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Leonardo de Medeiros Garcia Coordenador da Coleção Paula Sarno Braga Professora de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Faculdade Baiana de Direito e da Universidade Salvador (UNIFACS). Professora e Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Processual Civil (JusPODIVM). Especialista em Direito Processual Civil (FJA/JusPODIVM). Mestre e Doutoranda (UFBA). Advogada. [email protected] DIREITO PROCESSUAL CIVIL DIREITO PROCESSUAL CIVIL COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS TEORIA GERAL DO PROCESSO CIVIL 3ª edição 2014

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Leonardo de Medeiros GarciaCoordenador da ColeçãoPaula Sarno BragaProfessora de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Faculdade Baiana de Direito e da Universidade Salvador (UNIFACS). Professora e Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Processual Civil (JusPODIVM). Especialista em Direito Processual Civil (FJA/JusPODIVM). Mestre e Doutoranda (UFBA). Advogada.

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DIREITOPROCESSUAL

CIVIL

DIREITOPROCESSUAL

CIVIL

C O L E Ç Ã O S I N O P S E SP A R A C O N C U R S O S

TEORIA GERAL DO PROCESSO CIVIL

3ª edição2014

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C a p í t u l o v

AçãoSumário • 1. Evolução do conceito de ação. Prin-cipais teorias: 1.1. Teoria Imanentista (Civilista ou Clássica); 1.2. Teorias autonomistas: 1.2.1. Teoria do direito concreto de agir; 1.2.2. Teoria do direito abstrato de agir; 1.3. Teoria Eclética; 1.4. Teoria da asserção; 1.5. Quadro sintético – 2. Ação abstrata e concreta. Demanda – 3. Elementos da demanda: 3.1. Noções iniciais; 3.2. Parte; 3.3. Pedido: 3.3.1. Pedido imediato e mediato. As modalidades de tutela jurisdicional; 3.3.2. Importância; 3.4. Causa de pedir: 3.4.1. Conceito. Teoria adotada; 3.4.2. Subdivisão. Causa de pedir próxima e remota – 4. Condições da ação: 4.1. Noções iniciais; 4.2. Possi-bilidade jurídica; 4.3. Interesse de agir; 4.4. Legiti-midade ad causam.

1. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE AÇÃO. PRINCIPAIS TEORIAS

O conceito de ação é tema polêmico e sem consenso doutrinário. Há inúmeras teorias, muitas delas superadas e que, hoje, possuem valor meramente histórico.

Em uma evolução sintética, originariamente, parte-se de um conceito de ação que se confunde com o direito material.

Ação = Direito

Gradativamente, caminha-se para o extremo oposto, quando se defende a autonomia da ação, já desvinculada do direito material – identifi cando-se, nela, um “direito subjetivo processual” (ARAGÃO, 2002, p. 09).

Ação ≠ Direito

Para, enfi m, chegar-se a um meio-termo em que se reconhece que ação e direito são noções distintas, mas estão vinculadas entre

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PAULA SARNO BRAGA

si, afi nal, o direito é exercido através da ação e a ação tem por con-teúdo o direito.

Ação ↔ Direito

Em uma evolução analítica, interessante fazer breve exposição das principais teorias que marcaram o desenvolvimento histórico do conceito de ação.

1.1. Teoria Imanentista (Civilista ou Clássica)

É a visão primitiva da ação.

Identifi ca-se a ação com o direito subjetivo material. A ação é considerada o próprio direito material depois de violado, reagindo à violação, em movimento, já em sua “fase ativa e agressiva” (ARA-GÃO, 2002, p. 09), em estado de guerra e não mais em estado de paz.

A ação é tida, enfi m, como “mera variante, suplemento, anexo, acessório, função, elemento integrante, aspecto ou momento do direito material” (FREIRE, 2001, p. 47).

Por exemplo, se o credor levasse o seu direito de crédito violado a juízo, o que se via, aí, era o próprio direito de crédito reagindo à sua violação, em movimento, e, não, um direito autônomo de acionar o Judiciário para sobre ele obter uma prestação jurisdicional.

Logo, não há ação sem direito, nem direito sem ação. E a ação segue a natureza do direito (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2009, p. 268).

Formou-se, assim, a teoria civilista do direito de ação, consoli-dada com Savigny, e seguida pela generalidade dos juristas até mea-dos do século XIX.

