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outubro de 2013 Patrícia Marlene Pinto Alves A Responsabilidade do Estado por Imposição de Sacrifício Universidade do Minho Escola de Direito Patrícia Marlene Pinto Alves A Responsabilidade do Estado por Imposição de Sacrifício UMinho|2013

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outubro de 2013

Patrícia Marlene Pinto Alves

A Responsabilidade do Estado por Imposição de Sacrifício

Universidade do Minho

Escola de Direito

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Trabalho realizado sob a orientação da

Professora Doutora Isabel Celeste Monteiro

Fonseca

outubro de 2013

Patrícia Marlene Pinto Alves

Universidade do Minho

Escola de Direito

Dissertação de Mestrado Mestrado em Direito Administrativo

A Responsabilidade do Estado por Imposição de Sacrifício

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ii

AGRADECIMENTOS

A presente Dissertação é dedicada a todas as pessoas que contribuíram para a

minha formação, em especial à minha orientadora de Mestrado, a Sra. Professora

Doutora Isabel Celeste Monteiro Fonseca que foi uma pessoa essencial para o apoio na

elaboração da presente tese, demonstrando-se sempre disponível e incansável para me

orientar, e à minha família mais próxima, nomeadamente à minha mãe, ao meu pai e ao

meu irmão. A todas estas pessoas fico sincera e humildemente grata. Aproveito desde já

também para agradecer a todo o corpo docente da Escola de Direito da Universidade do

Minho, pólo de Gualtar, Braga, pelos conhecimentos que me transmitiram quer ao longo

da Licenciatura em Direito, quer ao longo da parte letiva da Pós-graduação em Direito

Administrativo. Aproveito para agradecer à Professora Fernanda Paula Oliveira, da

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pela ajuda que ela me deu em

relação à bibliografia em sede de Direito do Urbanismo, mais propriamente no que

respeita ao regime das expropriações. Aproveito a oportunidade também para agradecer

o contributo da Professora de Direito Carla Amado Gomes que através da rede social

facebook me ajudou com indicações bibliográficas.

Após muito esforço quer inteletual, quer financeiro e após muita dedicação,

espero que a presente Dissertação seja um meio inovador no desenvolvimento e

conhecimento mais aprofundado do Direito Administrativo e da responsabilidade do

Estado por imposição de sacrifício. Aguardo também que venha a ser uma ajuda para o

futuro estudo das pessoas que se venham a revelar ter interesse pelo Direito Público,

nomeadamente pela área do Direito Administrativo. Como tema interessante que é,

espero não desiludir quem venha a estudar e a ler a presente tese de mestrado em Direito

Administrativo. Esta dissertação de mestrado tem uma grande relevância na minha vida,

dado que o ano de 2013 revelou-se um ano complicado para mim, cheio de desgostos

emocionais. Quero agradecer o apoio da Andreia Carvalho e da Clara Moreira. Esta tese

foi o meu refúgio, uma das poucas alegrias que tive durante o ano de 2013, além da

passagem à fase de formação complementar de estágio da Ordem dos Advogados

Portuguesa. Aprendi que a vida é feita de altos e baixos e que o estudo da área de que se

gosta ajuda muito a ultrapassar os obstáculos e a evoluirmos positivamente na aquisição

de novos conhecimentos. Por muito que se estude, passa-se a vida toda a aprender.

«A juventude mostra o Homem tal como a manhã mostra o dia».

JOHN MILTON

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A Responsabilidade do Estado por Imposição de Sacrifício

RESUMO

O artigo 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o novo regime

de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas dispõe

sobre Indemnização pelo sacrifício, sendo de realçar o perímetro de aplicação da

indemnização pelo sacrifício. Esta abrange os denominados danos especiais e anormais

que decorrem do exercício da função administrativa, designadamente os provenientes de

atos administrativos lícitos e ações praticadas em estado de necessidade administrativa,

a que se referiam os números 1 e 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de

Novembro de 1967.

A lei supra mencionada foi alterada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Junho do

RRCEE, e tal aparecimento, tinha de entre as suas finalidades, a de traduzir os modelos

de efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado na sua tripla veste de

legislador, administrador e juiz, por violação do Direito Comunitário.

Trata-se de um tema inovador, quer a nível nacional, quer a nível do Direito

Comunitário, dado que, na atualidade é um tema muito pouco explorado a nível de

escrita.

Iremos, ainda, mencionar a importância do Código das Expropriações no que

respeita às figuras da expropriação e da requisição por utilidade pública.

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The Civil Extracontractual Responsability of the State to the Imposition of the

Sacrifice

ABSTRACT

The article 16. º of the law 67/2007, of 31 December, approved the new position

of the civil extracontractual responsibility of the state and public entities. The

Indemnisation of the sacrifice contains the specials and anormals wrongs that derived of

the exercise to the administrative fonction, of the licites acts and the actions that were

exercised on necessity state.

That law was suffering a change by the law 31/2008, of 17th

June RRCEE. The

Community Law is important for the theme of this master thesis, because implanted the

importance of the legislator, administrator and judge in this matter.

So, the Expropriations Code explains the regime of the expropriations and

requisition for public utility. It is a very important theme to be study for the people that

have interest of the Portuguese public law, in special, for the Portuguese and European

administrative law.

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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS…………………………………………………………ii

RESUMO………………………………………………………………………iii

ABSTRACT…………………………………………………………………....iv

ÍNDICE…………………………………………………………………………v

ABREVIATURAS…………………...…………………………………………1

INTRODUÇÃO………………………………………………………………....2

PARTE I - ENQUADRAMENTO SOBRE O INSTITUTO DA

RESPONSABILIDADE

CAPÍTULO I. Da perspetiva histórica da responsabilidade civil ao Decreto – Lei

n.º 48 051 e a reforma de 2002

1. A perspetiva histórica de Direito Comparado e a evolução histórica da

responsabilidade civil administrativa……………………………………4

1.1.Da Constituição para a Lei…………………………………………...9

2. A responsabilidade civil administrativa, sua noção e aspetos

gerais…………………………………………………………………….16

3. O regime de responsabilidade objetiva por danos causados por normas emitidas

no desempenho da função administrativa………………………………16

3.1. A razão do tema…………………………………………………….16

3.2. Base legislativa ou base diretamente constitucional para a responsabilidade

por fato de regulamento? A responsabilidade por facto de regulamento entre

a responsabilidade por ato legislativo e a responsabilidade por ato

administrativo………………………………………………..……..18

4. O âmbito de incidência objetiva do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48

051…………………..………………………………………………..…22

4.1. A gestão pública como critério material da extensão do Decreto-Lei n.º 48

051, de 21 de Novembro de 1967…………………………………..22

5. A interpretação do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967

à luz de elementos de ordem literal e teleológica………………………..24

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6. O contexto intertextual do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro, em

