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Pensando o espaço, o lugar e o não lugarem Certeau e Augé: perspectivas deanálise a partir da interação simbólica noFoursquare

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  • ResumoEste trabalho busca analisar o conceito de no lugares, proposto por Marc Aug, como caracterstico do que ele denomina como sobremodernidade, e sua relao com as consideraes sobre lugares e espaos para Michel de Certeau. Considerando as possibilidades de reflexo advindas de tal anlise, utilizamos como elemento de ligao as teorias ligadas ao Interacionismo Simblico, para entender as caminhadas e o compartilhamento desses rastros como um discurso, e sua apropriao como elemento simbolizador dos no lugares na rede. A partir do entrecruzamento terico entre estas teorias, propomos ento discutir a possvel simbolizao de um tpico no lugar (um shopping center de Porto Alegre), a partir das interaes e dos registros simblicos deixados pelos usurios da rede social mvel Foursquare.Palavras-chave: mobilidade; redes sociais; ciberespao; Interacionismo Simblico; Foursquare.

    AbstractThis paper analyzes the concept of non-places, proposed by Marc Aug, and its relation to the considerations about places and spaces in Michel de Certeaus theory. Considering the possibilities of reflection arising from this analysis, we used as a liaison theories linked to symbolic interactionism, to understand the sharing of these trails as a discourse, and its process in this physical places on the internet. From the theoretical intersection between these theories, we propose to discuss the possible symbolism of a typical non-place (a shopping center in Porto Alegre), from the symbolic interactions and records left by users of mobile social network Foursquare.Keywords: Mobility; Social Networks; Cyberspace; Symbolic Interactionism; Foursquare.

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    Pensando o espao, o lugar e o no lugar em Certeau e Aug: perspectivas de

    anlise a partir da interao simblica no Foursquare

    Thinking space, place and non-place according to Certeau and Aug: analytical perspectives from the

    symbolic interaction at Foursquare

    Breno Maciel Souza ReisBacharel em Comunicao Social (Publicidade e Propaganda) pela

    Universidade Federal do Esprito Santo. Mestre em Comunicao pelo

    Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social da PUCRS. Pes-

    quisador-bolsista do Laboratrio de Ubiquidade Tecnolgica (UbiLab/

    Famecos/PUCRS)

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    Introduo

    Quando Marc Aug, antroplogo francs, lanou em 1994 sua obra No lugares: introduo a uma antropologia da supermodernidade, muito se discu-tiu sobre estes novos locais inaugurados a partir da cultura do excesso que se explicitava na poca: com a popularizao das comunicaes via dispositivos informacionais e em rede, com a exploso da facilidade de deslocamento ao redor do globo em meios de transporte cada vez mais rpidos e acessveis grande parte da populao, e com o surgimento de novos lugares visando aco-lher esses sujeitos em trnsito permanente tanto em aeroportos e estaes de trens, em autoestradas, em templos de consumo desenfreado e frentico, como os hipermercados e os shopping centers, quanto nos globalmente conectados e em rede. Para o autor, esses eram indcios de que estaramos entrando numa era de individualismo e velocidade excessiva, bem como eram abertas novas frentes de consumo, sobretudo de informao.

    Com uma perspectiva talvez menos pessimista que Aug e menos cen-trada nas tecnologias, mas no sujeito e nas apropriaes a partir dela, Certeau (1998) trabalha as questes relativas aos modos do sujeito de se inserir no mun-do, seja atravs da linguagem, das prticas comunicacionais ou de suas cami-nhadas pelas cidades. Entendendo tais prxis sempre a partir dos significados e dos discursos como produtos resultantes das interaes entre o sujeito e o mundo, o autor analisa tambm as questes relativas aos espaos e lugares, di-ferenciando-os a partir das apropriaes pelos sujeitos. Outrossim, trazemos baila as consideraes do Interacionismo Simblico para tentar clarificar como se d essa produo de sentido a partir das interaes sociais dos indivduos, agora mediados pela rede e por mltiplos dispositivos tecnolgicos, buscando discutir como esses processos discursivos podem influenciar na produo de no lugares ou em sua desconstruo.

