Paulo, o Fiel Discípulo de Jesus

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Exemplo de fe e Devoção

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  • PAULO, O FIEL DISCPULO DE JESUS

    Por Silas Tostes

    E m sua edio de nmero 195 (dez/ 2003), a revista SuperInteressante publicou matria intitulada O homem queinventou Cristo, do jornalista Yuri Vasconcelos. A chamada de capa foi: So Paulo traiu Jesus?. Em suaabordagem, tanto o autor quanto alguns acadmicos afirmam que o apstolo Paulo, alm de ter sido um traidor deJesus, inventou o cristianismo.

    Tais alegaes, no entanto, no podem passar sem serem respondidas devidamente.

    A matria sugere que Paulo foi, na verdade, um homem desonesto, pois palavras e expresses como traiu,deturpou e autor de fraudes so usadas em referncia ao apstolo. O cerne da matria segue a linha depensamento de Mahatma Ghandi e outros pensadores, os quais coadunam com a idia de que as cartas de SoPaulo so uma fraude nos ensinamentos de Cristo.1

    Mas qual o fundamento dessa acusao? Somos categricos em afirmar que o ensino de Paulo no est emdiscordncia com os ensinos de Jesus, e dos demais apstolos. Portanto, Paulo no foi fraudulento.

    No ignoramos o fato de, inmeras vezes, constar do artigo aluses de que Paulo foi e muito influente naformao do cristianismo, tal como o conhecemos hoje. Mas no possvel concordar que Paulo estava emdiscordncia com Jesus e com os demais apstolos.

    A influncia de Paulo est na relao direta do fato de que ele avanou por diferentes partes do Imprio Romano,bem como por ter sido o que mais exps os ensinos aceitos pelos apstolos e oferecidos por Jesus. Mas isto noquer dizer que os tenha inventado. No foi este o caso, conforme demonstraremos.

    Primeiro, responderemos alegao quanto a veracidade dos escritos de Lucas. Depois, duvidaremos do fato deque os demais apstolos no saram da Palestina. E, finalmente, responderemos s alegaes contra Paulo,colocando o apstolo em desarmonia com Jesus e os doze apstolos.

    Respondendo alegao contra a veracidade dos escritos de Lucas

    Em uma contradio explcita, a matria baseia-se nas informaes providas por Lucas, porm, ao mesmo tempoem que faz isso, sugere que o texto que ele mesmo empregou no confivel.2 Todos tm liberdade de ter suasopinies, mas evidente que o articulista desconsiderou o fato de Lucas ter sido criterioso em tudo que se props arelatar. Nas suas prprias palavras, o evangelista afirmou sobre seu evangelho: Tendo, pois, muitos empreendidopr em ordem a narrao dos fatos que entre ns se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que ospresenciaram desde o princpio, e foram ministros da palavra, pareceu-me tambm a mim conveniente descrev-losa ti, excelente Tefilo, por sua ordem, havendo-me j informado minuciosamente de tudo desde o princpio; paraque conheas a certeza das coisas de que j ests informado (Lc 1.1-4).

    Veja que, na perspectiva de Lucas, seus relatos foram feitos depois de ter empenhado acurada investigao com astestemunhas oculares. Alm disso, louvvel que suas informaes, ao longo do seu evangelho, envolvem tanto ocontexto histrico quanto o geogrfico. Podemos constatar isso no seguinte versculo:3 Existiu, no tempo deHerodes, rei da Judia, um sacerdote chamado Zacarias, da ordem de Abias, e cuja mulher era das filhas de Aro; eo seu nome era Isabel (Lc 1.5; grifo do autor). Da mesma forma, podemos entender que, ao escrever seu livro deAtos, tenha se precavido dos mesmos cuidados.

    No certo que os outros apstolos no saram da Palestina

    O artigo foi taxativo em afirmar que os demais apstolos no saram da Palestina.4 O fato que no possumosprovas conclusivas sobre isso, portanto, no podemos dizer que no saram, nem que o fizeram. Mas segundo astradies das igrejas, que h sculos se encontram na Prsia, Etipia, Egito, Armnia e ndia, Tom teria ido ndiae Prsia; Mateus para a Etipia e Bartolomeu para a Armnia. Alm disso, sabido que Pedro foi Antioquia, naSria (Gl 2.11) e, segundo a tradio, de l para Roma. Joo foi para feso e, depois, levado preso para a ilha dePatmos. Probabilidades omitidas pela reportagem.

