Paulo Barros, um exímio contista

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Um exímio contista Por César Oliveira* "Este é um livro saboroso e de leitura amena. Paulo Tarso Barros, exímio manejador das letras, desde os 13 anos começou a exercitar-se na bela e difícil arte de escrever. Por isso, sua obra é uma notável contribuição à Literatura. No caso específico de O benzedor de espingarda, ele traça alguns aspectos pitorescos das pessoas que vivem nas pequenas cidades do interior do Brasil, onde sobrevivem múltiplos exemplos da presença do fantástico, do místico e do folclórico". Cláudio Cezar Queiroz (sobre o livro O benzedor de espingarda) Lembro-me ainda, com acentuada nitidez, daquela manhã ensolarada em que um amigo me trouxe um livro, com o nome de "O benzedor de espingarda", e afirmou ser de leitura empolgante, divertida e inesquecível. Eu, já me acostumando na leitura dos clássicos nacionais, tais como Aluízio Azevedo, Gonçalves Dias, Drummond de Andrade, Olavo Bilac, Lima Barreto e Machado de Assis, via esses autores de forma tão inacessíveis e procedentes de um universo tão distante do nosso que imaginava mesmo ser impossível um conterrâneo meu, natural de Vitória do Mearim, ser capaz de empreender semelhante e tão majestosa obra literária, repleta de uma natureza simples e ao mesmo tempo erudita, em uma mistura agradável de humor, ficção e descrição precisa da realidade. Esse peculiar talento, sem dúvidas, pertence àqueles que brilham alto no palco da literatura nacional, como os escritores citados acima. E tão maravilhosamente surpreendido fiquei quando, ao degustar as primeiras páginas do livro, encontrei-me com alguns dos mais divertidos e empolgantes contos de cunho regionalista que já li. Paulo Barros, o autor do aludido livro, realmente me provou que talento literário é um dom disseminado por DEUS às mais diversas pessoas e presente nos mais diferentes locais. É um dom democrático em sua essência. Mas, para que o mesmo venha à tona, transparecendo em forma de contos, romances, novelas e poesias de alto valor artístico, é necessário também dedicação e amor à arte como instrumento de revelação do Belo universal. E se comecei esse artigo afirmando o talento proporcional entre Paulo Barros e grandes nomes da literatura nacional, então trago aqui a essas linhas a prova de que a minha afirmação é verídica e provável. Para tanto, descreverei adiante a semelhança entre a obra do vitoriense e a do grande escritor Graciliano Ramos, e mostrarei os pontos em comum entre os empolgantes e divertidíssimos contos daquele e os imortais e belos contos

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  1. 1. Um exmio contista Por Csar Oliveira* "Este um livro saboroso e de leitura amena. Paulo Tarso Barros, exmio manejador das letras, desde os 13 anos comeou a exercitar-se na bela e difcil arte de escrever. Por isso, sua obra uma notvel contribuio Literatura. No caso especfico de O benzedor de espingarda, ele traa alguns aspectos pitorescos das pessoas que vivem nas pequenas cidades do interior do Brasil, onde sobrevivem mltiplos exemplos da presena do fantstico, do mstico e do folclrico". Cludio Cezar Queiroz (sobre o livro O benzedor de espingarda)Lembro-me ainda, com acentuada nitidez, daquela manh ensolarada em que um amigo me trouxe um livro, com o nome de "O benzedor de espingarda", e afirmou ser de leitura empolgante, divertida e inesquecvel. Eu, j me acostumando na leitura dos clssicos nacionais, tais como Aluzio Azevedo, Gonalves Dias, Drummond de Andrade, Olavo Bilac, Lima Barreto e Machado de Assis, via esses autores de forma to inacessveis e procedentes de um universo to distante do nosso que imaginava mesmo ser impossvel um conterrneo meu, natural de Vitria do Mearim, ser capaz de empreender semelhante e to majestosa obra literria, repleta de uma natureza simples e ao mesmo tempo erudita, em uma mistura agradvel de humor, fico e descrio precisa da realidade. Esse peculiar talento, sem dvidas, pertence queles que brilham alto no palco da literatura nacional, como os escritores citados