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    P R O JE T O S C U L TU R A IS

    Astarefas que compreendem a modelagem estão divididas em pas-

    sos , que são detalhados e comentados. A ordem de exposição foi elaborada

    de modo a que mesmo profissionais com pouca experiência possam confi-

    gurar um projeto seguindo passo a passo as instruções dadas.

    A indicação v -7 remete a passos ou conceitos discutidos em outra par-

    te do livro. Para facilitar a consulta , cada nova definição introduzida está

    marcada em negrito - prática adotada em todo o texto.

    Um índice remissivo , no final do livro, auxilia a localização de con-

    ceitos e técnicas.

    o qu e é um pro je to cu lt u ra l

    Entre as inúmeras acepções do termo cultura talvez a mais bela seja a

    encontrada no prefácio da edição de 1873 de L ite ra tu re a nd d og ma onde o

    poeta Matthew Amold define cultura como a paixão pela suavidade e pela

    luz. Mas,quando se examinam as propostas latino-americanas na área cul-

    tural e a quantidade de intenções abandonadas no tempo e nas gavetas, -

    tem-se a impressão de que a definição de Amold é uma l icença poética ,

    de que os responsáveis por projetos culturais preferem a dissensão e a

    obscuridade . .

    As fraturas lógicas, a quase impossibilidade de discemir o que pes-

    soas e instituições pretendem, o desconhecimento das técnicas mais ele-

    mentares de gestão têm condenado ao esquecimento excelentes idéias, mo-

    vimentos generosos em favor da cultura . E, no entanto, a regra de ouro na

    elaboração e na gestão de projetos é, e sempre foi, a ordem e a clareza , a

    luminosidade que a cultura tem ou deveria ter . Isso simplesmente porqueum projeto nada mais é do que algoque deveser transmitido a terceiros, às

    pessoas que irão decidir se o apóiam ou não.

    Emtodo o mundo, organizações públicas e privadas do setor cultural

    denominam projetos instrumentos que pouco têm a ver com osque trata-

    remos aqui. O termo tornou-se tão disseminado que acabou por se confun-

    dir com listagens, processos, arrolamentos . Por isso é importante precisar

    bem o que é um projeto . Essa definição toma-se mais clara quando se en-

    tende o que não é um projeto .

    O termo projeto tem urna infinidade de significados. É utilizado

    como sinônimo de intuito , de disposição , de escopo , de vontade . É utiliza-

    A NT ES D E C OM EÇ AR

    do, principalmente, como sinônimo de aspiração e de intenção . Quando se

    aspira a algo, por exemplo, quando se pretende conseguir um bom emprego

    ou quando se quer aprender um idioma , diz-se que se tem o projeto de

    conseguir um bom emprego ou de aprender esse ou aquele idioma. Outros

    usos da palavra são vagos ou genéricos. Faz-se r e ferência ao projeto devida

    de alguém e chama-se deprojeto um documento que contenha um inventá-rio de intençôes. Nenhuma dessas acep çõ es corresponde à definição técnica

    do termo projeto .

    .,.

    o q u e u m p ro je to c on te mp la ?Então, o que vem a ser projeto? Define-se projeto como uma organização

    transitória, que compreende uma seqüência de atividades dirigidas à gera-

    ção de um produto singular em um tempo dado. Essa definição contém

    uma série de termos-chave:

    O objetivo: um objetivo,um projeto. Essa é uma regrabásica. O projeto

    deve ter um, e somente um, objetivo - um resultado, output saída,

    produto ou como se prefira chamar - claramente identificável em

    termos de custos , prazos e qualidade;

    O transitório : um projeto tem um ciclo de vida predeterminado, com

    começo e fim. Extingue-se quando seu objetivo é atingido;

    O produto: entende-se por produto de um projeto qualquer classede

    bens, tangíveis ou intangíveis, desde bens materiais até serviços, ou

    mesmo idéias. Por exemplo , um projeto que tenha como propósito

    estudar a factibilidade do levantamento da vida cultural de uma re-

    gião tem como produto uma série de idéias de como fa zê-lu e não umvolume encadernado ou um CD gravado, que são simples suportes

    do produto. O termo produto tem o mesmo valor do termo inglês

    output aquilo que aparece ao final do processo, o p ro (adiante) ductia

    (ação de guiar);

    O singularidade: um projeto é um empreendimento único, e qualquer

    alteração de conteúdo ou de contexto corresponde, necessariamente,

    à modificação do projeto;

    O complexidade : um projeto é um compósito ar ticulado de ações - as

    atividades do projeto -, que se dão tanto l inearmente quanto e m

    H

    THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Projetos culturais :técnicas de modelagem. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.(ISBN 85-255-0655-2)

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    paralelo. Sófaz sentido modelar um projeto quando as atividades ne-cessárias para se alcançar o objetivo pretendido não podem ser orde-nadas ou avaliadas de imediato.Note-se que os termos-chave da definição de projetos se opõem aos

    termos-chave que caracterizam as organizações em geral. Assim,transitóriose opõe apermanente, seqüência de atividades se opõe a conjunto de ativida-des, um produto ou serviço singular se opõe aprodutos e serviços, e em um

    tempo dadose opõe a

    qualquer momento.Mais adiante serão examinadas as técnicas requeridas para se lidar

    com a transitoriedade, a seqüenciação, a singularidade e os prazos dos pro-jetos. Antes, vamos voltarà origem das várias formas de modelar projetos.

    Q u ai s a s o ri ge ns d as t éc ni ca s a tu ai s d e p ro je to s?

    A gestão de projetos tem origens remotas. Existe documentação sobre pro-jetos levados a efeito há pelo menos 6 mil anos na Mesopotâmia. Mas talcomo é praticado neste início do século XXI, a configuração de projetos temquatro raízes facilmente identificáveis:

    O a da experiência dos projetos de engenharia, ampliada entre os anos1940 e 60 pelo esforço dos Estados Unidos durante a II Guerra Mundiale as guerras da Coréia e doVietnã, O sistema mais completo com essaorigem é o Project Management Institute (PMO norte-americano, IDashoje bastante difundido nas Américas. O PMI considera um corpo deconhecimentos, com ênfase na fixação de objetivos, seqüenciação detempo, custos, qual idade, gestão de recursos e comunicações. Ossoftwares sobre projetos derivam em geral dessa visão.É pouco utili-zado pelo setor cultural fora dos Estados Unidos;