    Inicialmente, os apstolos ficaram em Jerusalm, mas depois, provavelmente, saram, como sugerem as tradies.Ficaram porque uma igreja e lderes estavam sendo formados. Atos 15 faz quatro referncias aos presbteros (2,6,22,23 ARA), e todos eles foram formados pelos apstolos que precisavam supervisionar os primeiros passos deexpanso do cristianismo, como em Samaria e em Antioquia, na Sria (At 8.14, 11.22), e tambm como resolver aquesto da incluso de gentios Igreja (At 15), o que veremos, mais frente, com detalhes.

    No sabemos ao certo, mas no correto afirmar que os apstolos no saram da Palestina. Pelo menos emrelao a Pedro e Joo esta assertiva no sustentvel.

    Respondendo s colocaes contra o apstolo Paulo

    As alegaes contra Paulo na matria so mltiplas. sugerido que Paulo foi o responsvel pelas guerras e pelosofrimento do mundo, sua converso teria sido uma farsa, seu ensino sobre a salvao teria sido distinto do ensinode Jesus e dos demais apstolos, teria defendido a escravido, teria legitimado a submisso da mulher e teriaensinado a obedincia ao opressivo Imprio Romano.

    Veremos, seguindo a disposio das acusaes acima, estas alegaes no contexto do ensino de Paulo e, quandonecessrio, no ensino de Jesus e dos demais apstolos.

    Paulo teria sido o causador das guerras e do sofrimento no mundo

    No podemos deixar de mencionar a alegao simplista de Fernando Travi, fundador e lder da Igreja EssniaBrasileira, que declara acerca de Paulo: Sua converso foi uma farsa. Ele criou uma religio hbrida. A prova disto

  • o mundo que nos cerca. Um mundo cheio de guerra, de sofrimento e de desespero.5

    Realmente, verificamos muita comodidade e reducionismo na afirmao de que Paulo tenha sido o responsvelpelas guerras e pelos sofrimentos do mundo. Isso pressupe que no somos responsveis pelos nossos atos.Recentemente, a histria nos mostrou que governos opressivos sejam eles comunistas, islmicos, budistas oumilitares so capazes de terrveis atrocidades, mas nenhuma delas cometida sob a influncia dos ensinos dePaulo. Gostaria de ver Fernando Travi convencendo, com seus argumentos, historiadores e socilogos que Paulotenha sido responsvel pelos problemas atuais do mundo. No h base para sua afirmao e no deveria ter sidomencionada no artigo por Yuri Vasconcelos. A histria ao nosso redor nos mostra que a gerao atual capaz deatrocidades, sem que estas estejam diretamente ligadas a Paulo.

    A converso de Paulo teria sido uma farsa

    verdade que algum pode duvidar dos relatos de Paulo quanto sua converso, da mesma forma que algumpode duvidar de meu testemunho de como me tornei cristo. Em verdade, podemos duvidar de todos e de tudo otempo todo, mas importante procurar avaliar tais dvidas por meio de critrios lgicos. A matria da revistaSuperInteressante mencionou acertadamente que Paulo era de famlia influente, poliglota, bicultural e bem-estudado aos ps de Gamaliel.6 Era amigo e respeitado pelos membros do Sindrio.7 Em outras palavras, Paulo erahomem de status e respeito. Por que, em tal situao, ele deixaria tudo para se juntar minoria cristdesrespeitada, perseguida e considerada hertica? O que Paulo teria a ganhar com sua converso, caso esta fosseuma farsa? Ser que sofreria tanto por uma farsa?8 Geralmente, as pessoas sofrem pela verdade e por ideais, masesse definitivamente no o caso. Cabe aos crticos da converso de Paulo provarem por que razo ele sofreriatanto por uma farsa; e por que razo ele teria empreendido tanto tempo implantando igrejas e escrevendo, j queele, supostamente, no tinha ampla convico naquilo que acreditava e ensinava. Normalmente, poucos sofrempela verdade, mas quem quer sofrer pela mentira? A alegao de que a converso de Paulo na estrada de Damascofoi uma farsa no faz jus ao preo que o apstolo pagou para divulgar o evangelho. Tal suposio no se respaldana lgica. Gostaria de ter as provas para a alegao que diz que Paulo fingiu ter-se convertido, pois justamenteisso que o conceito de farsa sugere. Onde esto estas provas? Tudo isso no passa de conjetura!

