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    PESQUISA QUALITATIVABUSCA DE EQUILBRIO ENTRE FORMA E CONTEDO

    Pedro Demo*

    DEMO, P. Pesquisa qualitativa. Busca de equilbrio entre forma e contedo. Rev.latino-am.enfermagem, RibeiroPreto, v. 6, n. 2, p. 89-104, abril 1998.

    Este artigo apresenta uma descrio da mudana de expectativa no que se refere pesquisa qualitativa atravs daevoluo da ps-modernidade. Enfoca a qualidade sob vrios aspectos apontando os usos e abusos na pesquisa qualitativa.

    UNITERMOS: pesquisa, pesquisa qualitativa

    Algumas evolues da ps-modernidade em

    cincia trouxeram certa mudana de expectativa comrespeito pesquisa qualitativa25,32. Podemos, a ttulo desistematizao preliminar, distinguir trs fases dadiscusso:a) na tradio positivista, pesquisa qualitativa no faziamuito sentido, pela prpria excluso da dialtica comomtodo importante da reconstruo do conhecimento;tomando as cincias exatas e naturais como modelo

    paradigmtico, as cincias sociais teriam como desafiointrnseco absorver as mesmas regras; o prprio marxismoortodoxo no escapou disso, quando exagerou na dosedo materialismo histrico e dialtico, selecionando, narealidade, de preferncia a manifestao material29;

    b) a introduo dos mtodos qualitativos veio comoreivindicao das cincias sociais e humanas,inconformadas com a ditadura do mtodo, que assumiacomo real apenas o que cabia no mtodo, em vez de

    privilegiar a relao contrria: o mtodo de captao darealidade deve subordinar-se s marcas da realidade;tambm sob a influncia de discusses acaloradas emtorno da fenomenologia e da hermenutica, comeou-sea falar de mtodo qualitativo, que, de princpio, no tinhanada de mais especfico, a no ser a reao contra a

    imposio quantitativista; com o tempo, surgirampropostas mais concretas, que passaram pela pesquisaparticipante, pesquisa-ao, histria oral, at a atualetnometodologia17,20,90;c) atualmente, o debate segue outros rumos, alm dos jaludidos, por conta de questionamentos radicais que ametodologia cientfica ps-moderna vem fazendo aos

    paradigmas anteriores; pelo menos em certa medida, aspretenses das cincias sociais e humanas estariam

    ganhando terreno, medida que os mtodos matemticos

    e naturais cedem s dificuldades notrias de captarfenmenos mais qualitativos, geralmente visualizados soba tica do caos estruturado, no-linearidade ecomplexidade da realidade, no-equilbrio, etc.

    A INSTABILIZAO DA CINCIA

    Para sermos justos, o fenmeno da instabilizaoda cincia se deu no prprio seio do positivismo, tendocomo um dos precursores maiores, Hume, e expoente

    consagrado, Popper, com sua tese da falsificabilidadecomo critrio de cientificidade. A cincia sempre se quiscomo adversria da dvida, mas s progride porque duvidosa. Sendo seu signo principal a capacidade dequestionar persistentemente, o questionamento s fazsentido num contexto de dvida e inovao29,73,75.

    Um autor importante nesta histria foi Habermas,quando definiu verdade como pretenso de validade,mesmo ligado, em grande parte ainda, visotranscendentalista de Kant, que admite verdadesindependentes de espao e tempo, inclusive no campo

    da moral

    46

    . A instabilizao da cincia tem duas origensmais claras:a) uma origem lgico-formal, com base naimpossibilidade de produzir uma argumentao final paraqualquer discurso cientfico; este reconhecimento ficouainda mais estabelecido com o teorema de Gdel, eretratado com veemncia e grande dose de ironia na tese

    ps-moderna de Lyotard, segundo a qual a cincia circular, porque fundada em metanarrativas que no

    * Professor Titular da Universidade de Braslia. PhD em Sociologia

    Rev.latino-am.enfermagem - v. 6 - n. 2 - p. 89-104 - abril 1998

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    conseguem fundamentar-se a si mesmas57; com efeito,toda teoria supe conceitos prvios, hermeneuticamentevlidos, ou seja, em qualquer definio somos obrigadosa usar termos no definidos;

    b) uma origem poltica, porquanto toda pretenso devalidade acaba valendo, se puder ser consensuada dentrode um contexto de discusso aberta; em certa medida,

    democracia do questionamento passa a fazer parte doscritrios de cientificidade, mas em estreita combinaocom os lgicos; um discurso ser tanto melhorquestionvel, quanto mais bem elaborado for, em termosformais.

    diferena de Popper, que instabiliza a cinciapor razes apenas lgicas - impossvel logicamentebuscar fundamentao ltima dedutiva, bem como todainduo acarreta uma regresso ao infinito por no poderobservar todos os casos concretos possveis -, Habermasacrescenta o argumento histrico, admitindo que a cincia o produto da atividade dos cientistas, no algo

    desencarnado, embora deva sempre ter marcas formaisinequvocas. Usa em sua argumentao, buscada em Apel,a figura da contradio performativa, segundo a qualno se pode desfazer, no discurso, a prpria possibilidadedo discurso. Assim, se admitirmos que o questionamento a alma da cincia, no vivel imaginar umquestionamento inquestionvel24.

    Embora este argumento seja apenas relativo,porque, como toda assero lgica, no tem fundaoltima ou incorre em contradies circulares, alm denegligenciar o contexto histrico, reforou um princpio

    fundamental da ps-modernidade, que o mpetodesconstrutivo do conhecimento, razo maior de suavoracidade inovadora. S pode ser cientfico, o que forquestionvel, formal e politicamente.

    O conhecimento to inovador hoje, porqueestabilizou sua instabilidade no plano do mtodo. Ou seja,inova porque saber inovar-se. No como, porexemplo, a universidade, que fala de inovao e atmesmo se define como instituio a ela dedicada, masno sabe inovar-se, permanecendo a mesma velhariasecular. No h como inovar, permanecendo o mesmo. Ompeto desconstrutivo do conhecimento no significa, de

    modo algum, coisa boa, pois agride a tessiturahermenutica da histria e do ser humano, culturalmente

    plantado. No podemos nos desfazer todo dia, para nosinventar de novo, como se no houvesse histria.Entretanto, no vivel inovar, sem nos desconstruirmos

    pelo menos em certa medida. Este desafio a universidadeno est sabendo deglutir, e por isso vai se tornando umaentidade de resistncia, cada vez mais fora do tempo,enquanto o mercado est se dando bem com oconhecimento33,82. A competitividade alimenta-se da

    produo e uso intensivo do conhecimento, residindo

    nisso o diferencial de desenvolvimento entre os povos.

    Com base em conhecimento - ou na mais-valia relativa,na linguagem marxista89 - possvel produzir melhor emais barato, mesmo que s custas do emprego. Odesemprego estrutural resultado direto do conhecimentodesconstrutivo e inovador.

    O conhecimento inovador, de ponta, est fugindoda universidade, porque esta no sabe desconstruir-se,

    ou seja, inovar e educar a inovao. O mercado ficaapenas com a qualidade formal, enquanto a universidadedeveria agregar a qualidade poltica, sobretudo porqueesta o fim e a tica do conhecimento.

    A instabilizao da cincia obteve impulso dainterdisciplinaridade. Este teve tambm duas origens

    principais:a) uma origem no mtodo, sobretudo na especializaometodolgica, que leva a saber cada vez mais de cadavez menos; ao final, temos o idiota especializado,tornando-se o mundo cientfico um circo ininteligvel,

    por conta das linguagens pa rt iculares e as

    compartimentalizaes acadmicas; no se trata apenasda difcil compreenso dos discursos, mas sobretudo dofechamento disciplinar, que produz uma espcie decegueira, como quer Morin, medida que, olhandosomente para certa coisa, no consegue ver nada maisalm disso67,68;

    b) uma origem na complexidade do real, reconhecendoque a realidade mais complexa do que as simplificaesmetodolgicas usadas em sua captao; isto levou areclamar a organizao interdisciplinar de grupos de

    pesquisadores, buscando um meio te rmo en tre

    especialidade - sempre inevitvel para ser a anliseprofunda - e compreenso de uma realidade que nunca especial, mas apenas complexa.

    Alguns bestsellers na esfera dos estudos dainteligncia empurraram bastante a discusso, chamandoa ateno, por exemplo, para a importncia da emoo edo sentimento. Gardner defende as intelignciasmltiplas e combate o tipo de mensurao implicado noQI, que privilegia apenas o domnio formal-lgico do

    pensamento. Goleman e Damsio procuram ultrapassaro more geometrico de estilo cartesiano, incluindo na razotambm o que seria pelo menos to caracterstico do ser

    humano quanto a racionalidade, a emoo. Todos estesautores praticam uma pesquisa intensamenteinterdisciplinar, englobando a investigao biolgicaclssica ao lado de todas as implicaes tipicamentehermenuticas das cincias humanas19,38,43.