1967…………………………………………………………………….....31

7. O contexto intertextual do antigo Decreto-Lei n.º 48

051……..………………………………………………………………......32

8. A reforma de 2002 e o âmbito da jurisdição administrativa………………36

PARTE II – QUADRO LEGAL VIGENTE

CAPÍTULO II. Da lei vigente do regime da responsabilidade civil

1.A lei 67/2007, de 31 de Dezembro…………………………………………..41

1.1. Unificação da competência contenciosa dos tribunais administrativos no âmbito

da responsabilidade civil extracontratual da Administração: unidade de jurisdição vs

dualidade de regime substantivo………………………………………………..41

1.2. Âmbito da aplicação………………………………………………………..42

1.3. Função jurisdicional………………………………………………………..47

1.4. Função (político-) legislativa…………………………………………….....47

1.5. Obrigação de indemnizar…………………………………………………...50

1.5.1.Função administrativa……………………………………………………..50

1.5.2. Função jurisdicional……………………………………………………...52

1.5.3. Função político-legislativa…………………………………………….....54

1.5.4. Culpa do lesado por não utilização da via processual adequada……........54

1.5.5. Obrigatoriedade do exercício do direito de regresso………………..…....56

1.5.6. Responsabilidade por facto ilícito – âmbito normativo da ilicitude: ilegalidade

substantiva vs ilegalidade formal………………………………………..….…...58

1.5.7. Critério de aferição da culpa: presunção de culpa leve para a prática de atos

jurídicos ilícitos e incumprimento de deveres de vigilância…………..………..59

1.5.8. Responsabilidade pelo risco…………………………………..……….....63

1.5.9. A indemnização pelo sacrifício……………………………..………..…..64

1.6 A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário..……66

2.Classificações da responsabilidade civil administrativa………………...……86

3. Responsabilidade civil por ato de gestão pública: responsabilidade extracontratual

delitual…………………………………………………………………………...88

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4. A responsabilidade civil extracontratual pelo risco………………………108

5.A responsabilidade extracontratual por facto lícito………………….….....112

PARTE III - A RESPONSABILIDADE POR IMPOSIÇÃO DE SACRIFÍCIO

CAPÍTULO III. A responsabilidade do Estado por imposição de sacrifício: base

legal, abrangência e o Código das Expropriações no Direito do Urbanismo

1. A responsabilidade por imposição de sacrifício…………………………116

2. A abrangência da responsabilidade por imposição de sacrifício e as

indemnizações compensatórias pelo sacrifício de atuações administrativas lícitas

ou em estado de necessidade……………………………………………..125

3. As causas de exclusão da ilicitude e a compensação pelo sacrifício

…………......................................................................................................139

4. A indemnização pelo sacrifício pode também constituir uma das formas de

responsabilidade civil da função administrativa………………………....145

5. O regime das expropriações em sede de Direito do Urbanismo…………147

6. A relevância jurisprudencial do Tribunal Constitucional……………….159

CONCLUSÕES……………………………………………………………...162

BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………..169

JURISPRUDÊNCIA…………………………………………………………179

SÍTIOS DA INTERNET……………………………………………………..184

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ABREVIATURAS

Ac./ Acs. – Acórdão (s);

Art./ art. – Artigo/ artigo;

CA - Código Administrativo Português;

CC - Código Civil;

CCP - Código dos Contratos Públicos;

CE – Código das Expropriações;

Cedipre - Centro de Estudos de Direito Público e Regulação;

Cfr. - Conforme;

CJA - Cadernos de Justiça Administrativa;

CRP - Constituição da República Portuguesa;

Coord. - Coordenação;

DL - Decreto-Lei;

EDFAAP - Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública;

EMFAR - Estatuto dos Militares das Forças Armadas;

LBPOTU – Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território;

LOSTA - nova Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo;

LRCAP - Lei de responsabilidade civil da Administração Pública;

LPTA - Lei de Processo nos Tribunais Administrativos;

P. ou página./ pp. ou páginas. – Página/ Páginas;

RJIGT – Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial;

RJUE – Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação;

RLJ - Revista de Legislação e de Jurisprudência;

RRCEC ou RRCEE - Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e

Demais Entidades Públicas;

ROA - Revista da Ordem dos Advogados;

Polic. – Policopiadas;

Segs./ segs. – Seguintes;

STA - Supremo Tribunal Administrativo;

TAF – Tribunal Administrativo e Fiscal;

TC - Tribunal Constitucional;

TCAN – Tribunal Central Administrativo Norte;

TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos do Homem;

TJCE – Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia.

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INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil administrativa é o conjunto de circunstâncias da qual

emerge, para a administração e para os seus titulares de órgãos, funcionários ou agentes,

a obrigação de indemnização dos prejuízos causados a outrem no exercício da atividade

administrativa.

O artigo 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o novo

regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas

dispõe sobre Indemnização pelo sacrifício (que é o tema fulcral a ser retratato na

presente dissertação).

Ora, debruçando-nos sobre o perímetro de aplicação da indemnização pelo

sacrifício, esta abrange, desde logo, os danos especiais e anormais decorrentes do

exercício da função administrativa, designadamente os derivados de atos

administrativos lícitos e ações praticadas em estado de necessidade administrativa, a que

se referiam os n.ºs 1 e 2 do art. 9.º do DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

Porém, a localização sistemática da indemnização pelo sacrifício no Capítulo V

do RRCEE, separada da responsabilidade associada às funções administrativa,

jurisdicional e legislativa, a não imputação da indemnização pelo sacrifício a nenhuma

específica função estadual, assim como o estabelecimento pelo art. 16.º do RRCEE

como requisito da indemnização pelo sacrifício de razões de interesse público, sem

qualquer outra especificação em relação à natureza da atividade desenvolvida,

conduzem à conclusão de que aquela não engloba somente os danos especiais e

anormais que decorrem da função administrativa, incluindo, também, os danos especiais

e anormais que resultam do exercício das funções legislativa e política.

Destarte, o aparecimento da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, alterada pela

Lei 31/2008, de 17 de Junho (RRCEE), de há muito esperado, tinha, de entre os seus

objetivos, o de traduzir os modelos de efetivação da responsabilidade civil

extracontratual do Estado na sua tripla veste de legislador, administrador e juiz, por

violação do Direito Comunitário. Nas palavras de Carla AMADO GOMES: «A

jurisprudência comunitária vem expressamente afirmando a responsabilidade do Estado

desde 1991/1993, datas dos Acórdãos Francovich e Brasserie du Pêcheur,

respectivamente, e cumpria acolher devidamente essa lição no ordenamento jurídico

português». Como alerta Carla AMADO GOMES: «O arcaísmo do DL n.º 48 051 fazia-

se também aí sentir, e a sua inadequação à doutrina do Tribunal da Justiça das

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Comunidades Europeia (TJCE) foi mesmo passível de censura formal em sede de acção

por incumprimento».

De referir que na indemnização pelo sacrifício, enquanto modalidade de

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, vão

incluídos também danos especiais e anormais de conteúdo patrimonial provenientes de

atos lícitos integrados na função administrativa, rejeitando-se, deste modo, a tese que

reduz o âmbito de aplicação do art. 16.º do RRCEE «à responsabilidade pelo sacrifício

de bens pessoais (designadamente a vida, a integridade física, a saúde e a qualidade de

vida, bem como os direitos de personalidade referidos no art. 26.º, n.º 1, da CRP) e por

danos causados em estado de necessidade» e defende «a subordinação a um regime

comum das pretensões indemnizatórias pelo sacrifício de todo e qualquer direito

patrimonial privado, situado à margem da lógica do art. 16.º do RRCEE», encontrando

no art. 62.º, n.º 2, da CRP, concernente à indemnização por expropriação e por

requisição por utilidade pública, e no Código das Expropriações a disciplina da

indemnização de todos e quaisquer danos especiais e anormais de caráter patrimonial

decorrentes de atos lícitos da função administrativa.