    A salvao ensinada por Paulo teria sido distinta do ensino de Jesus e dos demais apstolos

    O artigo em referncia sugere que Paulo era contra a circunciso dos gentios, uma vez que o sacramento dobatismo era suficiente para a converso. A circunciso seria, na verdade, a porta de entrada do judasmo e no docristianismo.9 Esta afirmao no representa toda a questo como ocorrida.

    O artigo tambm sugere que Pedro e Tiago Menor, assim como os outros integrantes do grupo de judeus cristos,possuam posio contrria de Paulo. Os demais apstolos faziam parte do grupo que exigia a circunciso paracristos.10 Isso, porm, no faz jus ao que foi crido e ensinado por Jesus e os demais apstolos. Havia sim umatenso entre Paulo e alguns judeus cristos, mas no necessariamente entre Paulo, Pedro e os demais apstolos.Nem mesmo entre Paulo e Jesus.

    O que acabamos de afirmar passamos a evidenciar. Jesus havia ordenado aos apstolos que fizessem discpulos detodas as naes: Portanto ide, fazei discpulos de todas as naes, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e doEsprito Santo (Mt 28.19). A obedincia a esta ordem envolveria transpor barreiras culturais e religiosas. Os judeuspossuam uma dieta alimentar diferente da dos gentios (no judeus). Possuam tambm suas cerimnias religiosas,no praticadas e no entendidas por outros povos. Nesse contexto, o gentio era considerado impuro, pois, naperspectiva judaica, no obedecia lei de Moiss que, entre outras coisas, probe comer carne de porco, assimcomo outros animais, dos quais os gentios se alimentavam. Como, ento, um judeu cristo levaria a salvao deCristo para os gentios, uma vez que os gentios eram considerados impuros, por quebrarem a lei de Moiss? Naspalavras de Pedro: Vs bem sabeis que no lcito a um homem judeu ajuntar-se ou chegar-se a estrangeiros;mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo (At 10.28).

    Ora, se os discpulos de Jesus no se aproximassem dos gentios para evangeliz-los, no poderiam fazerdiscpulos, como ordenado em Mateus 28.19. A questo toda estava no entendimento de que o gentio era impuro.No entraremos em todos os detalhes, mas, em Atos 10, o Esprito Santo convence Pedro de que deveria ir at acasa do gentio Cornlio, pois se um gentio fosse lavado e purificado no sangue de Jesus, tornar-se-ia puro diantede Deus. Esta pureza no dependia de dieta alimentar, nem de cerimnias ou festas judaicas, ou do guardar diassantos. a pureza conseguida pelo perdo dos pecados, por Cristo ter morrido em nosso favor. Nas palavras deJesus: O que contamina o homem no o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso o que contamina ohomem. Mas, o que sai da boca, procede do corao, e isso contamina o homem. Porque do corao procedem osmaus pensamentos, mortes, adultrios, prostituio, furtos, falsos testemunhos e blasfmias. So estas coisas quecontaminam o homem; mas comer sem lavar as mos, isso no contamina o homem (Mt 15.11,18-20).

    Pedro, ento, com um novo entendimento, pregou o evangelho de Cristo para Cornlio e logo percebeu que este eseus familiares foram aceitos por Deus quando creram. Esta aceitao foi independente de qualquer dieta alimentarou de outras leis, pois o Esprito Santo fora recebido por eles, quando creram, assim como havia sido recebido pelosjudeus que j haviam crido em Jesus anteriormente: E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Esprito Santosobre todos os que ouviam a palavra. E os fiis que eram da circunciso, todos quantos tinham vindo com Pedro,maravilharam-se de que o dom do Esprito Santo se derramasse tambm sobre os gentios. Porque os ouviam falarlnguas, e magnificar a Deus. Respondeu, ento, Pedro: Pode algum porventura recusar a gua, para que nosejam batizados estes, que tambm receberam como ns o Esprito Santo? E mandou que fossem batizados emnome do SENHOR. Ento rogaram-lhe que ficasse com eles por alguns dias (At 10.44-48).

    bvio que a converso dos primeiros gentios gerou a discusso de como estes seriam includos na igreja, o queera at natural. Pedro precisou se explicar aos que criam que a circunciso era necessria para a salvao: Eouviram os apstolos, e os irmos que estavam na Judia, que tambm os gentios tinham recebido a palavra deDeus. E, subindo Pedro a Jerusalm, disputavam com ele os que eram da circunciso, dizendo: Entraste em casa dehomens incircuncisos, e comeste com eles. Mas Pedro comeou a fazer-lhes uma exposio por ordem... (At 11.1-4).

