O ARTIGO DE OPINIÃO COMO FERRAMENTA DE dio das atividades de linguagem que o homem pode se...

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1607 O ARTIGO DE OPINIÃO COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM E AVALIAÇÃO DE VESTIBULANDOS Liliane PEREIRA (G -UEL) Elvira Lopes NASCIMENTO (UEL) ISBN: 978-85-99680-05-6 REFERÊNCIA: PEREIRA, Liliane; NASCIMENTO, Elvira Lopes. O artigo de opinião como ferramenta de aprendizagem e avaliação de vestibulandos. In: CELLI COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 1607-1620. 1. INTRODUÇÃO Longe de uma memorização simplesmente mecânica de regras gramaticais ou de determinadas características de dado movimento literário, o ensino de língua portuguesa deve promover no aluno o desenvolvimento do “potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão lingüística, sua capacitação como leitor dos mais diversos textos representativos de nossa cultura”. (PCNEM, 2006, p.55) Nesse sentido, em consonância com os objetivos de pesquisa maior realizada na UEL 1 , buscamos, nesta pesquisa, contribuir para levar os alunos do Ensino Médio ao domínio, em produção e recepção, dos gêneros textuais, enquanto instrumento de participação na vida social e comunicativa. Dessa forma, consideramos que a desconstrução e a construção de gêneros textuais, de acordo com os princípios do Interacionismo Sócio-Discursivo que foi assumido, permitem a construção de modelos didáticos (Bronckart, 2003; Dolz & Schneuwly, 2004) que podem contribuir para que o professor, leitor desta pesquisa, apreenda o fenômeno complexo da aprendizagem de um gênero e, assim, possa se orientar para efetuar a transposição didática, bem como efetuar o tratamento que é dado ao gênero no livro didático. A outra justificativa para o nosso trabalho com o artigo de opinião é por acreditar que esse gênero é capaz de atender às necessidades dos alunos em situações escolares ou extra-escolares habituais, nas quais eles se defrontam com uma situação de 1 O projeto de pesquisa: gêneros textuais no Ensino Médio: Modelos Didáticos de gêneros para uma abordagem no Ensino de Língua Materna é realizado na Universidade Estadual de Londrina, com a coordenação da Profª. Drª.Elvira Lopes Nascimento. Um dos objetivos do projeto é contribuir para a formação do professor de língua portuguesa ao possibilitar a instrumentalização dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

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O ARTIGO DE OPINIÃO COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM E AVALIAÇÃO DE VESTIBULANDOS Liliane PEREIRA (G -UEL) Elvira Lopes NASCIMENTO (UEL)

ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA: PEREIRA, Liliane; NASCIMENTO, Elvira Lopes. O artigo de opinião como ferramenta de aprendizagem e avaliação de vestibulandos. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 1607-1620.

1. INTRODUÇÃO

Longe de uma memorização simplesmente mecânica de regras gramaticais ou de

determinadas características de dado movimento literário, o ensino de língua portuguesa deve promover no aluno o desenvolvimento do “potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão lingüística, sua capacitação como leitor dos mais diversos textos representativos de nossa cultura”. (PCNEM, 2006, p.55)

Nesse sentido, em consonância com os objetivos de pesquisa maior realizada na UEL1, buscamos, nesta pesquisa, contribuir para levar os alunos do Ensino Médio ao domínio, em produção e recepção, dos gêneros textuais, enquanto instrumento de participação na vida social e comunicativa. Dessa forma, consideramos que a desconstrução e a construção de gêneros textuais, de acordo com os princípios do Interacionismo Sócio-Discursivo que foi assumido, permitem a construção de modelos didáticos (Bronckart, 2003; Dolz & Schneuwly, 2004) que podem contribuir para que o professor, leitor desta pesquisa, apreenda o fenômeno complexo da aprendizagem de um gênero e, assim, possa se orientar para efetuar a transposição didática, bem como efetuar o tratamento que é dado ao gênero no livro didático.