    As discusses mais acaloradas, entretanto,provm da fsica e da biologia, seja pela via das teoriasdo caos e da no-linearidade matemtica, seja pela viada reao construtiva nos seres vivos em geral. Tem realcePrigogine, que, entre outras novidades, passa a aceitarna matria certa noo de tempo e irreversibilidade,

    concedendo que a criatividade - sempre vista como

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    monoplio humano - tambm componente da matria,pelo menos em certas circunstncias. O mundo est emformao. Logo, no totalmente formalizvel e suaevoluo no pode ser prevista matematicamente. Umateoria de tudo impraticvel. O paradigma muda dedireo: em vez de explicar a desordem sobre um panode fundo de ordem, a cincia precisa explicar como

    possvel a ordem no caos6,66,78

    .Maturana inaugurou na biologia o conceito deautopoiesis - autoformao - para indicar acaracterstica de todo ser vivo de poder reagir, em seumeio, de maneira reconstrutiva, e no apenas passiva,como estaria dito no reflexo condicionado. Talvez tenhasido esta a contribuio mais forte contra a tradioescolar do treinamento, em apoio s teses de Piaget,

    por exemplo61,62. A aprendizagem passou a ser vista comomarca eminente do ser vivo, sobretudo do ser humano, eimplica sempre um esforo reconstrutivo. Muitas dascrticas feitas hoje aula meramente expositiva, atitude

    professoral de falar diante de um aluno que escuta, tomanota e faz prova, provm dessa viso confirmada na

    biologia. O aluno somente aprende se pesquisa ereconstri conhecimento com mo prpria, tendo no

    professor o exemplo de quem aprende bem, no de quemapenas d aula.

    O LEGADO FORMAL

    Toda esta discusso, entretanto, no destruiu o

    legado formal da cincia, como se fosse possvel faz-lasem lgica. Apenas o colocou sob outra luz.

    A primeira concluso foi ter de aceitar que acincia apenas um olhar sobre a realidade, e nem sempreo mais adequado. Boaventura dos Santos trabalhou esta

    perspectiva com base na ruptura epistemolgica deBachelard, mostrando uma artificialidade tpica doconhecimento e pleiteando a volta do conhecimento parao bom senso e mesmo para o senso comum, que so, afinalde contas, o conhecimento que orienta as pessoas nocotidiano84.

    A segunda concluso foi a de reconhecer que talseletividade metodolgica pode facilmente reinventar aditadura do mtodo sobre a realidade, considerandoreal apenas o que cabe no mtodo de captao. Na prtica,a cincia se interessa pela face formalizvel da realidade,expurgando tendencialmente as outras. Por isso mesmo,quando quer medir a inteligncia, seleciona nelaindicadores quantificveis, de preferncia a outros.

    A terceira concluso foi a de reconhecer ademaisque o legado formal no poderia, pelo menos porenquanto, ser abandonado. A cincia abusou dele, maslhe parte essencial. Neste sentido, destaca na realidade

    as manifestaes mais facilmente formalizveis, o quej traz um prejuzo claro frente ao que costumamoschamar de qualidade. O legado formal , assim, virtude evcio ao mesmo tempo.

    vcio, por tender a distorcer a realidade, naproporo em que compreende melhor o que sistematizvel logicamente. virtude, porque consegue

    captar com grande proficincia as faces formais. Oprogresso da cincia algo inegvel e fantstico.Por conta disso, Prigogine fala de caos

    estruturado, j que uma realidade propriamente catica inatingvel pela cincia. Somente se compreende aquiloque puder ser minimamente sistematizado, ou seja, seno houver no fenmeno nada que tenha perfil lgico,sistemtico, recorrente, pelo menos regular, no pode serabordado cientificamente. Por isso mesmo, a cinciatrabalha melhor quantidades do que qualidades. Estasesto definitivamente reconhecidas, e so, de novo, moda,mas so mais complicadas de serem manejadas pela

    pesquisa cientfica.Convm, desde logo, fazer uma distino

    importante. A resistncia que a pesquisa cientficamanifesta frente a realidades qualitativas no precisa serapenas tradicionalismo positivista. No fundo, umaresistncia natural, que advm de sua tessitura formal-lgica. Quando os novos pesquisadores da inteligncia

    buscam, sofregamente, realar a emoo, por exemplo,enfrentam dificuldades oriundas da formalidadecientfica, que, de virtude, pode virar defeito, ao amarrotarfaces essenciais, mas menos formais, dos fenmenos.

    Mesmo assim, nos fenmenos mais volteis, dispersos,contraditrios, fragmentrios etc., a cincia parte semprepara visualizar neles o que houver de formalizvel, antesde mais nada. Tambm por isso, a qualidade captada nacontra-luz de expresses quantitativas, ou na greta dosdados23.

    Temos na histria da cincia exemplos relevantes,sobretudo a descoberta de Freud de que os sonhos,aparentemente caticos e assim considerados por muitos,so sistematizveis, desde que se faa uma anlise em

    profundidade. Assim, sonho no um monte incoerentede coisas, mas um caos estruturado. A cincia no sabe o

    que fazer daquilo que propriamente catico, mas comeaa entender o caos, se descobrir nele alguma estrutura.

    Marx tambm pode servir de exemplo, em seusmomentos mais ortodoxos, quando procurou secundarizara super-estrutura, composta de ideologias, vontades,conscincias, em favor da infra-estrutura material, e queseria, por sinal, mais devassvel cientificamente59. Estevento positivista inegvel em obras da velhice e

    base dele que imaginava estar descobrindo as leis dahistria e que, como diz no prefcio do 1 volume de OCapital, seriam frreas, para sinalizar que determinam

    a histria, como uma causa fsica determina um efeito

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    fsico. Nisto via sua cientificidade. Althusser inventou, sombra dessa viso, o anti-humanismo de Marx, paradizer que, ao analisar a realidade, no contava aconscincia humana, mas a determinao materialobjetiva. E Lvi-Strauss sempre considerou Marx seu

    precursor, porque deu maior importncia inconscincia,do que conscincia, e por, conseqncia, interveno

    humana histrica29

    .Este tipo de considerao parece decisivo, porque preciso desfazer a banalizao recorrente na pesquisaqualitativa frente aos desafios da formalizao cientfica.Por exemplo, comum ouvir-se que mtodo j no seriamuito importante, at porque vai se inventando pelocaminho. A par da incoerncia de no perceber que faltade mtodo tambm um deles, porque invivel fazersem um modo de fazer, perde-se de vista aquilo que acincia sabe propor melhor, ou seja, traduzir umarealidade em suas formalidades possveis.

    Dentro desse contexto, tambm j no cabe

    combater a quantidade, porque parte constituinte dequalquer qualidade, e vice-versa. Dito de outra forma,toda qualidade, por mais voltil que seja, admite algumaformalizao, e isto que a cincia poder oferecer detil. Na pesquisa qualitativa tambm mister saber definirtermos, precisar a hiptese de trabalho** como roteiroreconstrutivo abertamente direcionado, construir basestericas, selecionar relevncias, e assim por diante, todasatividades no fundo lgico-formais. Caso contrrio,vendemos a pesquisa qualitativa como diletantismo e, na

    prtica, incompetncia metodolgica.

    Dito isto, cabe destacar a inteno prpria dapesquisa qualita tiva, que perseguir faces menosformalizveis dos fenmenos, s quais damos o nome dequalidade. Um dos problemas mais agudos dessa questo a indefinio de qualidade, j que nela cabe tudo e nada,ao sabor de qualquer coisa, tornando as pesquisasqualitativas experimentos excessivamente tpicos einconclusivos. O fim das certezas, como quer Prigogine,ou as cincias do impreciso, como quer Moles, nolanam sobre o conhecimento um vale-tudo, como sequalquer discurso pudesse, agora, tornar-se cientfico porauto-decreto. Ao contrrio, isto torna o mtiercientfico

    tanto mais rduo, por conta da fragilidade intrnseca desua argumentao. Se foi um ganho enorme oreconhecimento de que a verdade tambm processohistrico de construo e desconstruo humana, continuade p que no factvel o argumento bem posto sem perfil

    lgico. mister combinar bem lgica e democracia, eno sacrificar uma outra, conservando ademais quequalidade poltica fim, enquanto a formal meio72.