    Mas Pedro entendeu que o homem, mesmo o gentio, era salvo pela f em Jesus: E lembrei-me do dito do Senhor,

  • quando disse: Joo certamente batizou com gua; mas vs sereis batizados com o Esprito Santo. Portanto, seDeus lhes deu o mesmo dom que a ns, quando havemos crido no Senhor Jesus Cristo, quem era ento eu, paraque pudesse resistir a Deus? (At 11.16; grifo do autor).

    Depois da explicao de Pedro, todos louvaram a Deus, que amava e salvava os gentios pela f, conforme searrependiam de seus pecados: E, ouvindo estas coisas, apaziguaram-se, e glorificaram a Deus, dizendo: Naverdade at aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida (At 11.16-18).

    Percebemos que Pedro entendia em que base se dava a salvao dos gentios. Inicialmente, ele teve dificuldadesde fazer discpulos entre esse povo. Mas conseguiu fazer isso ao evangelizar Cornlio, quando, ento, pdeentender que o homem salvo pela f em Cristo, desde que se arrependa de seus pecados e aceite a obra deCristo na cruz. Neste ponto, Pedro no est em desacordo com Jesus e muito menos com Paulo. Jesus disseinmeras vezes que aquele que nele cr tem a vida eterna: Na verdade, na verdade, vos digo que quem ouve aminha palavra, e cr naquele que me enviou, tem a vida eterna, e no entrar em condenao, mas passou damorte para a vida (Jo 5.24. V. tb. Jo 6.35, 47; 11.25,26; 12.46).

    As declaraes de Jesus comprovam que a salvao pela f nele. E isso fica ainda mais evidente no texto original,no qual podemos perceber que o substantivo f e o verbo crer possuem amesma raiz. Quando Jesus, portanto, diz que quem cr nele tem a vida eterna, subentende-se no original que apessoa colocar sua f em Jesus, ou seja, a salvao por meio da f em Jesus, e isso no s para os judeus,mas tambm para os gentios, como foi o caso de Cornlio e seus familiares.

    Jesus tambm ensinou que sua morte na cruz seria para perdo de pecados, como o fez na ltima ceia, referindo-se ao po como seu corpo e ao vinho como seu sangue (Lc 22.19,20). Disse o mesmo em outra passagem: Entoabriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras. E disse-lhes: Assim est escrito, e assim convinhaque o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressuscitasse dentre os mortos, e em seu nome se pregasse oarrependimento e a remisso dos pecados, em todas as naes, comeando por Jerusalm (Lc 24.45-47; grifo doautor).

    evidente que o que foi ensinado por Jesus foi crido e ensinado por Pedro. Vemos isso tambm em outraspassagens, alm das j citadas de Atos: Respondeu-lhe, pois, Simo Pedro: Senhor, para quem iremos ns? Tutens as palavras da vida eterna. E ns temos crido e conhecido que tu s o Cristo, o Filho do Deus vivente (Jo6.68,69; grifo do autor).

    Vemos que aquilo que foi ensinado por Jesus e crido por Pedro foi igualmente ensinado por Paulo. Citaremossomente duas passagens, para no sermos exaustivos:

    Mas agora se manifestou sem a lei a justia de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas; isto , a justia deDeus pela f em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crem; porque no h diferena. Porque todospecaram e destitudos esto da glria de Deus; sendo justificados gratuitamente pela sua graa, pela redeno queh em Cristo Jesus. Ao qual Deus props para propiciao pela f no seu sangue, para demonstrar a sua justiapela remisso dos pecados dantes cometidos, sob a pacincia de Deus; para demonstrao da sua justia nestetempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem f em Jesus. Onde est logo a jactncia? excluda. Por qual lei? Das obras? No; mas pela lei da f (Rm 3.21-27; grifo do autor).

    Porque pela graa sois salvos, mediante a f; e isto no vem de vs; dom de Deus (Ef 2.8).

    Veja que pelas passagens acima evidente que Paulo ensinou o mesmo que Jesus e Pedro sobre a salvao. Ohomem salvo pela f em Jesus. Assim, como claramente mostra minha explicao, o Conclio de Jerusalm,citado na SuperInteressante, colocando Paulo em desarmonia com Jesus, Pedro e demais apstolos, improcedente.11

    Nesse Conclio, discutiu-se a base por meio da qual se d a salvao do homem. Para alguns judeus cristos, ohomem era salvo por Jesus e pela circunciso. Ento alguns que tinham descido da Judia ensinavam assim osirmos: Se no vos circuncidardes conforme o uso de Moiss, no podeis salvar-vos (At 15.1). Mas, como j vimos,tanto para Pedro como para Jesus e Paulo, o homem salvo pela graa mediante a f em Jesus. O mesmo reafirmado e ensinado em Atos 15 por todos eles juntos.

