Pedro de Araújo Fernandes A Judicialização da ...€¦ · nos governos FHC e Lula segundo...
Transcript of Pedro de Araújo Fernandes A Judicialização da ...€¦ · nos governos FHC e Lula segundo...
Pedro de Araújo Fernandes
A Judicialização da “Megapolítica” no Brasil: O Protagonismo do STF no Impeachment da Presidente Dilma Rousseff
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio
Orientador: Prof. José Maria Gómez Coorientador: Prof. José Ribas Vieira
Rio de Janeiro Abril de 2017
Pedro de Araújo Fernandes
A Judicialização da “Megapolítica” no Brasil: O Protagonismo do STF no Impeachment da Presidente Dilma Rousseff
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. José Maria Gómez
Orientador Departamento de Direito – PUC-Rio
Prof. José Ribas Vieira
Coorientador Departamento de Direito – PUC-Rio
Profª. Gisele Guimarães Cittadino
Departamento de Direito – PUC-Rio
Prof. João Feres Júnior
UERJ
Profª. Monica Herz
Vice-Decana de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 03 de Abril de 2017
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.
Pedro De Araújo Fernandes
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (2014). Candidato ao título de mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Tem como principal área de interesse a relação ente Direito e Política.
Ficha catalográfica
CDD: 340
Fernandes, Pedro de Araújo A Judicialização da “Megapolítica” no Brasil: O Protagonismo do STF no Impeachment da Presidente Dilma Rousseff./ Pedro de Araújo Fernandes; orientador: José Maria Gómez. – Rio de Janeiro PUC, Departamento de Direito, 2017. 98 f.; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito, 2017. Inclui Referências bibliográficas 1. Direito – Teses. 2. Judicialização; 3. Megapolítica. 4. Impeachment. 5. STF. 6. Legitimidade. I. Gómez, José Maria. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Direito. IV. Título.
Agradecimentos
Ao Prof. José Maria Gómez pelo apoio, troca de ideias e comentários de alta precisão.
Ao Prof. José Ribas Vieira pelo apoio, troca de ideias e pela oportunidade de colaboração.
A todos os Professores do Programa, pela qualidade do ensino.
Aos funcionários da Pós-graduação do Departamento de Direito da PUC-Rio pela
diligência e apoio.
À PUC-Rio pela confiança depositada e pelo auxílio prestado, o que possibilitou a
realização deste trabalho.
Aos meus familiares, pelo apoio direto e indireto.
Resumo
Fernandes, Pedro de Araújo; Gómez, José Maria. A Judicialização da “Megapolítica” no Brasil: O Protagonismo do STF no Impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Rio de janeiro, 2017. 98p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O Brasil passou, em 2016, por um processo de ruptura institucional. Esta
dissertação examina o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal no processo
que culminou com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff à luz do conceito de
“Judicialização da Megapolítica”, do cientista político Ran Hirschl. Através da análise
das decisões do STF e do contexto político em que elas foram tomadas, busco demonstrar
que esta corte adotou uma postura ativista que foi decisiva para a queda da ex-presidente.
Esta postura ativista do STF contou com o apoio das elites políticas, econômicas e sociais
nacionais, dado que abria caminho para viabilizar, de forma encoberta, uma agenda
política que fora seguidamente derrotada ao se apresentar mais abertamente nas disputas
eleitorais nacionais. Tal desfecho sugere que as leituras positivas do fenômeno da
judicialização da política na literatura nacional - no período em que ele se associava à
expansão de direitos nos marcos da democratização do país – podem ter subestimado os
riscos que esse processo representava para o próprio regime democrático ao se deslocar
para temas da megapolítica.
Palavras-Chave
Judicialização; Megapolítica; Impeachment; STF; Legitimidade.
Abstract
Fernandes, Pedro de Araújo; Gómez, José Maria (Advisor). The Judicialization of Megapolitcs in Brazil: The Protagonist Role of the Brazilian Supreme Court in the Impeachment of President Rousseff. Rio de janeiro, 2017. 98p. Dissertação de Mestrado –Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Brazil faced a major institutional rupture in 2016. This dissertation examines the
role played by the Brazilian Supreme Court (STF) in the process that led to the
impeachment of President Dilma Rousseff, based on Ran Hirschl’s concept of the
“Judicialization of Megapolitics”. I discuss the Court’s decisions and the political context
in which they were taken. Based on these, I argue that STF’s activist stance had a decisive
influence on the President’s dismissal from office. The Court’s activist stance had the
support of Brazil’s political, economic and social elites, who saw in it an opportunity to
forward, in a hidden fashion, a political agenda that had faced successive defeats in the
more open terrain of national elections. This outcome suggests that the more favorable
initial interpretations of the Judicialization of Politics in Brazilian Social Sciences
literature (when the phenomenon was generally associated to the expansion of citizen
rights in the context of democratization) might have underestimated the risks it entails for
democratic regimes when it penetrates the realm of Megapolitics.
Keywords
Judicialization; Megapolitics; Impeachment; Braziian Supreme Court (STF);
Legitimacy.
Sumário
1.Introdução 10
2. A Judicialização da Política: Panorama teórico 12
2.1. O surgimento do termo: A Judicialização da Política segundo Neal Tate e Torbjörn Vallinder 12
2.2. Diferentes abordagens 17
2.3. O panorama teórico no Brasil 19
2.3.1. A judicialização de “baixo para cima” de Luiz Werneck Vianna e Marcelo Burgos 19
2.3.2. O Ministério Público como protagonista da judicialização no entendimento de Rogério Bastos Arantes 23
2.3.3. Gisele Cittadino e a descontinuidade da história constitucional
brasileira 24
2.3.4. As críticas de Koerner e Maciel às análises de Werneck Vianna e de Rogério Arantes e ao próprio conceito de Judicialização da Política 27 2.3.5. O resgate do conceito por Alexandre Veronese 29
2.3.6. A perspectiva institucionalista de Ernani Carvalho 29
2.3.7. As diferenças e semelhanças da Judicialização da Política nos governos FHC e Lula segundo Matthew Taylor e Luciano Da Ros 30
2.3.8. Thamy Pogrebinschi e o falso silogismo da judicialização 31
2.3.9. A Crítica de Lênio Streck e a diferença entre ativismo e judicialização 34
2.3.10. A visão de Leonardo Avritzer e Marjorie Corrêa 35
3. Da Judicialização da Política à Judicialização da Megapolítica 37
3.1. O conceito segundo Ran Hirschl 37
3.2. As áreas da Judicialização da Megapolítica 40
3.3. As causas da Judicialização da Megapolítica 42
3.4. A Judicialização da Megapolítica no Brasil 44
4. O Processo de impeachment de Dilma Rousseff e o protagonismo
do STF 46
4.1. Determinantes políticas do impeachment 46
4.1.2. O contexto adverso do 2º mandato de Dilma Rousseff 46
4.1.3. O impeachment na agenda política 52
4.1.4. O programa Uma Ponte Para o Futuro 57
4.1.5. A prisão de Delcídio Amaral: A 1ª Judicialização da Megapolítica pelo STF no processo que levou ao Impeachment 61
4.2. A aceitação do pedido de impeachment e a definição da sua “natureza” 64
4.2.1. O vazamento das delações de Delcídio Amaral 69
4.2.2. A condução coercitiva de Lula e o pedido de prisão preventiva 70
4.2.3. A suspensão da nomeação de Lula como Ministro da Casa Civil: A 2ª Judicialização da Megapolítica pelo STF no processo que levou ao Impeachment 71
4.2.4. A admissão do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados 76
4.2.5. A suspensão do mandato de Eduardo Cunha: A 3ª Judicialização da Megapolítica pelo STF no processo que levou ao Impeachment 79
4.2.6. O afastamento da presidente Dilma Rousseff 83
4.2.7. As gravações de Sérgio Machado 84
4.2.8. A consumação do impeachment 85
4.3. A Judicialização da Megapolítica como viabilização e ocultação de determinado projeto político 86
5. Considerações finais 91
6. Referências bibliográficas 94
“O desafio feito à democracia foi respondido vigorosamente. Sua
recuperação tornou-se legítima através do movimento realizado pelas
Forças Armadas, já estando restabelecido o poder de governo pela
forma constitucional. ”
Ministro Ribeiro da Costa, presidente do Supremo Tribunal Federal, em 04 de abril de 1964.
1
Introdução
O presente trabalho busca analisar o papel desempenhado pelo Supremo
Tribunal Federal no processo que culminou com o impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff à luz do conceito de Judicialização da Megapolítica, do cientista
político Ran Hirschl. Este tipo de judicialização é fundamentalmente dependente
do apoio tácito ou explícito das elites políticas, econômicas e sociais.
Assim, através da análise das decisões do STF e do contexto político em que
elas foram tomadas busco demonstrar que esta corte adotou uma postura ativista
que foi decisiva para a queda da ex-presidente e que esta postura, longe de poder
ser explicada através de uma predisposição psicológica ou comportamental dos
juízes, é fruto de determinantes políticas mais amplas.
No capítulo 2 abordo a discussão teórica sobre a judicialização da política e
faço uma breve revisão de literatura. Parto da formulação conceitual de Neal Tate
e Torbjörn Vallinder e passo para o panorama teórico brasileiro. Exponho o diálogo
travado entre eles e destaco os pontos principais de suas teorias. Esta revisão de
literatura não é exaustiva, posto que isto demandaria um trabalho próprio com este
fim, mas busco captar os principais argumentos dos autores brasileiros e contrastá-
los com a experiência recente de judicialização no país.
No capítulo 3 apresento o conceito de Judicialização da Megapolítica segundo
Ran Hirschl e listo suas subdivisões e as condições políticas e institucionais
necessárias para a ocorrência do fenômeno. Verifico, também, a sua existência no
Brasil e, seguindo categorias estabelecidas pelo cientista político canadense,
destaco a tendência à mudança no tipo de judicialização, que passa de uma
judicialização das políticas públicas com foco na conquista de direitos para uma
judicialização de questões políticas centrais.
No capítulo 4 abordo o impeachment da presidente Dilma Rousseff,
descrevendo os desenrolar deste processo e destacando o contexto e os
acontecimentos políticos que levaram à sua queda. Neste capítulo demonstro o
papel crucial desempenhado pelo STF, principalmente através de três decisões
11
específicas, e demonstro o grande impacto político e sobre a opinião pública
produzido por estas decisões. Caracterizo tais decisões como casos de
judicialização da megapolítica, segundo o conceito de Hirschl. Por fim, associo a
ocorrência deste tipo de judicialização à concretização de determinada agenda
política, agenda esta que, após quatro derrotas eleitorais sucessivas, enfrentava
sérias dificuldades para se tornar vitoriosa ao se apresentar abertamente como
alternativa na disputa político eleitoral regular do regime democrático. Por isso,
afirmo que a judicialização da megapolítica teve uma função de viabilização e
ocultação desta agenda.
No capítulo 5 teço as considerações finais. Volto a examinar os debates
teóricos em torno do conceito de judicialização da política, discutidos nos capítulos
2 e 3, à luz da análise da postura ativista assumida pelo STF no processo de
impeachment da presidente Dilma, desenvolvida no capítulo 4. Aponto, ainda, para
a possibilidade desta postura ativista do STF acabar enfraquecendo as bases que
possibilitaram esse mesmo ativismo, ou seja, para a possibilidade de contribuir para
o enfraquecimento dos fatores políticos e institucionais que produziram a
judicialização da política no Brasil. Destaco, neste sentido o já existente backlash
da elite política.
2
A Judicialização da Política: Panorama teórico
2.1
O surgimento do termo: A Judicialização da Política segundo Neal
Tate e Torbjörn Vallinder
A judicialização da política é um dos fenômenos mais marcantes do final do
século XX e começo do século XXI. Neste período ocorreu, em todo o globo, uma
transferência significativa de poder para o Judiciário, que passou a ter poder de
decisão sobre temas tradicionalmente reservados à esfera política, tais como a
formulação e aplicação de políticas públicas, a resolução de questões moralmente
complexas, a definição e a organização do regime político de um país, entre outros.
O fenômeno, de dimensões globais, ocorre em países tanto da civil law como da
common law, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, em países do
Ocidente e do Oriente.
Para explicitar a dimensão internacional do fenômeno listo os seguintes
exemplos: o restabelecimento, pela Corte de Apelação, de uma Constituição
derrubada por um golpe de Estado no Fiji; a judicialização das políticas públicas
relacionadas à saúde no Brasil, com aumento exponencial dos gastos do governo
com demandas judiciais por medicamentos; a Restituição, na Coréia do Sul, de um
presidente que havia sofrido impeachment; a corte russa, que se julgou competente
para apreciar a constitucionalidade da intervenção militar na Chechênia; entre
outros.
O termo ganhou grande notoriedade internacional com a publicação do livro
The Global Expansion of Judicial Power, organizado por Neal Tate e Torbjörn
Vallinder. O livro contém uma coletânea de textos que tratam da expansão do poder
judiciário em vários países. Esta obra merece destaque não só por ter sido o trabalho
que disseminou o termo “Judicialização da Política”, mas também pelo contexto
em que que foi produzida, que se assemelha, em muitos aspectos, ao contexto que
13
levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. A maioria destes textos foram
apresentados em um encontro na Itália organizado pela Universidade de Bolonha
em junho de 1992, período em que a operação Mani Pulite estava começando. Na
parte introdutória do livro os autores fazem uma observação sobre o judiciário
italiano que poderia se referir ao judiciário brasileiro no contexto da operação lava-
jato:
“No continente, as atividades do “judiciário peculiar” italiano têm sido, para melhor ou para pior, amplamente responsáveis pela exposição e pelo combate a padrões de corrução de larga-escala que lançaram o país inteiro em uma turbulência política que está destruindo, talvez permanentemente, a estruturas básica da política e do governo italianos. Embora o judiciário americano tenha saído do escândalo de Watergate com uma reputação melhor do que outras instituições, esta reputação, entretanto, empalidece diante da enorme popularidade e do status de celebridade, alcançados nos últimos anos, pelo magistrado italiano.” 1
O livro é divido em 5 partes. A primeira parte, escrita por Tate e Vallinder,
define o conceito de judicialização da política e apresenta as condições
institucionais e comportamentais que, do ponto de vista dos autores, levam ao seu
desenvolvimento. As partes 2, 3 e 4 são compostas por textos de diversos autores
que tratam, respectivamente, da judicialização em democracias de língua inglesa
que adotam a common-law, em democracias europeias que adotam a civil-law - com
vários capítulos sobre o caso italiano - e da judicialização em comunidades políticas
voláteis, como os países do ex-campo comunista e as democracias frágeis da Ásia
e da África. Na última parte os autores fazem uma conclusão em que apontam a
intensificação do fenômeno da judicialização devido, principalmente, ao
fortalecimento da democracia liberal como forma de governo. Assim como na parte
introdutória, na conclusão do livro os autores dão destaque para a operação Mani
Pulite e fazem uma observação que poderia servir para o Brasil atual:
“As consequências da judicialização italiana ainda estão sendo produzidas, mesmo no período em que este livro foi publicado, nos escândalos de corrupção, nas revelações, e nos julgamentos que têm atormentado a Itália por um longo período (...) Nós identificamos que os “juízes” que estão por detrás desta revolução são, na verdade, “promotores”, pelo menos de acordo com o significado que o termo possui
1TATE, Neal; VALLINDER, Torbjörn. The Global Expansion of Judicial Power. New York: New York University Press, e-Book 17-18, 1997, tradução minha. Texto original: “On the continent, the activities of Italy’s “peculiary judiciary” have been, for better or worse, largely responsible for publicizing and prosecuting patterns of large-scale corruption that have thrown the whole country into a political turmoil that is shattering, perhaps permanently, the basic structure of Italian politics and government. Although the American judiciary came out of Watergate scandal with a better reputation than the other institutions, this reputation would nevertheless pale in comparison to the outright popularity and celebrity status developed in recent years by some of the Italian magistracy.”
14
para os americanos (...) Finalmente, perpassando todas estas contribuições, mas especialmente as de Di Federico e Guarnieri, há a preocupação de que a expansão dos poderes de juízes irresponsáveis e quase absolutamente independentes esteja causando sérios danos às liberdades dos italianos.” 2
A Judicialização da política, segundo Tate têm suas raízes mais profundas no
caso Marbury V. Madison em 1803, momento em que se firmou o princípio da
supremacia da Constituição. Mas o papel das Cortes e juízes se expandiu fortemente
apenas após a 2ª Guerra Mundial. Segundo Tate, algum nível de judicialização da
política ocorreu em muitos países no pós-guerra. A tragédia do nazi-fascismo -
nascido na própria democracia representativa – a consolidação dos Estados Unidos
como principal superpotência, país que deu origem ao controle de
constitucionalidade, entre outros fatores, fizeram o princípio da supremacia
constitucional se espalhar por muitas democracias ocidentais e que ocorresse, em
alguma medida, a judicialização da política. No entanto, foi no final do Século XX,
com a terceira onda de democratização e o fim da URSS, que o fenômeno adquiriu
maior relevo.
No livro, Vallinder define a judicialização da seguinte forma:
“1. O processo pelo qual os tribunais e juízes passam a definir ou cada vez mais a dominar a definição de políticas públicas que, anteriormente, haviam sido definidas (ou, acredita-se, devem ser definidas) por outras agências governamentais, especialmente do Legislativo e do Executivo, e 2. O processo pelo qual os fóruns não judiciais de negociação e de tomada de decisão passam a ser dominados por regras e procedimentos quasi-judiciais (legalistas).” 3
As condições listadas pelos autores como facilitadoras da expansão do Poder
Judiciário são as seguintes:
Democracia: A existência de um governo democrático é considerada pelos
autores como uma condição necessária, mas não suficiente. Eles chamam
2 Ibid. P. 534, tradução minha. Texto original: “The consequences of Italian judicialization are still being played out, even as this book goes to press, in the corruption scandals, the revelations, and the trials that have racked Italy for an extended period (…) We recognize that the “judges” who are behind this revolution are actually “prosecutors,” at least as Americans would understand that term (…) Finally, running throughout all these contributions, but especially those of Di Federico and Guarnieri, is a concern that the expansion of the power of almost completely independent and irresponsible judges is causing serious harm to the liberties of Italians.” 3 Ibid. P. 41-42, tradução minha. Texto original: “1. The process by which courts and judges come to make or increasingly to dominate the making of public policies that had previously been made (or, it is widely believed, ought to be made) by other governmental agencies, especially legislatures and executives, and 2. The process by which nonjudicial negotiating and decision-making forums come to be dominated by quasi-judicial (legalistic) rules and procedures.”
15
atenção para o fato de que, embora a principal crítica à judicialização seja
direcionada à ameaça que ela oferece aos fatores essenciais da democracia, é
praticamente impensável que a judicialização ocorra em um sistema não
democrático.
Separação de Poderes: Os tomadores de decisão em uma estrutura de
governo com separação de poderes têm mais condições de competir com o
Executivo e o Legislativo. No entanto, esta é uma condição tida pelos autores
como facilitadora, mas não como necessária, e muito menos suficiente.
Política de direitos: Esta é uma condição considerada muito importante pelos
autores. Uma política de direitos é identificada por Tate como a aceitação do
princípio de que as minorias podem afirmar seus direitos frente à vontade da
maioria, princípio este que fica fortalecido se existe uma Constituição com
muitos direitos garantidos. Se a legitimidade política está associada a uma
política de direitos, os procedimentos utilizados pelas Cortes, que são atores
centrais deste tipo de política, absorvem esta legitimidade e se tornam
referências nos fóruns não judiciais. Além disso, neste contexto os juízes se
fortalecem, pois eles estão em uma posição institucional privilegiada para
produzir regras que favorecem as minorias.
Uso das Cortes por grupos de interesses: Tate afirma que a judicialização
da política não se desenvolve isoladamente dos interesses sociais e
econômicos que estruturam o sistema político. Neste sentido, grupos de
interesse que consideram processos de tomada de decisão majoritários
desvantajosos podem ver nas Cortes uma oportunidade de realizar seus
objetivos e podem passar a revestir a defesa de seus interesses com a
linguagem da defesa de direitos.
Uso das Cortes pela oposição: Tate afirma que a oposição política
frequentemente judicializa a política recorrendo às Cortes para desgastar e
obstruir o governo.
Instituições Majoritárias Ineficazes: Partidos políticos e governos fracos
são mais vulneráveis às ações jurídicas por parte de grupos de interesse e da
16
oposição. A ausência de suporte político e popular estimula estes grupos a
judicializarem as disputas políticas.
Percepção das instituições que formulam as políticas públicas:
Relacionada à condição acima listada, funcionando ao mesmo tempo como
causa e consequência dela, está a percepção do público e das elites em relação
aos três Poderes. Quando o público, os líderes de grupos de interesses e as
principais instituições sociais e economias passam a enxergar as instituições
majoritárias como imobilizadas ou corruptas eles podem passar a atribuir
maior legitimidade à formulação das políticas públicas por parte do judiciário.
Delegação pelas Instituições Majoritárias: Muitas vezes os tomadores de
decisão eleitos optam, estrategicamente, por não enfrentar determinadas
questões, pois os custos políticos associados ao seu enfrentamento são muito
altos, e delegam às Cortes – ainda que nem sempre explicitamente - a
autoridade para enfrentar tais questões. O autor afirma que esta delegação
costuma existir no contexto da política de direitos e que, se por um lado ela
pode representar a ineficiência das instituições majoritárias, por outro ela
pode ser vista como uma forma de preservar sua eficiência, já que tais
questões desgastariam estas instituições.
Tate considera que é muito improvável que a judicialização se desenvolva
sem as condições listadas acima mas afirma que, mesmo com a presença de todas
elas, a judicialização só ocorre realmente se os juízes decidirem que eles devem
participar na formulação de políticas, ou seja, se existe uma predisposição ao
ativismo judicial:
“Sob condições favoráveis, a judicialização se desenvolve apenas porque os juízes decidem que devem (1) participar da elaboração de políticas que poderiam ser deixadas à discrição sábia ou tola de outras instituições e, pelo menos ocasionalmente, (2) substituir as políticas elaboradas por outras instituições pelas políticas elaboradas por eles.”4
Para Tate as duas variáveis centrais na decisão do juiz de se envolver na
elaboração de políticas públicas são o nível de ativismo do juiz e as suas
4 Ibid. P.46-47, tradução minha. Texto original: “Under otherwise favorable conditions, judicialization develops only because judges decide that they should (1) participate in policy-making that could be left to the wise or foolish discretion of other institutions, and, at least on occasion, (2) substitute policy solutions they derive for those derived by other institutions.”
17
preferências pessoais em relação às políticas públicas. Juízes ativistas cujas
preferências são incompatíveis com os valores dominantes das instituições
majoritárias estão mais dispostos a promover a judicialização da política. Assim,
juízes ativistas conservadores tendem a judicializar a política se as instituições
majoritárias são dominadas por progressistas, e o contrário também é verdadeiro.
2.2
Diferentes abordagens
Desde então o conceito de judicialização da política se disseminou
intensamente e foi utilizado por cientistas políticos e juristas de diversos países,
como Martin Shapiro5, Ran Hirschl, Mark Tuschnet6, Tom Ginsburg7, John
Ferejhon8, entre outros. As chaves teóricas para explicar o fenômeno são variadas.
Ran Hirschl, principal referência teórica deste trabalho, divide as tentativas de
explicar o fenômeno da judicialização em 4 abordagens diferentes: Abordagens
funcionalistas, abordagens institucionalistas, abordagens centradas nos direitos e
abordagens centrada nas Cortes.9
As abordagens funcionalistas atribuem centralidade à proliferação, nas
últimas décadas, de agências reguladoras e entidades administrativas
semiautônomas, o que cria uma necessidade de coordenação das mesmas. Este
papel que é desempenhado por um Judiciário independente, forte, e munido de
mecanismos eficazes de judicial review. Esta é a abordagem de Martin Shapiro.
Nesta mesma categoria Hirschl coloca as explicações que atribuem a judicialização
5 SHAPIRO, Martin. On Law, Politics, and Judicialization. New York: Oxford University Press. 2002. 6TUSCHNET, Mark. “Political power and judicial power: some observations on their relation.” Fordham Law Review, vol.75, n.2, article 15, Disponível em <http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol75/iss2/, p. 755-768, 2006.> 7 GINSBURG, Tom. “The Global Spread of Constitucional Review”. In: WHITTINGTON, K; KELEMAN, D. (eds) The Oxford Handbook of law and politics. Chicago Unievrsity Press. Disponível em <http://works.bepress.com/tom_ginsburg/77/ 2008> 8 FEREJHON, John. “Judicializing Politics, Politicizing Law” Law and contemporary problems. Vol. 65, n. 3, p.41-68, 2002. Diponível em <http://www.law.duke.edu/journals/65LCPFerejohn> 9 HIRSCHL, Ran. “The Judicialization of Megapolitics and the Rise of Political Courts.” Annual
Review of Political Science. Vol. 11, 2008. Disponível em <https://ssrn.com/abstract=1138008>
18
ao aumento da complexidade e da contingência das sociedades modernas, de Niklas
Luhmann, e à ampliação do welfare state, de Jürgen Habermans.
As abordagens centradas nos direitos enfatizam a prevalência do discurso de
direitos e a consciência dos mesmos, o que, concomitantemente, contribui e é
reflexo de um tipo de judicialização vinda de “baixo para cima”. Este tipo de
judicialização tende a ocorrer quando os indivíduos confiam no Poder Judiciário e
consideram os meios jurídicos como mais eficazes do que os meios que envolvem
barganhas políticas. A tendência, então, é que o Judiciário se expanda e ocupe
espaços que tradicionalmente não ocupava. Para Hirschl esta é a abordagem de Tate
e Vallinder, na qual a ‘política de direitos’ aparece como uma condição de muita
importância, conforme demonstrado anteriormente. Hirschl também identifica este
tipo de judicialização com a “Revolução de Direitos” de Charles Epp, apesar do
termo judicialização da política não ter sido utilizado por ele. O que Epp chama de
revolução de direitos é o processo de transformação ocorrido nos anos 1960 e 1970
através do qual a Suprema Corte Americana passou a se proclamar guardiã dos
direitos individuais dos cidadãos comuns, expandindo e criando novos direitos
constitucionais.10 Processos parecidos ocorreram em outros países e, longe de
serem frutos de um judiciário ativista, para Epp eles são frutos da democratização
do acesso às Cortes e da pressão exercida por grupos organizados e advogados com
uma agenda de direitos.
As abordagens institucionalistas enfatizam os fatores institucionais que
favorecem a judicialização. Tais abordagens costumam listar um regime
democrático, a existência de separação de poderes e a existência de judicial reviews
como condições necessárias ou como condições muito importantes para que o
fenômeno ocorra.