    A sobremodernidade e o conceito de no lugares em Marc Aug

    O que caracterizaria, ento, esses lugares transitrios, nos quais sempre se est de passagem, como rodovirias, aeroportos ou estaes de trem, ou os templos de consumo da cultura contempornea, os shopping centers e hipermer-cados? Como o sujeito habita e pratica esses locais, mesmo que provisoriamente? Buscando entender a proliferao desses na contemporaneidade, Aug defende que tais fenmenos so caractersticos do que ele denomina como sobremoder-nidade ou supermodernidade.1 Para ele, a sobremodernidade se caracteriza por fazer coexistir realidades distintas a partir da planetarizao tanto de fluxos fi-nanceiros e polticos como de pessoas, a partir dos meios de transporte cada vez mais velozes que permitem o deslocamento fsico a grandes distncias e em um

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    curto espao de tempo, ou ainda a partir das tecnologias de comunicao que interconectaram todos os pontos do globo e alteraram nossa percepo tanto de tempo quanto de dimenso da Terra. Para ele, a sobremodernidade justamen-te este cenrio paradoxal no qual convivem uniformizao e planetarizao de fluxos informacionais e financeiros, ao mesmo tempo que se acentuam parti-cularismos; pases cuja lgica social guiada pelo excesso de consumo e cujas populaes vivem na misria, sem condies bsicas de sobrevivncia; mltiplas possibilidades de contato, comunicao e interao em escala global, e conflitos regionais e globais exatamente por falta de entendimento, ou seja, [...] Um mun-do prometido individualidade solitria, passagem, ao provisrio, ao efmero [...] (AUG, 1994, p. 74).

    Para o autor (1994, p. 32), a modalidade essencial da sobremodernidade e, ao mesmo tempo, a sua grande produtora o excesso, somente possvel a partir da superabundncia de trs fatores que, para ele, so: o excesso de informao, de imagens e de individualismo. Em relao ao excesso de informao, o autor afirma que essa caracterstica responsvel pela sensao de acelerao da his-tria. Ou seja, as informaes que chegam a todo momento dos quatro cantos do globo, e em tempo real, nos do a impresso de que estamos, de fato, dentro da histria o que constitui, para o autor, um desafio aos historiadores e que, pela sua abundncia de significados, pode justamente, no limite, ameaar todo e qualquer significado.

    Nesse sentido, podemos entender tambm essas informaes como cons-tituintes primordiais do que leva segunda modalidade de excesso para Aug, ou seja, a produo de imagens de um mundo dinmico e que se reconfigura a cada instante, as quais nos so trazidas a todo momento e nos do a impresso do encolhimento do mesmo. Assim, o autor adverte que, na sobremodernidade, um dos grandes desafios impostos ao sujeito na contemporaneidade justamente reaprender a pensar o espao a partir dessas mltiplas imagens e informaes que chegam at ele (AUG, 1994, p. 37). O ciberespao se revela tambm como um trao da sobremodernidade: a supremacia do tempo sobre o espao. Aug afirma ainda que estamos na idade do imediatismo e do instantneo. A comunicao se produz na velocidade da luz. Assim, pois, nosso domnio do tempo reduz nosso espao (2006, p. 105).

    O terceiro termo com o qual ele define a sobremodernidade o excesso de individualismo, surgido a partir da relao cada vez mais intensa com os meios de comunicao, que, como dissemos, fornecem aos sujeitos uma pers-pectiva distinta do mundo e do tempo. A partir da exposio a uma realidade espetacularizada e efmera, a uma atualidade transitria, produz-se nos sujeitos o que o autor chama de solides interativas, na medida em que [...] os convida navegao solitria e na qual toda a telecomunicao abstrai a relao com o outro, substituindo com o som ou a imagem o corpo a corpo e o cara a cara [...] (2006, p. 106).

