kitsch decultura demassa, propuseram umprocesso de criação mais fácil deser assimilado hoje do que na dé-cadade60.

Écertoqueoutrosartistasigual-menteimportantesdoperíodonãosefizeramtãoafeitosarenovações.Compositores como Paulinho daViolaouChicoBuarquefazempar-te domais elevadopanteãoda artebrasileira,masnãosemostramtãovisíveis no dia a dia do fazer (ouopinar)cultural,talvezpordialoga-remmenos do que os tropicalistascomasnovas gerações. Emseuar-dente discurso aos estudantes de68,Caetanodiz:“Eueele(GilbertoGil) tivemos a coragem de entrar

David Byrne: músico escocês, líder dabanda Talking Heads, é um dos principaisresponsáveis pela divulgação da Tropicália noexterior.

Guilherme Araújo: produtor eempresário que orientou o início da carreirados baianos, sugeriu a Caetano usar a frase “Éproibido proibir”.

Hélio Oticica: artista plástico famosopelos parangolés, esculturas móveis paravestir. Criou a “Tropicália” (foto acima),obra que deu nome ao movimento.

José Celso Martinez Corrêa:dramaturgo, ator e diretor de teatro. Suamontagem de “O Rei da Vela”, de Oswald deAndrade, teve profundo impacto intelectualnos tropicalistas.

Lanny Gordin: guitarrista presente emgravações com Caetano, Gal e todo ogrupo tropicalista.

Lennie Dale: dançarino, participou doshow “Momento 68”, com CaetanoVeloso. Fundador do grupo de teatro edança Dzi Croquetes.

Rogério Duprat: maestro responsávelpelos arranjos musicais tropicalistas.

Manoel Barenbein: produtor musical,trabalhou no disco-manifesto “Tropicáliaou Panis et Circencis” e outros álbunsimportantes da época.

Nelson Motta: jornalista e compositoronipresente nos movimentos recentesda música brasileira, foi o primeiro“porta-voz” da Tropicália na imprensa.

Rogério Duarte:designer criador dopôster de “Deus e oDiabo na Terra do Sol”(filme de GlauberRocha) e das capas dosprimeiros discos solo deCaetano e Gil.

O ready made nomeia a principal estratégiade fazer artístico do francês Marcel Duchamp(1887-1968), que consiste no uso de objetosindustrializados no âmbito da arte.

Happening (do inglês acontecimento) éuma forma de expressão das artes visuaisque apresenta características das artescênicas, como a espontaneidade e aimprovisação, e que geralmente envolve aparticipação do público espectador.

Kitsch é um termo de origem alemã usadopara designar a arte falseada, uma espéciede engodo artístico da era tecnológica.Usado também para definir trabalhosartísticos ou literários de má qualidade.

emtodas as estruturas e sair de to-das, e vocês? E vocês?” Hoje, esserecado poderia ser direcionado amuitos de seus colegas daMPB.

6 7Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011 Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] PensarFale com o editor:

José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011

Documento:AGazeta_09_04_2011 1a. CULT_ET_Especial Tabloide_6.PS;Página:1;Formato:(554.92 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:07 de Apr de 2011 22:52:51

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As coisasjá estão aí

VISUAIS.Gringo Cardia, que participou da edição 2011 dos Seminários----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Internacionais Museu Vale, reflete sobre seu processo de criação----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

REPRODUÇÃO

OBRAS DO AUTOR. Cenário do show “As Cidades”, de Chico Buarque, e material gráfico do CD “Barulhinho Bom”, de Marisa Monte