    As palavras de Pedro, a seguir, resumem bem a posio de todos os apstolos, que aprenderam com Jesus,presentes em Jerusalm: Congregaram-se, pois, os apstolos e os ancios para considerar este assunto. E,havendo grande contenda, levantou-se Pedro e disse-lhes: Homens irmos, bem sabeis que j h muito tempoDeus me elegeu dentre ns, para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do evangelho, e cressem. EDeus, que conhece os coraes, lhes deu testemunho, dando-lhes o Esprito Santo, assim como tambm a ns; eno fez diferena alguma entre eles e ns, purificando os seus coraes pela f. Agora, pois, por que tentais aDeus, pondo sobre a cerviz dos discpulos um jugo que nem nossos pais nem ns pudemos suportar? Mas cremosque seremos salvos pela graa do Senhor Jesus Cristo, como eles tambm (At 15.6-11).

    A afirmao da SuperInteressante de que Paulo sara vitorioso em Atos 15, sugerindo, com isso, que ele teriadiscordado de Jesus e dos demais apstolos um absurdo exegtico.12

    A matria cita que, aps o episdio do Conclio em Jerusalm, Pedro tornou-se repreensvel por ter cedido pressodo partido da circunciso. Contudo, o episdio no pode ser usado para diferenciar a posio de Paulo da dosdemais, pois j demonstramos no ser o caso. Pedro, em Antioquia, titubeou por causa da presso que sofreu, masseu comportamento ali no refletiu o que ele realmente pensava, como j vimos em Atos 11 e 15. E, chegandoPedro Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensvel. Porque, antes que alguns tivessem chegado da partede Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou deles, temendo os queeram da circunciso. E os outros judeus tambm dissimulavam com ele, de maneira que at Barnab se deixoulevar pela sua dissimulao. Mas, quando vi que no andavam bem e direitamente conforme a verdade doevangelho, disse a Pedro na presena de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e no como judeu, porque obrigas os gentios a viverem como judeus? Ns somos judeus por natureza, e no pecadores dentre os gentios(Gl 2.11-15).

  • Por tudo isso, fica evidente que Paulo ensinava o mesmo que Jesus e os demais apstolos sobre a salvao. Noprocede a afirmao de Fernando Travi de que as cartas de Paulo estavam em desarmonia com o ensino de Jesus edos demais apstolos.

    Paulo teria tambm defendido a escravido

    Buscando amparo no texto de Efsios 6.5, a matria da SuperInteressante condena Paulo por ter ensinado que oscristos, quando na condio de escravos, fossem obedientes a seus senhores: Vs, servos, obedecei a vossossenhores segundo a carne, com temor e tremor, na sinceridade de vosso corao, como a Cristo (Ef 6.5).

    O texto a seguir, no citado no artigo da revista, instrui os escravos a servirem a seus senhores como seestivessem servindo a Cristo, pois Deus saber recompens-los: No servindo vista, como para agradar aoshomens, mas como servos de Cristo, fazendo de corao a vontade de Deus; servindo de boa vontade como aoSenhor, e no como aos homens. Sabendo que cada um receber do Senhor todo o bem que fizer, seja servo, sejalivre (Ef 6.6-8).

    verdade que Paulo no est aqui sugerindo uma ordem revolucionria com violncia, mas instruindo os escravoscomo deveriam se comportar diante desse tipo de realidade social: a escravido.

    No podemos, porm, a partir da passagem de Efsios 6.5, afirmar que Paulo, se pudesse, no teria eliminado aescravido. Um conselho, ou ensino, diante da realidade da escravido, no necessariamente endoss-la. Eleensina que, mesmo na escravido, as relaes humanas podem ser de respeito, sem opresso. Veja que, a seguir,Paulo instrui os senhores para que tratem os escravos como irmos em Cristo, pois no h acepo de pessoas. Evs, senhores, fazei o mesmo para com eles, deixando as ameaas, sabendo tambm que o SENHOR deles e vossoest no cu, e que para com ele no h acepo de pessoas (Ef 6.9; grifo do autor).

    Se diante da realidade da escravido (no criada por Paulo) os senhores seguissem as instrues dele, o escravoseria tratado com dignidade e respeito. Ele no seria oprimido, pois como Paulo disse: no h acepo depessoas.

