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PEDRO JUAN GUTIRREZ
Entrevistado por Maria Augusta Silva
JULHO 2003
Nasceu em Cuba (1950). Escritor. Jornalista. Pintor. Figura
polmica pelo estilo de narrativa em que o sexo comanda os
destinos das personagens e dos livros. Mas o autor diz que
no assim: O sexo no domina a minha literatura nem
nenhuma outra. Em Portugal saram: Trilogia Suja de
Havana, O Rei de Havana e Animal Tropical. Para breve: El
Insaciable Hombre Araa; depois, Carne de Perro, todos j
editados em Espanha. Um autor que no publicado no seu
pas; porm, encontra sempre editores cmplices. E
leitores tambm. Longe vo os tempos da criana a vender
gelados e jornais e a cortar cana-de-acar.
Que papel pode ter uma literatura porno como a que passa pelos seus
livros?
A minha literatura no passa por porno, nunca.
No lhe falta uma narrativa na qual se d uma ditadura do sexo...
A literatura porno utiliza o sexo pelo sexo sem nenhum outro interesse. A meu
ver, tenho uma escrita integral, coerente, na qual o sexo faz parte da vida, um
elemento natural da vida tal como a msica, a alegria, a religio.
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Explora-o obcecadamente. Uma forma de ser custico para com uma
sociedade oprimida como a de Cuba onde nasceu?
No. O sexo no domina a minha literatura nem nenhuma outra. Cada leitor faz
a sua prpria leitura. H quem veja nos meus livros muita poltica, h quem veja
muito sexo, h quem veja antropologia, h quem veja jornalismo. Julgo ser uma
literatura em que se mistura religio, sexo, msica, a vida. Crio uma forma
realista, deixo-me levar pela vida.
Jornalista. Escritor. Enquanto escritor considera-se sobretudo um
reprter da vida?
O jornalismo tem uma condio sine qua non: tudo o que um jornalista escreve
deve ser verdade e objetivo.
A prostituio, a corrupo, a degradao do ser humano no so
realidades-verdades que leva para os livros?
So circunstncias que me rodeiam e utilizo e manipulo em forma de literatura.
No me interessa que seja jornalismo ou antropologia, no me interessa
retratar a sociedade ou a realidade do povo cubano. Colho situaes de
determinadas pessoas e com isso trabalho a novela.
Que lugar lhe est reservado em Cuba onde vive mas sem ver os seus
livros publicados l?
Sou cubano e tenho todo o direito a viver em Cuba, assim como um portugus
tem todo o direito a viver em Portugal. Nos EUA tambm no querem publicar O
Rei de Havana.
Porqu?
Porque ilustra a vida de um homem pobre que vive na rua; a ltima
possibilidade de um ser humano viver na rua: editaram, no entanto, Trilogia
Suja de Havana e venderam imenso. No sou um escritor fcil, mas, por sorte,
sempre encontro editores que se convertem em meus cmplices; estou a
publicar com xito em 16 pases, nomeadamente em Espanha, Brasil, Frana,
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Inglaterra.
Espera a qualquer momento que, no seu pas, o considerem
definitivamente um escritor maldito e possa ser expatriado?
Expatriado? A minha ptria a minha ptria. Agora, escritor maldito, sim.
Vivo em Havana um pouco como um fantasma. Para a Feira do Livro de Havana
publicaram, em Fevereiro, uma pequena edio de Animal Tropical. Penso que,
pouco a pouco, iro publicando, em Cuba, os meus outros ttulos.
Por que foge constantemente s questes polticas?
Dediquei-me muito poltica; participei intensamente no momento
revolucionrio. A partir da, senti-me defraudado pela poltica e desconcertado
com os polticos. Parece-me, hoje, que a poltica o mais sujo que o ser
humano inventou. Tomei a deciso de ignorar a poltica.
-lhe mais cmodo?
Uma posio sbia: nem contra nem a favor. Espero que os polticos me
ignorem tambm e nos respeitemos assim mutuamente.
Como sentiu os recentes fuzilamentos numa Cuba de Fidel?
A perguntas polticas diretas nunca respondo.
Por medo?
Por serenidade.
Os seres humanos no lhe interessam?
Se amanh o Governo de Cuba for outro, continuarei a dizer: no me interessa
a poltica.
E os direitos humanos?
So fundamentais. H que lutar por eles em toda a parte do mundo.
Quando no so respeitados, isso no o indigna?
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Indigna, mas no se pode derrubar o muro s com uma mo.
Se cada um bater muito, o muro no poder cair?
Destroa-te a mo e o muro continua duro.
Como vive um criativo num pas sem liberdade de expresso?
Aprende a viver, vou sobrevivendo. Tenho a sorte de ser escritor e viajar.
O castrismo est para durar?
Essa uma pergunta irrespondvel porque ningum sabe at quando...
Tem havido intelectuais dissidentes do regime cubano que se exilam...
Cada um toma as suas decises. Eu tomo a minha, que a de viver em Cuba
com quatro filhos, mulher e me. Tenho casa prpria, a escrita, uma
matria-prima que conheo: Cuba e a vida do cubano.