GringoCardia écenógrafo,designer, artistagráfico,arquiteto, diretorde arte e diretorde videoclipes,teatro, ópera edesfile de moda.www.gringocardia.com.br

c

Viajarconhecer todas as coisas domundosem preconceitos estéticoscom pessoas e coisasna pressuposta breguice,você pode aprender muito.Eu sempre estou aprendendo.Em busca de uma energia gentil epositiva.Respeitar,trabalhar e se divertir.Com humor e com animação,festa e celebração.Celebrar qualquer coisa demaneira que ela fique enorme.Nenhum artista sozinho é umapessoa especial,diferente das outras.O melhor é sempre o coletivo.O que vem dos outros e que agente tenta interpretar.

olagem, remixnarrativa em banco de dadosremix de referências de várias

áreasnovas tecnologiasamaneira que eu trabalho

Eu acredito, na verdade, que ascoisasjáestãoaí.Vocênuncavaiin-ventar uma coisa nova. Você sem-pre tem referências. Você não éumapessoaqueveiodeumplanetaedesceuaqui.Umapessoa jánasceemummundoque temumadeter-minada cultura. Ela assimila essacultura e fala à suamaneira. Então,vemosqueavidadagenteé,esem-pre foi uma colagem. Faz parte doser humano fazer essa mistura etentar trazer o inconsciente coleti-vo que existe no mundo. O artistatenta, de alguma forma, colocar namesa esse inconsciente.

Esse poste de luz está sem-pre aí, todo mundo passa porele,mas ninguémo enxerga.

Jogar luz em algo corriqueiro,que passa despercebido paragrande parte das pessoas.

Fiz uma cenografia para umshow do Chico Buarque, em quecoloquei um único gigante postede luz realista em cena.

Muita gente achou uma coisa fe-nomenal,mas eu simplesmente co-loqueiumpostedeluzderuanofun-dodopalcodo show “AsCidades”.

Essepostedeluzestásempreaí,todo mundo passa por ele, masninguémo enxerga.

AtrásdoChicoenomeiodopal-co,todomundoobservaapoesiadaforma estranha daquele poste.

Provocar um outro olhar sobreo cotidiano, instigar as pessoas adarem uma olhada ao redor commais calma, é um elemento sem-pre presente nomeu trabalho.

Euachoqueopapeldoartistavi-sual é exatamenteode fazer aspes-soas terem atenção para coisas queelasnãoveem.Agentenasceucomo

olhomaior que todomundo. Antesde ser artista visual você tem deolhar tudo. Depois que você olhoutudo, você continua olhando. Só aívocê pode dizer que está começan-do a ser um artista visual. Eu achoque quando você traz qualquer de-talhezinhopara a cena, essedetalheganha outro significado. E esse sig-nificado faz as pessoas perceberemapoesiaqueestáemvoltadelas.Co-moartistavisual agenteestáaíparamostrar as belezas do mundo. Atéquandomostraalgoruim,vocêsem-pre busca mostrar o que há de bo-nito. Então, eu acho que o papel dagente é descobrir o mundo e o co-locar para as pessoas verem. Dessaforma,otrabalhodoartistaestámui-to ligado ao trabalho da comunica-

ção.Não temcomoseparar isso.

OBJETOS, AÇÃO E REAÇÃOEu procuro, o tempo todo, fazeruma cenografia viva, que interajacom o ator, e este, com ela, porquesenão não faz sentido, o cenário setornaumameradecoração.Euachoque, na verdade, os objetos falampela gente. Eles sempre expressamalgumacoisa.Dessa forma,quandofaço um cenário, eu sempre pensoem algo dinâmico, em que atores ecenário viremuma coisa só. Então,se uma pessoa está subindo umaparede é diferente de ela estar àfrentedeumaparede.Seessapare-decai emcimadelaou tendeacair,aparedepassaaserumoutroator.Éimportante no trabalho artísticodarumadireção,masnãoserliteral.Você deve deixar as pessoas inter-pretarem também. Um trabalhoque já vai pronto, interpretado, ób-vio, torna-se desinteressante paraas pessoas, porque elas não estãoparticipando. Então, se você deixaalgumas possibilidades, o públicoparticipa. Ele vê alternativas, co-nectando,assim,aarteàvida,jáquena vida as coisas nunca são únicas.Elas podemser várias. Portanto, fi-camais vivo nesse sentido.