    O a dos projetos de desenvolvimento econômico, com influênciamarcante de idéias de regulação, hoje operados por instituições inter-nacionais e nacionais de fomento e por bancos públicos. A ênfase,nesse tipo de modelagem, recai sobre tópicos relacionados com eco-nomia setorial e regional, e análises de demanda, de dimensionamen_to, de localização, de produtividade dos insumos e financeiro-orça_mentária. Esse sistemaé mais utilizado em projetos culturais de gran-de envergadura;

    16

    A N TE S D E C O M EÇ A R

    o a dos esquemas europeus de planificação e cooperação internacional,como o ZOOPI alemão, que enfatiza o foco do projeto e contemplaprioritariamente os instrumentos de coordenação, integração e apoiomútuo, dirigidos a objetivos compartilhados e precisamente defini-dos. Devido em grande parteà facilidade de aprendizado e operacio-nalização, esses esquemas são amplamente empregados no setor cul-tural, tanto na Europa quanto em países em desenvolvimento, princi-palmente em projetos financiados por instituições multilaterais ounacionais européias;

    O a dos projetos de investimento, utilizados por instituições financeirasconcorrenciaise por patrocinadores privados, cuja ênfase incide naseleção de investimentos, nas taxas de retomo do capital e nos riscos

    I

    de inversão. São mais empregados em projetos culturais apoiados porinstituições financeiras.

    Por que uti lizar ins trumentos especí ficos para projetos culturais?

    Neste l ivro procurei relacionar os instrumentos de fato uti lizados pelasempresas e agências governamentais não só da Europa e dos Estados Uni-dos, como da América Latina, África e Austrália. Embora esses instrumen-tos tenham origens diferentes (as quatro raízes acima mencionadas, além dealgumas técnicas isoladas), procurei integrá-Ios segundo o quetivea' ..Qpor-tunidade de aplicar ou ver aplicado em projetos culturais.

    Mas é preciso ter presente que um projeto técnico não é um quererdifuso, uma vontade de fazer, uma boa intenção. Encontramos repetidasvezes, principalmente no campo das artes, propostas que se resumem a afir-mativas do tipo: o que pretendemos é evidencíar o caráter simbólico, ...histórico, cultural, . .. , ou ainda, temos o projeto de colocarà disposiçãodo público . Essas classes de assertivas, ainda que muito bem-intenciona-das, muito articuladas, não bastam para constituir um projeto. Não passamde vontades articuladas, de intenções, sobre as quais pode-se ou não consti-tuir um ou vários projetos. Masnão são projetos. São ambições.

    ZOOP _ sigla alemã (Ziel Orientier te Projekt Planung), que significa planejamento deprojetos orientado por-objetivos. E uma metodologia lançada pela Agência Alemã de Coope-ração Técnica (GIZ - '- GmbH - Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit) em 1981.

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    P R O JE T O S C U L T U R AI S

    Em um estágio mais avançado, encontramos esquemas do gênero: começaremos por levantar o número de artesãos ... , ou do tipo: organiza-remos um grande movimento para pressionar as autoridades... , que, mes-mo mais concretos, ainda não são projetos. São apenas idéias bem-arruma-das, descrições de tarefas, por vezes expressas em documentos, mas queestão longe de ser projetos na acepção técnica do termo. São intenções.

    Obviamente, os projetos culturais'diferem dos projetos em geral porenvolverem insumos de alta qualidade, difíceis de gerir, e por terem retornofinanceiro imprevisível, reduzido ou mesmo inexistente. Mas não são so-mente essas razões que determinam a part icularidade do setor cultural . Oque pude verificar em mais de 20 anos de trabalho com projetos em váriospaíses de três continentes é que o de fato utilizado difere substancialmentedo que está contido nos livros e manuais.

    Os instrumentos comuns aos manuais de projetos que encontrampouco ou nenhum uso em projetos do setor cultural e que, portanto, nãofiguram aqui são de três ordens: a) os que envolvem cálculos matemáticos e

    estatísticos de grande sofisticação; b) os que recomendam formas-padrãode conduta; e c) os de operacionalização dispendiosa. Além das óbvias difi-culdades metodológicas, diversas outras razões levamà não-utilização des-ses instrumentos em projetos culturais. ,

    As técnicas quantitativas requerem pessoal altamente qualificado e,portanto, caro - tanto para a modelagem, quanto para a análise dos proje-tos - e são aplicáveis unicamente a alguns tipos de projetos de grandeescala, raros no setor cultural. Geralmente, iniciativas que requerem cálcu-los sofisticados são projetos de engenharia, como a transferência do templode Abu Simbel no Egito, ou projetos de megaeventos, como shows ao ar

    livre. O papel do especialista no setor cultural - do antropólogo, do ar-queólogo, do diretor musical ou art íst ico - é orientar, dirigir e monitoraras atividades, e não detalhar a modelagem do projeto.

    As recomendações sobre princípios de conduta que figuram na maio-ria dos manuais de projetos pecam por desconhecer diferenças culturais.Provocaram, e ainda provocam, imenso descrédito sobre a gestão de proje-tos enquanto conjunto de técnicas fundamentadas. Isso é verdade não sópara projetos culturais como para iniciativas em todas as áreas e latitudes. Adesconsideração das diferençasé absurda tanto para um africano, perplexodiante de recomendações relativas ao controle da duração do tempo do pro-

    18

    A N T ES D E C O M EÇ A R

    jeto - um conceito estranhoà maioria das culturas daquele continente -,quanto para um agricultor norte-americano, de tradição solidamente arrai-gada, a quem recomendam que secomporte segundo ospadrões das empre-sas de alta tecnologia do Silicon Valley.

    Os instrumentos de operacionalização dispendiosa são descartadosporque osbenefícios prováveis de sua utilização no setor cultural estão, ou

    parecem estar - o que é indiferente no caso - situados aquém dos custoscorrespondentes. Isso se aplica a grande parte dos sistemas computadorizados.de configuração de projetos, a análises sofisticadas de demanda e a sistemaslacrados de produção, os pacotes gerenciais. Os-projetos na área da cultu-ra que requerem tecnologia deponta são, em geral, projetos tecnológicos-como os de tecnologiajdesom ou de controle digital de massa de dados -,aplicados a temas de interesse cultural. Da mesma forma que para os proje-tos que requerem grandes cálculos, o papel do especialista no setor culturalé o de orientar a confecção, controlar a gestão e avaliar osresultados e, não,o de detalhar a modelagem do projeto.

    o qu e é modelagemModelagem é a ordenação lógica de projetos, a exposição fundamentada doque se pretende ver realizado. O termo modelagem é uma tradução daexpressãop r oj ec t d es i gn oUtilizo indiferentemente os termos modelagem e configuração . Quando se pretende criar ou recriar um produto V->ouquan-do se pretende dar forma a uma idéia, configura-se ou modela-se um projeto.