    DEFININDO TENTATIVAMENTE QUALI-DADE

    Buscamos aqui apenas definir preliminarmenteo conceito de qualidade, com o objetivo de ultrapassarmosdois problemas:a) de um lado, a definio exclusivamente negativa, quesomente diz o que qualidade no (no quantidade);

    b) de outro, o ambiente de penumbra conceitual em quecomumente tomado.

    Com efeito, na maioria das vezes assumimosqualidade como aquela dimenso essencialmente vaga

    que representaria o contrrio de quantidade, ou que

    estaria alm da quantidade. Outras vezes, toma-se oconceito como evidente, sobretudo aps o modismo daqualidade total41,42. De nossa parte, consideramoscomplexo definir adequadamente o conceito de qualidade,no s porque nenhum conceito evidente, mas sobretudo

    porque assinala dimenses da realidade que so toessenciais, quanto imprecisas. Ningum duvida quequalidade existe, tanto porque o horizonte material nunca tudo, embora muitos julguem ser o principal, quanto

    porque fazem parte da experincia comum horizontes quedesbordam o mundo quantitativo, como felicidade, tica,compromisso poltico, etc. Todavia, muito difcil dizer- positivamente - o que, afinal, qualidade.

    Por outra, no faz sentido apostar na dicotomiaentre quantidade e qualidade, pela razo simples de queno real. Pode-se, no mximo, priorizar uma ou outra,

    por qualquer motivo, mas nunca para insinuar que umase faria s expensas da outra, ou contra a outra. Todofenmeno qualitativo, pelo fato de ser histrico, existeem contexto tambm material, temporal, espacial. E todofenmeno histrico quantitativo, se envolver o serhumano, tambm contm a dimenso qualitativa. Assim,o reino da pura quantidade ou da pura qualidade fico

    conceitual. A prpria qualidade total est enredadanesta trama complicada. comum bastar-se comquantidades insatisfatrias, como cursos que no vo almde treinamentos, por vezes relmpago. Como comumaceitar qualidade como certas lavagens cerebrais, que

    ** A preveno comum entre pesquisadores qualitativos contra hiptese de trabalho como se fosse ardil positivista, j denota aunilateralidade de posio. Hiptese de trabalho componente til de todo processo de pesquisa, quantitativa ou qualitativa, eindica apenas um lanamento prvio e sempre aberto de roteiro de trabalho. De modo algum est necessariamente implicado

    positivismo em quem usa este conceito, como tambm no est implicada posio revolucionria em quem usa a dialtica. Na

    prtica, a maioria dos que se dizem dialticos no saberia definir o que dialtica e sobretudo de que dialtica se trata

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    cultivam encontros muito emocionalizados, cujoresultado principal o adesismo. Fazer a cabea, porexemplo, ser competncia de quem se impe, mas sempre incompetncia de quem aceita.

    A) Aproximaes categoriais

    Num primeiro passo, podemos apelar para aetimologia latina: em latim, qualitas significa a essncia.Assim, qualidade designa a parte essencial das coisas,aquilo que lhe seria mais importante e determinante. Seolhssemos ainda para o legado filosfico aristotlico, adistino entre matria e forma destaca, na forma, aqueladimenso imaterial dos seres e que, nos seres humanos,seria imortal. A forma a definio central, enquanto amatria seria algo circunstancial, temporal, provisrio36.

    Neste sentido, qualidade aponta para a marcacentral das coisas e dos seres, aquilo que no se consomeno tempo, que fica para sempre, que decide o que algo

    definitivamente. Esta viso ainda certamente vaga,porque muito complicado decifrar o que algo definitivamente. Quando se fala em essncia, temostalvez a certeza de que se trata de coisa muito relevante,mas, ao mesmo tempo, no sabemos muito bem o que .

    Num segundo passo, qualidade aponta para aperfeio historicamente possvel sobretudo do serhumano ou da histria. Nesta maneira de ver, jabandonamos a aplicao do conceito a tudo, reservando-o para o fenmeno histrico, e sobretudo ao fenmenohumano. Ao mesmo tempo, no sendo perfeio apenas

    algo dado, mas principalmente construdo na histria,trata-se de apanhar aqueles fenmenos que representariamconquistas histricas consideradas desejveis ou queexpressam realizao humana relevante.

    Tratando-se de histria, no h perfeio, j queno tem histria o que perfeito. Condio para serhistrico, ser perfectvel. Neste sentido, quando falamosde perfeio, assinalamos basicamente o esforo histrico

    para realizar uma histria sempre mais perfeita, desejvel,solidria, participativa, etc. Neste sentido, qualidade sobretudo participao, se aceitarmos que a histria

    participativa seja aquela que mais prximo chega da

    sociedade desejvel. Talvez pudssemos at aventar queparticipao poderia ser sinnimo de qualidade21.

    Tal contexto nos permitiria trabalhar tambmcom o conceito de utopia, no sentido de construohumana negativa que faz parte da realidade. Como o

    prprio termo indica, utopia no se realiza. Utopiarealizada j no . Entretanto, faz parte da realidade comodialtica do contrrio, ou seja, como fonte perene dacrtica contra aquilo que se tornou real. Frente sesperanas absolutas da utopia, o que a histria oferece sempre pouco e, por conseqncia, cabe sempre a

    revoluo. Tomando um exemplo concreto: a utopia do

    socialismo representa aquela sociedade perfeita que, pordefinio, no pode acontecer; entretanto, por contadesta perfeio impossvel que podemos criticar e superartodos os socialismos reais, na certeza de que nenhum delesesgota a utopia do socialismo. Por isso, diz-se que, quemno tem utopia, morreu, j que se contenta com o quetem, ou com o que a histria conseguiu realizar.

    Qualidade representaria a utopia da histria, nosentido daquilo que de melhor o ser humano nela poderiarealizar. Olhando a histria concreta, no seria difcilapontar que participao ser um desses fenmenos querepresentaria esta utopia5,34. Pode ser traduzida comocomunidade, democracia, associativismo, irmandade,solidariedade, etc., fenmenos marcados pela igualdadedas pessoas, ou pela equalizao das oportunidades, ou

    pela incluso de todos. A histria conhecida jamaisrealizou uma sociedade dotada desta perfeio, e mesmoassim persiste, de modo teimoso e insistente, a utopia daigualdade, por exemplo. Muitos diriam que a

    desigualdade social algo histrico-estrutural, porquefaz parte estrutural da histria54. Como estrutura, apareceem toda histria. Como histria, pode ser mudada emcada histria. Exatamente este dinamismo dialtico faz ahistria como unidade de contrrios29.

    Ao mesmo tempo, falando de perfeio, existesempre o outro lado, da imperfeio. Haveria, pois, umamaneira de realizar as coisas de modo mais e menos

    perfeito, o que poderia ajudar a localizar melhor o queseria qualidade. Assim, existe educao com e semqualidade, designando, no lado negativo, maneiras

    indesejveis, inaceitveis, imperfeitas de educar, e, nolado positivo, maneiras consideradas adequadas, criativas,convincentes. No lado negativo, teramos deseducaoa ttulo de educao, como o caso do baixssimorendimento escolar no Brasil. No lado positivo, teramosa realizao mais convincente daquilo que seria a essnciada educao, como a emancipao, a formao dacompetncia humana na histria, a cidadania25,27,28.

    Num terceiro passo, qualidade sinaliza ohorizonte da intensidade, para alm da extenso.Significa outra dimenso fundamental de fenmenosqualitativos que sua busca de profundidade e plenitude.

    Corre-se, certamente, o risco tambm de, de novo,inventar uma dicotomia entre os dois termos, o que no real12,44,45,65. Se tomarmos o problema dialeticamente,quando dizemos que algo o contrrio, estamos ipso factoapontando para um todo com duas faces. No se trata decoisas contraditrias, ou seja, que no admitem dinmicaentre elas. Trata-se exatamente do oposto: somente coisascontrrias so dinmicas, porque existem na polarizao.Assim, se dizemos que intensidade o contrrio deextenso, no estamos dizendo que uma exclui a outra,mas que h entre elas uma dinmica contrria, de teor

    tipicamente dialtico

    22,29

    .

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    Por conta disso, pode-se armar com os doistermos um quadro bem representativo da realidadehistrica, na medida que intensidade denota dimensestais como:a) fenmenos que no se esgotam no superficial, masmarcam-se pela profundidade, como o amor;

    b) fenmenos que reagem rotina extensa e, por isso,

    buscam renovar-se sempre, como a felicidade;c) fenmenos que primam pela dinmica docompromisso, como o engajamento poltico, ou amilitncia;d) fenmenos que indicam a plenitude da realizaohumana, como a santidade;e) fenmenos que valorizam participao humana, maisque a mera presena fsica ou quantitativa, como oenvolvimento comunitrio, a democracia, a cidadania;f) fenmenos que apontam para dimenses valorativasdo ser humano1, como a dedicao, a tica, a abnegao,o envolvimento, a prestatividade, a solidariedade, etc.