Como esse assunto foi cobrado em concurso?No Concurso Público para provimento no cargo de Promotor de Justiça – MPEAL – de 2012, foi cobrada a seguinte questão:

No que concerne à natureza jurídica da ação, as afi rma tivas de que "não há ação sem direito", "não há direito sem ação" e de que "a ação segue a natureza do direito" são consequências do conceito formulado pela teoria

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AÇÃO

a) do direito subjetivo instrumental.

b) do direito autônomo e concreto.

c) do direito autônomo e abstrato.

d) clássica ou imanentista.

e) do direito de fazer agir o Estado e não do direito de agir.

Nos termos do gabarito ofi cial, a resposta certa é a constante na letra “e”.

Mas ainda há resquícios seus em nosso ordenamento. Deu ori-gem ao art. 75 do CC/1916 (“a todo direito corresponde a uma ação que o assegura”) e ainda se refl ete, de certa forma, no CC/2002, como se extrai dos arts. 80, I, 83, II e III, dentre outros.

Mas a teoria não tardou a ser criticada, sobretudo por não expli-car a ação improcedente, que nega o direito – afi nal seria um caso de ação sem direito ou como não se reconheceu o direito não teria havido ação? (ASSIS, 2002, p. 56). E, na mesma linha de raciocínio, por não explicar a ação declaratória negativa procedente (negativa do direito).

Essa teoria imanentista começou a ser superada com a famosa polêmica Windscheid x Mütter, ocorrida em meados do século XIX, sobre a correta compreensão da actio romana:

i. para Windscheid a actio romana era a pretensão material diri-gida contra o réu. Defendia que o direito material faz nascer uma propensão do seu titular de fazer prevalecer o interesse próprio, sujeitando o interesse alheio, que é a chamada preten-são (Anspruch);

ii. para Mütter a actio romana era o direito público de demandar dirigido contra o Estado (Klagerecht);

iii. Windscheid não abre mão de sua tese (actio romana = pre-tensão), mas não nega mais a existência de direito público de demandar contra Estado.

E, ao fi m, a única conclusão possível é que os autores chegam a uma distinção entre a pretensão material (Anspruch) e o direito de ação (Klagerecht), sendo este último o direito de provocar exercício de jurisdição.

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Como esse assunto foi cobrado em concurso?No concurso para provimento no cargo de promotor público – SC/ 2010 –MPE – SC, é reconhecida a superação das teorias que vinculam a exis-tência do direito de ação à existência do direito material, tomando-se como incorreta a assertiva de que: “A não demonstração do direito substancial invocado para a movimentação da máquina judicial culmina na ausência do direito de ação, porquanto interdependem o direito subjetivo substancial e o direito subjetivo processual”.

1.2. Teorias autonomistas

Foi assim que, a partir de meados do século XIX, começaram a surgir teorias defendendo a autonomia do direito de ação em relação ao direito material, reconhecendo, a princípio, seu caráter de direito público e subjetivo (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2009, p. 268).

Mas tais teorias acabaram se bifurcando em duas visões antagô-nicas: a concretista e a abstrativista.

1.2.1. Teoria do direito concreto de agir

A teoria do direito concreto de ação foi concebida por Adolf Wach, na Alemanha, e seguida por nomes como Goldschimidt, Hellwig, Pohle, Chiovenda e, no Brasil, José Inácio Botelho de Mesquita. Trata--se de teoria, hoje, praticamente descartada, sendo raros os auto-res que a defendem em sua forma pura, mais ainda é relevante para compreensão da visão atual da ação.

Foi pioneira na idéia do direito de ação como um direito autô-nomo, defi nindo-o como o direito subjetivo a uma sentença favorá-vel do Estado, estando a parte adversária sujeita a isso. Seria direito dirigido não só contra o Estado (do qual se exige prestação favorá-vel) como também contra o adversário (do qual se exige sujeição).

Entretanto, o direito de ação só existiria quando a sentença fosse favorável e, pois, o direito material fosse reconhecido. Assim, a ação seria direito público, autônomo (relativamente, ao menos), porém concreto, por só existir quando existisse o direito material (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2009, p. 269).

Naturalmente, a teoria foi alvo de duas grandes críticas, quais sejam:

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AÇÃO

i) não explica a hipótese de sentença desfavorável (que nega direito material), furtando-se em esclarecer se, aí, não teria havido ação, nem processo (ASSIS, 2002, p. 58-60). Isto é, “se a ação é um direito autônomo, como afi rmar que o autor não possui este direito diante de uma sentença que conclui pela não existência do direito material afi rmado pelo autor em juízo? E como explicar os atos praticados até a sentença que julgou improcedente o pedido do autor?” (FREIRE, 2001, p.50);

ii) além disso, segundo Chiovenda, seria duvidosa e inexata a idéia de que o sujeito passivo deste direito seja o Estado. Se aceita a premissa de que o sujeito passivo é o Estado, sustenta, impõe-se a conclusão de que não se trata de um direito à sentença favo-rável, mas, sim, à sentença pura e simples, favorável ou desfavo-rável. Assim, para o autor, ação não se trata de um direito cujo sujeito passivo seja o Estado (cf. ASSIS, Araken, 2002, p. 59 e 60).