    Ao final da modelagem, tem-se um documento que informa sobre oproduto, a seqüência de atividades, os recursos, enfim tudo que é necessá-

    rio para que o projeto possa ser posto em prática. No último passo apresen-to um quadro resumo do conteúdo básico de um projeto tecnicamente mo-delado, relacionando os itens, seu conteúdo e os capítulos em que foramexaminados neste manual.

    Qual o m om en to d a m od el ag em ?A modelagem é a instância técnica inicial de um projeto. As demais são aadministração e a avaliação, que compreendem a monitoração, a análise eojulgamento.

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    A m o d e lag em te m como escopo a prepar ação para a s outra s e tapas.

    Um p ro je to est a rá b em mod e lado s e e qu an d o fo r admini st ráve l e p ass íve l

    d e ava lia ção. Is to é , se e qu and o for em expo sta s c lara m ent e as ati v id ad es a

    serem des en vo lv id as , os o bj eti v o s a s e rem a lca n çad o s, o te m p o e os rec ur-

    sos reque rid os , b em co mo indi ca da s as co nd iç õ es d e ge st ão p a ra qu e o p ro-

    je to se compl ete . N ãosó isso:um p rojeto estará b em mod e lado see quando

    as a tiv idad es a s e rem d ese nvolvida s, os obj et ivos a se rem a lcanç ados , o tem-

    po e o s re curso s requ er idos , as condi ções d e ge s tão pos sam se r m o n itora-dos, a nalis ad o s e jul ga d os p o siti va ou n eg a tiv ame nt e .

    A admin istra ção ab a rca os conh ec im ento s, as h abil idades , a s ferra-

    m enta s e a s té cni cas n ecessári a s à condu ção d e um proj eto devidam entecon figurado. Não dev e ser confundi d a co m a administraç ão por proj e tos ,

    uma va ria n te d a admini stração p o r objetivo s, na qual a s op eraç ões da or g a-n izaç ão são conduzid as como proj etos.

    A avaliação compr ee nd e o acomp anh am ento , a monitora ção , a an áli-

    se e o julgam ento da v iabilidad e, d a exec u çã o e d o s r esultad o s, positi v os eneg a ti v os, do projeto.

    Para dar conta d essa s condi çõ es , ao s e m o d e la r um proj e to , d eve -se

    apli car uma s ér ie de con ve n çõe s e d e técn icas a fi m d e: a) esc larec e r sobre

    a sua in se rção no c o n tex to e m que t e rá lu g a r, is to é , so b re a s re la çõ es

    entr e o proj e to e a eco no mi a , a s oc ied ad e , as o rga niza ções e tc.; b ) d ef inir

    o fo co , isto é, as finalidad es , o obj e tivo, o produto v ...• a ser g e rado; c) e sta-

    bel ece r a seqü ência das atividad es a s ere m des en vo lvida s; d) estimar a

    pro v isão e o uso dos rec ur sos , e os custo s a e les assoc iado s ; e , finalm ente ,

    e ) cu id a r d a ap re senta ção do pr o je to p a ra qu e p ossa se r co mpreend id o eaceit o.

    Q u a is a s i ns tâ n ci as d o p ro je to?

    A no çã o d e ci c lo de v id a, embora discutí v e l em te rmos t eó ri cos , tem-se

    mostr ado útil p ar a ex pli cara traj e tó ri a dos proj e to s, d es d e a su a ideali zação

    até o s eu té rm ino . A id éia é que qu alquer p ro duto , se rviç o , p roj e to ou in st i-

    tuiç ão pas sa por um c ic lo de concep ção, surgiment o , c rescim ento, maturi -dade, d ec línio e desapar ecimento .

    Embor a a própri a bas e do vítalísrno,' a id é ia -força d e que tu d o, in-clu s iv e as f ormações soc iais , p assa p o r fas es v it ais - na sce , c re sce , v ive a

    su a mat urid ad e e mo rr e -, se ja ext rem am en te di scutíve l, o co n ce ito tem- se

    d em o n str ado ú ti l em m uita s ci rcun stân c ias .

    N o ca m po da configuração d e pr oje to s , tem sid o ap lic ad o à an á lis edo transcurs o da seqü ência d e a tividad es e à id entificação d o mom ento do pr o duto v • ge rado p e lo pr o je to . No p rim e iro caso , con s idera -se qu e o

    pr o jeto tem um ci c lo qu e se . ini c ia n a co nfigu raçã o e s e e n cer ra co m a

    red ação d a m em ória . No s eg u n do , qu e as que stõ es en v ol v ida s n a in se r-

    ção do produt o v > di fe rem s eg u n do ca da uma d as fases d o seu ciclo d e

    vida . Por e xe mplo , em um p ro jeto de lan çament o de um produto v .... • iné -

    dito , os fator e s a se consid erar são dif e rentes d aqueles de um projeto

    que pr o ponh a a entrad a de um produt o v • já conh ec ido em um m erca do

    maduro.

    Outr a util idad e do conc e ito de c ic lode v ida é a d em arcação do ciclo

    do pró prio proj e to . Como qu a lqu er in s titu iç ão , o projeto tamb ém te m seu

    ciclo , que v ai d a configu ração ao término . Tamb ém aqui, a análise do cic lo

    de v ida ajuda a v e rificar a opor tunidad e d e se ini c iar a conf iguração d e um

    p roj et o . Isto porqu e , co rn o j á se vi u , a m o d e la ge m r equ e r s empr e al g um

    in vest ime n to . P o r e xe m p lo , qu and o se e ntra num a concorr ência , tem-s e o

    d isp êndio d e ela bo rar p roje to s, e até se pa g a uma taxa . Caso s e p erca a

    concorrência , e sse inv estim ento estará perdido . M esmo quando o pr o jeto

    qu e sevaicon fig urar n ão depend e d e avalia çãonu~ p rocesso concorrencial,

    o s cu s tos en vo lv idos e a boa pr á ti ca re co m endam qu e se r eflit a sobr e a con-

    v eniên c ia d e se in ves tir em su a c onfi g ur açã o. Quanto mais cedo , isto é ,

    quan to mai s em brion á ria for a eta p a e m qu e se co n c lua sobr e se se d eve ou

    não p rosseguir , menos r iscos s e es tar á ass umindo .