Por último, as abordagens centradas nas Cortes destacam o papel dos juízes e
tribunais na expansão do Poder Judiciário. Esta costuma ser a abordagem utilizada
pelos teóricos que identificam uma usurpação dos poderes de oficiais eleitos por
parte de juízes ativistas, ilustrando as dificuldades contramajoritárias do fenômeno
10 EPP, C. The Rights Revolution: Lawyers, Activists and Supreme Courts in Comparative Perspective. Chicago: Univ. Chicago p. 2, Press 1998. Disponível em <www.unr.edu/justicestudies/.../Epp%20Rights%20Revolution.pdf.>
19
da judicialização. Entre eles Mark Tushnet11, Jeremy Waldron12 e Larry Kramer13.
A crítica gira em torno do comportamento de juízes “sedentos por poder” que têm
pouca consideração pela separação de poderes e que não se sentem limitados pelos
ditames constitucionais.
2.3
O panorama teórico no Brasil
O termo judicialização da política foi utilizado pela primeira vez Brasil por
Marcus Faro de Castro em um artigo de 1996 intitulado “O Supremo Tribunal
Federal e a Judicialização da Política’, no qual Castro argumenta que o STF pouco
interfere nas políticas públicas, com exceção da política tributária.14 No entanto, o
termo ganhou relevo na literatura política e jurídica brasileira principalmente por
meio da publicação, em 1999, do livro A Judicialização da Política e das Relações
Sociais no Brasil, de autoria de Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de
Carvalho, Manuel Palacos Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos.
2.3.1
A judicialização de “baixo para cima” de Luiz Werneck Vianna e
Marcelo Burgos
Em A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil, uma obra
seminal sobre o tema, Vianna et. al. consideram o fenômeno promissor diante da
realidade brasileira. Segundo os autores criou-se em torno do Poder Judiciário uma
11 TUSCHNET, Mark. “Political power and judicial power: some observations on their relation”. Fordham Law Review, vol.75, n.2, article 15, Disponível em: http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol75/iss2/, p. 755-768, 2006. 12 WALDROM, J. “The core of the case against judicial review”. The Yale Law Journal. 115:1346-1406. 2016. Disponível em <http://cddrl.fsi.stanford.edu/sites/default/fileswaldron _core_of_the_case_against_judicial_review.pdf> 13 KRAMER, L. The People Themselves: Popular Constitutionalism and Judicial Review. New York: Oxford Univ. Press. 2004. 14 CASTRO, Marcus F. “O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da Política”. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, vol.12, n.34, p. 147-156, 1997.
20
nova arena pública externa ao circuito clássico “sociedade civil-partidos-
representação-formação da vontade majoritária”. Nesta nova arena os
procedimentos judiciais de mediação substituem os políticos, expondo o Poder
Judiciário à ação direta de indivíduos e grupos sociais. Esta realidade, dominante
nos países ocidentais, dá origem a novos personagens, chamados de os “guardiões
de promessas”, que são os magistrados e os membros do ministério público.
Os autores destacam que, não obstante o reconhecimento comum entre os
teóricos sobre o papel invasivo do direito nas instituições e na sociabilidade,
existem dois eixos de entendimento que divergem sobre a repercussão deste
processo. Para o eixo designado como procedimentalista, associado a Habermas e
Garapon, a invasão da política pelo direito é um sintoma da patologia da vida social
moderna. Ela representa profundos perigos, levando à perda da liberdade, à
privatização da cidadania, na caracterização de Habermas, e à clericalização da
burocracia, na de Garapon. Tais perigos, segundo o autor, remontam às previsões
de Tocqueville de que o avanço da igualdade enfraqueceria os ideais de liberdade.
Para o eixo substancialista, associado a Cappelletti e Dworkin, o Judiciário deve
assumir o papel de intérprete que põe em evidência a vontade geral implícita no
direito positivo. Essa vontade, que pode ser entendida à maneira da Vontade Geral
rousseauneana, é bloqueada pelas circunstância próprias à sociabilidade e à política
no mundo contemporâneo, “encontrando expressão em personagens e instituições
cuja história particular se apresentaria como resultado de conquistas da ideia do
justo positivadas no direito e enraizadas na cultura jurídica.”15 Os autores deste
eixo, segundo Vianna et. al., não estão em linha de continuidade com o
republicanismo democrático herdado da Revolução Francesa, se aproximando das
concepções não revolucionárias de modernização características do mundo anglo-
saxão. Tais autores possuem uma perspectiva pragmática na qual a democracia
representativa é tida como insuficiente para promover a razão e a justiça. Isso faz
com que o Poder Judiciário seja visto para além das funções clássicas de checks and
balances.
15 WERNECK VIANNA. L. et al. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: REVAN, 1999. P. 38.
21
Analisando o fenômeno da judicialização na realidade nacional – segundo o
autor já totalmente internalizado pela moderna sociedade brasileira16 - Vianna et.
al. se opõem à concepção de que ele é um sintoma de uma patologia. Ao contrário,
a judicialização é vista como um fenômeno de construção de uma agenda cívica, de
própria criação da República onde ela era inexistente. Os autores afirmam que a
judicialização da política no Brasil está inserida em um contexto institucional em
que as maiorias efetivas da população são reduzidas a minorias parlamentares na
qual uma vida associativa, reprimida por décadas de regime militar, se esforça para
aproveitar qualquer canal através do qual possa expressar suas demandas. Para
Vianna o Brasil é um país retardatário no qual, por motivos pragmáticos, a
judicialização se faz ainda mais necessária para realizar os interesses da cidadania,
bem-estar e justiça. “A política se judicializa a fim de viabilizar o encontro da
comunidade com seus propósitos, declarados formalmente na Constituição.”17
Segundo os autores a Constituição brasileira de 1988 incorporou os princípios
do constitucionalismo comunitário, em que a Constituição é pensada como um
sistema aberto a ser reinterpretada pela comunidade de intérpretes, em detrimento
do sistema fechado. Neste sentido, o modelo de controle de constitucionalidade
abstrato adotado, com uma ampla comunidade de intérpretes prevista no art 103,
constitui o principal fator institucional responsável pelo fenômeno da judicialização
da política.
Na visão dos autores a judicialização da política permite uma conexão entre
a democracia representativa e a democracia participativa, os dois tipos de
democracia previstos na Constituição que não estão em contradição formal ou
substancial. Assim, a judicialização é vista como fenômeno contrastante com um
contexto de empiria adversa que produz obstáculos para que a maioria crie seus
direitos.
O livro, além da contribuição teórica, oferece uma rica contribuição empírica,
com uma extensa pesquisa sobre as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs)
ajuizadas entre 1988 e 1998. A pesquisa indica que o STF tem evitado o ativismo
judicial, embora exista uma tendência para uma adesão ao papel de guardiã dos
16 Ibid. P. 257. 17 Ibid. P. 40.
22
direitos fundamentais. Por meio da análise das ADIs os autores observam que, neste
período, os partidos políticos e os sindicatos se consolidaram no papel de intérpretes
da Constituição, fato devido, em grande parte, ao uso abusivo de medidas
provisórias pelo governo FHC, o que para o autor confirma a hipótese de Tate e
Vallinder sobre a judicialização como recurso das minorias parlamentares contra a
maioria. As ADIs de partidos políticos são, para Vianna, um indicador clássico da
judicialização da política.18
Posteriormente, em A Revolução Processual do Direito e Democracia
Progressiva, Luiz Werneck Vianna e Marcelo Burgos não utilizam a nomenclatura
“Judicialização da Política” e adotam o termo “Revolução Processual do Direito”.
Aqui o fenômeno é aproximado do conceito gramsciano – muito utilizado por
Vianna - de americanismo, operando não no mundo da produção, como
originalmente concebido, mas no mundo das instituições do direito:
“Se o americanismo, tal como Gramsci o conceituou nos anos 30, deve ser compreendido como a criação da sociedade por si mesma, com “requerimentos mínimos de intermediários profissionais da política e da ideologia”, a relação de homologia entre o homem comum e as instituições do direito em torno do princípio da igual-liberdade bem pode conceder ânimo novo àquela construção.19
Os autores também fazem uma aproximação com o conceito de “soberania
complexa” de Pierre Rosanvallon. Eles consideram que esta revolução teria criado
espaço para a realização de uma soberania que combina duas formas de
representação, a funcional e a política. Ademais, as ações coletivas ganham
destaque como instrumentos de acesso à justiça. O Ministério Público, legitimado
neste tipo de ação, é compreendido no seu papel de mediador entre os agentes socais
e os poderes políticos e de coordenador das diversas agências estatais.
18 Ibid. P. 95. 19 VIANNA, Luiz Werneck. Americanismo e Direito. Disponível em <
http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=429>
23
2.3.2
O Ministério Público como protagonista da judicialização no
entendimento de Rogério Bastos Arantes
Contrastando com o registro otimista de Vianna e Burgos sobre o fenômeno,
o cientista político Rogério Bastos Arantes faz uma análise consideravelmente mais
pessimista. O autor atribui centralidade destacada ao papel desempenhado pelos
membros do Ministério Público na judicialização da política no Brasil. Arantes
considera, em análise comparada com as demais democracias, que o Brasil se
destaca como possuidor dos elementos normalmente identificados como causadores
da judicialização:20 O país tem um extenso rol de direitos garantidos na
Constituição, muitos grupos de interesse que buscam soluções judiciais para
conflitos coletivos e um sistema político caracterizado por coalizões frágeis e por
oposições políticas que constantemente provocam o Judiciário. Além destes
elementos, o Brasil possui um modelo constitucional que delega ao Judiciário e ao
ministério Público o papel de protetores dos interesses públicos e privados. Fazendo
referência às condições listadas na obra de Tate e Vallinder21, Arantes observa que
a judicialização da política só é completa quando os atores do sistema judicial estão
dispostos a se tornarem responsáveis pela implementação de direitos e pela
resolução de conflitos sociais, ou seja, quando existe uma postura ativista por parte
destes atores. Neste sentido, no cerne da judicialização da política no caso brasileiro
o autor identifica o ativismo judicial do Ministério Público.
Segundo o autor os membros do Ministério Público costumam possuir uma
ideologia do ‘voluntarismo político’, que “incorpora a crença de que a instituição
tem um papel protetivo em uma sociedade que é incapaz de se defender em um
contexto em que os poderes políticos representativos estão corrompidos ou
incapazes de cumprir seus deveres.”22 Ou seja, a sociedade brasileira seria
20 ARANTES, Rogério. B. Constitucionalism, “The Expansion of Justice, and the Judicialization of Politics in Brazil”. In: SIEDER, et al (eds) The Judicialization of Politics in Latin America. New York: Palgrave: 2005. E-book, 2005. 21 Apesar de fazer referência a Tate e Vallinder é importante destacar que, na obra destes autores, conforme demonstrado anteriormente, o ativismo como componente da judicialização se refere ao juízes, não a outros atores do sistema judicial. 22 Tradução livre. Original: With respect to the members of the MP, qualitative research indicates that their ideologies can be classified as one of “political voluntarism”, which embodies a belief in
24
“hipossuficiente”. Caberia ao Ministério Público preencher este fosso existente
entre a sociedade e Estado. Assim, o Ministério Público considera-se um legitimo
representante da sociedade embora não esteja sujeito a um controle político ou
eleitoral. Para Arantes o mesmo quadro institucional que possibilita a judicialização
dos conflitos políticos produz uma judicialização da instituição do Ministério
Público:
“Se este novo quadro institucional, associado ao voluntarismo dos membros do MP, representa uma possibilidade de judicialização dos conflitos políticos, de outro lado isto tem significado também uma crescente politização da instituição, e em duplo sentido: do ponto de vista do arranjo institucional de poderes, o MP rompeu o isolamento do sistema judicial para se constituir em ator relevante no processo político, interferindo muitas vezes de modo decisivo na dinâmica entre os poderes; internamente, a politização também vem ocorrendo no sentido de um posicionamento ideológico de seus integrantes diante dos desafios de redução de desigualdades sociais e ampliação da cidadania.”23
Isto, para Arantes, é potencialmente explosivo:
“Independente das indefinições restantes desse novo quadro institucional, o fato é que a politização de suas atribuições e o voluntarismo de seus integrantes transformaram o Ministério Público em um dos agentes principais do processo político no país. Seu combustível, embora reciclado, tem alto poder de explosão: a crença de que a sociedade civil é hipossuficiente, de que os poderes políticos estão degenerados, e alguém precisa fazer alguma coisa.”24
2.3.3
Gisele Cittadino e a descontinuidade da história constitucional
brasileira
Gisele Cittadino afirma as potencialidades do “constitucionalismo
democrático” no Brasil e, também, chama a atenção acerca dos riscos, para uma
sociedade democrática, de se confundir a política com o direito. Para Cittadino é
um erro associar judicialização a um “fim da política”. Uma idade racional do
direito não substitui uma idade teleológica da política.
the institution’s protective role in a society that is incapable of defending itself and in the context of a representative political power that is corrupt or incapable of fulfilling its duties. 23 ARANTES, Rogério Bastos. “DIREITO E POLÍTICA: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 39, 1999 P. 98. 24 Idem.
25
Cittadino destaca as críticas feitas por autores alemães à visão substancialista
de Ronald Dworkin afirmando, no entanto, que isso não significa um retorno a um
positivismo que represente a separação entre moral, direito e política. A autora
considera que Habermas é quem melhor estabelece um diálogo com Dworkin por
destacar que o modelo hermenêutico proposto pelo norteamericano Ronald
Dworkin está ancorado na confiança depositada nas tradições e práticas
constitucionais dos Estados Unidos. Assim, em países em que não é possível se
apoiar na “confiança antropológica nas instituições” é necessário apoiar-se no
“patriotismo constitucional”.25 O patriotismo constitucional é o caminho através do
qual devemos “separar o ideal político de uma co-associação voluntária de cidadãos
que, reciprocamente, se reconhecem como autores e destinatários do seu próprio
direito, de uma eticidade concreta associada a valores compartilhados,
especialmente nos casos em que não se pode confiar em tradições comuns e
continuidades históricas.”26 Este patriotismo constitucional se fundamenta em uma
identidade política pós-nacional ancorada em uma “nação de cidadãos”, e não em
uma “nação de cultura”, própria de um mundo em que os indivíduos não integram
sólidas comunidades étnica ou culturais.
Para Cittadino a “linguagem de direitos” foi definitivamente incorporada ao
debate público e ao ordenamento jurídico.27 A principal referência desta
incorporação é a Constituição de 1988, que internalizou todos os direitos da
Declaração Universal dos Direitos humanos da ONU, e que tem o sistema de
direitos fundamentais como seu núcleo básico. Determinados princípios foram
incorporados pela Constituição tanto como fundamentos (art. 1º)28 e como objetivos
(art. 3º)29 da República Federativa do Brasil. Estes se tornam “normas-princípios”,
orientadores da própria interpretação do ordenamento constitucional.
25 CITTADINO, Gisele. “Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de Poderes”. In: A democracia e os três poderes no Brasil. Org: VIANNA, Luiz Werneck. Belo Horizonte: UFMG/IUPERJ, 2002 P. 21. 26 Ibid. P.22. 27 Ibid. P. 25. 28 CF. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 29 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza
26
Ainda, Cittadino destaca o conflito existente entre a tradição positivista do
pensamento jurídico brasileiro, na qual a Constituição é um “sistema fechado”
voltado para a garantia da autonomia individual, e os representantes do
constitucionalismo democrático, como José Afonso da Silva e Carlos Roberto
Siqueira, que concebem a constituição como um “sistema aberto” em relação aos
conteúdos normativos, extranormativos e metanormativos. “Esta abertura permite
que permite que cidadão, partidos políticos, associações, etc. integrem o círculo de
interpretes da Constituição, democratizando o processo interpretativo (...) e, ao
mesmo tempo, concretizando a constituição.” 30
Esta concretização depende da efetividade do sistema de direitos
constitucionalmente assegurados. Estes direitos, entretanto, têm uma função
programática, possuindo uma regulamentação imperfeita e incompleta. Assim, para
concretizá-los é necessária a criação de uma série de instrumentos procedimentais
que, através da sua utilização pelo círculo de interpretes da Constituição, asseguram
a efetividade dos direitos fundamentais. Neste sentido, adquire proeminência o
sistema de controle de constitucionalidade e, particularmente em relação aos
direitos econômicos e sociais, cuja eficácia depende necessariamente da atuação do
legislador ordinário, a capacidade de controle das omissões do Poder Público. “O
constitucionalismo democrático brasileiro defende uma jurisdição constitucional
que atue como regente republicano das liberdades positivas”31
Entretanto, Cittadino destaca que o constitucionalismo “comunitário”
brasileiro parece ignorar as rupturas das continuidades históricas e, também, a
moralidade pós convencional, que constitui a base do patriotismo constitucional. O
constitucionalismo comunitário conta com um consenso cívico e atribui-lhe um
conteúdo ético substantivo. Diante da ausência de confianças nas tradições e da
dimensão perversa do pluralismo social no Brasil, Cittadino considera “mais
razoável uma posição mais próxima de Habermas, pela qual é possível lutar pela
conformação de uma identidade comum, desde que possamos adotar uma
e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 30 Ibid. P.31. 31 Ibid. P.34.
27
compreensão procedimental da Constituição e não toma-la como uma ordem
concreta de valores.”32
Neste sentido, apesar de considerar que o processo de judicialização tem
espaço em uma sociedade que valoriza a associação entre direito legítimo e
democracia, Cittadino salienta os perigos de que a judicialização se volte contra o
“império da lei” e seus fundamentos democráticos. A autora afirma que, a despeito
da inevitável “criatividade” da interpretação constitucional, os tribunais devem
proferir “decisões corretas” e não se envolver na tarefa de criação de direito
partindo de preferências próprias. Assim sendo, o processo de judicialização não
deve invocar o domínio dos tribunais mas, ao contrário, a atuação dos tribunais
“depende do nível de pressão e mobilização política que sobre eles se fizer.”33
2.3.4
As críticas de Koerner e Maciel às análises de Werneck Vianna e de
Rogério Arantes e ao próprio conceito de Judicialização da Política
As diferenças nas leituras de Arantes e Vianna são destacadas por Débora
Maciel e Andrei Koerner em “Sentido da Judicializão da Política: Duas Análises”.
As diferenças estariam não só na abordagem, mas também na apropriação do
conceito de judicialização da política. Neste sentido, Koerner e Maciel criticam a
capacidade explicativa do conceito, afirmando que ele é utilizado de forma
normativa. Os autores criticam a abordagem de Arantes pelo enfoque analítico
adotado, pois o foco na intencionalidade dos atores institucionais seria insuficiente
para explicar o sucesso do fortalecimento institucional do Ministério Público. Para
os autores:
“Processos de mudança institucional resultam das interações entre os diversos agentes internos e externos e isso, a nosso ver, requereria o cuidado na distinção dos níveis de generalidade analítica, dos mais amplos (nomeadamente, o contexto político e institucional da transição democrática) aos mais restritos, o dos eventos a
32 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009. P. 244. 33 Ibid. P.39.
28
serem reconstituídos (o processo de mudança legislativa e as intenções dos agentes internos).”34
Em relação à abordagem de Vianna os autores problematizam a leitura
otimista feita pelo autor em relação às ações coletivas e afirmam que a identificação
de uma convivência ao mesmo tempo conflituosa e cooperativa entre as instâncias
políticas e judiciais dilui o conceito de judicialização da política.35
Os autores concluem considerando que a concepção original do conceito é
marcada por uma ideia formal das atribuições e relações entre os poderes e de uma
conotação de “unidirecionaridade” progressiva discutível. Afirmam que, no Brasil,
a expressão foi incorporada pelo debate público com um forte sentido normativo e
que a produção acadêmica em torno do tema utiliza a expressão simplesmente como
um ponto de partida para análises cujas perspectivas são divergentes. Koerner e
Maciel consideram que no cerne das diferenças nas abordagens de Vianna e Arantes
estão dois modelos distintos de Constituição e de República. No caso de Arantes,
um modelo de uma república constitucional com marcada separação entre os
poderes, no qual o equilíbrio entre os mesmos mantém o predomínio das instâncias
majoritárias de representação, e o modelo de Constituição é liberal, na qual o
Judiciário deve ter limitada interferências nas decisões legislativas e
governamentais . No caso de Vianna, o modelo identificado pelos autores é o de
uma República em que há cooperação entre os poderes, e o modelo de Contituição
é democrático-comunitário, no qual o Judiciário tem o papel de formular, com
participação da comunidade de intérpretes, os valores compartilhados e de servir de
canal de expressão para grupos que demandam a promoção dos objetivos comuns
expressos pelos direitos fundamentais.36
34 MACIEL, Débora; KOERNER, A. “Sentido da Judicialização da Política: Duas Análises”. Lua
Nova, São Paulo, n. 57. 2002. P. 121. 35 Ibid. P. 129. 36 Ibid. P. 130.
29
2.3.5
O resgate do conceito por Alexandre Veronese
As críticas de Koerner e Maciel são rebatidas por Alexandre Veronese, que
reafirma a validade da utilização do conceito de judicialização da política. O autor
afirma que o conceito foi amplamente absorvido pela teoria social na América
Latina e que, apesar das críticas, ele continua a ter um alto poder explicativo.
Veronese rebate as críticas de Koerner afirmando que na base da sua crítica está a
noção de que o sistema jurídico é parte do sistema político. Veronese afirma que
Koerner constrói uma equivalência funcional entre as decisões judiciárias e as
decisões políticas, eliminando a autonomia do direito e fazendo com que ele não
tenha uma funcionalidade específica. Dessa forma “ter-se-á liquidado –
previamente, do ponto de vista analítico – a compreensão de que os atores sociais
entendem as decisões políticas como baseadas em uma fonte de autoridade e
legitimidade diversa das decisões judiciárias.”37 Veronese reconhece que, no caso
brasileiro, há uma ausência de rígida fixação conceitual do termo. No entanto, ele
considera que “o uso do conceito de judicialização foi suficientemente aclimatado
no sentido de indicar, com razoável precisão, um processo social em curso.”38
2.3.6
A perspectiva institucionalista de Ernani Carvalho
Outra contribuição importante que se destaca no panorama teórico brasileiro
é a de Ernani de Carvalho, que atribui centralidade ao controle abstrato de
constitucionalidade. Através de um estudo de caso das ADIs cujo objeto é a
legislação federal até o ano de 2002, Carvalho argumenta que os atores que entram
com uma ação direita de inconstitucionalidade “estão, em grande medida,
37 VERONESE, Alexandre. “A judicialização da política na américa latina: panorama do debate teórico contemporâneo”. Escritos: Revista da Fundação Casa Rui Barbosa, Rio de Janeiro, Ano 3, n. 3, 2009. Disponível em <http://www.casaruibarbosa.gov.br/escritos/numero 03/FCRB_Escritos_3_13_Alexandre_Veronese.pdf> 38 Ibid., p. 280.
30
racionalmente orientados pelos seus interesses, o que vai ao encontro da visão mais
“optimista” da literatura brasileira sobre este assunto, que considera que as
acções destes actores se pautam por uma ética republicana.”39 Há, no seu entender,
uma vinculação de caráter utilitarista entre os requerentes e os tópicos questionados
nas ADIs. Ainda, O autor afirma que os requerentes que mais solicitam a
intervenção do STF, quais sejam, os partidos políticos, as confederações sindicais
e as entidades de classe, são os que têm os piores desempenhos. Já os requerimentos
dos atores jurídicos possuem uma aceitação consideravelmente maior por parte do
STF, com destaque para o Procurador-Geral da República, que possui uma taxa de
sucesso muito maior do que a dos demais requerentes. A pesquisa também conclui
que, além de ser seletiva em relação ao requerente, o Supremo é mais propenso a
regular a legislação cujo foco temático é a administração da justiça.40 Isso é parte
da estratégia de julgamento do STF que, atuando de forma semelhante aos
congêneres sul-americanos, procura evitar conflitos com um Poder Executivo
poderoso e mantém uma pró-atividade pontual, ainda que à margem das questões
políticas centrais.41
2.3.7
As diferenças e semelhanças da Judicialização da Política nos
governos FHC e Lula segundo Matthew Taylor e Luciano da Ros
O brasilianista Matthew Taylor e o cientista político Luciano Da Ros
analisam a diferença nos padrões de judicialização da política nos governos FHC e
Lula (até abril de 2008) partindo de um ponto de vista teórico que atribui
centralidade à estratégia política dos atores: Para eles “O chamamento dos tribunais
à apreciação das políticas públicas não resulta apenas da extensão dos canais
institucionais existentes para tanto, mas também do contexto e das estratégias
39 CARVALHO, Ernani. “Judicialização da política no Brasil: controlo de constitucionalidade e racionalidade política”, Análise Social, vol. XLIV, (191), P. 316. 40 Ibid. 332. 41 Ibid. 316.
31
políticas de potenciais atores no campo judicial.”42 Eles destacam que as táticas
judiciais não são necessariamente baseadas na expectativa da vitória judicial, mas
na expectativa de benefícios políticos, que podem ser independentes da primeira..
Muitas vezes a mera atenção pública é o objetivo almejado.
Partindo deste ponto de vista e de pesquisas empíricas acerca da utilização
de ADIs, os autores identificaram determinadas continuidades e diferenças no uso
das ADIs nos governos Lula e FHC. Em ambos os governos a oposição adotou a
judicialização como tática para impedir, retardar ou, simplesmente, manifestar
oposição a determinadas leis. Também em ambos a judicialização funcionou como
arbitragem de interesse em conflito. No entanto, os autores observaram uma
significativa queda na quantidade de ADIs propostas durante o governo Lula, uma
queda muito grande nas ADIs cujo assunto envolve serviço público e um aumento
considerável de “fogo amigo”. Duas hipóteses principais são oferecidas para
explicar tais diferenças: Os adversários do governo FHC teriam feito uma oposição
sistemática, enquanto no governo Lula a oposição seria seletiva; Além disso, “a
maioria das políticas governamentais centrais da gestão de Lula foi sensivelmente
menos controversa do que as da administração tucana”43, o que dificultaria a
existência de situações em que a oposição considera vantajoso se valer da via
judicial.
2.3.8
Thamy Pogrebinschi e o falso silogismo da judicialização
A própria ideia de que há em curso uma judicialização da política é contestada
pela cientista política Thamy Pogrebinschi no seu livro de 2011, Judicialização ou
Representação: Política, Direito e Democracia no Brasil. Segundo a autora:
“repete-se, assim, no Brasil o diagnóstico dos autores estrangeiros sistemática e recorrentemente usados pela literatura nacional que se dedica ao estudo da judicialização, qual seja, o de que o judiciário, ao buscar suprir supostas lacunas deixadas pelo sistema representativo, contribui para o aprofundamento da crise
42Taylo, Matthew e DA ROS, Luciano. “Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política”. Dados, vol.51 no.4 Rio de Janeiro 2008. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582008000400002> 43 Idem.
