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    PEDGIO E REGIME TARIFRIO: MUTAO DO REGIME DE CONCESSO EDESVIRTUAMENTO DA NATUREZA JURDICA

    Flvio de Azambuja Berti1

    1.) Introduo. 2.) Servios pblicos,contratos administrativos e concesses deservios pblicos. 3.) Concesso derodovias e cobrana de pedgio. 4.)Espcies tributrias e natureza jurdico-

    tributria. 5.) Mutao do regime deconcesso e alterao da natureza jurdicado pedgio. 6.) Concluses

    1.) Introduo:

    A importncia do assunto afeto ao pedgio e a definio de suanatureza jurdica salta aos olhos no contesto atual em que a manuteno econservao de inmeras rodovias federais e estaduais foi transferida para a

    competncia de pessoas jurdicas de direito privado, atribuindo-se s mesmas aprerrogativa de cobrarem o pedgio junto aos usurios destas mesmas rodovias,como forma de financiar os custos com a conservao referida, bem comopropiciar lucro aos empresrios. Necessrio portanto analisar qual sua natureza

    jurdica bem como a possibilidade de sua alterao no caso de haver mutao doregime jurdico a que se sujeita a prestao dos servios de manuteno econservao das rodovias.

    Em que pesem as limitaes inerentes ao presente ensaio, seuescopo contribuir com algum facho de luz em tema to relevante que suscitatantas controvrsias e tantas reclamaes por parte dos cidados, aqueles

    afetados e onerados diretamente com o repasse de tais atribuies iniciativaprivada. Para tanto, conforme j ressaltado, far-se- necessria uma incurso emtemas prprios ao direito administrativo e ao direito tributrio, cujo resultado estexposto nas linhas que se seguem.

    1Doutor em Direito pela UFPR, Mestre em Direito pela UFSC, Procurador do Ministrio Pblico junto aoTribunal de Contas do Paran, Professor de Direito Tributrio da Unicenp;

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    2.) Servios pblicos, contratos administrativos e concesses de serviospblicos:

    Ao tratar do tema referente concesso e permisso de serviospblicos, h que se relembrar o j mencionado acima quanto prestao destesmesmos servios. Eles sero pblicos geralmente quando a finalidade for asatisfao de uma necessidade pblica, assim entendida uma necessidadecoletiva a que, sozinhos, cada um dos indivduos integrantes da sociedade nopodem suprir; no suficiente porm tal condio; para o servio ser pblico, faz-se necessrio que a lei assim o defina. Em face disto bem como vista doconceito antes fornecido, constata-se que a titularidade da Administrao Pblicaem prestar tal servio no ndice para averiguar o fato de tratar-se ou no deservio pblico. At porque o mesmo pode ser executado de modo direto ouindireto, havendo ento servios centralizados e descentralizados. A lio de

    Diogo de Figueiredo Moreira Neto2sobre o tema elucidativa.

    A propsito do tema afeto aos servios pblicos, parecemimportantes as observaes do professor Eros Roberto Grau3no sentido de queos servios pblicos diferenciam-se das atividades econmicas propriamente ditaspelo fato de: a) no objetivarem o lucro como regra geral; b) possuirem um regime

    jurdico prprio estabelecido em lei e vinculado princpios constitucionais; c)serem enunciados pela Constituio Federal como tais; d) ser observada emrelao a eles a predominncia dos interesses do trabalho; e) constiturem-se ematividade essencial existncia da sociedade; f) caracterizarem-se pelacontinuidade o que implica em legitimar aes e atos por parte da Administrao

    Pblica no sentido de retomar bens e assumir a titularidade da prestao noscasos em que o particular concessionrio ou permissionrio descumpre normas emetas acordadas com a Administrao Pblica concedente ou permissionria doservio provisoriamente delegado.

    Diz o professor Eros Grau4 que a mera atribuio de determinadacompetncia prestao de servios pblicos ao Estado no suficiente paradefinir essa prestao como servio pblico.

    Segundo definio do Decreto-lei n 200/67, o servio centralizadoquando o Poder Pblico o presta por seus prprios rgos em seu nome e sob

    sua responsabilidade exclusiva. Temos ento o Estado como titular econcomitantemente prestador do servio, o qual permanece integrado na

    2 Ob. Cit.: A prestao de servios pblicos, como j foi referido, tanto pode caber ao ente titular dacompetncia constitucional, o que caracteriza uma prestao direta, como pode ser por ele delegada aterceiros, o que tipifica uma prestao indireta. Trata-se aqui, no da disposio dos servios que lhe socometidos, pelo seu titular, mas da mera disposio da execuo do servio, isto , de uma faculdade dedelegar a sua prestao, integral ou parcialmente. Em conseqncia, tambm se pode fundar a classificaodas formas de prestao, na natureza jurdica dos destinatrios dessa partilha de execuo, conforme sejamentes administrativos de direito pblico (neste caso, as prestao indelegveis) ou entes administrativos dedireito privado (neste caso, as prestaes delegveis).3GRAU, Eros Roberto. (2004). A Ordem Econmica na Constituio de 1988. 9aed. So Paulo: Malheiros;4Ob. cit., p. 104;

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    chamada Administrao direta (Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios). Jservio pblico descentralizado aquele em que o Poder Pblico transfere suatitularidade ou, simplesmente, sua execuo, por outorga ou delegao, a

    autarquias, fundaes, entidades paraestatais, empresas privadas ou particularesindividualmente.

    Segundo Hely Lopes5, ...h outorga quando o Estado cria umaentidade e a ela transfere por lei determinado servio pblico ou de utilidadepblica. H delegao quando o Estado transfere, por contrato(concesso) ou atounilateral (permisso ou autorizao), unicamente a execuo do servio, paraque o delegado o preste ao pblico em seu nome e por sua conta e risco, nascondies regulamentares e sob controle estatal.

    A distino entre outorga e delegao6 de servio importante j

    que aquela implica em transferncia por lei e somente por lei pode ser retirada oumodificada, ao passo que na delegao apenas a execuo do servio transpassada a terceiro, por ato administrativo (bilateral ou unilateral), pelo qupode ser revogado, modificado ou anulado, como o so os atos dessa natureza.

    A descentralizao administrativa, inclusive para a prestao deservios pblicos, decorre de necessidade premente da Administrao no sentidode otimizar a mquina burocrtica estatal. Em razo da complexidade prpria dosrgos pblicos bem como em face da enorme quantidade de atribuies de cadaqual, tarefa muito difcil, seno impossvel, atender satisfatoriamente sexpectativas da coletividade. Assim como na iniciativa privada tornou-se comum a

    prtica da terceirizao de atividades-meio para outras empresas, chamadasterceirizadas, tambm a Administrao Pblica num dado momento histricohouve por bem transferir a outras pessoas pblicas ou privadas a competnciapela execuo de determinadas atividades, reconhecendo que com certaautonomia e uma regulamentao coerente, estas outras pessoas teriam melhorescondies de prestar servios com mais eficincia. As formas pelas quais seexpressa a descentralizao so variadas, de acordo com os objetivos, estratgiase polticas definidas pelas autoridades competentes. A descentralizao,consoante j afirmado em outra passagem desta monografia, pressupe aatuao de outra pessoa jurdica distinta da Unio, do Estado, do Distrito Federalou do Municpio, o que no ocorre com a desconcentrao na qual h uma

    simples diviso e reorganizao interna do servio.

    Como ressaltado pela doutrina7, a descentralizao pode serterritorial ou geogrfica (da Unio aos Estados-membros e destes para osMunicpios) ou institucional, na qual se opera a transferncia do servio ousimplesmente sua execuo da entidade estatal para suas autarquias, fundaes,

    5Ob. cit.;6Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit.;7Meirelles, Hely Lopes, ob.cit.;

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    entes paraestatais ou mesmo para delegados particulares (empresasconcessionrias e permissionrias de servio pblico).