    2A idéia de que os produtos, as organizações eos serviços demandados percorrem um ciclo

    similar ao dos organismos vivos é recorrente n opensamento ocidental desde os primeirosfilósofos gregos. Aparece em textos romanos sobre administração e direito econõmico e ga-nha força com o renascentista Paracelso. O biologismo eo vitalismo filosófico do século XIXe da primeira metade do século XX puseram a idéia e m voga. Em períodos recentes da evolu-ção das técnicas de administração, oconceito foi adotado no campo domarketíng, do plane-jamento estratégico e mesmo como ponto focal de toda uma temia das organizações.

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    FIGURA 1

    r o gre ssã o d o c ic lo d e v id a d e u m p ro je to d e r es ta ur aç ão arq u i t etõ n i c a

    35

    30

    25

    -o'

    ~ 20c(lJ.•....

    1 5

    1 0

    5

    okEmbrionária Pré projeto

    / I

    I ••

    I

    I

    I

    Meio C onclusão Pós projetonício

    [ ••••• Configuração Gestão Monitoração

    A figura 1 demonstra a pr ogressão do ci c lode v ida d e um projeto naárea de restauração arquitetõnica. Vê-s e que os custos d e mod elagem se

    acentuam particularmente na fas e que ant ecede o iní c io opera c ional do pro-

    jeto . E também qu e esses custos se estend em por todo o ci c lo de vida do

    projeto, uma vez qu e a monitora ção indica ne cessidad es r ecorr entes de

    reconfiguração. Isso é comum em projetos de restaura ção arquitetõnica ,

    quando em geral não sesabe o que se vai en c ontrar por bai x o das fachadas ,

    e pod e ser generali zado para outros tipos de projetos . Utili z ei esse e xemplo

    porque nele estão c laramente marcados os momentos em que setomou a

    decisão de continuar ou de d esis ti r do projeto. V ê-s e que , na etapa inicial ,

    até começar a monitora ção , o in v estimento ainda é bem reduzido . Depoiscresce rapidamente . No exemplo - tirado de um projeto real- também

    estão evident e s as proporções entre os custos dir e tos e os cu stos de admi-

    nistração , bastante altos , aliás.

    C o mo a m od el ag em s e a rt ic ul a c om a s o ut ra s i ns tâ nc ia s?

    Como toda atividad e criativa , a mod elagem de projetos não pode ser bem

    realizada seguindo-se apen as as instruçõe s de um texto . Depende tanto da

    22

    -. . r. - - - ~. t \.~. _- - . -~ ~ :~~ ~l~;~ ,~~ : ;.~.c· - ~ ·-,..,.0_,-0 ' -li -

    ,.~ _ ~_ ; ,. tio

    inventi v idade e da e xp eri ência de quem a exec uta , qu a nto do domínio té c-

    nico . Tamb ém não é um trabalho que s e fa ça sem esf o rço e demor a . Difi c il-

    ment e se obtém uma boa configura ç ão d e projeto na prime ira tent a ti va.

    Normalment e passa-se por vários nív e is de con creç ão . H á um momen to de

    idealização , quando se procura t e r uma visão g era l do produto v > a ser

    gerado e imaginar a dimensão apro x imada do proj e to . S egu e-se um mo-

    mento de elaboração , quando setrabalha (labora) a idéia inicial, delineiam-

    se as diversas fases, estimam-se m elhor os recursos, os custos e os ri scos

    envolvidos. Por último, há um momento de formulação , quando s e dá for-

    ma final ao documento de apresentação do projeto .

    As deficiên c ias de muitos projetos na areada cultur a decorrem da

    inversão e do atropelo desses níveis de concreção. É comum partir direta-

    mente para a formulaâo - na verdade , para o preenchimento de formulá-

    rios _ , sem que a idéia do projeto esteja clara e t rabalhada . Também é

    comum elaborar pro jetos a partir derealizações passadas ou da indicação de

    possibilidades de financiamento , sem que se atente para o contexto , as im-

    plicações e o conteúdo dos produtos e resultados esperados .

    u al o c am p o d os p ro je to s c ult ur ais

    O propósito desta se ção é de finir o campo de trabalho dos projetos cultu-rais. Explicitarei alguns conceitos fundamentais e , em seguida , delimit a rei

    as fronteiras para além das quais se sai do tema projetos culturais .

    Embora ex istam muitos entendimentos do significado de cultura , é

    impresc indível para o t rab a lho uma definição precisa do termo. Definição

    que deve s er oper ac ional , sob pen a de não se p oder r e lacioná-Ia com algu-

    ma coisa tão prática , tão terra-a -terra , como as técnicas de projetos . Porisso , para com eç ar, é pr eciso firmar uma defini ç ão de cultura .

    Q u al o c am p o d a c ul tu ra ?

    A noção mais antiga sobr e o termo cultura é aqu e la que opõ e os objetos

    culturais aos objetos naturais . Essaidéia deriva da evolução remota da filo-

    sofiana Grécia antiga , do momento em que Sócrates, ouPlatão pela boca de

    23

    l

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    Sócrates, abandona a tradição dos filósofos da natureza de se preocuparemexclusivamente com a explicação do mundo físico e passa a polemizar comos sofistas sobre o homem e a sociedade.

    Até essemomento o homem primitivo, na busca de conforto ante asameaças representadas pelas forças da natureza, havia elaborado uma sériede sistemas explicativos do mundo. Sistemas que, para serem aceitos pelacomunidade, deveriam estar baseados nos dois únicos elementos constan-tes, nos dois únicos tipos de conhecimento comprovável de que se dispu-nha: o do movimento dos astros no céu e o dos próprios costumes huma-nos, oriundos das necessidades e do aprendizado do.convívio.

    O mito, a explicação m ítica do mundo, é uma síntese dessas duasordens: a natural, dos astros, da sucessão dos diase das noites, e a cultural,dos costumes. Do mito nasceu a religião, a illumin a tia, a revelação, e dacontestação dos mitos nasceram a crítica, a razão, o la gos, a cultura. 3

    Outra acepção, também muito antiga, relaciona cultura ao cultivodas capacidades humanas. Ainda hoje há pessoas que entendem cultura

    como aquilo que todo homem educado, vale dizer, cultivado, deve saber,Tem-se ainda a perspectiva humanista, que afirma que culturaé tudo

    aquilo que a vida humana cria, transforma e se apropria. Para não meesten-der muito, consideremos por último a perspectiva mais atual, a dos antro-pólogos, que definem cultura como o conjunto de realizações, instituições ehábitos sociais de um grupo de seres humanos.'