ARTE, TECNOLOGIA E IMAGEMEXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS? EXISTEREALMENTE ALGUMA COISA NOVA?Acho que não tem nada novo. Tec-nologiaéfundamental,poistrazno-vos instrumentos para você traba-lhareseexpressar.Noentanto,achoque algumas ideias são novas e, àsvezes,muitosimples.Eufizumaex-posiçãoemNovaYorkemquepodiausartodaatecnologiaquequisesseeusei, mas o que mais emocionou opúblicoforamassementesdaAma-zônia,emqueaspessoaspodiambo-tar amão. Aí você pensa: “Que tec-nologia é essa?”Naverdade, as pes-soasquereméinteragireseemocio-narcomascoisas.Euacho,nofundo,queatecnologiaéigualaumatesou-ra,aumacola,ésóummododevocêcolocar o seu pensamento e se co-municar. Eu acho que esse deslum-brecomatecnologiaéumaidiotice.Ébomagenteterumcarromelhor,oavião ser melhor, tudo ser melhor,mas isso não vai mudar o mundo.Quemvaimudaromundoéagentee a cabeçada gente.

Publicadooriginalmente, na íntegra, nolivro “Mão de Obra”, na edição 2011 dosSeminários Internacionais Museu Vale

8 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011 Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

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E

TEATRO. Vitória precisa de salas pequenas e médias para absorver a----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

produção local, que perdeu espaços tradicionais nos últimos anos----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Caem o pano,as paredes...A luz seapaga. Ficamos sonhos

O povo sabe o quequer, mas tambémquer o que não sabe”(Gilberto Gil)

mmenosdeseismesesVitó-ria perdeuoTeatro da Scav eo Teatro Galpão. Agora aameaça paira sobre o Arma-zém do Porto e o EspaçoMulticultural de São Pedro.O que é isso? Ataque aéreo?Terremoto? Epidemia deburrice? O último a sair nemprecisa apagar a luz e fechara porta. Luz?Que luz? Portasnãoexistemmais. Fechamascortinas, caem as paredes,apagam-se os sonhos...

O Scav e o Galpão, teatrosparticulares, eram os únicoscapazes de abrigar tempora-das contínuas de produçõeslocais. Com isso, viraram pe-ças-chaves na cadeia produ-tiva que poderia sustentar aatividade do artista e técnicoem espetáculos em basesprofissionais. Sem esses es-paços fica difícil viabilizar aprodução local. Amenosqueclasse artística, público, for-madores de opinião, empre-sários e governo formemumacorrentecapazderever-

ter uma situação altamentedesfavorável a todos.

Termédiosepequenos tea-tros capazes de absorver aprodução é fundamental paraa manutenção do calendáriolocal de espetáculos, a exem-plo do que ocorre em capitaiscomo Curitiba e Belo Hori-zonte. Sem esses teatros ficainviávelmanterumapeça, umbalé ou um show musical emtemporada contínua, condi-ção indispensável para viabi-lizar esses projetos e o desen-volvimento artístico e profis-sional de quem deles partici-pa.Osteatrospúblicos,demé-dio e grande portes, geral-mente têm sua programaçãofracionada, intercalada comespetáculosdeváriosgênerose procedências. Dificilmenteserá viável neles pretendermais que um final de semanaparaproduções, locaisouvisi-tantes.Easproduçõesnativas,sem nomes de apelo comer-cial no elenco, sem um bomsuporte financeiro para ban-

carumaeficientepublicidade,raramente se viabilizam. Pre-cisamdemais tempoparaqueaconteça o boca a boca, paraque o espetáculo e o artistaamadureçamemcontato como público.