    A prestao indireta de servios pblicos efetivada mediante outorgalegal ou delegao, respectivamente a entes administrativos de direito pblicocomo autarquias e fundaes e a entes de direito privado (paraestatais ouparticulares) pode assumir cinco formas diferentes, conforme lembra o ProfessorDiogo de Figueiredo Moreira Neto8, quais sejam: a) prestao autrquica; b)prestao paraestatal (empresas pblicas e sociedades de economia mista); c)prestao contratual (concesso); d) prestao complexa (associao depessoas para realizar a mesma prestao mediante convnio ou consrcioadministrativo); e) prestao unilateral (autorizao pura e simples e permisso,ainda que recente legislao tenha atribudo permisso natureza contratual).

    A concesso de servios pblicos, assim como a permissoconstitui-se em forma pelas quai se descentraliza a execuo de serviospblicos; so assim instrumentos a servio do Estado para ofertar servios quevenham de encontro s expectativas dos cidados. A legitimidade para autilizao de ambos decorre de texto expresso da Constituio de 1988, maisprecisamente de seu artigo 175.

    Pelo que dispe o texto constitucional percebe-se claramente quetanto a concesso quanto a permisso do servio pblico pressupem prvioprocedimento licitatrio para escolha da empresa vencedora, aquela queefetivamente aps a adjudicao responder pela execuo do servio concedido

    ou permitido. O requisito da licitao importante para garantir legitimidade etransparncia no processo de escolha das concessionrias e permissionrias.Com isto atende-se ao princpio da igualdade, o qual possibilita a participaoisonmica de todo e qualquer particular interessado em prestar o servio pblicodescentralizado, sem que sejam presenteados os filhos do rei, pelo menos emtese, j que infelizmente as denncias de fraudes em nosso pas so inmeras eocorrem repetidas vezes nas diferentes esferas de poder. Tanto verdade que aatuao do Ministrio Pblico investigando, instaurando inquritos civis epromovendo medidas judiciais (aes civis pblicas, aes pela prtica de atos deimprobidade, aes penais) tm aumentado consideravelmente.

    Alm da licitao para escolha do concessionrio do servio pblicocomo determina a Lei Maior, o ato de transferncia da execuo do servio para oparticular dever observar os limites e regras estabelecidos em lei prpria.Portanto, no h liberdade para que a autoridade do Executivo (Presidente daRepblica, Governador, Prefeito, Ministro, Secretrio estadual ou municipal)estabelea o regime sob o qual funcionar o servio. No so viveis paraproceder a tal regramento decretos, portarias, instrues normativas ou demaisatos administrativos. A competncia aqui privativa do Legislativo, ainda que ainiciativa do projeto de lei possa caber ao Executivo. Ser o Congresso, a

    8Ob. Cit.;

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    Assemblia Legislativa ou a Cmara de Vereadores dependendo do caso opalco para o debate e definio dos parmetros que nortearo a concesso ou apermisso.

    Como consta da CF/88, a lei definir o prazo da concesso, apossibilidade ou no da prorrogao e as condies em que isto dar-se-, a formapela qual a Administrao concedente fiscalizar a atuao do concessionrio oupermissionrio bem como as hipteses de resciso, alm claro de definir osdireitos dos usurios (pblico-alvo e maior interessado no regime objeto deanlise) inclusive o de receber um servio contnuo e de acordo com ndicesmnimos de qualidade, alm da definio da poltica tarifria, querendo com istotratar dos limites mnimo e mximo das tarifas e da periodicidade em queocorrero eventuais reajustes, bem como a definio prvia dos ndices decorreo/reajuste. Aqui reside ponto focal na questo relativa definio da

    natureza jurdica do pedgio, a ser tratada adiante, pois o valor efetivo da tarifano definido (ao menos no necessariamente) na lei, mas sim no contrato deconcesso ou no ato de permisso. A lei dispor na verdade sobre os limites edemais nuances inerentes ao regime tarifrio como um todo. A diferena sutil,mas existe.

    Tomando partido quanto diferenciao entre concesso epermisso, mas sem a pretenso de esgotar o assunto nem tampouco ver-se livrede eventuais crticas, parece possvel afirmar que a concesso delegaocontratual e legal; a permisso (assim como a autorizao) constitui delegaomediante ato unilateral da Administrao; aquela apresenta maior formalismo e

    estabilidade para o servio; esta mais simples e sua execuo precria.

    Com efeito, como ensina e repete a doutrina ptria9, o contrato deconcesso ajuste de Direito Administrativo, bilateral, oneroso, comutativo erealizado intuitu personae. Com isto se afirma que um acordo administrativo (eno um ato unilateral da Administrao), com vantagens e encargos recprocos,no qual se fixam as condies de prestao do servio, levando-se emconsiderao o interesse coletivo na sua obteno e as condies pessoais dequem se prope a execut-lo por delegao do poder concedente. Sendo umcontrato administrativo como , fica sujeito a todas as imposies daAdministrao, necessrias formalizao do ajuste, dentre as quais a

    autorizao governamental, a regulamentao e a licitao.

    Observe-se inclusive que a Administrao pode retomar o serviopblico concedido. Tal retomada poder ser transitria ou permanente. A primeiradar-se- quando o Estado intervier para garantir a prestao do servio em casosfortuitos ou de fora maior. A retomada do servio pelo Poder Pblico ser

    9Meirelles, Hely Lopes. Ob. cit.;

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    permanente nos casos de extino da concesso: reverso, anulao,encampao, caducidade, resciso, distrato e renncia10.

    Diogo de Figueiredo Moreira Neto11 caracteriza a concesso daseguinte forma: ... contrato administrativo que tem por caractersticas: aimperatividade, imanente, mas apenas em potencial; a validade, construda sobrea presuno de veracidade, de legalidade, de legitimidade e de licitude dospressupostos fticos e jurdicos, sobre os quais foi estabelecida; a eficciadecorrente da presumida validade; a exeqibilidade, com a possibilidade deexecuo imediata; a executoriedade, que prpria dos atos em que aAdministrao parte; a bilateralidade, referida aos efeitos desejados; acomutatividade expressa na equivalncia das prestaes recprocas; aonerosidade, dada a existncia de obrigaes de valor econmico; e ainstabilidade, tanto quanto ao contedo obrigacional de interesse pblico, quanto

    prpria permanncia da relao contratual.

    O professor Maral Justen Filho12 apresenta em sua obra osrequisitos indispensveis no instituto da concesso de servios pblicos: a)obrigatoriedade de licitao; b) idoneidade do particular concessionrio; c) amanuteno do servio pblico concedido em face da exigncia constitucionalquanto sua continuidade (o servio concedido no se transforma em servioprivado, continuando pois dentro da competncia do Poder Pblico); d) atemporariedade da delegao fixada necessariamente no instrumento contratualda concesso; e) a natureza constitutiva da outorga da concesso; f) a naturezatrilateral da relao jurdica de concesso.

    Ainda segundo o professor Maral Justen Filho13, a concesso noretira do poder concedente a titularidade do servio, tal como no afeta o regime

    jurdico aplicvel. O concessionrio no se transforma em titular dos poderesreservados ao ente estatal titular do servio pblico. Portanto, a concesso deservio pblico importa o surgimento de uma situao jurdica especfica epeculiar, cuja extenso envolve o desempenho das atividades correspondentes. A

    10Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Ob. Cit.: Reverso ocorre quando expirado o prazo da concesso, os bens vinculados ao servio se integram ao patrimniopblico. a soluo norma do contrato pelo advento do seu termo.

    (...) Anulao a forma de desfazimento contratual genrica, que se d quando os elementos do contrato administrativo no se conformam aos ditames legais.

    Tanto cabe Administrao quanto ao Judicirio declarar a nulidade que, como sabido, atua ex tunc, devolvendo as partes s ituao anterior ao contrato desfeito.(...)

