Pena Ativa Zine nº 1 | 2ª edição

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PENA ATIVA - ANO 1 - JUNHO/2016 - Nº 01 | 2ºEDICAO - RECIFE-PE PENA ATIVA zine [email protected] designer: weslley matias +55 081 98727.2808

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Ao remontar de forma sucinta o panorama geral sobre a criminalização da cannabis, o texto visa explanar sobre as atualizações nas políticas públicas de regulamentação da maconha no Brasil. É desconsertadamente notório o quanto o Brasil tem sido relapso e negligente quanto ao avanço irrefutável de várias potências acerca do tema. A postura proibicionista sustenta não só o comércio ilegal como também entope presídios com negros e pobres. Não é o usuário que sustenta o tráfico, é o Estado que é covarde demais para dar um basta à criminalização da maconha.

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PENA ATIVA - ANO 1 - JUNHO/2016 - Nº 01 | 2ºEDICAO - RECIFE-PE

PENAATIVA

zine

[email protected]: weslley matias +55 081 98727.2808

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Ao remontar de forma sucinta o panorama geral sobre a criminalização da cannabis, o texto visa explanar sobre as atualizações nas políticas públicas de regulamentação da maconha no Brasil. É desconsertadamente notório o quanto o Brasil tem sido relapso e negligente quanto ao avanço irrefutável de várias potências acerca do tema. A postura proibicionista sustenta não só o comércio ilegal como também entope presídios com negros e pobres. Não é o usuário que sustenta o tráfico, é o Estado que é covarde demais para dar um basta à criminalização da maconha.

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CONTRIBUA! Converse com nossa linha editorial: penaa�[email protected] e (81) 9 8727.2808

“NOSSA VITÓRIA NÃO SERÁ POR ACIDENTE!”1Sobre a descriminalização da maconha

¹Texto requerido como exercício avalia�vo para disciplina Produção de Textos Acadêmicos I por Wesley Mathias, Tha�ana Arruda, Priscila Beckman, Igor Malaquias, Higor Araujo, Filipe Ramos, Bia Rodrigues, Vanessa Nascimento e Thiago Vitor.

Afiliamo-nos aos princípios que regem os movimentos sociais em prol da legalização da maconha, bem como defendemos o antiproibicionismo como conclusão ética, civil, científica e subjetiva. Acreditamos na potencialidade da planta como matéria-prima industrial, medicinal, recreativa e espiritual. A politização do uso de drogas está intimamente ligada à noção de redução de danos como responsabilidade individual e coletiva para usufruto de entorpecentes.

descriminalização

maconhada

resumo

‘‘O indivíduo, que surge nessa sociedade cada vez mais hipócrita e desigual, tem o direito de ter acesso a informações limpas e verdadeiras. Essa informação deve se apresentar sem os retalhos que a grande mídia faz, com objetivo de enganar e manipular a população a seu bel-prazer, muitas vezes em função de seus benefícios econômicos. Também pode-se dizer que é dever do indivíduo esclarecido propagar a sua opinião e ideologia de forma a desenvolver cidadãos críticos e politizados em relação aos problemas urgentes de nossa sociedade, pois esse novo cidadão tende a se tornar, cada vez mais, alguém que pensa coletivamente, e este ser coletivo sentirá a necessidade de mudança. É por isso que nós, do Pena Ativa – coletivo formado por estudantes de Ciências Sociais da UFRPE – queremos debater, problematizar e divulgar assuntos de relevância social, assim como tratar de temas pouco abordados. O Pena Ativa é um projeto independente, sem nenhuma relação com partidos políticos, sendo simplesmente uma forma genuína de expressão popular, dando voz à comunidade. Acreditamos no acesso à informação de maneira gratuita para que todos realmente tenham acesso a mesma, sem diferenciação de classes, pois se não for assim estaremos colaborando para a desigualdade social do país.’’

sobre o pena ativa zine

“ LEGALIZE JÁ, LEGALIZE JÁ! PORQUE UMA ERVANATURAL NÃO PODE

TE PREJUDICAR”.