A outra justificativa para o nosso trabalho com o artigo de opinião é por acreditar que esse gênero é capaz de atender às necessidades dos alunos em situações escolares ou extra-escolares habituais, nas quais eles se defrontam com uma situação de 1 O projeto de pesquisa: gêneros textuais no Ensino Médio: Modelos Didáticos de gêneros para uma abordagem no Ensino de Língua Materna é realizado na Universidade Estadual de Londrina, com a coordenação da Profª. Drª.Elvira Lopes Nascimento. Um dos objetivos do projeto é contribuir para a formação do professor de língua portuguesa ao possibilitar a instrumentalização dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

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ação de linguagem em que devem se posicionar e argumentar, diante de um determinado tema. Sendo assim, o aluno, ao construir um artigo de opinião, deveria tomar conhecimento não apenas do conteúdo, do estilo e linguagem, mas também descobrir que as pessoas têm o direito de manifestar um ponto de vista, opinar ou reclamar sobre um determinado assunto presente nas práticas discursivas que emergem nas esferas sociais. 2. A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO COM OS GÊNEROS TEXTUIAS

Levando em consideração, no que se refere aos PCNEM (2006), que é por intermédio das atividades de linguagem que o homem pode se constituir como sujeito, já que é na interação com distintas esferas sociais que ocorre o processo de socialização do ser humano, os documentos oficiais, ao tomarem o Ensino Médio como a etapa de consolidação de habilidades de leitura, escrita, escuta e fala, construídas gradativamente no Ensino Fundamental, possuem uma grande preocupação em ampliar o uso do discurso nos diferentes contextos sociais e possibilitar, conseqüentemente, uma atuação do jovem estudante na sociedade de maneira crítica e consciente.

Os PCNEM (2006, p.78), salientando a importância de se levar os gêneros e os textos para a sala de aula, dizem ainda:

Se, na sala de aula, o estudante analisa textos com os quais convive fora da escola, as relações que faz entre os conteúdos disciplinares e sua vivência tornam-se muito mais significativas. Não se pode revelar a importância de suportes diversos dos livros-cuja leitura é tão cobrada nas aulas de literatura – e se estendem à revista, ao jornal, à enciclopédia, ao outdoor, para citar apenas alguns. Somente como leitores de múltiplos textos os alunos desenvolverão a contento sua competência textual.

No que se refere aos estudos que defendem a importância dos gêneros, é preciso levar ferramentas que circulam na sociedade para a sala de aula (como blog, notícia, romance, novela, resenha, horóscopo, etc.), que poderão, provavelmente, possibilitar ao aluno distinguir mais facilmente um texto formal de um informal, por exemplo, carta comercial e carta pessoal; saber para quem está escrevendo, amigo, jornal, patrão, etc. O mesmo acontece com gêneros argumentativos, como o artigo de opinião, resenha crítica, editorial, etc., em que o aluno, como cidadão, manifesta seus pontos de vista e interfere nos acontecimentos presentes na sociedade.

Os gêneros também podem ser encarados como indispensáveis às práticas sociais, visto que podem exercer a função, no que se refere a Bronckart (2003), de um megainstrumento, pois são eles que oferecem um suporte para a atividade nas situações de comunicação. Dessa forma, são considerados também como megainstrumentos, por serem utilizados como algo que se mobiliza na sociedade para que ocorra a comunicação. 3. O MODELO DIDÁTICO: AS DIMENSÕES ENSINÁVEIS E A TRANSPOSIÇÃO

O modelo didático pode ser considerado, de acordo com Dolz e Scheneuwly (1998), como uma modelização explicativa de um conjunto de hipóteses, baseadas em resultados de aprendizagem advindos de documentos oficiais; nos conhecimentos lingüísticos (funcionamentos dos gêneros para os especialistas) e psicológicos