    Na encampao trata-se do desfazimento contratual provocado por denncia da Administrao; modalidade que, em tema de concesses, toma a denominao de

    encampao ou resgate.

    (...) A caducidade a extino do contrato durante sua vigncia, decretada por ato administrativo vinculado da Administrao, motivado necessariamente por uma

    falta grave, que tenha sido legal ou contratualmente prevista, e cometida pelo concessionrio.

    (...) Resciso, embora tecnicamente ambivalente, utilizada limitadamente na sistemtica das concesses para designar a extino do contrato por iniciativa do

    concessionrio, no caso de descumprimento das normas legais e contratuais por parte do Poder Concedente.

    (...) Distrato modalidade bilateral, resultante de acordo entre as partes, tendo por fim extinguir a relao jurdica que elas prprias constituram. o mtuo

    consenso desconstitutivo, em oposio ao mtuo consenso constitutivo da relao concessional.

    (...) Renncia modalidade unilateral de desfazimento fundada na ulterior vontade do concessionrio. Embora, em princpio, a vontade do concessionrio,

    isoladamente manifestada no resulte eficcia jurdica, ser sempre possvel que o contrato venha atribuir-lhe efeitos e disciplinar-lhe as conseqncias.

    11 Ob. Cit.;

    12 JUSTEN FILHO, Maral. (2003). Teoria Geral das concesses de servio pblico. So Paulo: Dialtica;13Ob. cit., p. 57;

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    frmula tradicional, de que o concessionrio presta o servio pblico em nomeprprio indica que o ttulo jurdico em que se funda sua atuao no o mesmode que deriva a qualificao do servio como pblico ou a titularidade do poder

    concedente sobre ele.

    A cabo do que se expe, parece correto afirmar que a caractersticaimportante e fundamental em relao concesso porm, seu carter contratualmediante o qual o vnculo bilateral formado implicar necessariamente napreservao de um equilbrio econmico-financeiro em favor do particularconcessionrio, alm da fixao de um prazo de durao da concesso no prpriocontrato, cujo desfazimento anterior revogao da concesso ou sua rescisoantecipada implicar necessariamente no pagamento de uma indenizao aoparticular concessionrio como forma de compensao pelos investimentos einverses j realizadas e pelo lucro cessante, salvo obviamente, naquelas

    situaes em que foi o concessionrio quem deu margem resciso aodescumprir clusulas e obrigaes contratuais.

    Observe-se por fim a existncia de outras leis especficas sobre otema relativo s concesses de servios pblicos como por exemplo a Lei n9.074/95, a qual trata das concesses de energia eltrica, pelo que consagra-se aprestao indireta de servios pblicos como tema de suma relevnciaatualmente, sendo o regime jurdico das concesses e permisses muito til paraa anlise da natureza jurdica do pedgio a ser procedida no prximo captulo.

    3. Concesso de rodovias e cobrana de pedgio:

    O Poder Pblico vem sendo onerado com o crescente endividamentoa que se sujeitou nos ltimos anos. Concomitantemente, as presses dasociedade e a dinmica poltica, econmica e social tem resultado em demandascrescentes nas mais diferentes reas, seja sade, educao, assistncia etc. Osrecursos arrecadados tm sido escassos e inviabilizado o cumprimento de muitosdos misteres que deveriam ser cumpridos pelo Poder Pblico. Em face disto, teveincio a prtica de repassar encargos at ento sob a responsabilidade direta doEstado, para a iniciativa privada. Isto no peculiaridade brasileira, posto que

    ocorre nos mais diferentes pases, tanto naqueles chamados do primeiro mundoquanto noutros tidos como pases em desenvolvimento verdadeira balela namedida em que esses so efetivamente pases pobres, carentes de recursos,discriminados pelos ricos e abastados, cujos Governos e sociedades estopreocupados apenas com seus interesses prprios. Ilustram o que foi dito quanto universalizao do fenmeno da transferncia de encargos aos particulares, aprivatizao do seguro social no Chile e o pedgio de estradas na Argentina e empases europeus (Itlia, Frana, Alemanha e Espanha).

    Esta tendncia chegou tambm aqui, como alis no poderia deixarde ser. Da a proliferao do instituto da concesso em reas antes restritas

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    atuao direta do Estado. Surgiu assim a iniciativa de conceder a manuteno econservao das rodovias federais e estaduais empresas e grupos privadosmediante um procedimento licitatrio prprio, aps a devida autorizao legislativa

    para tal transferncia.

    Atualmente possvel enumerar algumas dezenas, talvez centenas,de estradas cuja conservao foi transferida para as mos da iniciativa privada,titularizando as empresas o direito de cobrar dos usurios um valor pararemunerar seus investimentos, valor este ao qual se atribui o nomen iuris depedgio. H todo um regime prprio para a transferncia da execuo destasobras e servios relativos manuteno das rodovias, conforme demonstrar-se-abaixo. Entretanto, a doutrina no unnime quanto natureza jurdica dopedgio, havendo vacilos de parte a parte. Da a justificativa do presente estudo,cujo objetivo porm no o de estabelecer um ponto final quanto ao assunto,

    como alis j mencionado linhas atrs.

    O modus operandi utilizado pelo Estado brasileiro para levar aefeito a transferncia deste encargo iniciativa privada foi a utilizao do instituto

    jurdico da concesso de servio pblico, precedida sempre de licitao, a teordo que determinam as normas e princpios constitucionais, de modo tal que umparticular vencedor da licitao assume a titularidade pela prestao dos serviosde manuteno e conservao das rodovias, socorro e ambulncia etc.

    Breves comentrios a respeito do regime tarifrio afeto aos contratosde concesso de servios pblicos, inclusive o de rodovias pedagiasdas, diz

    respeito forma de remunerao do particular concessionrio, porquanto, esteextrai sua compensao financeira mediante o pagamento dado em troca dautilidade por ele oferecida. A propsito do assunto e como decorrncia daequao econmico-financeira caracterstica da concesso de servios pblicoslembre-se do que defende Maral Justen Filho14, a remunerao doconcessionrio corresponder diferena entre o custo necessrio a produzir ecomercializar o servio pblico e o preo correspondente por ele auferido comoresultado da explorao.

    No exemplo brasileiro, quase unnime a adoo do regimeexclusivo de tarifas, por meio do qual o particular usurio do servio remunera o

    concessionrio prestador do servio mediante o pagamento de um valor definidocomo tarifa, diferente daqueloutra obrigao de natureza tributria. Frise-se, noregime jurdico atual, o pedgio cobrado nas rodovias cuja explorao foiconcedida iniciativa privada no tem natureza de tributo, consoante ficar melhorexplicado frente.

    Obviamente que o concessionrio precisa fazer aportes de recursose investimentos a fim de tornar possvel a disponibilizao de um servio queatenda ao padro mnimo de qualidade esperado pelos usurios e fixado

    14Ob. cit., p. 332;

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    contratualmente com a Administrao Pblica concedente. Por outro lado, necessrio remunerar-se mediante o retorno do investimento feito e o lucrodesejado, sobretudo porque ao contrrio do Estado, o particular concessionrio

    que colabora com o Poder Pblico exercendo a efetiva prestao de serviospblicos o faz com objetivos econmico-financeiros expressos pelas metas delucratividade planejadas pelos scios e acionistas do negcio privado, o que nos legtimo como at mesmo usual. O fato que h diferentes formas pelas quaistal remunerao (lucro) pode ser obtido.