acima. E to maravilhosamente surpreendido fiquei quando, ao degustar as primeiras pginas do livro, encontrei-me com alguns dos mais divertidos e empolgantes contos de cunho regionalista que j li. Paulo Barros, o autor do aludido livro, realmente me provou que talento literrio um dom disseminado por DEUS s mais diversas pessoas e presente nos mais diferentes locais. um dom democrtico em sua essncia. Mas, para que o mesmo venha tona, transparecendo em forma de contos, romances, novelas e poesias de alto valor artstico, necessrio tambm dedicao e amor arte como instrumento de revelao do Belo universal. E se comecei esse artigo afirmando o talento proporcional entre Paulo Barros e grandes nomes da literatura nacional, ento trago aqui a essas linhas a prova de que a minha afirmao verdica e provvel. Para tanto, descreverei adiante a semelhana entre a obra do vitoriense e a do grande escritor Graciliano Ramos, e mostrarei os pontos em comum entre os empolgantes e divertidssimos contos daquele e os imortais e belos contos
  2. 2. deste. Compararei as aventuras de Maneco e sua turma, presentes no livro "O benzedor de espingarda" com as de Alexandre, que constam no consagrado livro "Alexandre e outros heris", do mestre alagoano. Criar um personagem um exerccio de imaginao imensa, e tanto maior esse exerccio quanto melhor a performance do personagem. Dessa forma, Maneco e Alexandre so duas criaturas que revelam em si a imensa capacidade literria dos seus criadores. Para que o leitor seja trazido ao entendimento de ambos, preciso descrever ao menos parte das caractersticas dos mesmos. Maneco, de Paulo Barros, e Alexandre, de Graciliano Ramos, possuem semelhanas ntidas, e apesar deste ltimo ser mais antigo, de forma alguma podemos inferir que serviu de modelo para o contista vitoriense nos brindar com o seu mais famoso personagem, pela simples razo de que Alexandre um personagem fictcio, enquanto Maneco foi de carne e osso, que andou por entre as ruas e viveu na pequena cidade de Vitria do Mearim, tendo uma vida to repleta de aventuras que serviu de inspirao ao escritor conterrneo. A semelhana entre ambos fica somente nas aventuras literrias e na personalidade peculiar: notveis contadores de histrias e repletos de autoglorificao: Maneco faz pose de valente ("eu t nesta idade, mas quem dormir na minha casa fica sabendo que a ona nunca perde a pinta"), e Alexandre a de milionrio ("meu pai, homem de boa famlia, possua fortuna grossa. A nossa fazenda ia de ribeira a ribeira, o gado no tinha conta e dinheiro l em casa... bas com moeda de ouro"). Descrito um pouco sobre eles, vamos ento anlise das brilhantes obras j mencionadas. Agora, amigo leitor, voc conhecer um pouco sobre as histrias de Mo-de-Paca, Bidico, Rosa Bobagem, Joo Damasceno e Feio-de-Ona, nas aventuras de Maneco; assim como o do cego Firmino, Das Dores, Mestre Gaudncio, Seu Librio e Cesaria, nas histrias fantsticas de Alexandre. Da mesma forma como procedi em relao ao artigo sobre Arimatea Coelho, outro conterrneo, comparando trs contos dele com outros trs de Machado de Assis, em "Arimatea Coelho e Machado de Assis, dois mestres do conto e trs narrativas excepcionais" (publicado na edio 41 da Folha da AVL): de tal maneira farei este presente artigo de anlise e exposio da maravilhosa obra de Paulo Tarso Barros: comparando parte da obra contista de ambos os autores, mostrando assim o talento semelhante que possuem. Em um dos contos, e que d nome ao livro, Joo Damasceno, militar e bbado contumaz, se viu possuidor de uma nova aptido: a de benzedor de espingarda. Tal episdio se deu em uma viagem ao interior, de cunho poltico e comercial, em que, ao ver a tristeza e as reclamaes de Z Ovos, queixando-se este de um veado que lhe arruinava as plantaes, decidiu por benzer a espingarda do amigo agricultor. Logo aps o tal