De salientar que a nível das expropriações, o desdobramento que a noção de

expropriação tem sofrido nas últimas décadas coloca especiais problemas ao intérprete

que busca o Tatbestand da norma ínsita do RRCEE. A nossa conclusão vai no sentido

de que o legislador nacional deve reservar a indemnização pelo sacrifício para os casos

típicos (expropriação e requisição) e estendê-lo só a intervenções que, pela magnitude

de amputação de faculdades associadas à propriedade e ao uso standard que dela é feito,

devam merecer tratamento semelhante, destacando estas hipóteses do RRCEE e

submetendo-as ao Código das Expropriações. O artigo 16.º do RRCEE funciona como

um regime geral de compensação pelo sacrifício, que deverá ser utilizado em face de

ingerências lícitas – administrativas, no plano que nos ocupa – especiais e anormais na

esfera jurídica de particulares, sendo desnecessária a remissão para o seu dispositivo.

Tal artigo encontra-se filiado num princípio de justa repartição dos encargos públicos,

que emana dos artigos 2.º, 13.º e 18.º da CRP. Porém, consoante a posição jurídica

privada concretamente sacrificada pela ingerência administrativa, poderão estar também

em causa os artigos 26.º, n.º 1 ou 62.º, n.º 1 da CRP, isto é, perante danos de natureza

não patrimonial ou patrimonial, de forma respetiva.

30 de Agosto de 2013.

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Capítulo I

Da perspetiva histórica da responsabilidade civil ao Decreto – Lei n.º 48 051 e a

reforma de 2002

1. A perspetiva histórica de Direito comparado e a evolução histórica da

responsabilidade civil administrativa

No Estado absoluto, o poder público era considerado irresponsável pelos

prejuízos que provocasse aos particulares («the king can do no wrong»); a reparação de

tais prejuízos apenas ocorreria por uma graça do monarca. Para tal compreensão

contribuíram diversos fatores: a herança da noção romana de potestas, a fundamentação

divina do poder, as conceções bodiniana («la souverainité n`est limitée, ni en puissance,

ni en charge») e hobbesiana ( «princeps legibus solutus») da soberania, bem como a

imunidade de jurisdição da coroa ( no direito britânico: teoria da non suability) (1).

É ainda de referir que no período do Estado de polícia, aceitava-se, todavia, a

responsabilidade do Estado no âmbito das relações de caráter patrimonial que

mantivesse com os particulares, justificada com a teoria do Fisco.

As preocupações essenciais com a subtração da administração aos esquemas

igualitários do direito privado e com a afirmação da sua supremacia perante os

particulares, assim como a circunstância de a administração ter passado a ser vista como

atividade puramente executiva da legislação, por sua vez considerada como resultado

infalível da expressão da vontade geral, levaram a que, tal como aconteceu com outros

aspetos do absolutismo, o princípio da irresponsabilidade do Estado tivesse passado

para o direito administrativo do liberalismo oitocentista. Naquela época fez escola a

ideia segundo a qual «é próprio da soberania impor-se a todos sem compensações» (E.

Laferrière) (2).

Numa linha de continuidade com a fase final do Estado absoluto, era aceite a

responsabilidade do Estado no âmbito das relações de caráter patrimonial e não

soberano estabelecidas com os cidadãos. No restante, pelos danos causados a

particulares responderiam, quando muito, os funcionários administrativos, a título

estritamente pessoal; mas mesmo a responsabilidade pessoal dos funcionários era

(1) Neste sentido ver Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa,

Direito Administrativo Geral, Tomo III, 1.ª ed., (reimpressão da 1.ª edição: Julho de 2010), Lisboa, Dom Quixote, 2008, página 12. (2) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 12.

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fortemente limitada nas ordens jurídicas europeias continentais, que durante muito

tempo exigiram uma autorização superior para que ela pudesse ter lugar (sistema da

garantia administrativa, vigente na Alemanha até 1879, em França até 1873 e em

Espanha até 1869).

A afirmação de uma responsabilidade civil do Estado e das demais pessoas

coletivas administrativas por atos de autoridade foi uma conquista do século XX e, em

particular, do Estado social de direito. Na Alemanha, a responsabilidade civil

administrativa foi consagrada pelo artigo 131.º da Constituição de Weimar e,

posteriormente, pelo artigo 34.º do GG; somente em 1981 foi aprovada uma lei federal

geral da responsabilidade civil administrativa que, todavia, viria a ser declarada

inconstitucional pelo BVerfG, mantendo-se até hoje um vazio da legislação federal

nesta matéria. Em Espanha, o artigo 41.º da Constituição republicana de 1931 afirmou a

responsabilidade civil da administração, embora só a título subsidiário em relação à dos

seus titulares de órgãos, funcionários e agentes; à consagração, a partir de 1935, de um

princípio geral de responsabilidade civil da administração municipal, sucedeu-se o

estabelecimento, em geral, da responsabilidade civil da administração na Lei da

Expropriação Forçada de 1954, que passaria para a Lei do Regime Jurídico da

Administração do Estado (1957) e para a Lei do Regime Jurídico das Administrações

Públicas e do Procedimento Administrativo Comum (1992).

Nos Estados Unidos da América, foi preciso esperar até ao Federal Torts Claims Act

(1946) para que fosse consagrada a responsabilidade civil do Estado.

Em Inglaterra, a responsabilidade civil da Coroa foi consagrada pelo Crown

Proceedings Act de 1947 que, na tradição anglo-saxónica, manda aplicar-lhe o regime

da responsabilidade civil de direito comum (a responsabilidade civil da Coroa por atos

de polícia só foi, no entanto, instituída em 1964). Em França, a responsabilidade civil

administrativa tinha, por via da jurisprudência do Conselho de Estado, começado a

autonomizar-se da responsabilidade civil geral com o arrêt Blanco (1873), que afirmou

a competência jurisdicional dos tribunais administrativos em matéria de

responsabilidade civil administrativa, e com o arrêt Pelletier (1873), que iniciou uma

tendência para a desvalorização da responsabilidade pessoal dos funcionários (3); o

primeiro de uma série de resultados significativos daquela evolução deu-se com o arrêt

Anguet (1911), no qual se admitiu pela primeira vez a responsabilidade simultânea da

administração e dos seus titulares de órgãos, funcionários e agentes em caso de factos

(3) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa..., cit., p. 13.

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ilícitos e culposos (fautes) funcionais. O sistema francês de responsabilidade civil é,

ainda hoje, fundamentalmente de origem jurisprudencial

Em Portugal, o Código Civil de 1867, em consonância com o espírito do seu

tempo, estabeleceu a irresponsabilidade do Estado pelos prejuízos causados no exercício

da sua atividade de execução da lei (artigo 2399.º); pelos danos resultantes de atividades

ilegais eram responsáveis os funcionários administrativos, a título exclusivamente

pessoal (artigo 2400.º).

A garantia administrativa deixou de vigorar para a responsabilidade civil

precisamente em 1867 (embora tenha subsistido intermitentemente até ao Decreto-Lei

n.º 74/75, de 21 de Fevereiro, para a responsabilidade criminal em geral e aflore ainda,

embora em termos muito mitigados, no regime da detenção de militares fora de

flagrante delito: art. 24.º, n.º 1 do EMFAR). Na ausência de previsão legal específica, a

doutrina e a jurisprudência aceitavam a responsabilidade civil do Estado pelos prejuízos

provocados por atividades de gestão privada, como tal reguladas pelo direito privado.