    Em tese, inexistem impedimentos no sentido de que a prpriaAdministrao Pblica concedente efetue a tranferncia de recursos seus comoforma de remunerar o concessionrio do servio pblico, o que ser possvel nocaso de haver obviamente autorizao legislativa para tal procedimento, almobviamente, de dotao oramentria suficiente outorgada pela lei oramentria

    anual, em rubrica especfica, a teor da normatizao constitucional a respeito dasfinanas pblicas. Sobre a matria alis, observe-se as recentes alteraeslegislativas ocorridas no Brasil, em especial com o advento das chamadasParcerias Pblico-Privadas, forma diferenciada de colaborao entre o PoderPblico e os investidores particulares, com notas diferenciais em relao aoregime de concesso e tambm distoante das licitaes pblicas.

    Outra alternativa reside na cobrana de tarifas dos usurios doservio disponibilizado pelo concessionrio, o que implica em transferir os nusdos cofres pblicos para o bolso dos usurios, o que talvez at no tenha muitadiferena de contedo, considerando o fato de que os cofres pblicos so

    abastecidos basicamente pelos contribuintes, em especial no Estado brasileirocaracterizado que pela nsia fiscal em relao arrecadao de tributos dasmais variadas espcies como impostos, taxas, contribuies e emprstimoscompulsrios, consoante j examinado em captulo anterior.

    Tambm no se pode descartar a utilizao de um regime misto emque o usurio do servio sujeita-se obrigao de efetuar o pagamento de umatarifa ao concessionrio, cujo valor, todavia, em parte subsidiado pelo PoderPblico concedente mediante o repasse de verbas pblicas cuja previso na leioramentria destina-se justamente a isto. Outras modalidades poderiam aindaser imaginadas e ter plena vigncia desde que baseadas em outorga legal a teor

    do Princpio da Estrita Legalidade no mbito da Administrao Pblica.

    bem verdade que a respeito da temtica especfica sobre astarifas, doutrinas divergentes quanto conceituao e definio da natureza

    jurdica de tal instituto, afirmando alguns tratar-se de preo-pblico; outros detaxas; outros ainda de preos quase pblicos. Com o devido respeito, taisdivergncias parecem no possuir toda a importncia atribuda inicialmente, aomenos no para os propsitos do presente estudo conforme ser desenvolvido naseqncia. Por ora, vale pena investir algum tempo no final deste tpico arespeito dos diferentes modelos tarifrios. Neste sentido e seguindo a lio de

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    Maral Justen Filho15, quer parecer que o fundamental antes de tudo consideraro regime de prestao do servio pblico objeto da concesso, uma vez quesegundo o referido professor, se houver concorrncia (ausncia de exclusividade

    do servio), a tendncia a fixao das tarifas segundo os mecanismos demercado, funcionando a demanda e a oferta como instrumento de determinaodos preos. Tratando-se de situao diversa na qual se esteja diante de umservio monopolizado por apenas um concessionrio, no h que se falar emcompetio de mercado para determinao de preos, surgindo duas alternativaslgicas: a) fixao do valor da tarifa pelo fornecedor/prestador do servio; b)fixao de seu valor pelo Estado.

    Ora, tendo havido uma licitao pblica para a escolha doconcessionrio, o que decorre de imposio constitucional, parece no srazovel mas at mesmo vinculante uma exegese no sentido de que o prprio

    edital do procedimento licitatrio embasado na legislao regulamentar a respeitodo assunto (da competncia de cada entidade concedente no uso de suaautonomia legislativa) estabelea os parmetros para a aferio do valor da tarifae eventuais parmetros para seu reajuste, o que dever constar de clusulasclaras e precisas no futuro contrato de concesso, cuja minuta deve ser publicadaconjuntamente com o edital da licitao alis.

    Dentro de um estudo sob a perspectiva das cincias econmicas h diferentesmodelos tarifrios, dentre os quais poderiam ser citados o do custo mdio doservio, o do custo marginal, o do retorno mnimo etc, o que talvez apresentemaior interesse num estudo prprio a respeito da forma e da metodologia prpria

    para a definio de tarifas, mas no numa pesquisa a respeito da definio danatureza jurdica do pedgio.

    4.) Espcies tributrias e natureza jurdico-tributria:

    A par dos pressupostos constitucionais para a instituio dos tributose das garantias mnimas asseguradas pelo Constituinte em favor do contribuinte,cujo escopo ltimo limitar o poder criador do Estado bem como sua voracidadefiscal contra o contribuinte, h um sem nmero de classificaes para os tributos;

    algumas mais uutilizadas, outras nem tanto. O que varia de uma para outra ocritrio classificatrio utilizado. Assim, de acordo com a competncia para suainstituio os tributos podem ser federais, estaduais ou municipais. Em relao aoaspecto preponderante para a norma os tributos so reais ou pessoais classificao em desuso vista do fato de atualmente, todas as normastributrias, direta ou indiretamente, levarem em considerao a pessoa docontribuinte e sua capacidade contributiva. Tomando-se como parmetro oaspecto material da hiptese de incidncia analisado juntamente com a base de

    15Ob. cit., p. 351;

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    clculo, pode-se dizer que so cinco as espcies tributrias, a despeito daquelesque adotam a teoria tripartida ou a teoria quadripartita.

    Em que pese tal ordem de consideraes, no se pode nunca deixarde lado a necessidade de que, via de regra, o legislador ao pretender instituir umtributo, qualquer que seja a espcie independentemente da classificao utilizadapara sua defnio, dever necessariamente adequar-se aos pressupostosconstitucionais vigentes, assim entendidas aquelas regras e princpios constantesda Constituio Federal, tambm denominadas de limitaes constitucionais aopoder de tributar. Dentre as mesmas, no se pode desconsiderar a estritalegalidade tributria, a irretroatividade da lei tributria, a anterioridade da leitributria, a anterioridade nonagesimal (noventena), a isonomia tributria, acapacidade contributiva, o no-confisco em matria tributria e a seguranajurdica do contribuinte.

    Alm disso, tambm independentemente do tipo tributrio, pareceoportuno frisar que todos mantm adequao aos requisitos/caractersticosprevistos topicamente no Cdigo Tributria Nacional, em especial em seu artigo3o, vale dizer, todos so prestaes pecunirias, compulsrias, institudas em lei,que no constituem sano pela prtica de ato ilcito e cuja cobrana feita demodo vinculado pela Administrao Pblica. Deste modo, qualquer outraobrigao que desrespeite algum requisito mencionado, um apenas que o seja,deixar de enquadrar-se na figura jurdica chamada tributo.

    luz da Constituio Federal de 1988 possvel identificar como

    espcies tributrias o imposto, a taxa, a contribuio de melhoria, o emprstimocompulsrio e outras contribuies, cujas sub-espcies so as interventivas, ascorporativas, as previdencirias e as de iluminao pblica.

    Em linhas gerais, pode-se dizer que o imposto tributo cuja receitano est vinculada a nenhuma contra-partida do Estado (o contribuinte paga semreceber nada em troca de modo direto), alm do que os fatos ensejadores datributao e consistentes no aspecto material da sua hiptese de incidnciaapresentam relevncia sob a perspectiva econmica, como ocorre no impostosobre a renda, sobre produtos industrializados, sobre a circulao de mercadorias,sobre operaes financeiras etc.

    J as taxas so tributos diretamente vinculados no sentido de que oEstado atua e cobra do contribuinte valores necessrios para o financiamento dosgastos inerentes a tal atuao, que pode ser de dois tipos: : a) taxa em razo doexerccio do poder de polciapelo Estado (entendido o Estado em sentido amplo,compreendendo pois, a Unio, os Estados-membros, o Distrito Federal e osMunicpios); b) taxa em razo da utilizao, efetiva ou potencial, de serviospblicos especficos e divisveis, prestados ao contribuinte ou simplesmentepostos a sua disposio. Esta segunda espcie de taxa que gera confusodiante do chamado pedgio pago s empresas concessionrias responsveis

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    pelos servios de conservao, manuteno e prestao de socorro nas rodoviasbrasileiras.

