Patrimonio Geologico de Vila Velha de Rodao

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INVENTRIO DO PATRIMNIO GEOLGICO DO CONCELHO DE VILA VELHA DE RDO: CONTRIBUTO PARA A CARACTERIZAO DO GEOPARK NATURTEJO DA MESETA MERIDIONAL1 Inventory of the Geological Heritage from Vila Velha de Rdo municipality: contribution for the characterization of Geopark Naturtejo Meseta Meridional2Carlos Neto de Carvalho3,4, Joana Rodrigues3, Daniel Metodiev5

Palavras-chave: Vila Velha de Rdo, inventariao, patrimnio geolgico, conservao, (geo)turismo, Geopark Naturtejo Key words: Vila Velha de Rdo, inventory, geological heritage, conservation, (geo)tourism, Naturtejo GeoparkA fotografia refere-se s Portas do Rdo, recentemente classificadas como Monumento Natural devido sua excepcionalidade geomorfolgica, arqueolgico-mineira, botnica e faunstica, conferindo um potencial turstico abrangente a vrios nichos de mercado. 2 Photo refers to Portas do Rdo, recently protected as Natural Monument due to its geomorphological, archaeological-mining, botanic and faunal exceptionality, which confers tourism completeness for several market niches. 3 Gelogos, Geopark Naturtejo da Meseta Meridional Geoparque Europeu e Global da UNESCO. Gabinete de Geologia e Paleontologia, Centro Cultural Raiano. Avenida Joaquim Moro, 6060-101 Idanha-a-Nova. E-mail: [email protected]. 4 Associao de Estudos do Alto Tejo. 5 LNEG, Laboratrio Nacional de Energia e Geologia. Unidade de Geologia e Cartografia Geolgica. Apartado 7586, 2721-866 Alfragide, Lisboa. E-mail: [email protected]

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ResumoCom a recente classificao do Monumento Natural das Portas de Rdo e a eminente reviso do Plano Director Municipal de Vila Velha de Rdo, o inventrio do patrimnio geolgico do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional, em fase de enquadramento no Inventrio do Patrimnio Geolgico de Portugal, visto como uma ferramenta fundamental para o ordenamento do concelho de Vila Velha de Rdo. Os 25 locais e reas de interesse geolgico e mineiro so caracterizados, apresentando-se ainda propostas de proteco e valorizao individualmente. Algumas destas propostas tm aplicaes prticas no desenvolvimento de actividades educativas para a comunidade escolar de Vila Velha de Rdo e como factor de atraco do pblico escolar peninsular. O desenvolvimento de projectos tursticos fundamentados no patrimnio geolgico e arqueolgico (incluindo o mineiro), aqui reunidos, permitir uma diferenciao turstica sustentada ao nvel dos macronichos Turismo de Natureza e Touring Cultural.

AbstractWith the recent protection of the Portas de Rdo Natural Monument and in the scope of the revision of the Vila Velha de Rdo Master Plan, the inventory of the geological heritage of Geopark Naturtejo Meseta Meridional, able to be included in the Inventory of the Geological Heritage of Portugal, can be used as a fundamental tool for the management of Vila Velha de Rdo. 25 sites and areas of geological and mining importance are here presented, proposing also protection and valuing measures individually. Some of those proposals have practical applications for the development of educational activities for Vila Velha de Rdo school community and as attraction factor for school publics from all over Iberian Peninsula. The role of tourist projects based on the geological and archaeological (included mining) heritage here reunited might work for sustainable tourist differentiation in the macro niches Nature Tourism and Cultural Touring.

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and the river (Tagus), at that point, forcing its narrow, deep, and angry course, between lofty and precipitous banks, which rise into brown and barren mountains, forms a grand and imposing picture Moyle Sherer (incios do sc. XIX)

IntroduoO inventrio do patrimnio geolgico do concelho de Vila Velha de Rdo surge no mbito da inventariao do patrimnio geolgico do Geopark Naturtejo, actualmente em fase de finalizao. Segundo BRILHA (2005) urgente identificar os locais mais representativos de geodiversidade em Portugal, num momento em que a presso humana aumenta em grande escala. O conhecimento da geodiversidade de uma regio permite avaliar e planear quais as reas com maior e mais urgente necessidade de interveno, nomeadamente ao nvel da investigao, classificao, medidas de preparao para visitao e monitorizao ambiental/turstica (BRILHA, 2005). A identificao e seleco dos locais baseiam-se predominantemente na sua representatividade no mbito do territrio em que se encontram ou, ainda, nos valores excepcionais que lhes conferem carcter patrimonial escala local, regional, nacional, ibrica ou internacional. Para alm da indicao dos geosstios e da sua relevncia, o presente trabalho apresenta ainda propostas de proteco, de conservao e de valorizao turstica, numa ptica que permita a integrao do Inventrio do Patrimnio Geolgico do concelho de Vila Velha de Rdo na reviso do Plano Director Municipal e em prximos projectos de desenvolvimento local. De acordo com o Decreto-Lei de 142 de 2008 referente Conservao da Natureza, urge desenvolver-se a curto prazo um inventrio nacional de geosstios tendo em vista a sua conservao e proteco. Este inventrio est a ser construdo com recurso a categorias temticas (BRILHA et al., 2005) e ir incluir alguns dos mais relevantes geosstios de Vila Velha de Rdo. O concelho de Vila Velha de Rdo apresenta uma rea de 328 km2 e constitudo pelas freguesias de Vila Velha de Rdo, Fratel, Sarnadas do Rdo e Perais. A rea de estudo encontra-se abrangida pelas cartas topogrficas 1/25000, 291, 302, 303, 304, 314, 315 e 323. Este concelho situa-se em plena Meseta Meridional e desenvolve-se na bacia hidrogrfica do rio Tejo entre os rios Ocreza, a Norte e Oeste, o Rio Tejo a Sul e o Rio Ponsul a Este, sendo o relevo dominado pelas serras do Perdigo e das Talhadas, esta ltima atingindo 570 m de altitude no Penedo Gordo. Estas duas cristas quartzticas paralelas correspondem aos flancos principais do sinclinal complexo de Rdo (METODIEV & ROMO, 2008). A rede hidrogrfica, alm dos rios Tejo, Ocreza e Ponsul ainda constituda pela Ribeira do Aafal e de outras linhas de gua seus afluentes. O ponto de menor altitude localiza-se na confluncia do Rio Ocreza com o Rio Tejo, a cerca de 40 m de altitude. Vila Velha de Rdo integra o Geopark Naturtejo da Meseta Meridional pertencente, desde 2006, s Redes Europeia e Global de Geoparques, sob os auspcios da UNESCO (Fig. 1). Este territrio compreende ainda os municpios de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Nisa, Oleiros e Proena-a-Nova, numa rea de 4 616 km2, correspondendo a aproximadamente 5% da rea do pas. Trata-se de um projecto centrado no patrimnio geolgico enquanto promotor do desenvolvimento local (ZOUROS, 2004), cujos principais objectivos so a conservao, a educao, a valorizao scio-econmica e a diversificao turstica de ptica sustentvel. Para isso, estes territrios valem-se da sua geodiversidade excepcional mas tambm do restanteAAFA On Line, n 2 (2009) Associao de Estudos do Alto Tejo, www.altotejo.org

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patrimnio natural e histrico-cultural, suportados por um forte conhecimento cientfico. A grande inovao que o Geopark Naturtejo est a trazer ao territrio a explorao dos aspectos geolgicos presentes em toda a regio, que apesar de implcitos e integrantes na paisagem cultural, nem sempre foram valorizados, necessitando de medidas de conservao e permitindo a utilizao sustentvel e economicamente rentvel.

Castelo Branco

Vila Velha de Rdo10 km

Figura 1. Localizao do Geopark Naturtejo no territrio portugus, bem como do concelho de Vila Velha de Rdo no Geopark Naturtejo.

1. Enquadramento geolgicoPara uma rea geogrfica relativamente pequena, o concelho de Vila Velha de Rdo apresenta uma variada geodiversidade demonstrada pela sua coluna estratigrfica (Figs. 2, 3), que se traduz por alguns locais de grande importncia cientfica e didctica, casos das gargantas epignicas de Portas do Rdo e Almouro, assim como os terraos fluviais e as jazidas paleontolgicas. As rochas paleozicas, sua estratigrafia e fsseis associados foram inicialmente estudados por DELGADO (1885, 1888). O pioneiro da cartografia geolgica e do estudo da geomorfologia desta regio foi Orlando Ribeiro (veja-se, por exemplo, RIBEIRO, 1939, 1943, 1965, 1967). O estudo dos achados lticos e paleontolgicos, assim como o desmonte mineiro histrico dos terraos fluviais do Tejo d-se a partir da dcada de setenta e sobretudo na de oitenta (RAPOSO, 1987a,b). A caracterizao estratigrfica e sedimentar da Bacia de RdoMoraleja, entre Vila Velha de Rdo e Termas de Monfortinho, desenvolvida detalhadamente por Pedro Proena e Cunha (CUNHA, 1996), assim como a evoluo geolgica e geomorfolgica do Rio Tejo (vide a abundante lista de referncias bibliogrficas em CUNHA et al., 2005; CARVALHO et al., 2006). Estes autores so ainda pioneiros na identificao do patrimnio geolgico da regio de Rdo (CUNHA, 2000; CUNHA & MARTINS, 2000), aps referncia de GALOPIM DE CARVALHO (1999) s Portas de Rdo como exemplo de Geomonumento a nvel da Paisagem. Mais recentemente, em 2008 foi concluda a reviso da cartografia geolgica do sinclinal de Rdo (METODIEV et al., 2009b). A partir de 2004, o trabalho tem vindo a intensificar-se por diversas instituies no sentido de aplicar o conhecimento cientfico valorizao do Patrimnio Natural e Cultural de Vila Velha de Rdo, de que se destaca desde h mais de 30 anos a Associao de Estudos do Alto Tejo. Todo este