Essa foi a dissidência doutrinária que deu origem à chamada teoria do direito potestativo de agir concebida por Giuseppe Chio-venda, que defende que a ação seria um direito potestativo cujo sujeito passivo é o réu, que estaria em estado de simples sujeição à sentença favorável, e à atuação da vontade concreta da lei (cf. CHIO-VENDA, V. I, 1969, p. 24; ASSIS, Araken, 2002, p. 59 e 60).

Como esse assunto foi cobrado em concurso?Na prova III Concurso para provimento do Cargo de Juiz Substituto do TRF3, exigiu-se que o concursando soubesse que a teoria da ação como direito potestativo é creditada a Giuseppe Chiovenda – e, não, à Adolf Wach, Carnelluti ou Calamandrei.Além disso, no Concurso Público para Juiz Federal do TRF/4ª Região de Janeiro/2008, mais uma vez, exige-se que o candidato saiba que: “Atri-bui-se a Chiovenda a primazia de ter afi rmado, na Itália, a autonomia da ação, enquanto direito potestativo conferido ao autor, de obter, em face do adversário, uma atuação concreta da lei”.No Concurso Público para provimento no cargo de Procurador da Fazenda Nacional de 2012, foi cobrada a seguinte questão:“O direito de ação sempre foi um dos mais polêmicos temas da ciência processual, proliferando-se, ao longo da história, inúmeras teorias para explicá-lo. Sua importância se destaca, em especial, pois corresponde a um iniludível ponto de contato entre a relação jurídica material e a relação jurídica processual, sobretudo quando analisado sob a ótica do

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ato que dá início ao processo e delimita seu objeto litigioso. No Brasil, o direito positivo sofreu nítida infl uência da doutrina de Enrico Tullio Lie-bman, que, com sua teoria eclética da ação, propôs a categoria das con-dições da ação, alocadas entre os pressupostos processuais e o mérito da demanda. Sobre o tema, identifi que a opção correta.a) O direito de ação pode ser atualmente identifi ca do como um direito

público subjetivo, abstrato, autônomo da relação jurídica material, cuja exis tência dependerá da procedência da demanda proposta em juízo.

b) Friedrich Carl Von Savigny, notável jurista alemão que se dedicou ao estudo profundo do direito romano, é citado pela doutrina como um adepto da teoria abstrativista, em decorrência da concepção de que se opera uma metamorfose no direito material quando lesado, transformando- se, assim, na actio.

c) É da famosa polêmica entre Windscheid e Muther que percebemos signifi cativo avanço na ciência processual. Associou-se a ideia da actio romana com a da pretensão de direito material, o que defi niu a autonomia entre o direito material e o direito de ação, consubstan-ciando, assim, defi nitiva passagem da teoria concreta para a teoria abstrata da ação.

d) Enrico Tullio Liebman propôs a categoria das condições da ação, afi rmando que, se não fossem preenchidas as três condições ini-cialmente formuladas, o autor seria carecedor do direito de ação. Para Liebman, essa ideia deveria ser interpretada à luz da teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação são examinadas a partir das alegações do autor (in status assertionem). Caso fosse necessária a dilação probatória para aferir a presença das condi-ções da ação, estaríamos diante de um julgamento de mérito e não mais de pura carência de ação.

e) Um dos maiores expoentes da teoria do direito concreto de agir foi Adolf Wach, desenvolvendo suas ideias a partir da teorização da ação declaratória. Para nosso autor, o direito de ação efetivamente é autônomo em relação ao direito material, porém só existirá se a sentença ao fi nal for de procedência”.

Nos termos do gabarito ofi cial, a resposta certa é a constante na letra “e”.

1.2.2. Teoria do direito abstrato de agirSurge, em posição diametralmente oposta, a teoria do direito

abstrato de ação, concebida por Heinrich Degenkolb em 1877 (ale-mão) e Alexander Plósz (húngaro) e perfi lhada por autores como Alfredo Rocco e Kohler.

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AÇÃO

A ação, aqui, é vista como um direito público, subjetivo e abs-trato a um pronunciamento do Estado-juiz, por uma sentença favo-rável ou desfavorável. Assim, pouco importa se existe ou não, in concreto, o direito material.