É preciso buscar parceriaspara quenovos espaços sejamcriados. Existem muitos lo-jões desativadosnoCentrodeVitória, galpões e auditóriosvazios ou subutilizados queadaptados poderiam integraruma rede de teatros. O idealseria que os grupos tivessemseus espaços, suas bases, paraali desenvolverem seu traba-lho, sua linguagem, formas-sem seu público.

Hotéis, escolas, empresas eauditórios diversos são locaispotencialmente capazes deabrigar um teatro. A questãoagoraéviabilizá-los.Nessaho-ra entrariam os órgãos públi-cos com incentivos. Poderiaser a isenção do IPTU (comoocorrecomasigrejas),olança-mentodeeditaisouprogramasespecíficos para a criação e amanutenção desses espaços.De que adianta a Lei RubemBraga ou os editais da Secultcriarem mecanismos para aprodução de espetáculos senão existirem espaços para le-vá-losaopúblico,que,afinaldecontas, éoobjetivodetodos?Éclaro: apenas espaços para

GUSTAVO LOUZADA - 28/09/2006

CRISE. A demolição do TeatroEdith Bulhões (antigo SCAV),em agosto de 2010, e ofechamento do TeatroGalpão, em janeiro de 2011,deixaram os artistas locaisórfãos de palco paratemporadas contínuas;articulista propõe soluções

Luiz Tadeu Teixeiraé jornalista, diretor deteatro e cinema.Atualmente apresentao programaCurtaVídeo na [email protected]

apresentarespetáculosnãore-solvem. É preciso tambémmontar espetáculos que inte-ressemaopúblico.Masaíéou-tra história, outro desafio.

Um produtor teatral nor-te-americano, JoeKantor,sau-doso realizador de grandesprojetos teatrais em São Pau-lo,ondevivianosanos60,cos-tumava dizer que “não exis-tem teatros deficitários, masespetáculos fracassados”.Kantorgarantiaqueseoespe-táculo interessasse aopúblicoeste iria até embaixo da pontepara assisti-lo.

Pontes não nos faltam.Masé preciso percorrê-las parachegar ao outro lado.

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BRUNO MIRANDA - 09/12/2004

PensarFale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011

Documento:AGazeta_09_04_2011 1a. CULT_ET_Especial Tabloide_9.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:07 de Apr de 2011 22:58:44

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P

MÚSICA.Oscar Peterson exibe técnica, silêncio e emoção em disco----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

gravado ao vivo na Suíça, em 1953, ao lado de um elenco estelar----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

O pianoquetraduziuo jazz

Os generososrocamboles de notas,arranjadas como quenum gigantesco earomático buquê,nos remetem a ErrolGarner, verdadeiropote de mel dopiano-jazz.

oliana,aotimistapersonagemda literatura infanto-juvenil,tinha razão: até a tuberculosetemo seu lado bom. Foi essa adoença que afastou Oscar Pe-terson do trompete, aproxi-mando-o do piano. Aos 14anos,elejáganhavaconcursosde auditório para criançasprodígio e, aos 19, já fazia su-cesso no Canadá, onde nas-ceu. De origem humilde,aprendeucomopaioamorpe-lo jazz, amor registrado emmais de 60 álbuns para a Ver-

ve, 30 para a Pablo, 15 para aClef, 15 para a Telarc, 4 para aMercury, além de outros tan-tosparaaVictor,MobileFide-lity, MPS, Limelight, Prestige,Can-Am, Columbia, EmArcy,JazzBand,Philology,FantasyeTrolley Car.