32
democrática. (...) é chegada a hora de identificar alguma premissas que vêm convertendo o silogismo da judicialização em um entimema, a fim de evitar que a democracia brasileira seja enredada pela falácia da crise institucional.”44
Pogrebinschi afirma que um dos principais alicerces sobre os quais se
consolidou a tese da judicialização da política é o crescente volume de ações
ajuizadas por meio do controle concentrado de constitucionalidade. Repetindo o
método utilizado por Vianna no livro de 1999, a autora faz uma extensa pesquisa
do período entre 1988 e 2009 incluindo, para além das ADIs, as Arguições de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) e as Ações Declaratórias de
Constitucionalidade (ADCs). Ela chega à conclusão de que, se é verdade que o
número de ações de controle de constitucionalidade impetrados no STF cresceu, é
falsa a dedução de que o STF tem atuado de maneira ativista, e também é falsa a
ideia de que há uma retração do Poder Legislativo em face do STF. O Supremo, ao
contrário, reforça a vontade da maioria, tendo em vista que ele confirma a
constitucionalidade das leis e atos normativos em proporção muito maior do que as
vezes em que declara a sua inconstitucionalidade. Sendo mais preciso, de acordo
com a sua pesquisa a constitucionalidade das normas ou dos atos normativos é
confirmada em 86,68% dos casos. Neste sentido, Pogrebinschi considera que os
casos comumente mencionados pelos estudiosos da judicialização - tais como as
decisões sobre fidelidade partidária, verticalização, cláusula de barreiras pesquisas
com células tronco, entre outros – são os denominados Oultiers em Estatística,
“registros que desviam significativamente dos outros dados da amostra”.45
Ademais, são falsas as ideias de que o STF ocupa um suposto vácuo normativo
deixado pelo Poder Legislativo e de que este é enfraquecido pela Corte, visto que
para cada norma considerada inconstitucional pelo STF há, em média, mais de uma
dezena de projetos de lei tramitando no Congresso sobre a matéria da norma
contestada e que, na verdade, o STF propulsiona a agenda do Congresso Nacional,
impelindo-o a legislar sobre determinadas matérias e em determinados momentos.46
Pogrebinschi também afirma que o STF tem utilizado instrumentos que
limitam os efeitos das decisões e preservam do trabalho do Legislativo. Tais
instrumentos são a interpretação conforme a Constituição, a declaração de
44 POGREBINSCHI, T. Judicialização ou Representação? Rio de Janeiro: Campus- Elsevier, 2011. P. 36. 45 Ibid, P. 38. 46 Ibid. P. 38.
33
inconstitucionalidade sem redução de texto e a modulação dos efeitos da decisão.
Isso indicaria uma postura corretiva e aperfeiçoadora por parte do STF e atenuaria
o caráter contramajoritário de suas decisões.
No último capítulo do livro Pogrebinschi aborda o debate teórico sobre o
conceito de representação política e afirma que o crescimento do papel das Cortes
Constitucionais fortalece a democracia representativa:
“(...)o crescente papel institucional das cortes constitucionais pode ser concebido não como ameaça à representação, às instituições representativas ou à democracia; mas, ao contrário, como um sinal de que a primeira precisa ser ressignificada, as segundas reconfiguradas e a terceira fortalecida.”47
Segundo a autora a democracia representativa, ameaçada por “críticos da
teoria social”, por “defensores do modelo participativo”, por “apologetas da
deliberação pública” e por “otimistas expectadores de um governo de juízes”,
precisa ser repensada para que seus supostos vícios se convertam em fontes
renovadas de virtudes.48 Seria necessária uma reconsideração semântica do
conceito de democracia que envolvesse a percepção de que a democracia
representativa não é somente uma alternativa “second best” em relação à
impossibilidade da democracia direta e o reconhecimento de que a democracia
representativa não se encontra em crise. No seu entender, é preciso uma espécie de
“experimentalismo democrático”, sustentada em uma postura pragmatista, que
estende a compreensão de representação política para as instituições não
majoritárias e atores não eleitos com base na “desejabilidade” e “aceitabilidade”
das consequências engendradas por seus atos.49
47 Ibid. P. 232. 48 Parece ser questionável a atribuição de tamanho poder às teorias acerca do conceito de representatividade e a consideração de que o destino da democracia representativa está tão profundamente ligado às considerações teóricas a seu respeito, e não ao jogo – às vezes visceral e brutalmente distinto do jogo “oficial” – de disputa por poder político que muitas vezes acontece através ou por fora (através por ocultação) de todas as narrativas e teorias. 49 Ibid. P. 232.
34
2.3.9
A crítica de Lênio Streck e a diferença entre ativismo e judicialização
A abordagem de Thamy Pogrebinschi recebeu várias críticas do jurista Lênio
Luiz Streck. De início, Streck discorda da avaliação de que o número de ADIs possa
funcionar como um “termômetro” do coeficiente de judicialização. A judicialização
da saúde, um tipo de judicialização de políticas públicas, ocorre em grande medida
à parte do STF, através de milhares de ações espalhadas por Tribunais da República.
O diagnóstico da judicialização da política, no seu entender, não pode se restringir
ao Supremo. Além disso, o STF exerce o controle de constitucionalidade também
através do controle difuso, não analisado pela autora. Ainda, em relação às ADIs, o
ativismo ou a judicialização não podem ser captados pelo código “constitucional-
inconstitucional” ou “ação deferida-ação indeferida”.
Streck enfatiza a diferença entre ativismo e judicialização da política,
conceitos que, segundo ele, são tratados em Judicialização ou Representação:
Política, Direito e Democracia no Brasil de forma idêntica ou alternada.
Judicialização, no seu entender, se refere à competência para a prática de
determinados atos enquanto o ativismo é um problema comportamental no qual o
juiz substitui os juízos morais e políticos pelos seus. Para o autor, o primeiro pode
ser positivo e, talvez, inexorável. O segundo é negativo e deve ser combatido.
Segundo Streck, a doutrina jurídica, no contexto do pós-positivismo jurídico, não
conseguiu criar condições para uma crítica eficaz capaz de estabelecer controle às
interpretações e controlar o “assenhoramento”, pelos juízes, da legislação
democraticamente construída.50
50 STRECK, L. “Os Dilemas da Representação Política: O Estado Constitucional entre a Democracia e o Presidencialismo de Coalizão.” Revista Direito e Sociedade, n. 44, jan/jun, 2014. P. 100.
35
2.3.10
A visão de Leonardo Avritzer e Marjorie Corrêa
Para Leonardo Avritzer e Marjorie Corrêa as análises sobre a judicialização
da política no Brasil operam a partir da tradição liberal no campo constitucional e
no campo democrático. Para os autores é importante adotar uma perspectiva
analítica que supere o marco liberal para avançar a reflexão sobre o tema e
aproximá-lo das lutas de cidadania existentes em uma sociedade desigual como o
Brasil.
Na sua visão a Constituição de 1988 gerou uma refundação do Estado
brasileiro pela generalização da experiência do constitucionalismo democrático,
que alterou radicalmente um panorama anterior de fraca autonomia do Poder
Judiciário. A inserção de atores da sociedade civil no controle de
constitucionalidade significou a reabertura de canais de canais de comunicação
entre o Estado e a sociedade civil.
Para Avritzer e Corrêa o desafio colocado diante da judicialização está na
ampliação da dimensão representativa, com destaque para a participação dos
movimentos sociais no debate constitucional e o fortalecimento da
representatividade política do Judiciário. Neste sentido, os autores propõem - o que
eles consideram serem - dois avanços em relação às análises anteriores:
“A trajetória do processo de judicialização no Brasil nos permite afirmar mais claramente a existência no país de um modelo mais soberano e deliberativo,em contraste com o modelo norte-americano, que seria mais liberal e menos pautado pela soberania. Nesse sentido, são dois os avanços que propomos em relação a análises anteriores como a de Werneck Vianna et al. (1999), Maciel e Koerner (2002) e Couto e Arantes (2006): em primeiro lugar, o elemento soberano do processo de emenda constitucional é fundamental para a adaptação do constitucionalismo a novos contextos políticos; em segundo lugar, a questão fundamental não é a presença de corpos jurídicos mais próximos da sociedade civil e sim uma flexibilidade em torno ao processo de emendas que permite que o sistema político tenha um papel na adaptação do constitucionalismo ao contexto político.”51
51 AVRITZER, Leonardo. e CORREA, Marjorie. “Judicialização da política no Brasil: ver além do constitucionalismo liberal para ver melhor”. Revista Brasileira de Ciência Política. N. 15 (2014). Disponível em < http://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/13077>
36
Como demonstrado nesta breve revisão de literatura, o debate sobre a
judicialização da política no Brasil é rico e amplo. O fenômeno é abordado a partir
de variadas perspectivas e alguns teóricos chegam a questionar a sua própria
existência ou o poder explicativo do conceito. A despeito das críticas feitas,
considero que o conceito ainda mantém o seu poder explicativo para explicar a
expansão do Poder Judiciário a partir da Constituição de 1988 e, o que é mais
relevante para este trabalho, ele é um conceito importante para compreender o papel
do STF no processo que culminou com a queda da presidente Dilma Rousseff. Neste
sentido, é oportuno resgatar a observação feita por Gisele Cittadino quando não se
vislumbrava no horizonte a possibilidade de uma crise institucional de grandes
proporções e a judicialização da política era vista sob um prisma
predominantemente positivo: A história Constitucional brasileira é marcada por
rupturas, e não por continuidade, e é neste contexto em que a judicialização da
política existe no Brasil.52
Ademais, é neste contexto em que a judicialização da política, em sua face
mais antidemocrática produziu, senão uma ruptura, uma fragilização profunda da
ordem constitucional e da soberania. Esta face é chamada por Ran Hirschl de
“Judicialização da Megapolítica”. Este é um conceito fundamental para
compreender o protagonismo do STF no impeachment de Dilma Roussef.
52 CITTADINO, Gisele. “Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia” Revista Alceu, vol.5, n.9, julho/dez. 2004. P. 110.
3
Da Judicialização da Política à Judicialização da
Megapolítica
3.1
O conceito segundo Ran Hirschl
‘Judicialização da Megapolítica’ é uma inovação conceitual formulada pelo
cientista político Ran Hirschl para explicar uma mudança qualitativa no fenômeno
de judicialização. Hirschl observa que a literatura sobre o tema falha em reconhecer
que “o grande trem da judicialização já desembarcou, há muito tempo, da estação
da jurisprudência dos direitos”53
De início, Hirschl reconhece que ‘judicialização da política’ é um termo
genérico de pouca precisão. Esta observação também é feita por muitos autores
brasileiros, conforme demonstrado, no entanto para Hirschl isto não é problemático.
Ele afirma que o termo se refere a três processos distintos e inter-relacionados,
identificados por ele como as três “faces” da judicialização.54
No nível mais abstrato a judicialização da política se refere à disseminação
da linguagem e dos jargões jurídicos, e à disseminação de normas e procedimentos
judiciais ou quase judiciais na esfera política. Esta face corresponderia, na sua
visão, à judicialização das relações sociais. Ela é própria da complexidade e da
contingência da sociedade moderna, na qual a especialização da divisão do trabalho
é concomitante à diminuição da coesão social e o status é substituído pelo contrato.
Este tipo de judicialização foi identificado pelos primeiros sociólogos, como Max
Weber e Henry Maine.
53 HIRSCHL, Ran. “The Judicialization of Megapolitics and the Rise of Political Courts”. Annual
Review Political Science, vol.11. 2008. P. 3. Disponível em <https://papers.ssrn.com/sol3/Papers.cfm?abstract_id=1138008> Tradução minha. Texto original: “...the great judicialization train has long since left the ‘rights jurisprudence’ station.” 54 HIRSCHL, Ran. “The New Constitution and the Judicialization of Pure Politics Worldwide” Fordham Law Review. Volume 75. Issue 2. 2006. P. 723.
38
A segunda face, segundo o autor mais concreta do que a primeira, é expansão
do poder de definição das políticas públicas pelas Cortes e dos juízes. Este é o tipo
de judicialização descrito por muitos autores como sendo de “baixo para cima”,
ocorre principalmente através da jurisprudência constitucional de direitos e do
realinhamento jurídico das fronteiras entre os órgãos estatais. Trazendo para a
quadra teórica brasileira, é o tipo de judicialização da política que é objeto de
análise de Werneck Vianna.
A terceira face é a judicialização da megapolítica. Esta é a judicialização de
questões centrais que definem e muitas vezes dividem uma comunidade política. O
autor afirma que a distinção entre uma judicialização da política ordinária e uma
judicialização da “megapolítica” é elusiva e intuitiva. Afinal, ela depende, em
aparte, da definição do que é político e, de certa forma, tudo é político. Da mesma
forma, a definição do que são questões centrais varia no tempo e no espaço e,
também, é uma questão política.
Não obstante, esta diferenciação é importante e tem um grande poder
explicativo, pois ela dá conta de uma mudança qualitativa no fenômeno de
judicialização que, em muitos, países, independente dos limites da sua definição,
possui uma natureza bem diferente daquela dos anos 1990. Diante da grave crise
brasileira e do protagonismo do STF na queda de Dilma Rousseff, a judicialização
da megapolítica se torna um poderoso instrumento conceitual.
O autor, baseando-se em estudos comparados, afirma que esta terceira face
está se tornando mais intensa nos últimos anos. O fenômeno se expandiu
enormemente e não se restringe mais à proliferação de procedimentos jurídicos e à
judicialização de políticas públicas. Dialogando com o jurista Frederick Schauer,
que estabelece uma distinção entre judicialização de questões de “baixa-saliência”
e de questões de “alta-saliência”, e que afirma que a Suprema Corte americana
interfere principalmente em questões de “baixa-saliência”, Hirschl afirma que isso
pode ser verdade para o caso americano, mas que, no resto do mundo, o padrão de
judicialização é diferente. A judicialização atinge cada vez mais a “megapolítica”,
ou a “política pura” (termos utilizados como sinônimos por Hirschl), Nas palavras
do autor:
39
“Nos últimos anos, a judicialização da política se expandiu para além de questões que envolvem demandas por direitos de grande evidência e passou a abarcar o que podemos chamar de ‘megapolítica’ – matérias de máxima importância política que muitas vezes definem e dividem comunidades políticas inteiras. Estas vão desde resultados eleitorais e corroboração de mudança de regime, até questões fundamentais de identidade coletiva e de processos de construção nacional relacionados à própria natureza e definição do corpo político como tal.” 55
Tendo como base principalmente a literatura nortemericana sobre o assunto,
Hirschl atribui a associação da judicialização com uma política de direitos ao fato
de que existem muito mais estudiosos americanos abordando o tema do que
estudiosos de outros países. Isto faz com que a experiência constitucional americana
seja o ponto de referência dominante nas abordagens e, consequentemente, a
judicialização da política se torna uma espécie de sinônimo da jurisprudência de
direitos e de ativismo ao estilo americano. Embora isso pudesse ser verdade nos
anos 1990, esta interpretação é incapaz compreender o escopo da judicialização
atual.56
Esta explicação me parece insuficiente e, em grande medida, anglocêntrica
(por mais que o objetivo do autor seja, justamente, o de fazer uma crítica a este
anglocentrismo). Afinal, no Brasil tivemos ricas contribuições teóricas sobre o
tema. Não obstante, podemos perceber, diante do panorama teórico brasileiro
apresentado no capítulo 1, que, em certa medida a experiência constitucional
americana é uma referência no Brasil e que a jurisprudência de direitos, ou agenda
de direitos, constitui a base de muitas análises brasileiras. Este quadro remonta,
principalmente, à interpretação de Werneck Vianna, principal precursor dos estudos
sobre judicialização no país.
55 HIRSCHL, Ran. “The Judicialization of Megapolitics and the Rise of Political Courts”. Annu. Rev. Polit. Sci. 2008. P. 2. Disponível em <https://papers.ssrn.com/sol3/Papers.cfm?abstract_id=1138008> Tradução minha. Texto original: “In recent years, the judicialization of politics has expanded beyond flashy rights issues to encompass what we may term ‘mega-politics’ – matters of outright and utmost political significance that often define and divide whole polities. These range from electoral outcomes and corroboration of regime change to foundational collective identity questions, and nation-building processes pertaining to the very nature and definition of the body politic as such.” 56 Ibid. P. 3.
40
3.2
As áreas da Judicialização da Megapolítica
A judicialização da megapolítica envolve diversos assuntos. Afinal, muitas
questões podem ser consideradas centrais para uma comunidade política. O autor
faz uma subdivisão das áreas suscetíveis à judicialização da megapolítica em 5
categorias e lista uma série de exemplos para cada categoria:
(i) Processos e resultados eleitorais: Essa é judicialização do próprio
processo democrático. Ela envolve matérias como financiamentos
de campanha, organização de distritos eleitorais, a qualificação de
partidos e candidatos e o futuro de lideranças políticas. Pertencem a
este conjunto, segundo o autor, a disputa judicial envolvendo a
eleição americana de 2000 (Bush v. Gore), o julgamento da Suprema
Corte tailandesa sobre a proibição do Partido do Poder Popular por
violação de lei eleitoral e a extensão do direito de voto aos
prisioneiros pela Suprema Corte canadense.
(ii) Prerrogativas executivas centrais: Esta categoria envolve o
escrutínio judicial de prerrogativas executivas centrais no âmbito das
relações internacionais, da política fiscal e da segurança nacional.
Alguns exemplos são: o julgamento sobre a constitucionalidade, pela
Corte Constitucional russa, de decretos presidenciais de Boris
Yeltsin relativos à guerra da Chechênia; e o julgamento da Suprema
Corte Israelense em relação ao muro da Cisjordânia.
(iii) Legitimidade da mudança de regime: Um terceiro tipo de
judicialização da “megapolítica” é a envolvimento judicial na
corroboração da mudança de regime. Hirschl utiliza como exemplos
a reversão, por parte da Corte Constitucional da Coreia do Sul em
2004, do impeachment do presidente Roh Moo-hyun, a restauração
da Constituição do Fiji em 2007 pela Corte de Apelação e a
validação, pela Corte Suprema do Paquistão, do golpe militar de
outubro de 1999.
41
(iv) Justiça transicional e restaurativa: Este tipo de judicialização,
muito sensível ao continente latino-americano, envolve a
transferência para as Cortes de dilemas políticos e morais
fundamentais concernentes a injustiças e atrocidades cometidas
contra grupos e indivíduos historicamente oprimidos ou perseguidos
por um regime autoritário. As Cortes de muitos países se
transformaram em arenas centrais nas quais tais questões são
enfrentadas. Na visão do autor: “A busca política por legitimidade,
a falta de vontade política, ou a inaptidão para confrontar um
passado menos que deslumbrante muitas vezes motivam a
deferência aos tribunais nestas questões.”57 Hirschl coloca nesta
categoria a jurisprudência da Suprema Corte americana sobre ações
afirmativas, a posição da Suprema Corte de muitos países sobre leis
que anistiam crimes cometidos por determinados grupos na vigência
de regimes autoritários, e a definição do status dos povos indígenas
na Austrália, Canada e Nova Zelândia. Este tipo de judicialização
também tem uma dimensão transnacional muito relevante. Além das
Cortes nacionais, tribunais criminais internacionais ao estilo de
Nuremberg com jurisdição sobre crimes de Guerra, genocídios e
crimes contra a humanidade se fortaleceram bastante a partir dos
anos 1990. O principal é a Corte Penal Internacional, com mais de
100 países membros.
(v) Definição da nação através das Cortes: Segundo Ran Hirchl, este
é o tipo de judicialização mais difícil de ser reconciliado com a visão
que as principais teorias constitucionais têm sobre a posição das
Cortes em uma democracia. Questões envolvendo a própria
definição e a razão de ser de comunidades políticas têm sido
judicializadas em alguma medida nos últimos anos. Alguns
exemplos listados por Hirschl são o papel da Corte Constitucional
da Turquia em preservar a natureza secular do Estado, o julgamento
do Suprema Corte do Canada em relação à secessão do Quebec e o
57 Ibid. P. 13. Tradução minha. Texto original: “A political quest for legitimacy, a lack of political will, or inability to confront a less-than-dazzling past often motivates deference to courts in such matters.”
42
papel da Suprema Corte de Israel na definição de quem é
considerado judeu e cidadão de Israel.
3.3
As causas da Judicialização da Megapolítica
Ran Hirschl afirma que a judicialização da megapolítica não pode ser
explicada simplesmente por um desenho constitucional conducente ao ativismo
judicial ou por uma prevalência de comportamento ativista entre os juízes. Este tipo
de judicialização é um fenômeno sobretudo político, não jurídico. Assim suas
determinantes são políticas. Isto não quer dizer que prescinda dos fatores que geram
as demais faces da judicialização. Mas, para além deles, ela depende, para ocorrer
e para se sustentar, do apoio implícito ou explicito dos stakeholders políticos mais
influentes do país. Para o autor ela é parte de um processo mais amplo através do
qual as elites políticas e econômicas, ao mesmo tempo em que professam a defesa
da democracia, buscam insular questões centrais do controle democrático.
Um dos fatores principais que levam à judicialização da megapolítica
identificados por Hirschl é a tentativa de “preservação hegemônica” por parte da
elite econômica, da elite política e das lideranças jurídicas receosos de perderem o
seu poder político.58 Esta tentativa de preservação hegemônica costuma estar
associada, na sua visão, à realização de uma agenda neoliberal:
“Eu denomino esta densa explicação estratégica de tese da “preservação hegemônica”, e sugiro que o empoderamento do judiciário através da constitucionalização deve ser compreendida como subproduto de uma interação estratégica de três grupos chaves: as elites políticas ameaçadas, que procuram preservar ou aumentar sua hegemonia política isolando os processos de decisão política das vicissitudes da política democrática; as elites econômicas, que podem considerar a constitucionalização de certas liberdades econômicas como um meio para promoverem uma agenda neoliberal de mercados abertos, desregulação econômica, anti-estatismo e anti-coletivismo; e as elites jurídicas e as cortes nacionais, que buscam fortalecer sua influência política e sua reputação internacional. Em outras palavras, inovadores legais estratégicos – as elites políticas
58 HIRSCHL, Ran. “The New Constitution and the Judicialization of Pure Politics Worldwide” Fordham Law Review. Volume 75. Issue 2. 2006. P. 745.
43
em associação com as elites econômicas e jurídicas com interesses compatíveis – determinam o timing, a extensão e a natureza das reformas constitucionais.”59
Seguindo esta lógica, o autor considera que as quatro abordagens listadas no
primeiro capítulo (funcionalista, institucionalista, centrada nas cortes e centrada nos
direitos) são insuficientes para analisar a judicialização da megapolítica pois não
levam suficientemente a sério a dimensão política das Cortes. Buscando afastar os
debates normativos, muito comuns neste campo de investigação, e levando em
consideração as origens e as consequências das “revoluções constitucionais”,60
Hirschl oferece uma abordagem de judicialização de “cima para baixo”, na qual o
apoio da esfera política é fundamental e na qual o cálculo estratégico das elites
econômicas, políticas e judicias também. Ele chama esta abordagem de ‘realista’:
“Eu ofereço, aqui, uma abordagem mais ‘realista’, de uma judicialização de cima para baixo, que enfatiza o apoio da esfera política como uma precondição necessária para a judicialização da ‘política pura’.”61
Considero que a abordagem de Ran Hirschl, tido por Rogério Arantes como
“talvez o mais radical dos autores realistas sobre o tema”,62 constitui uma matriz
teórica sólida e com grande poder explicativo para compreender o papel
desempenhado pelo Supremo no impeachment da presidente Dilma. Embora possa
ser um exagero considerar, como feito por Hirschl, que a judicialização da
megapolítica conduz a uma “Juristocracia”, o conceito de judicialização de
59 HIRSCHL, Ran. “The Political Origins of the New Constitutionalism.” Indiana Journal of
Global Studies. Volume 11. Issue 1. P. 90. Disponível em <http://www.repository.law.indiana.edu/ijgls/ vol11/iss1 /4 p.2004> Tradução minha. Texto original: “I term this thick strategic explanation the "hegemonic preservation" thesis, and suggest that judicial empowerment through constitutionalization is best understood as the byproduct of a strategic interplay between three key groups: threatened political elites who seek to preserve or enhance their political hegemony by insulating policy-making processes from the vicissitudes of democratic politics; economic elites who may view the constitutionalization of certain economic liberties as a means of promoting a neoliberal agenda of open markets, economic deregulation, antistatism, and anticollectivism; and judicial elites and national high courts that seek to enhance their political influence and international reputation. In other words, strategic legal innovators - political elites in association with economic and judicial elites who have compatible interests - determine the timing, extent, and nature of constitutional reforms.” 60 VIERIA, José Ribas e Grupo Ativismo judicial. “VERSO E REVERSO: A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL.” Revista Estação Científica. Juiz de
Fora, V.01, n.04. 2009. P. 47. Disponível em < http://portal.estacio.br/media/4411/artigo-3-revisado.pdf> 61 HIRSCHL, Ran. “The Judicialization of Megapolitics and the Rise of Political Courts”. Annu.
Rev. Polit. Sci. 2008. P. 13. Disponível em <https://papers.ssrn.com/sol3/Papers.cfm?abstract_id=1138008> Tradução minha. Texto original: “I advance here a more ‘realist’ judicialization-from-above account, which emphasizes support from the political sphere as a necessary precondition for judicialization of pure politics.” 62 ARANTES, Rogerio Bastos. ´”Cortes Constitucionais.”: In: A democracia e os três poderes no
Brasil. Org. VIANNA, Luiz Werneck Belo Horizonte: UFMG/IUPERJ, 2002. P. 198.
44
megapolítica e a abordagem realista de Hirschl possuem um encaixe ótimo com a
realidade brasileira recente. Conforme será demonstrado adiante, a Corte foi
verdadeira protagonista do processo de impeachment de Dilma e este protagonismo
esteve associado, justamente, à lógica estratégica das elites políticas econômicas e
judicias do país. Em grande medida, ela foi um canal de viabilização e, ao mesmo
tempo, de ocultação de uma determinada agenda política. Não obstante, é preciso
levar em consideração que a judicialização da megapolítica já vinha ocorrendo
antes mesmo da eclosão da crise política.