Importa ainda salientar que a responsabilidade civil das entidades públicas

suscitou o interesse da doutrina civilista e administrativista da I República. A

consagração legal da responsabilidade civil administrativa extracontratual por atos

ilícitos de gestão pública datava dos anos trinta do século XX (portanto, antes do seu

surgimento na Alemanha, em Espanha, Estados Unidos e Inglaterra e, paradoxalmente,

num período de autoritarismo político): em 1930, o art. 2399.º CC foi revisto no sentido

de acrescentar à responsabilidade dos agentes estaduais a responsabilidade solidária do

próprio Estado; em 1936, o CA passou a estabelecer a responsabilidade civil das

autarquias locais pelos prejuízos resultantes de atos ilegais de gestão pública

compreendidos nas suas atribuições e competência (art. 366.º CA), embora mantendo a

regra da responsabilidade estritamente pessoal quanto aos prejuízos provocados por atos

de gestão pública viciados de incompetência, excesso de poder ou falta de formalidades

fundamentais (art. 367.º do CA). A responsabilidade civil administrativa pelo risco e

por ato lícito não foram objeto de previsão genérica, pelo que se entendia apenas

existirem nos casos expressamente previstos na lei (embora Marcello Caetano tenha

sustentado um princípio geral de responsabilidade por facto lícito a partir de 1950). A

responsabilidade civil administrativa por atos de gestão privada continuou a reger-se

pelo disposto no regime da responsabilidade civil de direito privado estabelecido no CC.

O atual CC (em vigor desde 1967) consagrou pela primeira vez disposições

especificamente aplicáveis à responsabilidade civil administrativa extracontratual por

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atos de gestão privada (arts. 500.º - 501.º CC), deixando para lei especial o regime da

responsabilidade civil administrativa extracontratual por ato de gestão pública. Aquela

disciplina viria a constar da LRCAP (entrada em vigor em 1967), que incluía

disposições sobre responsabilidade civil delitual, pelo risco e por facto lícito mas não

sobre responsabilidade civil administrativa contratual por ato de gestão pública. A

Constituição de 1976 consagrou o princípio da responsabilidade civil solidária da

administração e dos seus titulares de órgãos, funcionários e agentes pelos prejuízos

provocados no exercício das suas funções (art. 22.º da CRP, do qual decorre um direito

fundamental dos particulares à reparação dos danos, análogo aos direitos, liberdades e

garantias do Título II da Parte I da CRP (art. 17.º da CRP) e proibiu a garantia

administrativa (art. 271.º, n.º 1 da CRP, parte final).

A mudança de regime ocorrida em 1974, as novidades trazidas na matéria em

causa pela CRP, bem como o emergir de novos problemas, práticos e teóricos, no

domínio da responsabilidade civil, geral e administrativa, contribuíram para a

insuficiência do regime legal vigente desde 1967 e para a premência da sua revisão. Em

2001 foi apresentada à Assembleia da República uma proposta de lei que visava

substituir a LRCAP, na qual se intentava o aperfeiçoamento do regime vigente e se

regulava a responsabilidade civil por atos das funções legislativa e jurisdicional; a

proposta não chegou a ser votada, em virtude da demissão do XIV Governo

constitucional, e não foi retomada nas legislaturas seguintes (4).

Torna-se, porém, relevante mencionar que em 2006 voltou a ser apresentada

uma proposta de lei de teor muito próximo, da qual veio a resultar, após um complexo

processo legislativo que inclui um veto político presidencial, o novo Regime da

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, que entrou

em vigor em 30 de Janeiro de 2008. Se bem que, no plano da responsabilidade civil

administrativa, este não tenha introduzido alterações tão revolucionárias como na

responsabilidade civil do Estado por atos das funções jurisdicional (arts. 12.º -14.º

RRCEC) e político-legislativa (art. 15.º do RRCEC), ainda assim trouxe algumas

inovações, como a introdução de um regime da indemnização (arts. 3.º e 5.º do

RRCEC), com destaque para a regra da reintegração específica de danos (art. 3.º, n.º 1

do RRCEC), a definição do conceito de funcionamento anormal do serviço (art. 7.º, n.ºs

3 e 4 do RRCEC), o estabelecimento da obrigatoriedade do exercício do regresso contra

os responsáveis concretos pelo dano (art. 6.º do RRCEC) e de duas presunções de culpa

(4) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 15.

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leve na responsabilidade delitual (art. 10.º, n.ºs 2 e 3 do RRCEC), bem como o

alargamento do âmbito da responsabilidade pelo risco (art. 11.º, n.º 1 do RRCEC, que

passou a referir-se a atividades, serviços ou coisas «especialmente» e já não

«excecionalmente» perigosos).

Tal como dizem Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE

MATOS: «O CCP, que entrou em vigor quase simultaneamente com o RRCEC,

regulou, pela primeira vez no direito português, a responsabilidade civil administrativa

contratual» (5).

O artigo 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o novo

regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas

dispõe sobre Indemnização pelo sacrifício (que é o tema fulcral a ser retratato na

presente dissertação). Nas palavras de Carla AMADO GOMES: «tal disposição legal

vem suceder ao artigo 9.º do DL 48.051, de 21 de Novembro de 1967, previsão similar

mas não idêntica – não só porque, em razão da natureza do diploma, o seu âmbito se

restringia à responsabilidade por actos da função administrativa, mas também porque

autonomizava os actos praticados em estado de necessidade dentro da categoria de actos

lícitos» (6). Nascido sob a égide da Constituição de 1933, este dispositivo convivia com

a expropriação por utilidade pública, prevista no artigo 8.º, n.º 15 da Lei Fundamental,

confirmando a existência de direitos à compensação por danos para além da afetação do

direito de propriedade.

Importa explorar qual o fundamento e âmbito do artigo 16.º do RRCEE,

tentando, desta forma, destacar as situações cobertas pelos institutos da expropriação e

requisição por utilidade pública (e seus derivativos) – já muito escalpelizadas pela

doutrina administrativista, sobretudo pelos estudiosos do Direito do Urbanismo (7) - das

hipóteses de aplicação do instituto da compensação pelo sacrifício.

(5) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 16.

(6) Neste sentido ver Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in: «Revista do Ministério Público»: n.º 129, Janeiro: Março, 2012, p. 9.

(7) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e

notas de Jurisprudência in: Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. IV, (Direito Administrativo e Justiça Administrativa), Coimbra Editora, FDUL, 2012, pp. 151-152, nota 1: «A associação, muitas vezes sancionada pelo legislador, entre

expropriação de título e expropriação de direito (faculdades do direito), material ou, na terminologia de Fernando ALVES

CORREIA, de sacrifício, com remissão do cálculo da compensação para o regime do Código das Expropriações, introduziu desdobramentos na base constitucional, destacando do regime do artigo 16.º do RRCEE algumas situações que, prima facie, aí se

acolheriam. Sobre estes desdobramentos, numa perspetiva ainda ligada ao conceito clássico de expropriação, vejam-se Bernardo

AZEVEDO, Servidão de direito público. Contributo para o seu estudo, Coimbra, 2005, pp. 29 e segs, e Fernando ALVES CORREIA, A indemnização pelo sacrifício: contributo para o esclarecimento do seu sentido e alcance, in: «RLJ», n.º 3966, 2011,

pp. 143 e segs., 155-161. Numa outra perspetiva, à qual está subjacente uma lógica ampla de expropriação, veja-se Miguel

NOGUEIRA DE BRITO, A justificação da propriedade privada numa democracia constitucional, Coimbra, 2007, pp. 1009-1016, introduzindo o conceito de «determinação do conteúdo envolvendo um dever de compensação»., de Carla AMADO GOMES.