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trabalho culminou com a integrao do concelho no Geopark Naturtejo da Meseta Meridional sob os auspcios da UNESCO (NETO DE CARVALHO, 2005a; NETO DE CARVALHO & MARTINS, 2006). Por sua vez, a integrao do Geopark Naturtejo na Rede Europeia e Global de Geoparques da UNESCO conduziu classificao do geomonumento das Portas do Rdo (sensu GALOPIM DE CARVALHO, 1999) como Monumento Natural nacional (GOUVEIA, 2005, 2009; NETO DE CARVALHO & RODRIGUES, 2009b), para o qual foram fundamentais os inventrios do Patrimnio Geolgico e Mineiro de NETO DE CARVALHO (2005c) e de CUNHA & MARTINS (2005), alm de um trabalho excepcional de coordenao da equipa cientfica, aliado a um profundo conhecimento multidisciplinar do terreno (in GOUVEIA, 2005). O Monumento Natural das Portas de Rdo rene locais de importncia geolgica, geomorfolgica, tectonostratigrfica e paleontolgica, de grande relevncia para o conhecimento e compreenso da evoluo geolgica, desde h, pelo menos, 600 milhes de anos. Para alm do potencial didctico e o elevado potencial para o Turismo de Natureza, o Monumento Natural das Portas de Rdo tem sido um verdadeiro laboratrio para projectos de investigao em reas como a geomorfologia, a sedimentologia, a geologia estrutural, a paleontologia, a arqueologia ou a biologia. O Rio Tejo foi a mo criadora das Portas do Rdo. E a sua existncia nesta regio ter condicionado a evoluo da paisagem nos ltimos milhes de anos (Fig. 4). Sem as Portas do Rdo, o concelho de Vila Velha de Rdo e toda a regio no seria a mesma a nvel natural, mas tambm a nvel humano. A presena farta do precioso lquido e de matria-prima em abundncia ter possibilitado a instalao precoce de comunidades humanas desde h mais de 150000 anos (RAPOSO, 1987a,b; RAPOSO, 1995). A amenizao climtica causada por uma orografia protectora e por um grande rio com efeito moderador ter permitido a sobrevivncia de derradeiro paraso ecolgico para animais e homens durante o pico da ltima glaciao. Talvez por isso, pela riqueza que o Homem sempre obteve do Rio nesta regio, este ter elevado o Tejo condio de espao sagrado de excelncia durante o Neoltico, bem patente na escala da Arte Rupestre do Tejo. A riqueza espiritual nunca andou muito longe da riqueza material. E assim, desde logo, o Tejo Sacrum passou a ser visto como o Tejo Aurifer. Logo a montante, ou imediatamente a jusante das Portas do Rdo, onde o Rio se espraia e perde competncia, sedimentando largo volume de detritos, souberam os romanos industrializar a sua sociedade imperialista custeada pelo ouro. Este novo modo de explorao dos recursos naturais levou transformao radical de toda a paisagem rodense, da Charneca ao Arneiro. Mas porque tudo o que valioso merece ser protegido e porque, numa vasta regio aplanada, as cristas quartzticas do Rdo irrompem como invicta muralha, muito cedo surgiram os primeiros aproveitamentos defensivos. Desde a poca medieval s invases francesas, a muralha quartztica do Rdo sempre foi o travo precoce na luta pela Nacionalidade. Nos dias que correm, as Portas do Rdo constituem um progressista marco de diferenciao entre todo o potencial turstico das vrias regies do pas. Um geomonumento que merece ser estudado em todas as suas facetas interdependentes, naturais e humanas, para que possa ser convenientemente protegido e merecidamente reconhecido. E como seria a paisagem antes da presena criadora e destrutiva do Homem? Da bibliografia apresentada no final do presente trabalho fica uma curta sntese duma Histria Geolgica fascinante, que s muitos olhares de anlise e espanto permitem construir.

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3 km Recente

Aluvies: areias cascalhentes

Plistocnico Holocnico

Depsitos de vertente: conglomerados e arenitos

Depsitos de terrao (cascalheiras)

Rochas Magmticas Granito Aplito Lamprfiros

Pliocnico

Formao da Falagueira: arenitos e conglomerados

Ante-Varisco a tardi/ps-Varisco

PaleognicoNeognico

Formao de Cabeo do Infante: arcoses e lentculas conglomerticas

Ordovcico Silrico inferior

Prfiros riolticos Files e massas de microgranito

Xistos argilosos

Quartzitos

Neoproterozico Cmbrico ?

Grupo das Beiras: filitos e metagrauvaques

Figura 2. Carta geolgica e respectiva legenda, Vila Velha de Rdo (adaptado de Carvalho et al., 2006, a qual se baseia em RIBEIRO et al., 1965).

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A

BFigura 3. Reviso da cartografia geolgica e da litostratigrafia do Sinclinal de Rdo. a) Coluna litostratigrfica simplificada da sucesso ordovcico-silrica do sinclinal de Vila Velha de Rdo (METODIEV & ROMO, 2008). b) Corte geolgico Perdigo-Alvaiade (geosstio 13) exibindo as relaes entre as unidades da sucesso ordovcicosilrica e a srie neoproterozico-cmbrica do Grupo das Beiras. Aqui se mostra o sistema de imbricao de cavalgamentos e retrocavalgamentos em geometria duplex style (METODIEV & ROMO, 2008).

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Figura 4. Imagem GoogleEarth referente rea do Monumento Natural das Portas de Rdo e imediaes, Vila Velha de Rdo. De salientar, o apertado cotovelo que o vale do Tejo desenvolve antes de cruzar as serras de Talhadas e Perdigo, num gigantesco trabalho erosivo com 2,6 milhes de anos de idade (CUNHA et al. 2005) que moldou a imponncia cnica das Portas do Rdo. De um e do outro lado das serranias quartzticas alinhadas pela Orogenia Varisca, o contraste de relevo: para Leste, os planos embutidos do alvolo tectnico de Vila Velha de Rdo, apenas cortados pelos meandros vestibulares da Ribeira do Aafal; para Oeste, a drenagem fortemente encaixada na aplanao xistenta, com direco predominante para o Tejo e, imediatamente a jusante das Portas do Rdo, o terrao fluvial de Arneiro-Vilas Ruivas, com a magnfica mina de ouro romana do Conhal do Arneiro.

Os sedimentos mais antigos encontrados em Portugal foram identificados nesta regio da Beira Baixa e datam de h mais de 600 milhes de anos (SEQUEIRA, 1993). Estes sedimentos correspondem aos depsitos de xistos e grauvaques do Grupo das Beiras (Formao de Malpica do Tejo e Formao de Perais) e foram acumulados em grandes leques turbidticos, ao longo do Talude Continental de um vasto e profundo oceano (Oceano Panafricano). Os leques turbidticos passam verticalmente a sedimentos de plataforma com origem glacioderivada, testemunhos sedimentares de uma vasta glaciao que afectou todo o conceito de vida no final do Proterozico, at h 542 milhes de anos. Durante o Proterozico e o Cmbrico deu-se uma importante orogenia (formao de cadeias de montanhas com a coliso das placas tectnicas que originaram o supercontinente Gondwana), a Orogenia Cadomiana. Esta levou deformao e soerguimento dos sedimentos de meios

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marinhos profundos. A Fase Sarda chegou a gerar dobras de plano axial inclinado 4515, eixo vertical e vergncia dominante para SE e, menos frequentemente, para NW, ainda hoje visveis no corte da estrada 1373, ao km 4. O arrasamento erosivo dos relevos formados durante o Cmbrico gerou uma vasta rea mais ou menos aplanada, que ter sido posteriormente fracturada no final do Cmbrico-incio do Ordovcico, levando deposio ao longo das escarpas de falha de sedimentos imaturos prprios de leques aluviais, passveis de ainda serem observados em alguns seixos que ocorrem no Conhal do Arneiro. A transgresso ordovcica, associada a um processo de transio de rifting, tipo Mar Vermelho, para margem continental passiva, tipo Oceano Atlntico, levou cobertura da regio parcialmente aplanada por uma grande massa ocenica de guas pouco profundas, onde a vida animal proliferava e evolua. A sedimentao siliciclstica ubqua, predominando na base os quartzitos e metassiltitos da Formao do Quartzito Armoricano que compem hoje as serras das Talhadas, do Perdigo e de S. Miguel. Nestas formaes, so comuns as marcas de actividade paleobiolgica (icnofsseis), particularmente evidentes nos cortes de estrada da base do Cabeo da Achada e nas Portas de Almouro. Por outro lado, os organismos com exosqueletos carbonatados ou quitinofosfticos s raramente fossilizaram devido s propriedades fsico-qumicas dos sedimentos areno-quartzosos onde foram acumulados. No entanto, entrada de Vila Velha de Rdo existe um corte de estrada onde se pode observar in situ uma camada com moldes internos de braquipodes gigantes organofosfticos. Esta descoberta revela-se de grande importncia para o reconhecimento paleogeogrfico do Terreno Ibrico no Noroeste gondwnico durante o Ordovcico Inferior. Em sobreposio aos quartzitos, e correspondendo aos depsitos que compem o ncleo do sinclinal de Vila Velha de Rdo, ocorrem as unidades predominantemente pelticas do Ordovcico Superior-Silrico Inferior. Particularmente na Formao do Brejo Fundeiro, composta por xistos rosados a negros, comum a ocorrncia de restos de trilobites, braquipodes, equinodermes, cefalpodes e bivalves, a maioria fortemente deformada em tempos mais recentes. Em nvel de xistos negros depositados em ambientes marinhos anxicos, ocorre uma interessante fauna de graptlitos (colnias de hemicordados de esqueleto orgnico), membros de uma classe extinta h mais de 380 milhes de anos. Este oceano continuou a alargar e a estender-se por mais de 100 milhes de anos, durante o Ordovcico, o Silrico e o Devnico, depositando-se sedimentos de vrios tipos de ambientes marinhos em funo das variaes absolutas do nvel do mar e de modificaes tectnicas locais. Na Formao de Aboboreira, a sequncia mais recente que constitui o sinclinal do Rdo, com cerca de 435 milhes de anos, foram recentemente encontrados na Portela da Milharia vestgios raros de euripterdeos, grupo de artrpodes margino-marinhos que ter participado numa etapa extraordinria para a evoluo da vida e, em ltima instncia, de ns prprios a conquista da terra firme. no final do Devnico que a maioria das placas tectnicas inverteu a sua deslocao, levando coliso continental e deformao dos sedimentos paleozicos. Estes foram expostos superfcie, constituindo uma extensa cordilheira de montanhas (Cordilheira Varisca ou Hercnica). A actividade vulcnica foi intensificada pelos esforos tectnicos, como se pode observar pelas numerosas intruses filonianas ao longo de fracturas, de composio mfica e flsica, presentes nos taludes da Linha da Beira Baixa, prximo da Fonte das Virtudes e na Barragem do Fratel, assim como a massa apltica de Gardete.