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(operações e procedimentos implicados no funcionamento e na apropriação dos gêneros). Sendo assim, levando-se em consideração que o gênero deve ser um objeto a ser ensinado na esfera escolar (Dolz & Scheneuwly, 1998), é de extrema importância a construção de um modelo didático, visto que a construção desse último é fundamental para que o professor consiga fazer as modificações necessárias no trabalho com os gêneros textuais em sala de aula, pois trazer modelos didáticos para o ensino e permitir, em razão disso, a sua transposição tem se tornado mais do que uma mera vontade de trazer contribuições à escola, mas uma necessidade, já que, como poderemos visualizar melhor adiante, há uma grande dificuldade dos professores em promover trabalhos interessantes e importantes com os gêneros textuais.

Nesse sentido, vem a proposta de modelos didáticos que, tomando como referência Cristóvão (2001, 2002), faz menção aos seguintes elementos:

a) dos resultados de aprendizagem expressos por documentos oficiais

e da determinação das capacidades reveladas pelos alunos; b) dos conhecimentos dos experts daquele gênero e dos

conhecimentos lingüísticos já elaborados sobre ele; c) das capacidades de linguagem dos alunos.

Deve-se acrescentar, ainda, a análise de um corpus pertencente ao gênero analisado, que no caso desta pesquisa refere-se aos artigos opinativos de Eliane Cantanhêde e de eventuais colaboradores da Folha de São Paulo. No que se refere à desconstrução de um corpus de um gênero em específico, o que poderá ser melhor entendido logo adiante, ao fazer a desconstrução do artigo de opinião, esse vai propiciar a definição de determinado gênero, apontar os mecanismos discursivos (o que compreende o plano textual global, os tipos de discurso e os tipos de seqüências); as formulações (conexão, coesão nominal, coesão verbal, gerenciamento das vozes, modalizações, seleção lexical, mecanismos de refutação, etc.) que são elementos necessários para que ocorra no aluno, dando principal ênfase neste trabalho aos estudantes do Ensino Médio, o desenvolvimento da sua capacidade de leitura, interpretação e produção de textos, o que é essencial para uma melhor atuação do jovem na sociedade. 4. O CONTEXTO DE ENSINO APRENDIZAGEM NA ESCOLA PÚBLICA

Como a nossa finalidade é a de contribuir para um trabalho didático com o gênero artigo de opinião, torna-se mais do que nunca necessário conhecer o contexto de ensino para o qual a transposição didática do gênero será direcionada.

Foi escolhido um Colégio Estadual, aqui denominado como X, a fim de não divulgar o nome, situado num distrito, 30 Km de Londrina. O contexto observado refere-se a um 3º ano, aulas de língua portuguesa, com o total de 4 aulas semanais, período noturno.

Tomando como foco a prática docente, foi observada uma professora de língua portuguesa que leciona nesta instituição há, aproximadamente, dois anos. Segundo conversas informais com a mesma, soube-se que ela é formada em Letras/anglo pela UEL e tem Especialização em língua portuguesa, realizada na mesma instituição. Aparentemente, mostra gostar da profissão, ainda que esteja um tanto desatualizada e não leve novidades para a sala de aula. Mantém um bom relacionamento com os alunos,

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mostrando-se muito próxima deles, embora não promova discussões que proporcionem dinâmicas entre os discentes e ela, fazendo com que os alunos permaneçam, na maior parte do tempo, passivos.

As aulas abrangem quatro aulas semanais e não há uma divisão fixa das aulas de leitura, literatura, gramática e produção de textos. As atividades são progressivas, respeitando uma ordem pré-estabelecida pelos planejamentos de Curso do Ensino Médio (o livro didático adotado pelo colégio tem uma edição única para o Ensino Médio).