Diz que no lhe interessa retratar a sociedade cubana. Em que
ficamos? Incoerente?
No h incoerncia. Utilizo a matria-prima que me rodeia para criar o meu
prprio universo, a minha fico. A literatura , antes de tudo, um exerccio de
pensamento e de reflexo mas no a partir de uma abstrao. No sou abstrato.
Estou certo de que Homero quando criou a Ilada ou a Odisseia partiu de coisas
reais.
Est a referir obras clssicas que se tornaram intemporais...
A literatura deve ser uma atividade universal e intemporal, por isso ter de
eliminar qualquer circunstncia imediata, como a poltica, que a possa colocar
num determinado momento. H referncias polticas diretas em Dostoievski ou
em Homero? Um escritor procura sempre a universalidade e a intemporalidade.
A linha literria que tem adotado ter futuro ou os seus livros
correspondem a um vazio das sociedades atuais em que o sexo
preenche as pessoas o seu aspeto mais animalesco?
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Um escritor nunca inocente. Tem uma inteno. A minha a de fazer
literatura que dure o mais possvel e, acima de tudo, combata tabus e ilumine
zonas de silncio nas sociedades. Em algumas, por exemplo, o sexo, noutras o
racismo. Procuro essa tal universalidade e intemporalidade. Julgo que os meus
livros, daqui a 50 anos, podero continuar a ler-se seja na Finlndia, no Japo
ou na China.
O que ganha com os livros fora de Cuba d-lhe para viver
confortavelmente?
Se vivesse na Europa no chegaria. Em Cuba d-me para viver tranquilamente.
A sua mulher e filhos leem os seus livros?
E a minha me tambm, s depois de publicados. Enquanto escrevo, mantenho
segredo, escrevo no meu estdio.
Nunca teve uma crtica contundente da famlia?
Especialmente do meu filho; as raparigas compreendem-me melhor. O meu
filho diz-me: Olha, isto ridculo. Respondo-lhe: Escreve tu.
Tem um universo temtico e uma construo de texto de certo modo
prxima de Henry Miller. Uma referncia?
No me interessam os livros de Henry Miller, com um estilo demasiado denso;
tambm dizem que tenho uma escrita parecida com a de Bukowski e no creio,
ele muito pessimista, triste e repetitivo. Terei mais influncias de Truman
Capote, de Hemingway ou Dos Passos.
Ao escrever como escreve faz algum ajuste de contas com possveis
traumas de infncia ou adolescncia?
Tive uma infncia e juventude de uma intensidade tremenda. Vivamos numa
casa muito pequena. O meu pai criou-me, e ao meu irmo, com muito trabalho.
Saamos da escola s quatro da tarde e amos vender para a rua at s nove da
noite. Foi positivo para mim conhecer e lidar com tanta gente.
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Prazer e desespero, os dois gumes da sua escrita?
A minha vida sempre se moveu dessa maneira, entre prazer e desespero. s
vezes penso que estou destinado a viver duas vidas; h na minha famlia
diferentes nveis econmicos. Tinha um tio rico que vivia em Havana.
Em termos culturais quais os seus grandes interesses?
Uma arte e uma literatura que no sejam conservadoras. Uma arte
transgressora, reivindicativa; que no tenha medo de romper barreiras e
fronteiras.
Rompeu muitas barreiras?
No me preocupa se vendo dez ou 40 mil exemplares na Alemanha ou noutro
pas. Gosto mais de me deixar absorver pelo meu trabalho criativo.
Pde abandonar, sem preocupaes financeiras, o jornalismo, rea em
que trabalhou mais de 20 anos em Cuba?
No fui eu que o abandonei. Arranjaram um pretexto administrativo qualquer
para me afastarem.
Pensa abrir novo ciclo literrio?
O da trilogia irrepetvel. E no premedito nem a vida nem a literatura.
Marginal ou rebelde?
Um pouco das duas coisas. Gosto de viver na periferia da cidade; e rebelde fui
sempre, uma forma mais produtiva de viver.
capaz de ternura?
Sou um homem eminentemente terno. H, porm, fases da vida em que nos
tornamos agressivos. Quando escrevi Trilogia Suja de Havana estava a
atravessar uma fase de crise pessoal muito forte, de muita fria, e a literatura
funcionou como catarse.
Qual o lugar do amor?
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O ser humano deve ter duas caractersticas fundamentais: amor e compaixo.
No mundo j existe muita crueldade, dio e intolerncia.
O modo como trata o sexo nos livros no ser, tambm, uma violncia?
Em Animal Tropical existe um homem j mais tranquilo, que est a entrar na
serenidade. Cada uma das nossas dcadas vai marcando mas os 50 anos do
mais sabedoria.
Tambm pinta. Para a pintura, para as suas telas, leva igualmente
realismo sujo?
Vou mesclando fragmentos que recolho nas ruas. Mas algo mais secreto e
ntimo. Quero dedicar-me minha literatura, minha pintura e minha famlia.
feliz?
A felicidade um caminho que vamos fazendo todos os dias. Nunca se encontra.
Procura ser um sedutor?
Procuro, no, penso que sou.
Um provocador?
Definitivamente. MARIA AUGUSTA SILVA