Seria direito conferido a todos (sujeito ativo), indiscriminada-mente (universal e genérico), e dirigido somente contra o Estado (sujeito passivo) a quem incumbe prestar o serviço jurisdicional, proferindo uma decisão judicial qualquer, independente do seu con-teúdo.

A teoria é seguida, com variação de fundamentos, pela maior parte dos estudiosos contemporâneos do processo, com um ou outro desvio do que foi dito por Plósz e Degenkolb.

Nesse contexto, observa-se que, para muitos dos seus defen-sores, o direito de ação é incondicionado, não se admitindo a exis-tência de nenhum requisito para sua existência – senão, na pior das hipóteses, requisitos para seu exercício.

Rejeitam, assim, a idéia do direito de ação como direito ao jul-gamento do mérito, condicionado à presença de requisitos, no caso, as chamadas condições da ação (legitimidade, interesse e possibili-dade). Consideram, inclusive, que o seu preenchimento (das condi-ções da ação) seria aferido, em concreto, à luz do direito material em jogo – o que se afasta do abstrativismo propugnado para a ação –, por pressupor que se verifi que:

i. se a parte é titular do direto material ou tem poder para defendê--lo (exigência de legitimidade);

ii. se é necessária e útil a tutela do direito material (exigência de interesse);

iii. se é juridicamente possível a pretendida tutela do direito mate-rial (exigência de possibilidade jurídica).

Não reconhecem as condições da ação, muito menos que sua ausência conduz ao fenômeno da “carência de ação” e conseqüente extinção do processo sem exame do mérito. As condições da ação, dizem, confundem-se com o mérito, por já haver, na sua aferição, de alguma forma, análise da própria pretensão de tutela do direito material (sua titularidade, necessidade, utilidade e possibilidade). E

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a carência de ação confunde-se, pois, com a improcedência da ação, conduzindo à extinção do processo com exame do mérito.

E esse entendimento gera repercussões de duas ordens:

i. teórica, pois se considera inexplicável o fenômeno que teria ocorrido no caso da chamada carência de ação. Se o autor é carecedor de ação e não houve julgamento de mérito, não teria havido ação? Não teria havido processo? E o que teria ocorrido até o momento da prolação da sentença?

ii. prática, pois se a sentença de carência de ação (em verdade, improcedência macroscópica da ação) é de mérito, e não está mais sujeita a recurso, tem aptidão para fazer coisa julgada material, na forma dos art. 467 e 468, CPC, impedindo a repropo-situra da mesma demanda (cf. SILVA; GOMES, 1997, p. 117, 118, 125 e 129; PASSOS, 1960, p. 67-69; MARINONI, 2006, p. 181; DIDIER, 2011, P. 204; MITIDIERO, 2005, p. 109).

A par dessas teorias, aos poucos foram surgindo posições inter-mediárias, a exemplo da teoria eclética e da asserção.

1.3. Teoria Eclética

É usual a lição de que a teoria eclética é a própria teoria abstra-tivista, embora com o “tempero” que lhe foi ministrado pelo Enrico Tullio Liebman (ARAGÃO, 2002, p. 10-12). Mas, na verdade, essa nomen-clatura se deve ao fato de ser uma tentativa de conjugar, conformar, as teorias concreta e abstrata, chegando-se a um meio-termo (MITI-DIERO, 2005, p. 104). E Alfredo Buzaid, ao elaborar o Código de Pro-cesso Civil de 1973, optou por adotar esta terceira teoria (art. 3.º e 267, VI, CPC), que seria a síntese de um exercício dialético em torno das duas (autonomistas) anteriores.

Atenção!O Projeto do NCPC (n.º 8046/2010), art. 3.°, parece adotar teoria abs-trata da ação, mas o art. 472, mantém o temperamento da teoria eclé-tica, excluindo, contudo, do rol de condições da ação a possibilidade jurídica, nos seguintes termos:

“Art. 3.º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submeti-dos à solução arbitral, na forma da lei”.

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AÇÃO

“Art. 472. O juiz proferirá sentença sem resolução de mérito quando: (...)VI – o juiz verifi car ausência de legitimidade ou de interesse pro-cessual”.

Para a teoria eclética de Liebman, o direito de ação é consi-derado autônomo e independente, mas não universal (genérico) e incondicionado. Isso porque só é considerado seu titular o autor que, em concreto, tem direito a um julgamento de mérito, o que só ocorrerá se preenchidas as chamadas condições da ação (legitimi-dade, interesse e possibilidade).