    A intensidade aponta para a dimenso do melhor,enquanto a extenso se volta para o maior. Ter mais ouser melhor por vezes representam uma disjuntiva, que,na prtica, deveria ser um todo: quantidade a servio daqualidade, ou como condio material de qualidade. Asabedoria da felicidade est em transformar o passamentoextenso em passagem intensa. Pois nenhuma soluo total, e o homem como problema no tem soluo, poisno defeito, mas modo de ser. Nisto precisamente desafio, pretenso, nsia, af. A histria passageira, masem cada fase no acaba; ao contrrio, continua. Continua

    sempre, no porm como continuidade contnua, mascomo eterno recomeo. No plano formal, algocontraditrio. Na histria real, apenas contrrio. Todasuperao tambm recomeo. No h soluo final edefinitiva, pelo que no se pode imaginar felicidadeeterna, que j seria extenso da monotonia.

    Ao se vencer um desafio, vem o prximo; ao serealizar um ideal, surgem outros. Continuidade extensa a morte. A morte a extenso mais montona que ahistria conhece. Se toda revoluo, de um lado,envelhece, a partir de dentro, como regra da vida, poroutro, a mesmo elabora seu recomeo60,76. Pois todo

    clmax passageiro, por mais que o desejemos eterno.Eternidade no vem compreendida como continuidadeda mesmice, na horizontalidade estvel, mas como augeda intensidade. Verticalmente eterno o momento total,no por durar sempre, mas por buscar esgotar a

    profundeza da intensidade no momento da passagem. o momento que vale tudo, to intenso que possvelmorrer de felicidade. A vida toda vale este instantetotal. Na histria, no interessa a eternidade como linhareta, sempre a mesma, formal e fria, mas a curva dinmicaem busca do pex. Este apenas o momento mais alto

    um s , mas define seu alcance. A felicidade realiza os

    dois momentos marcantes de sua intensidade: a passagempelo clmax intenso e efmero e a seguir o recomeoda nova fase. Por isso o momento profundo o autntico

    processo, como processo de recomeo, onde a passagemno se pulveriza na insignificncia, mas se eterniza naviolncia da intensidade. Qualidade no slida; frgil. No tem resistncia dura daquilo que se petrifica.

    passageira, para retornar. Recriar seu signo. S serecria, o que passa. O melhor sempre mais passageiro.A vida tem sua sabedoria no equilbrio contrrio

    entre desejos infinitos e realizaes parciais. O prazersexual um exemplo: por mais forte que seja o desejo,tambm satura. Mesmo divertir-se pode ser cansativo. fundamental variar. Todavia, a surpresa no pode serdiria, pois j no surpreenderia, mas essencial. Oorgasmo por definio passageiro, pois gestofisicamente limitado. Na sua passagem pode ser intenso,

    profundo, totalizante. Mas no factvel sua continuidadeextensa, tanto por impossibilidade fsica, como sobretudo

    porque quebraria seu encanto. lei da vida: aps o clmaxvem inevitavelmente a calma. Esta que dura, o outro

    passa. possvel inventar modos e jeitos para prolongaro prazer, mas sobretudo importante poder recri-lo.Passagem criativa, que passa, no para desaparecer, mas

    para reviver. Esta a eternidade que interessa; a outraaborrece9,14,16,49.

    Diante dos desejos infinitos, no h soluocabal. H propriamente pactos. Porquanto, toda soluoreencontra novos problemas e toda fase propicia aseguinte. Esta ciso fundamental para se compreender

    o ser dialtico. Tem a constituio de problema estrutural.Assim, em parte no problema, pois, sendo problemana estrutura, no problema histrico, mas condio dada.A limitao histrica no limite, porque talincompleio no falta, mas marca. A unidade decontrrios est na sua alma. No acidente, descuido,nem degenerao, mas modo melhor de ser. Emconseqncia, no pode haver receita definitiva dafelicidade, por mais que nela se reconheam lgicas.Felicidade arte, criatividade. sabedoria, que provmsobretudo da prtica irrepetvel. Se variao, passagem,seria contraditrio querer receita da qualidade, porquanto

    teramos que inventar a receita da no-receita. Comogarantir a continuidade invariante do que essencialmente

    provisrio? No se pode, a rigor, programar o improviso.A intensidade tambm se alimenta da surpresa.

    A felicidade tem a lgica da flor: no h comoseparar sua beleza da fragilidade e do fenecimento.Entretanto, o fenecimento no apenas a destruio desua beleza, mas condio de recomeo. Assim, deve-seaceitar que a flor bonita porque fenece. Flor que ficasempre de papel, artificial. cpia. A flor viva vive acontrariedade da vida: desgasta-se, passa. A seguir, brota

    de novo. A felicidade possui o frenesi do desejo eterno

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    na sua estrutura, mas realiza-se na passagem intensa deum momento na sua histria. Ser feliz multiplicarmomentos felizes. Ou: saber deglutir a infelicidade, que diria, para saborear melhor a felicidade, sempre quefor possvel. Felicidade, no se passa por ela. ela na

    passagem. A maior infelicidade querer a felicidade total,toda hora. Todo amor acaba trado. Di. Mas

    recomea8,11,18,39,40,48,56,83,85,87,88

    .Olhar a qualidade a partir da tica da felicidadepode induzir a restringir o desafio ao plano pessoal oupsicossocial. Para nossos fins aqui, o realce maior estarligado ao horizonte poltico do ser humano, no qual orepto central no ter mais, mas ser melhor. Trata-se devisualizar a histria como obra coletiva, na qual,

    principalmente sob o horizonte da cultura e da identidadecultural, o ser humano comprova que capaz de faz-la,ou seja, de fazer e fazer-se oportunidade. Certamente,no podemos destruir o contexto dialtico da histria,quer dizer, qualidade poltica no expressa apenas o lado

    bom, no s porque este no est sozinho, mas sobretudoporque tende a ser minoritrio. A histria conhecidapropende muito mais a ser um ato de af irmaoexcludente, do que de solidariedade ilimitada. Assim, nacultura de cada povo no est escrito apenas acomprovao histrica de sua competncia em identificar-se, sobreviver e fazer uma sociedade, mas igualmente deconquistar espao prprio e de se impor. Por isso, quandofalamos de competncia histria, a tendncia interpret-la como conquista que se impe. Ao dizermos, entretanto,competncia humana, buscamos ressaltar a histria

    solidria.O realce do horizonte poltico da qualidade nosleva a enfocar expresses histrico-culturais marcadasno s pelo progresso tcnico e econmico, mas sobretudo

    por sua humanizao, como desafio eterno de uma obrapor definio inacabada. Podemos ressaltar:a) fenmenos histricos relevantes so conquistas comoa democracia, a cidadania, os direitos humanos, a

    participao, a comunidade organizada, etc.; expressamo tipo mais qualitativo de cada sociedade, porque no sapontam para a competncia de se organizar, massobretudo para a competncia de participar, dentro do

    desafio de construir uma sociedade cada vez menosdesigual;

    b) ao mesmo tempo, tais fenmenos marcam-se pelafragilidade histrica: so to bonitos, quanto fugazes;facilmente viram no contrrio (democracia como tticade acumular privilgios, cidadania corporativista,comunidades beligerantes, etc.); difcil constru-los, emais ainda mant-los; a expresses mais qualitativas,como profundidade, intensidade, envolvncia,

    participao, so, por definio e histria, passageiras;c) a ambincia naturalmente ideolgica revela, por sua

    vez, a marca dialtica mais ntima: pode servir para o

    bem e para o mal, a solidariedade atrai menos que ainfluncia, a tica no comparece como dada, mas apenascomo dura e frgil conquista, h sempre uma distnciamarcante entre o que cada sociedade promete ser e o que de fato, e assim por diante;d) todo ser humano uma potencialidade, por ser umfenmeno intrinsecamente poltico; ele o artfice central

    de sua prpria obra histria, mas no est sozinho nomundo; para desabrochar, mister ainda que existamcircunstncias dadas favorveis, bem como um ambientehumano receptivo; politicamente falando, a lgicadialtica do poder propende a privilegiar o mais forte, omais rico, o mais sagaz, do que o mais humano;e) so fenmenos marcantes da qualidade humana asexpresses da arte, da esttica, da sensibilidade, dacultura, mais do que os resultados ditos civilizatrios,que refletem o progresso como imposio e como espaomaterial; ao mesmo tempo, representa arte humana crucialsaber transformar o progresso em bem comum, realizando

    um dos traos mais profundos do que podemos chamarde competncia humana;f) para resumir, qualidade essencial a competncia detornar cada vez mais humana a histria do ser humano.