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1.1. Da Constituição para a Lei

Como sublinha Carla AMADO GOMES: “Em 1789, o artigo XVII da

Déclaration des Droits de l`Homme et du Citoyen estabelecia que, constituindo a

propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado salvo em

caso de necessidade pública devidamente atestada e devendo ser prévia e justamente

indemnizado” (8).

Ora, o artigo II da Déclaration já havia, de resto, identificado a propriedade

como um direito natural e imprescritível, a par da liberdade, da segurança e da

resistência à opressão. Descartando agora toda a discussão político-filosófica que estas

inscrições possam gerar (nomeadamente, se devem ser entendidas num sentido de

extensão do direito de propriedade como condição de igualdade e de dignidade de todas

as pessoas, ou se hão-de ser lidas como uma garantia dos privilégios dos (nobres)

proprietários pré-revolucionários e uma perpetuação do reconhecimento da cidadania

em função do capital), «resulta destas normas uma associação da propriedade a uma

característica de intrínseca humanidade, de realização da pessoa através do ter e do

conservar o adquirido, para si e no continuum da identidade familiar» (9), isto nas

palavras de Rui MEDEIROS.

Importa salientar que nas Constituições portuguesas, o direito de propriedade foi

desde logo objeto de garantia na Constituição de 1822, cujos artigos 1.º a 6.º seguem de

muito perto os preceitos citados da Déclaration. Idêntico quadro apresentavam a Carta

Constitucional de 1826 (no art. 145.º/ 12.º), a Constituição de 1838 (no art. 23.º), e a

Constituição de 1911 (nos arts. 3.º e 25.º). Ora, a Constituição de 1933, na senda da

Constituição de Weimar de 1914 (10

), desdobrava o valor da propriedade em duas

vertentes: sendo estas a vertente objetiva (art. 35.º), sublinhando a dimensão social da

propriedade (11

), e a vertente subjetiva (arts. 8.º/15 e 49.º, Iº), na tradição liberal. Tal

desdobramento insere-se na lógica da Constituição de 1933 como primeira Lei

Fundamental nacional a adotar o modelo de Estado Social, desígnio desde logo bem

patente no art. 6.º, onde se incumbia o Estado de «zelar pela melhoria de condições das

(8) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 10.

(9) Nas palavras de Rui MEDEIROS, a Constituição protege a propriedade privada porque «a encara como um espaço de autonomia pessoal, isto é, como um instrumento necessário para a realização de projetos de vida livremente traçados, responsavelmente

cumpridos e que não podem nem devem ser interrompidos ou impossibilitados por opressivas ingerências externas» – cfr. Jorge

MIRANDA e Rui MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2ª ed., Coimbra, 2010, pp. 1239 segs, 1246 (a anotação é de Rui MEDEIROS).

(10) Cfr. Os artigos 153.º e 155.º.

(11) Na elucidativa expressão da Constituição de Weimar (art. 153.º): «A propriedade obriga. A sua utilização deve servir simultaneamente o interesse do proprietário e o bem comum».

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classes sociais mais desfavorecidas, obstando a que aqueles desçam abaixo do mínimo

de existência minimamente suficiente».

No entanto, importa referir que com a Constituição de 1976, a proteção da

propriedade aparece no Capítulo I (Direitos e deveres económicos) do Título III,

dedicado aos direitos económicos, sociais e culturais. A sua garantia insere-se na linha

de continuidade liberal e social, admitindo, porém, pontuais exceções decorrentes da

previsão de instauração de um modelo económico coletivista (12

). Estas exceções

desapareceram com as revisões constitucionais, de 1982 e de 1989, respetivamente. Na

atualidade, a garantia da intangibilidade da propriedade privada, salvo prevalência de

interesse superior coletivo que determine, em geral, restrições e, em especial, a

expropriação ou a requisição por utilidade pública e mediante justa indemnização,

mantém-se no art. 62.º e decorre bem assim, por força da receção formal operada pelo

art. 16.º, n.º 2 da CRP, do art. 17.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (13

).

Contudo, a associação da lesão do direito de propriedade por parte das entidades

públicas ao art. 62.º, n.º 2 da CRP e não, como os demais títulos de responsabilização

dessas entidades, ao artigo 22.º da CRP, decorre primacialmente da tradição liberal de

respeito pela propriedade privada. Cumpre, aliás, destacar que o direito à compensação

por fato de expropriação cedo foi reconhecido em Portugal no Direito Constitucional

(14

), no Direito Civil (15

) e, sequencialmente, no Direito Administrativo, isto é, bem

antes da consagração do direito à indemnização por atos ilícitos ( e pelo risco), que o

princípio da irresponsabilidade dos poderes públicos vetou até 1930.

É verdade que o Tribunal Constitucional começou por não excluir que no art.

22.º da CRP pudessem caber outras «responsabilidades» – dentro da extracontratual –

que não apenas a aquiliana. Admitiu-o, sem o afirmar claramente, no acórdão 153/90

(16

) - por referência à posição doutrinal de GOMES CANOTILHO, a quem não repugna

colocar o dever de indemnizar por atos ilícitos a par da responsabilidade pelo risco e do

dever de compensar por atos lícitos (17

). Contudo, mais recentemente, os juízes do

(12) Cfr. Os arts. 82.º, n.º 2 e 87.º, n.º 2, que derrogavam a garantia de justa indemnização sediada no art. 62.º, n.º 2.

(13) Sobre o art. 62.º da CRP, vejam-se Rui MEDEIROS, Anotação ao artigo 62.º, in: Constituição…,cit.,pp.1239 e segs, e José

Joaquim GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, pp. 798 e segs. Sobre o conceito constitucional de propriedade, Miguel NOGUEIRA DE BRITO, A justificação…, cit., pp. 903 e

segs. Particularmente sobre o conceito de justa indemnização, Fernando ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, II,

Coimbra, 2010, pp. 209 e segs. (14) Cfr. as normas supra citadas das Constituições históricas portuguesas.

(15) Cfr. o art. 2397.º do Código Civil de 1867.

(16) Todos os acórdãos do Tribunal Constitucional mencionados no texto foram consultados no sítio do Tribunal: http:// www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.

(17) José Joaquim GOMES CANOTILHO, na 7.ª edição do seu Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 2003,

afirma «não ser tal conclusão líquida mas propender para que o artigo 22.º é sustentáculo da responsabilidade por factos lícitos» (p. 508). Neste sentido, cfr. o Acórdão do STA de 22 de Janeiro de 2002 (Processo n.º 044308), onde se afirma que: «De acordo com os

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Palácio Raton (TC) parecem propender a encontrar no princípio do Estado de Direito

democrático ínsito no art. 2.º da CRP (e reforçado logo na alínea b) do art. 9.º da CRP)

o tronco de sustentação de um direito geral à reparação de danos, que teria

concretizações especiais nos arts. 22.º, 37.º, n.º 4, 60.º, n.º 1 e 62.º, n.º 2 da CRP (18

).