Seus adeptos sustentam que o direito de ação é o direito a uma prestação jurisdicional do Estado com um provimento sobre o mérito. É direito ao julgamento do mérito da causa, de forma favo-rável ou desfavorável. Daí dizer-se que o direito de ação não pres-supõe a existência do direito material (autonomia), mas, isso sim, do preenchimento de dados requisitos (condições da ação), que tornam possível o julgamento, em concreto, do mérito.

As condições da ação não se confundiriam, portanto, com o mérito, sendo estranhas e preliminares a ele – requisitos de admis-sibilidade do seu exame, diz-se. Assim, ausente uma condição da ação, seria caso de carência de ação e extinção do processo sem exame do mérito, decisão esta que, por não ser de mérito, não faz coisa julgada material, e, a teor do art. 268, CPC, não impediria a repropositura da mesma demanda.

Atenção!A Corte Especial do STJ considerou inadmissível a repropositura de demanda extinta por carência de ação (ilegitimidade), sem que se cor-rija o equívoco, preenchendo-se a condição da ação faltante (STJ, Corte Especial, Embargos de Divergência em REsp n.º 160.850-SP, rel. p/ acór-dão Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 03.02.2003, publicado no DPJ 29.09.2003; também assim, REsp n.º 103.584-SP, 4.ª T, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 05.06.2001, DJ 13.08.2001 e REsp n.º 45.935-SP, 3.ª T, rel. Min. Nilson Naves, j. 04.10.1994, DJ 31.10.1994, por exemplo).Mas a doutrina alerta que, para preencher a condição da ação ausente, é necessário alterar um dos elementos da ação, o que não é, exata-mente, repropor a mesma demanda. É propor nova demanda! (cf. FABRÍ-CIO, 2002, p. 393)

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A despeito da crítica, é o que se adota no Projeto de NCPC (n.º 8046/2010), art. 473, §1.°:

“§ 1º No caso de ilegitimidade ou falta de interesse processual, a propositura da nova ação depende da correção do vício”.

É dada tanta relevância à categoria das condições da ação, que são consideradas matéria de ordem pública (art. 267, §3.º, CPC), cujo preenchimento pode ser averiguado a qualquer tempo e grau de jurisdição.

Assim, é perfeitamente possível perda ou preenchimento superveniente de condição da ação. Segundo Liebman, “é sufi ciente que as condições da ação, eventualmente inexistentes no momento da propositura desta, sobrevenham no curso do processo e estejam presentes no momento em que a causa é decidida” (LIEBMAN, 2005, p. 204). Pelo mesmo motivo, seria indiferente que elas estivessem satisfeitas no momento da propositura da demanda se, no curso dela, vieram a faltar.

Atenção!Nesse sentido, encontram-se julgados do STJ admitindo perda ou pre-enchimento superveniente de condições da ação, como, por exemplo:i. “(...) Se a pretensão deduzida tinha por objeto a substituição de

membro eleito para o conselho fi scal, a expiração do mandato para o exercício do cargo, antes do julgamento da causa, acarreta a superveniente perda do interesse de agir”. (REsp n.º 471048-PR, 3.ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 04.08.2003).

ii. “Perda da condição de proprietário pelo locador. (...) Ilegitimidade ativa superveniente. Revogação da dação em pagamento por deci-são judicial, não constitui alienação de coisa litigiosa a título particu-lar. (...) Destituído da propriedade do imóvel, o ex-locador não podia permanecer na lide vindicando indenização que, a rigor, não lhe é devida”. (REsp n.º 10676-SP, 2.ª T, Rel. Min. Peçanha Martins, publicado no DPJ de 05.08.1996)

iii. Reconhecendo possibilidade jurídica superveniente, também se disse que: “A Lei nº 7.841/89 revogou, expressamente, o art. 358 do Código Civil, que vedava o pedido de investigação de paternidade pelo fi lho dito adulterino, com o que deu ensanchas a que fosse revisto o des-pacho que considerou, quando do ajuizamento da ação, não exis-tir possibilidade jurídica” (REsp n.º 257580– PR, 3.ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 29.05.2001, publicado no DPJ de 20.08.2001)

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AÇÃO

Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova do concurso público para provimento do Cargo de Juiz do TRT2, de 2009, considerou-se correta a afi rmativa de que “As condições da ação são consequentes e não antecedentes, ou seja, devem ser veri-fi cadas pelo juiz no momento em que a sentença será proferida. Assim, é possível, por exemplo, que o autor tivesse interesse de agir ao pro-por a ação e já não tenha mais quando do momento em que for julgada esta ação, quando, então, o juiz deverá extinguir o feito sem resolução do mérito”.