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A Orogenia Varisca inicia-se na Pennsula Ibrica durante o Devnico Mdio e prolonga-se com carcter polifsico por quase todo o Paleozico Superior, identificando-se duas fases orognicas principais uma estendendo-se do Devnico Mdio ao Viseano (que d origem dobra sinclinal de Vila Velha de Rdo) e outra no Vestefaliano (Carbnico Superior) - Prmico Inferior, responsvel pela gerao de importantes falhas que produzem desligamentos nos relevos quartzticos, como a Falha do Ponsul. Com o fecho dos oceanos, forma-se a grande cordilheira Varisca, que ento se estendia desde a Polnia at muito para alm da Pennsula Ibrica, estando hoje praticamente arrasada. Um dos principais elementos geolgicos de Vila Velha de Rdo o Sinclinal complexo de Rdo, uma mega-estrutura dobrada e redobrada, polifsica, muito complexa, com um eixo de orientao NW-SE que atravessa o concelho, cortando um relevo aplanado de metassedimentos do Grupo das Beiras. O sinclinal estende-se por 55 km, desde Vales (Alvito da Beira, Proena-aNova) at P da Serra (Nisa) e apresenta dois flancos, o NE materializado na serra das Talhadas e o SW na serra do Perdigo. As terminaes desenvolvem-se em monoclinal basculado para SW, como se pode observar em P da Serra. A deformao progressiva que aqui se fez sentir ao longo da Orogenia Varisca, primeiro com dobras e cavalgamentos precoces vergentes para NE, posteriormente reactivados em cavalgamentos com a mesma vergncia, retrocavalgamentos e retrodobras de vergncia oposta, compatvel com uma compresso tectnica mxima no sentido NE-SW, que ter levado ao escape vertical de material (METODIEV & ROMO, 2008). O sinclinal afectado por rampas laterais variscas, posteriormente reactivadas por deformao frgil, com o desenvolvimento de desligamentos NE-SW a NNESSW, esquerdos, com rejeito de algumas dezenas de metros e comprimentos de vrios quilmetros (METODIEV & ROMO, 2008; METODIEV et al., 2009a,b). A evoluo morfolgica do Macio Hesprico, desde o final da Orogenia Varisca at actualidade foi controlada por dois factores que tiveram uma influncia determinante: o clima e a tectnica (CABRAL, 1995). Os paleoclimas foram em grande parte controlados pelas paleolatitudes a que se situou a Pennsula Ibrica ao longo dos ltimos 250 milhes de anos, primeiro integrada no Supercontinente Pangaea e depois participando na sua fragmentao iniciada no Trisico Superior. O clima na Pennsula Ibrica manteve caractersticas tropicais hmidas at ao final do Jurssico, passando progressivamente a condies do tipo tropical sazonal, caractersticos de regies de savana, durante o Cretcico Superior-Paleognico e comeo do Neognico. Neste Perodo mantiveram-se as condies de savana, com uma tendncia progressiva para a aridez, ocorrendo uma mudana no final do Neognico para um clima de maior humidade, de caractersticas mediterrnicas. Este ambiente climtico fez com que o Macio Hesprico sofresse profunda meteorizao qumica de carcter tropical. A eroso dos alteritos desenvolveu paisagens de morfologia inter-tropical (com relevos residuais, como as cristas quartzticas). Do Trisico ao Cretcico Superior completou-se o arrasamento da Cadeia Orognica Varisca e desenvolveram-se extensas superfcies de aplanao que funcionaram como ponto de partida para a evoluo morfolgica cenozica. gerada a Superfcie Fundamental da Meseta, polignica, entre o Cretcico Superior e o Paleocnico. O aplanamento visvel dos cumes das cristas quartzticas resultou do desdobramento da Superfcie Fundamental em dois nveis. Este relevo apresenta caractersticas de etchplain ou superfcie gravada (CABRAL, 1995), reflectindo as irregularidades geomtricas de uma frente de meteorizao basal correlativa de um espesso perfil de alterao desenvolvido no Mesozico em condies tropicais hmidas, sobre as rochasAAFA On Line, n 2 (2009) Associao de Estudos do Alto Tejo, www.altotejo.org

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do soco Varisco arrasadas por uma superfcie de eroso de carcter polignico. A heterogeneidade litolgica das rochas do soco provocou uma meteorizao diferencial acentuada, com alterao intensa e profunda das rochas plutnicas de gro grosseiro, e xistentas, enquanto a meteorizao era fraca e apenas superficial nas formaes quartzticas. Modificaes tectonoclimticas tero desencadeado a evacuao da espessa capa de alteritos no sentido das reas em subsidncia. A Superfcie gravada foi posteriormente modificada com maior ou menor intensidade, tendo sido deformada por movimentos tectnicos (reactivao da Falha do Ponsul), retocada por eroso (evoluo local do curso do Tejo, particularmente evidente na Serra de S. Miguel) e parcialmente ou totalmente fossilizada por coberturas sedimentares (arcoses do Grupo da Beira Baixa). A sua exumao iniciada no pr-Albiano, mas no termina antes do Eocnico Superior. A coliso da placa tectnica Africana com a Euroasitica, no final do Neognico, leva ao levantamento das cordilheiras alpina e pirenaica. As falhas tardi-variscas foram reactivadas no mximo compressivo Btico (h 9,5 milhes de anos), levando segmentao em blocos de todo o Macio Hesprico. Os blocos deprimidos so representados pelas bacias intramontanhosas de Sarzedas e de Moraleja-Rdo. A Bacia Cenozica de Moraleja-Rdo controlada pela reactivao, com movimento vertical cavalgante, da Falha do Ponsul, ao longo dos seus 120 km de extenso. Delimita a Norte a Bacia com uma rea de 1000 km2, sendo 850 km2 em Portugal. Os blocos levantados tm a sua expresso mxima no horst da Cordilheira Central. Na dependncia das escarpas de falha, como a escarpa de falha do Ponsul, as bacias em subsidncia foram preenchidas por sedimentos torrenciais caractersticos de ambientes subridos (Formao de Cabeo do Infante). A Falha do Ponsul foi reactivada no Tortoniano final a Pliocnico inicial, delimitando a Norte a Bacia do Rdo, nessa altura com caractersticas endorreicas (CUNHA et al., 2005). O sistema de drenagem torna-se exorreico a partir do Pliocnico mdio. A Formao de Falagueira regista a captura do antigo sistema de drenagem que ocupava toda a Bacia Terciria do Alto Tejo (Espanha), por eroso remontante de um sistema fluvial atlntico (CUNHA et al., 2005). Esta antecedncia da drenagem face ao relevo de dureza quartztico explica o traado epignico do Tejo nas Portas do Rdo, facilitado ainda pela existncia de uma zona de fraqueza estrutural materializada no graben de Arneiro-Vilas Ruivas. A inciso fluvial demorou cerca de 2,6 milhes de anos at atingir a posio actual, mensurveis entre o nvel topogrfico ocupado pela Formao de Falagueira (Fratel) e o leito actual do Tejo. A inciso mdia est calculada em 10cm/1000 anos; no entanto, nos ltimos 60000 anos a inciso mdia foi acentuada para 1m/1000 anos devido intensificao das condies climticas vigentes durante o Quaternrio (CUNHA et al., 2005). Correlativo do incio do encaixe da rede hidrogrfica o abatimento e formao do fosso tectnico alongado NW-SE de Vilas RuivasArneiro, assim como do alvolo de Vila Velha de Rdo, o que explica a formao de cinco terraos fluviais por agradao sedimentar. O incio do Quaternrio marcou o desenvolvimento de importantes modificaes climticas que levaram ltima glaciao. A Superfcie Eocnica entalhada pelas redes de drenagem do Tejo na fase de gliptognese. O aumento dos valores de pluviosidade e a existncia de glaciares de montanha em degelo no Vero levaram ao encaixe rpido, com a formao de cinco terraos no alvolo tectnico de Vila Velha de Rdo, pelo Rio Tejo, e de, pelo menos dois nveis de terrao nas Portas de Almouro, pelo Rio Ocreza.

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No Quaternrio, a actividade da Falha do Ponsul mostrada pela diferena de altitudes entre terraos imediatamente a jusante das cristas do Rdo (terrao T3 a 124m em Vilas Ruivas e a 121m no Arneiro). A orientao dos cursos de gua coincide com o padro de falhas regional, o que sugere um controlo estrutural. O Rio Tejo aproveitou fracturas NE-SW e SSW-NNE, caso da Falha da Urbanizao da Senhora da Alagada, para entalhar o seu leito perpendicularmente orientao dos relevos quartzticos, num segundo episdio de inciso ocorrido no Plistocnico Mdio. Os terraos T1 e T3 tm maiores clastos indicando descargas mais intensas. As falhas ainda hoje esto activas (DIAS & CABRAL, 1989). A falha da Fonte das Virtudes demonstra termalismo incipiente. O clima estacionou no ltimo interglacirio com condies mediterrnicas. O relevo est parcialmente arrasado pelo encaixe da rede hidrogrfica. O desmantelamento das cristas quartzticas deu origem a grandes depsitos de vertente, particularmente evidentes na regio de Corga, na vertente de Vila Velha de Rdo, no Vale de Cobro e nas Portas de Almouro. As linhas de gua so caracterizadas por uma perda de eficincia erosiva durante o estio, para se extravasarem nos vales, durante o Inverno, transportando grandes quantidades de detritos. Por este motivo, nas reas xistentas os profundos vales do origem a uma sucesso de cabeos e barrancos, bem patentes no Vale do Lameiro, na Barroca da Senhora e na Ribeira de Vilas Ruivas. O curso das linhas de gua foi controlado pelas propriedades geotcnicas das litologias que atravessa, que se combinam com a influncia de estruturas tectnicas herdadas (casos dos vales de fractura da Ribeira do Vale, da Barroca de Lameiro e do prprio Rio Tejo no troo que atravessa as cristas quartzticas, assim como dos vales que acompanham o eixo da dobra sinclinal de Vila Velha de Rdo, casos da Barroca da Senhora e da Barroca da Corga) e da profundidade de encaixe do Rio Tejo (provocando a gerao de meandros na poro terminal da Ribeira do Aafal). A Falha da Urbanizao da Senhora da Alagada, que se encontra representada em corte com um plano (N42E, 85NW), a estrutura tectnica que permitiu o encaixe do Tejo na zona das Portas do Rdo (CUNHA et al., 2005). J as Portas de Almouro foram produzidas pelo encaixe do Rio Ocreza no cruzamento das falhas de Pomar, Cho das Cervas-Carregais, Vinagra-Foz do Cobro e Mendares. A Tabela 1 sintetiza os principais momentos da histria geolgica de Vila Velha de Rdo.

2. Patrimnio Geolgico e MineiroO Decreto-Lei 142/2008 de 24 de Julho que estabelece o regime jurdico da conservao da natureza e da biodiversidade introduz a figura de Geoparque, como figura supranacional, mas sem qualquer tipo de medidas operacionais, ou seja, os geosstios no so protegidos. necessrio recorrer a outras figuras legais de proteco de patrimnio e conservao da natureza, como foi o caso do recm classificado Monumento Natural das Portas de Rdo (GOUVEIA, 2005, 2009; NETO DE CARVALHO, 2006a). O conhecimento do patrimnio geolgico do territrio fundamental para gerir medidas de conservao, desenvolver classificaes e tipologias, promover estratgias de revitalizao, valorizao e manuteno e preparar a divulgao, ou seja, essencial integrar o patrimnio geolgico (incluindo o patrimnio geomineiro) nas polticas de ordenamento do territrio e planeamento ambiental (CARVALHO, 2004). Num momento de reviso do PDM de Vila Velha de Rdo fundamental que o patrimnio geolgico seja considerado e que constitua um ponto de partida para o desenvolvimento de estratgias de geoconservao.