    B) Qualidade Humana

    Os trs passos anteriores levam a admitir, desdelogo, algumas caractersticas da qualidade, sobretudoquando assumida como qualidade humana. A ONUacabou admitindo a idia de desenvolvimentohumano, sinalizando que as outras adjetivaes (social,

    econmico, ecolgico, etc.), seriam melhor representadaspela marca humana. Com isto ficou tambm superado,pelo menos at certo ponto, o conceito de qualidade devida, que muitas vezes no consegue explicitar-se demodo suficiente, seja porque denota quase apenashorizontes quantitativos (salrio, moradia, condiessanitrias, transporte urbano, etc.), seja porque descambafacilmente em dicotomias contra a quantidade de vida.

    Pode-se usar o termo, assim mesmo, mas parececlaro que o conceito de desenvolvimento humano, mesmo

    provindo de ambiente neoliberal, muito mais rico,sobretudo porque expressa a construo e a conquista da

    competncia histrica humana. No dada. tipicamente conquista. Ou, como diz a ONU, oportunidade. Pode ser feita, melhorada, conquistada,

    bem como obstaculizada, destruda, esquecida. Aqualidade humana essencial seria aquela que expressa acompetncia histrica em dois momentos de conquistasubstancial: fazer-se sujeito, deixando a condio deobjeto ou de massa de manobra, e, a partir da, fazerhistria alternativa, marcada pela eqidade e pelatica26,72.

    Diante disso, podemos assinalar algunshorizontes que caracterizam a qualidade.

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    1. Qualidade atributo humano

    Somente o ser humano capaz de qualidade, poistrata-se de um fenmeno histrico-dialtico. A matriano teria qualidade, a no ser aquela que fosse dada, outomada como algo dado2,53,63,64,91. Poder-se-ia dizer queum diamante tem mais ou menos qualidade, dependendo

    de sua pureza. H aqui uma questo de perfeio, masque no conquista humana histrica.Por ser atributo humano, qualidade funo

    precipuamente da educao, j que educao o caminhocrucial da competncia histrica. Para o ser humano teroportunidade e sobretudo ser oportunidade, necessitaconstruir a competncia mais radical que existe, que ade fazer-se sujeito. No -toa que a ONU, ao classificaros pases de acordo com o desenvolvimento humano,coloca, entre os trs indicadores usados, a educao em

    primeiro lugar. O que melhor trabalha o horizonte dasoportunidades e principalmente torna o ser humano

    oportunidade o processo educativo, desde que sejaemancipatrio50,58,86. A seguir vem o indicador daexpectativa de vida, que mistura sabiamente traosquantitativos (anos de vida) com qualitativos (desfruteda vida). E por fim aparece o indicador material

    propriamente dito, que o poder de compra. Estassinalado aqui que o desenvolvimento humano

    basicamente questo de qualidade, no s de quantidade.Ou seja, sobretudo questo de ser, no de ter, por maisque entre ambos no se possam inventar dicotomias.

    Com isto j se aposta numa direo clara: quando

    se busca qualidade em qualquer instituio, o que temosde trabalhar melhor so os seres humanos envolvidos,ou como se diz na qualidade total, os recursoshumanos47,77,79,80,81. O que faz a qualidade de uma escolano so a parablica, ou a videoteca, ou os computadores,mas o naipe de profissionais nela engajados.

    2. Qualidade dialtica

    A dialtica humana da unidade de contrrios,encontrando a sua dinmica histrica prpria. Faz partedesta lgica polarizada, entre outras coisas:

    a) tudo que profundo, passageiro; a intensidadetransforma-se em extenso, se perdurar; vira rotina; a

    profundidade tem a lgica do momento, e no momentopode ser avassaladora, total, plena, no na extensoesticada; ser passageiro denota, ao mesmo tempo, afugacidade da vida, mas sobretudo sua maneira prpriade ser; passar no vicissitude, essncia;

    b) o que bom, acaba; o bom extenso, enjoa, satura,enoja; acabar condio de qualidade, para no se esvair

    na rotina, que a tudo mata, porque no deixa passar; acoisa mais histrica que a histria conhece o desgasteno tempo; qualidade a capacidade de se confrontar comeste desgaste, impondo ao tempo, no momento, aintensidade que a extenso nega;c) a criatividade uma dinmica provisria, no umasituao definitiva; a criao mais profunda do ser

    humano no uma sociedade acabada, mas por se fazer;toda instituio envelhece; por isso, viver ,essencialmente, renovar-se; quem se renova no deixade envelhecer isto implacvel para um ser histrico

    mas impe extenso temporal momentos decriatividade intensa***;d) utopia o afrontamento dos limites, dentro doslimites; buscamos a perfeio, sabendo que nenhumahistria perfeita; a perfeio da histria a oportunidade

    possvel de aperfeio-la; s pode ser momentnea asensao de plenitude, dentro de uma histria que no

    pode jamais ser plena; qualidade essencialmente uma

    esperana, que vale sobretudo pela capacidade demobilizar, fazer f, comprometer, envolver;e) realizar-se saber ceder ; toda convivncia

    participativa, se, de um lado, enriquece a pessoa, porqueningum se realiza sozinho, de outro, estar juntos estarcercado de limites; na comunidade, somos melhor, mastemos menos.

    Tomando o exemplo da felicidade, pareceevidente que seja um fenmeno dialtico tpico, cabendo-lhe as qualificaes acima arroladas. Os prprios poetasrepetem sempre que felicidade so momentos felizes,

    ou que o amor eterno, enquanto dura. O ser humanocorre todo dia atrs da felicidade, mas a realiza aospedaos, se tanto. momento e pode ser forte, por sermomento. Se esticarmos, entra na extenso, vira rotina.Este o drama do amor. Comea intenso, e vai decaindona extenso. Assim sucede no fenmeno participativo.

    No incio, todos ou muitos prometem participar, porexemplo, num sindicato, numa associao, num partido,numa comunidade eclesial de base. Com o tempo, esfriao envolvimento e cada vez menos gente aparece.Freqentemente, acontece que ningum mais comparece,ficando os chefes sozinhos. Nossas assemblias gerais,

    como regra, so um panorama desolador: alguns gatospingados sustentam o fenmeno participativo, e porvezes tambm se aproveitam disso para manipular os

    presentes.A provisoriedade da intensidade marca dialtica

    natural, onde se comprova fenmeno histrico naessncia: sua forma de ser passar, no ficarindefinidamente. Temos a propenso de esperar dahistria a extenso esticada, mas que no passa de rotina.

    *** No segue destas consideraes que criatividade seja mera inspirao. Segue apenas que inspirao no pode ser cotidiana

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    Na verdade, esta necessria, porque no se pode viver,todo dia, de criao total, inveno de tudo de novo.Nada como um dia aps o outro. Mas tudo isto mediocridade. A histria que nos interessa aquela que,sendo inevitavelmente extensa, sacudida de maneirareiterada, teimosa, persistente pelo mpeto de renovao.Renovar a rotina no desfaz a rotina, porque a prpria

    renovao pode tornar-se rotineira. Mas na utopia darenovao que nos realizamos historicamente, porque assim que no nos vemos apenas como desgasteimplacvel, mas como competncia de criar.

    Para afrontar limites preciso saber deles esobretudo que somente os afrontamos limitadamente. Estateimosia que faz a dignidade histrica do ser humano,que no aceita ser apenas resto histrico, mas sujeitodinmico dela. A est a diferena qualitativa: histriacomo mero desgaste, ou histria como desgasteatormentado pela teimosia de criar.

    3. Qualidade difcil de gerar, e muito mais difcilde renovar

    Trata-se de perceber o desafio crucial de no sgerar fenmeno qualitativo, como a participao, massobretudo de manter a chama acesa do envolvimento

    poltico. Uma coisa um partido grande, outra umgrande partido. Este no necessariamente grande emnmero, mas em qualidade participativa, em militncia,em deciso poltica efetiva.

    Assim, de um lado aparece o repto histrico de

    fazer uma histria marcada pela intensidade e no s pelaextenso, pela mediocridade, pela reproduo. So, pois,essenciais os fenmenos da democracia, doassociativismo, do sindicalismo, da emancipao coletiva,

    porque neles que emerge a competncia histrica defazer e fazer-se oportunidade. Mas, de outro lado, apareceo desgaste histrico implacvel, porque, na histria, oque fica, a rotina. No existe nenhuma condio dequalquer fenmeno humano no se desgastarhistoricamente. A morte no contradiz a vida, pois apenas seu contrrio. No vida o que no morre.