Afi rma-se, ainda no contexto dessa teoria, que o direito cons-titucional e incondicionado de ação (com sua extrema abstração e generalidade) não tem nenhuma relevância para o processo, sendo um simples pressuposto (mero direito de agir, peticionar) em que se baseia a ação concreta e exercida (MARINONI, 2006, p. 168 e 169; CIN-TRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2009, p. 271).

E mais, para Liebman, a ação seria um poder correlato com a sujeição estatal e instrumentalmente conexo com uma pretensão material; não seria um simples direito, por não haver dever do Estado correspondente, vez que Estado também teria interesse na solução do confl ito (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2009, p. 271).

Atenção!

Hoje não há quem discuta que a Constituição Federal, ao consagrar a inafastabilidade da jurisdição (art. 5.º, XXXV), confere a todos um direito fundamental, público, subjetivo, abstrato e incondicionado de exigir do Estado a prestação jurisdicional.

Ao lado da ação condicionada de Liebman, não há quem negue a ação abstrata, incondicionada e constitucional, que, para essa doutrina dominante, seria não um poder, mas um direito subjetivo a uma presta-ção jurisdicional. A confi guração de confl ito de interesse jamais poderá ser tida como essencial para a noção de obrigação do Estado de pres-tar a jurisdição. O obrigado pode ter o interesse em cumprir a obriga-ção e nem por isso fi cará dela isento.

Por isso, é comum falar-se em ação sob duas perspectivas: abstrata (incondicionada) e concreta/processual (condicionada), como adiante se verá.

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Como esse assunto foi cobrado em concurso?Na prova do concurso público para provimento do Cargo de Defensor da DPE/SP, de 2007 (FCC), foi cobrada questão sobre a visão eclética de Liebman, abaixo transcrita.

“Segundo Liebman, ‘somente poderemos falar em ação quando o pro-cesso terminar com um provimento sobre o caso concreto, ainda que desfavorável ao autor’. Essa asserção prende-se à qual teoria concei-tual do direito de ação?

a) Concretista relativa.

b) Instrumental da ação.

c) Abstrata pura.

d) Concretista do direito de ação.

e) Privatista do direito de ação”.

Considerando que teoria liebmaniana é usualmente considerada publi-cista e abstrata com temperamentos, foi considerada correta a letra b, tendo em vista ser a ação considerada um poder instrumentalmente conexo à pretensão material.

Por outro lado, considerando as críticas dos abstrativistas puros à teo-ria eclética, no Concurso para provimento no cargo de Técnico Judiciário do TRT5, de 2008, considerou–se correta a assertiva de que: “Segundo os postulados da teoria eclética (Liebmam), adotada pelo CPC brasileiro, o direito de ação não está vinculado a uma sentença favorável, mas tam-bém não está completamente independente do direito material”.

Na prova do concurso público para provimento do Cargo de Promotor de Justiça do MP/GO, de 2009, constou questão sobre a natureza do direito de ação, abaixo transcrita.

“Das teorias sobre a natureza jurídica da ação é correto afi rmar:

a) A teoria civilista de Savigny considera que o direito de ação tem autonomia em relação ao direito material.

b) A teoria do direito concreto (Bullow e Wach) não reconhece a auto-nomia do direito processual em relação ao direito material, de maneira que para a mesma tais direitos se identifi cam no exercita-mento da pretensão.

c) Para Enrico Tulio Liebman (teoria eclética), o direito de ação tem dois aspectos, o direito de demanda ou de acesso ou petição (incondicionado) e o direito de ação propriamente dito, que exige o preenchimento de condições a viabilizar o julgamento efetivo da pretensão deduzida.

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AÇÃO

d) A teoria do direito abstrato (Degenkolb e Plósz) preconiza que somente terá havido o exercício da ação se a tutela jurisdicional invocada for concedida”.

Pelo gabarito ofi cial, a resposta correta é a letra “c”, considerando a exposição das teorias mencionadas feita nesse item.

1.4. Teoria da asserção

Tendo em vista o acirramento de ânimos entre abstrativistas puros e ecléticos na forma como deve ser visto o direito de ação e o seu condicionamento legal pela exigência de legitimidade, possibi-lidade e interesse (arts. 3.º e 267, VI, CPC), mais recentemente, surgiu e tem se difundido uma teoria de espírito conformador: a chamada teoria da asserção (ou prospecção) (vide MARINONI, 2006, p. 181 e 182; CÂMARA, 2002, p. 127; STJ, REsp n.º 832.370-MG, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.08.2007, DJ 13.08.2007, e REsp n.º 265.300-MG, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, j. 21.09.2006, DJ 02.10.2006; STJ, REsp n. 1.157.383-RS, 3.ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.8.2012, publicado no DJe de 17.08.2012, dentre outros).