3.4
A Judicialização da Megapolítica no Brasil
Também no Brasil “o grande trem da judicialização já desembarcou, há muito
tempo, da estação da jurisprudência dos direitos.” Podemos observar exemplos
claros de judicialização da megapolítica nos últimos anos que se encaixam,
principalmente, na primeira categoria listada por Hirschl. Mesmo antes da profunda
crise pela qual passa o Brasil atualmente, o Supremo Tribunal Federal já vinha
tomando várias decisões relativas ao funcionamento da nossa democracia.,
principalmente através do seu julgamento em relação à verticalização das
candidaturas partidárias, à cláusula de barreira, e ao financiamento de campanha
eleitoral.
O caso verticalização das candidaturas partidárias é um exemplo claro. O
Tribunal Superior Eleitoral determinou, através da Instrução Normativa nº 55 de
2002, que as alianças feitas para a eleição para presidente da República tinham que
ser repetidas nas eleições estaduais. Contra esta Instrução Normativa foram
impetradas a ADI 2626 e a ADI 2628 alegando ofensa aos arts. 16 e 17, §1, da
Constituição Federal. O Tribunal Pleno do STF, por maioria de votos, não conheceu
dos pedidos. A Corte se recusou a debater o mérito dos pedidos e buscou preservar
a competência do TSE, afirmando que a Constituição não se ocupa diretamente das
coligações partidárias e que o dispositivo impugnado, fruto de resposta a indagação
feita por parlamentares sobre a disciplina das coligações partidárias na Lei
45
9.504/97, consiste em ato de interpretação, sendo, portanto, um ato de poder
regulamentar, cuja legalidade não se submete ao controle concentrado.
O Congresso Nacional reagiu e aprovou em 2006 a Emenda Constitucional
nº56, através da qual passou a constar expressamente no art. 17, §1º, a não
obrigatoriedade da vinculação das coligações partidárias.
O STF também exerceu profunda influência no processo eleitoral través do
julgamento da ADI 1354, que questionava a constitucionalidade do art. 13 e de
artigos conexos da Lei 9.096/95 em face dos arts. 5º e 17, §1º, da Constituição
federal. O dispositivo questionado criou uma cláusula de barreira eleitoral, que
valeria a partir das eleições de 2006, pela qual apenas os partidos com um mínimo
de 5% dos votos válidos em pelo menos um terço dos Estados, e um mínimo de 2%
dos votos totais em cada um deles, têm direito ao funcionamento parlamentar.
Ademais, outros dispositivos da Lei atrelavam o valor relativo à participação no
Fundo Partidário e o tempo de propaganda em cadeia nacional ao cumprimento
desta cláusula. O STF, em 1996, indeferiu por unanimidade o pedido de liminar.
No entanto, em 2006 o julgamento foi retomado e o Tribunal Pleno julgou
procedente o pedido, novamente por unanimidade. Para os ministros do STF, os
dispositivos questionados constituíam medidas draconianas contra as minorias
partidárias e enfraqueciam o pluralismo político. Segundo o jurista Fernando
Ramalho Bentes, que estudou a relação entre o Congresso e o Supremo:
“Numa dimensão histórica, a modificação radical de sua interpretação conduz à conclusão de uma transformação de cenário que permitiu a a afirmação de preferências sinceras. Porém, numa ótica atitudinal, esta alteração enfatiza a autonomia decisória de cada juiz constitucional, um fato realçado pela deliberação ser refratária ao Congresso Nacional e pela ousadia interpretativa dos ministros, que alteraram o sentido restritivo da lei como se fossem “legisladores positivos”63
Com a deflagração da grave crise política a partir do segundo mandato de
Dilma Rousseff a judicialização da megapolítica, já existente como demonstrado
nos casos supracitados, iria assumir uma dimensão enorme.
63 BENTES, Fernando R. O Supremo Tribunal Federal. A Trajetória Institucional e o Jogo de
Separação de Poderes com o Congresso Nacional. Tese de Doutorado, PUC-Rio. 2015. P. 231
4
O Processo de Impeachment de Dilma Rousseff e o
Protagonismo do STF
4.1
Determinantes políticas do impeachment
Para compreender a judicialização da megapolítica no processo de
impeachment de Dilma Rousseff é preciso, conforme salientado por Hirschl, levar
em consideração que a judicialização da megapolítica é um fenômeno sobretudo
político, e não jurídico. Assim sendo, é preciso fazer uma análise das determinantes
políticas que produziram o impeachment. Neste sentido, sem a pretensão de esgotar
o assunto, visto que isto iria muito além do escopo deste trabalho, faço uma análise
dos principais acontecimentos que levaram ao impeachment, análise indispensável
para compreender o protagonismo do STF no processo, começando pelos elementos
problemáticos do contexto em que se deu a reeleição de Dilma Rousseff, elementos
estes que, como se tornou do senso comum, produziram uma tempestade perfeita.
4.1.2
O contexto adverso do 2º mandato de Dilma Rousseff
A presidente Dilma Rousseff foi eleita em 2014 com uma pequena margem
de votos, com uma coalizão frágil no congresso, com uma sociedade
crescentemente polarizada politicamente, com a economia em crise , com um
cenário internacional desfavorável e com escândalos de corrupção preenchendo a
agenda política. Todos esses fatores problemáticos, já presentes em 2014, se
intensificaram com o passar do tempo.
A) No ano de 2014 a economia brasileira parou de crescer. Após um período de
significativo crescimento econômico, com um crescimento médio do PIB de 3,4%
47
entre 2003 e 2013, o Brasil ficou praticamente estagnado em 2014, com um
crescimento de apenas 0,1%. O orçamento teve, neste ano, um déficit de R$17
bilhões, depois de ser superavitário por muitos anos, e relação dívida/PIB pulou de
51% para 57%. A situação de “pleno emprego”, mantida por vários anos, começou
a se desfazer.64
Para tentar reverter o quadro econômico negativo Dilma decidiu montou um
governo orientado para a realização de ajuste fiscal sob o comando do ministro da
fazenda Joaquim Levy, ex-diretor do Banco Bradesco e com bom trânsito no meio
empresarial. A nomeação de Levy gerou forte reação na militância petista e na base
social do governo, que, em alguma medida, tiveram a percepção de que Dilma não
estava cumprindo seus compromissos de campanha. Esta “contradição” entre seu
discurso de campanha e o ajuste fiscal almejado foi bastante explorada por seus
oposicionistas.
B) O cenário geopolítico internacional também era adverso para o governo Dilma.
Para além da intensificação dos conflitos internacionais e de uma onda de derrubada
de governos, com a chamada “primavera árabe” e o golpe na Ucrânia, o continente
latino-americano passava por um momento de fortalecimento das forças associadas
ao campo liberal-conservador após um longo ciclo de vitórias de forças de esquerda
dentro da institucionalidade democrática.
Na Venezuela, país em que as forças de esquerda no poder apostaram no
projeto mais radical do continente, baseado no constante embate com as forças
liberais-conservadoras, ao invés de conciliação, o governo passa por uma grave
crise. A morte prematura de Hugo Chavez revelou as fraquezas de um projeto
excessivamente dependente de uma liderança carismática. O país passa por uma
profunda crise política, econômica e social, com taxas de homicídio recordistas,
escassez de produtos básicos, e constantes manifestações contrárias ao governo.
64 Dados disponíveis em: <http://infograficos.oglobo.globo.com/economia/evolucao-do-pib-1.html> <http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/05/governo-quer-permissao-para-rombo-fiscal-de-ate-r-1705-bilhoes-em-2016.html> <http://oglobo.globo.com/economia/governo-projeta-divida-bruta-em-719-do-pib-em-2016-18969621> <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1734911-divida-publica-fecha-2015-em-nivel-recorde-de-662-do-pib.shtml>
48
No Peru, o liberal Pedro Pablo Kuczynski ganhou as eleições presidenciais
de 2015, e a segunda colocada foi Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto
Fujimori. Na Argentina a vitória eleitoral de Mauricio Macri em 2015 pôs fim a 12
anos de governos kirschneristas.
Ademais, uma nova forma de instabilidade política, na qual o instituto do
impeachment é utilizado para a derrubada de governos, estava se tornando um
padrão no continente. Esta já era uma tendência apontada pelo cientista político
argentino Aníbal Perez-Liñan, em 2007:
“Um novo padrão de instabilidade política emergiu na América Latina. Ele tomou forma nos anos 1990 e se consolidou no começo dos anos 2000. Em contraste com as experiências das décadas passadas, esta tendência provavelmente não comprometerá a estabilidade dos regimes democráticos, mas é letal para governos democráticos. Em poucos anos, crises políticas sem o colapso de regime se tornaram comuns na política latino-americana – e o impeachment presidencial se tornou a principal expressão institucional desta tendência.”65
Neste sentido, talvez mais relevantes para o processo brasileiro sejam os casos
de Honduras e Paraguai, pois nestes países os governos foram derrubados através
de rupturas com forte participação do Judiciário.
Em Honduras, o ex-presidente Manoel Zelaya, filiado ao Partido Liberal,
mudou seu estilo de governo no final dos anos 2000. Entre outras medidas,
aumentou o salário mínimo, entrou na ALBA (Aliança Bolivariana Para os Povos
da Nossa América), forneceu subsídios para pequenos proprietários. Ele Enfrentou
forte oposição de parte da sociedade hondurenha, em especial da mídia, do seu
próprio partido, e do Poder Judiciário. A situação se tronou crítica em 2009, com a
tentativa de convocar um referendo para autorizar a criação uma Assembleia
Constituinte, que foi considerada ilegal. Zelaya desconsiderou essa decisão e
ordenou que as Forças Armadas organizassem o referendo. A Corte Suprema,
então, determinou a prisão de Zelaya por ter descumprido ordem judicial. As Forças
Armadas o prenderam e, receosos da resistência popular, o transportaram para
65 PEREZ-LIÑAN, Aníbal. Presidential impeachments and the new political instability in Latin America. Cambridge University Press. Nova York. 2007. P.203, tradução minha. Texto original: “A new pattern of political instability has emerged in Latin America. It took shape in the 1990s and consolidated in the early 2000s. In contrast to the experience of past decades, this trend is unlikely to compromise the stability of democratic regimes, but it is lethal for democratic governments. Within a few years, political crises without regime breakdown have become a common occurrence in Latin American politics–and presidential impeachment has become the main institutional expression of this trend.”
49
Costa Rica. Por fim, o Congresso Hondurenho votou pela aceitação de uma suposta
carta de renúncia assinada pelo ex-presidente, a qual ele afirma nunca ter assinado.
No Paraguai o presidente Fernando Lugo foi destituído por meio de um
processo de impeachment em 2012. A eleição de Lugo em 2008 interrompeu 61
anos do Partido Colorado no poder. O ex-presidente ficou muito enfraquecido
politicamente com a saída do governo do Partido Liberal em 2009, passando a ter
minoria parlamentar. Somou-se a isso oposição da grande mídia, a eclosão de
conflitos agrários e escândalos envolvendo casos de paternidade enquanto era
bispo. Em 2012 uma operação policial para expulsar fazendeiros sem-terra da
fazenda do ex-senador colorado Bias Riquelme resultou na morte de 17 pessoas. A
oposição enxergou neste acontecimento a oportunidade de destituir Lugo. No dia
21 de junho de 2012 a Câmara de Deputados inicia os procedimentos de
impeachment responsabilizando-o pelo ocorrido. No dia seguinte o Senado votou
pela sua destituição e, no dia 25 do mesmo mês, a Corte Suprema endossou.
Fernando Lugo foi, assim, destituído no processo de impeachment mais rápido da
história.
Segundo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, ainda em 2010,
o caso hondurenho era “um ensaio para futuros golpes em outros países do
continente.”66 No mesmo sentido o defensor dos Direitos Humanos argentino
Adolfo Perez Esquivel, perseguido pela ditadura de Jorge Videla e vencedor do
prêmio Nobel da paz em 1980, para quem:
“O que aconteceu em Honduras, com a derrubada de Manuel Zelaya, e depois no Paraguai, contra o governo de Fernando Lugo, foram ensaios de golpes de Estado de um novo tipo. Golpes de Estado que não necessitam dos exércitos. Basta ter os meios de comunicação, alguns juízes e dirigentes políticos da oposição para provocar a desestabilização de um governo.”67
C) Logo no início do 2º mandato da presidente o governo sofreu uma derrota
política que provou ser fatal. Eduardo Cunha, líder da ala oposicionista do PMDB,
foi eleito presidente da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2015. A partir daí o
Executivo passou a lidar com um Congresso que atuava como um adversário para
66 SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima. 2010. P. 55. 67 ESQUIVEL, Adolfo Perez.‘Golpe no Brasil é parte de um projeto de recolonização da América Latina’. Sul21. 02/05/2016. Disponível em < http://www.sul21.com.br/jornal/golpe-no-brasil-e-parte-de-um-projeto-de-recolonizacao-da-america-latina/>
50
enfraquecer o governo e passou a depender ainda mais do PMDB, que se fortaleceu
significativamente. O presidencialismo de coalização, já muito desgastado na
opinião pública pela corrupção envolvida na garantia de governabilidade, contava,
ainda, com a pouca habilidade política de Dilma e com um PMDB que não estava
mais disposto a assumir um papel secundário. Fonte de críticas à esquerda e à
direita, na sua base de apoio e na oposição, o presidencialismo de coalização, na
prática, se desfez, o que significou a perda da governabilidade em momento de
crise.
D) O ano da reeleição de Dilma também foi o do início da Operação Lava-Jato. A
Operação, cuja denominação é decorrente da utilização de uma rede de postos de
gasolina para a movimentação de dinheiro ilícito, investigava o pagamento de
propina através de contratos superfaturados, por parte das principais empreiteiras
do país, a diretores da Petrobrás. Em troca elas ganhavam licitações e celebravam
contratos lucrativos. Os diretores da Petrobras, indicados por partidos políticos
(PT/PMDB/PP), repassavam parte do dinheiro a políticos do partido que os havia
indicado. A operação revelou para a população em geral o que muitos estudiosos
de política já sabiam: a corrupção no mundo político é sistemática e intrínseca à sua
estrutura. Existe uma relação promíscua entre as grandes empresas e o poder
político, e grande parte do financiamento de campanha tem origem ilícita, fruto
desta promiscuidade. Esta revelação – que, no entanto, não aponta suas causas mais
profundas e por isso não aponta soluções sustentáveis – foi explorada ao máximo
pela oposição, por mais, é claro, que grande parte dela estava comprometida.
O julgamento dos crimes apontados na operação foi - e é - feito, na sua
maioria, pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª vara criminal da Justiça Federal de
Curitiba. Inspirado na operação Mani Pulite italiana, Moro considerava necessária
a deslegitimação da classe política e o apoio da opinião pública. Segundo o próprio
juiz Sergio Moro:
“O processo de deslegitimação foi essencial para a própria continuidade da operação mani pulite. Não faltaram tentativas do poder político interrompê-la (...) Na verdade, é ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações. Um Judiciário independente, tanto de pressões externas como internas, é condição necessária para suportar ações judiciais da espécie.
51
Entretanto, a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial.”68
Através da utilização de métodos como a articulação entre os institutos da
prisão preventiva e o da delação premiada, e do vazamento seletivo do conteúdo
das investigações das delações para a grande mídia, a Lava-Jato alimentou
continuamente a insatisfação pública e abalou grande parte da classe política,
colocando-a em uma posição defensiva e minando a capacidade do governo de
pautar a agenda política. Segundo José Ribas Vieira e Margarida Lacombe:
“Identificando-se com uma nova geração de juízes, “giudici ragazzini”, Sergio Fernando Moro se lança a uma empreitada moralizadora, adotando um método de atuação bastante perverso sob o ponto de vista dos direitos e garantias fundamentais, a nosso ver. Uma estratégia que, conforme explica, é adotada desde o início do inquérito: submeter “os suspeitos à pressão de tomar decisão quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a suspeita de permanência na prisão pelo menos durante o período da custódia preventiva, no caso de manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata no caso de confissão.” Uma extorsão indolor, podemos dizer.”69
E) Todos este elementos levaram a uma popularidade muito baixa logo no primeiro
mês do 2º mandato. Dilma Rousseff venceu as eleições presidenciais de 2014 com
51,4% dos votos válidos, descontando os brancos e nulos. Pouco tempo após a
realização das eleições em 26 de outubro, a popularidade de Dilma sofreu uma
queda abrupta de popularidade. De 2011 a 2013 a avaliação do governo Dilma era
relativamente alta. Segundo o Datafolha seu primeiro governo começou com uma
aprovação de cerca de 47% (ótimo/bom), e foi crescendo até alcançar 65% em
março de 2013. Com as manifestações de junho de 2013 ela caiu
consideravelmente, e um novo padrão se formou. Sua aprovação ficou entre cerca
de 30% e 40% até o final de 2014. No começo de 2015 um padrão ainda pior se
estabeleceu. Sua aprovação caiu para 13%. Até o impeachment sua aprovação
oscilaria em torno de 10%. Para além dos fatores listados acima, contribui para
baixa popularidade de Dilma Rousseff neste período uma cobertura midiática
extremamente negativa. A relação dos governos do PT com os principais meios de
comunicação sempre foi marcada por certa tensão, mas, a partir da eleição de 2014,
68 MORO, Sergio. “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Revista CEJ (Brasília), v. 26. 2004. P. 57. 69 CAMARGO, Margarida Lacombe e VIEIRA, José Ribas; “O impeachment e a instrumentalização do poder judiciário pelas mãos do juiz Sergio Moro”. in: A Resistência ao Golpe de 2016. Carol Proner, Gisele Cittadino, Marcio Tenenbaum e Wilson Ramos Filho (orgs). Bauru: Canal 6, 2016. P. 297-302.
52
a cobertura midiática adquiriu um novo padrão de antagonismo, com um pico em
março e abril de 2016. Segundo o cientista político João Feres Júnior, coordenador
do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP):
“Dezembro de 2014 foi o último mês da série em que o número de negativas encontrou o número de neutras. A partir daí as negativas saltaram já em janeiro, primeiro mês do novo governo, para uma proporção de mais de duas vezes o número de neutras (229 a 92 respectivamente). No mês de março, a proporção foi quase de três vezes mais negativas do que neutras, com a tendência de aumento relativo das negativas aumentando até o final da série. Os picos de negatividade da cobertura de Dilma coincidem com eventos significativos do processo político que culminou com sua deposição. Em março de 2015, quando as primeiras manifestações massivas pró-impeachment ocorriam, a cobertura de Dilma alcançava recordes de negatividade. Em dezembro, quando Eduardo Cunha aceitou o processo de impeachment na Câmara, mais um pico de negatividade. Finalmente, o mais alto patamar de negatividade acontece nos meses de março e abril de 2016, coincidindo com todos os eventos: condução coercitiva de Lula, manifestações massivas pró-impeachment, nomeação e cassação de Lula para o ministério, vazamento do grampo de conversa entre Dilma e Lula. A aceitação do processo no Senado, que levou ao afastamento de Dilma, também pode ser considerada como parte dos eventos aqui, pois ocorreu no começo de maio e, portanto, no limite da cobertura de abril, a mais negativa de toda a série temporal.”70
4.1.3
O impeachment na agenda política
Ao mesmo tempo em que o governo perdia sua capacidade de articulação
política e sua popularidade diminuía, o impeachment entrava na agenda
oposicionista, mesmo que fosse, neste período inicial, para negar a sua
possibilidade, mas, ao mesmo tempo, retirar o tema de uma espécie de zona
proibida. Ainda em fevereiro o senador Aécio Neves, candidato a presidente
derrotado poucos meses antes, afirmou ao jornal Folha de São Paulo que “não está
na pauta do nosso partido, mas não é crime falar sobre o assunto (o
impeachment)”71. Para Aécio Neves não existiam, naquele momento, elementos
70 FERES JUNIOR, João. “O terceiro turno de Dilma Rousseff.” Saúde debate [online]. 2016, vol.40, n.spe, p. 179. 71 “Não é crime falar de impeachment, diz Aécio.” Folha de São Paulo. 11/02/2015. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/02/1588231-nao-e-crime-falar-de-impeachment-diz-aecio.shtml>
53
jurídicos ou políticos para o pedido de impeachment. No entanto ele afirmou que a
situação iria piorar pela instabilidade das relações com o Congresso.72
Em março ficou evidente que a eleição do ano anterior não teve o efeito de
amenizar a polarização política. No dia 15 de março protestos organizados por
movimentos não partidários73, mas com apoio de partidos oposicionistas, contando
com a participação de cerca de 1 milhão de pessoas, tinham como discurso
hegemônico o combate à corrupção, o apoio à lava-jato e o pedido de impeachment
da presidente Dilma Rousseff.74
O discurso da oposição, então, foi se modificando. Aécio Neves, ainda
afirmando ser contrário ao impeachment, disse, no entanto, que os pedidos de
impeachment expressam o "grande sentimento de indignação da sociedade
brasileira em relação à degradação moral e os gravíssimos problemas sociais e
econômicos promovidos pela presidente Dilma Rousseff".75 O ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, em entrevista de rádio, afirmou que “Nós temos que
respeitar as instituições democráticas e a presidente Dilma foi eleita (...), mas ela
está perdendo as condições políticas de governar”.76 O presidente da câmara
Eduardo Cunha, em entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura) no dia 16 de
março, criticou o que chamou de “presidencialismo de cooptação” imposto por
Dilma mas manteve-se contrário ao impeachment:
“Não posso achar que o Brasil virou uma "republiqueta" e que podemos tirar o presidente democraticamente eleito. O Brasil não pode fazer como o Paraguai, que tirou o Lugo do dia pra noite porque ele perdeu apoio, vai ser um impeachment atrás do outro se isso acontecer”. 77
72 Idem. 73 Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua, Revoltados Online e Movimento Endireita Brasil. 74 “Protestos contra o governo reúnem quase 1 milhão pelo país.” Folha de São Paulo. 15/03/2015. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1603286-protestos-contra-o-governo-reune-quase-1-milhao-pelo-pais.shtml> 75 “PSDB apoia protestos de domingo contra Dilma e chama militantes, mas rejeita impeachment.” Reuters Brasil. 11/03/2015. Disponível em <http://br.reuters.com/articledomesticNews/id BRKBN0M71UX20150311> 76 “Dilma está perdendo condições políticas de governar, diz FHC.” Rádio Jovem Pan. 18/03/2015. Disponível em < http://jovempan.uol.com.br/videos/noticias/jornal-da-manha/dilma-esta-perdendo-condicoes-politicas-de-governar-diz-fhc.html> 77 “Se convenção fosse hoje, PMDB provavelmente não faria aliança com PT, diz Cunha”. Estadão. 17/03/2016. Disponível em < http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,se-convencao-fosse-hoje-pmdb-provavelmente-nao-faria-alianca-com-pt-diz-cunha,1652315>
54
Em entrevista realizada no mesmo dia ao Programa Diálogos (Globonews),
Cunha afirmou ser contra o impeachment mas atacou duramente o governo:
“Discussão de processo de impeachment neste momento, com as circunstâncias que estão colocadas, beira a ilegalidade, a inconstitucionalidade, para não dizer o golpismo. Ela foi eleita legitimamente. Não há o que contestar. Se aqueles que votaram nela se arrependeram do voto, vão ter esperar quatro anos para consertar. Ela tem todo o direito de governar. (...) Ela saiu desse processo eleitoral e não teve a percepção de que não teve hegemonia política. Não teve hegemonia eleitoral. Teve vitória eleitoral. Começou o segundo mandato em crise política achando que a simples nomeação para cargos públicos seria suficiente. Sabia que tinha que fazer ajuste fiscal, começou a propor, mas sem discutir antes as medidas, não só com aqueles que compõem a sua base, mas com a sociedade como um todo”78
O fato é que, menos de três meses após o início do segundo mandato da
presidente Dilma Rousseff, o impeachment já estava em pauta. Programas de
televisão tratavam do tema, matérias de jornais o abordavam, os políticos o
discutiam, juristas debatiam a sua legitimidade, e os movimentos supostamente
apartidários que convocaram as manifestações pediam-no.
Os movimentos organizadores da manifestação do dia 13 de março
convocaram outra manifestação para o dia 12 de abril. Apesar do número
considerável de participantes – cerca de 700 mil - tais manifestações foram menores
do que as de março. O tema central delas eram o “Fora Dilma” e Fora PT”.79 Quatro
dias depois destas manifestações o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU)
aprovou por unanimidade o voto do ministro José Mucio Monteiro no qual concluía
que, em 2013 e 2014, a equipe econômica de Guido Mantega dez manobras fiscais
que feriram a Lei de Responsabilidade Fiscal.80 Somava-se ao apelo de parte da
população um elemento jurídico.
A partir de então, a oposição passou a apoiar explicitamente o impeachment.
No dia 16 de abril Aécio Neves afirmava:
78 Eduardo Cunha rejeita impeachment, mas critica gestão de Dilma. G1. 16/03/2015. Disponível em <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/eduardo-cunha-rejeita-impeachment-mas-critica-gestao-de-dilma.html> 79 “Manifestações contra o governo encolhem em todo Brasil.” CartaCapital. 12/04/2015. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/politica/manifestacoes-encolhem-e-governo-federal-e-pt-nao-se-manifestam-2961.html> 80 As manchetes dos principais jornais virtuais do país eram as seguintes: Estadão: “TCU diz que governo cometeu crime de responsabilidade fiscal.” Globo: “TCU vê crime de responsabilidade em manobra fiscal do governo.” Folha de São Paulo: “Tribunal de Contas da União aponta crime nas manobras fiscais”.