    A idia de que no evangelho os escravos no so inferiores a ningum consta do ensino de Paulo tambm emGlatas 3.28: Nisto no h judeu nem grego; no h servo nem livre; no h macho nem fmea; porque todos vssois um em Cristo Jesus (grifo do autor).

    Se levarmos em considerao o que Paulo ensinou em Efsios 6.9 e Glatas 3.28, no podemos afirmar que eleendossou os abusos da escravido. Mas verdade que no props a eliminao desta. Contudo, diante darealidade da escravido, esperava que ela fosse sem opresso e discriminao de pessoas. Neste caso, o escravoteria seus direitos humanos preservados. Tornar-se-ia uma espcie de empregado moderno.

    Paulo teria legitimado a submisso da mulher

    A matria da revista em referncia menciona a carta aos colossenses, provavelmente pensando em Colossenses3.18, que reza: Vs, mulheres, estai sujeitas a vossos prprios maridos, como convm no Senhor. Mas acabacitando 1Timteo 2.9-12: Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com pudor e modstia,no com tranas, ou com ouro, ou prolas, ou vestidos preciosos, mas (como convm a mulheres que fazemprofisso de servir a Deus) com boas obras. A mulher aprenda em silncio, com toda a sujeio. No permito,porm, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silncio (1Tm 2.9-12).

    verdade que Paulo ensinou que a mulher seja submissa ao marido, contudo, tal afirmao no deve ser retiradada complexidade do ensino do apstolo. Paulo no apoiou a opresso da mulher, antes, a colocou em igualdadecom o homem.

    Paulo tinha a convico de que a mulher est submissa ao marido, como conseqncia da queda, separao deDeus pelo pecado (Gn 3.16). Naquela ocasio, a mulher ouviu a serpente, que a ajudou a convencer o homem adesobedecer a Deus. A mulher foi colocada, como resultado da queda, em submisso ao marido. Veja a passagema seguir: E mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceio; com dor dars luz filhos; e oteu desejo ser para o teu marido, e ele te dominar (Gn 3.16).

    o texto de Gnesis 3.16 que Paulo tem em mente ao ensinar sobre a submisso da mulher. Veja o que ele dizem 1Timteo 2.13,14 (em seguida, 1Tm 2.9-12, citado na matria da SI). Porque primeiro foi formado Ado,depois Eva. E Ado no foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgresso.

    Logo, assim como no podemos dizer que a submisso da mulher foi inventada por Paulo, tambm no podemosafirmar que esta submisso no era crida pelos demais apstolos. Veja que Pedro ensinou o mesmo:Semelhantemente, vs, mulheres, sede sujeitas aos vossos prprios maridos; para que tambm, se alguns noobedecem palavra, pelo porte de suas mulheres sejam ganhos sem palavra (1Pe 3.1).

    Alm disso, Paulo ensinou que as esposas devem ser amadas pelos maridos, como Cristo amou a igreja, e por estase entregou. Nesse contexto, os maridos devem cuidar muito bem de suas mulheres, como cuidam de seus prprioscorpos: Vs, maridos, amai vossas mulheres, como tambm Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou porela [...] Assim devem os maridos amar as suas prprias mulheres, como a seus prprios corpos. Quem ama a suamulher, ama-se a si mesmo. Porque nunca ningum odiou a sua prpria carne; antes a alimenta e sustenta, comotambm o Senhor igreja (Ef 5.25, 28, 29; grifo do autor).

    Conclumos, ento, que, no entendimento de Paulo, a mulher submissa ao marido como conseqncia da queda,separao de Deus pelo pecado original (Gn 3.16). Isso, contudo, no o impediu de perceber que a mulher emCristo tem o mesmo status que o homem diante de Deus (Gl 3.28). Assim, no pode haver discriminao contra amulher, nem desigualdade de direitos. A mulher deve ser amada pelo marido como Cristo amou a igreja. Devetambm ser bem cuidada (Ef 5.25,28,29). O ensino de Paulo exclui a opresso da mulher.

  • Paulo teria defendido a obedincia ao opressivo Imprio Romano

    A matria da SuperInteressante prope que Paulo apoiava a obedincia ao opressivo Imprio Romano. Para tanto,cita Romanos 13.1,7: Toda a alma esteja sujeita s potestades superiores; porque no h potestade que novenha de Deus; e as potestades que h foram ordenadas por Deus [...] Portanto, dai a cada um o que deveis: aquem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra.