    A contribuio de melhoria diferencia-se das anteriores por serespcie de tributo indiretamente vinculado a uma atuao estatal, qual seja aexecuo de obra pblica. Mas no basta o Poder Pblico edificar a obra; necessrio que desta edificao resulte valorizao imobiliria em suasadjacncias, o que ensejar a cobrana da contribuio de melhoria junto aoscontribuintes proprietrios de imveis valorizados com a obra.

    As demais espcies tributrias no apresentam tanta importnciapara os objetivos inerentes ao tema central desta exposio, qual seja, definir-se aproximidade ou no do pedgio em relao ao gnero tributo e as suas espcies,confuso alis feita por parte da doutrina, razo pela qual no h a pretenso de

    alongar desnecessariamente o texto.

    5.) Mutao do regime de concesso e alterao da natureza jurdica dopedgio:

    H diferentes teses para tentar descrever a natureza jurdica do valorpago a ttulo de pedgio quando da concesso dos servios de manuteno econservao das rodovias pblicas (federais ou estaduais) iniciativa privada. Emque pese o respeito a todas as posies emanadas da doutrina, o objetivoconsubstanciado nas linhas que seguem o de propor uma nova considerao

    embasada em conceitos eminentemente do direito pblico, analisando institutosdo direito constitucional, do direito administrativo e do direito tributrio, semcontudo ter a pretenso de esgotar o assunto, o que seria de todo descabido.

    Na anlise do assunto mister ter sempre vista as duas basessobre as quais assenta-se todo o direito pblico, denominadas por alguns comoprincpios fundamentais do direito pblico. Estamos a falar da supremacia dointeresse pblico sobre o privado e da indisponibilidade deste mesmo interessepblico, vez que aqui a autoridade est sujeita integralmente aos termos da lei, emque pesem eventuais crticas e posies em contrrio. Conforme j visto e revistonas pginas anteriores, no direito privado o particular pode fazer tudo o que no

    lhe seja vedado pelo ordenamento jurdico ao passo que no direito pblico aautoridade somente pode fazer o que lhe permitido pelas normas.

    H por assim dizer, amarras mais rgidas, mais coesas quanto atuao dos agentes pblicos, representantes do Estado. So verdadeirasbarreiras, as quais imprimem importncia considervel aos atos emanados daAdministrao Pblica. Nem mesmo aqueles atos praticados no exerccio dacompetncia discricionria escapam legalidade, pois nestes no h que se falarem liberdade absoluta da autoridade; haver ainda aqui, vinculao competnciado agente e finalidade do ato, sempre pblica. Em tema de pedgio, taisaspectos devem ser considerados, servindo como pano de fundo para a exposio

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    de uma tese que pretenda adequar-se ao tratamento normativo atribudo matria, consoante o exposto adiante. A coerncia proposta desde o incio funda-se na necessidade de proceder a uma descrio lgica do instituto sob anlise.

    Reafirma-se neste ponto a preocupao de no esgotar o assunto, sempreposicionando-nos com respeito s argumentaes contrrias da doutrina e da

    jurisprudncia ptria. Entretanto, reserva-se o direito de delas discordar quanto sconcluses a que chegaram.

    No se questiona a tendncia atual de descentralizao dosencargos pblicos para a atuao direta da iniciativa privada, independentementeda forma jurdica utilizada para tanto: parcerias pblico-privadas, permisses deservios pblicos, concesso de servios pblicos, permisso de uso e exploraode bem pblico etc. Tambm no se questiona a necessidade premente deinvestimento vultuoso para a conservao e manuteno das rodovias bem como

    os demais servios inerentes utilizao segura das estradas tais como aassistncia mdica, os servios de guincho e de assistncia mecnica, etc, almda necessidade de ampliao da malha viria. Observe-se inclusive, que atransferncia de tais encargos para a iniciativa privada mediante o ajuste jurdicoque permita aos empresrios a explorao dos mesmos para a obteno de lucros tendncia encontrada no s no Brasil, seno tambm em inmeros outrospases, tanto na Europa, quanto na sia e nas demais cercanias da Amrica.Tanto pases ricos como ustria e Itlia, quanto pases em desenvolvimento comoArgentina e Tailndia pedagiaram suas estradas.

    Evidente tambm, a necessidade de prvia licitao para a escolha

    do concessionrio, consoante o mandamento constitucional j mencionado antes,assim como o estabelecimento de um regime jurdico prprio, o qual embasatodas as clusulas inerentes a um contrato de concesso, em especial no quetange outorga do direito de cobrana da tarifa de pedgio. E este o ponto:atualmente, de acordo com o regime jurdico vigente, o pedgio tem natureza detarifa e no de tributo, pelo que no se enquadra em nenhuma das espciestributrias, muito menos sujeita-se, ampla e irrestritamente, aos elementosdescritos pelo artigo 3odo CTN e aos princpios constitucionais tributrios.

    Assim, autorizada legislativamente a transferncia dos servios demanuteno e conservao de rodovias para a iniciativa privada, publicado o

    edital de licitao e selecionada a empresa ou consrcio vencedor, este firmar ocontrato de concesso com o Poder Pblico concedente. Teremos ento duaspartes contratantes: a) Concedente(aquele que titulariza o servio mas transferesua execuo ao particular); b) Concessionrio(aquele que obteve a adjudicaodo objeto da licitao, qual seja, o encargo de responsabilizar-se pelaconservao da rodovia). O contrato de concesso, cuja minuta deve ter sidopublicada em anexo ao edital que instaurou a licitao, conter as clusulasprevistas no artigo 23 da Lei n 8.987/95 mencionando pois, o objeto daconcesso (qual estrada e qual trecho da mesma esto sendo concedidos) e oprazo de durao (termos inicial e final), os direitos e deveres dos usurios, as

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    obrigaes do concessionrio, as penalidades contratuais e administrativas, almda garantia do equilbrio econmico-financeiro16.

    Em que pese tratar-se de contrato, durante a vigncia da concesso possvelsua alterao unilateral pela Administrao Pblica concedente, sobretudo vistada preponderncia do interesse pblico sobre o privado. Alis, h uma srie deoutros poderes ou prerrogativas disposio do concedente para bem atender ofim de satisfazer da melhor forma possvel as necessidades da coletividade. Soexemplos destas prerrogativas adicionais: a) poder de fiscalizao e inspeo dosservios e obras executados pelo concessionrio; b) poder de no s alterarunilateralmente o contrato de concesso como, eventualmente, extingu-lo antesde findo o prazo inicialmente fixado; c) poder de interveno na concessionria ouna forma como o servio est sendo prestado; d) poder de aplicar sanes (multas

    e outras formas punio) ao concessionrio inadimplente ou moroso nocumprimento de suas obrigaes17.

    Uma clusula interessante que deve constar obrigatoriamente docontrato de concesso refere-se continuidade do servio, o qual pblico nocaso em questo, a conservao das estradas deve ser contnua para possibilitaro uso permanente da rodovia em condies mnimas de segurana e conforto pelo que no pode ser interrompido.

    Mas nem tudo so deveres para o concessionrio da rodovia.Perante o concedente, seus direitos referem-se ao respeito parte contratual da

    avena, ou seja manuteno do equilbrio econmico-financeiro antes referido emelhor explicitado mais adiante. Este item que garante o retorno financeiro aoconcessionrio sobre o investimento feito, necessrio alis para atender aosencargos do contrato de concesso: contratao de mo-de-obra especializada,treinamento constante da mesma, aquisio de materiais e equipamentos(caminhes-guincho e ambulncias para prestar atendimento aos usurios darodovia), contratao de empreiteiras e sub-empreiteiras para efetivar aconservao da estrada, pagamento de fornecedores diversos etc.