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Tabela 1. Tempo geolgico com as principais designaes, acontecimentos e idades apresentadas ao longo do texto. Eon Era Perodo Quaternrio Principais AcontecimentosEstabelecimento das redes hidrogrficas actuais; movimentao recente da Falha do Ponsul; entalhe das cristas quartzticas pelo Tejo; primeiras ocupaes humanas h 150000 anos Deposio das raas de sop em cones aluviais na dependncia de escarpas de falha que confinam a bacia intramontanhosa de RdoMoraleja; levantamento da Superfcie de Castelo Branco sobre a Superfcie do Alto Alentejo por reactivao Btica da Falha do Ponsul Deposio em regime de leque aluvial dos alteritos, em clima sub-rido (formao arcsica) Fase final da formao da Superfcie Fundamental (arrasamento total dos relevos) Arrasamento da cadeia de montanha varisca em clima tropical hmido Formao do supercontinente Pangaea Choque de continentes: formao da grande cadeia Varisca; intensa deformao dos sedimentos antigos (Sinclinal de Vila Velha de Rdo, Falha do Ponsul); intruso do complexo filoniano do Fratel Incio do fecho do oceano Rheic Plataforma siliciclstica com afluxos detrticos ao longo de escarpas de falha. Abertura do oceano Rheic. Migrao das placas tectnicas desde o Plo Sul at ao Equador Formao do supercontinente Gondwana. Exumao e deformao Sarda do Grupo das Beiras

- 1,8 Ma

CENOZICO Neognico

- 23,5 Ma - 65 Ma - 135 Ma - 250 Ma - 380 Ma

PaleognicoFANEROZICO

Cretcico MESOZICO Jurssico Trisico Prmico Carbnico PALEOZICO Devnico Silrico Ordovcico Cmbrico

- 410 Ma - 435 Ma

- 500 Ma

- 542 Ma

PROTEROZICO

Ediacarano

Deposio dos sedimentos do Grupo das Beiras em leques turbidticos ao longo de um talude/rampa continental de uma bacia ocenica.- 600 Ma

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A metodologia utilizada neste inventrio iniciou-se em 2004, enquadrada no primeiro trabalho de inventariao do patrimnio geolgico dos municpios da Naturtejo com a finalidade de sustentar a candidatura Rede de Geoparques da UNESCO (NETO DE CARVALHO, 2005a). Tal iniciouse com um levantamento bibliogrfico sobre a geologia e locais com interesse geolgico j identificados (GALOPIM DE CARVALHO, 1999; CUNHA & MARTINS, 2000), atravs de publicaes cientficas e outras, bem como pela anlise de cartografia topogrfica escala 1/25000, cartografia geolgica escala de 1/500000 e escala de 1/50000 e de fotografia area. Procedeu-se a uma pesquisa exaustiva no campo, que remonta a 1999 para o primeiro autor, bem como a uma definio de critrios que permitiram uma avaliao qualitativa da importncia dos locais e que permitiu a seleco dos 25 geosstios aqui apresentados (Ver Tabela 2 e abaixo), os mais representativos e/ou singulares, tendo sido considerados a dimenso do territrio e o contexto geolgicas. Uma vez que no exequvel inventariar toda a geodiversidade do territrio com vista sua valorizao, neste trabalho foram escolhidos locais testemunhos da evoluo do planeta Terra, escala do territrio do Geopark Naturtejo, pela sua representatividade e/ou singularidade em termos cientficos, educacionais e tursticos. Estes geosstios fazem parte do inventrio em curso que conta j com mais de duas centenas de geosstios (incluindo o patrimnio geomineiro) por todo o Geopark Naturtejo, de onde se destacam 16 geomonumentos, pelas caractersticas de monumentalidade e espectacularidade para o pblico em geral. Em Vila Velha de Rdo, destes geomonumentos consideram-se o Monumento Natural das Portas de Rdo, o geomonumento das Portas de Almouro, a Falha do Ponsul e os Troncos Fsseis de Vila Velha de Rdo (NETO DE CARVALHO, 2005a,b; NETO DE CARVALHO & MARTINS, 2006; NETO DE CARVALHO & RODRIGUES, 2008). Aps a reviso bibliogrfica de outros autores que se tm dedicado ao Patrimnio Geolgico (CUNHA & MARTINS, 2000, 2005; CARVALHO et al., 2006) e o reconhecimento de campo dos 15 locais de interesse geolgico propostos por estes autores para o concelho de Vila Velha de Rdo conclumos que alguns locais anteriormente propostos como geosstios no iriam ser considerados no presente inventrio, de acordo com os critrios aqui estabelecidos. O inventrio do patrimnio geolgico do Geopark Naturtejo deve contemplar locais que combinem valores cientficos, diversidade de elementos geolgicos de interesse, integridade dos afloramentos/cortes de estrada, raridade com capacidade ilustrativa, valor esttico, legibilidade, potencial de uso e associao com outros elementos patrimoniais. Locais de elevado interesse que tenham eventualmente vulnerabilidade eminente, devido ao perigo de vandalismo ou delapidao, no sero divulgados, para salvaguarda da sua integridade. Num territrio com 4616 Km2, onde se pretende contar a histria dos ltimos 600 milhes de anos necessrio ter sempre em grande considerao factores atractivos, capazes de despertar a curiosidade e desenvolver o gosto por estas temticas (geoturismo sensu DOWLING & NEWSOME, 2006; NETO DE CARVALHO & RODRIGUES, 2009a), o seu carcter didctico, ou seja, a sua capacidade de ilustrar eficazmente processos e mecanismos dos fenmenos geolgicos e ainda que possa estar associado a outros domnios como a biodiversidade e o patrimnio histricocultural. O Inventrio do Patrimnio Geolgico do Geopark Naturtejo tem como objectivo sinalizar locais com interesse geolgico, a nvel local, regional, nacional e internacional, permitindo avaliar as necessidades de conservao, desenvolver estratgias de valorizao e divulgao de geosstios (no ameaados) em aces educativas e geotursticas. Deste modo, recomendvelAAFA On Line, n 2 (2009) Associao de Estudos do Alto Tejo, www.altotejo.org

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e necessrio que os locais seleccionados sejam includos no Plano Director Municipal, como forma de garantir a sua proteco e valorizao. No mbito do desenvolvimento de uma estratgia de Turismo de Natureza no concelho de Vila Velha de Rdo fundamental que se conservem e dinamizem estes locais que, alm de interesse cientfico apresentam um elevado potencial turstico, em nichos actualmente em franca expanso na regio e integrantes no Plano Estratgico Nacional de Turismo, onde o Geopark Naturtejo foi includo.

Tabela 2. Localizao dos geosstios do concelho de Vila Velha de Rdo Geosstio 1. Portas do Rdo 2. Miradouro do Castelo dos Mouros 3. Portas de Almouro 4. Miradouro de Almeiro 5. Miradouro do Penedo Gordo 6. Miradouro do Cabeo da Achada 7. Vale Morto de Alfrvida 8. Areeiro de Peroledo Vilar Boi 9. Terrao T1 de Monte do Pinhal 10. Terrao T3 de Vilas Ruivas 11. Terrao T3 de Monte do Famaco 12. Estratotipo da Formao de Perais 13. Corte Geolgico da Portela da Milharia 14. Corte Geolgico das Portas de Rdo(EM 1373) 15. Troncos Fsseis de Vila Velha de Rdo 16. Estao zooarqueolgica de Foz do Enxarrique 17. Cavalgamento na Fonte das Virtudes 18. O Nascente 19. Falha do Ponsul 20. Complexo de Conheiras da Charneca 21. Conheira de Foz do Cobro-Sobral Fernando Localizao GPS (ponto referencial) 29SPD0612780 4389210 29SPD0612495 4389660 29SPD0606813 4399025 29SPD0608462 4397523 29SPD0611444 4392833 29SPD0613394 4389688 29SPD0623029 4395649 29SPD0607498 4389861 29SPD0613086 4367589 29SPD0611648 4388770 29SPD0615140 4389395 29SPD0622758 4391067 29SPD0609920 4393760 29SPD0612950 4389612 29SPD0613698 4390236 29SPD0614201 4389940 29SPD0612108 4389080 29SPD0607008 4398278 29SPD0612534 4390596 29SPD0612327 4367362 29SPD0605744 4398731

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22.Minas de Cobre dos Ingadanais 23. Buraca da Moura no Stio do Cobre 24. Conheira da Ladeira 25. Cova da Moura do Fratel

29SPD0613480 4392580 29SPD0615020 4394180 29SPD0605500 4396820 29SPD0602620 4384780

Figura 5. Geosstios inventariados no concelho de Vila Velha de Rdo, com indicao das localidades mais relevantes para a sua localizao. Note-se a concentrao de geosstios em Vila Velha de Rdo e na Foz do Cobro.

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Os geosstios inventariados (Tabela 2; Fig. 5) sero apresentados de acordo com o seu principal interesse: geomorfolgico (onde se incluem miradouros), estratigrfico/sedimentolgico (onde se inserem estratotipos e terraos), paleontolgico, tectnico e geomineiro (onde se incluem conheiras, antigas galerias, os vestgios da riqueza geolgica e infra-estruturas de apoio). Porm, quase todos apresentam mais do que uma tipologia de interesse.

2.1 Geosstios de interesse geomorfolgico

2.1.1. Portas de Rdo (1)

E esse confronto brutal, entre a firme solidez da rocha e a furiosa teimosia de um rio que quer cumprir o seu destino, que est esculpido nos contornos feridos das Portas de Rdo. (BATISTA, 2001)

As Portas do Rdo constituem o ex-libris natural da regio do Mdio Tejo. As Portas de Rdo foram consideradas como um dos principais Geomonumentos ao Nvel da Paisagem existentes em Portugal, no primeiro trabalho de divulgao de Patrimnio Geolgico realizado escala regional (CARVALHO, 1999; veja-se ainda CUNHA & MARTINS, 2000; como um dos 16 geomonumentos que ilustram a Histria Geolgica do Geopark Naturtejo, veja-se NETO DE CARVALHO & MARTINS, 2006). De facto, impressionante como o Rio Tejo, o rio mais importante da Pennsula Ibrica, corre entrincheirado, submisso, entre gigantes quartzticos prhistricos. O Rio Tejo aproveitou a interseco da Falha da Urbanizao da Senhora da Alagada, de orientao WSW-ENE, com o Cavalgamento de Portas do Rdo-Perdigo, de orientao N15-20 W e inclinao de 70 para SW (METODIEV et al. 2009b), com o Cavalgamento de Vinagra-Foz do Cobro, de orientao NW-SE e com a Falha do Ponsul, de orientao NE-SW, gerando um vale encaixado nas serras de Talhadas e Perdigo, que atinge 45 m na largura mnima, entre escarpas quartzticas com cerca de 200 m de altura (Fig. 6). O Monumento Natural das Portas de Rdo foi classificado pelos valores biolgicos, geomorfolgicos, geolgicos e paleontolgicos existentes (in GOUVEIA, 2005, 2009). A finalidade da classificao, suportada pelos municpios de Vila Velha de Rdo e Nisa, foi a de preservar os valores naturais, cnicos e culturais existentes, garantindo o equilbrio paisagstico e assegurando a articulao entre a natureza e o Homem (NETO DE CARVALHO et al., 2006b), assim como promover o desenvolvimento sustentvel da regio suportado pela singularidade das Portas do Rdo (GOUVEIA, 2005). O mesmo autor assume que as principais razes para a proteco deste geomorfosstio e envolvente so a sua marca na paisagem, o seu carcter nico, pelo simbolismo que este geomonumento representa a nvel local e nacional (GOUVEIA, op. cit.; veja-se tambm NETO DE CARVALHO et al. 2009b). A valorizao das Portas do Rdo passa por um ordenamento intermunicipal do territrio em funo da biodiversidade e geodiversidade existentes, acompanhando o avano da investigao cientfica, controlo de infestantes vegetais e animais, monitorizao da qualidade da gua e de focos de poluio das guas fluviais e de aquferos, garantia de caudal ecolgico em poca de estio, condicionamento

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de actividades fluviais recreativas invasivas, fomento de prticas tursticas com sustentabilidade ambiental e promoo do legado cultural nas comunidades locais.