    Qua l o domínio operac iona l da cu ltu ra?

    Do ponto de vista da procura de uma definição prática de cultura, cada um

    desses entendimentos representa uma contribuição necessária, ainda que

    3 .4 Ver Cassirer, 1955.5 Ver Eliot, 1944.

    O entendimento do que vem a ser cultura varia muito entre as diversas correntes daantropologia. Desde considerar todas as atividades humanas até privilegiar alguns dos seusaspectos, como o comportamento (Tylor), as instituições (Malinowski) ou os artefatos (osarqueólogos). Procurei aqui dar uma definição que abrangesse as diversas ordens de pensa-mento.

    24

    ,

    A N lI S D E C O M E ÇA R

    nenhum deles seja suficientemente preciso para que se possa corrsideá-looperacional.

    Caso se pretenda aplicar astécnicas de projetos a problemas e .~-tões culturais, tem-se que construir um conceito adequado às limitsõesdessa técnica. Um conceito imperfeito e discutível, mas imprescíndívelgarafixar o campo de possibilidades fora do qual as técnicas de projetosnão

    funcionam. Cada um deve definir por si mesmo por que tomou o projeJl.doseu interesse como cultural.Cada pessoa, claro, definirá o termo cultura como bem lhe paJl(,:er.

    Para melhor ut ilização do manual, descrevo a seguir minhas consiclerzões .

    sobre o limite da possibilidade da conjunção do conceito de projeto clJIlode cultura.

    Primeiro, como queriam os filósofos antigos, deve-se aceitar sunoconformando a cultura um conjunto de objetos que não são natu rais, nosentido do exemplo clássico de que o mármore é um objeto natural e aestátua talhada nesse mármore é um objeto cultural, um produto do eSiYrço

    humano. Essencialmente, essa é a mesma posição dos humanistas, dosque,como os sofistas, consideram o homem a medida de todas as coisas.Masessa ordem de pensamento não leva em conta que os objetos riatsratsintocados pelo homem, como uma paisagem, o monte Fuji, por exemplo,são também eles objetos culturais. Não são produtos, mas são bens adtu-rais, porque lhes atribuímos um determinado valor.

    Segundo, concordo com os que sustentam que a cultura compreendeum aperfeiçoamento do espírito pela apreciação e pelo cultivo de detenni-nados objetos, determinados valores. Cabe assinalar, no entanto, que estacostuma ser uma perspectiva muito limitada. Tende a concentrar-se unica-mente em uma categoria de valores: osestéticos. Entendo que outros valo-res - como os materiais, os éticos, os relig~osos - também integram acultura, e que esta não pode estar limitada ao cultivo do belo.

    Finalmente, estou de acordo com os antropólogos quando afirmamque não se pode falar de cultura em geral, que o que existe são culturas,realizações e modos de viver de cada povo, de cada comunidade. Mas assi-nalo o que muitos esquecem: que as classes de objetos produzidos e valori zados pelo homem não variam, que ainda que as culturas possuam objetos

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    -I\VJt . IV \ ULIUK ISA N TE S D E C O M EÇ A R

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    e valores diferentes, todasas Culturas têm em comum as mesmasclasses deobjetos, as mesmas categorias de valores. Uma cratera grega e um vasomarajoara são ambos recipientes. A honra, o valor honra , é constante,ainda que se encontre nos antepassados para um japonês, na perfeição dotrabalho para um artesão ocídental, e na lealdade para as culturas latinas. Oque não varia entre as culturas é o valor honra.

    As culturas diferem segundo o tipo específico, característico, dosprodutos que geram e segundo o valor que emprestam a determinadosobjetos, sejam esses objetos naturais ou artefatos, sejam esses objetos re-ais, tangíveis, as coisas , ou objetos ideais, intangíveis, como as lendas, amúsica etc.

    Insisto neste último ponto porqueé imprescindível, na tarefa de mo-delar projetos culturais, ter bem claro o que se está trabalhando. Mencioneios objetos naturais, como uma paisagem - o Pão de Açúcar, por exem-plo -, os objetos produzidos pelo homem, como uma cadeira ou o trono deouro de Tuntancâmon, pouco importa, e lembro que os objetos podem ser

    reais, como as pirâmides, ou ideais, como o triângulo ou uma lenda. É claroque essas classes somadas não definem nada. Ao contrário, incluem a tota-lidade dos objetos. Qualquer coisa pode ser um objeto cultural. O que tornaum objeto de fato cultural é o valor atribuído a esse determinado objetopor uma comunidade, por uma cultura.

    Tem-se, assim, uma primeira aproximação ao que se pode considerarcomo um produto de projetos culturais: a invenção, a descoberta, a preser-vaçâo etc. de objetos reais ou ideais que têm valor para determinado grupohumano. Os dois elementos - objetos e valores - são intimamente rela-cionados. Todo objeto tem valor e os valores não existem sozinhos. Os valo-res são sempre referidos a objetos. Quando afirmo que o alimento é vital, oabrigo útil, ou que uma imagemé sagrada, estou atribuindo valores. Mas

    6

    EIhonor es, obj etivam ente, Iaopini ón que t iene n los d emás d e nuestro valor y, subjetivam ente ,el temor que nos in spira esta opinión , diz Schopenhauer (1983:103-106) ao examinar as di-versas formas de honra, que difere da glória. E l honor s e contenta . ..) con as egurar qu e esesuj elo noforma excepci ón, mientra Ia glor ia afi rma que esuna . La g lo ri a d ebe, pues, adquirirs e:el ho not; por el contrario , sôlo necesita no perd erse .

    6

    A N TE S D E C O M EÇ A R

    quando me recuso a mentir para ganhar dinheiro ou quando me sacrdcoem prol da minha igreja, estou hierarquizando os valores. Estou colocandoo ético acima do útil ou o sagrado acima do vital.

    Aí, na hierarquia dos valores, tem-se o segundo elemento da defai-ção operacional do campo da cultura. Embora todas as sociedades, todas ascomunidades possam ter os mesmos valores, cada sociedade, cada cornusi-

    dade, cada estrato social estabelecerá prioridades diferentes entre os vara-res. Com essa ressalva chega-seà fórmula resumida da definição operacionalde cultura que será utilizada daqui por diante: cultura é o sistema compostopelos objetos reais e ideais valorizados por uma sociedade.

    A segunda parte da definição por mim adotada trata da especificida-de dos objetos culturais, do que distingue os objetos culturais dos objetosem geral.

