Pedagogia Construtivista

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Pedagogia Construtivista. Diferenças de Ambiente. A noção de jardim de infantil desenvolvida por Rachel McMillan, Audemars e Lafendel e até por Maria Montessori e outros dominou praticamente até à pouco a reflexão sobre a educação pré-escolar. Tem tido tendência a ser rousseauesca e a adoptar uma filosofia de "sigamos a criança". Em geral o seu princípio tem sido o de uma espécie de extensão de uma família boa, complemento e auxiliar. O seu clima, com algumas diferenças interculturais, tem tendido para a permissividade na qual se espera que as crianças, em contacto com materiais bons e estimulantes, se "abrirão", e acabarão por se educar a si mesmas e umas às outras sob a vigilância de um adulto carinhoso mas em larga medida não directivo. Em muitas destas escolas há evidentemente períodos de actividade dirigida, assim como tempos de silêncio em que as crianças aprendem a ouvir. Muitas educadoras de jardins de infantis, à aproximação da idade de entrada para a escola oficial, proporcionam às suas crianças experiência de trabalho mais sério com lápis e lápis de cera, e às vezes até as sentam em carteiras. Mais recentemente muitos trabalhadores fizeram notar que as crianças em idade pré-escolar são intelectualmente muito activas e que há talvez períodos de sensibilidade à aprendizagem nos quais elas poderiam adquirir sem esforço algumas das aptidões mais custosas de obter mais tarde. Têm-se focado particularmente, por exemplo, a associação, mesmo a partir do décimo primeiro mês em que a criança começa a proferir as primeiras palavras, entre a forma escrita ou impressa da palavra e o som. Mais geralmente, faz-se referência à pobreza de linguagem em crianças de determinados grupos sociais e têm sido elaborados programas de enriquecimento específico da linguagem. Mais geralmente ainda, insinua-se que mesmo crianças de famílias relativamente desafogadas e estáveis podem beneficiar de

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Pedagogia Construtivista.

Diferenças de Ambiente.

A noção de jardim de infantil desenvolvida por Rachel McMillan, Audemars e Lafendel e até por Maria Montessori e outros dominou praticamente até à pouco a reflexão sobre a educação pré-escolar. Tem tido tendência a ser rousseauesca e a adoptar uma filosofia de "sigamos a criança". Em geral o seu princípio tem sido o de uma espécie de extensão de uma família boa, complemento e auxiliar. O seu clima, com algumas diferenças interculturais, tem tendido para a permissividade na qual se espera que as crianças, em contacto com materiais bons e estimulantes, se "abrirão", e acabarão por se educar a si mesmas e umas às outras sob a vigilância de um adulto carinhoso mas em larga medida não directivo. Em muitas destas escolas há evidentemente períodos de actividade dirigida, assim como tempos de silêncio em que as crianças aprendem a ouvir. Muitas educadoras de jardins de infantis, à aproximação da idade de entrada para a escola oficial, proporcionam às suas crianças experiência de trabalho mais sério com lápis e lápis de cera, e às vezes até as sentam em carteiras. Mais recentemente muitos trabalhadores fizeram notar que as crianças em idade pré-escolar são intelectualmente muito activas e que há talvez períodos de sensibilidade à aprendizagem nos quais elas poderiam adquirir sem esforço algumas das aptidões mais custosas de obter mais tarde. Têm-se focado particularmente, por exemplo, a associação, mesmo a partir do décimo primeiro mês em que a criança começa a proferir as primeiras palavras, entre a forma escrita ou impressa da palavra e o som. Mais geralmente, faz-se referência à pobreza de linguagem em crianças de determinados grupos sociais e têm sido elaborados programas de enriquecimento específico da linguagem. Mais geralmente ainda, insinua-se que mesmo crianças de famílias relativamente desafogadas e estáveis podem beneficiar de uma tentativa mais sistemática e deliberada para acelerar o seu crescimento cognitivo. Deve dizer-se desde já que temos muito poucas provas positivas ou negativas sobre os efeitos a longo prazo da ação de acelerar, por exemplo, o progresso de uma criança da fase senso-motora para a das operações concretas, ou de a ajudar a atingir conceitos de conservação e reversibilidade por uma intervenção de ensino deliberada. Nalguns casos essas acelerações parecem realmente dar-se, embora raramente sejam espectaculares. Noutros campos, por exemplo na aprendizagem da leitura, verifica-se normalmente que crianças não aceleradas recuperam mais tarde. A razão para o êxito muito pequeno dos programas de aceleração de qualquer espécie pode muito bem ser que a maioria das intervenções se tem concentrado sobre um aspecto do desenvolvimento cognitivo, e raramente tem sido maciças, em comparação com o peso da experiência total de uma criança normal com o seu ambiente. Dois dos aspectos mais importantes do crescimento são de facto a grande variedade e extensão das situações em que determinado conceito se apresenta a uma criança, assegurando, portanto, uma generalização crescente; e a necessidade, muito marcada em crianças