    16 Mello, Celso Antnio Bandeira de. Ob. Cit.: Assim, dever enunciar o objeto, a rea e o prazo daconcesso, o preo do servio, os critrios e procedimentos para reajuste e reviso das tarifas, os direitos e

    deveres dos usurios para desfrute das prestaes, a minuciosa enumerao dos encargos doconcessionrio, os direitos e deveres relativos a alteraes e expanses futuras, as penalidades contratuais eadministrativas, bem como outras arroladas no preceptivo referido. de entender-se, ainda, que ter deconter todos os elementos necessrios para identificao dos termos em que foi composta a equaoeconmico-financeira, isto , a igualdade convencionada, a qual compreende no s a margem de lucro comoao amortizao do capital, o equipamento implantado, sua permanente atualizao e a reverso dele quandofinda por qualquer razo a concesso.17Mello, Celso Antnio Bandeira de. Ob. Cit.: Sendo a concesso um instituto oriundo da necessidade desatisfazer pelo melhor modo possvel o interesse pblico, dispe o concedente de todos os meios necessriospara adequ-la ao alcance deste propsito. O concedente no se despoja nem poderia faz-lo dos podresrequeridos para impor a realizao mais conveniente do interesse coletivo.Resulta da que tem, permanentemente, sobre o servio prestado pelo concessionrio plena disponibilidade,a qual se traduz na titularidade de um conjunto de poderes. A Lei n 8.987 no os arrola de modo completo esistemtico sob tal rubrica, mas concentra a maioria deles sob o rtulo de Encargos do Poder Concedente,no art. 29, dispositivo, este, que enumera diversas de suas atribuies.

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    Alm disto, o concessionrio tem o direito premente de que no lhe seja exigido o

    desempenho de atividade estranha ao objeto da concesso, pois justamenteeste que identificar um ou outro contrato concesso. Seguindo tal linha deraciocnio, alis a mais acertada vista dos princpios do direito pblico, tenha-se vista o seguinte exemplo hipottico: a Administrao Pblica Estadual publicaedital de licitao para concesso de uma determinada rodovia, prevendo asregras e diretrizes do procedimento concorrencial, cujo objeto restringia-se conservao das duas pistas simples da estrada (manuteno do asfalto, placas efaixas de sinalizao, alm da disponibilizao de servio de socorro mdico).Estes eram os encargos previstos na minuta do contrato, publicada em anexo aoedital. Pois bem, no poderia aps encerrada a licitao e adjudicado o objeto empresa classificada em primeiro lugar, assinando-se na seqncia o contrato de

    concesso respectivo, impor-se concessionria a obrigao de promover aduplicao da estrada concedida, posto que tal encargo no estava compreendidono edital da licitao, vale dizer, no foi objeto da concesso.

    Lembre-se que nas concesses de um modo geral, a remuneraodo concessionrio decorre sobretudo da receita oriunda das tarifas cobradas dosusurios do servio concedido. O raciocnio o seguinte: a Administrao Pblicapresta o servio que pblico, fundamental, vital, de modo indireto, transferindosua execuo para uma empresa ou consrcio de empresas privadas, assimescolhida em licitao prvia. Esta empresa, chamada concessionria, aoexecutar o servio obtm o retorno mediante a cobrana de valores pecunirios

    diretamente dos usurios do servio (cidados em geral). Na concesso deservios de conservao de rodovias o raciocnio o mesmo.

    Esta tarifa nada mais do que um preo pblico, posto que decorreda remunerao feita pelo usurio ao prestador do servio pblico, o qual nestecaso (concesses) ser uma pessoa jurdica de direito privado, uma empresacomo se costuma chamar vulgar e impropriamente. No apenas em relao remunerao de concessionrias responsveis por rodovias federais e estaduaissurgem os chamados preos pblicos ou tarifas.

    No obstante, h autores que defendem a natureza jurdico-tributria

    do pedgio, utilizando como principal fundamento o fato de que o artigo 150, V daConstituio Federal de 1988 legitima sua cobrana. Como se trata de normaintegrante do captulo referente ao Sistema Constitucional Tributrio, maisprecisamente dentro da seo das limitaes ao poder de tributar, seria porconseqncia um tributo. Abaixo, a transcrio do mencionado dispositivo:

    Art. 150 Sem prejuzo de outras garantias asseguradas aocontribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal eaos Municpios:(...)

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    V estabelecer limitaes ao trfego de pessoas ou bens pormeio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada acobrana de pedgio pela utilizao de vias conservadas pelo

    poder pblico. (Sem grifos no original)

    Mas a questo no to simples quanto parece. O fato da normaestar ou no localizada dentro do Sistema Tributrio Nacional no confere certezaabsoluta quanto sua natureza jurdica. A ser assim, deveramos ento considerarcomo obrigaes no tributrias a Contribuio para o Salrio-Educao (art. 212,5, CF) e a Contribuio para o PIS (art. 239, CF), pois ambas esto fora docaptulo relativo ao Sistema Tributrio Nacional, no estando compreendidastambm no artigo 195 da CF/88, cujas contribuies ali mencionadas soefetivamente tributos por fora do disposto no art. 149 da Lei Magna.

    Com base numa interpretao restritiva, as contribuies sociaistidas como espcie tributria so apenas trs, quais sejam: a) contribuiesinterventivas; b) contribuies corporativas; c) contribuies sociais(compreendidas no artigo 195). Assim, em face dos fundamentos constitucionaispara a cobrana do Salrio-Educao e do PIS encontrarem-se fora do captuloprprio do Sistema Tributrio e fora do artigo 195 da Lei Maior, que enumera ascontribuies sociais propriamente ditas, as duas contribuies mencionadas noseriam tributos.

    Logicamente tal interpretao no condiz com a realidade, sendoabsolutamente criticvel, j que superficial e incoerente, sobretudo vista da

    unanimidade doutrinria e jurisprudencial acerca da natureza tributria de ambasas contribuies sociais citadas (Salrio-Educao e PIS). Com o devido respeito,a interpretao baseada meramente na disposio geogrfica da norma (se quese pode assim denominar) no ndice seguro e suficiente para identificar anatureza jurdica do instituto, pelo que devem ser desconsideradas teses que sesustentem unicamente em tal critrio.

    De outro lado, argumenta-se tambm que o pedgio seria tributoporque sua cobrana se deve utilizao de vias conservadas pelo Poder Pblico,entendendo-se a por conservao a manuteno da estrada e no suaconstruo (obra inicial), a qual possibilitaria a cobrana de outra espcie

    tributria: a contribuio de melhoria; isto no caso de resultar valorizaoimobiliria fruto da obra de construo ou conservao da rodovia, consoantedemonstrado no item 3.5. Referida tese sustentada dentre outros por LucianoAmaro18.

    18 Amaro, Luciano. Direito Tributrio Brasileiro. So Paulo: Saraiva. 7. ed., 2001: O pedgio aparece naConstituio de uma forma inslita. O art. 150, V, ao proibir o estabelecimento de limitaes ao trfego depessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvou a cobrana de pedgiopela utilizao de vias conservadas pelo Poder Pblico.Essa disposio deu legitimao constitucional expressa ao pedgio. Alm disso, reconheceu-lhe naturezatributria (por oposio idia de que ele traduziria um preo pblico), pois essa figura est referida numdispositivo que cuida de tributos, e como exceo a um princpio que limita a criao de tributos.

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    Todavia, parece haver razes para no aceitar tais posicionamentos:

    a primeira crtica contra a tese que reconhece a natureza tributria do pedgio

    atualmente cobrado dos usurios de rodovias refere-se ao simples fato de que aconservao, legitimadora da exao, no efetivada pelo Poder Pblico, aomenos no diretamente. Consoante visto e revisto ao longo da presenteexposio, o servio pblico de conservao das estradas teve sua execuotransferida iniciativa privada mediante atos de concesso, tudo de acordo com anorma prevista no artigo 175 da Lei Maior, a qual estabelece as linhas gerais doregime jurdico das concesses e permisses de servio pblico.