No contexto do art. 62.º, n.º 2 da nossa Lei Fundamental, o TC tem uma vasta

jurisprudência acerca da questão da garantia da propriedade e compensação da sua

afetação, em especial, a propósito das indemnizações (muito tardiamente) atribuídas na

sequência das nacionalizações surgidas no período pós-25 de Abril de 1974 e, em geral,

sobre normas do Código de Expropriações que se revelarem incompatíveis com os

requisitos de restrição estabelecidos no art. 62.º, n.º 2 da CRP. Parece-nos importante

realçar a nível da jurisprudência constitucional, que: do art. 62.º, n.º 2 da CRP resulta

explicitamente que a compensação atribuída ao lesado constitui um pressuposto de

legitimidade do ato expropriativo ou, noutros dizeres, trata-se de «um elemento

integrante do próprio ato de expropriação» (19

); a aferição do quantum em que se traduz

a compensação não decorre de critérios rigidamente estabelecidos na CRP; porém, tais

critérios deverão espelhar valores acarinhados pela Lei Fundamental como a igualdade e

a proporcionalidade, não podendo conduzir a compensações irrisórias ou

manifestamente desproporcionadas face à perda do concreto bem requisitado ou

expropriado (20

); a fixação da justa indemnização deve obedecer a um princípio de

equivalência de valores, ou seja, não deverá ficar aquém do mínimo razoavelmente

expetável nem ir demasiado além do máximo concretamente realizável através da

transação do bem. Nas palavras dos juízes do Palácio Ratton: «Tal indemnização tem

como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da expropriação. E, se esta

indemnização não pode estar sujeita ou condicionada por fatores especulativos, por

estes serem, muitas vezes, artificialmente criados, sempre deverá representar e traduzir

uma adequada restauração da perda patrimonial sofrida pelo expropriado» (21

) (22

); a

Justiça da compensação afere-se a partir do quantum mas também do tempo que o

montante leva a ingressar na esfera patrimonial do expropriado, tempo esse que deve ser

artigos 2.º e 22.º, ambos da CRP, a indemnização, seja ela baseada em ato ilícito ou lícito como a dos autos, deve ter em conta todas

as circunstâncias de fato relativas ao valor dos bens sacrificados, respeitando os princípios da igualdade e da proporcionalidade».

(18) Cfr. o Acórdão 444/2008. (19) Cfr. o Acórdão do TC 210/93.

(20) Cfr. o Acórdão do TC 210/93.

(21) No Acórdão 314/95, o TC acrescentou que, para a aferição do justo valor do bem, deverá «atender-se (…) ao preço que o bem deterá num mercado normal, onde não entrem em consideração fatores especulativos ou anómalos que, as mais das vezes, se

encontram no mercado real e concreto».

(22) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in: «Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 14.

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computado no quantitativo final, sob pena de desproporcionalidade da restrição (23

); a

plenitude/justiça da compensação deve avaliar-se quer em termos absolutos, quer

relativos: por um lado, e como se apontou supra, o lesado deve ser ressarcido do

prejuízo correspondente à perda do bem fixado a partir de valores atuais e objetivos; por

outro lado, o lesado deve ficar numa posição patrimonial idêntica àquela em que se

encontram outros sujeitos potencialmente suscetíveis de sofrer idêntica perda mas que a

não sofreram (24

).

Importa salientar que pode bem depreender-se destes tópicos de cariz

jurisprudencial que a supressão definitiva do direito de propriedade (ou,

temporariamente, das faculdades de uso e fruição, no que tange a requisição) (25

), se

encontra fortemente enleada por dois princípios basilares: de uma banda, a

proporcionalidade e, de outra banda, a igualdade.

É ainda de referir que a preocupação do TC é perfeitamente compreensível:

sofrendo o lesado uma amputação no seu património, a qual redundará num benefício da

coletividade em geral, seria injustificável que sofresse um duplo encargo, sendo estes o

da perda e o da não compensação adequada e suficiente desta.

Não se fique com a ideia de que o instituto da compensação por fato lícito é um

exclusivo do Direito público. Na realidade, o CC contempla alguns casos em que o

exercício lícito de um direito pode causar danos a terceiros, que devem ser

compensados. Tal como diz Luís MENEZES LEITÃO, este autor refere: «os exemplos

dos artigos 81.º/2, 1322.º, 1349.º, 1367.º, 1554.º, 1560.º/3, 1561.º/1, 1170.º/1 e 1172.º

(26

), ao que nós aditamos dois outros: por um lado, a situação prevista nos artigos

1101.º/a), 1102.º e 1103.º, que admitem a denúncia, pelo senhorio, de contrato de

arrendamento que o arrendatário cumpre escrupulosamente, para habitação própria

daquele ou de seus descendentes em primeiro grau, colmatando a perda do direito ao

arrendamento através do pagamento de uma compensação de montante equivalente a

um ano de renda (art. 1102.º/1)» (27

); e, por outro lado, a possibilidade de o dono da

obra desistir do contrato de empreitada, sediado no art. 1229.º. Isto, além da clássica

(23) Cfr. o Acórdão do TC 115/88).

(24) Cfr. o Acórdão do TC 210/93.

(25) José Joaquim GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição…, cit., p. 807) sublinham a profunda diferença entre expropriação e requisição: o fundamento da primeira deve-se a «razões normais e permanentes de utilidade pública; as razões da

requisição são necessidades urgentes de interesse público nacional, caraterizadas pela excecionalidade e anormalidade».

(26) Neste sentido Luís MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, II, Coimbra, 2002, pp. 350 e segs. (27) Sobre esta prerrogativa, Luís MENEZES LEITÃO, Arrendamento urbano, Coimbra, 2005, pp. 109-110.

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previsão da compensação por fato praticado em estado de necessidade, a calcular pelo

juiz com base num juízo de equidade, nos termos do art. 339.º/2, 2.ª parte, do CC (28

).

Contudo, aparentemente, o artigo 62.º, n.º 2 da CRP (complementado pelo art.

83.º da CRP) constitui sustentáculo bastante para pedidos de compensação por

sacrifícios patrimoniais em benefício da coletividade, consequentemente o art. 16.º do

RRCEE seria um dispensável afloramento de tal dispositivo, antes operacionalizado

pelo Código das Expropriações (Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com última

alteração introduzida pela Lei n.º 56/2008, de 4 de Setembro). Dir-se-ia, que o artigo

16.º, se não é uma norma supérflua, constitui uma norma de baixo espetro, restringindo

o seu âmbito aos danos morais ou não patrimoniais (29

). Tal asserção claudica, porém,

uma vez que a garantia constitucional visa expressa e literalmente as restrições à

propriedade que se traduzem numa iniciativa administrativa tendente à privação da

utilização do bem pelo seu proprietário, temporária (requisição) ou permanente

(expropriação), em prol da comunidade em geral, isto é, uma ingerência administrativa

conducente à transferência, temporária ou definitiva, do uso e/ou do título de

propriedade de um bem privado (ou público) para a esfera de um (outro) ente público

(ou privado no exercício de funções materialmente administrativas – em caso de

requisição). Esta intervenção tem subjacente uma ponderação de interesses públicos e

privados que obedece a um iter específico, a definir por lei oxigenada pelas diretrizes

constitucionais, maxime pelos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

Julgamos, assim, e por um lado, que a compensação por sacrifícios provocados

pela função legislativa não está abrangida pelo Tatbestand do art. 62.º, n.º 2 da CRP (30

)

(mas antes pela conjugação entre os artigos 62.º, n.º 1, 13.º e 18.º, n.º 2 e 3 da CRP) (31

).