    Esta marca dialtica faz da qualidade um desafio

    de resgate permanente, de tal sorte que o permanente noser mais uma situao definitiva, institucional acabada,mas a persistncia da renovao. Ser competente essencialmente saber renovar-se. difcil, sem dvida,

    por exemplo, gerar uma proposta qualitativa na escola,comprometida com a aprendizagem do aluno, com um

    projeto emancipatrio ou com a participao de todos,inclusive da comunidade. Mas ainda muito mais difcilmanter o envolvimento sempre aceso. Na verdade, historicamente impossvel manter sempre aceso, porquetodo fogo, fogo, porque apaga. Tudo que queima,

    tambm vira cinzas. Assim, o envolvimento no pode, a

    rigor, ser o mesmo todo dia. Poder voltar a ser mais oumenos o mesmo, mas depois da baixa. Se for resgatado.

    Na prtica, no vivel um programa permanentede qualidade permanente, porque a qualidade permanente

    j no qualitativa, ao virar qualidade rotineira, extensa.O que deve ser permanente o esforo permanente de arenovar. A qualidade total vive profundamente este

    drama, dentro do contexto da educao voltada para omercado: muito importante o envolvimento dinmico,participativo dos recursos humanos; os treinamentosbuscam, entre outras coisas, agitar o envolvimento detodos, fazem dinmica de grupo, estimulam ambiente deconvivncia positiva, etc.; mas todos sabem o quanto difcil manter este esprito. Qualidade total no um

    produto que se tem ou se guarda, mas sobretudo umaconquista constantemente renovada.

    Neste contexto, seria possvel aduzir que o termoqualidade total profundamente enganoso, porquedesconhece ou escamoteia a dialtica histrica. Total

    acaba restringindo-se ao esforo obsessivo para provocare manter a adeso dos recursos humanos aos fins daempresa. Ao mesmo tempo, ao reconhecer-se anecessidade de atualizao permanente dos recursoshumanos, incongruente imaginar que isto se torne algototal, ocultando exatamente o desgaste inevitvel dotempo. Assim, a qualidade total implica propagandaenganosa!

    4. Qualidade decisiva, mas no mecnica

    Tem, neste sentido, a lgica do conhecimento.Este expressa uma das qualidades humanas maissignificativas, tendo sido tomado, na histria da filosofia,como a marca mais central do ser humana (animalrationale). Hoje, apostamos muito na fora doconhecimento, tomando-o at mesmo como o capitaldecisivo da prpria economia moderna. As famlias, porsua vez, zelam pelo estudo dos filhos, acreditando queseja a melhor maneira de lhes garantir um futuro melhor.

    Mesmo assim, cabe reconhecer para sercoerente com a prpria lgica do conhecimentoquestionador que ele , na essncia, potencialidade,

    disposio, prontido. Como diz a crtica devastadora ps-moderna, o conhecimento no sabe garantir-se, porquesua presena no implica necessria ou mecanicamente,que seja efetivo. Um decisor pode dispor doconhecimento mais atualizado possvel, e, mesmo assimou revelia, tomar uma deciso pelo avesso. Um educador

    pode ter doutorado em educao e, mesmo assim, ou atpor causa disso, educar muito mal seus prprios filhos.

    Esta marca est contida na prpria vervequestionadora, porque mais facilmente desconstri, doque constri. Tudo que o conhecimento constri, em

    seguida desconstri, por questionamento permanente e

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    por impulso de inovar sempre. Somente inova, oconhecimento que no s questiona, mas sobretudo sequestiona. Assim, o que o torna permanentementeinovador a capacidade de questionar e se questionarsempre. Quer dizer, sua fora est na fragilidade dialtica,expressando tipicamente a dialtica da potencialidade.O que potencial, s o pode ser na medida da amplido

    infinita de maneiras possveis de vir-a-ser, mas, por contadisso, pode ser qualquer coisa, inclusive no ser. comoo bero, aludindo-se qualidade humana de algumque teria sido bem-educado: decisivo, mas facilmentese perde.

    Assim, qualidade humana representa o que hde mais intenso, profundo, perfeito que o ser humano

    pode construir, mas da no seguem efeitos automticosou mecnicos, precisamente porque estes no so, em si,humanos. Sem um naipe qualitativo de professores, noh aprendizagem adequada dos alunos. Isto certo, talvezo que haveria de mais certo. Entretanto, possvel que

    uma professora mal preparada alfabetize melhor ascrianas do que uma especialista mundialmentereconhecida, assim como parece ser o caso no Brasil deum desempenho mais convincente da normalista,comparado ao licenciado, embora este, por deter maisanos de estudo, devesse educar melhor.

    No plano poltico, esta problemtica por vezesmuito evidente, por exemplo, quando se defende que, paraser Presidente da Repblica, no se exigem ttulosacadmicos, a no ser certo limite de idade e algumaescolaridade mnima, alm de requisitos de

    comportamento pblico. No caberia defender que oPresidente devesse ter doutorado em administraopblica, como estaramos dispostos a defender que o Lulapode ser Presidente, mas no professor. Na verdade,estamos procurando no Presidente principalmente umaqualidade poltica, que no se expressa necessariamente

    por externalidades, como anos de estudo ou montante deriqueza. Do que se trata?:a) mister distinguir entre instrumentaes formais emateriais da qualidade, da qualidade poltica como tal;esta necessita daquelas, mas a elas no se restringe; assim,um doutor em educao no automaticamente um bom

    educador;b) como qualquer potencialidade, sua direo histricano est predeterminada, mas efetivada de acordo com oenvolvimento ideolgico e tico em jogo; assim,

    professores bem preparados formalmente podemapresentar um desempenho, em termos de aprendizagemdos alunos, pior que outros tidos por mal preparados;c) toda qualidade humana paga o preo da liberdade e dorisco histrico; ou seja, sendo dialtica potencial, dbia,frgil, em grande parte imprevisvel; tudo que podemosdesejar, mas nunca tudo que podemos fazer, alm de

    gastar-se com extrema velocidade;

    d) usando linguagem da lgica clssica, qualidadehumana condio necessria, mas no suficiente de umahistria humana; dialeticamente falando, no existemcondies suficientes na histria, por no serem

    propriamente histr icas; his tria precisamente ohorizonte das possibilidades inesgotveis, no umtabuleiro de carta marcada.

    5. A histria da qualidade sobretudo de sua traio

    Traio vem compreendida no duplo sentidodialtico: de um lado, daquilo que, sendo intensamente

    bom, degenera no extensamente ruim; de outro, dainfidelidade ao cotidiano, para ser criativa. O cotidianochora, como se diz em antropologia, porquanto feitosobretudo de tristeza, mesmice, repetio, mediocridade.Tal qual o bom menino, que considerado bom porquenada inventa. Perfeitamente medocre.

    O cotidiano pode ser visto como a traio de cada

    dia da utopia da vida, onde viver j quase s vegetar,apenas passar pela vida, ser espectador, ou mero objeto.Por outra, para confrontar-se com o cotidiano, mistersaber tra-lo. A criatividade sempre um ato deinfidelidade, como a cincia crtica. Para inovar, misterdesconstruir, desfazer, recomear. Destruir uma rotina quea tudo destri, o desafio maior da qualidade, que precisatrair o cotidiano, para no ser sempre trada. A estratgiada qualidade principalmente a vigilncia obsessivacontra a mesmice institucional, que faz tudo repetir-se

    para ficar na mesma.

    A vida em sociedade sobretudo uma estratgiade acomodao, de tal sorte que cada dia o mesmo dia.Predomina, de longe, a presso pela conformidade, sobreo esforo de criatividade. Todos esperam que cada qualcumpra com seu dever, ou seja, no invente moda, no

    pretenda ser diferente, no discrepe. Mediocridade geral a sina da convivncia humana. A fidelidade s normase valores, levada a extremos, decreta a descaracterizaode um ser humano criativo.