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    De tal forma, medida que a sobremodernidade convive com os antago-nismos caractersticos de sua existncia, ela tambm produz, a partir dessas con-tradies, novas experincias dos sujeitos com o mundo, principalmente a partir do fluxo acelerado tanto de informaes quanto de pessoas em espaos que Aug denomina de no lugares. Partindo da noo antropolgica de lugar, definindo-o como simbolizado, identitrio, relacional e histrico (1994, p. 52), entendido a partir da [...] possibilidade dos percursos que nele se efetuam, os discursos que nele se pronunciam e da linguagem que o caracteriza (1994, p. 77). Ou seja, o lugar se completa pela interlocuo das narrativas constitudas pelas experincias individuais e coletivas ali construdas pelos seus ocupantes na ao da prpria ocupao, pelo compartilhamento de significados acerca do lugar e dos prprios sujeitos que ali inscrevem suas marcas. Para ele, os no lugares seriam o opos-to dos lugares, seriam produzidos pela sobremodernidade e se caracterizariam como uma qualidade negativa dos mesmos (SANTAELLA, 2007, p. 175).

    Aug entende que se um lugar pode se definir como identitrio, relacional e histrico, um espao que no pode se definir nem como identitrio, nem como relacional, nem como histrico definir um no lugar (1994, p. 73). Sob tal perspectiva, o autor elenca os no lugares como espaos de circulao (autoestra-das, lojas de convenincia em postos de gasolina, rodovirias, estaes de trem, aeroportos e vias areas), de consumo (super e hipermercados, shopping centers, cadeias hoteleiras) e, tambm, os espaos de comunicao global e em rede (as telas, os cabos, o ciberespao, as redes sem fio que cruzam a cidade, como as de internet mvel e de telefonia celular). Para Aug, os no lugares, seriam, por-tanto, a medida de nossa poca, palimpsestos nos quais se inscrevem, de forma provisria e fugidia, os espaos supracitados, que acabam por mobilizar [...] o espao terrestre para uma comunicao to estranha que muitas vezes s pe o indivduo em contato com uma outra imagem de si mesmo (1994, p. 75).

    O autor, em sua teoria, defende ainda que os no lugares tenderiam gene-ralizao de suas caractersticas, justapondo-se, criando assim uma falsa sensao de familiaridade em meio transitoriedade que lhes caracterstica: aeroportos que se assemelham a shoppings; televises e, mais recentemente, acesso internet em avies, nibus e trens. Eles transformam os particularismos das cidades onde se inserem em uma uniformidade global, sendo possvel reconhecer facilmente um shopping, seja em Nova York, seja em Hong Kong, e a partir disso o autor se apropria da expresso cidade genrica para descrever essas arquiteturas simila-res e uniformes ao redor do globo, ou seja, elas seriam o resultado da imbricao da vida urbana com o ciberespao (AUG, 2006, p. 110).

    O no lugar e o lugar seriam esferas antagnicas, porm complementares, e a aparente contradio entre suas existncias constitui tambm um dos traos

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    da contemporaneidade, em que o primeiro nunca se realiza totalmente, nem o segundo eclipsado de forma definitiva. O autor faz uma importante relativizao de seu conceito de no lugares, afirmando que, embora eles sejam caracterizados pela ausncia de identidade, significado e referncia histrica, a sua existncia est diretamente relacionada com os modos como os sujeitos se apropriam deles, sendo o uso o que faz o lugar ou o no lugar (2006, p. 111). Essa definio dos no lugares em funo do uso que cada indivduo faz dele nos permite recuperar as conside-raes de Michel de Certeau acerca dos modos de fazer o espao urbano, os quais criam tessituras de discursos construdas a partir das perambulaes individuais nas cidades e, mais recentemente, pelo compartilhamento e pela interao com os registros discursivos em ambientes informacionais o que, veremos, levaria, talvez, a uma ressignificao desses locais transitrios.