A imensidão de suas grava-ções – que, acredito, ultrapas-samos200álbunscomolíderemais algumas centenas comosideman – é proporcional aoseu virtuosismo que, em cer-tas passagens, nos faz lembrardospianistasArtTatumeMiltBuckner (com seus blockchords – técnica que utilizablocosdenotastocadassimul-taneamente). Os generososrocamboles de notas, arranja-das comoquenumgigantescoe aromático buquê, nos reme-temaErrolGarner,verdadeiropote de mel do piano-jazz.Contudo, Oscar estava umpassoadiantedesses trêsmes-

tres,sabendoadministrarcommaestria a profusão de ideiasmusicaisquelhepassavampe-lacabeça,economizandointe-ligentementeaemissãodeno-tas eutilizandocommais sim-patia o silêncio, embora sem-pre com a velocidade aluci-nante de uma pantera negraque se lança à caça.

Todas essas características

estão presentes no excelenteálbum “JATP Lausanne 1953 -Oscar Peterson & Friends”,lançado no Brasil pela grava-dora Biscoito Fino.

Acompanhado por algunsdosmelhoresmúsicos de jazzdoperíodo,comootrompetis-ta Charlie Shavers, os saxofo-nistas tenores Flip Phillips eLester Young, e o saxofonistaaltoWillie Smith,Oscar iniciao álbum com o clássico tema“C Jam Blues”, desenvolvidoem quase 20 minutos de im-provisosmemoráveis. A faixaseguinteéummedley, reunin-do três sedutoras baladas, “ICover the Waterfront”, “In-dian Summer” e “Isn't this aLovely Day”, em que cada umdos saxofonistas demonstrasuas habilidades.

Na terceira faixa do álbum,“DarkEyes”,éavezdeShaverslevantar o público com suacontagiante técnica. O espíri-to de jam session retorna nafaixa seguinte, “Cottontail”,interpretada em velocidadealucinante, com destaque pa-ra o solo do baterista GeneKrupa. As duas últimas faixasdo álbum, “Tea for Two” e“Idaho”, são interpretadasporuma forma pouco usual detrio: piano, sax alto e bateria,ocasiãoemqueOscarpode fi-nalmente abandonar a discre-ta posição de acompanhantepara demonstrar toda sua ca-pacidade como solista.

SWINGNão sendo nada fácil classifi-car seu estilo, posso dizer queOscar está mais bem alocadona estante do swing, emborasua originalidade e capacida-de inventiva possam, em al-guns momentos, nos levar aclassificá-lo comopianista dobebop ou, até mesmo, do stri-de ou do hard bop (ele conhe-cia e dominava as linguagenstanto de um James P. Johnsonquanto a de umBill Evans).

Mas as praias de Oscar Pe-terson e, digamos, BudPowell(em minha opinião o melhorpianista do estilo bebop), nãosão exatamente as mesmas.EnquantoapraiadeOscartemareia clara, mar azul e muitosol, a de Bud é abrupta falésiaem dia de nevoeiro e chuva.

PAUL SLAUGHTER/DIVULGAÇÃO

MESTRE. A imensidão das gravações do pianista é proporcional ao seu virtuosismo

Estudo. Oscar Peterson nasceu emMontreal, em 1925, começando aestudar piano aos seis anos. Seuentusiasmo pelo jazz traduzia-se embenéficas e longas horas de prática,do que resultou uma técnica quaseinsuperável entre os pianistas de jazzde sua geração. Nos anos 40 játocava em rádios canadenses e, em1944, passa a integrar a bem-sucedida orquestra de JohnnyHolmes para, logo em seguida, liderarseu próprio trio.

Encontros. Em mais de 60 anosde carreira, apresenta-se ou gravacom figuras diversas eestilisticamente bastante distintasentre si, como Lester Young, CharlieParker, Ben Webster, Stan Getz,Benny Carter, Louis Armstrong,Count Basie, Billie Holiday, EllaFitzgerald e muitos outros. Alguns deseus encontros mais memoráveisforam registrados durante asapresentações do JATP, Jazz At ThePhilharmonic, criado por NormanGranz, produtor responsável por suaestreia nos EUA, em setembro de1949, no Carnegie Hall.