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pequenas, de períodos de consolidação, repetição e prática. Parece também provável, pelo nosso conhecimento geral da dinâmica do desenvolvimento infantil, que qualquer aceleração notável num domínio, como o conhecimento, pode provocar um desajustamento noutro, por exemplo o afectivo, que não é correspondentemente acelerado. Uma inteligência muito viva vem mais frequentemente associada com desajustamento e frustração na primeira infância do que uma capacidade superior ou moral. De qualquer maneira, a tentativa de acelerar o desenvolvimento cognitivo por meio de ensino formal traz sempre consigo o perigo de criar na criança atitudes de ansiedade ou mesmo de rejeição, ao esforçar-se e muitas vezes falhar, numa situação em que o adulto deseja claramente que ela não falhe. Se o fracasso significa ou parece significar a perda de amor, e contudo a criança não consegue ser bem sucedida, depressa construirá toda a espécie de atitudes de oposição. Crianças pequenas só serão ensinadas com êxito num ambiente de liberdade e à-vontade e, mesmo assim, qualquer fracasso em cumprir o que a criança pensa que os pais esperam dela é-lhe muito difícil de suportar. No entanto há diferenças claras, marcadas e, até agora, teimosamente constantes, no nível de inteligência operacional e simples poder de aprender entre as crianças da classe média relativamente privilegiada e de grupos da classe trabalhadora relativamente menos privilegiada. Esta diferença mantêm-se em todos os países desenvolvidos, apesar dos esforços para nivelar o acesso à educação oficial. Diferenças semelhantes ainda mais marcadas aparecem entre crianças dos países desenvolvidos. E estas diferenças dentro dos países e entre eles persistem na idade adulta. Como foi referido antes, há fortes razões para pensar que, sem prejuízo doutras coisas que que estas diferenças possam reflectir, há influências ambientais fortemente diferenciantes em jogo, e que é a estas que devemos dirigir-nos se desejarmos seriamente atingir o ideal de igualdade de oportunidades em educação e na própria vida. Uma segunda linha de dados aponta para o facto de que os primeiros anos, passados fora dos muros da escola e para além do alcance actual da educação organizada, são críticos para todo o crescimento cognitivo subsequente. Numa longa análise de uma série de estudos longitudinais sobre o desenvolvimento infantil, Bloom chega à conclusão de que, numa cultura relativamente unificada e avançada como a americana, o efeito diferencial de um ambiente rico sobre um ambiente pobre é em média representado por uma diferença de uns vinte pontos Q.I. na adolescência. Ele diz que mais de metade desta diferença surge entre o nascimento e a idade de 4 ou 5 anos e cerca de 80% pelos 8. Nos seus estudos longitudinais numa amostragem nacional de crianças britânicas, Douglas pôde mostrar que crianças de famílias educadas da classe média melhoravam a sua posição relativa às outras em "inteligência" e em aproveitamento escolar ao longo de toda a escola primária, ao passo que os filhos de trabalhadores manuais não especializados pioravam. Uma descoberta análoga e ainda mais espectacular resultou de um artigo de 16.000 crianças nascidas em Março de 1958. Já aos sete anos, estas crianças do grupo socioeconómico inferior eram 3,3 cm mais baixas, na proporção de 15 para uma não