    Diferenciando lugares e espaos: a caminhada como discurso para Michel de Certeau

    J dissemos que os no lugares se caracterizam por serem locais dessimbo-lizados, no identitrios e com os quais os sujeitos, em geral, no estabelecem ne-nhum tipo de vnculo relacional enquanto os ocupam. Na busca por uma possvel relativizao desse conceito, e posterior entendimento sobre as suas transformaes na contemporaneidade, julgamos necessrio trazer baila a diferenciao entre lu-gar e espao, proposta por Certeau (1998). Para ele, lugar [...] uma configurao instantnea de posies. Implica uma relao de estabilidade (1998, p. 201). Seria possvel entender o lugar como uma rua, uma praa quando planejada e cons-truda , como a malha viria de uma cidade, ausente de significado. Ou seja, seria a configurao espacial das coisas o que impossibilita, por exemplo, duas coisas ocuparem o mesmo lugar.

    Sob a perspectiva de Certeau, podemos entender o espao como a prtica do lugar, ou seja, como os sujeitos o transformam a partir das suas ocupaes, apro-priaes e vivncias. Os sujeitos, em seus itinerrios cotidianos, simbolizam o lugar a partir das interferncias, tanto corporais quanto cognitivas, nessas configuraes fsicas. Assim, para o autor, [...] a rua geometricamente definida pelo urbanismo transformada em espao pelos pedestres (1998, p. 202). Ele ainda acrescenta que so os passos que moldam os lugares e os transformam em espaos, que inserem e inscrevem nestes camadas simblicas que se sobrepem e criam uma extensa rede de significados que, compartilhados simbolicamente atravs da comunicao, modificam os usos que os sujeitos fazem dos mesmos (1998, p. 176). Formam, de tal modo, [...] uma histria mltipla, sem autor nem espectador, formado em fragmentos de trajetrias e em alteraes de espaos (1998, p. 171).

    Para o autor, possvel entender esse uso dos lugares e a sua apropriao em espao de vivncia como um discurso, construdo pelo caminhante, e que

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    est para a cidade tal qual a enunciao est para a lngua. Entende-se tal pers-pectiva a partir de uma funo trplice que cria esse discurso: ao caminhar, o sujeito se apropria das possibilidades permitidas pelas configuraes espaciais disponveis, assim como um locutor se apropria da lngua; ao mesmo tempo, uma realizao espacial do lugar, do mesmo modo que proferir uma palavra o ato sonoro da lngua; por fim, implica relaes entre os outros indivduos que ocupam o mesmo espao, na forma de contratos pragmticos, mesmo que implcitos. Assim, ele defende que, por meio desse discurso proferido pelos passos, [...] o caminhante transforma em outra coisa cada significante espa-cial (1998, p. 178), ou seja, os usos criam retricas ambulatricas, que repre-sentam feituras do espao. Cada enunciado, assim como cada passo, carrega consigo traos, marcas individuais, que transformam esses rastros em um texto nico que cada sujeito escreve na cidade.

    Aug (1994, p. 75), muito embora utilize nomenclaturas diferentes para estabelecer uma contraposio entre os lugares e os no lugares, considera a anlise de Certeau um antecedente importante em seu estudo. Entretanto, Aug discorda quanto transformao dos lugares em espaos a partir das prticas individuais, novamente levantando a questo do direcionamento prvio do olhar do caminhante a partir de opes pr-disponibilizadas sobre os espaos ou de uma ilusria possibilidade infinita de escolha e apropria-o do espao urbano sob o bel-prazer do seu ocupante (1994, p. 79).

    Na contemporaneidade, essas marcas deixadas pelos transeuntes, tan-to fsicas quanto simblicas, podem ser compartilhadas e sobrepostas umas s outras, mediadas por tecnologias que vo desde a linguagem at, mais recentemente, as redes informacionais mveis. Falaremos disso a seguir, po-rm, antes, acreditamos ser necessrio realizar uma breve incurso na teoria do Interacionismo Simblico, que entende a comunicao humana como elemento fundamental transmisso de formas simblicas e ao comparti-lhamento de significados comuns, e que, cremos, a fora motriz que im-pulsiona e transforma a relao que os sujeitos estabelecem com os lugares e espaos, lugares e no lugares.