55
“Se caracterizado, na nossa avaliação e de juristas respeitáveis do Brasil, crime de responsabilidade, a nossa obrigação é realmente apresentar algo para coibir esse crime e para punir os responsáveis. O TCU, e não nós, afirma que houve ali cometimento de crime pela equipe econômica. (...) Precisamos averiguar agora quais foram os responsáveis por essa fraude (as pedaladas fiscais) (...) Se considerarmos que houve cometimento de crime de responsabilidade, nós vamos agir como determina a Constituição.”81
No mesmo sentido, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB):
“Nada impede que se discuta. Eu já votei favorável ao impeachment. Era deputado
federal quando houve o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Mas acho
que, neste momento, o que se quer é que a investigação seja feita de maneira ampla
e profunda.”82 Os líderes dos principais partidos de oposição no senado foram ainda
mais enfáticos. Para Ronaldo Caiado, líder do DEM, “Está claro exatamente o
descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que incide sobre a presidente
a condição de prática de crime de responsabilidade. E ao praticar crime de
responsabilidade, a lei prevê perda do cargo.”83 O Líder do PSDB, Cássio Cunha
Lima, afirmou: “Para o impeachment, é preciso ter um elemento jurídico. Chegou
o elemento jurídico. Inegavelmente, a presidente cometeu crime de
responsabilidade. Estamos diante dessa prova irrefutável.”84
Entretanto, Eduardo Cunha, a peça central no processo de impeachment pois,
como presidente da Câmara, dele dependia a admissão dos pedidos, manteve-se
contrário. Em um fórum em Comandatuba que reunia empresários e políticos,
Cunha afirmou:
“Qualquer coisa que chegar a gente vai examinar com atenção e respeito. Mas, na minha opinião, o que saiu em relação a isso foi no mandato anterior. Não vejo como possa se aplicar em responsabilidade no atual mandato. (...) O que vocês chamam de pedalada é a má prática de se adiar investimento para fazer superávit primário. Isso vem sendo praticado nos últimos 15 anos sem nenhuma punição.”85
81 “PSDB vai pedir impeachment se Dilma estiver envolvida em manobra fiscal, diz Aécio.” O Globo. 16/04/2015. Disponível em <http://oglobo.globo.com/brasil/psdb-vai-pedir-impeachment-se-dilma-estiver-envolvida-em-manobra-fiscal-diz-aecio-15895375> 82 “PSDB pedirá impeachment se Dilma estiver envolvida com 'pedalada fiscal.” Folha de São Paulo. 16/04/2015. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/04/1617424-psdb-pedira-impeachment-se-dilma-estiver-envolvida-com-pedalada-fiscal.shtml> 83 Idem. 84 Idem. 85 “Cunha rejeita tese de impeachment de Dilma por ‘pedaladas fiscais’.” Estadão. 19/04/2017. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cunha-rejeita-tese-de-impeachment-de-dilma-por-pedaladas-fiscais,1672754>
56
Cunha seguiu rejeitando reiterados pedidos de impeachment que chegavam à
Presidência da Câmara. No total foram 27 pedidos de impeachment rejeitados antes
do pedido aceito. Não obstante, a relação entre o Executivo e a Câmara manteve-se
muito ruim. Ao longo de 2015 a Câmara apresentou uma série de projetos de lei
que implicava em significativo aumento das despesas governamentais e, além disso,
barrou ou modificou projetos vindos do Executivo que tinham como objetivo
aumentar a arrecadação do governo. Eram as chamadas “pautas-bombas”, que
inviabilizaram o ajuste fiscal preconizado pelo governo Dilma e pelo ministro da
fazenda Joaquim Levy
As “pautas-bombas” revelavam a fraqueza política do governo e
aprofundavam ainda mais a crise econômica brasileira. Em 2015 a crise passou de
uma estagnação para uma recessão, com aumento significativo do déficit fiscal e da
dívida pública. O Produto Interno Bruto do país caiu 3,8% neste ano, as contas
públicas tiveram um déficit de R$ 115 bilhões e a relação dívida/PIB passou a ser
de 67%. Um cenário muito pior do que o de 2014 – que já não era bom – com um
crescimento de 0,1 % do PIB, um déficit de R$17 bilhões e uma relação dívida/PIB
de 57%, como explicitado anteriormente.86 Destacando a dimensão política da crise
econômica, o ex-ministro e deputado federal Delfim Netto, que apoiou o presidente
Lula, a presidente Dilma e que, depois, viria a apoiar o presidente Michel Temer,
afirmou:
“Talvez estejamos em um momento semelhante àqueles de Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello, nos quais emerge o que se vayan todos, como sugere uma recente pesquisa de opinião (...) Nossa situação econômica só é um problema sem solução porque dispomos de uma trágica organização política: primeiro, um presidencialismo de coalização, em que a presidenta nem assume o seu protagonismo nem coaliza e, segundo, um Congresso perdido e ocupado com propostas que, com raras exceções, ignoram o interesse nacional e insiste em dissipar sua energia num sinistro retrocesso civilizatório”87
86 Dados disponíveis em: <http://infograficos.oglobo.globo.com/economia/evolucao-do-pib-1.html> <http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/05/governo-quer-permissao-para-rombo-fiscal-de-ate-r-1705-bilhoes-em-2016.html> <http://oglobo.globo.com/economia/governo-projeta-divida-bruta-em-719-do-pib-em-2016-18969621> <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1734911-divida-publica-fecha-2015-em-nivel-recorde-de-662-do-pib.shtml> 87 NETTO, Delfim. “A Economia não é o problema.” Carta Capital. 18/11/2015. Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/revista/876/a-economia-nao-e-o-problema-5164.html>
57
4.1.4
O programa Uma Ponte Para o Futuro
Em outubro de 2015 o PMDB, oficialmente parte do governo Dilma e partido
do vice-presidente, lançou um documento com um programa intitulado “Ponte para
o Futuro”. Apesar de apresentado como um programa voltado para o debate interno
do partido, ele era, nitidamente, um programa de governo contendo medidas
concretas a serem tomadas para a superação da crise econômica. O PMDB
sinalizava que era uma força política disposta a assumir o poder e viabilizar um
projeto ultraliberal.
O programa supracitado identificava na crise fiscal o principal entrave à
retomada do crescimento econômico. Um dos principais fatores responsáveis pela
crise fiscal, de acordo com o documento, é a pouca margem de manobra
orçamentária por conta das vinculações constitucionais e por conta da indexação
obrigatória de muitos valores do orçamento:
“No Brasil de hoje a crise fiscal, traduzida em déficits elevados, e a tendência do endividamento do Estado, tornou-se o mais importante obstáculo para a retomada do crescimento econômico. (..) A conclusão inevitável a que se chega é que os principais ingredientes da crise fiscal são estruturais e de longo prazo. De um lado, a falta de espaço para aumento das receitas públicas através da elevação da carga tributária, de outro, a rigidez institucional que torna o orçamento público uma fonte permanente de desequilíbrio”88
A superação da crise econômica vislumbrada pelo Programa estava associada,
então, a um novo regime fiscal capaz de equilibrar o orçamento e reverter a
trajetória ascendente da dívida pública. O objetivo era estabilizar a relação
Dívida/PIB e alcançar uma taxa de inflação em torno de 4,5% em, no máximo, 3
anos. Este era o imperativo do Programa.
Para atingir estes objetivos o programa receitava a adoção de uma agenda
econômica fortemente liberal e austera. As medidas eram, na sua grande maioria,
de contenção de gastos com serviços públicos e com benefícios sociais, de
diminuição do papel condutor do Estado na economia e de flexibilização das
88 Uma Ponte para o Futuro, P. 5-7. Disponível em <http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf>
58
relações de trabalho. Concomitantemente, constavam medidas que enfraquecem o
Poder Executivo, fortalecem o Legislativo e transferem grande parte do poder
decisórios de assuntos econômicos para corpos técnicos supostamente
independentes.
Entres as medidas previstas – muitas delas tornadas realidade atualmente e,
algumas, intensificadas – estavam a eliminação da vinculação constitucional dos
gastos com saúde e educação; a flexibilização das leis trabalhistas, permitindo que
convenções coletivas prevaleçam sobre normas legais; reforma tributária com
redução do número de impostos; Tornar o Equilíbrio Fiscal de longo prazo um
princípio constitucional da Administração Pública; Estabelecer, através de lei, um
limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do PIB; estabelecer uma
idade mínima para a aposentadoria de 65 ou 67 anos.
Os pontos centrais do programa são os seguintes:
-Eliminar a indexação obrigatória de parcelas do orçamento. Grande
parte dos valores do orçamento são reajustados automaticamente por meio de
indexadores. Os principais indexadores são o PIB, a inflação e o salário
mínimo. É o caso dos valores da previdência e dos valores relativos a
benefícios sociais, que são indexados ao salário mínimo. A utilização do
salário mínimo como indexador é particularmente atacado no documento pois
este já é automaticamente reajustado em função da inflação e do aumento do
PIB.
-Eliminar a vinculação constitucional de parte do orçamento. A
Constituição Federal estabelece que os gastos com ações e serviços públicos
de saúde, no caso da União, não podem ser inferiores a 15% da sua receita
líquida. O mesmo acontece com os gastos com Educação. A Constituição
determina a aplicação, na manutenção e desenvolvimento do ensino, de um
mínimo de 18%, para a União, e de 25%, para Estados e Municípios, da
receita resultante de impostos.
- Executar uma política de desenvolvimento econômico baseado na
iniciativa privada, por meio de transferência de ativos, concessões amplas
59
nas áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta
de serviços públicos e retorno ao regime de concessões na área de petróleo.
- Flexibilizar as leis trabalhistas, permitindo que convenções coletivas
prevaleçam sobre as normas legais.
- Fazer uma Reforma Tributária, com redução do número de impostos,
buscando a sua simplificação, e a desoneração da exportação e investimentos.
- Adotar o orçamento impositivo, no qual o Executivo é obrigado a executar
as despesas orçadas.
- Adotar o Orçamento de Base Zero, no qual todos os programas sociais
serão reavaliados por um Comitê Especial que poderá sugerir a continuidade
ou fim dos mesmos, sendo a decisão final do Congresso.
- Tornar o Equilíbrio Fiscal de longo prazo um princípio constitucional
da Administração Pública.
- Estabelecer, através de lei, um limite para as despesas de custeio
inferior ao crescimento do PIB.
- Estabelecer uma idade mínima para aposentadoria, que deve ser, de
acordo com o Programa, de 65 ou 67 anos.
O Cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, célebre por ter
antecipado o golpe militar de 1964 dois anos antes, afirmou em julho 2015, em um
texto intitulado Alerta, que sem o PMDB não haveria golpe e que a estratégia do
PSDB era de tentar se aproximar dele:
“Partido singular (o PMDB), do qual todos os governantes dependem e de que todos buscam aparentar distância. Os puristas resistem a aceitar a dinâmica política brasileira em sua carne viva e agem como se não existissem alguns dos principais agentes desse processo. Poucos se dão conta do especial papel que o acaso institucional lhe reservou: sem o PMDB o PSDB golpista não é nada. Por isso a tentativa de se aproximar dele está sendo o lance mais inteligente do golpismo tucano, à margem da histeria dos líderes de panelaços. Há um PMDB, ainda minoritário, que o aguarda de braços abertos, eis o potencial explosivo de curto prazo.”89
89 SANTOS, Wanderley Guilherme dos. “Alerta”. Blog Insight. 10/07/2015. Disponível em <insightnet.com.br/segundaopiniao/?p=130>
60
O documento “Uma Ponte para o Futuro” revelou que o PMDB de “braços
abertos” não era tão minoritário assim e que a “ponte” entre os dois partidos seria
construída em breve. Michel Temer, inclusive, chegou a atribuir a queda de Dilma
Rousseff ao fato de que o governo não adotou as medidas preconizadas no
documento. Em 23 de setembro de 2016, já como presidente do país, Temer fez a
seguinte afirmação em um evento em Nova York com empresários
norteamericanos:
“Há muitíssimos meses atrás, nós lançamos um documento chamado 'Ponte para o Futuro' porque verificávamos que seria impossível o governo continuar naquele rumo e até sugerimos ao governo que adotasse as teses que nós apontávamos naquele documento. Como isso não deu certo, não houve a adoção, instaurou-se um processo que culminou, agora, com a minha efetivação como presidente da República”90
Cabe notar que, neste período, o discurso hegemônico da oposição em relação
ao impeachment havia se radicalizado ainda mais. Superadas as fases da
aceitabilidade do tema, do reconhecimento da vontade popular por sua ocorrência,
e do apoio condicionado a um elemento jurídico, o discurso passou a ser o da sua
inevitabilidade. Para o senador Ronaldo Caiado:
“Dilma e Lula decidiram entregar todo o poder e cargos para que os partidos beneficiados com essas indicações impeçam a votação da abertura do processo de impeachment. E com isso conseguem atrasar o processo inevitável, porque Dilma já é uma peça figurativa, esvaziada. A sua permanência alimenta o caos político, econômico e social que o País vive. A saída da presidente passa a ser uma atitude saneadora ao sofrimento dos brasileiros. E que jogará Dilma, Lula e o PT no limbo político, onde repousarão em notas curtas dos livros de história.”91
Na mesma linha o deputado federal Jarbas Vasconcelos (PMDB):
“O Brasil vai passar por um processo de ajustamento, com a retomada da economia, o país respirando melhor e um apelo para que a Lava Jato chegue ao término. Tudo isso pode acontecer com a saída dela. O caminho será institucional e tem de ser com Michel Temer. E, se ela não renunciar, o impeachment é inevitável. Ele vem quer queira ou não, embora eu ache que seja um processo explosivo e traumático.”92
90 “Temer: impeachment ocorreu porque Dilma recusou Ponte para o Futuro". CartaCapital. 23/09/2016. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/politica/temer-impeachment-ocorreu-porque-dilma-recusou-ponte-para-o-futuro> 91 “Há condições jurídicas e políticas para o impeachment?” Blog do senador Ronaldo Caidado. 04/10/2015. Disponível em <http://www.ronaldocaiado.com.br/2015/10/em-artigo-caiado-diz-que-ha-condicoes-juridicas-e-politicas-para-impeachment/> 92 “Jarbas: Se Dilma não renunciar, impeachment é inevitável”. Veja. 23/08/2015. Disponível em < http://veja.abril.com.br/politica/jarbas-se-dilma-nao-renunciar-impeachment-e-inevitavel/>
61
4.1.5
A prisão de Delcídio Amaral: A 1ª Judicialização da Megapolítica pelo
STF no processo que levou ao Impeachment
Em novembro o governo Dilma, profundamente fragilizado, sem poder de
articulação política, com níveis muito baixos de popularidade, e enfrentando a pior
crise desde 1930, sofreu mais um forte revés: O senador Delcídio do Amaral (PT),
então líder do governo no Senado e no Congresso, foi preso por tentar obstruir as
investigações da Operação Lava-Jato.
A prisão de Delcídio do Amaral teve profundo impacto na opinião pública e
pode ter aberto um precedente perigoso pois o STF cometeu flagrante violação da
imunidade parlamentar.
Delcídio teve uma conversa com Bernardo Cerveró, filho do ex-executivo da
Petrobrás envolvido no escândalo do “Petrolão” Nestor Cerveró, gravada pelo
próprio Bernardo. Nesta conversa o senador supostamente articula a fuga de Nestor
e tenta dificultar a sua delação premiada, inclusive citados os ministros Teori
Zavascki, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Edson Fachin como possíveis
interlocutores Por conta disso, teve a prisão cautelar decretada pelo ministro Teori
Zavascki no dia 25 de novembro de 2015 a pedido da Procuradoria-Geral da
República (PGR).93 Zavascki alegou que a prisão não feria a imunidade parlamentar
prevista no art. 53, §2º da Constituição Federa,94 que condiciona a prisão ao
flagrante de crime inafiançável, visto que a incoercibilidade pessoal dos
congressistas teria natureza relativa e que, no caso, tratar-se-ia de flagrância de
crime em situação de inafiançabilidade:
“Há elementos que apontam, embora de modo ainda suposto, para a participação do senador Delcídio Amaral na prática, em tese, dos delitos apontados pelo Procurador-Geral da República, entre eles o de organização criminosa (...). Esse delito, tipificado
93 Ação Cautela 4039. Requerente: Ministério Público Federal. Decisão do Relator de 24/12/15 decretou prisão cautelar. Decisão da Turma de 25/12/15 referendou decisão do Relator. 94 CF Art. 53: Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
62
anteriormente pela Lei 12.694/2013, é pacificamente reconhecido como crime permanente e, como tal, contempla não só a possibilidade de flagrante a qualquer tempo, como até mesmo a chamada “ação controlada”(...) Aqui se cuida, em tese, e pelas razões já examinadas, de estrito flagrante (...). Em qualquer a hipótese de inafiançabilidade decorrente do art. 324, IV, do Código de Processo Penal. (...) Cumprirá considerar, é certo, que o já aludido art. 53, §2º da Constituição preserva incólume, no que diz respeito à disciplina das imunidades especificamente reconhecidas aos parlamentares federais, a regra geral segundo a qual, no âmbito das prisões cautelares, somente se admitiria a prisão em flagrante decorrente de crime inafiançável. (...) A mencionada incoercibilidade pessoal dos congressistas configura-se, por conseguinte, como garantia de natureza relativa, uma vez que o Texto Constitucional excepciona a prisão e flagrante de crime inafiançável, como exceção à regra geral da vedação de custódias cautelares em detrimento dos parlamentares. (...) A própria realidade, porém, vem demonstrando que também o sentido desta norma constitucional não pode decorrer de interpretação isolada (...) O parlamentar cuja prisão cautelar o Ministério Público almeja não está praticando crime qualquer, nem crime sujeito a qualquer jurisdição: estará atentando, em tese, com suas supostas condutas criminosas, diretamente contra a jurisdição do próprio Supremo Tribunal Federal, único juízo competente constitucionalmente para a persecução penal em questão.”
Em que pese os significativos indícios de uma conduta imoral e criminosa
por parte ex-senador, a argumentação utilizada pelo Ministro Teori é preocupante
pois a alegada relatividade da imunidade atribui ao STF o poder de decidir quando
ela é válida o não. Ainda, o delito imputado ao senador, o de organização criminosa,
não consta no rol de crimes inafiançáveis dispostos na Constituição.95 A
fundamentação de Zavascki é repleta de contradições lógicas insanáveis. O art. 324,
IV, do Código de Processo Penal citado determina que não haverá fiança quando
presentes os motivos que autorizam prisão preventiva. Ao mesmo tempo, é este
estado de inafiançabilidade – o que pressupõe, logicamente, que o crime é
afiançável - que Zavascki utiliza para justificar a prisão preventiva. A
inafiançabilidade e a prisão preventiva são causa e feito delas mesmas. Ainda,
Zavascki fundamenta sua decisão na excepcionalidade da situação, visto que não se
tratava de um “crime qualquer”, mas de um crime especial que atentava contra a
jurisdição do STF.
95 CF Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
63
Não obstante, a 2ª Turma do Supremo, no dia 25/11/2015, referendou por
unanimidade decisão do relator. Carmem Lúcia, com um claro discurso político e
fazendo referência ao mote de campanha de Lula em 2002, afirmou que:
“Primeiro, se acreditou que a esperança venceu o medo. No mensalão, se viu que o cinismo venceu o medo. E, agora, que o escárnio venceu o cinismo. A imunidade não se confunde com impunidade”96
Para o Ministro Dias Toffoli “É preciso esmagar, é preciso destruir com todo
o peso da lei – respeitada a garantia constitucional – esses agentes criminosos.”97
A Turma também decidiu ordenar a votação da sua ordem de prisão no
Senado Federal com votação aberta. O presidente do Senado Renan Calheiros
(PMDB) criticou a decisão:
“Com todo o respeito à separação dos Poderes, não precisaria o Supremo Tribunal Federal decidir isso, como não nos cabe interferir na modalidade de votação interna do Supremo Tribunal Federal. No Brasil, a cada dia, eu me convenço mais de que o Legislativo tem que ser Legislativo. Quem quiser abrir mão das prerrogativas que abra. O Executivo cada vez mais tem que ser Executivo. Quem quiser repartir a administração que o faça. E o Judiciário tem que ser Judiciário. Quando o arquiteto fez essa praça aqui, a Praça dos Três Poderes, ele não colocou nenhum Poder no meio, no centro. Ele colocou cada um dos Poderes em um lado: de um lado fica o Palácio do Planalto, do outro lado fica o Supremo Tribunal Federal, e do outro lado fica o Poder Legislativo. (...) Então, a polícia vir aqui cumprir ordem judicial é democrático, é natural. Nós é que precisamos dar resposta. O que não é democrático é nós permitirmos que se possa prender um Congressista no exercício do seu mandato sem culpa formada. (...)Talvez um dia nós possamos avaliar o que significou este dia triste para o Legislativo brasileiro.”98
O Senado decidiu manter a prisão de Delcidio, com 59 votos a favor e 13
contrários. Desde a promulgação da Constituição de 1988 foi a primeira vez que
um senador foi preso no exercício do cargo. Este acontecimento foi muito
importante para o curso do impeachment pois a sua prisão e o posterior vazamento
das delações premiadas feitas pelo ex-senador, expostas repetidamente nos
principais meios de comunicação, levaram à intensificação da oposição ao governo
e ao fortalecimento de um clima político propício ao o impeachment, apesar das
denúncias contidas na delação não terem sido incluídas no processo contra Dilma.
96 “Por unanimidade, 2ª Turma do STF referenda prisão de Delcídio.” Congresso em Foco. 25/11/2015. Disponível em <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/por-unanimidade-2%C2%AA-turma-do-stf-referenda-prisao-de-delcidio/> 97 Idem. 98 Pronunciamento de Renan Calheiros em 25/11/2015. Página do Senado Federal. Disponível em < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/419633>
64
4.2
A aceitação do pedido de impeachment e a definição da sua
“Natureza”
Pouco tempo depois da prisão de Delcídio o PT tomou uma decisão que, se
de um ponto de vista ético ou simbólico pode ter sido a correta, parece ter sido um
erro do ponto de vista político-estratégico. Com praticamente nenhuma capacidade
de articulação política, atacado agressivamente pela oposição e por grande parte da
mídia, e com a base social e a militância esvaziadas, o governo decidiu contra-
atacar. No dia 2 de dezembro os deputados petistas que integravam o Conselho de
Ética da Câmara decidiram não se submeter à chantagem de Eduardo Cunha e
votaram pela continuidade das investigações contra ele. “Quem acha que vai nos
chantagear vai perder”99, afirmou o deputado federal Sibá Machado, líder da
bancada do PT.
O backlash foi imediato. No mesmo dia Eduardo Cunha aceitou pedido de
impeachment redigido por Hélio Bicudo, jurista e deputado pelo Partido dos
Trabalhadores na década de 1990, Miguel Reale Junior, advogado e ministro da
Justiça do governo FHC em 2002, e Janaína Paschoal, advogada e assessora de
Miguel Reale.
O Pedido continha uma série de críticas de natureza política ao governo Dilma
e ao PT, afirma que a presidente cometeu crime de responsabilidade em função das
seguintes medidas: A Edição de Decretos que resultaram na abertura de créditos
suplementares sem a autorização do Congresso; e a tomada de empréstimos, pela
União, de instituições financeiras públicas.
Tais decretos foram editados pela presidente Dilma em 2014 e 2015, somando
ao todo cerca de R$18 bilhões de reais. Para os autores do pedido, a edição destes
99 “PT decide votar contra Cunha, que pode deflagrar impeachment de Dilma.” Folha de São Paulo. 02/12/2017. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/12/1713918-bancada-petista-decide-votar-contra-cunha-no-conselho-de-etica-da-camara.shtml>
65
decretos constituiu crime de responsabilidade em função do disposto no art. 10 da
Lei 1079/50:
Art. 10. São crimes de Responsabilidade contra a lei orçamentária: (...) 4 - Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária; (...) 6 - Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal’.
Em relação aos empréstimos de instituições públicas e sua não contabilização,
que ficou popularmente conhecido como “pedaladas fiscais”, os autores afirmam
que a presidente cometeu crime de responsabilidade nos termos do art. 11, I e II, da
Lei 1079/50, que determina o seguinte:
Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 1 - ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais relativas às mesmas; 2 - Abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais;
Para os autores do pedido a União realizou operações de crédito ilegais a
partir do não repasse de recursos a entidades do sistema financeiro nacional
controladas pela própria União. Tais operações ocorreram através de adiantamentos
realizados pela Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, em diversos programas
federais de responsabilidade do Governo Federal.
Poucos dias depois da aceitação do pedido o Partido Comunista do Brasil
(PCdoB) entrou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) afirmando que determinados dispositivos e interpretações da Lei 1.079/50
afrontam preceitos constitucionais.100 Ademais, em pedido cautelar incidental do
dia 08/12/2015, requereu-se a suspensão da formação da Comissão Especial em
decorrência da decisão da Presidência da Câmara dos Deputados de constituí-la por
meio de votação secreta, e alegou-se que o presidente da Câmara Eduardo Cunha
era suspeito ou impedido para receber a denúncia
Para evitar a prática de atos que pudessem ser anulados no futuro pelo
Supremo, o relator do processo Ministro Edson Fachin, em decisão monocrática no
próprio dia 08, decidiu suspender a instalação da Comissão Especial e o andamento
100 ADPF 378.
66
do impeachment até o dia 16/12/2015, data marcada para deliberação do Pleno do
Tribunal:
“Com o objetivo de (i) evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal, (ii) obstar aumento de instabilidade jurídica com profusão de medidas judiciais posteriores e pontuais, e (iii) apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados, impende promover, de imediato, debate e deliberação pelo Tribunal Pleno, determinando, nesse curto interregno, a suspensão da formação e a não instalação da Comissão Especial, bem como a suspensão dos eventuais prazos, inclusive aqueles, em tese, em curso, preservando-se, ao menos até a decisão do Supremo Tribunal Federal prevista para 16/12/2015, todos os atos até este momento praticados.”101
No Tribunal do Pleno do dia 17/12/2015 o STF firmou o entendimento de que
o impeachment tem uma índole dupla, jurídico-política, mas que seu papel seria
simplesmente o de garantir a devida forma procedimental, não o de interferir no
mérito da deliberação parlamentar. Seguindo esta lógica o Tribunal decidiu rejeitar
a alegação de suspeição em relação a Cunha e definiu que o rito seria o mesmo do
impeachment de Collor, no qual o Senado tem a faculdade de rejeitar a abertura do
processo e no qual a formação de comissão especial ocorre através de candidaturas
indicadas pelos líderes e voto aberto:
“1.1. Apresentada denúncia contra o Presidente da República por crime de responsabilidade, compete à Câmara dos Deputados autorizar a instauração de processo (art. 51, I, da CF/1988). A Câmara exerce, assim, um juízo eminentemente político sobre os fatos narrados, que constitui condição para o prosseguimento da denúncia. Ao Senado compete, privativamente, processar e julgar o Presidente (art. 52, I), locução que abrange a realização de um juízo inicial de instauração ou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara. 1.2. Há três ordens de argumentos que justificam esse entendimento. Em primeiro lugar, esta é a única interpretação possível à luz da Constituição de 1988, por qualquer enfoque que se dê: literal, histórico, lógico ou sistemático. Em segundo lugar, é a interpretação que foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal em 1992, quando atuou no impeachment do então Presidente Fernando Collor de Mello, de modo que a segurança jurídica reforça a sua reiteração pela Corte na presente ADPF. E, em terceiro e último lugar, trata-se de entendimento que, mesmo não tendo sido proferido pelo STF com força vinculante e erga omnes, foi, em alguma medida, incorporado à ordem jurídica brasileira. Dessa forma, modificá-lo, estando em curso denúncia contra a Presidente da República, representaria uma violação ainda mais grave à segurança jurídica, que afetaria a própria exigência democrática de definição prévia das regras do jogo político. 1.3. Partindo das premissas acima, depreende-se que não foram recepcionados pela CF/1988 os arts. 23, §§ 1º, 4º e 5º; 80, 1ª parte (que define a Câmara dos Deputados como tribunal de pronúncia); e 81, todos da Lei nº 1.079/1950, porque incompatíveis com os arts. 51, I; 52, I; e 86, § 1º, II, todos da CF/1988. (...)