Nas 5 aulas de produção de texto presenciadas, a professora passou uma “dissertação argumentativa” no quadro, o que levou duas aulas para isso, em seguida, fez uma breve explicação sobre a estrutura da dissertação e solicitou aos alunos que elaborassem uma dissertação com base na que havia sido passada na lousa. Em nenhum momento, abordou o gênero ou promoveu a discussão sobre temas atuais e interessantes com os alunos. Sendo assim, pela observação realizada, constata-se que a ênfase no ensino aprendizagem continua a recair sobre a organização interna do texto, nos aspectos estruturais da tipologia clássica (narração, descrição, dissertação), numa abordagem de cunho formal de decodificação, à procura de informações objetivas, sem considerar a semiotização do mundo físico, social e sócio-subjetivo, Habermas (1987) e Bronckart (2003), na forma como são representados pelo agente.

Quanto às aulas de análise lingüística, elas foram dedicadas ao conteúdo gramatical “sujeito”. A professora já tinha elaborado um material sobre o assunto e já vinha trabalhando com o mesmo em outras aulas. Este material trazia exercícios com orações/frases todas fragmentadas, ou seja, descontextualizadas. Conforme ia corrigindo as atividades na lousa, fazia explicações de forma clara e sempre ia tirando as dúvidas que iam surgindo. Entretanto, ainda que a professora explicasse bem o conteúdo, as aulas se enquadraram num esquema tradicional de ensino, em que a gramática é vista como descontextualizada, com propósito em si mesma, o que desfavorece bastante o seu real uso pelo aluno, pois decorar regras e nomenclaturas não vão desenvolver, no jovem, as capacidades de linguagem necessárias para as práticas sociais escritas, escolares ou fora da escola.

5. O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO: ANÁLISE DO L.D.

O livro didático analisado foi o Português Novas Palavras: literatura, gramática e redação, de Emília Amaral. et.al., adotado em 2005 na escola em que as aulas foram observadas.

O livro divide-se em 3 partes (literatura, gramática e redação), sendo que as três divisões contêm a matéria dos três anos do Ensino Médio.

O material analisado traz alguns gêneros, como conto, poema, fragmentos de romance, mas esses não são trabalhados, apenas aparecem como forma de exemplificar um conteúdo, ou nos enunciados das questões.

No livro há ainda duas outras seções, que são de sugestões de explicação dos assuntos do livro e de questões de vestibular.

Em nenhum momento o material observado faz uso da nomenclatura “gênero textual” ou “gênero do discurso”, usa sempre o termo “modalidade de texto”. De maneira geral, no material não há uma grande quantidade de gêneros, entretanto foi

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possível verificar alguns, como letras de música, trechos de obras literárias, trechos de crônicas, etc.

No livro há a presença marcante de alguns contextos de uso, como a literatura, imprensa e fatos científicos, no entanto, não há uma diversidade muito maior que essas, pois faltam acrescentar mais gêneros da esfera jornalística, como “artigo de opinião”, “carta ao leitor”; os da esfera familiar, como “a receita culinária”, “o diário íntimo”; os da esfera acadêmica, como “resenha acadêmica”, “artigo”, etc. Enfim, o autor poderia estar acrescentando uma diversidade maior de esferas de usos, no que se refere aos textos que o compõe, privilegiando outros suportes.

Os textos literários aparecem nos capítulos destinados à literatura, nos demais surgem com bem menos freqüência. Há uma presença significativa no livro de textos literários (poesias, crônicas, romances e contos), seguida pela presença de textos midiáticos, como reportagens de revistas e jornais, textos sobre política, textos informativos, entre outros.

Quanto à interdisciplinaridade, que de acordo com o PCNEM (2006, p.75), sua definição está ligada ao “fato trivial de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos.”, o livro, objeto de estudo, deixa a desejar, visto que não há uma grande diversidade de textos ou propostas que favoreçam o trabalho com outras áreas do ensino.

Grande parte dos textos são autênticos, entretanto quase todos estão fragmentados ou contêm cortes, supressões ou adaptações, essas sempre marcadas por sinais como parênteses e reticências, chaves e outros.

Exceto na gramática do livro, quase todas as unidades trazem textos de apoio, ilustrativos para simples leitura ou para a resolução dos exercícios.