    Transformando lugares em espaos e no lugares em lugares a partir da interao em rede: uma aproximao com o Interacionismo Simblico

    Na primeira metade do sculo 20, estudiosos de Chicago, nos Estados Unidos da Amrica, fundaram uma corrente de reflexo terica acerca dos processos comunicativos estabelecidos entre os indivduos, considerando-os como elemento fundamental transmisso, compartilhamento e criao co-letiva de significados, que ficou conhecida como Interacionismo Simblico.

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    Sob a perspectiva desse conjunto de teorias, a sociedade se constitui a partir das interaes entre os sujeitos, mediadas simbolicamente pela linguagem, cujo produto resultante das aes dos indivduos a constante troca e in-terpretao de smbolos, sendo este o cimento que permeia a sociedade e d coeso a ela. A comunicao entendida como um processo intrnseco ao homem, que, como um ator social, e no somente um reator, produz sentido de forma deliberada em suas aes, tanto para si mesmo, quanto para os outros. De acordo com Rdiger (2011, p. 38), a comunicao representa um processo estruturado simbolicamente, constitui o emprego de smbolos comuns com vistas interao, que funda a prpria sociedade.

    George Mead entende que o homem, como um ser essencialmente comunicativo, tende a se relacionar com os outros de forma ativa: os atos sociais, para ele, constituem desse modo uma trade que ele estuda de for-ma bastante esclarecedora em Mind, Self and Society (1934), sua principal obra. Para ele, a comunicao e a sociedade, entendida como o sistema de foras resultantes das interaes sociais e das formas interpretativas re-sultantes destas se d a partir de trs esferas, que seriam a ao inicial de um sujeito, como outros indivduos interpretam e reagem ao primeira, e, posteriormente, ao produto desse processo (LITTLEJOHN, 1988, p. 69). Logo, condio sine qua non existncia do processo comunicativo que os indivduos envolvidos tenham por princpio o compartilhamento de formas simblicas uns com os outros, sendo esse um processo inerente interao humana.

    De acordo com Blumer, discpulo de Mead, o Interacionismo Simblico uma abordagem que:

    [...] V a sociedade humana como pessoas engajadas em viver. Esse vi-

    ver um processo de contnua atividade no qual os participantes de-

    senvolvem linhas de ao nas diferentes situaes que encontram. Eles

    encontram-se em um vasto processo de interao no qual eles precisam

    ajustar suas aes em desenvolvimento uns aos outros. Esse processo de

    interao consiste em fazer indicaes uns aos outros sobre o que fazer

    e como interpretar as indicaes feitas pelos outros. Eles vivem em um

    mundo de objetos e so guiados em suas orientaes e aes pelo signi-

    ficado desses objetos. Seus objetos, incluindo objetos formados por eles

    mesmos, so formados, sustentados, enfraquecidos e transformados nas

    interaes entre eles (BLUMER, 1980, p. 21-22).

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    Para Blumer (1980), o significado assume um papel fundamental nos processos sociais. Assim, ele acredita que existem trs formas de produo de sentido, a saber: a primeira entende sua existncia como processo intrnseco, ou seja, ele existe per se e inerente s coisas; a segunda pressupe que as pes-soas adquirem os significados a partir de suas orientaes psquicas individu-ais; j o terceiro entende que os significados so produtos sociais. Claramente interacionista, para esta ltima perspectiva seja qual for o significado que uma pessoa tem para uma coisa, sempre o resultado dos modos como outras pessoas agiram em relao a ela, a respeito da coisa que est sendo definida (LITTLEJOHN, 1988, p. 72). Logo, podemos concluir, baseados nessa pers-pectiva, que o homem no age em funo das coisas em si, mas sim dos sig-nificados socialmente construdos que elas possuem, fundando manifestaes culturais que se confundem em sua estrutura com a prpria sociedade, gerada simbolicamente pela comunicao (RDIGER, 2011, p. 39).