    Assim como a morte a traio da vida, a vidacomo mera repetio a traio da felicidade. Por isso, amaneira de esticar a felicidade no prolong-la

    extensamente, mas interromp-la estrategicamente.Ressuscita melhor o que sabe morrer. No pode ser vidao prolongamento da agonia. O amor vira rotina,invariavelmente, no tanto como defeito, mas como marcahistrica natural. Qualidade a luta, por vezesdesesperada, de retomar uma intensidade que teima emtransformar-se em extenso. No h receita para estaretomada, mas parece certo que mister trair. Bementendido, trair no sentido de surrupiar do cotidiano chatomomentos felizes. At porque a fidelidade pode serapenas extensa, sempre que decair no relacionamento

    repetido, mecnico, formal. neste sentido que se deve

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    dizer: todo projeto criativo, continuar criativo, seencontrar traidores. O traidor pode ser aquele que apenasse ope ao projeto. Mas o traidor aqui procurado quem infielmente fiel criatividade.

    C) Qualidade formal e poltica

    No campo educativo, convm distinguir duasdimenses da qualidade, que, na prtica, aparecemglobalizadas: o lado formal e o lado poltico.

    1. Qualidade Formal

    Por qualidade formal compreendemos a perfeiodos meios, dos instrumentos, dos procedimentos, e serefere substancialmente ao conhecimento. Este oinstrumento mais efetivo de inovao histrica, ou seja, a arma mais potente de renovao de uma histria queteima sempre em se desgastar51,52,55.

    Entretanto, o prprio conhecimento representa,nele mesmo, a provisoriedade de uma histria renovada.Sendo, na essncia, uma estratgia de questionamento,tem sua virtude principal no mtodo, mais do que nafabricao de contedos. Estes sempre envelhecem, porserem histricos. O que no envelhece a capacidade dese opor permanentemente ao envelhecimento. Estacompetncia de sempre se renovar a competnciahumana mais tpica e relevante.

    O exemplo dos computadores paradigmtico.Todo modelo novo feito para ser superado. No vivel

    um computador definitivo. O que faz dele uma mquinainteressante que implica, nela mesma, a necessidade deincessante renovao. Este exemplo interessantetambm porque denota uma face preocupante darenovao, ligada dinmica do mercado. Renova-setanto a informtica, porque essencial produtividademoderna, no principalmente porque importante para ahistria humana. O que crucial para a humanizao dahistria renova-se menos do que o que essencial para omercado. Isto quer dizer que nossa histria conhecidarepresenta, diante do mercado, uma subalternidade quedeveramos, com o tempo, saber tambm superar13,35.

    Mas isto no desfaz o desafio de atualizaopermanente, to tpico do conhecimento moderno. Aprpria marca do questionamento leva a isto, tanto poruma necessidade lgica, quanto por uma necessidadedemocrtica24,27,46. O conhecimento, que funciona pelavia do questionamento, somente coerente consigomesmo se souber sobretudo se questionar. A lgica doquestionamento a mesma do auto-questionamento,

    porquanto a competncia da crtica est na autocrtica.Por outra, questionar implica reconhecer o direito de todosde falar, seja porque qualquer consenso somente subsiste

    se for democrtico, seja porque a reserva de conhecimento

    sempre excludente e nisto afoga o questionamento.Esta caracterstica levou a reconhecer que

    conhecimento perdeu seu valor de uso. Somente oconhecimento que se renova vale a pena e serve pararenovar. Guardar conhecimento, estocar, armazenar,apropriar-se dele, adquirir, so expectativas arcaicas, que,na prtica, desfazem a virtude inovadora do

    conhecimento. O que interessa a reconstruo doconhecimento, porque conhecer substancialmentereconstruir conhecimento7,10,37,69. O que mais inova tambm o que mais envelhece. O que mais e melhor traznovidades na histria, tambm aquilo que a torna tantomais provisria. A velocidade das grandes mudanas seacelera cada vez mais. O que se via em mil anos, hoje

    pode ser vivenciado numa gerao.A temos, pois, um caminho da qualidade

    essencial para a educao. Se quiser manejar a capacidadede inovar a histria, de intervir nela como sujeito que afaz, de fazer e fazer-se oportunidade, o ser humano precisa

    manejar conhecimento. Em termos instrumentais, eis oinstrumento maior e melhor. Espera-se, por isso, que acriana aprenda de fato na escola, ou seja, construaformao bsica capaz de saber pensar para melhorintervir. Esta habilidade propedutica crucial para darconta dos desafios da modernidade e, como veremos,sobretudo para educar a modernidade. Ler a realidadecom competncia a forma mais efetiva de nela interviralternativamente15,31.

    Supera-se com isto a tradio do mero repassede conhecimento. O aluno no vai escola para adquirir

    conhecimento, ou apropriar-se dele, ou para assimil-lo,mas estritamente para reconstru-lo. O que o tornaoportunidade histrica, em termos instrumentais,

    principalmente esta habilidade. De apenas escutar, tomarnota e fazer prova, ningum fica competente. Aocontrrio, a rota clssica da subalternidade. ser restodo outro mundo que sabe reconstruir conhecimento.Assim, enquanto o Primeiro Mundo pesquisa, o Terceirod aula!

    2. Qualidade Poltica

    Todo instrumento encontra sentido na finalidadea que serve. Conhecimento no vale por si nem em si,mas como meio para realizar os fins e os valores sociais,em termos do bem comum. Qualidade poltica tem a ver

    principalmente com a tica do conhecimento, da histria,das intervenes3,4,70.

    sempre possvel reconstruir o melhorconhecimento possvel para imbecilizar, torturar, destruir.Esta preocupao forte hoje em muitos crticos dacincia, porque, ao lado da instrumentalidade fantsticaque coloca disposio do ser humano, representa

    tambm risco forte de excluso. A cincia costuma crescer

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    tanto mais por fora do mercado ou servindo aospoderosos, no pela tica do bem comum51,52,57,84.

    Aqui entra em cena a necessria tica do serhumano que no s sabe inovar, mas sobretudo sabehumanizar a inovao. Sabe fazer uma histria humana,com base na competncia humana. Para tanto, necessitado conhecimento, porque o meio mais efetivo. No pode

    haver um sujeito histrico competente que no saibamanejar conhecimento. Mas esta competncia no tudo. apenas instrumental. H ainda que incutir a devida tica.

    Trata-se, pois, da cidadania, compreendida comoa competncia de tomar, pela conscincia crtica, ahistria nas mos e torn-la bem comum. E esta a metacentral do processo educativo, ou seja, de gestar sujeitoshistricos devidamente instrumentados no conhecimento,

    para intervir melhor na histria. Intervir melhor significaprecisamente no permanecer apenas na interveno, masfazer dela bem comum.

    A definio de qualidade pode parecer um jogo

    terico. Entretanto, como nada melhor para a prticado que uma boa teoria, ser o caso perceber que nenhuma

    prtica da qualidade qualitativa se no souber definir-se conceitualmente. Acaba tornando-se qualquer coisa.

    Um exemplo disso est nos treinamentos comunsna qualidade total. Por no usar conceitos adequadosde qualidade, passa-se a admitir que a competnciahumana provenha de meros treinamentos, que tratam a

    pessoa humana como objeto de ensino. Estritamente,repassa-se conhecimento, esperando que os recursoshumanos o absorvam, internalizem, transformem em

    conduta, de fora para dentro. Nada mais contraditriocom a condio de sujeito ou de qualidade humana doque ser objeto.

    A qualidade total, freqentemente, esvai-se emtticas de adesismo, atravs da qual busca-se envolveros trabalhadores na dinmica da empresa. Esta precisade conhecimento renovador e sobretudo de gente quesaiba manejar conhecimento renovador. Mas, com baseem noo truncada de cidadania, privilegia-se e por vezesexclusiviza-se a relao com o mercado. Aumenta-se aoportunidade de lucro e produtividade, mas dificilmentemelhora-se a condio do trabalhador.

    Treinamento uma iniciativa incapaz de gestarautntica formao bsica, compreendida esta como acapacidade de saber pensar para melhor intervir, nainterseo entre qualidade formal e poltica. Fica-seapenas com a qualidade formal, se tanto. Treinamentonem isto faz, porque permanece com a cpia doconhecimento, no impulsionando sua reconstruo.Evita-se a qualidade poltica, que somente factvel no

    bero da educao emancipatria.Uma definio mais acurada supera a noo de

    qualidade como fumaa esgarada num horizonte

    impreciso, permitindo inclusive localiz-la concretamente

    em fenmenos especficos, como o da participao,educao, democracia, comunidade, etc. Pode-se tambmapontar caminhos concretos de como se gesta e resgataqualidade, em termos formais e polticos, dentro docontexto do manejo instrumental do conhecimento e desua implicao tica.

    Ao mesmo tempo, pode-se evitar o discurso

    perdido e luntico em torno da qualidade, comum aeducadores que no ultrapassam o nvel persistente dasconsideraes gerais. Qualidade no pode ser apenas

    problema terico. sobretudo desafio prtico. Saberfazer e refazer qualidade eis a questo. Pelo fato deeducao, por mais intensa que seja sua qualidade, no

    produzir efeitos mecnicos e automticos, disto nodecorre que seja algo intangvel. A intensidade quemelhor se pode ver, aquela que tambm melhor sedefine.