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Mais conhecida como maconha, a Cannabis é uma p l a n t a p r e s e n t e n a h u m a n i d a d e d e s d e o s primórdios do advento da agricultura. Há indícios de que o cânhamo tenha sido a p r i m e i r a p l a n t a a s e r cul t ivada para f ins não a l i m e n t í c i o s , s e n d o c o n s u m i d a p a r a f i n s utilitários – como o uso de sua fibra para a criação de tecidos, medicinais – como a utilização do seu óleo em diversas enfermidades e a e x p l o r a ç ã o d e s u a s potencialidades analgésicas, e rec rea t i vos – sendo c o n s u m i d a a s u a in f lo rescênc ia seca no formato de cigarros.

Entretanto, apenas seu p r i n c í p i o p s i c o a t i v o é ressaltado e escarnecido pelo dito cidadão de bem, pelo político, padre, pastor e adjacências. E qual seria mesmo esse princípio ativo? Quão nocivos são seus malefícios? Não importa. São essas as pessoas que de tão i nc rus tadas ao pseudomoralismo atrofiaram a capacidade reflexiva de questionar-se acerca da veracidade desse mal já mitológico da erva.

Sobre aDESCRIMINALIZAÇÃOda maconha

Assim, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a legalizar plenamente a maconha. Contrariamente, a regulamentação da produção e da venda de maconha em 2013 não aumentou o uso da droga no Uruguai, como demonstra um estudo realizado pelo Conselho Nacional de Drogas (JND), ligado à presidência da república uruguaia. Como consequência, a regulação traz impactos socioeconômicos surpreendentes. Com o fim da proibição, os custos com as forças policiais, com o aparelho de justiça e o sistema prisional e de saúde são sensivelmente reduzidos. Se levarmos em conta que a maioria das pessoas presas por tráfico provem dos setores mais desfavorecidos, também temos aqui um impacto social forte e relevante.

Entretanto, o argumento basilar para a implementação de políticas públicas de cunho patologizante é o mito da dependência. E não adianta espernear tampouco tampar os ouvidos e fechar os olhos. Desde o final da década de 70 que pesquisadores como o psicólogo canadense Bruce Alexander demonstravam empiricamente que a dependência química seria obliterada por um convívio social saudável. É imprescindível ressaltar que o terror instaurado pelos entorpecentes fora patenteado por pesquisas extremamente tendenciosas e preconceituosas que se perpetuaram preponderantes por décadas a fio através do ofuscamento de pesquisas que refutavam as premissas de demonização às drogas. Atualmente, o renomado neurocientista Carl Hart é o ícone no que se refere às desambiguações científicas no que tange tanto o uso recreativo das drogas e a desmitologização da dependência química.

Neste sentido, endossamos a postura antiproibicionista tanto por esclarecimento quanto por usufruto. Reside aqui uma indignação coletiva e lastimosa contra nossa governabilidade senil e parasitária. No Uruguai, por exemplo, mais de 60% da população era contra a decisão do governo de regulamentar a maconha, mas, segundo a opinião de Julio Calzada, coordenador do projeto de regulação da maconha quando esteve à frente da Secretaria Nacional de Drogas do Uruguai: "é a função do Estado Democrático de Direito garantir os direitos de todos, sobretudo, o das minorias. A função do Estado em política de drogas não é garantir a repressão, mas sim garantir que o uso de drogas por uma pessoa não afete a terceiros”.

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Em termos práticos, a criminalização das drogas é perpetrada por uma repressão de Estado e é financiada com milhares de vidas da periferia e milhões de reais dos cofres públicos. Apesar de ter mostrado, ao longo de décadas, não ser eficaz na redução do consumo da maconha, as políticas públicas de combate às drogas insistem em financiar armamentos e aparelhos de repressão, cada vez mais caros, potentes e sofisticados para contenção do tráfico. Em consequência disso, a população carcerária do Brasil, de acordo com relatório divulgado em 2015 do Infopen (levantamento nacional de informações penitenciárias) a capacidade máxima dos presídios foi excedida em 161% de sua lotação.