2.1.2. Miradouro do Castelo dos Mouros (2) Este miradouro situa-se nas proximidades da atalaia medieval conhecida como Castelo do Rei Wamba ou Castelo do Rdo, motivadora de inmeras lendas e mitos (veja-se GOUVEIA, 2005). O local foi recentemente intervencionado, e alm das obras de restauro e conservao da atalaia e da Capela de Nossa Senhora do Castelo, de interesse pblico nacional, foi construdo um miradouro, um parque de merendas, casas de banho e um parque de estacionamento. Este um ponto de observao de avifauna reconhecido internacionalmente, no s pela abundncia de aves mas tambm pelo elevado interesse paisagstico da regio, marcado pela geologia e geomorfologia (CUNHA & MARTINS, 2000, 2005; NETO DE CARVALHO, 2005c; Fig. 6). Daqui possvel fazer uma leitura da paisagem: para Este - observam-se em primeiro plano as muralhas quartzticas que compem a mega-estrutura sinclinal do Rdo e que aqui foram cruzadas pelo rio Tejo. possvel observar tambm alguns dos terraos fluviais do Tejo no alvolo tectnico de Vila Velha de Rdo, representativos do encaixe do rio Tejo ao longo do Quaternrio, dispostos escalonadamente; para Sul - apreciando a paisagem que nos surge de frente, observamos o grande rasgo erosivo-tectnico das Portas do Rdo. Para jusante, existe uma fantstica vista panormica do compartimento tectnico de Vila Ruivas Arneiro, paralelo s cristas quartzticas e condicionado pela falha Arneiro-Ponsul e pela crista sul do sinclinal do Rdo. Na margem de Nisa vem-se os calhaus empilhados nas conheiras resultantes do desmonte do terrao correspondente ao de Vilas Ruivas para explorao de ouro, durante perodo Romano. Distingue-se perfeitamente o alinhamento dos montculos, nas margens de canais que tero servido para conduzir gua para a lavagem das areias ricas em ouro e que seriam drenados para o Tejo (veja-se outras referncias bibliogrficas em NETO DE CARVALHO et al. 2006a); para SW - est marcada na paisagem a ltima etapa de enchimento sedimentar da plancie aluvial do Pr-Tejo, atravs da estrutura em mesa do Fratel. Mais perto, observa-se a Ilha da Fonte das Virtudes, em pleno Tejo, onde houve uma intensa explorao de inertes que, conjugada com a subida do nvel das guas do rio levou formao de uma ilha artificial ligada margem. Pela importncia regional deste miradouro geomorfolgico e geomineiro, urgente a colocao de um leitor de paisagem abrangente e multitemtico, que inclua a distribuio espacial da flora, a avifauna, a rica geomorfologia e a interpretao do espao mineiro.

2.1.3. Portas de Almouro (3) As Portas Almouro correspondem a uma garganta epignica no rio Ocreza, rasgada nos quartzticos do sinclinal do Rdo, num encaixe de 350 metros (Fig. 6).

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Figura 6. Portas do Rdo a) vista de jusante; b) vista de montante; Miradouro do Castelo do Mouros c) vista do Graben do Arneiro e da arrugiae romana; d) vista da dobra sinclinal de topos aplanados; Portas de Almouro; e) Perspectiva do profundo encaixe do Rio Ocreza na complexa estrutura tectnica em delta desta parte do sinclinal de Rdo (imagem GoogleEarth); f) canho fluvial do Ocreza, com o desenvolvimento de extensos depsitos de vertente de origem periglaciria; g) a extraordinria paisagem cultural das Portas de Almouro vista do miradouro.

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A Serra das Talhadas foi dividida pelo rio que aproveitou uma zona de fraqueza estrutural para entalhar o seu leito, ao longo dos ltimos 2 milhes de anos. Este local, considerado pelo Geopark Naturtejo como geomonumento (NETO DE CARVALHO, 2005a; NETO DE CARVALHO & MARTINS, 2006), est actualmente em fase de classificao no mbito da Rede Nacional de reas Protegidas, como Parque Natural Regional (NETO DE CARVALHO & RODRIGUES, 2009b; LOBARINHAS, 2010). O levantamento e caracterizao dos valores geolgicos foram levados a cabo numa parceria entre o Geopark Naturtejo e a Universidade do Minho (Lobarinhas, 2010). Destaca-se o Miradouro das Portas de Almouro, como uma local privilegiado de observao, abarcando todo o vale desde o Cavalgamento de Vinagra-Foz do Cobro e a dobra da Albarda at s Portas de Almouro. Observam-se evidncias da 1 fase de deformao Varisca (cavalgamentos e retrocavalgamentos) e o controlo estrutural da garganta atravs do cruzamento das falhas: Falha do Alvito, Cavalgamento D1b de Vinagra-Foz do Cobro e Retrocavalgamento D1b Cho das Servas-Carregais a delimitar o sinclinal e falha paralela Falha de Proena-a-Nova. Na direco NW, tambm se observa um bom exemplo de escarpa de falha e, na margem direita do Ocreza, uma dobra antiforma do tipo Box Fold Dobra da Albarda. A interferncia do cavalgamento de Vinagra-Foz do Cobro e do retrocavalgamento de Cho das Servas-Carregais com vergncias opostas (METODIEV et al., 2009b), provocam um processo de descolamento em profundidade de tipo de thin-skinned, acompanhando de frico e constrio, constituindo a estrutura triangular D1c de Foz do Cobro escala macroscpica, no ncleo da qual foi originado o anticlinal de Sobral Fernando (ou Albarda) com plano axial sub-vertical e vergente para NE. O processo que gerou esta estrutura ainda responsvel pela transformao (na regio de Foz do Cobro) do sinclinal complexo de Vila Velha de Rdo em anticlinrio de escala local. Esta estrutura triangular resultou de uma compresso progressiva com atitude prxima de NE-SW. No local do miradouro existe um nvel de Skolithos, representativos do comportamento de vermes poliquetas do Ordovcico que escavaram galerias verticais para habitao e alimentao em fundos marinhos arenosos. Alm da compreenso da garganta epignica este local permite fazer uma interpretao paleoambiental das rochas quartzticas. Ao longo da estrada N545 destaca-se um corte de referncia ao nvel da paleontologia, estratigrafia e sedimentologia da Formao do Quartzito Armoricano. Existem nveis com fendas de sinrese, formadas em ambientes marinhos por escape de gua salgada contida nos interstcios dos sedimentos, testemunhando um ambiente do tipo baa confinada, onde a renovao de gua ter sido reduzida. Adiante, as ripple marks do tipo linguide indicam que a profundidade do mar em que se depositaram os nveis quartzticos era baixa: a direco bimodal das paleocorrentes atesta a proximidade do litoral. A posterior deformao dos materiais est tambm representada por diversas dobras, com diferentes geometrias, e ainda por falhas que mascaram completamente a estratificao original. Um aspecto singular deste geosstio a ocorrncia de fsseis do tipo Nereites acompanhando as marcas de corrente do tipo linguide, constituindo comportamentos de organismos encontrados normalmente em ambientes abissais, mas que aqui ocorrem inusitadamente em nveis marinhos que testemunham a proximidade do litoral. Realam-se os gigantescos depsitos de vertente coluvionares que correspondem a evidncias de periglaciarismo do Quaternrio. Os fragmentos resultam do desmantelamento erosivo dos relevos quartzticos e revelam movimento antigo devido posio de equilbrio nas abruptas vertentes em que se encontram e cobertura por lquenes. Neste local possvel ainda obter uma boa panormica da Dobra da Albarda, na margem Norte do rio Ocreza, uma dobra anticlinal

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de grande escala, cuja morfologia se assemelha com uma albarda utilizada para transporte em jumentos, na perspectiva sempre interessante das comunidades locais. Este um geosstio com grande valor didctico permitindo reconstituir o paleoambiente onde se depositaram os sedimentos que deram origem aos quartzitos, compreender toda a dinmica sedimentar, interpretar a paleoecologia atravs dos vrios icnofsseis encontrados e explorar os mecanismos de deformao das rochas, com origem nas orogenias Varisca e Alpina. O local reveste-se de inmeros valores adicionais como as comunidades-relquia de zimbro, o cultivo de oliveiras em socalcos construdos nas vertentes escarpadas quartzticas, a aldeia de xisto de Foz do Cobro, as aves rupculas nidificantes protegidas como a cegonha-preta, o grifo ou a guia de Bonelli e ainda as lontras, assim como algumas espcies de peixes com elevado estatuto de proteco. Se o patrimnio geolgico, substrato para a vida, for empobrecido, a sua existncia ser imediatamente posta em causa. As Portas de Almouro estiveram fortemente ameaadas pela construo do Aproveitamento Hidroelctrico do Alvito desde a dcada de quarenta do sc. XX, cujo paredo da barragem se iria situar imediatamente a montante ou a jusante da garganta epignica, o que iria condenar o local (a ttulo de exemplo veja-se NETO DE CARVALHO, 2006a). A localizao foi alterada para montante, a cerca de 1,6 km do geomonumento, aps a Avaliao Ambiental Estratgica, devido a condicionantes tcnicas e, em grande parte, devido importncia geolgica do local, actualmente integrado no Geopark Naturtejo e nas redes Europeia e Global de Geoparques, sob os auspcios da UNESCO (NETO DE CARVALHO & RODRIGUES, 2009b). Nos ltimos anos o local tem potenciado o desenvolvimento de importantes actividades tursticas na regio, com implementao de percursos pedestres (PR3 Voo do Grifo), actividades como, por exemplo, o produto turstico H Ouro na Foz e descida de guas bravas em kayak, roteiros e desenvolvimento de infra-estruturas de apoio aos visitantes, como o restaurante Vale Mouro ou as duas unidades de alojamento existentes em Foz do Cobro. Porm, apesar da relocalizao da barragem, para a salvaguarda deste geomonumento ser importante ter em conta aspectos como a susceptibilidade a que as margens e vertentes sero expostas desde a fase de construo at explorao, a abertura e alargamento de vias, a localizao de escombreiras e dos estaleiros da obra, capazes de afectar negativamente a paisagem, de forma permanente e irreversvel. recomendvel a monitorizao destes aspectos e a recuperao paisagstica do local e da envolvente, aps a finalizao das obras de construo de barragem. Por tudo o que foi apresentado, este um geosstio de mbito nacional que, alm de interesse cientfico, apresenta elevado interesse didctico, uma vez que ilustra importantes etapas da histria geolgica, assim como muito elevado interesse turstico, porque apresenta extraordinria beleza cnica e fcil legibilidade. O Miradouro das Portas de Almouro est actualmente sinalizado e j faz parte do eixo de visitao regio. Porm, o local no se encontra preparado para acolher visitantes. necessrio valorizar o miradouro, atravs de intervenes que aumentem a segurana, facilitem o acesso e melhorem a visibilidade com a correcta introduo de leitores de paisagem. Tambm escasseia informao relativa paisagem no percurso pedestre PR3. A dimenso do contexto do ouro, ainda to viva na aldeia de Foz do Cobro e explorada por empresas de animao turstica pode ser potenciada atravs da criao de um Museu do Ouro que faa a ponte entre um modo de vida ancestral e as exploraes antigas em regime extensivo, do tipo conheira (ver abaixo).