As atividades das unidades de gramática são absolutamente teóricas, não geram qualquer reflexão sobre as habilidades de uso da língua; trazem apenas regras gramaticais e exemplos de frases soltas, completamente descontextualizadas. A unidade, geralmente, se inicia com uma explicação do tema ilustrada por alguns exemplos e depois, sugere exercícios sobre a teoria explicada.

Quanto à redação, a teoria dos gêneros não é mencionada, sendo que há uma preocupação apenas de abordar a “narração”, “dissertação” e “descrição”. Existe um longo trabalho com argumentação na parte de dissertação que, junto com a narração, é o texto com maior ênfase no livro.

Há uma parte no final do livro do professor que traz reflexões ditas “atualizadas” do vestibular, entretanto não é mencionado o ano das provas, somente as instituições que as aplicaram. As questões estão organizadas de acordo com a seqüência em que os assuntos aparecem no livro.

Sendo assim, sintetizando o que foi dito neste capítulo, o livro não é significativo em questões de textualidade, deveria trabalhar com mais quantidade e diversidade de textos. Por outro lado, é insignificante o seu trabalho com gêneros textuais, o que é visto como algo negativo, já que o conhecimento e o domínio dos diferentes tipos de gêneros, por parte dos alunos, não apenas os preparam para eventuais práticas lingüísticas, mas também podem ampliar sua compreensão da realidade

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6. A AULA DE REDAÇÃO: A DISSERTAÇÃO ESCOLAR COMO TIPO DE TEXTO ESCOLARIZADO

Ao irmos ao contexto de ensino, a fim de obtermos conhecimento sobre como as aulas de língua portuguesa são ministradas no Ensino Médio das escolas públicas, foi possível entrar em contato com algumas redações produzidas pelos alunos e observar a forma como a professora tende a explicar a estrutura do texto. Nesse sentido, elaboramos um esboço de como a dissertação costuma aparecer nas redações dos jovens.

A figura abaixo permite a visualização do plano geral, a estrutura pertencente à dissertação argumentativa escolar A dissertação, como pode ser vista abaixo, apresenta entre 3 ou 5 parágrafos, demonstradas pelas linhas em negrito, que representam a (introdução, o desenvolvimento e a conclusão).

Figura 1 : O plano textual global da dissertação argumentativa escolar

O que se procura mostrar, através desta figura, é que o aluno ao tentar dissertar, a partir do modelo de texto imposto pela tradição, que vem sendo permanente desde a Antigüidade, o que se convencionou com estrutura ortodoxa (introdução, desenvolvimento e conclusão), não sabe que há diversas maneiras de se produzir um texto, não sabe a razão pela qual produz o texto, já que não existe um objetivo concreto e tende a achar que encaixar um determinado texto numa estrutura é o suficiente para o vestibular ou para as tarefas de sala de aula..

Assim, ao tentarmos entender a dissertação, verificaremos que a presença de conteúdos pobres, muitas vezes, está envolvida com a falta de respostas reais ou virtuais

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de co-enunciadores que são os elementos iniciais essencias para a motivação de um discurso que se constrói. Nesse sentido, a questão da artificialidade na sala de aula acaba por comprometer a escrita.

Ao tentar produzir uma dissertação, tal como vem sendo feita nos moldes apresentados, o aluno pode estar apenas repetindo as formulações a partir de um modelo imposto e, assim, o seu texto (FURLANETTO, 2006) pode acabar não sendo tomado como enunciado, mas apenas como língua, unidade de signos

Dessa forma, se um real problema fosse exposto, talvez houvesse mais empenho por parte dos estudantes em refletir sobre algo e defender uma posição com estratégias mais apropriadas. O que caberia pensar em como passar de um gênero tão cultuado como a dissertação escolar para um gênero que tivesse as mesmas características, mas que estivesse presente na esfera social? Ao que parece o melhor exercício enunciativo para substituir a dissertação escolar, nas palavras de Furlanetto (2006), parece ser o artigo de opinião.