    Até agora estabeleceu-se o entendimento do termo cultura comoum sistema de valores e objetos. Sustentei que os valores podem ser co-muns às culturas. Sustentei também que o que diferencia as cult~ras são asdiversas hierarquias que atribuem aos valores. Tentarei agora responder aquestão que serve de t ítulo à próxima seção.

    Q u e c la ss es d e o bj eto s s ão o s o bj eto s c ul tu ra is ?

    Quando se tenta integrar as diversas tendências de exame dos fenômenosculturais, vê-se que o ponto que têm em comum é a convicção de queexistem objetos que são denotativos ou pelo menos que são maisdenotativos de cultura do que outros. Como se viu, os gregos diriam queos objetos artificiais, construídos pelo homem, são culturais; os amantesdo belo limitariam a cultura àsartes; os humanistas diriam que o culturalé o relevante para o homem e para o convívio entre os homens. Entre osantropólogos, talvez entre a maioria dos antropólogos, haveria a convic-ção de que um objeto cultural é o objeto que tem algum significado, queexplica ou pode explicar a nós mesmos, os seres humanos, em nossa par-ticularidade e em nossa evolução.

    A justaposição .dessas perspectivas nos leva a algumas conclusões.Primeiro, todo objeto cul tural compreende uma forma, seja essa forma

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    P R O J E TO S C U LT UR A I S

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    um suporte físico, tangível, ou um suporte intangível, como é o caso dalinguagem. Segundo, o objeto cultural representa algo que tem valor paraum dado grupo social, mesmo que o valor atribuído ao objeto seja dife-rente segundo os grupos sociais. Por exemplo, o bisonte pintado nas ca-vernas, que para nós tem um valor explicativo da nossa evolução e podeaté ter um valor artístico para quem o pintou, tinha, além do possível

    valor sagrado, um valor utilitário: facilitava a caça. Não necessariamentepor diminuir, através da magia, a fúria do animal, mas por aumentar aconfiança do caçador. Por último, os objetos culturais expressam (sãoaexpressão de) um valor espírítual. Representam sentimentos e conheci-mentos detidos por um grupo social, mesmo que manifestados por apenasum de seus membros, o artísta .?

    oq u e s ã o p ro je to s c u lt ur ai s? Com isso chego à definição operacional que vamos utilizar: os projetos cul-

    turais são iniciativas voltadas para a ação sobre objetos reais e ideais queexpressam valores espirituais - sentimentos e conhecimentos _ significa-tivos para -determinado gruposociaL

    u a l a relevân cia econômica dos projetos cultu ra is

    Atéonde os dados disponíveis informam, o segmento econômico cultura elazer é dos que mais crescem no mundo. Vem em seguida ao segmento alimentos processados e ao segmento indústria da informação , com oqual guarda íntima correspondência.

    7Estamos aqui muito próximos daperspectiva do professor Ernst Cassírer, Em Las cienciQS

    de Ia cultura (1955:69-70), Cassirer, emboraprivilegie as diversas formas de linguagem e osimbólico, afirma que toda obra (objeto de cultura) tem três dimensões: a física, a represen-tação e a expressão (o sentimento pessoal que expressa). Diz ainda que os objetos culturaisdiferenciam-se dos demais por manifestarem um sentido (religioso, lingüístico, artístico):não só são e devem, mas, ao devir, manifestam algo distinto. Para ele, os conteúdos a que dáo nome de cultura têm uma existência física; no entanto, essa existência não é mais do quealgo que se manifesta. O que os objetos culturais têm de particular é um valor simbólico;representam algo.

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    A NT ES DE C OMEÇ AR

    As causas desse fenômeno são múltiplas. Derivam da utilização cres-cente de máquinas de controle numérico, das novas formas de trabalho, daliberação do tempo enquanto agente de produção. Mas creio que há umargumento explicativo mais importante do que aqueles originários dos ci-clos econômicos. O argumento é o seguinte: até bem pouco, a vida era tãocurta que os não-adaptados morriam antes de poderem gerar filhos. No

    último século, no entanto, pela primeira vezna história, as novas formas defazer a g uerra e os avanços da medicina eliminaram as vantagens competiti-vas dos mais fortesemais aptos fisicamente. Com isso, o processo biológicode seleção natural estancou. Desapareceu no momento em que os mais fra-cos e menos aptos, em que os não-adaptados às agruras da existência tive-ram a sua vida prolongada para além da paternidade. No momento em queos fisicamente menos resistentes passaram a deixar uma descendência antesde deixarem a existência.

    Q u a is a s p e r sp e ct iv as m ac ro d os p ro je to s c u lt ur ai s?

    Primeiro tem-se uma abertura de oportunidades. A cultura passa a ser algomais essencial do queera. A nossa evolução biológica havendo cessado, oupelo menos desacelerado, o que nos resta como perspectiva e possibilidade?Parece que, como espécie, a única possibilidade evolutiva que nos resta é ada evolução cultural: a da expansão das faculdades da mente, a da com-preensão do universo. Isto, é claro, se sobrevivermos fisicamente à estupi-dez da nossa civilização, que deteriora rapidamente o meio emque vive. Oque, aliás, é um problema cultural: o de cultivarmos o ambientalísmo.

    Em segunda instãncia, como na evolução biológica, na evolução cul-tural a diversidade e não a unicidade é a determinante daschances de cadagrupo. Quanto mais diversos e diferenciados forem os atributos culturais deum grupo, maior a chance de que o processo de sua evolução tenha curso. Énesse sentido que a herança social, ocapital cultural, se torna a maior força.Somos hoje, em todo o.mundo, múltiplos, diferentes e razoavelmente inte-grados. Ainda que à força, ainda que a integração inter-racial, interculturale ínter-religíosa tenha sido econtinue sendoextremamente problemática, tem-se uma' vantagem competitiva em relação aosoutros setores da economia.

