Pé de vento na lixeira _adaptação

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1/8 E. B. 2, 3 C/ SEC. JOSÉ FALCÃO DE MIRANDA DO CORV0 Adaptação e encenação: Professora Irisalva Carvalho Representação: Clube Ambiente e Saúde

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Peça de teatro encenada pelos alunos do Clube Ambiente e Saúde, no âmbito do Eco-Escolas, EBS José Falcão de MCV- 2010

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E. B. 2, 3 C/ SEC. JOSÉ FALCÃO DE MIRANDA DO CORV0

Adaptação e encenação: Professora Irisalva Carvalho

Representação: Clube Ambiente e Saúde

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PÉ-DE-VENTO NA LIXEIRA

Frigorífico, Garrafa de plástico, Pacote de leite, Lista telefónica, Computador portátil,

Pilhas de rádio, Sanita, Ovos podres

(Voz Off) A nortada do fim de tarde punha a lixeira em estado de sítio. Tudo

começava com uma guerrinha entre o frigorífico ferrugento e a garrafa de

plástico.

(Frigorífico) - (Reclamando) Bolas, lá estás tu outra vez a atirares-te contra mim!

Estou cheio de nódoas negras!

(Garrafa de plástico) – (Atordoada) A culpa não é minha. O vento é que me

empurra…

(Pacote de leite) - (Enjoado com a discussão e com o cheiro a azedo que ele próprio

emanava) O quê? Já começaram outra vez a discutir?

(Lista telefónica) – (com voz afectada, tentando ver-se ao espelho através do reflexo

de uma lata de sardinhas gordurosa) Deixem-se disso, já sabem que a

nortada não poupa ninguém.

(Computador portátil) – (gritando antes de levar com um jornal voador no monitor, que

lhe tapou momentaneamente as vistas para a lixeira) Cala-te, ó vaidosa inútil.

(Pilhas de rádio) - Cala-te tu, açambarcador de energia! Lá porque toda a gente te

usa para ir à Internet, pensas que vales mais do que os outros… Palhaço!

(Sanita) - São todos muito finos! Onde é que vocês pensam que estão? Num

palácio, é? (Em tom de líder político) Em vez de andarmos para aqui em

conversas da treta o melhor era vermos o que é que podemos fazer para

melhorar a situação.

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(Ovos podres) – (pestilentos) Contem connosco para o que for preciso. Mas o que

é podemos fazer?

(Computador portátil) - (Tom de voz de líder em campanha eleitoral e agitando o rato

no ar) Quando estava ligado à Internet, fartava-me de passear por sites de

países, onde os lixos eram todos separados, transportados para fábricas e

depois reutilizados em novos objectos. Acho que temos o direito de

voltarmos à vida activa, e não sermos tratados desta maneira, como se

fôssemos um estorvo para a sociedade.

(Coro) Nós não somos lixo, somos resíduos sólidos urbanos.

(Ovos podres) – (gritando eufóricos) Viva os RSU, abaixo o lixo!

(Questionando o público) Sabem o que são os RSU? (aguarda resposta: se

for não, dão a resposta; se for sim, pedem ao público para responder e repete-

se).

(Lista telefónica) – (A pensar já na renovação do guarda-roupa) Queremos ser

valorizados, pois claro! É tudo muito bonito, mas como devemos

apresentar essa reivindicação à sociedade? E a quem?

(Computador portátil) - Há por aí alguma fotocopiadora? (berrava ele, a que se seguiu

uma mensagem afirmativa de um telemóvel pré-histórico, dos que só servem

para telefonar, já quase sem bateria). Então fazemos o seguinte: eu escrevo

o nosso manifesto de reivindicações, a lista telefónica fornece as folhas

para os panfletos, a fotocopiadora faz as cópias e o vento leva-as amanhã

para a cidade, com a nortada das cinco. Vamos invadir a cidade de tanta

papelada, que eles vão ter de resolver a nossa situação social.

(Lista telefónica) – (Reclamando) Quer dizer que, por causa de vocês é que vou

ser sacrificada? Vou ter de cortar as minhas folhas e estragar o meu

visual?

(Ovos podres e pacote de leite) - (A troçar) Coitadinha!...

(Computador portátil) - Quando estava ligado à Internet, fartei-me de pesquisar

sobre reciclagem de papel. E sabes que podes vir a ser totalmente

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reciclada e o teu papel ser utilizado, por exemplo, na edição de uma revista

de moda?

(Lista telefónica) - Jura? – (mostrando entusiasmo e já com a cabeça a fervilhar de

ideias mirabolantes sobre as tendências da moda para o ano seguinte).

(Sanita) – (Preocupada com o seu futuro político) E eu, ainda servirei para

alguma coisa?

(Computador portátil) - Quando estava ligado à Internet, fartei-me de ver

informações sobre valorização de resíduos sólidos urbanos, que é o que

nós reivindicamos com firmeza - e todos temos serventia para qualquer

coisa, até as sanitas partidas.