A entrada do artigo de opinião, como objeto de ensino/aprendizagem, no lugar da dissertação escolar, cria condições para que os alunos construam os conhecimentos lingüísticos-discursivos requeridos para a compreensão e produção desses gêneros, caminho para um melhor exercício da cidadania, que passa pelo posicionamento crítico diante dos discursos. Além disso, a consideração do artigo, como gênero pertinente para o ensino da produção escrita, adquire uma dimensão ideológica especial para as classes excluídas, pois o contato com os gêneros, em especial o artigo de opinião se constituirá como instrumento para a participação dessas classes na execução dos discursos da esfera jornalística. 7. A REFLEXÃO SOBRE AS COMPETÊNCIAS E HABILIDADES PRESENTES NOS PCNEM EM RELAÇÃO ÀS ATIVIDADES DIDÁTICAS OBSERVADAS: UM OLHAR CONTRASTIVO

Após verificarmos, brevemente, como o ensino de língua portuguesa tem se concretizado nas escolas, bem como a tipologia ou gênero predominante nas aulas de redação, observamos que as aulas ficaram muito aquém, em relação ao que é proposto no vestibular e, conseqüentemente, em relação ao PCNEM, já que o manual do candidato tende a se orientar com esse último.

As competências e habilidades presentes nos PCNEM (2006, p.55) possibilitam perceber que o ensino de língua portuguesa, atualmente, tem a função primordial, de possibilitar ao jovem estudante do Ensino Médio o desenvolvimento da capacidade crítica, a capacidade de se expressar lingüisticamente em diferentes situações e o desenvolvimento da capacidade de leitor efetivo em diferentes contextos.

A escola tem se tornado cada vez mais presente na vida das pessoas, diante da atual conjuntura política educacional brasileira, que busca democratizar o acesso à educação.

O ensino de língua portuguesa, dessa forma, de acordo com os PCNEM (2006, p.55), deve considerar necessário o desenvolvimento de três competências: interativa, textual e gramatical.

Por intermédio da competência interativa, é possível a realização de ações, agir e atuar sobre os interlocutores. Dessa forma, a formação dessa competência está ligada

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ao diálogo, lugar de falar e ouvir, de concordar e discordar, de opinar e respeitar, de elaborar argumentos.

Quanto à competência gramatical, é importante que a escola, de acordo ainda com os PCNEM (2006, p.57), aprimore “a competência gramatical dos alunos, de modo a levá-los a gerar seqüências próprias, consideradas como admissíveis e aceitáveis no interior da língua portuguesa, bem como compreender enunciados distintos”. O que leva a perceber que o contato com a estrutura gramatical permite uma melhor convivência no universo cultural e a possibilidade de ascender socialmente.

Em relação à competência textual, no que se refere também aos PCNEM (2006, p.58) “os textos são a concretização dos discursos proferidos nas mais variadas situações cotidianas”. O ensino e a aprendizagem de uma língua não podem abrir mão dos textos, pois estes ao revelarem usos da língua e levarem reflexões, contribuem para a criação de competências e habilidades específicas.

Sendo assim, diante da importância observada em relação às três competências (interativa, textual e gramatical), constatamos que o contexto de sala de aula verificado deixa muito a desejar, seja em relação à competência interativa, em que os alunos não têm voz, ou seja, não passam de meros seres passivos, seja em relação à competência gramatical, em que o estudante está submetido, unicamente, à memorização de regras de concordância ou ortografia, seja em relação à textual, em que o aluno, unicamente, produz textos para o professor corrigir, fazendo uso de uma tema passado na lousa, não fazendo uso, portanto, dos textos para a construção de habilidades.

Quanto às competências gerais a serem desenvolvidas nos alunos, a sala de aula observada está longe de atender o que vem sendo proposto nos PCNEM e, conseqüentemente, nos vestibulares.