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sabiam ler, relativamente a crianças do grupo socioeconómico mais alto; eram também menos capazes em aritmética e tinham mais dificuldades na adaptação à escola. Estas discrepâncias existentes aos 7 anos tem todas as probabilidades de influenciar de maneira cumulativa o crescimento e progresso subsequentes. Recorde-se que estes números se baseiam em médias, em grupos e populações bastante heterogéneos. Casos individuais e grupos seriamente desfavorecidos, como os de zonas muito pobres, de bairros de lata, das favelas do Rio de Janeiro ou dos bidonvilles de África, devem ser ainda mais chocante e desastrosamente afectados. Muitos outros estudos insistem também em que o que as escolas actualmente conseguem não só está relacionado com os efeitos iniciais em família no período pré-escolar, mas é também continuamente afectado pelo ambiente que não só pode não oferecer os estímulos cognitivos necessários para o desenvolvimento adequado da capacidade de aprender, mas que pode de facto ter um efeito realmente negativo através da sua desordem. Neste sentido, os primeiros anos podem ser mais importantes num sentido construtivo e preventivo, porque é mais fácil desencadear um desenvolvimento correcto desde o início do que remediar erros mais tarde. Além disso, visto as consequências do desenvolvimento conceptual parecerem ser invariáveis e as aquisições anteriores determinarem a aptidão para entrar na fase seguinte, os desvios ou fracassos precoces prejudicarão inevitavelmente a aprendizagem posterior de uma maneira cumulativa. Isto será de resto válido, quer se considere a inteligência operacional, quer a aprendizagem de atitudes ou emoções. Antes de continuarmos a tirar implicações deste facto, é importante estabelecer algumas distinções. É possível ter um ambiente que em si mesmo é favorável ao crescimento daqueles aspectos do funcionamento intelectual que se adequam à cultura em que a criança há-de viver. Suponho que esse ambiente favorece todos os aspectos da inteligência adulta, incluindo por exemplo a capacidade de resolver problemas que requeiram raciocínio abstracto ou as aptidões práticas necessárias para viver, não se lhe pode chamar "culturalmente desfavorecido". Mas é possível que os sistemas de motivação que ele cria, os modos como forma a percepção e a atenção, as zonas obscuras que deixa, não sirvam para preparar a criança para o tipo de educação formal que talvez um sistema de educação divergente proporciona. O problema é então o de decidir se se deve mudar o sistema educativo e o que dele se espera, ou tentar adaptar a criança a ele, ou modificar ambos na medida do possível. De diversas maneiras este tem sido e continua a ser o problema dos territórios ex-coloniais nos quais só as crianças mais dotadas conseguiram adaptar-se razoavelmente às exigências das escolas, cujas finalidades e objectivos são ainda largamente europeus. É também um problema em países desenvolvidos onde existem diferenças marcadas no estilo de vida entre grupos sociais muito distanciados e onde as crianças se podem alienar progressivamente de uma escola que parece rejeitar a cultura a que pertencem. Contudo, os factores mais importantes no crescimento cognitivo relacionam-se com a coerência, grau de organização, riqueza cultural e complexidade dos diferentes ambientes. Estas

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diferenças são muitas vezes acompanhadas de diferentes estilos de educação dos filhos, especialmente o grau de autoridade e a tensão criada à volta de satisfações e sanções mais ou menos imediatas, que podem por sua vez afectar o desenvolvimento do pensamento abstracto e a capacidade de conceber e escolher hipóteses alternativas ou ser criativo de outras formas. outras categorias de pensamento também preparam as estruturas mais tardias do intelecto. Se a cultura tende predominantemente para explicações mágicas dos acontecimentos e fenómenos, se se tem pouca atenção a noções como agrupamento e diferenciação, será mais difícil, se não impossível, desenvolver mais tarde as espécies de pensamento que o estudo da ciência ou da matemática envolve. Em casos como estes podemos falar estrita e correctamente de desfavorecimento cultural. Muitas vezes esse desfavorecimento verifica-se em grupos que são desfavorecidos verifica-se em grupos que são desfavorecidos a outos níveis e temos de enfrentar não só diferenças culturais, mas uma verdadeira inferioridade cultural em termos das exigências do mundo moderno. O que ficou dito até agora refere-se à relativa eficiência de diferentes espécies e qualidades de ambientes para promover a capacidade de aprender da criança. Dentro de limites bastante latos, pode considerar-se que isto é válido dentro de sistemas de valores diferentes quanto às formas de personalidade e à ênfase posta nos diferentes tipos de pensamento. Mas, por mais neutro que culturalmente se queira ser, não se pode escapar a certos juízos de valor essenciais derivados dos nossos conceitos de cultura e de transformação cultural. Assim, ao considerar um ambiente educativo, mesmo na fase pré-escolar, tem que se perguntar até que ponto ele favorece o crescimento do pensamento flexível sobre o rígido, do pensamento simbólico abstracto e da capacidade de planear. Se tirar-mos todas as consequências das lições sacadas aos estudos citados e à análise das necessidades das sociedades em que nos movemos, o período pré-escolar é de importância crucial, e deveria ser planeado muito cuidadosa e seriamente como um dos principais, ou até o mais importante estádio da educação, do qual tudo o resto depende. Mesmo sendo a nossa principal preocupação mais modesta ainda que extremamente importante, assegurar que as oportunidades oferecidas pela educação gratuita, universal e obrigatória não sejam perdidas por grandes percentagens de crianças menos favorecidas, ainda assim verificamos que os primeiros oito anos de vida são de uma importância crucial.