Preservando a opção legislativa, reconhecem as condições da ação como categoria estranha e preliminar ao mérito, diferenciando a carência da ação (extinção da ação sem exame do mérito) da improcedência da ação (extinção da ação com exame do mérito), tal como consta em lei.

Entretanto, enxergam as difi culdades doutrinárias existentes para extremar as condições da ação do mérito da causa, bem como a carência da improcedência, e explicar as repercussões práticas e teóricas dessa visão. Por conseguinte, propõem uma leitura diferen-ciada da lei, nos seguintes termos:

i. Se as condições da ação forem aferidas no início do processo, à luz das primeiras afi rmações do autor (in statu assertionis), em sua petição inicial, tomando-as como abstratamente verdadei-ras, devem enquadrar-se como matéria estranha ao mérito, e, uma vez ausentes, conduzir à carência de ação e extinção do processo sem exame do mérito. Insista-se que a aferição pro-

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PAULA SARNO BRAGA

posta é em abstrato, sob pena de reconduzir-se a uma visão con-cretista da ação.

ii. Se as condições da ação forem aferidas no curso do processo, sobretudo depois da produção de provas sobre o alegado, quando já investigada concretamente sua veracidade, devem enquadrar-se como matéria de mérito, e, uma vez ausentes, conduzir à improcedência de ação e extinção do processo com exame do mérito, por decisão agora apta a fazer coisa julgada.

O enquadramento da legitimidade, possibilidade e interesse como condição da ação ou como mérito é algo que depende, para todos, do modo como são aferidas (em abstrato ou em concreto) e do momento em que são aferidas (existência ou não de dilação probatória) e, para alguns, do grau de cognição do juiz (superfi -cial ou profundo). Para estes últimos, quando a cognição judicial é sumária e superfi cial, recaindo sobre o quanto afi rmado em tese pelo autor, enquadram-se como condições da ação; quando sua cognição é mais aprofundada, recaindo sobre afi rmações cuja veracidade já fora verifi cada mediante produção de provas, a análise já é de mérito (conferir visão crítica de DIDIER, 2011, p. 204).

Para seus adeptos, a teoria da asserção tem o valor de revelar a verdadeira função das condições da ação, enquanto matéria estra-nha ao mérito, que é rejeitar o exercício manifestamente infundado da ação, evitando-se atividade processual inútil, em franco prestígio ao princípio da economia processual.

Parece-nos, contudo, uma tentativa bem intencionada de pre-servar um instituto que não se sustenta. Independentemente de como e quando são analisadas, as condições se confundem com o mérito.

Como esse assunto foi cobrado em concurso?No concurso público para provimento no cargo de Juiz do Trabalho Substituto 1ª Região, de 2010 (CESPE), exigiu-se conhecimento das teo-rias da ação, em especial, da asserção, na questão a seguir:

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AÇÃO

“O réu de ação de cobrança alegou que não era devedor, pois não tinha com o autor relação de cunho negocial capaz de justifi car a demanda.

Ao analisar a defesa, o juiz afastou a preliminar sob o argumento de que, conforme narrativa do autor, era possível entender que o réu fosse, em tese, devedor. Além disso, o juiz considerou que o exame detido do tema demandava dilação probatória e que, portanto, seria atinente ao mérito. Com base na situação descrita, é correto afi rmar que o juiz aplicou a teoria

a) abstrata da ação.

b) do direito potestativo de agir.

c) concreta da ação.

d) imanentista.

e) da asserção”.

Foi considerada correta a letra “e”.

No Concurso Público para provimento no cargo de Procurador da Fazenda Nacional de 2012 (ESAF), constou a questão abaixo.