    Assim, Blumer (1980, p. 128) parece corroborar a ideia exposta aqui, afirmando que o significado dos objetos para cada um , basicamente, gerado a partir da maneira pela qual lhe definido por outras pessoas com quem inte-rage. Ou seja, do ponto de vista do Interacionismo Simblico, a coexistncia humana em sociedade a responsvel pela criao e significao dos sujeitos, dos objetos e, consequentemente, do mundo em sua totalidade, este entendido, em ltima anlise, como o universo de tudo que existe, e sobre a qual pode se falar, ou seja, a soma dos objetos fsicos, sociais e abstratos, conforme o autor define.

    Isso posto, podemos aqui fazer uma aproximao dos conceitos da Escola Interacionista com a questo que norteia este trabalho, ou seja, a transforma-o e a simbolizao dos no lugares a partir das narrativas individuais, cons-trudas nas interaes com os objetos, com os espaos e, principalmente, com os outros. A partir da linguagem e da comunicao humana, abrem-se possi-bilidades de compartilhamento dos registros sobre as experincias individuais sobre o espao urbano, agora potencializadas pela internet e pelas redes sociais virtuais, que se propem a registrar e compartilhar as caminhadas dos sujeitos pelos locais que frequentam que vo desde a residncia, local primordial-mente simbolizado e identitrio, at shopping centers, que, segundo a perspec-tiva de Aug (1994), seriam legtimos representantes dos no lugares. Para este trabalho especificamente, tomamos como recorte o Foursquare (http://www.foursquare.com), rede social baseada em geolocalizao,2 que compartilha com a rede do indivduo no servio a sua localizao no momento, a partir da iniciativa do prprio usurio, que realiza o check-in nos lugares que frequenta que pode incluir tanto residncias, escolas, ruas, praas, bares e lanchonetes quanto aeroportos, rodovirias, centros de consumo e outros espaos de fluxo.

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    O Foursquare como potencial ferramenta de significao dos no lugares

    O Foursquare uma rede social baseada em geolocalizao, ou uma mdia locativa3 (LEMOS, 2007), da qual os usurios, para participarem, ne-cessitam instalar em seus dispositivos mveis telefones celulares, smartpho-nes, tablets um aplicativo que lhes permite informar sua rede de contatos no servio a sua localizao atual, com um procedimento chamado check-in. Para acesso ao aplicativo, necessrio dispor de internet mvel, tanto via ope-radoras de telefonia celular quanto atravs de conexo Wi-Fi.4 Com o uso do GPS,5 o sistema localiza a posio do usurio naquele momento e identifica os locais fsicos correspondentes registrados na rede (venues). possvel tambm procurar por contatos que estejam prximos a ele e obter distintivos de acordo com a sua utilizao no sistema, atravs de um sistema de recompensas, como pontos e badges, ou insgnias, que ficam disponveis em seu perfil pblico e do um carter de jogo rede. Quando o usurio do Foursquare faz check-in em um local, ele pode inserir informaes, tanto textuais, na forma de dicas (tips), como fotogrficas, capturadas pelo prprio dispositivo mvel, as quais tambm so compartilhadas e ficam disponveis para visualizao pblica. Se porventura o local onde o sujeito est no estiver cadastrado na base de dados do Foursquare, ele pode criar uma nova entrada, fornecendo as informaes necessrias, como nome, endereo, tipo do local e inserir outras informaes para facilitar as prximas buscas tanto para ele quanto para outros usurios que, futuramente, desejarem se registrar ali. possvel tambm compartilhar essas informaes ao vincular sua conta no servio a outras redes sociais, cujo propsito pode no ser necessariamente a geolocalizao, como o Facebook (http://facebook.com) e o Twitter (http://twitter.com).