Assim, a Representação e Comunicação, que segundo os PCNEM (2006, p.24) podem ser traduzido como “por manejar sistemas simbólicos e decodificá-los” e que não visa apenas a técnica e o desempenho, mas também que o homem transcenda além dos limites de sua experiência, no que se refere à aula observada, não foi satisfatória. Dessa forma, em nenhum momento ocorreu nas aulas de língua portuguesa, por nós investigadas, a compreensão da língua materna como geradora de significação, como possível organizadora da identidade do jovem, não houve correspondência do que foi visto na escola com outros contextos relevantes na sociedade e em nenhum momento foi possível visualizar um confronto de opiniões.

No que se refere à Investigação e Compreensão, que de acordo com os PCNEM (2006, p.25) a sua função é “analisar recursos expressivos da língua, recuperar o patrimônio representativo da cultura; articular redes de diferenças e semelhanças entre as linguagens, entre outras.”, novamente a aula deixou a desejar em relação esta competência. Assim, não foi verificada uma análise dos recursos da linguagem verbal, por intermédio de textos e contextos; não foi possível perceber, ainda, em nenhum momento, uma comparação, por exemplo, da linguagem oral e da escrita e em nenhuma situação a linguagem foi abordada por intermédio de uma investigação e compreensão que se levasse em consideração o aspecto social.

Quanto à outra competência geral, Contextualização sociocultural que, de acordo com o documento do PCNEM (2006, p.25), diz que “as linguagens e códigos são considerados instrumentos e formadores [...] dinâmicos e situados no espaço e no tempo, com as implicações de caráter histórico sociológico e antropológico que isso representa”, a aula também falhou em relação a essa competência, já que em nenhum instante possibilitou ao aluno uma compreensão, em relação ao uso da linguagem, de

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acordo com o contexto em que está inserido, bem como não possibilitou ao aluno uma compreensão da nossa língua materna como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais.

Nesse sentido, com base no que foi visto, ficou mais do que claro que há uma distância muito grande nas escolas públicas, entre o que é ensinado naquela sala de aula e o que os PCNEM propõem. Talvez isso ocorra por falta de vontade do professor, talvez por culpa do governo que não investe de maneira satisfatória no ensino, mas acredita-se que a principal falha é a falta de incentivo e de conhecimento de que é somente tornando o ensino significativo aos alunos é que podemos mudar a realidade social, já que a educação escolar está intimamente ligada com as conseqüências positivas ou negativas existentes na nossa sociedade.

8. A ARQUITETURA INTERNA DO GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO DA FOLHA DE SÃO PAULO

Durante a elaboração de um texto, como já foi mencionado em capítulos

anteriores, o produtor deve tomar certas decisões no momento de construir seu trabalho. Assim, se o objetivo é desempenhar a ação discursiva de linguagem, ele deverá fazer uso dos seguintes passos, de acordo com Baltar (2004, p. 72):

a) Refletir sobre qual ação de linguagem está inserido, o contexto de

produção e o conteúdo temático do texto que se pretende produzir; b) fazer a escolha de um gênero de texto disponível no intertexto; c) articular o plano geral dos textos, os tipos de discurso que

configuram os gêneros textuais, e que serão organizados por intermédio de seqüências ou tipos de planificação.

Essa última divisão listada acima configura a infra-estrutura geral de um texto,

que juntamente com os mecanismos de textualização e os mecanismos de enunciação formarão, de acordo com Bronckart (2003, p.119), o folhado textual com três camadas superpostas.