  3. 3. benzimento, sobre os olhos curiosos dos moradores locais, to grande foi a surpresa ao anoitecer, quando a arma, em armadilha preparada, acertou o veado e o matou. Damasceno, que apenas desejava com a ideia dar uma esperana ao amigo entristecido pelos prejuzos causados pelo animal, acabou por tornar-se uma lenda, e alguns dias depois muitos lhe apareciam na expectativa de terem, igualmente, a sua espingarda benzida e os seus problemas solucionados... Em sentido parecido, a absurda histria de Alexandre sobre a sua espingarda que "junta o chumbo", com a qual matou duas araras, com um s tiro, que voavam a longa distncia uma da outra, como tambm matou um veado que se encontrava a dezessete lguas... Uma espingarda benzida e outra com o poder de uma metralhadora, e duas "histrias pra boi dormir" ("cock-and-bull story"): a diverso, ao ler ambas, certa e garantida. Dentre os contos mais interessantes e visivelmente engraados presente nos livros aqui j citados, esto "a histria de um bode" - em que Alexandre relata aos seus amigos a existncia de um antigo bode que possura, que era do tamanho de um cavalo e que saltava por cima das rvores, alm da incrvel faanha de cortar a cabea de uma ona com um faco - e "Joo Marrequeiro" - onde este destemido caador pugnou contra uma cangapara de 3 metros de comprimento e 1 de altura, tirando-lhe, aps intensa luta, a sua carapaa, como tambm foi, aps ter sido encantado por ela, engolido por uma enorme cobra. Logo aps 4 dias de muito desespero, medo e fome, ele, lembrando-se que dispunha de um saquinho cheio de fumo bem forte e um canivete afiadssimo, "pegou o canivete e fez um corte no bucho da cobra, que dormia e no percebeu a fuga de Marrequeiro, que deixou para trs uma enorme serpente desmoralizada e de barriga rasgada". As duas histrias - ainda me lembro da primeira leitura - produzem incontveis risos em razo do absurdo enredo que as compem e da forma como so contadas, parecendo reais, quando so duas autoglorificaes desproporcionais e descaradas. Se entre os contos do mestre Graciliano podemos encontrar outros clssicos como "O olho torto de Alexandre" (em que este teve o olho espetado por um espinho), "Um missionrio" (histria de um papagaio que era jurista e pregador) e "Uma canoa furada" (em que Alexandre impede a canoa de afundar fazendo um outro buraco nela, situao em que a gua que entreva por um saa pelo outro), Paulo Barros tambm nos presenteou com clssicos, tais como "Maneco e o sistema poltico" (em que o velho destemido revela as artimanhas e corrupes da poltica local), "Um homem livre e sua utopia" (histria na qual o mecnico Lus Franco empreende a ideia de criar um motor que pudesse funcionar tendo como combustvel a prpria gua) e a lindssima, monumental e cativante narrativa de "O guarda municipal e a priso de Feio-de-Ona" (que narra sobre o velho oficial da guarda
  4. 4. militar, Damasceno - que possua uma inteligncia e sagacidade, aliadas a um vastssimo conhecimento sobre psicologia - que se fingiu de vendedor ambulante para ganhar a confiana do perigoso bandido e fazer-lhe uma armadilha que culminou na sua priso). Aps ler e reler o livro "O benzedor de espingarda" e outras obras suas, entre as quais belssimas poesias, veio-me a certeza que a minha pequena cidade, aparentemente to insignificante no vasto mundo da literatura nacional e mundial, tambm legou ao mundo obras literrias deveras de grande valor. E Paulo Tarso Barros, com seu talento peculiar de contista e poeta, um dos escritores j renomados entre os filhos dessa terra. E, logo depois, tomei conhecimento que grandes gnios literrios procederam de pequenas cidades brasileiras, tais como Drummond de Andrade, Gonalves Dias e, entre tantos outros, o prprio Graciliano Ramos, natural de Quebrangulo, pequena cidade do interior de Alagoas. Paulo Barros, assim como Arimatea Coelho, Agnor Lincoln, Washington Cantanhde, Trajano Galvo, Ribamar Galiza e outros, a prova de que uma pequena cidade, existente no interior do Maranho, pode legar ao mundo um homem cujo talento uma juno de simplicidade e graciosidade constante, em que se resumem a erudio e a inspirao com as quais nos vem presenteando com alguns contos que, certamente, podem figurar entre os maiores clssicos da literatura nacional.*Csar Oliveira autor de Salmos evanglicos, artigos literrios, jurdicos e filosficos.