    Realmente, uma empresa privada (concessionria) ou umconsrcio de empresas privadas, sem qualquer participao de capital pblico,que responde pela prestao dos servios inerentes conservao da estrada,

    tais como a pintura de faixas no asfalto, o corte de mato nas margens da rodovia,a colocao e reposio de placas de sinalizao, a preservao do asfalto com atapagem de buracos e a recapiao de trechos que demandem tal iniciativa, acolocao disposio dos usurios de servios de atendimento mdico,ambulncias, caminhes-guincho, sanitrios e informaes tursticas,metereolgicas, bem como sobre as condies de trfego na rodovia etc. Ou seja,no o Poder Pblico quem faz a manuteno das estradas pedagiadas, emborapossa fiscalizar a execuo dos servios referidos, alterando unilateralmenteclusulas do contrato de concesso, impondo multas e outras sanes concessionria etc.

    No se esquea que o artigo 3o do CTN define o tributo comoprestao pecuniria cobrada pela Administrao Pblica de modo vinculado leiinstituidora da obrigao tributria. Ocorre que o pedgio no criado por lei, massim por clusula especfica do contrato de concesso; alm disso, seu valorpedgio sempre recolhido para uma empresa particular concessionria doservio pblico relativo conservao da rodovia. Como a cobrana feita por umparticular no h que se falar em vinculao. Ao contrrio da autoridade pblica, aqual no pode dispor do interesse pblico relativo ao lanamento, cobrana earrecadao das receitas tributrias, a concessionria pode em algumas ocasiesdeixar de arrecadar o pedgio. Apenas a ttulo ilustrativo, imagine-se a hiptese depromoes a fim de conquistar a simpatia dos usurios: no dia em que estiver

    comemorando o aniversrio, o usurio da rodovia estar dispensado de pagar opedgio ou durante o dia de Natal o usurio far jus a um desconto de cinqentapor cento no valor do pedgio. So situaes que independem de qualquerautorizao legislativa para vingarem. Estaro sujeitas apenas vontade dos

    A Constituio, ademais, relaciona o pedgio com um atuao estatal especfica, pois ele tem por fatogerador a utilizao de vias conservadas pelo Poder Pblico. No a construo de uma estrada, de per si,que embasa a exigncia do pedgio; essa obra pblica pode dar lugar contribuio de melhoria. J o pedgio cobrvel de quem trafeguepela via pblica, e, por isso, frui a utilidade propiciada pela obra do Estado.

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    dirigentes da empresa concessionria. O motivo no interessar. No hvinculao.

    Se o pedgio pudesse ser considerado tributo, em qual espcieenquadrar-se-ia? - Como imposto quer nos parecer impossvel a assimilao,sobretudo pela no-vinculao da receita oriunda da arrecadao desta espcietributria. H que se considerar ainda o fato relevante de que a competncia parainstituio de impostos expressa e privativa, consoante o disposto nos artigos153, 154, 155 e 156 da Lex Mxima, pelo que em nenhum momento se atribuiu acompetncia para que Unio, Estados, Distrito Federal ou Municpios criassem umimposto chamado de pedgio em face de algum fato jurdico tributrio (fatoimponvel) legitimador. Resta pois, concluir que o pedgio no um imposto.

    Quanto contribuio de melhoria, vale recordar que no basta a

    execuo de uma obra pblica para que a pessoa poltica esteja legitimada acobrar referida exao; ser ainda condio sine qua nona valorizao imobiliriaque beneficie os contribuintes atingidos pela incidncia da norma, consoante jressaltado no captulo prprio, alm da necessidade de lei especfica instituindotodos os critrios relativos regra-matriz de incidncia inerentes a tal espcie. Opedgio por sua vez, como notrio, no cobrado em face da valorizao deimveis dos contribuintes. O que motiva sua cobrana a utilizao da rodovia.Sequer levado em considerao se o usurio da rodovia proprietrio de algumimvel valorizado pelas obras de manuteno da estrada. A concluso lgica nosentido de que o pedgio no uma contribuio de melhoria.

    Finalmente, resta comparar o pedgio com a taxa. Aqui queresidem as divergncias, pois muitos entendem que o pedgio uma taxa deservio e por isto, um tributo. Em que pesem tais consideraes de parte dadoutrina19, no h como identificar um outra. Os regimes jurdicos sodiferenciados; os princpios aplicveis so distintos; os tratamentos aplicveis aum caso e outro no coincidem, pelo que negamos a natureza tributria dopedgio, definindo-o como uma simples tarifa ou preo pblico (expressessinnimas), como abaixo demonstrado.

    A taxa em nosso ordenamento constitucional pode ser de dois tipos,quais sejam: a) taxa decorrente do exerccio do poder de polcia do Estado; b)

    taxa cobrada em razo da prestao, ou simples colocao disposio docontribuinte, de servios pblicos especficos e divisveis.

    Pois bem, a primeira taxa deve ser desconsiderada j que aoconservar estradas no h exerccio do poder de polcia por parte do Estado, cujaforma de expresso, objetivo e caractersticas so muito diferentes, como atestadopela doutrina20. Interessa-nos de perto a taxa de servios pblicos, cuja cobrana

    19Amaro, Luciano. Ob. cit.;20Mello, Celso Antnio Bandeira de. Ob.cit.: A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedadeajustando-as aos interesses coletivos designa-se poder de polcia. A expresso, tomada neste sentido amplo,

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    como j ressaltado, decorre no apenas da prestao efetiva, mas tambm emface da prestao potencial do servio ou seja, quando ele simplesmentecolocado disposio dos particulares. Todavia, tal servio deve ser especificado

    e plenamente mensurvel em relao cada contribuinte (beneficirio).

    Considerando ento que a manuteno da estrada e a oferta desocorro mdico e mecnico, dentre outros constituem efetivamente serviospblicos, alega-se em nosso entender, incorretamente que o valor cobradopela utilizao da rodovia pedagiada uma taxa de servio, portanto, umaobrigao tributria. Esquecem-se os defensores de tal tese de algumas questesbem peculiares, cuja considerao faz-nos negar com veemncia a naturezatributria do pedgio.

    Os que defendem a configurao do pedgio como uma taxa (tributo

    vinculado) de servio pblico, tentam corroborar seu posicionamento com aalegao de que a exao preencheria os requisitos conceituais desta espcietributria, seno vejamos: a) est vinculada uma contrapartida qual seja, amanuteno da estrada e a prestao de servios de socorro, guincho, telefoniaetc; b) obrigatria, pois na maior parte das vezes inexiste alternativa para ousurio, o qual s tem aquele caminho, aquela estrada pedagiadapara chegar aodestino pretendido; c) o servio plenamente divisvel, j que se pode especificare mensurar a parteutilizada e devida por cada contribuinte.

    Entretanto, em que pese o respeito devido aqueles que assimpensam, h algumas contradies ao se considerar o pedgio como uma taxa. Aumaporque embora baseado numa lei legitimadora da sua cobrana que pode atmesmo fixar os limites mnimo e mximo da tarifa, o valor efetivo constar docontrato de concesso da estrada; a duas porque mencionado valor do pedgiono est sujeito ao princpio da anterioridade tributria, constante do artigo 150, III,b da Constituio de 1.988, nem para o incio de sua cobrana, nem para oaumento de seu valor; a trsporque pago para uma concessionria de serviopblico, a qual uma pessoa jurdica de direito privado (sociedade comercial) ouum consrcio de pessoas jurdicas de direito privado, e no para o Estadopropriamente dito.