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2.1.4. Miradouro de Almeiro (4) Miradouro localizado a 439 m de altitude, 300 m acima da garganta quartztica, em plena Serra das Talhadas. A perspectiva do sinclinal do Rdo, em particular do seu fecho periclinal, grandiosa (Fig. 7). Daqui se observa claramente a proporo do relevo residual evidentemente destacado da Superfcie de Aplanao de Castelo Branco por vertentes de forte pendor. Identificado por LOBARINHAS (2010) em pleno percurso pedestre PR3 Voo do Grifo, este miradouro apresenta um valor local, sobretudo no que diz respeito ao seu potencial turstico. Como medida de valorizao, sugere-se a necessidade de remover da zona os inmeros pinheiros ardidos em anos anteriores e a construo de uma torre-mirante, em madeira, com leitor de paisagem. O local encontra-se inserido na rea delimitada para o Parque Natural Regional de Almouro.

2.1.5. Miradouro do Penedo Gordo (5) Aos 566 m, este miradouro proporciona uma vista geral sobre o compartimento tectnico do Rdo, a escarpa de Falha do Ponsul a delimitar o alvolo tectnico de Vila Velha de Rdo e a prolongar-se na direco da Raia, o Vale Morto de Alfrvida a testemunhar outras pocas, o relevo quartztico de Monforte da Beira, o vale do Tejo Internacional, profundamente encaixado na superfcie da Meseta, e, no horizonte, a serra quartztica de S. Pedro, j em Espanha; os cinco terraos fluviais embutidos, o prolongamento do sinclinal do Rdo: Serra das Talhadas (flanco NE) e Serra do Perdigo (flanco SW). O prolongamento do sinclinal do Rdo estende-se para S at terminao em monoclinal basculado, de S. Miguel. Imediatamente esquerda da crista quartztica, observa-se a drenagem bem encaixada nos xistos na zona de Salavessa e, no horizonte, a homloga Serra de S. Mamede. Para NE, a Superfcie de Aplanao de Castelo Branco, os relevos granticos da Gardunha e da Estrela, assim como toda a restante Cordilheira Central portuguesa, no seu limite meridional, materializado pela Serra de Alvelos. Para NW, o sinclinal do Rdo complicado por cavalgamentos imbricados e, j para ocidente, as cristas quartzticas do sinforma D3 de Amndoa-Carvoeiro. Para SW, vislumbra-se a imensa plancie aluvial pliocnica do Tejo. Apesar de ser um geosstio privilegiado para observao da paisagem (NETO DE CARVALHO & MARTINS, 2006), apresenta um reduzido potencial de uso. O local encontra-se descaracterizado do ponto de vista natural, com antenas, cabos de alta tenso, focos de poluio visual e ambiental, infra-estruturas industriais que reduzem as potencialidades tursticas e educativas ao nvel local. No obstante, o geosstio tem condies para a criao de um leitor de paisagem para a interpretao da riqueza geolgica do vale do Tejo (Fig. 7).

2.1.6. Miradouro do Cabeo da Achada (6) Este um miradouro de elevado valor cnico, com um enquadramento paisagstico privilegiado que proporciona uma das melhores vistas panormicas sobre o Monumento Natural das Portas de Rdo e ainda sobre o vale do Tejo e seus terraos fluviais escalonados (NETO DE CARVALHO, 2005c; Fig. 7). O prolongamento do flanco SW, em Nisa, est materializado na Serra de S. Miguel. A primeira fase de deformao Varisca teve uma direco de compresso principal N25-35E, tendo gerado a grande dobra em sinclinal de Vila Velha de Rdo, com plano axial N55-65W sub-vertical, cujo eixo materializado, grosso modo, pela Ribeira da

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Figura 7. Geosstios de Vila Velha de Rdo. a) Miradouro de Almeiro, perspectiva para Norte; b) v.g. Penedo Gordo, o ponto mais elevado do concelho; c) Vista do prolongamento para SW do sinclinal do Rdo; d) A Charneca e o escalonamento em terraos embutidos do Tejo a partir do miradouro do Cabeo da Achada (para interpretao veja-se CARVALHO et al., (2006); e) Perspectiva sobre a apertada inflexo do Tejo, na zona de Porto do Tejo; f) Escarpa de linha-de-falha do Ponsul a delimitar o vale morto de Alfrvida e a Bacia de Rdo-Moraleja; g) Prolongamento do vale de Alfrvida na direco de Aafal; h) Imagem de satlite sobre o vale de Alfrvida que mostra as caractersticas topogrficas da antiga parte vestibular do Rio Ponsul, antes da sua captura pelo actual troo fortemente encaixado ( direita e em cima). AAFA On Line, n 2 (2009) Associao de Estudos do Alto Tejo, www.altotejo.org

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Corga. Nesta barroca, as coluvies cobrem quase todo o Ordovcico-Silrico Inferior. Deste miradouro observam-se os meandros vestibulares da Ribeira do Aafal e a estrutura do Vale Morto de Alfrvida. Como valores acrescidos, este geosstio apresenta exuberante vegetao autctone, nomeadamente comunidades de zimbro e imponentes sobreiros, assim como os vestgios de uma fortificao do tipo bateria (Bateria das Batarias), testemunha das invases francesas e da linha defensiva estabelecida pelos cumes da Serra das Talhadas. O miradouro apresenta interesse local, com potencial didctico moderado e turstico elevado. O acesso ao miradouro deve ser preparado e a bateria dever ser dignificada atravs da colocao de um painel interpretativo.

2.1.7. Vale Morto de Alfrvida (7) Singular vale aberto, com cerca de 1,5 km de largura, que se estende de Alfrvida at ao Tejo e por onde corre actualmente a pequena Ribeira de Lucriz, sem encaixe significativo. Segundo RIBEIRO (1943b) era por aqui que o antigo Ponsul se escoava para o Tejo, aps 35 km de controlo estrutural do leito do rio. Ter sido um afluente do Tejo que, recuando as cabeceiras, o desviou por captura. Este vale, que se pode percorrer pelo caminho de Alfrvida - Vale de Pousadas, segue o alinhamento NE-SW da Falha do Ponsul, observando-se a escarpa de linhade-falha bem desenvolvida para W (Fig. 7). Este vale morto mostra-se pantanoso no Inverno e drenado por duas linhas de gua com a mesma orientao, mas sentidos opostos. O vale abre para uma plancie aluvial que se estende at ao Tejo, na zona de Aafal. O geosstio apresenta valor regional pelo seu potencial didctico e escala do fenmeno geolgico. Como forma de valorizao, sugere-se a implementao de um percurso pedestre que explore a geomorfologia e os ecossistemas deste vale, a partir de Alfrvida.

2.2. Geosstios de Interesse estratigrfico/sedimentolgico

2.2.1. Areeiro de Peroledo Vilar de Boi (8) Esta explorao do tipo areeiro, junto da EN 359-7, paralela IP2, exibe a Formao de Falagueira, com cerca de 10 m de espessura, em perfeitas condies de observao e com grande legibilidade (CUNHA & MARTINS, 2000; CARVALHO et al., 2006). A Formao de Falagueira assenta em discordncia sobre filitos do Grupo das Beiras. Distinguem-se sedimentos arenosos grosseiros, macios ou com laminao ondulada e oblqua, na base, e conglomerados estabelecidos em paleocanais, com laminaes oblquas. Esta sequncia testemunha a arquitectura do Pr-Tejo, de pequenos canais cascalhentos deambulantes por uma plancie aluvial extensa, sem existncia de vale definido (Fig. 8). O areeiro mostra-se activo. Para este geosstio de interesse local dever existir uma monitorizao da explorao e a colocao de um painel interpretativo, com a reconstituio da paisagem do Pr-Tejo.

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2.2.2. Terrao T1 de Monte do Pinhal (9) Este o terrao fluvial mais antigo do Rio Tejo, localizado na Charneca a 183 m de altitude, em discordncia angular sobre as arcoses da Formao Cabeo do Infante. Aqui existe uma pequena rea de conheiras (HENRIQUES & CANINAS, 1984) onde tero sido achados os Troncos Fsseis de Vila Velha de Rdo (veja-se NETO DE CARVALHO & RODRIGUES, 2008; Fig. 8). Esta explorao pertenceu ao complexo mineiro da Charneca. O geosstio identificado por CUNHA & MARTINS (2000, 2005) e CARVALHO et al. (2006) apresenta valor regional atendendo sua importncia cientfica. A sua valorizao passa por uma prospeco paleontolgica de detalhe e por uma cartografia arqueolgica no contexto das exploraes aurferas da Charneca.