Songbooks. Mantendoexcelentes trios durante toda acarreira – muitos deles com oguitarrista Herb Ellis –, Oscarregistra uma série de álbuns comsongbooks de Cole Porter, DukeEllington e vários outros, além detentar a composição (“CanadianSuite”). Mas é como um alquimistadas 88 teclas que Oscar vai ficarem nossa memória e nosinumeráveis registros que ele nosdeixou ao longo de uma carreirapraticamente sem apelo ao fácil eao comercial. Tocou até a suamorte, em 2007.

TRAJETÓRIA

JATP LAUSANNE 1953– OSCAR PETERSON &FRIENDSBISCOITO FINO. 8 FAIXASQUANTO: R$ 35, EM MÉDIA

OSCAR PETERSON

John Lester escreve oblog Jazzseen(jazzseen.blogspot.com) ehá 10 anos tenta imitarCharlie Parker com seusax alto, sem sucesso

10 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011 Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

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11PensarFale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected] A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011

Documento:AGazeta_09_04_2011 1a. CULT_ET_Especial Tabloide_11.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:09 de Apr de 2011 14:29:36

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RogérioCoimbra éprodutor cultural,pesquisador dehistória da músicae autor do blogMúsica nasAlturas. Foi chefede Promoções daextinta FundaçãoCultural.www.musicanasalturas.blogspot.com

E POR FALAR EM SAUDADE...Rogério Coimbra conta os bastidores do----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

show da cantora no Teatro Carlos Gomes, em 23 de outubro de 1977----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Uma noite inesquecível comSarah Vaughan em Vitória

Fiquei no camarim do terceiroandar do teatro com Mrs Vaughan.Eu e a musa, a sós, luzes apagadas,pois as da rua eram suficientes.

ACERVO MARIEN CALIXTE

HISTÓRICO. Sarah Vaughan no restaurante Ferrinho, em Camburi, ao ladode Sônia e Manuela Cabral, Luiz Paixão e o pianista Carl Schroeder

O

REGISTRO NA IMPRENSA

Documento. O show da cantora emVitória foi capa do Caderno Dois deA GAZETA em 21 de outubro de 1977

s grandes espetáculos internacio-nais em Vitória aconteceram nosanos 1977/78/79 quando a antigaFundaçãoCulturalestavasoboco-mandodeMarienCalixte.Nomeiocampo Sônia Cabral, AfonsoAbreueeunosdesdobrávamosemproduzir nomes como o de AstorPiazzolla,ArtBlakey,Passport,Da-ve Brubeck, John York, entre tan-tos. Cada evento tem sua históriaquenósquatrobempodemoscon-tar. Hoje vale lembrar de SarahVaughan,TheDivineOne.

Sassy desembarcou em Vitórianum sábado de primavera comumaenormecabeleira.Cabelosar-mados erammoda. Sua troupe eraopianistaCarlSchroeder,obaixis-taWalterBooker e obaterista Jim-myCobb.AlojadosnoHotelSenac,veio o alvoroço pois tínhamos umdia curto para os preparativos. Sô-niaCabral eMarienCalixte encar-regaram-sedeciceronearaestrela.Opoint era o restaurante doFerri-nho.Schroedersumiu,assimcomoMr. Cobb. Walter Booker não lar-gou do meu pé. As atenções esta-vam focadas no show de domingonoCarlosGomes.

Comosempreacontecenumdo-mingoemVitória, a cidadeassusta,aindamaisànoite,quandosócircu-lam fantasmas. Fiquei no camarimdoterceiroandardoteatrocomMrsVaughan. Eu e a musa, a sós, luzesapagadas, pois as da rua eram sufi-cientes.WalterBookerpassourápi-docomamissãodepassar-lheumapoderosacigarrilhacujafumaçaex-pelida deixava-nos lerdos e feridospelo insuportável silêncio da cida-

de.Elaficoufixadiantedotoucadorresmungando, ou cantarolando.Nunca esqueci da frase que ela sol-tou:“Oqueagentenãotemquefazerpara ganhar a vida...” Tradução ins-tantânea e imediata melancolia aodeslumbrarasruasdesertas.Fomosdespertadospelosegundosinal:ho-ra do show. Foi uma noite burocrá-tica, profissional, com o insuportá-velcalordoteatro.MrsVaughanen-xugavaasaxilascomlençosdepapeleosatiravasobreaplateia,numevi-dente protesto profissional. Mas omelhor estavaporvir.