(Sanita) - Como por exemplo...? –( insistia a sanita que, na verdade só queria

saber que papel lhe estava destinado no plano estratégico do portátil. Entre

assessora de imprensa dele ou passar para a oposição, teria de reflectir sobre o

que mais lhe convinha).

(Computador portátil) – (Em tom presidencial) A tua mais-valia vem do contacto

preferencial que tens com as necessidades básicas do nosso eleitorado e,

por isso, convido-te, oficialmente, para minha chefe de gabinete. Aceitas?

(Sanita) (Olhando para o rolo de papel higiénico, que abanava a sua folha dupla,

em sinal afirmativo) Aceito. Mãos-à-obra!

E TUDO O VENTO LEVOU

O dia seguinte, logo pela manhã, foi de imensa labuta na lixeira.

Mexem e remexem como que à procura de alguma coisa. Encontram

uma tesoura de cabeleireiro e, muito felizes começam com o corte minucioso

das folhas da lista telefónica.

(Lista telefónica) – (Mirando-se na lata de sardinhas gordurosa) Deixa-me ficar uma

franja aqui à frente.

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(Computador portátil) - Estás deslumbrante!

(Sanita) - (Ao telemóvel) Está tudo sob controlo.

A lixeira estava agora transformada numa gráfica clandestina. As folhas saíam

da lista telefónica e à medida que eram cortadas, passavam a toda a velocidade

por uma impressora amolgada e eram armazenadas dentro do frigorífico

enferrujado, à espera de chegar a hora da distribuição.

O frigorífico ferrugento, agora transformado em armazém de panfletos, sentia

um nervoso miudinho e gracejava, para descontrair.

(Frigorífico) - Há muito tempo que não me sentia tão cheio!

(Lista telefónica) - (Ansiosa) Não serão já horas de o vento aparecer?

(Frigorífico) - (Irrequieto) Sinto um ventania lá ao fundo… que não vos digo nada!

(Abre a porta e deixa que os outros retirem os panfletos – folhas da lista – e

espalhem pela sala ao mesmo tempo que mostram os cartazes e dizem a

mensagem)

(Coro) - “NÃO QUEREMOS SER TRATADOS COMO LIXO! QUEREMOS SER VALORIZADOS!”)

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Notas Biográficas dos Protagonistas desta História

- Embalagens de plástico e companhia vão para o embalão!

- Eu sou a lista telefónica….

- Nós somos os Monos domésticos ………….

- Os ovos a empestar e minhocas a compostar… é o que está a dar!

- Pilhas babosas… são perigosas! E vão para o pilhão!

- Sanita, chefe de gabinete?... Que pivete!

(Rap)

- A sanita sempre desempenhou a sua função

de forma expedita e com muita discrição.

- Cada utente exigia que desse vazão,

de forma diligente, à sua precisão.

- Aos que estavam mais apertados, despachava-os com rapidez,

e aos que ficavam ali sentados, uma e outra vez,

sempre a hesitar, incitava-os a acalmar.

- O contacto com tanta gente

deu-lhe uma visão,

muito abrangente,

da sua profissão.

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- Tão vasta experiência pôs em evidência

que utentes muito diferentes tinham necessidades vitais, igualmente

iguais.

(Em coro) Iôôô!

- Afinal, todos os estratos sociais eram da mesma condição.

(Em coro) Sim!

- Era preciso dar, outro desafogo à população.

(Em coro) Abaixo a discriminação.

Sanita: (Para o público) Nesta altura, eu não sabia que, no futuro, seria chefe

de gabinete numa lixeira, de intolerável pivete. Não antevia que alguém me

demitiria para ser substituída por uma presumida, que se julgava capaz de

autodesinfecção eficaz, após cada utilização. Por ser tão moderna, até

pensava que ia ser eterna. Estava bem enganada. Um dia, também eu fui

rejeitada, acabando despenhada por uma ribanceira ou atirada numa

lixeira.

Ver a saúde pública assim maltratada, punha-me revoltada. Aqui

estou sem eira nem beira, quando a minha reutilização como floreira, teria

sido melhor ideia.

Com o meu sentido prático, desenvolvi um plano técnico-táctico,

que sempre leio ao discursar:

Lixo abandonado é matéria-prima no local errado.

- Os resíduos são como os indivíduos, iguais mas diferentes dos demais.

Queremos o fim desta misturada! (Palmas)

Nós, separados, podemos ser reciclados. Queremos voltar à actividade!

Assim, com esta dignidade, fui chefe de gabinete na lixeira e tive a esperteza de

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subir na carreira. Deixei de ser resíduo anódino e passei a ser RCD, quer dizer,

Resíduo de Construção e Demolição.

Portanto, sempre que aí em casa fizerem obras, recomendo que levem

os resíduos sem demoras, para local apropriado, e cada RCD te dirá

(Em coro) - Muito obrigado!

Maria Helena Henriques e Maria José Moreno, Pé-de-Vento na Lixeira (texto adaptado)