2.2.3. Terrao T3 de Vilas Ruivas (10) Este um terrao fluvial do rio Tejo que materializa o terceiro embutimento do rio e constitudo por conglomerados de matriz areno-feldsptica, com o topo do enchimento sedimentar a 124 m de altitude. Aqui foram encontrados importantes vestgios de estruturas de habitao temporria e achados de indstrias Acheulense, Musteriense e Magdalenense (RAPOSO, 1987b). O terrao ter sido parcialmente desmontado para a extraco de ouro, na zona de Violeiros, possivelmente associado estrutura mineira de Conhal do Arneiro, na margem sul do Tejo. Esta conheira foi, em grande parte, destruda por aproveitamento dos balastros na linha de caminho de ferro (HENRIQUES & CANINAS, 1984). Trata-se ainda de um excelente ponto de observao do Monumento Natural das Portas de Rdo, com a barra arenosa da Fonte das Virtudes e o afeioamento da linha de cumeada das serras das Talhadas e de S. Miguel (Fig. 8). A sua importncia geolgica tem valor regional, atendendo possibilidade de datao da etapa de enchimento sedimentar (CUNHA et al., 2005) e pelo reconhecimento das mais antigas estruturas de habitat humano em Portugal (Raposo, 1987a,b). O local ser beneficiado com a implementao do PR2-Vilas Ruivas, um percurso pedestre que, se devidamente interpretado, ter um elevado interesse pedaggico e turstico. O geosstio foi inicialmente identificado por CUNHA & MARTINS (2000, 2005) e CARVALHO et al. (2006).

2.2.4. Terrao T3 de Monte do Famaco (11) Este terrao cascalhento apresenta abundantes achados lticos do Acheulense mdio (RAPOSO, 1987b; 1995), correspondentes aos mais antigos indcios da presena humana na regio. O terrao fluvial foi parcialmente desmontado por uma explorao aurfera de tipo Romano, numa rea aprecivel, desde a parte norte da Quinta do Famaco at junto das casas do Monte da Charneca, s cotas de 110-150 m (HENRIQUES & CANINAS, 1984). Esta antiga explorao est na continuidade do complexo mineiro da Charneca. O geosstio (CUNHA & MARTINS, 2000, 2005; CARVALHO et al., 2006) apresenta um valor cientfico e paisagstico escala regional, merecendo um estudo arqueolgico de pormenor no que diz respeito ao espao mineiro assim como a integrao num percurso pedestre interpretativo sobre a temtica do ouro.

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Figura 8. Geosstios do concelho de Vila Velha de Rdo. a) e b) Perspectivas da Formao de Falagueira no geosstio de Peroledo-Vilar de Boi; c) Terrao de Monte do Pinhal: actividade realizada no mbito Encontro Distrital dos Clubes da Floresta; d) Vista das Portas do Rdo a partir do terrao fluvial de Vilas Ruivas; e) Pormenor do enchimento sedimentar do depsito de terrao; f) Formao de Perais: pormenor dos veios de quartzo de exsudao intensamente dobrados; g) Aspecto da Formao de Perais (bssola como escala).

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2.2.5. Estratotipo da Formao de Perais (12) O estratotipo referencial para a regio (SILVA et al., 1995) situa-se num trecho do vale encaixado do Tejo particularmente belo, no acesso ao parque de merendas de Perais. Neste local possvel observar as caractersticas sedimentolgicas da formao turbidtica, predominantemente peltica a atestar o carcter distal da deposio dos materiais gravticos no talude continental. A sequncia cortada por numerosos veios de quartzo milimtricos a decimtricos, que foram deformados com as rochas metassedimentares ao longo da Orogenia Varisca (Fig. 8). Estas so algumas das mais antigas rochas da regio. O geosstio tem uma importncia regional atendendo sua relevncia cientfica para a caracterizao da estratigrafia portuguesa. O local dever ser beneficiado com um painel explicativo.

2.2.6. Corte Geolgico da Portela da Milharia (13) Este um corte de referncia para a estratigrafia do Paleozico Inferior da regio do Rdo. No corte geolgico ocorrem xistos argilosos do Ordovcico Mdio-Superior em contacto tectnico com a Formao do Quartzito Armoricano, mais antiga, atravs de vrias falhas de cavalgamento imbricadas, alis afectando todo o corte, cujas caixas apresentam milonitos. Os quartzitos silricos da Formao de Vale da Ursa mostram-se algo fossilferos, com Skolithos e marcas de ondulao. Nesta formao observa-se uma dobra isoclinal D2 redobrada (Fig. 9). A Formao de Aboboreira, sobrejacente, apresenta fsseis abundantes de graptlitos, bivalves e vestgios raros de possveis europterdeos (Fig. 9). O geosstio apresenta valor regional por ser um dos raros locais onde se encontram fsseis do Silrico e pelas suas potencialidades didcticas. O corte de estrada deve ser monitorizado para manter ou melhorar as suas caractersticas de exposio.

2.3 Geosstios de interesse paleontolgico

2.3.1. Corte Geolgico da Ponte do Rdo (14) Este corte estende-se desde a EN 18, em frente estao de combustvel da Ponte do Rdo, at EM 1373 (CUNHA & MARTINS, 2000, 2005; NETO DE CARVALHO, 2005c; CARVALHO et al. 2006). O corte geolgico apresenta a Formao do Quartzito Armoricano, com bancadas de quartzito e intercalaes de filitos, progressivamente dominantes. Ao longo da sequncia, que se encontra fortemente dobrada e falhada, a sedimentao mostra-se progressivamente mais peltica. Assim, na parte inferior do corte predominam as camadas quartzticas decimtricas com finas intercalaes xistentas micceas subordinadas. Predominam as figuras de corrente (ripples assimtricas) e uma icnofcies de Skolithos tpica. Para o topo d-se o incremento dos pelitos rosas, cinzentos e esverdeados com abundante mica e Cruziana ispp. Mas um olhar mais atento revela a interessante ocorrncia no de fsseis de braquipodes e marcas do comportamento de organismos invertebrados. Destacam-se os braquipodes linguiliformes, pois permitem reconstituir a paleogeografia do litoral do supercontinente Gondwana (Ordovcico Inferior) (NETOAAFA On Line, n 2 (2009) Associao de Estudos do Alto Tejo, www.altotejo.org

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DE CARVALHO, 2006b). Segundo este autor, foram identificados na sequncia quartztica trs nveis com braquipodes in situ e alguns exemplares soltos no Sinclinal do Rdo (Fig. 9). tambm de destacar a existncia de ripple marks que indicam o sentido das paleocorrentes essencialmente para NE. Junto passagem de nvel observam-se nos quartzticos dobras apertadas que materializam a intensa deformao ocorrida durante a orogenia Varisca. Existem icnofsseis do tipo Cruziana e Daedalus que permitem interpretar o comportamento de invertebrados, ao nvel dos hbitos de locomoo, alimentao e habitao e reconstituir a fauna existente no fundo ocenico que abrangia a regio. Os quartzitos passam gradualmente aos pelitos cinzentos e negros da Formao do Brejo Fundeiro. Na continuao do corte aparece uma jazida de graptlitos muito importante, na medida em que foi ali encontrada pela primeira vez em Portugal a espcie Didymograptus amplus (ROMARIZ & GASPAR, 1968). Note-se que este grupo, extinto h 300 milhes de anos, representa importantes fsseis de idade para o intervalo de tempo 465-460 milhes de anos correspondendo a colnias de pequenos hemicordados planctnicos. Desde o final do sc. XIX at meados do sc. XX foram feitas diversas colectas de fsseis neste sector da Barroca da Senhora pelos antigos Servios Geolgicos de Portugal (actual LNEG), nomeadamente para a realizao da Carta Geolgica de Portugal escala de 1/50000 (RIBEIRO et al., 1967). Daqui resultou um esplio paleontolgico interessante que pode ser encontrado na Litoteca e no Museu Geolgico do INETI, em Lisboa. Segue-se o inventrio dos fsseis revistos nestas duas instituies (Tabelas 3 e 4).

Tabela 3. Fsseis e icnofsseis da rea das Portas do Rdo, que se encontram na Litoteca do LNEG.N Caixa765

LocalizaoCamada 24 Corte Vila Velha de Rdo

IdadeArenigianoOretaniano

ClassificaoDaedalus halli Lingulobolus sp. Cruziana furcifera Cruziana goldfussi Arthrophycus alleghaniensis Arthrophycus isp. Cruziana furcifera Arthrophycus linearis Cruziana goldfussi Cruziana beirensis Cruziana furcifera Cruziana goldfussi Cruziana rugosa Arthrophycus linearis Rusophycus isp. Cruziana rouaulti Cruziana isp. Cruziana furcifera Cruziana goldfussi Cruziana rouaulti Daedalus halli Cruziana furcifera Monomorphichnus lineatus

N de Exemplares6 1 1 1 1 2 3 1 1 1 1 2 1 2 1 1 1 4 1 3 4 1 1

699 Camada 10 Corte Vila Velha de Rdo 700 ArenigianoOretaniano

701

Camada 20 Corte Vila Velha Rdo

ArenigianoOretaniano

701 702 Camada 2 Corte Vila Velha de Rdo ArenigianoOretaniano

703

Camada 9 Corte Vila Velha Rdo

ArenigianoOretaniano

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703 694 694 694 694 693 693 693 704 704 704 697 697 697 697 697 697 697 697 698 698 698

Camada 10 Corte Vila Velha de Rdo Camada 17 Corte Vila Velha Rdo Camada 18 Corte Vila Velha Rdo Camada 17 Corte Vila Velha Rdo

ArenigianoOretaniano Dobrotiviano Dobrotiviano Dobrotiviano

Camada 26 Corte Vila Velha Rdo

ArenigianoOretaniano

Dobrotiviano

Dobrotiviano Camada 15 Corte Vila Velha Rdo ArenigianoOretaniano Dobrotiviano ArenigianoOretaniano

900mS14E Castelo

698

Camada 15 Corte Vila Velha Rdo

Dobrotiviano

698 696 695

Camada 25 Corte Vila Velha Rdo Camada 15 Corte Vila Velha Rdo

ArenigianoOretaniano Dobrotiviano Dobrotiviano ArenigianoOretaniano Dobrotiviano ArenigianoOretaniano ArenigianoOretaniano

672

500m S14E Castelo

672 672 674

250m N12E Castelo

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INVENTRIO DO PATRIMNIO GEOLGICO DO CONCELHO DE VILA VELHA DE RDO: CONTRIBUTO PARA A CARACTERIZAO DO GEOPARK NATURTEJO DA MESETA MERIDIONAL Carlos Neto de Carvalho, Joana Rodrigues e Daniel Metodiev 674 692 692 692 691 689 689 Proximidades Portas do Rdo Camada 18 Corte Vila Velha Rdo Camada 19 Corte Vila Velha Rdo Camada 20 Corte Vila Velha Rdo Dobrotiviano ArenigianoOretaniano ArenigianoOretaniano Dobrotiviano ArenigianoOretaniano ArenigianoOretaniano Cruziana rugosa Braquipode Ortdeo Ectillaenus giganteus Neseuretus tristani tristani Cruziana goldfussi Arthrophycus alleghaniensis Neseuretus tristani tristani Cruziana rouaulti Cruziana furcifera 1 4 1 3 2 1 6 3 2

Tabela 4. Fsseis e icnofsseis do concelho na posse do Museu Geolgico de Lisboa.