Foi marcado um jantar na casadeSôniaCabral,umdaquelessem-prelautos jantaresqueaconteciamapós os espetáculos. Houve resis-tência por parte do grupo, mas,diante de insistência minha e deArlindo Castro, embarcamos nomeufusquinha.Eudirigindo,Sassyao meu lado e, no banco atrás,aquelamontanhade carne:WalterBrookereJimmyCobbesmagandoArlindinho. Mr Booker providen-ciou outra cigarrilhamágica. Comosvidroscerrados,paranãopoluira cidade, ficamos a passear pelaPraia do Canto e Camburi, num

tempo que parecia não terminar.De repente Mrs Vaughan senten-ciou: “ I’mhungry, let’s eat.”

Lembrei que em Vitória não ti-nha nada aberto àquela hora. Pon-dereisobreo jantarequeseriasim-páticocomparecermos;oambiente

seria agradável, sem tietagem e tu-domaisqueaconvencesseair.Ala-rica faloumaisalto. “Let’sgo”.Esta-cionei o fusca e quando estávamosna rua observei que saía a fumaçamágicadacabeleiraarmadadeMrsVaughan. Começamos a rir e nãoconseguíamos parar. Pisamos a va-randadacasadeSôniaeMarílioCa-bral e retornamos diante de tantagenteaguardandoaestreladanoite.Enfimentramosemfilaindianacir-cundandoalongamesacomaqueleirresistível banquete cuja peçaprincipal eraumsedutorbacalhau.Demos pelomenos umas três vol-taspelamesa, rindo, simplesmenterindo.Osconvivasnãoentenderammuitomas, como já estavamhá al-gum tempo esperando, tiveramnoscotch um poderoso aliado paramorreremderirtambém,afinal,es-távamos todos lá, reunidos, felizescom o acontecimento, Marien Ca-lixtemuitomais.

Apresentações feitas, torna-mo-nos umgrupo social. Cada umfoi criando seu grupinho e eu coleiem Jimmy Cobb para ouvir as his-tóriasdeMilesDaviseJohnColtra-ne. Ele portava no bolso de sua ca-misa um pente que a cada minutotiravaepassavanocabelo.Econta-va histórias como se estivesse exe-cutando um longo solo de bateria.Schroeder não apareceuno jantar.

Foi uma noite fantástica. Plenamadrugada,todossoltos,lânguidos;nasalaumpianomeiacaudanoqualo saudosoManoloCabral exercita-vaseutalento.Pelaluzdeumabajura silhueta de Marílio Cabral dedi-lhando um contrabaixo. MrsVaughan, com um copo na mão,aproxima-se do piano, senta-se ecomeçaa tocar.Muitos cochilavammasos atentos se aproximaram.

Amadrugada estendeu-se e namanhã seguinte as estrelas volta-vampara o céu.Ninguémsabe aocerto se Schroeder foi também.Mr. Cobb hoje está com82 anos eem plena atividade, assim comoSchroeder.MrBooker faleceuem2006 eMrsVaughan em 1990.

12 Pensar A GAZETA Vitória (ES), sábado, 09 de abril de 2011 Fale com o editor:José Roberto Santos Neves - [email protected]

Documento:AGazeta_09_04_2011 1a. CULT_ET_Especial Tabloide_12.PS;Página:1;Formato:(277.64 x 315.74 mm);Chapa:Composto;Data:07 de Apr de 2011 23:23:57