101 ADPF 378. Decisão Monocrática. Fl.2/3.
67
3.2. Diante da ausência de regras específicas acerca dessas etapas iniciais do rito no Senado, deve-se seguir a mesma solução jurídica encontrada pelo STF no caso Collor, qual seja, a aplicação das regras da Lei nº 1.079/1950 relativas a denúncias por crime de responsabilidade contra Ministros do STF ou contra o PGR (também processados e julgados exclusivamente pelo Senado). 3.3. Conclui-se, assim, que a instauração do processo pelo Senado se dá por deliberação da maioria simples de seus membros, a partir de parecer elaborado por Comissão Especial, sendo improcedentes as pretensões do autor da ADPF de (i) possibilitar à própria Mesa do Senado, por decisão irrecorrível, rejeitar sumariamente a denúncia; e (ii) aplicar o quórum de 2/3, exigível para o julgamento final pela Casa Legislativa, a esta etapa inicial do processamento. (...) 1. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS HIPÓTESES DE IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO AO PRESIDENTE DA CÂMARA (ITEM K DO PEDIDO CAUTELAR): Embora o art. 38 da Lei nº 1.079/1950 preveja a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal no processo e julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade, o art. 36 dessa Lei já cuida da matéria, conferindo tratamento especial, ainda que de maneira distinta do CPP. Portanto, não há lacuna legal acerca das hipóteses de impedimento e suspeição dos julgadores, que pudesse justificar a incidência subsidiária do Código. A diferença de disciplina se justifica, de todo modo, pela distinção entre magistrados, dos quais se deve exigir plena imparcialidade, e parlamentares, que podem exercer suas funções, inclusive de fiscalização e julgamento, com base em suas convicções político-partidárias, devendo buscar realizar a vontade dos representados. (grifo meu) Improcedência do pedido.”102
Com esta decisão, as chances de barrar o impedimento da presidente através
de apelos ao Supremo Tribunal Federal se tornaram pequenas, visto que a sua
natureza política adquiriu proeminência. A natureza do impeachment foi, e continua
sendo, objeto de debate de muitos juristas. Conrado Hübner Mendes, apesar de
considerar que o impeachment sem crime de responsabilidade constitui um voto de
desconfiança de facto, considera que o Supremo não possui competência para
reverter o processo.103 Já Marcelo Cattoni considera que o impeachment é um
instituto jurídico e que o STF tem competência para declarar a sua nulidade na
ausência de um crime de responsabilidade que o fundamente.104 Oscar Vilhena
Vieira, para quem o impeachment tem as funções de “desincentivar golpes” e
“qualificar o debate público”,105 afirma que ele possui uma natureza
predominantemente política e o Senado federal tem o direito de “errar por
102 ADPF 378. Acórdão. Fl.2/6. 17/12/2015. 103 MENDES, Conrado Hübner. “O STF é refém do capricho dos seus ministros.” Blog Os Constitucionalistas. 08/07/2016. Disponível em <http://www.osconstitucionalistas.com.br/ conrado-hubner-mendes-o-stf-e-refem-do-capricho-dos-seus-ministros> 104 BAHIA, Alexandre Gustavo, OlIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni e VECCHIATTI, Paulo Roberto. “Supremo Tribunal Federal deve barrar ou nulificar impeachment sem crime de responsabilidade” Emporio do Direito. 23/03/2016. Disponível em <http://emporiododireito.com.br/supremo-tribunal-federal-deve-barrar/#_ftn1> 105 VIEIRA, Oscar Vilhena. “Impeachment e a democracia.” Folha de São Paulo. 24/04/2016.
68
último.”106 Uma análise muito interessante, abordando a recepção do instituto no
país, é feita por Margarida Lacombe e José Ribas Vieira. Para os autores o
impeachment é um mecanismo de natureza eminentemente política e escapa ao
controle de constitucionalidade, “impedindo o poder judiciário de ultrapassar a
verificação das regras cabíveis à sua fiel utilização.”107 No entanto, os autores
destacam que a discussão ultrapassa a questão procedimental. Neste sentido em
cada processo de impeachment os juristas se esforçam para estabelecer standards a
seu respeito que possam servir de orientação no presente e no futuro. No caso
brasileiro esta dificuldade se intensifica, posto que não temos uma rica produção
teórica a respeito, sendo a principal construção teórica a de Paulo Brossard, “que
assume uma posição de simples recepção do instituto, sem revelar o seu aspecto
conflitivo e os dos desafios concretos.”108 Assim, temos dificuldade de conformar
o instituto ao desenho constitucional do presidencialismo e, ao contrário dos
Estados Unidos, no qual o debate gira em trono do alcance do tipo legal “high
Crimes and Misdemanors”109 contido na Constituição de 1787, possuímos um
excesso de legislação que pode banalizar o instituto.
No fundo, o debate sobre a natureza do instituto possui uma natureza política.
Partidários do impeachment sustentaram e continuam sustentando a prevalência da
sua natureza política e o reverso também é verdadeiro. O fato, porém, é que, em
dezembro de 2015, o Supremo se negou a “judicializar” o seu mérito, optando por
acatar a decisão final dos parlamentares. Entretanto, através de uma conduta ativista
em matérias relacionadas (com profundo impacto político), o STF foi um
protagonista fundamental deste processo. Como já demonstrado, a Corte teve uma
postura ativista na determinação da prisão de Delcídio. Conforme veremos mais
adiante, a influência exercida por este ativismo no processo de impeachment não se
restringiu a este caso.
106 VIEIRA, Oscar Vilhena: “Vivemos o ápice do nosso momento supremocrático”. Blog os Constitucionalistas. 23/05/2016. 107 CAMARGO, Margarida Lacombe e VIEIRA, José Ribas. “O Impeachment e o seu desenho institucional conflitivo.” Blog Jota. 20/01/2016. Disponível em <https://jota.info/artigos/o-impeachment-e-o-seu-desenho-institucional-conflitivo-20012016+&cd=1&hl=pt BR&ct=clnk&gl br> 108 Idem. 109 Constituição dos Estados Unidos: Art. 2. Seção IV: The President, Vice President and all civil Officers of the United States, shall be removed from Office on Impeachment for, and Conviction of, Treason, Bribery, or other high Crimes and Misdemeanors.
69
4.2.1
O vazamento das delações de Delcídio Amaral
Com as decisões do Supremo de dezembro de 2015, a disputa em torno
impeachment se tornou sobretudo política e entrava em seus momentos decisivo.
Tratava-se de angariar apoio parlamentar para aprovar ou negar a admissibilidade
do processo no plenário da Câmara. Se admitido, seria muito difícil para o governo
conseguir a rejeição da admissibilidade no Senado e, afastada a presidente, não
existiriam condições políticas para reverter o impeachment no julgamento final do
Senado.
Ao mesmo tempo, a polarização política na sociedade brasileira era imensa,
e, diante de uma disputa de vida e morte de um governo e de um projeto político,
os atores sociais e institucionais radicalizavam suas ações.
No dia 3 de março de 2016 foi vazada pela imprensa a delação premiada,
ainda não homologada, que o senador Delcidio do Amaral tinha firmado com a
Procuradoria Geral da República em troca da redução da sua pena. A revista ISTOÉ
publicou partes da delação e estampou na capa da sua revista:
“Delcídio conta tudo: - Dilma interferiu na Lava-Jato – Lula foi o mandante dos pagamentos à Cerveró – Dilma sabia do acerto de Pasadena – Lula comprou o silêncio de Marcos Valério”
Os demais meios de comunicação reverberam a notícias e adotaram a mesma
linha, dando destaque às acusações feitas a Lula e Dilma, embora, entre as muitas
acusações feitas por Delcidio, constavam muitas acusações a políticos da oposição,
incluindo Aécio Neves.
70
4.2.2
A condução coercitiva de Lula e o pedido de prisão preventiva
No dia seguinte, 4 de março, as forças governistas sofreram mais um revés.
Sem que houvesse prévia intimação, o Juíz Sérgio Moro determinou a condução
coercitiva à delegacia da principal liderança petista, o ex-presidente Lula, para
prestar esclarecimentos em relação à acusação de ser dono do Tríplex do Guarujá.
Moro adotou, com Lula, uma prática que já vinha adotando com vários investigados
no âmbito da Lava-Jato e justificou o ato como uma forma de evitar tumulto e
proteger o próprio ex-presidente. A decisão chegou a ser publicamente criticada
pelo ministro Marco Aurélio:
“Me preocupa um ex-presidente da República ser conduzido debaixo de vara (...) Um ex-presidente da República, sem ter oposto resistência física, ser conduzido coercitivamente revela em que ponto nós estamos. A coisa chegou ao extremo.”110
Menos de uma semana depois, no dia 10 de março, promotores do Ministério
Público de São Paulo convocaram uma entrevista e pediram, em rede nacional, a
prisão preventiva do ex-presidente. Lula, acusado dos crimes de lavagem de
dinheiro e falsidade ideológica relacionados ao Tríplex no Guarujá, deveria ser
preso preventivamente porque ele poderia “movimentar sua ‘rede’ violenta de apoio
para evitar que o processo crime que se inicia tenha seu curso natural.” Este pedido,
entretanto, foi recebido com cautela pelo principais meios de comunicação, por boa
parte dos políticos da oposição, e pela maioria da comunidade jurídica. Não teve
maiores consequências a não ser a exposição do presidente e dos próprios
promotores.
Todos estes acontecimentos atiçaram a opinião pública, fragilizaram o
governo e serviram para estimular as manifestações pró-impeachment marcadas
para o dia 13 de março. Tais manifestações, organizadas pelos mesmos grupos que
organizaram as manifestações no ano anterior, foram as maiores da história do país,
contando com a participação de 3 milhões de pessoas, segundo dados da polícia
110 “Para Marco Aurélio, 'preocupa' ex-presidente depor sob 'vara'.” Estadão. 05/03/2016. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,para-marco-aurelio--preocupa-ex-presidente-depor-sob-vara,10000019703>
71
militar dos Estados.111 Tais manifestações aumentaram a pressão sobre o governo
e fortaleceram o movimento pelo impeachment. Segundo o cientista político Jairo
Nicolau:
“Provavelmente nós nunca tivemos tanta gente na rua no Brasil num mesmo dia, pela mesma causa. É muito expressivo, dá força a uma onda que começa a se fortalecer de afastamento da presidente. (A ideia do impeachment) havia arrefecido, mas semanas depois a gente vê essa mudança do cenário político e o que estava faltando era o apoio popular para dar consequência ao processo de impeachment".112
4.2.3
A suspensão da nomeação de Lula como Ministro da Casa Civil: A 2ª
Judicialização da Megapolítica pelo STF no processo que levou ao
impeachment
O governo, diante de perspectivas desanimadoras em relação ao impeachment
e praticamente sem poder de reação, tanto no parlamento quanto nas ruas, decidiu
fazer uma jogada arriscada. No dia 16 de março Lula foi anunciado como ministro
da Casa Civil, o ministério mais importante do governo.
Assim que tal decisão foi levada a público, grande parte da mídia fez alarde
e propagou a ideia de que o objetivo de tal nomeação seria a busca de foro
privilegiado. Manifestante foram para a frente do Planalto, fato exaustivamente
noticiado pelos principais meios de comunicação. O cientista político João Feres
Júnior no mesmo dia afirmou:
“O canal Globo News está cobrindo em tempo real uma manifestação em frente do Congresso em Brasília, que tem em torno de mil pessoas, mas dizendo que tem dez mil. (...) O Jornal Nacional foi quase todo sobre a “crise” e sobre a nomeação do presidente Lula. Contou com leituras, dignas de atores de teatro, feitas pelos apresentadores, ilustradas por comentários de Aécio e Gilmar Mendes. Tudo isso intercalado com entradas ao vivo das ruas de Brasília e São Paulo mostrando a aglomeração de pessoas pedindo a prisão de Lula e a renúncia de Dilma.”113
111 “Maior manifestação da história do País aumenta pressão por saída de Dilma.” Estadão 16/03/2016. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,manifestacoes-em-todos-os-estados-superam-as-de-marco-do-ano-passado,10000021047> 112 “Cinco visões: como os protestos vão impactar o processo de impeachment?” BBC. 14/06/2016. Disponível em <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160311_protestos_analise_ms> 113 “No calor da hora do golpe jurídico-midiático.” GGN. 17/03/2016. Disponível em <https://jornalggn.com.br/tag/blogs/midia-e-golpe>
72
No próprio dia da nomeação (17 de março) o juiz Sergio Moro levantou o
sigilo do conteúdo de conversas de Lula com própria presidente Dilma. Um diálogo
em que os dois conversam sobre a utilização do “termo de posse” em caso de
necessidade passou a dominar os noticiários, muito embora esta conversa tenha
ocorrido horas depois de Moro ter determinado a interrupção da interceptação
telefônica. O grampo e divulgação ilegal de conversas envolvendo a presidente,
inimaginável em outros contextos, intensificou o clima de desordem e minou a
autoridade da presidente Dilma Rousseff.
O Partido Popular Socialista (PPS) impetrou, imediatamente, um mandato de
segurança coletivo.114 Baseando-se nas gravações telefônicas divulgadas por Sergio
Moro, alegou-se que a nomeação de Lula como Ministro foi praticada em desvio de
finalidade. A verdadeira finalidade almejada seria, diante da possibilidade da prisão
de Lula no âmbito da operação Lava-Jato, obter o foro especial por prerrogativa de
função. No dia 18 de março, o Ministro Gilmar Mendes, relator do processo, em
decisão monocrática deferiu o pedido de liminar e anulou a nomeação:
“Nenhum Chefe do Poder Executivo, em qualquer de suas esferas, é dono da condução dos destinos do país; na verdade, ostenta papel de simples mandatário da vontade popular, a qual deve ser seguida em consonância com os princípios constitucionais explícitos e implícitos, entre eles a probidade e a moralidade no trato do interesse público “latosensu”. (...)especificamente nos casos de desvio de finalidade, o que se tem é a adoção de uma conduta que aparenta estar em conformidade com um certe regra que confere poder à autoridade (regra de competência), mas que, ao fim, conduz a resultados absolutamente incompatíveis com o escopo constitucional desse mandamento e, por isso, é tida como ilícita. Aplicando essas noções ao caso em tela, tem-se que a Presidente da República praticou conduta que, a priori, estaria em conformidade com a atribuição que lhe confere o art. 84, inciso I, da Constituição – nomear Ministros de Estado. Mas, ao fazê-lo, produziu resultado concreto de todo incompatível com a ordem constitucional em vigor: conferir ao investigado foro no Supremo Tribunal Federal. Não importam os motivos subjetivos de quem pratica o ato ilícito. O vício, o ilícito, tem natureza objetiva. A bem dizer, a comprovação dos motivos subjetivos que impeliram a mandatária à prática, no caso em tela, configura elemento a mais a indicar a presença do vício em questão, isto é, do desvio de finalidade. A rigor, não cabe investigar aqui o dolo, a intenção de fraudar a lei. Não está em questão saber se a Presidente praticou crime, comum ou de responsabilidade. Não é disso que se cuida. É exatamente esse pano de fundo que deve nortear a análise de eventual desvio de finalidade na nomeação de Ministro de Estado. (...) É muito claro o tumulto causado ao progresso das investigações, pela mudança de foro. E “autoevidente” que o deslocamento da competência é forma de obstrução ao progresso das medidas judiciais. (..) A rigor, assim como nos precedentes acerca da manutenção da competência do Tribunal em caso de renúncia em fase de julgamento, não seria necessário verificar os motivos íntimos que levaram à prática do ato. A simples
114 MS 34070
73
nomeação, assim como a renúncia, demonstram suficientemente a fraude à Constituição. Mas, neste caso, o elemento subjetivo é revelado por riqueza probatória que não merece passar despercebida (...) Antes de progredir, é indispensável avaliar a possibilidade de o diálogo entre a Presidente da República e Luiz Inácio Lula da Silva travado na tarde do dia 16.3, 13h32, poder ser invocado para demonstração dos fatos. A validade da interceptação é publicamente contestada, por ter sido realizada após ordem judicial para a suspensão dos procedimentos. De fato, houve decisão determinando a interrupção das interceptações em 16.3.2016, às 11h13. A ordem não foi imediatamente cumprida, o que levou ao desvio e gravação do áudio mencionado. (...) No momento, não é necessário emitir juízo sobre a licitude da gravação em tela. Há confissão sobre a existência e conteúdo da conversa, suficiente para comprovar o fato. Em pelo menos duas oportunidades, a Presidente da República admitiu a conversa, fazendo referências ao seu conteúdo. (...) Estamos diante de um caso de confissão extrajudicial, com força para provar a conversa e seu conteúdo, de forma independente da interceptação telefônica (...) É urgente tutelar o interesse defendido. Como mencionado, há investigações em andamento, para apuração de crimes graves, que podem ser tumultuadas pelo ato questionado. Há, inclusive, pedido de prisão preventiva e de admissibilidade de ação penal, que necessitam de definição de foro para prosseguimento.”115
No que talvez tenha sido um dos maiores exemplos de decisionismo e
ativismo judicial da história, um ministro da Suprema Corte cassou a prerrogativa
presidencial de nomear seus ministros, competência privativa do presidente da
república nos termos do art. 84, I, da Constituição brasileira. Desconsiderando a
ilegalidade e fragilidade das provas apresentas, atribuindo à presidente uma
“confissão extrajudicial”, apelando à moralidade “latosensu” e, ao mesmo tempo,
afirmando a irrelevância da motivação da mandatária, o ministro Gilmar Mendes
violou flagrantemente o princípio da separação de poderes e atuou de forma
puramente política. Relevando, ainda, a sintonia entre o timing da Corte e o timing
do impeachment, o Pleno do Tribunal não chegou a decidir a questão pois a data da
votação foi adiada para o dia 12 de maio e, como Dilma foi afastada no dia 11, a
ação ficou prejudicada em razão da perda superveniente do objeto.
A natureza política desta decisão ficou ainda mais explícita com o episódio
da nomeação de Moreira Franco como ministro chefe da Secretaria-Geral da
Presidência do governo Michel Temer, em fevereiro de 2017. Moreira Franco é
investigado no âmbito da operação Lava-Jato. O PSOL e a REDE impetraram
mandados de segurança com pedido de liminar requerendo que a sua nomeação
fosse considerada nula por desvio de finalidade, da mesma forma como foi a
nomeação de Lula à Casa Civil. Entretanto, o ministro Celso de Melo, relator do
115 MS 34070. Fls. 2/33.
74
processo, indeferiu o pedido de liminar. Desta vez a fundamentação foi
praticamente oposta à de Gilmar Mendes:
“A configuração desse grave vício jurídico (o desvio de finalidade), no entanto, que recai sobre um dos elementos constitutivos do ato administrativo, pressupõe a intenção deliberada, por parte do administrador público, de atingir objetivo vedado pela ordem jurídica ou divorciado do interesse público. (...) Não constitui demasia assinalar, neste ponto, que o decreto presidencial ora impugnado, à semelhança de qualquer outro ato estatal, reveste-se de presunção “juris tantum” de legitimidade, devendo prevalecer, por tal razão, sobre as afirmações em sentido contrário, quando feitas sem qualquer apoio em base documental idônea que possa infirmar aquela presunção jurídica. (...) A jurisprudência desta Suprema Corte (grifo meu), por sua vez, tem enfatizado, em sucessivas decisões, que, em decorrência do atributo da presunção de legitimidade e de veracidade que qualifica os atos da Administração Pública, impõe-se a quem os questiona em juízo o ônus processual de infirmar a veracidade dos fatos que motivaram sua edição, não lhes sendo oponíveis, por insuficientes, meras alegações ou juízos conjecturais deduzidos em sentido contrário. (...) Cumpre insistir, portanto, em que a investidura de qualquer pessoa no cargo de Ministro de Estado não representa obstáculo algum a atos de persecução penal que contra ela venham eventualmente a ser promovidos perante o seu juiz natural, que, por efeito do que determina a própria Constituição (CF, art. 102, I, alínea “c”), é o Supremo Tribunal Federal.”
Nem sequer houve menção à decisão envolvendo Lula. Como explicitado no
capítulo 2, segundo Hirschl a judicialização da megapolítica depende do apoio
implícito ou explicito dos stakeholders políticos mais influentes do país.
Depreende-se que no primeiro caso - um exemplo cristalino de judicialização da
megapolítica, podendo ser enquadrado na categoria de ‘judicialização de
prerrogativas executivas centrais’ – este apoio existia. No segundo caso este apoio
não existia mais.
O levantamento das interceptações das conversas telefônicas entre Dilma e
Lula chegou a ser cassada pelo ministro Teori Zavascki e o conteúdo das conversas
considerado nulo:
“Está juridicamente comprometida, não só em razão da usurpação de competência, mas também, de maneira ainda mais clara, pelo levantamento de sigilo das conversações telefônicas interceptadas, mantidas inclusive com a ora reclamante e com outras autoridades com prerrogativa de foro. Foi também precoce e, pelo menos parcialmente, equivocada a decisão que adiantou juízo de validade das interceptações, colhidas, em parte importante, sem abrigo judicial, quando já havia determinação de interrupção das escutas.”116
Não obstante, os efeitos políticos eram irreversíveis, e o Juiz Sergio Moro não
sofreu consequências. Os advogados de Lula chegaram a arguir exceção de
116 RECLAMAÇÃO 23.457 PARANÁ. Decisão do Relator Teori Zavascki. Fl. 16.
75
suspeição, entre fundamentos, pela interceptação e levantamento do seu sigilo. O
caso chegou ao Tribunal Regional da 4ª Região que, em decisão monocrática, não
conheceu do pedido. A parte recorreu através de Agravo Regimental e o Tribunal,
com a penas 1 voto contrário, decidiu negar provimento alegando que a Lava-Jato
é excepcional e que os juízes não dispunham de orientação clara a respeito do sigilo
das interceptações telefônicas. Nas palavras do Relator Desembargador Romulo
Pizzolatti, em seu Relatório:
“Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada "Operação Lava-Jato", sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns. Assim, tendo o levantamento do sigilo das comunicações telefônicas deinvestigados na referida operação servido para preservá-la das sucessivas e notórias tentativas de obstrução, por parte daqueles, garantindo-se assim a futura aplicação da lei penal, é correto entender que o sigilo das comunicações telefônicas (Constituição, art. 5º, XII) pode, em casos excepcionais, ser suplantado pelo interesse geral na administração da justiça e na aplicação da lei penal. A ameaça permanente à continuidade das investigações da Operação Lava-Jato, inclusive mediante sugestões de alterações na legislação, constitui, sem dúvida, uma situação inédita, a merecer um tratamento excepcional. Parece-me, pois, incensurável a visão do magistrado representado - anterior à decisão do STF na Rcl nº 23.457 -, no sentido de que a publicidade das investigações tem sido o mais eficaz meio de garantir que não seja obstruído um conjunto, inédito na administração da justiça brasileira, de investigações e processos criminais - "Operação Lava-Jato" -, voltados contra altos agentes públicos e poderes privados até hoje intocados. (...) Enfim, cabe enfatizar que, antes da Reclamação nº 23.457, não havia precedente jurisprudencial de tribunal superior aplicável pelo representado, mesmo porque, como antes exposto, as investigações e processos criminais da chamada "Operação Lava-Jato" constituem caso inédito, trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas. Em tal contexto, não se pode censurar o magistrado, ao adotar medidas preventivas da obstrução das investigações da Operação Lava-Jato. Apenas a partir desse precedente do STF (Rcl nº 23.457) é que os juízes brasileiros, incluso o magistrado representado, dispõem de orientação clara e segura a respeito dos limites do sigilo das comunicações telefônicas interceptadas para fins de investigação criminal”117
A partir daí o governo ficou sem poder de reação. A sua última grande jogada
política fracassou e, junto com ela, sua capacidade de articulação para angariar
votos na Câmara. Ao mesmo tempo, as perspectivas de mudanças de curso através
do Judiciário praticamente apagaram-se. Além de obstruídos os canais políticos e
jurídicos, a resistência vinda sociedade, apesar de existente e considerável, eram
insuficientes e menos expressivas do que os movimentos da sociedade civil
117 Processo Administrativo Corte Especial nº0003021-32.2016.4.04.8000/RS.
76
contrários ao governo. As vias possíveis para reverter o movimento em direção ao
impeachment estavam desaparecendo. A maior parte dos políticos da suposta base
aliada estavam se posicionando pelo afastamento da presidente. Uma exceção
surpreendente foi a do veterano conservador do Partido Progressista (PP) Francisco
Dornelles, primo do senador Aécio Neves e então governador do Rio de Janeiro,
que criticou o udenismo do PSDB e a judicialização da nomeação de Lula:
“O impeachment é uma coisa muito séria para ser feita com base na vontade de cada pessoa. Você tem que examinar a Constituição e verificar se há condições jurídicas. Se fizer impeachment sem respeitar os princípios constitucionais, o Supremo pode mudar, derrubar. (...) O julgamento pode ser político, mas os argumentos têm que ser jurídicos. No dia 23 de agosto de 1954, o Brasil todo chamava Getúlio (Vargas) de ladrão, dizia que ele tinha que sair. O (Carlos) Lacerda era o líder deles. No dia 26 de agosto, o Lacerda estava refugiado na embaixada de Cuba. Não estou dizendo que vai haver o mesmo, mas a massa é muito fluída. Movimento de rua é importante, mas não pode ser base para impeachment. (...) O Aécio está muito radical, muito udenista. Ele está dizendo que vão deixar ela sangrar para fazer o impeachment. Acho que o PSDB está um partido muito udenista (...) O governo está todo voltado para a crise política. Não está governando, tomando iniciativas. Devia ter um grupo só para cuidar da crise, da Lava Jato. E outro para governar. A Lava Jato está pautando o governo. (...) A imprensa é a favor do impeachment, e o movimento de rua mobiliza os deputados. (...) Não sei até que ponto foi o sofrimento que o Temer teve. Se foi desprezo, se foi humilhação, algum desgosto. Ou então foi realmente uma ambição sem muita base. (...) Ela tem todo o direito de nomear o Lula ministro. Agora o processo foi judicializado, não adianta eu achar ou não achar. Quem tem que achar é o Supremo. Aliás, o procurador Janot diz que ela pode nomear, mas que o Lula não tem direito a foro especial. Isso eu não entendi. Se ele é ministro, ele tem direito a foro privilegiado. É uma tese.”118
4.2.4
A admissão do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados
No dia 06 de abril o deputado federal Jovair Arantes (PTB), relator da
Comissão Especial do Impeachment, apresentou parecer favorável à admissão do
processo de impeachment por haver indícios de que a presidente Dilma Rousseff
cometeu crime de responsabilidade em função da abertura de créditos
suplementares por decreto presidencial, sem autorização do Congresso Nacional, e
em função da contratação ilegal de operações de crédito. O parecer sustentou, ainda,
118 “‘Impeachment pode tornar o Brasil ingovernável’, afirma Dornelles.” O DIA. 31/03/2016. Disponível em <http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2016-03-31/impeachment-pode-tornar-o-brasil-ingovernavel-afirma-dornelles.html>
77
a tese de que, além de possuir um lastro probatório mínimo, a admissão é feita com
base na conveniência e oportunidade política. Além disso, citando manifestações
extraoficiais de ministros e ex-ministros do Supremo, o parecer contestou a ideia
de que um golpe estava em curso:
“O caráter híbrido (político-jurídico) da análise da atuação presidencial exige uma valoração que somente pode ser feita pelo Parlamento, utilizando-se de sua sensibilidade política de captar o momento vivido pela sociedade, bem como a gravidade das condutas imputadas ao Presidente da República.