A fim de esclarecer melhor o que foi dito acima, vejamos, no que se refere a Bronckart (2003), a representação do folhado textual na figura abaixo:

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Figura 1: Representação do Folhado textual

9. O PLANO TEXTUAL GLOBAL

Segundo Bronckart (2002, p. 120), “o plano geral refere-se à organização do conjunto de conteúdo temático, mostra-se visível no processo de leitura e pode ser codificado em um resumo”, o que pode ser considerado, de certa forma, como a silhueta do texto. Assim, pelas análises realizadas, observou-se que o artigo de opinião, produzido pela jornalista Eliane Cantanhêde e pelos eventuais colaboradores do jornal, apresenta a seguinte estrutura:

Figura 2: O plano geral dos artigos opinativos de Eliane Cantanhêde:

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Figura 3: O plano geral dos artigos produzidos pelos eventuais

colaboradores do jornal:

No artigo opinativo produzido por Eliane Cantanhêde, percebe-se que há uma grande regularidade entre os artigos, que tendem a apresentar: a assinatura da jornalista que aparece (em caixa alta), seguido do título em que (quando não é nome próprio, apenas a primeira letra aparece em caixa alta). Os artigos produzidos pelos colaboradores, em contrapartida, tendem a colocar primeiro o título e, em seguida, a assinatura.

O artigo da jornalista é dividido em duas colunas e está estruturado entre 28 e 29 linhas. Não há um número exato de parágrafos e esses são curtos, a fim de caber no espaço destinado pelo jornal. No artigo produzido por convidados a escrever sobre um determinado assunto de sua competência, o espaço destinado à escrita é maior, sendo que não há um número exato de linhas. O mesmo artigo é dividido em três colunas, sendo que encontramos um pequeno trecho em negrito, centralizado, e em alguns observamos, ainda, a presença de uma pequena caricatura referente ao assunto abordado, tal como aparece representado pelo pequeno retângulo na figura 4.

Tanto o artigo opinativo da jornalista, quanto o produzido por colaboradores, são apresentados em papel impresso sob a forma de times new roman. O que chama atenção em relação a esta questão, é que antes o artigo produzido pelos jornalistas era escrito em itálico (recurso esse da informática que nos transmite algo mais pessoal e que atribuía, portanto, ao dono da assinatura a responsabilidade enunciativa, ou seja, a autoria pelo artigo e não ao jornal).

O artigo dos colaboradores, diferentemente dos artigos produzidos pelos jornalistas, apresenta no final do texto, logo após o nome, de forma sintetizada, um pequeno trecho que aponta sobre sua carreira profissional. Tal recurso é importante, já que o colaborador é definido como um não-jornalista, alguém que exerce a função na sociedade de escritor, professor, pesquisador, profissional liberal, etc., que introduz novas informações e idéias para completar a crítica do cenário sócio-político.

Observa-se, nesse sentido, que apesar de algumas diferenças entre os dois artigos, ambos trazem a assinatura dos produtores, já que são produzidos por jornalistas,

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pesquisadores e professores, etc., que dominam determinado assunto. O que diferencia, por exemplo, de outro gênero bastante semelhante, o editorial, que expressa a opinião da empresa e que não apresenta, portanto, a assinatura do autor.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ensinar é estar em meio a constantes desafios, ainda mais quando nos deparamos com um ensino compartimentalizado, descontextualizado, baseado unicamente num acúmulo de informações, sem correspondência algumas com o dia-a-dia do aluno. Querer a mudança, dessa forma, vai além de uma mera vontade e torna-se uma necessidade. Assim, o primeiro passo é que pesquisadores e educadores estejam dispostos a trazer contribuições significativas para o ensino e colocar em prática o que os Parâmetros Curriculares tanto difundem.

Na área de língua portuguesa, os gêneros textuais, como ficaram colocados a princípio neste trabalho, constituem numa possibilidade de lidar com o uso autêntico da língua, já que tendem a valorizar os atos sociais em que os atos lingüísticos estão presentes. Assim sendo, o estudo desses últimos, aliado ao construto teórico do Interacionismo Sócio Discursivo (Brockart 1997/2003), possibilita um deslocamento da cognição individual para a interação social, o que contribui para que o jovem desenvolva a capacidade reflexiva sobre o que acontece na sociedade e um despertar de consciência, por intermédio de situações concretas.

REFERÊNCIAS

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