O direito de ação sempre foi um dos mais polêmicos temas da ciên-cia processual, proliferando-se, ao longo da história, inúmeras teo-rias para explicá-lo. Sua importância se destaca, em especial, pois corresponde a um iniludível ponto de contato entre a relação jurí-dica material e a relação jurídica processual, sobretudo quando ana-lisado sob a ótica do ato que dá início ao processo e delimita seu objeto litigioso. No Brasil, o direito positivo sofreu nítida infl uência da doutrina de Enrico Tullio Liebman, que, com sua teoria eclética da ação, propôs a categoria das condições da ação, alocadas entre os pressupostos processuais e o mérito da demanda. Sobre o tema, identifi que a opção correta.

a) O direito de ação pode ser atualmente identifi ca do como um direito público subjetivo, abstrato, autônomo da relação jurídica material, cuja exis tência dependerá da procedência da demanda proposta em juízo.

b) Friedrich Carl Von Savigny, notável jurista alemão que se dedicou ao estudo profundo do direito romano, é citado pela doutrina como um adepto da teoria abstrativista, em decorrência da concepção de que se opera uma metamorfose no direito material quando lesado, transformando- se, assim, na actio.

c) É da famosa polêmica entre Windscheid e Muther que percebemos signifi cativo avanço na ciência processual. Associou-se a ideia da

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actio romana com a da pretensão de direito material, o que defi niu a autonomia entre o direito material e o direito de ação, consubstan-ciando, assim, defi nitiva passagem da teoria concreta para a teoria abstrata da ação.

d) Enrico TullioLiebman propôs a categoria das condições da ação, afi rmando que, se não fossem preenchidas as três condições ini-cialmente formuladas, o autor seria carecedor do direito de ação. Para Liebman, essa ideia deveria ser interpretada à luz da teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação são examinadas a partir das alegações do autor (in status assertionem). Caso fosse necessária a dilação probatória para aferir a presença das condi-ções da ação, estaríamos diante de um julgamento de mérito e não mais de pura carência de ação.

e) Um dos maiores expoentes da teoria do direito concreto de agir foi Adolf Wach, desenvolvendo suas ideias a partir da teorização da ação declaratória. Para nosso autor, o direito de ação efetivamente é autônomo em relação ao direito material, porém só existirá se a sentença ao fi nal for de procedência.

Segundo o gabarito ofi cial, a resposta correta consta na letra e.

Atenção!Há quem distinga:a) Teoria da Apresentação, segundo a qual se a ausência de condições

da ação for aferida no curso do processo (sobretudo depois da pro-dução de provas), a decisão do juiz deve ser de carência da ação. Defende-se que a presença das condições da ação deve ser demons-trada, inclusive com provas. Confunde-se com a Teoria Eclética e com o previsto em lei.

b) Teoria da Prospectação, segundo a qual se a ausência de condições da ação for aferida no curso do processo (sobretudo depois da pro-dução de provas), a decisão deve ser de mérito. Tem prevalecido, e é representada por grandes nomes como Marinoni e Bedaque, Kazuo Watanabe. (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2009, p. 279). Con-funde-se com a Teoria da Asserção.

1.5. Quadro sintético

Considerando as três últimas teorias, mais abordadas na atua-lidade, é possível fazer o seguinte quadro sintético de suas diver-gências:

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AÇÃO

Teoria abstrata Teoria eclética Teoria da asserção

Conceitode ação

Direito incondicionado a uma decisão

Direito condicio-nado a uma

decisão de mérito

Direito condicionado a uma decisão

de mérito

Condições da ação

Matéria de mérito

(para alguns)

Matéria estranhaao mérito

Depende: i) Se aferidas no início do

processo, matéria estra-nha ao mérito.

ii) Se no curso do processo, mérito.

Consequên-cia para

sua ausência

Improcedência da ação (extinção

com exame de mérito), para alguns

Carência de ação (extinção sem

exame de mérito)

Depende:i) Se aferidas no início do

processo, carência de ação.

ii) Se no curso do processo, improcedência da ação.

Imutabili-dade

Faz coisa julgada

(para alguns)

Não faz coisa julgada

Faz coisa julgada se dada, no curso

do processo, decisão de improcedência

2. AÇÃO ABSTRATA E CONCRETA. DEMANDA

É possível falar, em nosso ordenamento, na ação sob uma pers-pectiva abstrata e sob uma perspectiva concreta.

A ação abstratamente considerada é direito fundamental, autô-nomo, abstrato, público, subjetivo, incondicionado e universal (gené-rico), de provocar o exercício da jurisdição. A Constituição Federal, quando garante o acesso à justiça (inafastabilidade da jurisdição), no art. 5o, XXXV, assegura a todos esse direito de exigir do Estado uma prestação jurisdicional, em qualquer situação.

E a ação, enquanto direito, reveste-se de certa:

i) complexidade, por assegurar o exercício jurisdição, através de um processo devido (democrático, equilibrado, leal, efetivo, tempestivo, adequado) – não sendo, pois, garantia formal, mas, sim, qualifi cada; e