Localizao400m a E do Castelo de Vila Velha de Rdo Camada 15 Corte Vila Velha de Rdo Camada 5 Corte Vila Velha de Rdo 400m a E do Castelo de Vila Velha de Rdo Camada 5 Corte Vila Velha de Rdo Camada 8 Corte Vila Velha do Rdo Camada 24 Corte Vila Velha Rdo

Data de Recolha29-09-1874 29-09-1874 29-09-1874 29-09-1874 1-04-1885 1-04-1885 22-04-1885

Classificao originalRedonia bohemica Barrande Fraena lyelli Vexillum halli -

ClassificaoNeseuretus (N.) tristani Cruziana rugosa Redonia deshayesi Cruziana goldfussi Neseuretus (N.) tristani Neseuretus (N.) tristani Cruziana rouaulti Daedalus halli Daedalus halli Daedalus halli Arthrophycus alleghaniensis Cruziana goldfussi Cruziana rouaulti Cruziana rouaulti Cruziana goldfussi Lingulobolus sp. Arthrophycus isp. Lingulobolus sp.

N de Exemplares1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 1 1

Camada 5 Corte Vila Velha de Rdo

31-03-1885

Cruziana barriosi Fraena lyelli -

1200m S80W igreja Vila Velha de Rdo 1200m S70W v.g. Igreja Vila Velha de Rdo 1200m S80W igreja Vila Velha de Rdo

21-10-1896 21-10-1896 21-10-1896

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Figura 9. Geosstios do concelho de Vila Velha de Rdo. a) Deformao no corte geolgico da Portela da Milharia; b) Vestgios de fsseis do Silrico Inferior; c) Perspectiva de uma falha com milonito, a cortar a Formao de Aboboreira; d) Cruziana goldfussi na Formao do Quartzito Armoricano, da sequncia do Rdo; e) O fssil mais antigo encontrado no Rdo, cuja recolha se encontra datada de 1874, correspondente a Neseuretus tristani tristani (coleces da Litoteca); f) Lingulella, fssil de braquipode; g) Geologia no Vero, iniciativa no mbito do Programa Cincia Viva, com visita aos Troncos Fsseis da Casa das Artes do Tejo; h) troncos fsseis nas coleces da Sala de Arqueologia do Rdo.

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Pela relevncia regional deste geosstio em termos cientficos o local poder ser beneficiado com um painel interpretativo, ainda para mais porque se insere no percurso pedestre PR1-Rota das Invases e no Monumento Natural das Portas do Rdo. Uma coleco representativa destes fsseis dever enriquecer o espao expositivo do futuro Centro de Interpretao do Rdo.

2.3.2. Troncos Fsseis de Vila Velha de Rdo (15)o primordial e perene tronco de rvore fossilizado, que entorpecido aqui adormeceu, (BATISTA, 2001)

Os troncos fsseis foram encontrados na Charneca, nos terraos erosivos do rio Tejo, e foram classificados como Annonoxylon teixeirae, datando de h cerca de 5 15 milhes de anos (PAIS, 1991). Constituem alguns dos raros exemplos de fsseis encontrados em depsitos cenozicos na Beira Baixa e dos poucos desta espcie em Portugal, tendo sido descritos em detalhe, bem como a sua importncia e potencial de uso por NETO DE CARVALHO & RODRIGUES (2008). O seu desgaste e adoamento das arestas, as incises provocadas por seixos e as fracturas permitem reconstituir as condies de transporte fluvial enrgico que sofreram at serem depositados juntamente com outros clastos. Alm destas informaes os anis de crescimento, bem visveis em alguns troncos fsseis fornecem informaes sobre a variao climtica das estaes, sendo possvel retirar informaes dos ocos de apodrecimento e das marcas de interaco com insectos (NETO DE CARVALHO, 2005b; NETO DE CARVALHO & RODRIGUES, 2008). Por outro lado, esta espcie tpica de zonas quentes de floresta sempre verde, descoberta no contexto estratigrfico de Vila Velha de Rdo, pode ser muito til para a reconstituio climtica desta regio ao longo do Neognico, actualmente com clima claramente mediterrnico. Dois exemplares, os mais importantes, encontram-se na Casa das Artes e Cultura do Tejo e outros dois no Centro Municipal de Cultura de Vila Velha de Rdo. Possivelmente estes quatro troncos e o tronco de Perais, infelizmente perdido, constituiriam diferentes partes de uma mesma rvore. As valncias patrimoniais dos Troncos Fsseis de Vila Velha de Rdo (CUNHA & MARTINS, 2000; NETO DE CARVALHO, 2005a; NETO DE CARVALHO & MARTINS, 2006; CARVALHO et al., 2006) justificam-se da seguinte forma (NETO DE CARVALHO, 2004, 2005b):

Patrimnio Paleontolgico: - Raros fsseis encontrados nos depsitos cenozicos continentais da Beira Baixa; - Um dos raros achados paleobotnicos que permite reconstituir as condies climticas desta regio para um determinado intervalo de tempo do passado; - As suas dimenses que lhes do alguma imponncia (trata-se de fragmentos de um tronco de angiosprmica fossilizado); - Um dos poucos fsseis conhecidos de uma espcie extinta descrita pela primeira vez em Portugal;

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- A presena de marcas de interaco entre insectos e o tronco (padro de perfuraes) nunca antes descritas em outros exemplos de Portugal e ainda pouco conhecidas no registo fssil mundial. Estes dados ainda no se encontram suficientemente conhecidos e infelizmente perderam-se com o furto do Tronco Fssil do Monte da Coutada.

Patrimnio Geolgico: - Os aspectos tafonmicos dos troncos fsseis permitem reconhecer o seu historial como partcula sedimentar e reconstituir os paleoambientes no mbito estratigrfico em que foram descobertos. Considera-se, segundo os artigos 2, 14 e 15 da Lei n 107/2001, que o patrimnio natural descrito apresenta interesse relevante a nvel do concelho de Vila Velha de Rdo e da regio, designadamente paleontolgico e geolgico, pela sua originalidade, singularidade, raridade e exemplaridade, merecendo a classificao como Conjunto de Interesse Municipal. Os troncos fsseis que se encontram no jardim da Casa das Artes e Cultura do Tejo iro ser mais realados enquanto geomonumentos com um painel interpretativo, enquadrado na linha de comunicao do projecto de sinaltica do Geopark Naturtejo (ANDR, 2009). Vejam-se ainda as sugestes de valorizao pedaggica e turstica, apresentadas por NETO DE CARVALHO & RODRIGUES (2008).

2.3.3. Estao zooarqueolgica de Foz do Enxarrique (16) Este terrao fluvial, situado a 82 m de altitude, corresponde ltima etapa de agradao sedimentar anterior ao encaixe presente do Rio Tejo. Neste local foi encontrada uma indstria abundante datada do Musteriense (Paleoltico Mdio) com abundantes restos fsseis de mamferos (veado, cavalo, auroque, elefante), pssaros e peixes (RAPOSO, 1987,b, 1995a,b). Dataes radiomtricas da lamela de um molar superior de Elephas antiquus mostram que os derradeiros elefantes na Europa tero vivido no vale do Tejo h 33000-34000 anos (ANTUNES & CARDOSO, 1992). Esta jazida encontra-se classificada como Imvel de Interesse Pblico e inserida no Monumento Natural das Portas de Rdo. O valor deste geosstio (CUNHA & MARTINS, 2000, 2005; CARVALHO et al., 2006) internacional atendendo ao esplio paleontolgico encontrado e ao potencial de uso em actividades educativas. A rea ir brevemente ser intervencionada pela Cmara Municipal de Vila Velha de Rdo, integrada num projecto de requalificao do Cais do Tejo. No espao deixado pela escavao poderia constituir-se um Parque Paleoltico, com rplicas em tamanho real dos animais que viveram nesta zona do Vale do Tejo (Fig. 10) exemplificando aspectos do seu modo de vida, assim como das actividades do Homem no local (execuo de objectos lticos, caa) acompanhados com a reproduo de uma escavao arqueolgica a cu aberto semelhante que se desenrolou no local. Este projecto teria um carcter inovador fazendo a ponte entre o novo Centro de Interpretao do Rdo e as visitas tursticas no Vale do Tejo. Em poucos lugares do mundo se poderia desfrutar, em pleno rio, da viso de um enorme Elephas antiquus, com mais de 4 m de altura, no seu habitat de h 34000 anos, como aqui, de frente para o grandioso Monumento Natural das Portas do Rdo.

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2.4. Geosstios de interesse tectnico

2.4.1. Cavalgamento de Vinagra-Foz do Cobro na Fonte das Virtudes (17) No talude da linha de caminho de ferro observa-se, com clareza, um cavalgamento do Grupo das Beiras sobre os quartzitos ordovcicos. O Cavalgamento de Vinagra-Foz do Cobro caracterizado por uma geometria em duplex, com orientao NNW-SSE e inclinao elevada para SW. As estrias do plano de cavalgamento mostram um movimento cavalgante com uma componente ligeiramente direita (METODIEV & ROMO, 2008; Fig. 10). Associada falha est a Fonte das Virtudes, com uma gua mineral a 230 C que borbulha num pequeno charco de guas cristalinas. J Fr. Joo Baptista, em 1758, declarava a fama destas guas no tratamento de doenas de pele. Pela mesma altura, o Cura Francisco Rombo, de Fratel, descreve a Fonte das Virtudes como olho de gua grande que se chama por antiguidade fonte das virtudes, nasce da parte norte debaixo dum penhasco e corre para o rio Tejo. Curiosamente, refere Francisco Fonseca Henriques na obra Aquilgio Medicinal, de 1726, que Ela nasce to quente, que no pode beber-se. O seu mineral enxofre, que o cheiro, e o calor o mostram. Esta nascente foi procurada em tempos por grande nmero de enfermos da regio. Entre as dcadas de 40 e 70 do sc. XX chegou a funcionar um pequeno balnerio muito bsico, com habitaes em madeira, que s funcionava no vero. Este, porm, fechou definitivamente na dcada de oitenta. Segundo o Boletim de Anlise do Instituto Superior Tcnico de 15 de Junho de 1929, a gua das Virtudes oligossalina, com apenas 78,8 mg/l., levemente cloretada, sulfatada, carbonatada sdica. O geosstio identificado por CUNHA & MARTINS (2000, 2005) e CARVALHO et al. (2006) apresenta elevado valor cientfico e pedaggico local. A grande qualidade paisagstica merece uma beneficiao turstica do local.

2.4.2. O Nascente (18) Trata-se de uma dobra concntrica associada 2 fase de deformao Varisca, situando neste local a zona de descarga do aqufero (220 m de altitude), atravs da nascente do Ribeiro do Cobro. Esta abastece a povoao de Foz do Cobro, com um interessante caudal de 9,8 l/s. A gua apresenta-se pouco minera