As penitenciárias se tornam fábricas de marginalização que induzem os indivíduos a adentrarem ainda mais na vida do crime organizado, como atestado na alta taxa de reincidência criminal. Segundo a pesquisa do Ministério da Justiça, 27% das pessoas presas no Brasil respondem por tráfico de substâncias entorpecentes. “(...) Em números absolutos, o Brasil possui cerca de 200 mil pessoas atrás das grades devido à repressão”, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O mais agravante é que “O relatório divulgado pelo Ministério da Justiça [...] faz uma análise sobre a raça e cor dos presos brasileiros [...] e de acordo com o Infopen, 67,1% dos presos são negros e 31,3% são brancos.”.

Este cenário lastimável é gerido pela política proibicionista, vantajosa apenas para o narcotráfico e os corruptos (incluindo políticos e policiais). Se, ao menos, o Brasil tivesse a hombridade de regulamentar a exploração comercial das partes não-psicoativas da planta e seus derivados, já estimulariam o estudo e a pesquisa científica sobre a manipulação da maconha em seus diversos âmbitos af im de dissipar a atmosfera preconceituosa que esturrica essa planta tão querida por uns e odiada pela maioria raivosa.

No Uruguai o debate sobre a regulamentação da maconha começou em dezembro de 2013, quando uma lei que previa a regulação do mercado da planta pelo Estado foi aprovada no parlamento do país. Segundo o documento, a lei iria controlar o comércio e a produção para usos recreativos, medicinais, industriais e espirituais de maconha.

Caule, folhas, sementes e flores. Uma planta de tamanha versatilidade reduzida à criminalização por causa do seu princípio ativo devastador. Esteja atento aos sintomas: bom humor, euforia, relaxamento e aumento de apetite. Aterrorizador, convenhamos.

Todavia, estarrecedor mesmo é vislumbrar os mecanismos simbólicos que podem e devem ser atrelados ao banimento da maconha da história do Brasil. Dentre eles, associações diretas ao racismo e a xenofobia remontam como fortalecimento para a marginalização da cannabis tanto no Brasil quanto nos EUA. Atualmente, inclusive, são os jovens pretos e pobres que vão parar na prisão pelo porte ilegal, que é interpretado como tráfico, enquanto que o universitário branco é liberado como usuário.

Tais diferenças no cumprimento da lei estão intimamente relacionadas ao racismo embutido na criminalização do uso da maconha. Branco fuma, preto vende. Este cálculo tirânico é sustentado pela política proibicionista que por demonizar tanto a maconha não admite sequer o estudo da planta no país. Recentemente, por decisão judicial, as substâncias Canabidiol e Tetrahidrocanabidiol (THC) foram liberadas para uso medicinal e para pesquisa científica, mas a Anvisa pretende recorrer na Justiça, visto que essas substâncias são proibidas no Brasil e não poderiam ser devidamente avaliadas por uma autoridade sanitária competente dentro do país. Neste sentido, embora liberado formalmente, tais compostos ainda continuam na lista das substâncias proibidas no país, sem regulamentação. Estagnação, não haveria definição melhor.

A descriminalização do uso da maconha também promove certa flexibilização no que tange a famigerada guerra às drogas. Ainda bastante subjetivo, o discernimento entre usuário e traficante, teoricamente, deveria indicar certa cautela no manejo com os portadores da planta ilegal. Entretanto, tal medida oculta uma patologização do uso da maconha. Trata o degustador da cannabis como usuário, dependente, doente. Paralelamente, esta linha bastante tênue sempre estará empurrando os mais vulneráveis para a criminalização.