Por outro lado, parece igualmente admissível afirmar que a afetação patrimonial que se

não consubstancie numa transferência (temporária ou definitiva) do direito de

(28) Cfr., o artigo 339.º/2 do CC não consagra um direito à compensação, antes deixando a ponderação na mão do julgador. «Esta

solução é criticada por Luís MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações, II, cit.), por a entender prejudicial à segurança jurídica». (29) Neste sentido, Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa, III,

Lisboa, 2008, p. 59.

(30) Apontando exemplos teóricos de compensação pelo sacrifício nesse âmbito, Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Anotado, 2.ª ed., Coimbra, 2011, p. 367. Note-se

que, no plano do julgamento de uma ação de compensação pelo sacrifício, não será necessário recorrer ao TC (como no âmbito do

artigo 15.º do RRCEE) para confirmar a licitude da norma, uma vez que vale a presunção de constitucionalidade. Em contrapartida e como sugere Carlos FERNANDES CADILHA (ob. cit., p. 365), no âmbito da responsabilidade legislativa por atos lícitos, estes

hão-de ser, além de anormais, também especiais, prevalecendo, no cálculo do quantum compensatório, o critério de equidade

estabelecido no n.º 6 do artigo 15.º do RRCEE. Considerando “muito estranha” a abertura do diploma à compensação por facto legislativo lícito ao artigo I6.º depois dos cuidados revelados no artigo 15.º, Fernando ALVES CORREIA, A indemnização pelo

sacrifício: contributo para o esclarecimento do seu sentido e alcance, in: «RLJ», Ano 140, n.º 3966, 2011, pp. 143 segs, 151.

Paralelamente, e ainda que se trate de casos excecionais, no campo da função jurisdicional podem identificar-se casos de compensação por facto lícito. A alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do Código de Processo Penal constitui um exemplo de

compensação por facto lícito decorrente do decretamento de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação

injustificada. (31) Em sentido inverso, Rui MEDEIROS, Anotação ao artigo 62.º, in: Constituição…, cit., pp. 1266 e 1268.

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propriedade (ou do seu uso) de um particular para uma entidade que aja em nome de

fundamentos de utilidade pública tão pouco cabe na letra do art. 62.º/2 da CRP e no

instituto da expropriação por utilidade pública que o concretiza (mas antes na garantia

da propriedade ancorada no art. 62.º, n.º 1 da CRP, cujas restrições se hão-de pautar

pelo respeito pelos princípios da proporcionalidade e confiança). E, finalmente, impõe-

se a revelação de que qualquer outro tipo de ingerência administrativa sobre categorias

jussubjetivas não coincidentes com o direito de propriedade (na sua integralidade)

também escapará à malha do artigo 62.º, n.º 2 da CRP.

Noutros termos, apesar de a inspiração primeira do instituto da compensação

pelo sacrifício ser, na tradição liberal, a garantia da propriedade, a Lei Fundamental

somente se reportou aos casos-regra, deixando ao legislador a opção de alargar a

hipótese normativa a casos paralelos de privação de bens que se não reconduzam ao

padrão constitucionalmente identificado – ou seja, aquelas em que o prejuízo opera

independentemente de um procedimento expropriatório ou requisitório, podendo

redundar na deterioração ou na perda de um bem ou direito.

Contudo, tal opção é apenas quanto ao como, não quanto ao se: tais hipóteses

devem igualmente merecer a atenção do legislador ordinário, embora não por força do

art. 62.º, n.º 2, mas antes pelos indirizzos emanados dos artigos 13.º, n.º 1 e 18.º, n.ºs 2 e

3 da CRP, sempre com o princípio do Estado de Direito democrático como pano de

fundo (32

) - como é realçado, desde logo, a nível jurisprudencial constitucional (33

). É de

referir que o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos reclama, à

partida, compensação para um cidadão que, a favor da comunidade, lhe vê infligida

uma perda significativa (34

); e o princípio da proporcionalidade, determinará, à chegada

se, em função do prejuízo concretamente imposto ao cidadão, se justifica a

compensação e em que medida.

É de salientar que a propósito da índole deste direito, o TC frisou, no Acórdão

444/2008 (na linha do que já afirmara no Acórdão 153/90), que «o legislador ordinário

tem ampla liberdade de conformar mais ou menos limitativamente o direito à reparação

dos danos, seja definindo condições para a constituição de uma obrigação de

indemnização, seja limitando os danos ressarcíveis. Necessário é que, no

(32) Ancorando nestes dois princípios o instituto da compensação por facto lícito, Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da

Responsabilidade civil…, cit., p. 360. (33) Cfr., também, o Acórdão do TCAN de 8 de Maio de 2008 (Processo n.º 00155/06.0BEPNF) no qual se refere, precisamente, que

o instituto da compensação pelo sacrifício encontra o seu fundamento tríplice nos artigos 2.º, 13.º e 18.º da CRP.

(34) Acerca deste princípio, veja-se o clássico José Joaquim GOMES CANOTILHO, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, Coimbra, 1974, pp. 135-141.

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estabelecimento dessas condições e limites, não se venha a tornar desprovido de

significado o «núcleo» desse direito, ou seja, que o direito à reparação dos danos, na

prática, não venha a ser impossibilitado de operar, ou que dos limites fixados não

resulte um ressarcimento dos danos irrisório ou desprezível, devendo essas condições e

limites serem justificadas pelos interesses em jogo».

Esta posição é a adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de

13 de Janeiro de 2004 (Processo n.º 040581), descartando alegações de

inconstitucionalidade dos artigos 8.º e 9.º do DL 48 051, por alegadamente restringirem

o direito à indemnização em moldes mais amplos do que no plano da responsabilidade

por facto ilícito. Trata-se, observa o Tribunal, «de um imperativo de proporcionalidade

estreitamente ligado ao Estado Social, que justifica as baias da especialidade e

anormalidade do prejuízo como afetações que o legislador ordinário considerou

necessárias para evitar o colapso financeiro, pondo em risco todo o conjunto das tarefas

fundamentais do Estado». Já antes, de resto, o STA frisava, em Acórdão de 10 de

Outubro de 2002 (Processo n.º 048404) (35

), que a «admissibilidade deste tipo de

responsabilidade tem naturalmente subjacente o princípio de que não é acertado

construir uma sociedade livre e pluralista na base da transferência de todos os riscos da

vida social dos indivíduos e das empresas para o Estado».