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    ~~

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    P R O J E TOS C U LT U RA IS

    A terceira implicaçãoé menos entusiasmante. Está relacionada à vidaeconômica, na qual, nos moldes em que é vivenciada hoje, sobrevivem osmais aptos, os mais bem adaptados às agruras da competição, da globaliza-ção ete. E nesse ponto, o setor econômico cultura é especialmente frágil.Tanto pelas ameaças externas, pelo poder massificador dos gigantes do mer-cado, quanto pela pouca capacitação gerencial dos profissionais que atuam

    na área.A dificuldade, o paradoxo se quisermos, está em que, por um lado, o

    setor oferece Oportunidades imensas para a evolução da sociedade, para arealização pessoal e para a ampliação dos horizontes, e, por outro, exclui osnão-aptos, mas os exclui segundo critérios que não são nem sociais, nempessoais, nem culturais - segundo critérios que são econômicos e admi-nistrativos. De forma que os que pretendem levar adiante projetos culturaisna nossa região devem entender que estão comprometidos numa luta pelasobrevivência, uma luta travada segundo as regras ou a falta de regras da

    economia de mercado, que se toma mais acirrada na medida em que a cul-tura se torna um bom negócio.

    u a is o s t ip o s d e p r oj et os c u lt ur a is

    É preciso dizer desde logo que aplicar a técnica econômica a projetos cultu-rais é uma ati tude ao mesmo tempo inadequada e inevi tável. Inadequadaporque nada do que diz respeito à cultura deveria sofrer restrições, cons-trangimentos ou ordenação. Inevitável porque, na atual configuração dosEstados e das economias, inexiste outra forma de atender aos dois propósi-tos para osquais são formulados osprojetos: a obtenção de meios e a gestãode recursos escassos. Isto é, o financiamento e o gerenciamento, outro temaigualmente vasto e intrincado.

    Em uma economia de mercado - a forma econômica em que estamosimersos - existem duas grandes famílias de iniciativas culturais: as que sãocomercialmente sustentáveis e as que dependem de considerações não-eco-nômicas para vir à luz.

    Ou bem o projeto a ser modelado tem uma relação custo-benefíciopositiva v.... • e nesse caso será confrontado com outras iniciativas também

    30

    ,..

    ~~ .

    A N T ES D E C O M EÇ A R

    'financeiramente rentáveis, ou os benefícios a serem auferidos pelo projeto.~sãode ordem não-comercial, e nesse caso o projeto será confrontado com

    outras iniciativas não-rentáveis.. ........,' O determinante dos projetos economicamente viáveis, ou que se pre- ; :â~~ndem como tal, é o custo de oportunidade, o retorno - que pode ser

    ·;'.:.';djreto,em espécie, ou indireto, como no caso da propaganda - tomadol.:\~comparativamente a outras iniciativas. O determinante dos projetos defici-

    Úários também é a concorrência, o cotejo dos benefícios gerados com osc

    ;,.,;.,..;;;i~enefíciosque podem advir de outras demandas. Demandas que não são7,,;'pequenasem um contexto onde a ignorãncia, as dõenças e a fome são nor-.-;•... :'

    '.mae não exceção,~~:; ~

    .~~

    J ;

    ',~ M . / ;: ~Ai ; ,'.. ..::t:y a J e.a p en a m o d el ar u m p ro je to.,'/Iié~ta ainda uma última questão, antes de se começar a estudar como trans-::)ç>rinar uma idéia em projeto.

    :;Y.

    . ckf iís te um p ro jeto a s er m ode lad o?

    . Antes de se começar a modelar uma idéia, isto é, de transformá-Ia em proje-.

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    que vamos configurar irá gerar? Um bem artístico? Um divertimento? Umserviço? Um novo conhecimento? Uma idéia? Qual?; b) quais os beneficiáriospotenciais do resultado do projeto? Um grupo de pessoas? Uma comunida-de? A sociedade?; c) quanto, aproximadamente, poderá custar um projetocomo esse?; d) quem poderá se interessar em financiá-Io? Ao se tentar res-ponder a essas questões, mesmo sendo as respostas aproximativas, estar-se-a eliminando uma série de desvios e antecipando os passos _ e as difi-

    culdades - da modelagem. O fundamental é chegar à convicção de quevale a pena o esforço.

    Q u e r az õ es j us ti fi ca m a m od el ag em d o p ro je to ?

    As razões para se lançar um projeto cultural são variadas. As mais comunsreferem-se à produção e à preservação de bens e à demanda por artes eespetáculos. Modelam-se projetos para dar uma resposta estratégica a umdesafio. Para fazê-Io, deve-se enfocar o projeto de modo a dar uma respostaapropriada ao que provocou a sua necessidade.

    Algumas vezes os problemas e desafios que se pretende enfrentar mo-delando projetos são inequívocOS, mas, em outras, os motivos que levaramao projeto derivam de pressões e contrapressões de grupos de interesse. Issosignifica que o projeto nascerá e provavelmente viverá em ambiente conflí.tante, que sofrerá tentativas de interferência política etc.

    Para que se esteja seguro do sentido a dar ao projeto, deve-se terclaras a origem e as motivações que levaram à sua configuração. As ques-tões-chave que se deve tentar responder antes mesmo de daro primeiropasso na modelagem dos projetos são de quatro ordens: a) por que o pro-jeto deve ser modelado? Maximização de rendimentos? Novas Oportuni-

    dades de mercado? Novos públicos? Resposta a pressões políticas?Legitimação? Novas barreiras de mercado? Novas tecnologias? Respostasa concorrentes? Retração de mercados? Retração de públicos? Outrosmotivos?; b) quem exerce pressão para que o projeto seja modelado? Opúblico? Patrocinadores? Grupos estruturados? Governos? Clientes? Con-correntes? Fornecedores? Organização matriz? Organizações dependen-tes? Outras organizações? Reguladores?; c) através de que meios essa pres-são é exercida? Econômicos? Financeiros? Comerciais? Ilegais? Legais?

    32

    Normativos? Políticos? Tecnológicos?; d) em que ambiente o projeto ck.veser modelado? Adverso? Favorável? Em mudança? Estagnado? Otirnísa?Pessimista?

    Q u e s en ti do d ar a o p r oj et o?

    Além de serem extremamente variadas, as razões e condições para a mOlfe-

    lagem de projetos culturais são determinantes da forma e do sentido iplelhes serão dados.Uma coisa é um projeto que vise conquistar novas platéias para o

    .':. teatro experimental (item acima), devido à pressão de patrocinadores(item b que vêem nisso uma oportunidade de promoção (item c em mnambiente estagnado (itemd). Outra, completamente diferente, é um proje-to de recuperação de documentos motivado pelo surgimento de uma novatecnologia de restauração (item a ), devido a uma ordem (item b recebidada matriz de uma agência governamental (item d), às vésperas de uma ava-liação de desempenho da instituição (item c .