    Podemos dizer sim que Paulo apoiou a obedincia s autoridades do Imprio, mas isto no o mesmo queendossar suas atrocidades e injustias. Como bons cidados, devemos pagar nossos impostos, percebendo que aordem social estabelecida melhor que o caos.

    No h, no texto de Romanos 13.1,7, nenhuma aprovao, por parte de Paulo, das injustias do Imprio. Hsomente o reconhecimento de que os governos humanos so estabelecidos pela soberania de Deus, por meio dosquais Deus traz certo nvel de julgamento e ordem. Veja o que dizem os versos intermedirios: Porque osmagistrados no so terror para as boas obras, mas para as ms. Queres tu, pois, no temer a potestade? Faze obem, e ters louvor dela. Porque ela ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois no trazdebalde a espada; porque ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal (Rm 13.3,4).

    Podemos reclamar das injustias que h no Brasil em todos os nveis. Mas a existncia do governo brasileiro, querseja municipal, estadual ou federal, nos permite ter no meio da imperfeio a ordem social. O mesmo no vistona Somlia, onde o governo est desestruturado. Existe uma anarquia onde as regies so controladas pordeterminados guerreiros com suas milcias, que se encontram acima da lei. Paulo, em Romanos 13, simplesmentereconhece que os governos humanos desenvolvem um papel estabelecido na soberania divina. E, nesse contexto,precisamos pagar nossos impostos. o que nos ensina Jesus em Marcos 12.17: E Jesus, respondendo, disse-lhes:Dai pois a Csar o que de Csar, e a Deus o que de Deus. E maravilharam-se dele.

    O ensino de Paulo no tira dos cristos o direito de exercerem sua cidadania e de serem agentes de transformaosocial. Desde os dias do primeiro sculo o cristianismo tem prestado este servio.

    A soluo de Paulo, Pedro e Jesus para o mundo era a chegada, desenvolvimento e plenitude, do reino de Deus (Mt4.117, At 14.22, Ap 11.15). Era por meio de uma nova ordem que ocorreria a mudana. Sendo assim, Paulo noendossava o Imprio com suas injustias, mas esperava a realizao do reino de Deus.

    No to fcil definir o reino de Deus, pois se trata de uma realidade aparentemente paradoxal, porque tanto no deste mundo (Jo 18.36) como verdade que est neste mundo. O reino de Deus j estava presente antes deJesus, chegou com sua vinda e ter a plenitude com sua segunda vinda. Alm disso, verdade que Deus reinasobre tudo e verdade que Ele no reina no corao daqueles que no o servem. Mas isso no o impede de reinarsoberanamente sobre todos e tudo, inclusive sobre o mal, mesmo que no seja responsvel pelo mal. Estasaparentes realidades opostas fazem do assunto um desafio. Na verdade, podemos nos referir ao reino divino comouma realidade mltipla, sem que uma de suas facetas se oponha s demais.

    Governos e instituies sempre tero sua medida de maldade, devido ao pecado do homem. Contudo, podem sermelhores ou piores. Tudo ir depender da maneira como os servos de Deus agirem como sal e luz da terra,agentes de transformao.

    Ao dizermos que o reino de Deus no um tipo de regime, no queremos, com isso, afirmar que abominamos osregimes, os quais, apesar de suas imperfeies, so instrumentos de Deus (Rm 13.1,7). Todavia, como servos deDeus, no podemos aceitar tudo o que nos imposto por um governo. Claro que suas leis e propostas injustasdevem ser modificadas pelo trabalho daqueles que so, segundo a Bblia, sal e luz da terra. Como cidados deum reino em que no h injustias, devemos agir como transformadores sociais (Mt 5.13-16), esforando-nospacificamente para que haja leis justas, as quais regero todos os nveis da sociedade.

    Alm disso, podemos nos envolver em projetos de promoo humana, atuando em instituies beneficentesindependentes e/ou em parceria com o governo e a sociedade. A dimenso social do reino de Deus deve tornar-sea realidade do mundo ao nosso redor, pela nossa influncia. Mesmo que uma sociedade justa no seja em si oreino de Deus, em situao ideal faria parte dele ou seria fortemente influenciada pelo mesmo. Neste caso, o reinoque no deste mundo estar no mundo e crescer at a sua plenitude (Ap 11.15).

    No podemos, segundo o que est registrado em Romanos 13.1,7 e o que ensinado nas Escrituras sobre o reinode Deus, afirmar que Paulo apoiou as atrocidades do Imprio Romano, pois tanto para ele como para Jesus e osdemais apstolos a chegada do reino a soluo de Deus para a humanidade. Enquanto isso, entendemos o papeldas autoridades estabelecidas na soberania de Deus, pagamos nossos impostos, exercemos nossa cidadania e nostornamos agentes de transformao social, at a chegada da plenitude do reino de Deus.