    Para entender como a rede social mvel Foursquare pode ser utilizada para embutir significao aos no lugares tpicos dos quais fala Aug (1994), neste trabalho vamos nos deter nas possibilidades de insero de mensagens na forma de texto e imagem, buscando entender, preliminarmente, como os registros feitos pelos usurios nesses espaos virtuais, e seu compartilhamento em rede, poderiam fornecer indcios de como eles vivenciam, se apropriam e percebem esses locais, teoricamente ausentes de significado e com os quais os que ali esto no estabelecem nenhum tipo de vnculo. Para tanto, dentre os inmeros exemplos possveis de serem utilizados para a anlise, e para reali-zar um recorte em relao ao objeto, escolhemos como exemplo o perfil do Shopping Iguatemi, em Porto Alegre (RS).

    A pgina do Shopping Iguatemi6 na rede Foursquare contava, no dia 3 de agosto de 2012, data em que foi feita a ltima observao para a elabo-rao do presente trabalho, com total de 45.385 check-ins, sendo que estes

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    foram feitos por um total de 10.969 pessoas. O Prefeito (Mayor), ou seja, a pessoa com o maior nmero de registros no local nos ltimos 60 dias, conta com 45 check-ins. O perfil do shopping est inserido em 131 listas, criadas pelos usurios, com ttulos que vo desde Melhores Shoppings em POA, Meus Lugares em POA, Friends+Weekends (Amigos+Feriados, tradu-o livre) at Lugares Prediletos.

    Dos usurios que se registraram no shopping atravs do Foursquare, 54 enviaram fotos diversas, capturando reas internas e externas, produtos consumidos (como compras em lojas e alimentos), como tambm momentos pessoais ou familiares. Em relao s inseres textuais, foram deixadas 146, at a data da ltima verificao, as quais fornecem dicas de estacionamento, localizao, compras, crticas e sugestes, mas tambm outras, nas quais se reconhece claramente, atravs de pistas simblicas deixadas pelos passantes, o tipo de relao que eles estabelecem com o local. No ser realizada, neste momento, uma anlise qualitativa de todas as dicas disponveis, mas busca-mos recortar aquelas que poderiam apontar algum indcio sobre os modos de fazer, as prticas do espao das quais fala Certeau (1998), em relao apropriao do lugar e sua simbolizao, a partir do compartilhamento e da interao simblica em rede, com vista a uma possvel relativizao do con-ceito de no lugar na contemporaneidade.

    Em uma delas, uma usuria do servio e frequentadora do Shopping Iguatemi inseriu a seguinte mensagem: Precisa falar??? Meu retiro espiritu-al... meu lugar no mundo... Como o Iguatemi, s o Iguatemi!!! Adoro!! Tal discurso chama ateno, principalmente quando ela declara que aquele , para ela, o meu lugar no mundo..., sendo claramente perceptveis os fortes laos relacionais que ela mantm com o shopping. Em mais uma mensa-gem, outra frequentadora do local declara: Minha segunda casa.... AMO demais!!! Aqui, a relao existente entre o tpico no lugar, ausente de iden-tidade e significao para Aug (1994), e o que lhe inversamente proporcio-nal: o lar (identitrio, histrico e relacional), mostrando assim uma explcita contradio, uma vez que ela afirma que aquele local sua segunda casa. A palavra AMO, escrita de forma enftica e com letras maisculas, parece confirmar tal tese, uma vez que apresenta, mais uma vez e de forma bastante clara, a existncia de relao e apropriao do local. O substantivo casa tambm foi utilizado por outro usurio, para descrever como a sua relao com aquele espao.

    Entretanto, como Aug (1994) mesmo afirma, o conceito por ele pro-posto de no lugares no uma totalidade em si mesmo e permite desvios, os quais se tornam mais evidenciveis a partir das possibilidades de leitura dos relatos emitidos pelos sujeitos sobre suas caminhadas pelos espaos da cidade

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    e seu consequente compartilhamento. Com efeito, parecem assim compor uma narrativa em rede dos usurios sobre suas experincias no espao ur-bano, suas perambulaes pelos locais que frequentam entre eles aqueles que, segundo Aug (1994), seriam dessimbolizados e no relacionais. Essas enunciaes pedestres (CERTEAU, 1998), quando compartilhadas no cibe-respao, se tornam camadas simblicas sobrepostas aos lugares a partir das experincias, tanto individuais quanto sociais, dos sujeitos que os frequen-tam. Vo tecendo histrias dos lugares contadas em rede e publicamente, muito embora no se veja tal emaranhado seno a partir de lentes especiais, ou telas, que nos permitem habitar e revelar todos esses discursos existentes em mltiplas esferas de significao, as quais servem como elementos trans-formadores e indcios das prticas sobre os lugares, espaos, e, por que no, dos no lugares.