    Esta definio mais acurada de qualidade podecolaborar em especificar melhor os objetivos pretendidos

    em educao, bem como em avaliar com profundidademais convincente a intensidade de fenmenosconsiderados estratgicos, como a formao bsica. Nocabe, por exemplo, permanecer apenas em expressesquantitativas, como meros anos de estudo, bem assimem expresses apenas formais de testes, como rendimentoescolar mensurado por testes de conhecimento. Ser

    possvel perseguir melhor dimenses mais substanciaiscomo o saber pensar para melhor intervir e inovar,compondo qualidade formal e poltica. Quando criticamosdidticas reprodutivas, acenamos para o desafioreconstrutivo, que se compe melhor com processos

    emancipatrios do sujeito e da formao histrica desociedades alternativas. Se dificlimo avaliar qualidade

    poltica, podemos pelo menos orientar avaliaes daqualidade formal na esteira de instrumentaes daqualidade poltica.

    A qualificao do cidado e do trabalhador nose esgota em treinamentos estereotipados, mas precisaevoluir para a idia de alimentao constante daempregabilidade e da atuao poltica organizada. Aomesmo tempo que podemos mostrar, estatisticamente, que o fator preponderante do acesso renda, seria aindamais importante revelar que o apoio mais decisivo de

    uma cidadania capaz de redistribu-la. No basta, assim,preocupar- se s com sa l rio e tr einamento dosprofessores, porque sobretudo fundamental garantir arelao intrnseca com a aprendizagem adequada dosalunos. Olhando assim, podemos logo concluir quetreinamento nunca faz isto, e que salrio pode no ternada, mas pode ter tudo a ver com a aprendizagem dosalunos. Porquanto, se o professor no for a prova viva dacidadania, ou seja, a prova de que educao leva cidadania, incluindo-se a obviamente a dignidadesalarial, no tem como contribuir para a formao dacidadania do aluno.

    Pesquisa qualitativa... Rev.latino-am.enfermagem - v. 6 - n. 2 - p. 89-104 - abril 1998

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    PESQUISA QUALITATIVA - USOS E ABUSOS

    Fizemos no captulo anterior um esforo desistematizao do conceito de qualidade, dentro dacoerncia cientfica formalizante. Enquanto qualidade forqualquer coisa, pesquisa qualitativa tambm o ser. Comose viu, dificlimo traar relevos da qualidade e mesmo

    assim essencial defini-la em termos lgico-formais. Taisdefinies devem ser vistas como instrumentometodolgico, no como aprisionamento formal. Valeaqui a regra clssica da hermenutica: muitas vezes mais relevante o que est oculto, o que no se diz, o quese esconde.

    Pesquisa qualitativa significa, na esteira de nossaargumentao, o esforo jeitoso de formalizaoperante uma realidade tambm jeitosa. Trata-se de umaconscincia crtica da propenso formalizante da cincia,sabendo indigitar suas virtudes e vazios. Portanto, o quese ganha e se perde com cada mtodo. Ao mesmo tempo,

    uma pesquisa qualitativa dedica-se mais a aspectosqualitativos da realidade, ou seja, olha prioritariamente

    pa ra el es , sem desprezar os aspectos tambmquantitativos. E vice-versa.

    Se tomssemos o exemplo de uma anlise dodiscurso, o que buscamos sobretudo suas implicaeshermenuticas, que facilmente nos escapam ou soinvisveis/imperceptveis, quando no agem exatamente

    pela ausncia ou pelo silncio. Esta realidade to fortequanto arredia pode ser nosso objeto de anlise.Entretanto, para chegarmos l, mister antes catalogar o

    discurso, fazer uma exegese de frases e palavras,quantificar recorrncias, vocbulos, expresses maisfreqentes, no para ficarmos a, mas vermos melhor a

    partir da. Assim, quem sistematiza melhor, pode tervantagem. Um questionrio aberto pode ser a porta deentrada para um mundo de representaes sociais maissubjetivas, e por isso mais profundas e determinantes, medida que permite a fala descontrada, realista e natural,a no-linearidade de respostas sobre realidadestipicamente no-lineares. Mas, ainda assim ou

    precisamente por isso, precisa ser bem organizado egarantir, entre outras coisas, que em cada novo

    questionrio se trata do mesmo tema, da mesma pesquisa,da mesma anlise, ou seja, deve existir um contextosistemtico e lgico, at mesmo para podermos comparare inferir. erro crasso imaginar que de conversas soltas,amadoramente conduzidas ou mal conduzidas, se possaextrair alguma anlise mais profunda, ou que de algumas

    pessoas indagadas se possa inferir concluses que abalemo universo. Ademais, se no dado emprico, quantitativoou pretensamente quantitativo, a manipulao corre solta,que dizer de dados qualitativos desprovidos de ummnimo de sistematizao...

    Hoje podemos dizer - de boca cheia - que a

    qualidade est em primeiro lugar, seja pelas quimeras daqualidade total, seja pela saturao dos mtodosexcessivamente formalizantes e nisso empobrecedoresda realidade, seja porque precisamos avanar emhorizontes to intensos, quanto difceis de devassar. Ascincias fsicas e biolgicas acenam com umaaproximao sem precedentes. Todavia, no vai valer a

    pena trocar um exagero, por outro.Por fim, algo intrigante: grandes autores voltadospara realidades mais qualitativas, como Habermas e asdimenses de seu mundo da vida, ou os pesquisadoresda inteligncia, ou os bilogos e fsicos que buscam

    perscrutar a capacidade de aprendizagem da matria ede todo ser vivo, no recorrem aos ditos mtodosqualitativos que os cientistas sociais valorizam.Chomsky, por exemplo, reconhecido hoje como um dosautores mais sensveis qualidade democrtica dosEstados e governos, no usa tais metodologias. Muitasvezes se assacou contra pesquisadores latino-americanos

    que gostam de pesquisa qualitativa a acusao de queseria coisa do Terceiro Mundo. De fato, o mundodesenvolvido a maneja apenas marginalmente. A prpriaONU em seus Relatrios sobre DesenvolvimentoHumano, expressamente voltados para a qualidadehumana da populao, faz tudo isso com indicadoresclssicos, embora reconstrudos sob outros horizontes.Inclusive faz-se um ndice de desenvolvimento humano,que, a rigor, no pode ser medido.

    Sucede, a nosso ver, que tais pesquisadores nuncaabandonaram as vantagens da formalizao cientfica,quando feita com juzo. O ndice de desenvolvimento

    humano expressa muito menos uma medida, do queum composto de traos qualitativos numericamenteconstrudos. Neles exala-se menos a extenso, do que aintensidade do bem-estar. No fundo, temos o mesmo casonas notas que damos aos alunos. Alguns querem umameno, porque seria menos agressiva, ao no parecermedida. Na prtica medida, com todas as letras. Equando necessitamos de mdias, reduzimos menes anotas. Achar que sem rendimento ofende menos quezero, um prurido tolo, razo pela qual meno e notaso perfeitamente sinnimos. O que buscamos com ameno o mesmo que com a nota: uma expresso

    numrica, para fins de avaliao, de um composto dequalidades que um aluno tem. A expresso posta emtermos numricos para tornar-se mais visvel e talvezcompreensvel30.

    No faria mal se os pesquisadores sociais, porreconhecimento aos bons ventos que sopram do ladooposto, tambm valorizassem mais as habilidadesformalizantes da metodologia cientfica. Muitas vezes,adotamos certos modismos metodolgicos, porquedesconhecemos o cardpio variado disponvel orientado

    para realidades quali tat ivas, como hermenutica efenomenologia, j tradicionais.

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    QUALITATIVE RESEARCHSEARCH FOR EQUILIBRIUM BETWEEN FORM AND CONTENT

    The present study describes the change of expectation regarding qualitative research through post modernity evolution.The author focus on quality under several aspects, pointing out the practices and abuses in qualitative research.

    KEY WORDS: research, qualitative research

    PESQUISA CUALITATIVABUSCA DE EQUILBRIO ENTRE FORMA E CONTEDO

    Este artculo presenta una descripcin del cmbio de espectativa en lo que se refiere a la investigacin cualitativa atravs de la evolucin de la post-modernidad. Enfoca la calidad sobre vrios aspectos, apontando hacia los usos y abusos en lainvestigacin cualitativa.

    TRMINOS CLAVES: investigacin, investigacin cualitativa

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