    Recapitulando as falhas da matria publicada na SuperInteressante

    Desprezou o rigoroso critrio usado por Lucas para coletar suas informaes. Presumiu, sem provas, que os demais apstolos no saram da Palestina. Foi simplista e reducionista em culpar Paulo pelos problemas da humanidade, como guerras e sofrimento. Afirmou que a converso de Paulo foi uma farsa, porm, o fez por meio de argumentos ilgicos. No ficou provadopor que razo Paulo sofreria tanto por uma farsa que lhe tirara o status social. Falhou ao afirmar erradamente que Paulo discordara de Jesus e dos demais apstolos quanto salvao. Naverdade, todos ensinaram que a salvao s ocorre pela f em Cristo, que morrera por nossos pecados. Falhou ao afirmar que Paulo apoiava a escravido. No vemos, no ensino de Paulo, o apstolo combatendo aescravido, mas vemos como a escravido poderia existir sem opresso. Isso ocorria caso no houvesse acepode pessoas (Ef 6.9) nem vantagens por ordem racial, social ou sexual (Gn. 3:28). Neste caso, o escravo teria seusdireitos humanos preservados. Tornar-se-ia uma espcie de empregado moderno. Falhou ao afirmar que Paulo legitimava a discriminao da mulher, mesmo que tenha ensinado sua submissocomo conseqncia da queda (Gn 3.16). Ao contrrio, Paulo ensinou que no h distino no reino de Deus pordiferenas sexuais (Gn 3.28). Afirmou que a mulher deve ser amada pelo marido, assim como Cristo amou a igreja.Isso exclui opresso e desrespeito mulher e aos seus direitos (Ef 4.25, 28,29).

  • Falhou em perceber que Paulo, ao ensinar a obedincia ao opressivo Imprio Romano, no estava apoiando suasinjustias, mas apenas reconhecendo o papel dos governos na soberania de Deus. Os governos, apesar de suasfalhas, trazem certa ordem. Dentro desta realidade, devemos pagar nossos impostos, at que o reino de Deuschegue sua plenitude. O reino de Deus a soluo das Escrituras para o mundo.

    Diante disso, no temos dificuldades em afirmar que a matria da revista SuperInteressante, que aponta o apstoloPaulo como inventor do cristianismo, classificando-o como uma farsa e traidor de Jesus, foi extremamente infeliz einfiel aos fatos.

    Notas:

    1 Vasconcelos Y. O homem que inventou Cristo. Revista SuperInteressante, ed. no 195, dez/2003. Editora Abril, p.58.2 Ibid.3 No o nico exemplo no evangelho de Lucas.4 Vasconcelos Y. O homem que inventou Cristo. Revista SuperInteressante, ed. no 195, dez/2003. Editora Abril, p.58.5 Ibid.6 Ibid., p. 58, 60.7 Sindrio: o grande Conclio de Jerusalm, que consiste de 71 membros, distribudos entre: escribas, ancios,membros proeminentes das famlias dos sumos sacerdotes e o presidente da assemblia. As mais importantescausas eram trazidas diante deste tribunal, uma vez que os governadores romanos da Judia tinham entregue aoSindrio o poder de julgar tais causas e tambm de pronunciar sentena de morte, com a limitao de que umasentena capital anunciada pelo Sindrio no era vlida a menos que fosse confirmada pelo procurador romano(Definio provida pelo dicionrio de Young, como contido na Bblia Online, Mdulo Avanado. Sociedade Bblica doBrasil).8 So ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; em aoites, mais doque eles; em prises, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes. Recebi dos judeus cinco quarentenas deaoites menos um. Trs vezes fui aoitado com varas, uma vez fui apedrejado, trs vezes sofri naufrgio, uma noitee um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigosdos da minha nao, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar,em perigos entre os falsos irmos; em trabalhos e fadiga, em viglias muitas vezes, em fome e sede, em jejummuitas vezes, em frio e nudez. Alm das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas.Quem enfraquece, que eu tambm no enfraquea? Quem se escandaliza, que eu me no abrase? (2Co 11.23-29).9 Vasconcelos Y. O homem que inventou Cristo. Revista SuperInteressante, ed. no 195, dez/2003. Editora Abril, p.61.10 Ibid.11 Ibid.12 Ibid.