    As razões para modelar o projeto e as suas características operado-~ais lhes dão um sentido particular. Um sentido que pode ser: a) técnico,quando se orienta o trabalho para atingir os objetivos declarados, procuran-do não permitir que interferências externas de pessoas, grupos ou organiza-ções incidam na configuração do projeto; b) de acomodação, quando seprocura satisfazer às fontes de pressão, acomodar conflitos de interesse oudar um sentido de ajuste e de apoio à negociação do projeto; c) de evasão,quando se trabalha de forma aevitar a pressão direta, configurando projetosem outras direções, ou se posterga a configuração até que as pressões sedissipem; e d) de confronto, quando se dirige o projeto de formaa assumiro domínio das fontes de pressão.

    :l '

    /

    Q u ai s o s m ot iv os p a ra a m od el ag em d e p ro je to s c u lt ur ai s?

    A vontade individual ou de um grupo, aliada ao conjunto de pressões con-, formam a justificativa e o sentido do projeto. Por isso, as razões que levamà construção do projeto cultural devem estar bem claras antes de se dar osprimeiros passos efetivos da modelagem. O quadro 1 relaciona os motivosmais freqüentes para a modelagem de projetos culturais.

    l3

    rn V}t fUl l UL IURAISA N TE S D E C O M EÇ A R

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    16 ,

    17 ,

    18 ,

    1 9 ,

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    21 ,

    22 ,

    2 3 .

    2 4 ,

    QUADRO 1

    a zõ es p a ra m o d e la rp r o t o sc u l t u r a i s

    1 ,

    2,

    3.

    4 ,

    5,

    6 ,

    7,

    8

    9

    10

    1 1 .

    12 ,

    ]3,

    14 ,

    A p ro v e it ar i nc e nt iv o s e a p oi os g o v er na m e nt ai s

    A p ro v ei ta r r ec u rs o s n a tu ra is o u r e fu g os i nd u st ri ai s

    A te nd e r a d e ma nd as d e u m a c om un id a de

    A te nd e r a u m a p re sc ri çã o l eg al .

    A t en d e r a d e m an d as c o me r ci ai s i ns a ti sf ei ta s

    A t ua li z ar a d m in is tr a ti va m e nt e u m a o rg a ni z aç ã o d a á r ea c u lt ur a l.

    A t ua li za r t ec n ic a me n te u m s e rv iç o

    C o n se r va r b e ns i nt an g ív e is o u t an g ív e is m óv e is o u i mó v ei s

    D e mo ns tr ar a v ia bil id a de d e u m e mp re en di me nt o

    D e s en v o lv e r a p r od u ç ão a rt es a na l.

    D e se nv ol ve r o u a dq u ir ir u m n ov o s is te m a

    D e se nv o lv er u m n ov o s er vi ço c ul tu ra l.

    E ri gi r u m b em o u i mp [e me nta r u m s er vi ço

    E s ta b el ec e r s is te m a s d e c o nt ro le

    E s ti mu la r a c ri aç ã o e a m a ni fe s ta ç ão d e i nd i ví du o s g r up o s o u c o mu n id a d es

    E x p or ta r b e ns o u s e rv iç o s c u lt ur a is

    I mp o rt ar a d a pt ar m e lh o ra r o u d e s en v o lv e r t éc n ic a s e t ec n ol og i as

    L e va r a e fe it o u ma c am p an h aeducatíva

    M e lh o ra r a q ua li da de d e p ro d ut os o fe re ci do s

    O b te r f in an ci am e nt o o u o ut ro t ip o d e a po io p ar a u m e mp re en d im e nto

    P r es e rv a r b e ns i nt an g ív e is o u t an g ív e is m ó v ei s o u i m óv e is

    P ro m ov e r m ud an ça s n a e st ru tu ra o u n o e st il o d e u ma o rg an iz aç ão c ul tu ra l.

    I nte rr om pe r s itu aç õe s d e m on op ól io o u o li go pó li o

    Substi tu i r impor tações

    15 ,

    343 5

    C om o a val iar s e o es fo rç o v al e a p e na?

    A avaliação pré-modelagem deve ser rápida e de custo zero ou próximo dezero,O risco é que, já havendo investido recursos e tempo emuma idéia setenda a procurar aproveitá-Ia, a corrigi-Ia etc, Portanto, para essa avaliaçãodeve-se: a) procurar reunir o máximo de informações e opiniões sobre aidéia do projeto, principalmente sobre as pessoas, grupos e instituições fa-

    miliarizadas com o assunto e sobre outros projetos de mesma natureza rea-lizados ou que falharam; b) definir precisamente o produto do projeto (in-sisto nesse ponto, decisivo para quem quer trabalhar com projetos; na áreada cultura, a má definição de produtos tem causado prejuizos imensos, de-sacreditado boas idéias e afastado investidores); c) procurar reunir amigos ecolaboradores de confiança para discutir a idéia, empregando técnicas deconclave (igualmente úteis na condução da equipe de modelagem).

    8 As técnicas de conclave mais utilizadas são:a) o brainstorming t radicional - chamado dethink ap, const ituído por uma reunião deum

    grupo limitado de pessoas (entre cinco e 10participantes), cujo objetivo é gerar, esponta-neamente, tantas idéias quantas forem possíveis, num período limitado de tempo, sobreum tema ou problema específico, Osparticipantes devem externar suas idéias, por maisabsurdas que possam parecer, sem o receio de crítica ou julgamento;

    b) k ey w or ds :a t écni ca consi ste em list ar numa folha de papel ou editor de texto, o mai srápido possível, todas asidéias que venhamà mente sobre o tema abordado, mantendo ofoco continuamente, sem preocupação com a escolha e a ordenação das palavras oumes-mo com a sua correta redação;

    c) m i nd m a p p in g :a técnica é especialmente utilizada quando o tema apresentadoé

    comple-xo ou extenso, e possui tópicos mais importantes ou áreas genér icas que podem ser des-tacados e dispostos no topo de folhasde papel ou editores de texto, aplicando-se a técnicada k ey w or da cada um deles ,É importante reservar uma folha, chamada de miscelânea,onde serão colocadas as palavras que porventura não se enquadrarem em nenhum dostópicos apresentados;galaxy: es ta técnica ini ci a-se dispondo o tema no cen tro de uma fo lha de papel ouflipchart e circundando-o. Em seguida, uma nova idéia é escrita, circundada e ligadaà ante-rior por meio de uma linha, A cada nova idéia repete-se a operação, tomando o cuidad~'de conectar as idéias relacionadas umas com as outras, mantendo as que não se relacio-'nam entre si cónectadas ao terna centra l. Na maioria das vezes , de um tópico surgemidéias relacionadas que promovem o surgimento de novas idéias,