Muito se tem dito nos últimos dias que esse processo seria um “golpe” contra a democracia. Com todo o respeito, ao contrário! A previsão constitucional do processo de impeachment confirma os valores democráticos adotados por nossa Constituição. Se fosse “golpe” não estaria em nossa Lei Maior.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli assim definiu a questão, em entrevista divulgada pela imprensa: “Não se trata de um golpe. Todas as democracias têm mecanismos de controle e o processo de impeachment é um tipo de controle”.
A Ministra Cármen Lúcia, por sua vez, em consideração às alegações da Presidente da República sobre o caráter golpista do impeachment, afirmou: “Tenho certeza que a presidente deve ter dito que se não se cumprir a Constituição é que poderia haver algum desbordamento. Não acredito que ela tenha falado que impeachment é golpe. Acho que deve ter sido essa a fala dela, não vi. O impeachment é um instituto previsto constitucionalmente”.
Na mesma esteira, Eros Grau, Ministro aposentado da Corte Suprema, disse que “Quem procedeu, procedeu corretamente e não teme enfrentar o julgamento do Senado Federal. (...) já o delinquente faz de tudo procurando escapar do julgamento. A simples adoção deste comportamento evidencia delinquência”119
O parecer foi aprovado no dia 11 de abril na Comissão Especial por 38 votos
a 27. Três dias depois o STF, em sessão extraordinária, julgou várias ações relativas
ao impeachment.120 Nestas ações partidos e políticos governistas questionavam a
119 “Parecer da Comissão Especial do Impeachment.” Fls. 110/111 120 Ação Direta de Inconstitucionalidade 5498. Requerente: Partido Comunista do Brasil. No dia 14/04/16 o Tribunal, por maioria, indeferiu liminar que buscava interpretação conforme a Constituição ao artigo 187, parágrafo 4º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) e, alternativamente, a inconstitucionalidade do artigo 218, parágrafo 8º, e do artigo 187, parágrafo 4º, do RICD. Mandado de Segurança 34127. Impetrante: Deputado Federal Weverton Rocha (PDT-MA). Impetrado: presidente da Câmara dos Deputados. No dia 14/04/16 houve um empate de votos em relação ao deferimento da medida cautelar que demandava alternância de votos, intercalando-se a votação entre iniciada por deputado do Norte e em seguida outro do Sul do país. Por conta do empate o Tribunal decidiu pela manutenção do ato impugnado. Mandado de Segurança 34128. Impetrante: Deputado Federal Rubens Pereira (PCdoB-MA). Impetrado: presidente da Câmara dos Deputados. Mesma situação do MS34127, empate com manutenção do ato impugnado. Mandado de Segurança 34130. Impetrante: presidente da República. Impetrados: presidente da Câmara dos Deputados, presidente da Comissão Especial do Impeachment e Relator da Comissão Especial do Impeachment. No dia 15/05/16 o Tribunal, por maioria, indeferiu liminar que pedia a
78
ordem de votação estabelecida pelo presidente da Câmara para votação que
ocorreria no dia 17 de abril. Segundo os governista, a ordem estabelecida por Cunha
violaria o Regimento Interno da Câmara e deixaria os Estados do Nordeste, com
mais parlamentares governistas, por último, o que produziria um efeito cascata em
que deputados indecisos tenderiam a votar contra a presidente. Não obstante, a
ordem foi mantida.
Ainda, questionou-se o parecer elaborado pela Comissão de Impeachment,
pois este teria extrapolado o objeto da denúncia, abordando temas como crise moral
e a falta de credibilidade do governo, temas que não estariam relacionados – pelo
menos diretamente – com o crime de responsabilidade denunciado, e teria feito
referência a delações premiadas ocorridas no âmbito da operação Lava-Jato. Os
ministros afastaram tal alegação, afirmando que tais temas constavam no parecer
apenas de forma paralela, mas fizeram constar na ata de julgamento que a Câmara
deveria avaliar apenas os pontos da denúncia original.
No dia 17 de abril, dia da votação na Câmara, o governo sofreu uma derrota
contundente. Muitos deputados de partidos supostamente aliados ao governo
decidiram votar a favor do impeachment. Eram precisos 342 votos favoráveis à
admissão do impeachment, e os oposicionista conseguiram 367 votos. Os
parlamentares compareceram em peso. Ocorreram somente duas ausências
No entanto, no momento do voto, o momento fulcral, a culminação de todo o
conturbado processo pelo qual passava o Brasil, pouco se ouviu falar em crime de
responsabilidade. A maioria votou por Deus, pela Família ou pela Moralidade.121
Eduardo Cunha, principal artífice deste processo, votou pelo SIM e deu somente
uma rápida e curta declaração: “Que Deus tenha misericórdia desta nação.”122
nulidade do parecer do Relator da Comissão do Impeachment por conta de ilegalidades cometidas na sua elaboração. Mandado de Segurança 34131. Impetrante: Deputado Federal Paulo Teixeira (PT-SP). Impetrado: presidente da Comissão Especial do Impeachment. No dia 15/04/16 o Tribunal, por maioria, indeferiu liminar que pedia a suspensão da eficácia da votação do parecer da Comissão Especial do Impeachment porque ele extrapolava o objeto da denúncia. 121 “Deus derruba a presidenta do Brasil.” El País. 19/04/2016. Disponível em <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/18/politica/1460935957_433496.html> 122 “'Que Deus tenha misericórdia desta Nação', disse Cunha ao votar pelo impeachment.” Estadão. 17/04/2017. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,que-deus-tenha-misericordia-desta-nacao--disse-cunha-ao-votar-pelo-impeachment,10000026654>
79
Apesar da vitória incontestável, a sessão do dia 17 de abril representou uma
certa virada na opinião pública e teve um significativo custo política para a
oposição. O comportamento dos deputados na sessão recebeu muitas críticas,
inclusive de muitos que apoiaram o impeachment, e o impacto na mídia
internacional foi muito negativo, mesmo entre os meios conservadores. A revista
britânica The Economist estampou na sua capa a frase “The Betrayal of Brazil”. O
Argentino La Nacion afirmou que o “Congresso festeja com euforia a crise política
que divide o País”. A revista alemã Der Spiegel descreveu o processo de votação
como “a insurreição dos hipócritas”.123
4.2.5
A suspensão do mandato de Eduardo Cunha: A 3ª Judicialização da
Megapolítica pelo STF no processo que levou ao impeachment
Apesar da forte reação à sessão do dia 17 de abril, o processo seguiu seu curso,
que agora já era praticamente irreversível. No dia 26 de abril o Senado instalou sua
Comissão Especial do Impeachment, e, no dia 6 de maio, a Comissão aprovou
parecer do senador Antonio Anastasia (PSDB) favorável à admissibilidade.
No dia 5 de maio, entretanto, uma decisão do STF extremamente polêmica
alterou a conjuntura política brasileira. O ministro Teori Zavascki, relator, aceitou
pedido de liminar constante na Ação Cautelar 4070 e suspendeu o mandato de
Eduardo Cunha, afastando-o da presidência da Câmara. No mesmo dia o Tribunal
Pleno, por unanimidade, decidiu manter esta decisão. Inventou-se, então, a
“suspensão” do exercício parlamentar, algo inusitado. Através desta novidade
introduzida pelo Supremo, o deputado federal pode ter o exercício do seu mandato
“ suspenso”, mas o mandato não é cassado, visto que isto seria uma violação
flagrante do princípio da separação de poderes. Nos termos do ministro Teori
Zavascki, em sua decisão:
123 “O olhar da imprensa internacional sobre o impeachment no Brasil.” CartaCapital. 28/04/2016. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/o-olhar-da-imprensa-internacional-sobre-o-impeachment-no-brasil>
80
“Não há qualquer dúvida de que os §§ 1º e 2º do art. 55 da Constituição da República outorgam às Casas Legislativas do Congresso Nacional – ora por deliberação de seus Plenários, ora por deliberação de suas Mesas Diretoras – a competência para decidir a respeito da perda do mandato político nos casos em que venha a se configurar qualquer das infrações previstas nos incisos I a VI do mesmo art. 55. Trata-se de competência que, segundo entendimento assentado pela maioria do Plenário, assiste exclusivamente às Casas Congressuais, não podendo ser relativizada nem mesmo nas hipóteses em que a penalidade venha a decorrer de condenação penal transitada em julgado, como salientei em voto por ocasião do julgamento da AP 565, em 8/8/13.
Realmente, não há como contestar o significado da competência constitucional verbalizada pelo art. 55, § 2º, cujo comando entrega a cada uma das Casas Parlamentares a grave missão institucional de decidir sobre a cassação do título que investe deputados e senadores nos poderes inerentes à representação popular. Isso implica admitir – por mais excêntrico que possa parecer à consciência cívica em geral – que um mandato parlamentar pode vir a subsistir ainda quando o seu titular tenha tido seus direitos políticos suspensos pela Justiça, por decisão transitada em julgado. Por outro lado, é imprescindível atentar – ainda a propósito do art. 55, VI, e de seu § 2º – que a outorga da decisão sobre a perda de mandato às próprias Casas Legislativas tem como pressuposto a ultimação dos trabalhos da Justiça Criminal, na forma de uma sentença transitada em julgado. (...) Todavia, nas hipóteses em que isso ainda não tenha ocorrido – mas em que haja investigações ou ações penais em curso – a interação entre o Judiciário e Legislativo ganha outros contornos. Dois elementos adquirem relevância: a competência das Casas parlamentares para (a) resolver sobre a prisão de seus membros, caso tenham sido eles detidos em flagrante por crime inafiançável (art. 53, § 2º); e (b) para sustar o andamento de ação penal que porventura tenha sido recebida contra senador ou deputado por crime ocorrido após a diplomação (art. 53, § 3º). A última palavra sobre a prisão e a avaliação a respeito da suspensão do processo penal são garantias institucionais deferidas pela Constituição em favor do Poder Legislativo – e que ressoam no desenvolvimento da persecução penal. Como prerrogativas que são, naturalmente reivindicarão interpretação restritiva.
Fora dessas hipóteses, as investigações e processos criminais deflagrados contra parlamentares haverão de transcorrer ordinariamente, sem qualquer interferência do Poder Legislativo, inclusive quanto à execução das demais medidas cautelares previstas no ordenamento, que ficam à disposição da jurisdição, podendo ser acionadas a tempo e a modo, isto é, quando forem necessárias e adequadas. Não há, nesse aspecto, qualquer fragilização da independência para o exercício do mandato. Afinal, as plenitudes das prerrogativas de representação popular são garantidas, no ponto, pela prerrogativa de foro, que atribuem necessariamente a um colegiado de magistrados a competência pela direção dos procedimentos de persecução penal eventualmente instaurados contra parlamentares. Assim, a partir de quando um parlamentar passa a ser alvo de investigação por crime comum, perante o foro apropriado, também esses agentes políticos haverão de se sujeitar a afastamentos temporários da função, desde que existam elementos concretos, de particular gravidade, que revelem a indispensabilidade da medida para a hígida sequência dos trabalhos judiciários. (...) Decide-se aqui uma situação extraordinária, excepcional (grifo meu) e, por isso, pontual e individualizada. A sintaxe do direito nunca estará completa na solidão dos textos, nem jamais poderá ser negativada pela imprevisão dos fatos. Pelo contrário, o imponderável é que legitima os avanços civilizatórios endossados pelas mãos da justiça. Mesmo que não haja previsão específica, com assento constitucional, a respeito do afastamento, pela jurisdição criminal, de parlamentares do exercício de seu mandato, ou a imposição de afastamento do Presidente da Câmara dos Deputados quando o seu ocupante venha
81
a ser processado criminalmente, está demonstrado que, no caso, ambas se fazem claramente devidas. A medida postulada é, portanto, necessária, adequada e suficiente para neutralizar os riscos descritos pelo Procurador-Geral da República.”124
Assim como Zavascki, a maioria dos demais ministros admitiu tratar-se de
uma decisão excepcional. O Ministro Dias Toffoli argumentou no seu voto que
“Essa atuação de suspender um mandato popular por circunstâncias
fundamentadas há de ocorrer em circunstâncias que sejam realmente as mais
necessárias. As mais plausíveis possíveis. […] Não é desejo de ninguém que isso
passe a ser instrumento de valoração de um poder sobre o outro.”125 No mesmo
sentido os votos do Ministro Celso de Mello, para quem “O caso é realmente
extraordinário, é realmente excepcional”126, do ministro Marco Aurélio, para quem
“Este caso é realmente extraordinário e excepcional, e este julgamento se dá
precisamente em razão das peculiaridades apresentadas pelo relator”127, e do
ministro Gilmar Mendes, que afirmou que “Quando fatos graves ocorrem em um
Poder sem possibilidade de resposta de correção por ele próprio, já estamos fora
de um modelo normal de autonomia”128.
Além do flagrante (e assumido) decisionismo, a decisão chama atenção pelo
seu timing. O pedido de afastamento foi feito pela PGR no dia 15 de dezembro de
2015. O relator só se manifestou seis meses depois e somente porque o Ministro
Lewandovski decidiu colocar na pauta um outro pedido de afastamento de Cunha
que teria como relator o Ministro Marco Aurélio, o que provocou a indignação do
Ministro Teori Zavascki e o fez sair da inércia. Uma ação cautelar é uma ação que
antecede a principal e tem como objetivo proteger direito diante de lesão ou ameaça.
Entretanto, Cunha manteve-se como presidente da Câmara por seis meses após o
pedido, conduzindo o processo de admissão do impeachment e sendo afastado logo
após a conclusão deste. Novamente o timing do STF esteve em sintonia fina com o
timing do impeachment.
124 AC 4070. Decisão Monocrática. Fls 14/74. 125 Segmentos dos votos obtidos na página do Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=316009> 126 Idem. 127 Idem. 128 Idem.
82
No dia 10 de maio, à véspera da votação no Senado, o governo, então,
impetrou um Mandado de Segurança com pedido liminar através da AGU129,
pedindo anulação do processo de impeachment por irregularidades na condução do
processo na Câmara, visto que foi guiada por Eduardo Cunha, que acabara de ter o
mandato suspenso. A AGU alegou que Cunha agiu por vingança, depois que o PT
se posicionou contrário a ele na Comissão de Ética, e que, ao afastar Cunha da
presidência da Câmara e do mandato, por considerar que ele não tem condições
pessoais mínimas para exercer nem mesmo a função de parlamentar, o próprio
Supremo deve considerar que os atos questionados referentes ao impeachment
carregam a mácula do desvio de poder.130
O relator ministro Teori Zavascki indeferiu o pedido de liminar, sob o
fundamento de que, não obstante a explícita oposição de Eduardo Cunha à
presidente, não existiam elementos suficientes para provar o desvio de finalidade
na sua aceitação da denúncia e de que a sua decisão representou a vontade
conjugada de 370 deputados:
“O ato que, na verdade, constitui a essência e a base fundamental da impetração, e do qual derivariam todos os demais, segundo a própria impetração, é o ato de recebimento parcial da denúncia, que estaria motivado por vício insanável de desvio de finalidade, já que motivado por espírito de vingança pessoal do Presidente da Câmara dos Deputados. (...) Logicamente, essa análise, da fidedignidade do ato às aspirações públicas a que ele deveria corresponder, pode se revelar cognitivamente desafiadora. Isso porque, para captar a verdadeira finalidade que ensejou a prática do ato deverá o juíz proceder a uma segura exumação da realidade a ele subjacente. Em geral, essa anamnese haverá de recair sobre elementos que terão sido dissimulados pela autoridade praticante, o que torna altamente provável o surgimento de controvérsias quanto à sua interpretação, ainda mais em situações em que, como já anotado, há um inafastável conteúdo político na deliberação. Tem-se, por isso mesmo, esse sério obstáculo ao conhecimento da alegação relacionada ao ato de recebimento parcial da denúncia e de quase todas as demais alegações vertidas na inicial. Isso porque elas estão arrimadas em registros jornalísticos da crônica política nacional que, como efemérides que são, ficam sujeitas a uma grande margem de contestação. O que elas revelam, sem qualquer dúvida, é que, desde sua eleição – motivada, aliás, pela sua posição de franca rebeldia ao governo –, o então Presidente da Câmara dos Deputados notabilizou-se por uma sistemática oposição ao projeto político do Palácio do Planalto, exercendo diferentes frentes de pressão contra interesses do Governo. Mas não há como identificar, na miríade de manchetes instruídas com a inicial, um conjunto probatório capaz de demonstrar, de forma juridicamente incontestável, que aquelas iniciativas tenham ultrapassado os limites da oposição política, que é legítima, como o reconhece a própria impetração, para, de modo evidente, macular a validade do processo de impeachment. Conforme
129 MS 34193. 130 O Ministro Gilmar Mendes, que impediu a posse de Lula por desvio de finalidade, ironizou publicamente este pedido: “Ah, eles podem ir para o céu, o papa ou o diabo. ”
83
enfatizado, algumas de suas investidas possivelmente questionáveis já foram neutralizadas por deliberações deste Supremo Tribunal Federal, que, nas vezes em que instado a atuar, garantiu fosse observada a cláusula constitucional do devido processo legal. (...) a invocação do desvio de poder como causa de pedir reclama imersão no plano subjetivo do agente público responsável pelo ato, atividade que é praticamente – senão de todo – inviável quando o ato sob contestação representa a vontade conjugada de quase 370 parlamentares, que aprovaram um relatório circunstanciado produzido por Comissão Especial, com fundamentação autônoma em relação ao ato presidencial que admitiu originalmente a representação (...) Ademais, e na esteira do que inúmeras vezes ressaltado quando o Supremo Tribunal Federal se reuniu para tratar de aspectos procedimentais do impeachment, é indispensável considerar que a atuação de parlamentares no julgamento não está dissociada de coeficiente político.”131
4.2.6
O afastamento da presidente Dilma Rousseff
Com a negativa do pedido da AGU, a votação do Senado ocorreu
normalmente no dia 11 de maio e terminou na manhã do dia 12. Em uma sessão
bem mais contida do que a da votação na Câmara, o senado autorizou a abertura do
processo de impeachment por 55 votos favoráveis e 22 contrários. A presidente
Dilma então, foi afastada e o vice-presidente Michel Temer assumiu o cargo
interinamente.
Oficialmente, só a partir daí passou a existir o processo de impeachment
propriamente dito, visto que os juízos da Câmara e do Senado até então eram de
admissibilidade. Tecnicamente tais julgamentos eram relativos à existência de
indícios de crime de responsabilidade, e não à existência do crime. O Senado ainda
faria o julgamento final sobre a matéria, decidindo sobre a existência ou não dos
crimes de responsabilidade e, consequentemente, sobre a perda definitiva do cargo
da presidente. Na realidade, porém, os cursos dos acontecimentos já estavam
traçados. A partir deste momento o impeachment era, de fato, inevitável. Não
existiriam mais condições políticas e, fora do governo, praticamente nenhuma
capacidade de articulação para enfrentar um adversário que, então, passou a deter o
controle dos aparelhos de Estado.
131 MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 34.193. Relator Teorzi Zavascki. Fls. 14-18.
84
4.2.7
As gravações de Sérgio Machado
Poucos dias depois de assumir o governo interino sofreu um forte revés
político. A imprensa divulgou diálogos gravados por Sérgio Machado, ex-senador
e ex-presidente da Transpreto, com o senador Romero Jucá (PMDB), então
ministro do planejamento, com o senador Renan Calheiros (PMDB), então
presidente do Senado, e com o ex-presidente José Sarney (PMDB). Estas gravações,
além de explicitarem a principal motivação da maioria dos políticos na queda de
Dilma, qual seja, enfraquecer as investigações contra eles, dão indícios de uma
espécie de articulação entre os poderes para que ocorresse o impeachment. Nas
gravações o senador Romero Jucá, faz as seguintes afirmações
“Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria (...)Só o Renan que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra. Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem ‘ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca. Entendeu? Então... Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar. (...) é um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional. Com o Supremo, com tudo, aí parava tudo” 132
O presidente do Senado Renan Calheiros, por sua vez, tratou de negociar, em
conversa com Machado, a transição com o STF que, segundo ele, estaria indisposto
com Dilma: “Antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas, que alguns do
Supremo [inaudível] fazer […] Em segundo lugar, negocia a transição com eles
[…] Não negociam porque todos estão putos com ela.”133
Fica explícito nas conversas o temor em relação à atuação do Supremo e,
principalmente, com o poder da Operação Lava-Jato. Não obstante, tais conversas
parecem indicar uma predisposição do STF no sentido de atuar pelo impeachment.
Neste sentido, chama atenção a reação bastante diferente, por parte da Corte, da que
houve em relação à divulgação das gravações das conversas de Lula. Quando o ex-
132 Trechos disponíveis em <http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/05/leia-os-trechos-dos-dialogos-entre-romero-juca-e-sergio-machado.html> 133 Trechos disponíveis em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774719-em-conversa-gravada-renan-defende-mudar-lei-da-delacao-premiada.shtml>
85
presidente disse, em conversas privadas, que o Supremo estava acovardado, alguns
ministros reagiram com muita indignação e de forma contundente. O ministro Celso
de Mello qualificou a fala dele como “uma reação torpe e indigna, típica de mentes
autocráticas e arrogantes.”134 Em contrapartida, com relação às insinuações da
existência de um pacto entre o STF e políticos a resposta dos ministros foi muito
mais tímida. Houve apenas manifestações burocráticas defendendo a
imparcialidade do Tribunal.
4.2.8
A consumação do Impeachment
Não obstante a gravidade do conteúdo das gravações de Sérgio Machado, o
processo de impeachment seguiu seu curso. No dia 4 de agosto o Senado aprovou
o relatório do senador Anastasia favorável ao impeachment. No dia 25 começou o
julgamento final do processo. No dia 29 a presidente Dilma compareceu ao Senado
e se defendeu pessoalmente em um depoimento que durou mais de 13 horas. A ex-
presidente afirmou ser vítima de um golpe de Estado:
“No presidencialismo previsto na Constituição, não basta a eventual perda de maioria parlamentar para afastar o presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade e está claro que não houve tal crime. (...) Não é legitimo, como querem meus acusadores, afastar o chefe de estado e de governo por não concordarem com o conjunto da obra. Quem afasta o presidente por conjunto da obra é o povo, e só o povo, nas eleições (...) Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por chantagem explícita do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como chegou a reconhecer em declaração à imprensa um dos próprios denunciantes. Exigia aquele parlamentar que intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação. Nunca aceitei na minha vida ameaça ou chantagem. Se não o fiz antes, não o faria na condição de presidenta (...) Deve ser ressaltado que a busca de equilíbrio fiscal desde 2015 encontrou forte resistência na Câmara, à época presidida pelo deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados foram rejeitados parcial ou integralmente. Pautas-bombas foram apresentadas e algumas aprovadas (...) Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como procurador-geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios membros da instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação da Polícia Federal. Contrariei, com essa minha
134 Ofensa de Lula ao STF é torpe e típica de mentes autocráticas, diz ministro. Folha de São Paulo. 17/03/2016. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1751065-ofensa-de-lula-ao-stf-e-torpe-e-tipica-de-mentes-autocraticas-diz-ministro.shtml>
86
postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive”.135
No dia 31 de agosto o impeachment foi consumado. Dilma foi condenada à
perda definitiva do cargo por 61 pelo impedimento e 20 contra, menos votos a seu
favor do que ela teve na primeira votação no Senado.
4.3
A Judicialização da Megapolítica como viabilização e ocultação de
determinado projeto político
O Supremo Tribunal Federal, conforme demonstrado, teve uma participação
fundamental no processo que culminou com o impedimento da presidente Dilma
Rousseff. Através de determinadas decisões (e do timing delas), omissões, e, até
mesmo, de manifestações extraoficiais dos ministros, o STF foi um protagonista do
processo de ruptura vivido pelo Brasil em 2016. Esta conclusão está em
conformidade com a opinião de Eloisa Machado, professora de Direito da Fundação
Getúlio Vargas e coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta. Segundo
a professora, “Quando se combina as decisões do impeachment com as da Lava
Jato, verificamos que o Supremo teve uma grande influência no curso do
impeachment.”136
A teoria de Ran Hirschl sobre a “preservação hegemônica” como fundamento
da judicialização da megapolítica oferece importantes elementos para compreender
a atuação do Supremo.