    Consideraes finais

    Neste trabalho procuramos levantar hipteses, de forma preliminar, de como a cidade e a sua ocupao percebida sob a tica dos conceitos de dois autores referncia para o estudo das relaes entre o lugar e no lugar, o lugar e o espao, e as novas configuraes simblicas advindas do entrecruzamento discursivo permitido quando se adiciona o ciberespao e as mltiplas possibili-dades interativas, inerentes s redes informacionais, a essa discusso. No tocante ao objeto analisado, no podemos ignorar tambm que o espectro tomado nes-te trabalho no corresponde, em absoluto, totalidade das experincias que os indivduos podem ter nem exclui a possibilidade de, para alguns, no existir experincia alguma.

    Conscientes de que se trata de um recorte de uma realidade mltipla e fragmentada, que se insinua, se apresenta de diversas formas e que pode ser vi-venciada tambm em sua multiplicidade, e longe de pretender ser um estudo profundo e definitivo sobre os impactos dessa nova realidade, haja vista a con-ciso do trabalho, representa mais inquietaes que julgamos necessrias serem trazidas tona, do que certezas, visando, futuramente, gerar reflexes aprofun-dadas e anlises mais consistentes sobre a matria.

    Ao utilizarmos a perspectiva do Interacionismo Simblico de que os in-divduos, a sociedade e o mundo so criados e transformados simbolicamente atravs da comunicao, podemos estender tal conceito tambm transforma-o desses lugares ausentes de significado, entendendo que os rastros deixados pelos indivduos no Foursquare, suas inseres textuais e imagticas, compem discursos particulares e nicos, intensamente subjetivos, assim como os relatos de viagem dos quais fala Certeau (1998) camadas simblicas de indivduos que se apropriam de locais que, de acordo com a perspectiva de Aug (1994),

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    se encaixariam perfeitamente em sua categorizao relacionada aos espaos de fluxos da sobremodernidade. Expe, assim, a necessidade de reflexo sobre um conceito que, quando da sua elaborao, aparentava inegvel pertinncia, mas que hoje, dadas as novas configuraes tanto subjetivas, quanto espaciais e in-formacionais inauguradas pela comunicao e interao em rede, pedem novos estudos e sua relativizao.

    Referncias Bibliogrficas

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  • Geografias da Comunicao

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    Notas1 Aug, em captulo de livro publicado em 2006, apresenta o termo sobremod-ernidade, em vez de supermodernidade, como defendeu em 1994. Neste trab-alho, usaremos a expresso mais recente proposta pelo autor, considerando que ela representa as suas reflexes mais atuais.

    2 Geolocalizao uma tecnologia que permite ao usurio obter sua localizao precisa atravs de conexo direta a satlites por meio de dispositivos mveis, como telefones celulares e outros dispositivos portteis.

    3 Por mdia locativa, Lemos (2007) entende como [...] o conjunto de tecnologias e processos infocomunicacionais cujo contedo informacional vincula-se a um lugar especfico. [...] So dispositivos informacionais digitais cujo contedo de informao est diretamente ligado a uma localidade. Trata-se de processos de emisso e recep-o de informao a partir de um determinado local.

    4 O Wi-Fi um padro de redes sem fio que podem prover acesso internet em di-versos aparelhos, desde computadores, tablets e telefones celulares multifuncionais.

    5 GPS a sigla em ingls para Global Position System , ou Sistema de Posicionamento Global.

    6 https://pt.foursquare.com/v/shopping-iguatemi