    Observe-se tambm que eventuais aumentos, reajustes, correes ou seja l que

    nome se atribua alterao do valor da tarifa de pedgio, no estaro sujeitos norma genrica do artigo 150, III, b da CF/88, chamado de princpio da

    abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estadoque delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidados. Por isso, nos EstadosUnidos, a voz police powerreporta-se sobretudo s normas legislativas atravs das quais o Estado regula osdireitos privados, constitucionalmente atribudos aos cidados, em proveito dos interesses coletivos, comobem anota Caio Tcito. (...)O poder expressvel atravs da atividade de polcia administrativa o que resulta de sua qualidade deexecutora das leis administrativas. a contra-face de seu dever de dar execuo a estas leis. Para cumpri-lono pode se passar de exercer autoridade nos termos destas mesmas leis indistintamente sobre todos oscidados que estejam sujeitos ao imprio destas leis. Da, a supremacia geral que lhe cabe.

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    anterioriedade, segundo o qual a lei que criar tributo novo ou majorar outro jexistente somente tornar-se- exigvel a partir do exerccio fiscal seguinte aqueleem que publicada, nem tampouco ser necessrio sujeitar a alterao do valor do

    pedgio ao recente princpio da anterioridade nonagesimal tambm chamado deanterioridade mitigada ou simplesmente de noventena, a teor do que disps aEmenda Constitucional 42/2003. o prprio contrato de concesso quem define ovalor do pedgio, seu ndice de reajuste, bem como as datas e a periodicidade emque dar-se-o os reajustes e eventuais revises.

    vista de todos os argumentos acima, parece no haver comoenquadrar o pedgio no gnero tributo, nem mesmo o considerando como umataxa, tese defendida por parte da doutrina. Frise-se ainda que o produto daarrecadao do pedgio no integra o rol das receitas pblicas (originrias ouderivadas, de custeio ou de capital), pelo que o montante previsto de arrecadao

    no integra a lei oramentria anual. De fato, trata-se de simples preo pblico,pois remunera a prestao de um servio pblico, mas no pago a ente pblico(Administrao Pblica direta ou indireta), no sendo institudo ou majorado por leinem sujeitando-se limitaes constitucionais tributrias, tais como aanterioridade (art. 150, III, b da CF/88).

    Incabvel sob nosso ponto de vista a tese de que h serviosprprios do Estado, chamados tambm de servios essenciais, os quais mesmotendo sua execuo transferida para um particular ainda assim manteriam anatureza jurdica tributria da contra-prestao paga pelos usurios. Tal tese enunciada por Luciano Amaro21no sentido de que os primeiros (servios prprios,

    essenciais, compulsrios) somente ensejariam remunerao mediante taxa,jamais admitindo a cobrana de preos pblicos (tarifas). Argumenta-se queapenas sob o regime constitucional de 1946 seria vivel admitir as tarifas comoforma remuneratria dos servios pblicos essenciais, pois ali havia referncia outras rendas oriundas dos servios pblicos, que no os tributos.

    21Ob. Cit.: A doutrina tem procurado distinguir servios prprios e servios imprprios, ou servios pblicosessenciais e no essenciais, concessveis e no concessveis, compulsrios e no compulsrios,inerentes e no inerentes soberania do Estado, para relacionar aos primeiros as taxas, e aos outros ospreos pblicos. (...)

    Gilberto de Ulhoa Canto tambm buscou a distino entre taxa e preo pblico na natureza do servio:aquele que se apresentar como emanao necessria do poder soberano do Estado ensejaria a cobrana detaxa (por exemplo a emisso de passaporte); j se cuidaria de preo se o servio no necessariamentepblico (por exemplo, servio de telefonia). (...)O problema, como adiantamos, no est a, mas sim na determinao das hipteses em que a atuao doEstado deva ser suscetvel de taxao, em confronto com aquelas em que essa atuao seja passvel deremunerao por preos. Com essa prvia definio que se poderia dizer que, no primeiro caso, hcompulsoriedade da prestao, e, no segundo, voluntariedade (ou melhor: no primeiro, obrigao serlegal; no segundo, contratual).Segundo Ives Gandra Martins, o elemento distintivo estaria na circunstncia de haver ou no outra opopara o indivduo fruir a utilidade que objeto do servio pblico. Se houver, o servio pblico se remunerariapor preo. Se no, o caso seria de taxa.Hamilton Dias de Souza e Marco Aurlio Greco sustentaram que os servi;os pblicos ensejam apenas acobrana de taxas e no de preos pblicos, pois a discusso a esse respeito s podia prosperar na vignciada Constituio de 1946, que previa, a par das taxas, outras rendasoriundas dos seus servios pblicos.

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    E a mutabilidade do regime jurdico?

    Mas e eventuais alteraes do regime jurdico afeto concesso dos

    servios de manuteno e conservao das rodovias, acaso ocorresse, nopoderia implicar em desvirtuamento da natureza jurdica do pedgio?

    verdade que no se pode desconsiderar a possibilidade dealterao da ordem normativa vigente que implique em possibilidade de alteraodas caractersticas do valor cobrado a ttulo de pedgio, o que poderia at mesmoimplicar em sua aproximao do enquadramento como tributo. Imagine-se aseguinte hiptese: o Poder Pblico decide revogar unilateralmente o contrato deconcesso que tenha por objeto a prestao dos servios inerentes conservaoe manuteno de uma rodovia. Ao retomar o servio, e desconsiderados osproblemas resultantes da resciso contratual indenizao eventualmente devida

    ao concessionrio caso no tenha dado margem extino antecipada da avena imagine-se ainda que o Estado assuma a responsabilidade pelos servios atento executados pelo particular concessionrio, outorgando-se ainda, medianteregramento estabelecido em lei aprovada neste sentido, que a Fazenda Estadualpassar a fazer a cobrana do pedgio junto aos particulares usurios da rodovia.No se estaria diante de uma alterao da natureza jurdica do instituto? Pareceque sim.

    Diante de tal hiptese, parece inegvel que estar-se-ia diante de umaobrigao muito parecidade, seno idntica chamada obrigao tributriadefinida pelo artigo 3odo Cdigo Tributrio Nacional e cercada de tantas amarras

    e de tantas limitaes impostas pelo Constituinte, em especial os chamadosprincpios constitucionais tributrios. Isto implica em reconhecer que eventualmutao do regime de concesso dos servios pblicos em questo podemimplicar concomitante e/ou conseqentemente, no desvirtuamento da natureza

    jurdica dos valores hoje cobrados como tarifas e que poderiam passar a sertributos, muito provavelmente taxas. Logo, o fator determinante parece ser oregime jurdico a que esto sujeitos os usurios dos servios pblicos cujaprestao vem sendo transferida para o mbito da iniciativa privada.

    Contudo, frise-se, considerado o atual panorama legislativo arespeito da matria e os aspectos jurdico-constitucionais acima expostos, a

    concluso a respeito da natureza jurdica do pedgio, atualmente, no sentido denegar-lhe o carter de tributo, reconhecendo tratar-se de tarifa.

    6.) Concluses:

    Diante do exposto acima, algumas concluses so possveis, quaissejam: a) os servios pblicos embora preservem as caractersticas originriasque os definem como pblicos, podem ter sua prestao transferida para ainiciativa privada; b) a forma jurdica a ser utilizada pode variar de acordo com a

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    definio legislativa e a situao posta; c) por se tratar de competnciasoriginalmente pblicas, a delimitao legal bem como a expressa autorizaolegislativa so prementes antes de se transferir tais encargos para a iniciativa

    privada; d) os particulares que exploram servios pblicos tem o direito aoequilbrio econmico-financeiro, inclusive quando o instituto jurdico utilizado paraa transferncia for a concesso; e) os valores cobrados pelos particularesconcessionrios junto aos usurios dos servios so, em princpio, tarifas, nopossuindo qualquer semelhana com os tributos; f) eventual alterao/mutao doregime jurdico adotado para a prestao dos servios pblicos pode implicar nodesvirtuamento da natureza jurdica das tarifas, inclusive do pedgio; g) emborano regime jurdico atual seja absolutamente inconfundvel o pedgio e o tributo,nada impede que alteraes no regime prprio impliquem na aproximao dosinstitutos.

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