As gravações de Sérgio Machado tornam clara uma das principais motivações
da elite política: estancar a sangria. Ao mesmo tempo, as mesmas forças políticas
que tinham o objetivo de “estancar a sangria” se apresentaram como os
viabilizadores políticos de um projeto ultraliberal para a superação da grave crise
135 “Dilma aponta 'golpe' e diz que 'só o povo' afasta pelo conjunto da obra.” G1. Disponível em <http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/08/dilma-discursa-no-julgamento-final-do-processo-de-impeachment-no-senado.html> 136 “Pesquisadora explica como STF influenciou no impeachment.” Uol Notícias. 04/11/2016 Disponível em <https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/11/04/pesquisadora-explica-como-stf-influenciou-no-impeachment/>
87
econômica, na qual as contradições do capitalismo vêm à tona e o problema
distributivo se aguça. Este projeto foi representado pelo programa “Uma Ponte para
o Futuro” e significou a aliança entre a elite política e a econômica. Não à toa, o
forte apoio da FIESP à causa do impeachment, com a criação do movimento “eu
não vou pagar o pato”,137 e o “choque de capitalismo” antecipado pelo presidente
da BOVESPA.138
A elite jurídica, por sua vez, já em um contexto de preexistente judicialização
da megapolítica, esteve, por um lado, motivada a aumentar seu poder institucional
e, por outro, sofrendo enorme pressão midiática para assumir determinadas
posições. Alguns ministros foram colocados sob “suspeita” desde o momento da
nomeação. As manchetes do Estadão quando José Dias Toffoli e Luiz Edson Fachin
foram nomeados para o STF eram, respectivamente, “Lula indica ex-advogado do
PT para o Supremo Tribunal Federal”, e “Dilma indica juiz que livrou Palocci para
ocupar cadeira no STF”. Ainda, o “voluntarismo político” mencionado por Rogério
Arantes - e claramente perceptível nos membros do Ministério Público no âmbito
da operação Lava-Jato – teve papel fundamental. Esta “ideologia”, inclusive, não
se restringiu aos membros do Ministério Público. Mais preocupante, ela se estendeu
ao magistrado da 1ª à última instância. Para Rogério Arantes:
“Pode ser exagero dizer que vivemos sob o governo dos juízes, mas que seu protagonismo deslocou o centro gravitacional da democracia brasileira é algo que me parece bastante claro. Outro aspecto importante é que um dos combustíveis da Justiça é o moralismo. É curioso como juntos eles podem causar a alternância no poder, por vias eleitorais e não eleitorais como tem ocorrido no Brasil atual, mas não podem tomar o lugar da Política por completo, que tem sua lógica própria e que, pelo menos na Democracia, constitui a linguagem e o espaço mais legítimos da representação e do governo. Seja como for, essa peleja entre Justiça e Política está inscrita no nosso desenho institucional e deve ser encarada como um campeonato permanente e não apenas como uma partida isolada. (...) Hoje, o juiz que emerge da Lava Jato é aquele que se coloca ao lado dos órgãos de investigação e de acusação e se empenha pelos seus acertos mais do que aponta seus erros. ”139
137 As principais entidades patronais apoiaram o impeachment, entre elas a FIRJAN, a CNI e a FEBRABAN. 138 “Presidente da Bovespa prevê "choque de capitalismo". Infomoney. 29/08/2016. Disponível em < http://www.infomoney.com.br/mercados/acoes-e-indices/noticia/5484808/presidente-bovespa-preve-choque-capitalismo-ipo-vista-mais-noticias-radar> 139 “Protagonismo da Justiça deslocou centro gravitacional da democracia brasileira”. El País. 24/09/2016. Disponível em <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/16/politica/1474061979_48 3659.html>
88
O próprio Luiz Werneck Vianna, entusiasta da judicialização, chegou a
chamá-los de “Tenentes de Toga”, fazendo uma referência ao movimento tenentista
de década de 1920:
“Essas Corporações tomaram conta do país (o Ministério Público e o Judiciário) (...) Tem uma metáfora (...) a dos tenentes. (...) a partir de certo momento, os personagens começaram a ter comportamentos bizarros. E que têm essa visão iluminada que os tenentes tiveram, nos anos 20. Só que os tenentes tinham um programa econômico e social para o País. E esses tenentes de toga não têm. São portadores apenas de uma reforma moral.(...) Este Judiciário que está aí ignora a existência de Maquiavel. Ele se comporta apenas com um ímpeto virtuoso, um ímpeto de missão.”140
Estes elementos produziram uma esfera política judicializada no seu centro e
à violação de prerrogativas fundamentais ao funcionamento da democracia, como
a imunidade parlamentar, a prerrogativa do presidente escolher seus ministros, e a
inviolabilidade do mandato. O resultado final desta judicialização foi a substituição
de um projeto político democraticamente aprovado – seja ele bom ou ruim – por
um projeto que nem sequer passou pelo escrutínio das urnas.
O fruto desta substituição foi um retrocesso em relação a direitos garantidos
na própria Constituição. O governo que sucedeu a presidente Dilma após o seu
afastamento foi ainda além das medidas prevista no Programa Ponte Para o Futuro.
A Emenda Constitucional 95, aprovada no final de 2016, introduziu novos artigos
nos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias através dos quais as despesas
do governo ficam congeladas por 20 anos:
Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113 e 114:
"Art. 106. Fica instituído o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros, nos termos dos arts. 107 a 114 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias."
"Art. 107. Ficam estabelecidos, para cada exercício, limites individualizados para as despesas primárias:
§ 1º Cada um dos limites a que se refere o caput deste artigo equivalerá:
II - para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
140 “‘Tenentes de toga comandam essa balbúrdia jurídica’, afirma cientista político.” Estadão. 20/12/2016. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tenentes-de-toga-comandam-essa-balburdia-juridica-afirma-cientista-politico,10000095549>
89
Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.”
Um governo não eleito não somente conseguiu concretizar uma agenda
ultraliberal, como conseguiu cristalizá-la na Constituição Federal, vinculando os
futuros governos. Enquanto o tema da corrupção ocupava praticamente todo o
espaço de debate público e legitimava um processo de judicialização da
megapolítica, um projeto de país ia se afirmando ao largo de praticamente qualquer
debate.
Isso leva à seguinte constatação: Afirmar que a judicialização da megapolítica
é um fenômeno sobretudo político, como afirmado por Hirschl, significa, no fundo,
afirmar que ela é um fenômeno de superfície. Ou seja, pode-se dizer que a “política
pura” não é, em última instância, judicializada, visto que há uma prevalência da
Política sobre o Direito. Há um deslocamento do seu lócus, que deixa de ser a
disputa por poder na forma eleitoral e passa a ser disputa por poder através das
Cortes, o que, automaticamente, implica em uma transferência de poder para as
Cortes. Isso de forma alguma é efêmero ou indiferente. Esta mudança qualitativa
exerce a função de ocultar a política, ocultação esta que, ela própria, tem um sentido
político, como ficou claro na experiência brasileira. Através da análise feita neste
capítulo, é evidente que esta ocultação teve a função de concretizar um determinado
projeto socioeconomico que, possivelmente, não seria concretizado se a disputa
política fosse transparente, como ela é – pelo menos em alguma medida - na disputa
eleitoral, que tende a produzir o reconhecimento dos interesses sociais dispares
subjacentes a um projeto socioeconômico e, também, a identificação de
determinadas forças políticas com determinados interesses sociais. Assim, esta
ocultação é, no fundo, uma ocultação da própria conflitividade social, que é
substituída, com a prevalência do discurso da corrupção, pela dicotomia povo/elite
política, pelo que se vayan todos de Delfim Netto141, que, na verdade, tem prazo de
validade e subsiste apenas enquanto o ‘todos’ corresponder a determinada parte.
Por isto é importante identificar os conflitos e interesses subjacentes à linguagem
universal das instituições de Estado, costumeiramente reproduzida pelos juristas.
141 Trecho citado no Capítulo 4.
90
Neste sentido, José Maria Gomez afirma que:
“Na realidade, o jurista — e a Ciência Política que ele acredita produzir — confia ilimitadamente na linguagem das instituições, como se sua tarefa não fosse a de confrontar criticamente o discurso de dissimulação dos atores sócias, mas sua reconstituição sistemática. (...) Mas acontece que quem fala assim é um poder político que oculta as engrenagens de sua dominação e busca de forma permanente legitimar-se para cumprir sua função de unificador de um social dividido em interesses particulares e conflitantes. Necessariamente, como efeito de sistema e não por vontade maléfica, ele esvazia a história das determinações da sociedade que o constitui. Pior ainda, inventa histórias imaginárias. Isto ocorre, entre outras, com a questão de sua própria formação, “point de repère” por excelência de respostas míticas.”142
O fato de que muitos – mas não a totalidade - dos atores do mundo jurídico
não possuem, propriamente, uma agenda política para o país, conforme destacado
por Werneck Vianna, não significa que sua ação não possa ser explorada por atores
que tenham esta agenda. Ao contrário, ela se realiza justamente através de “vozes”
que, muitas vezes, podem não ter a completa dimensão do que falam.
Neste sentido, é reveladora a colaboração dos procuradores da Lava-Jato com
o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e o fato, revelado pelo Wikileaks, de
o próprio Juiz Sergio Moro ter aprendido parte das técnicas que utiliza na Lava-Jato
em seminário de cooperação com o Departamento de Estado norte-americano para
o combate ao terrorismo.143 Ademais, muito embora a história não se repita, é
revelador que o alinhamento das forças sociais nos momentos críticos da história
brasileira seja muito semelhante. Tanto em 1954, em 1964, e em 2016, as entidades
patronais, os grandes bancos e a grande maioria da classe média e da elite, estiveram
no mesmo lado. Ainda, em todos estes momentos o tema da corrupção era central.
Por isto a popularização do termo “República de Curitiba”, em referência à
“República do Galeão” que, através da investigação do atentado contra Carlos
Lacerda, feita à revelia das autoridades constituídas, fechou o cerco contra Getúlio
Vargas. O cerco foi rompido apenas com o seu suicídio, que gerou uma súbita
explosão de revolta popular e levou ao refluxo do movimento golpista.144
142 GOMEZ, José Maria. “ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA À CONCEPÇÃO JURIDICISTA DO ESTADO.” Seqüência - Revista de Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, SC, v. 3, p. 67-83, 1981. 143 O seminário se chamava “PROJETO PONTES: construindo pontes para a aplicação da lei no Brasil”. 144 Vargas chegou a sofrer dois pedidos de Impeachment antes de se suicidar. Um em 1953 e outro em 1954, ambos derrotados na Câmara.
5
Considerações Finais
A experiência brasileira nos últimos anos parece dar razão às teorias que mais
se aproximam da abordagem realista de Ran Hirschl. Neste sentido, as
interpretações mais otimistas, como as de Luiz Werneck Vianna, parecem não ter
levado suficientemente a sério os perigos associados ao fenômeno o que, em última
instância, manifesta um problema de concepção teórica. De outro lado, muitos das
teorias que atribuíram centralidade ao cálculo estratégico das elites judiciais e
políticas, como a de Rogerio Bastos Arantes, foram capazes de antever, em alguma
medida, as consequências antidemocráticas do fenômeno.
Certamente é precipitado, ainda com a crise política em curso – e, ademais,
com a continuação da crise econômica e um aguçamento de uma crise social –
estabelecer possíveis desdobramentos da judicialização da megapolítica e
trajetórias da relação entre o Supremo e os demais poderes. No entanto, alguns
acontecimentos fornecem indícios para conjecturas que me permito fazer nestas
considerações finais. Estes acontecimentos foram a negativa da Câmara em cumprir
ordem judicial do STF de formar Comissão Especial de Impeachment de Michel
Temer, e o descumprimento, pelo presidente do Senado Renan Calheiros, de ordem
determinando o seu afastamento da presidência da Casa. Os limites da
judicialização ficaram claros nestes dois momentos, evidenciando sua conformação
pelas relações de poder que a subjazem.
No dia 5 de abril Eduardo Cunha praticamente ignorou uma determinação do
STF para instaurar processo de impeachment contra Michel Temer, e tal
descumprimento não foi seguida de sanção.145 Em resposta a Mandado de
Segurança que pleiteava a invalidação de ato de Cunha que negou processo de
impeachment contra Temer e, concomitantemente, a paralização do processo contra
Dilma Roussef, o Ministro Marco Aurélio deferiu liminar para dar seguimento à
denúncia contra Temer com a consequente formação de uma Comissão Especial na
145 Mandado de Segurança 34087. Impetrante: Mariel Márley Marra. Impetrado: Mesa da Câmara dos Deputados. No dia 05/04/16 o Relator deferiu parcialmente a liminar determinando a criação de uma Comissão Especial de Impeachment do então vice-presidente Michel Temer.
92
Câmara. Esta ordem judicial foi ignorada. O deputado Sóstenes Cavalcanti (DEM-
RJ), aliado de Cunha, afirmou sobre a liminar: “Essa decisão do Supremo é um
absurdo. Nós vamos ignorar e pronto. O Supremo está interferido no Legislativo.
Eles que venham aqui mandar a gente cumprir. Se eles querem guerra institucional,
é guerra que eles vão ter.”146
Renan Calheiros, por sua vez, simplesmente se recusou a cumprir uma
decisão liminar do ministro marco Aurélio determinando o seu afastamento. Muitos
políticos o apoiaram e, inclusive, o presidente Michel Temer o telefonou para
prestar solidariedade.147 Em ambos os casos o descumprimento não surtiu, pelo
menos até o momento, nenhum efeito negativo para os descumpridores. É um
evidente backlash da elite política, que ocorre quando as circunstâncias políticas
permitem que ele ocorra. Na prática, esta reação tem um determinado sentido
político. Este backlash através da simples desconsideração é antecipado por Ran
Hirschl:
“Como nos diz a história recente da política constitucional comparada, manifestações recorrentes de intervenções jurídicas não solicitadas na esfera política em geral – e, em particular, julgamentos indesejados sobre questões políticas contenciosas – têm provocado significativas reações políticas visando ‘cortar as asas’ de tribunais ativistas. Estas incluem sobreposições legislativas a decisões controversas, o rearranjo político das nomeações judiciais e dos procedimentos de posse para assegurar a nomeação de juízes em conformidade com os interesses da elite política e/ou para barrar a nomeação de juízes indesejáveis, a tentativa por parte das forças políticas dominantes de encherem as cortes com seus nomeados, sanções disciplinares, impeachment ou remoção de juízes indesejados ou ativistas, a introdução de constrangimentos legais, ou a limitação da esfera de atuação do judiciário e dos poderes de revisão judicial. Em alguns casos (por exemplo, a Rússia em 1993, O Cazaquistão em 1995, o Zimbábue em 2001, a Tailândia em 2006, o Paquistão em 2007, e, em três ocasiões, o Equador de 2004 a 2007) este backlash terminou em crises constitucionais, levando à reconstrução ou dissolução das cortes supremas destes países. Podemos adicionar, às reações já elencadas, mais um tipo de reação política às decisões indesejadas do judiciário – mais sutil e, possivelmente, mais letal: a desconsideração burocrática ou uma implementação intencionalmente demorada ou relutante de suas decisões. (grifo meu)”148
146 “Cunha deve ignorar decisão do STF contra Temer, diz aliado”.Folha de São Paulo. 05/04/2016. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1757683-cunha-deve-ignorar-decisao-do-stf-contra-temer-diz-aliado.shtm> 147 “Senado decide descumprir liminar para afastar Renan e aguardar plenário do STF”. G1. 06/12/2016. Disponível em <http://g1.globo.com/politica/noticia/renan-senado-decide-nao-cumprir-liminar-e-aguardar-decisao-do-plenario-do-stf.ghtml> 148 HIRSCHL, Ran. “The Judicialization of Megapolitics and the Rise of Political Courts.” Annu. Rev. Polit. Sci. 2008. P. 7. Disponível em <https://ssrn.com/abstract=1138008> Tradução minha. Texto original: “As the recent history of comparative constitutional politics tells us, recurrent
93
O que parece estar ocorrendo, embora ainda seja cedo para afirmar, é que a
judicialização da megapolítica está desgastando os próprios fatores institucionais e
políticos a engendraram. A própria democracia, a separação de poderes, a
percepção pública em relação ao Judiciário, a existência de direitos garantidos na
Constituição, uma “política de direitos” todos estes elementos - listados por Tate e
Vallinder como condições da judicialização conforme exposto no Capítulo 2 -
foram fragilizados através de um processo no qual o Poder Judiciário teve um
protagonismo central. Finalmente, o apoio da elite política parece estar se esvaindo.
Resta saber por – e não se - quanto tempo esta ocultação irá subsistir e,
também, de que forma – e se - a Constituição de 1988, com seus princípios sociais
e democráticos, irá sobreviver quando a ocultação da política através do direito se
tornar insustentável. Ou seja, resta saber se haverá uma reanimação dos valores
insculpidos na Constituição, o que envolve, entre outras coisas, a resistência às
violações à Constituição vindas do próprio Judiciário e do Ministério Público, ou,
simplesmente, um realinhamento através da aceitação das formas brutas do poder,
seja através da destruição da Constituição ou da sua total irrelevância.149 O início
do ano de 2017, com uma crise carcerária brutal, inclusive com a disseminação de
imagens dantescas ao vivo através das redes sociais, com a utilização das forças
armadas na garantia da ordem pública em vários Estados, e com uma conjuntura
internacional cada vez mais incerta, não é animador.
manifestations of unsolicited judicial intervention in the political sphere in general – and unwelcome judgments concerning contentious political issues in particular – have triggered significant political backlashes aimed at clipping the wings of overactive courts. These include legislative overrides of controversial rulings, political tinkering with judicial appointment and tenure procedures to ensure the appointment of compliant judges and/or to block the appointment of undesirable judges, ‘court-packing’ attempts by political powerholders, disciplinary sanctions, impeachment or removal of judges deemed objectionable or overactive, the introduction of jurisdictional constraints, or limiting jurisdictional boundaries and judicial review powers. In some instances (e.g., Russia in 1993, Kazakhstan in 1995, Zimbabwe in 2001, Thailand in 2006, Pakistan in 2007, and on three occasions in Ecuador from 2004 to 2007), such a backlash has ended in constitutional crisis, leading to the reconstruction or dissolution of high courts. To this we may add another political response to unwelcome rulings – more subtle, and possibly more lethal: bureaucratic disregard, or protracted or reluctant implementation.” 149 Os regimes mais brutos do século XX possuíam constituições “generosas”. A constituição soviética de 1936, promulgada no auge do terror estalinista, garantia no seu art. 125 a liberdade de expressão, de imprensa, de assembleia e de manifestação. No seu artigo 127, a inviolabilidade da pessoa frente ao Estado. O célebre revolucionário bolchevique Nikolai Bukharin, redator do texto constitucional, foi preso no mesmo ano. “Confessou” ser um “fascista degenerado”, e foi executado em 1938. Na mesma época, mais a oeste, o Terceiro Reich manteve tecnicamente em vigor a Constituição de Weimar, ao mesmo tempo em que milhões de seres humanos eram deliberadamente mortos pelo Estado alemão em escala industrial.
6
Referências bibliográficas
ARANTES, Rogério. B. Constitucionalism, The Expansion of Justice, and
the Judicialization of Politics in Brazil. In: SIEDER, et al (eds) The
Judicialization of Politics in Latin America. New York: Palgrave: 2005.
E-book, 2005.
AVRITZER, L. O impeachment e o estado das instituições democráticas no
Brasil. In: In: Proner, C. et al (Org). A resistência ao golpe de 2016. Bauru:
Praxis Editora, 2016.
AVRITZER, Leonardo. e CORREA, Marjorie. “Judicialização da política no
Brasil: ver além do constitucionalismo liberal para ver melhor”. Revista
Brasileira de Ciência Política. N. 15 (2014). Disponível em <
http://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/13077>
BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e
Legitimidade Democrática. Disponível em
<http://www.oab.org.br/editora/revista/users/rev
ista/1235066670174218181901.pdf>
BENTES, Fernando R. O Supremo Tribunal Federal. A Trajetória
Institucional e o Jogo de Separação de Poderes com o Congresso
Nacional. Tese de Doutorado, PUC-Rio, 308pp, 2015.
BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva.
1992.
CARVALHO, Ernani. “Judicialização da política no Brasil: controlo de
constitucionalidade e racionalidade política.” Análise Social, vol. XLIV,
(191), p.315-335, 2009.
CASTRO, Marcus F. “O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da
Política.” Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.12, n.34, p. 147-156,
1997.
95
CAMARGO, Margarida Lacombe e VIEIRA, José Ribas. “O Impeachment e
o seu desenho institucional conflitivo.” Blog Jota. 20/01/2016. Disponível
em <https://jota.info/artigos/o-impeachment-e-o-seu-desenho-institucional-
conflitivo-20012016+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>
___________ “O impeachment e a instrumentalização do poder judiciário
pelas mãos do juiz Sergio Moro”. In:. PRONER, Carol et al, (Orgs). A
Resistência ao Golpe de 2016. Bauru: Praxis, 2016.
CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia.
Revista Alceu, vol.5, n.9, julho/dez, p.105-113, 2004.
__________ Supremo Tribunal Federal. Entre a vaidade, o golpismo e a
omissão. In: Proner, C. et al (Orgs). A resistência ao golpe de 2016.
Bauru: Praxis Editora, 2016.
__________“Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e
Separação de Poderes”. In: A democracia e os três poderes no Brasil.
Org: VIANNA, Luiz Werneck. Belo Horizonte: UFMG/IUPERJ, 2002 P. 17-
41.
__________ Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. 4ª Ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris. 2009.
EPP, C. The Rights Revolution: Lawyers, Activists and Supreme
Courts in Comparative Perspective. Chicago: Univ. Chicago p. 2,
Press1998. Disponível em
<www.unr.edu/justicestudies/.../Epp%20Rights%20Revolution.pdf>
FEREJHON, John. “Judicializing Politics, Politicizing Law.” Law and
contemporary problems. Vol. 65, n. 3, p.41-68, 2002. Disponível em
<http://www.law.duke.edu/journals/65LCPFerejohn>
FERES JÚNIOR, J. Boston, Brazil, o PGR e a defesa da Lava Jato. In: :.
PRONER, Carol et al, (Orgs). A Resistência ao Golpe. P. 190-192, Bauru:
Praxis, 2016.
96
_______________ “O terceiro turno de Dilma Rousseff.” Saúde debate.
vol.40, n.spe, P. 176-185. 2016. Disponível em
<http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042016s15>
FERES JÚNIOR, J.; SASSARA, L.O. “Corrupção, Escândalo e cobertura
midiática da política.” Novos Estudos CEBRAP, v. 35, n.2, p.205-225,
julho, 2016.
OlIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. BAHIA, Alexandre Gustavo e
VECCHIATTI, Paulo Roberto. “Supremo Tribunal Federal deve barrar ou
nulificar impeachment sem crime de responsabilidade” Emporio do Direito.
23/03/2016. Disponível em <http://emporiododireito.com.br/supremo-
tribunal-federal-deve-barrar/#_ftn1>
GINSBURG, Tom. The Global Spread of Constitucional Review. In:
WHITTINGTON, K; KELEMAN, D. (eds) The Oxford Handbook of law
and politics. Chicago Unievrsity Press. Disponível em
<http://works.bepress.com/tom_ginsburg/77/ 2008>
GOMEZ, José M. “Elementos para uma crítica à uma concepção juridicista
do Estado.” Seqüência - Revista de Estudos Jurídicos e Políticos,
Florianópolis, SC, v. 3, p. 67-83, 1981.
HIRSCHL, Ran. “The Judicialization of Megapolitics and the Rise of Political
Courts.” Annual Review Political Science, vol.11, 2008. Disponível em
<https://ssrn.com/abstract=1138008>
_________. “The New Constitution and the Judicialization of Pure Politics
Worldwide.” p. 745, 75 Fordham Law Review, vol.75, n.2 p. 721-753,
2006. Disponível em <http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol75/iss2/14>
_________. “The Political Origins of the New Constitutionalism.” Indiana
Journal of Global Studies. Volume 11. Issue 1, 2004. Disponível em
<http://www.repository.law.indiana.edu/ijgls/vol11/iss1/4>
_________. Towards juristocracy: the origins and consequences of the
new constitutionalism. Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 2004.
97
KRAMER, L. 2004. The People Themselves: Popular Constitutionalism
and Judicial Review. New York: Oxford Univ. Press.
MACIEL, Débora; KOERNER, “Sentidos da Judicialização da Política: Duas
Análises.” Lua Nova, São Paulo, n. 57, p. 113-133, 2002.
MORO, Sergio. “Considerações sobre a Operação Mani Pulite.” Revista
CEJ (Brasília), v. 26, p. 57, 2004.
PEREZ-LIÑAN, Aníbal. Presidential impeachments and the new
political instability in Latin America. Cambridge University Press. Nova
York. 2007.
POGREBINSCHI, T. Judicialização ou Representação? Rio de Janeiro:
Campus- Elsevier, 2011.
SANTOS, B. de S. Refundación del Estado en América Latina.
Perspectivas desde una epistemología del Sur. Lima: Instituto
Internacional de Derecho y Sociedad. 2010.
SANTOS, W. G. dos. Alerta. Texto publicado no blog Insight.
10/07/2015. Disponível em <insightnet.com.br/segundaopiniao/>
SHAPIRO, Martin. On Law, Politics, and Judicialization. Cidade: Editora
2002.
SILVA, Cecília de Almeida. et al. Diálogos institucionais e ativismo.
Curitiba: Juruá Editora, 2012 (2ª. reimpressão).
STRECK, L. “Os Dilemas da Representação Política: O Estado
Constitucional entre a Democracia e o Presidencialismo de Coalizão.”
Revista Direito e Sociedade, n. 44, p. 83-101, jan/jun, 2014.
TATE, Neal; VALLINDER, Torbjörn.The Global Expansion of Judicial
Power. New York: New York University Press, e-Book 17-18, 1997.
TUSCHNET, Mark. “Political power and judicial power: some observations
on their relation.” Fordham Law Review, vol.75, n.2, article 15, p. 755-768,
2006. Disponível em <http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol75/iss2/>
98
VERONESE, Alexandre. “A judicialização da política na américa latina:
panorama do debate teórico contemporâneo.” Escritos: Revista da
Fundação Casa Rui Barbosa, Rio de Janeiro, Ano 3, n. 3, 2009.
Disponível em
<http://www.casaruibarbosa.gov.br/escritos/numero03/FCRB_Escritos_3_
13_Alexandre_Veronese.pdf>
WALDROM, J. “The core of the case against judicial review.” The Yale Law
Journal. 115:1346-1406. 2006. Disponível em
<http://cddrl.fsi.stanford.edu/s
ites/default/files/waldron_core_of_the_case_against_judicial_review.pdf>
VIANNA. L. W. et al. A Judicialização da Política e das Relações Sociais
no Brasil. Rio de Janeiro: REVAN, 1999.
VIANNA, Luiz Werneck. Americanismo e Direito. Disponível em <
http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=429>
VIERIA, José Ribas e Grupo Ativismo judicial. “VERSO E REVERSO: A
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL.”
Revista Estação Científica. Juiz de Fora, V.01, n.04. 2009. P. 47.
Disponível em < http://portal.estacio.br/media/4411/artigo-3-revisado.pdf>
WERNECK VIANNA, L.; BURGOS. “A Revolução Processual do Direito e
Democracia Progressiva”. In: A democracia e os três poderes no Brasil.
Belo Horizonte: UFMG/IUPERJ, 2002.