Por outras palavras, o modelo de compensação pelo sacrifício a desenhar para

além da expropriação (e requisição) da propriedade – enquanto privação plena do feixe

de faculdades contido no direito de propriedade, de forma provisória ou definitiva – há-

de conduzir a resultados balizados entre a proibição de irressarcibilidade de prejuízo

privado intolerável e a aceitação de irrestrita socialização de todo e qualquer prejuízo

privado motivado em razões de interesse público (36

), numa espécie de equação

fortemente enraizada na equidade. O legislador ordinário encontra-se mais solto na

construção deste quadro de pressupostos, quer quanto ao universo de danos ressarcíveis,

quer quanto aos critérios de cálculo do montante compensatório, quer, enfim, quanto ao

tempo – ou seja, a justiça desta indemnização não passa pela literalidade do artigo 62.º,

n.º 2 da CRP, mas apenas pela principiologia da igualdade na repartição dos encargos

públicos através de restrições a um direito fundamental, de natureza patrimonial ou não

(35) É de referir que todos os acórdãos dos tribunais administrativos foram consultados na base da DGSI: www.dgsi.pt.

(36) No plano do direito privado, e no que tange a responsabilidade-regra, que é aquiliana, a jurisprudência vem chamando a atenção para a irressarcibilidade de prejuízos decorrentes da vivência comunitária num determinado modelo de sociedade, apelando a uma

lógica de adequação social - que mais não é do que a aplicação da teoria da concordância prática moldada pelo princípio da

proporcionalidade às relações interprivadas – Cfr., o Acórdão do STJ de 20 de Setembro de 2010 (processo 1229/05.0TVLSB.LI.SI).

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patrimonial (ora se ligando ao artigo 62.º, n.º 1, ora ao artigo 26.º, n.º 1, ambos da CRP).

Os travões da especialidade e da anormalidade do dano constituem, por isso,

pressupostos inelimináveis deste instituto, embora não sejam os únicos.

2. A responsabilidade civil administrativa, sua noção e aspetos gerais

A responsabilidade civil administrativa é o conjunto de circunstâncias da qual

emerge, para a administração e para os seus titulares de órgãos, funcionários ou agentes,

a obrigação de indemnização dos prejuízos causados a outrem no exercício da atividade

administrativa. O qualificativo civil da responsabilidade não remete para o direito

privado: trata-se apenas de esclarecer que a responsabilidade em causa não é política,

criminal, contra-ordenacional ou disciplinar.

Como explicam Marcelo REBELO DE SOUSA e de André SALGADO DE

MATOS: «Todas estas modalidades de responsabilidade têm fins diferentes da

responsabilidade civil: esta visa predominantemente a reparação de danos, enquanto a

responsabilidade política visa a efectivação do controlo democrático no quadro do

funcionamento do sistema de governo e as responsabilidades criminal, contra-

ordenacional e disciplinar visam finalidades de prevenção, geral ou especial, e de

repressão de condutas antijurídicas» (37) ( 38).

3. O regime de responsabilidade objetiva por danos causados por normas

emitidas no desempenho da função administrativa

3.1. A razão do tema

Relativamente à razão do tema importa denotar que não era considerada líquida,

à face do ordenamento jurídico português, a questão do regime jurídico aplicável à

relação entre a Administração e um particular lesado por normas emitidas no

desempenho da função administrativa. E era assim em particular no que tocava à

responsabilidade objetiva, ou seja, quando a conformidade de tais normas com o Direito

não merecia ser posta em causa não obstante o seu efeito danoso. A dúvida nasceu da

redação do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967,

que, ao fixar o princípio da responsabilidade objetiva da Administração pela prática de

(37) Em geral, fala-se em responsabilidade civil do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público; mas a administração

pública em sentido orgânico também compreende pessoas coletivas de direito privado, sujeitas a um regime de direito

administrativo no âmbito da sua atividade de gestão pública. Às pessoas coletivas de direito privado integrantes da administração pública aplica-se, na medida em que exerçam a função administrativa, o regime da responsabilidade civil administrativa, sendo neste

sentido que deve entender-se a referência da parte final do art. 1.º, n.º 5 do RRCEC; em termos processuais, art. 4.º, n.º 1, alínea i)

do CPTA. (38) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 12.

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atos lícitos, se referiu somente aos atos administrativos legais e aos atos materiais

lícitos. O entendimento literal estrito da primeira destas expressões apartava os atos

normativos da Administração e, entre eles, os atos regulamentares. Porém, existiam

argumentos de natureza finalística e sistemática para proceder a uma interpretação

declarativa lata do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051 de modo a compreender

os atos normativos da Administração na expressão atos administrativos tal como usada

naquele preceito.

Como alertava Marcello CAETANO, o autor: «nunca assumiu uma posição clara

sobre a questão» (39

). E algum clima de incerteza continua a pairar na obra do

juspublicista, a tantos títulos inovadora, que, em 1974, GOMES CANOTILHO dedicou

à responsabilidade do Estado por atos lícitos (40

). De então até aos tempos de hoje,

nenhum autor português dedicou (que saibamos) atenção a este tema.

Para sermos precisos, impõe-se trazer aqui o texto de José Manuel Sérvulo

CORREIA, que diz: «Importa referir que a este vazio na doutrina corresponde a

inexistência de decisões do Supremo Tribunal Administrativo em matéria de

responsabilidade objetiva por facto de regulamento. Dir-se-ia que se gira em círculo

vicioso: a ausência de orientação doutrinária inibe aos particulares de invocar em

tribunal esta causa de pedir e, na falta de matéria prima jurisprudencial, a doutrina

administrativista, dela sempre tão dependente, retrai-se» (41

).

No entanto, apesar da pendência, naquela altura em que estava em discussão,

perante a Assembleia da República da Proposta de Lei n.º 95/VIII sobre a

responsabilidade civil extracontratual do Estado, que, uma vez entronizada, iria

modificar significativamente os dados da questão, não nos pareceu que fosse tarde de

mais para tentar reparar aquele vazio, ainda que de forma incipiente. É certo que, caso

se viesse a firmar de acordo com os termos da iniciativa governamental, a lei proposta

estabelecia uma ampla figura de indemnização pelo sacrifício, objeto de um dever do

Estado e das demais pessoas coletivas de direito públicas, sempre que, por razões de

interesse público, estes impusessem encargos ou causem danos especiais e anormais

(artigo 16.º do atual RRCEE). Tal fórmula cobre, atualmente, sem dúvidas, a

responsabilidade objetiva por atos normativos legais da Administração. Mas nem por

(39) Cfr., para mais desenvolvimentos vd., Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Tomo II, 9.ª e última edição,

Lisboa, Coimbra Editora, 1972, pp. 1215-1217.

(40) Cfr., para mais desenvolvimentos vd., J. J. GOMES CANOTILHO, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, Coimbra, Almedina, 1974, p. 197.

(41) Cfr. José Manuel Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos causados por normas

emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa, Dezembro 2001, p. 1316.

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isso perde todo o interesse a averiguação do DL supra mencionado da ordem jurídica

nesse domínio. É conveniente mencionar a aplicação do DL n.º 48 051 – que tornou o

regime da responsabilidade objetiva por facto regulamentar mais claro quanto ao seu

fundamento mas não alterou a sua substância - sempre lucrando, com o melhor

entendimento, sendo que constituiu uma nova etapa.

Porém, crê-se pois que se justificou proceder ao exame do fundamento jurídico,

no DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, da responsabilidade objetiva por danos

causados por normas legalmente emitidas no desempenho da função administrativa.

3.2. Base legislativa ou base diretamente constitucional para a

responsabilidade por facto de regulamento? A responsabilidade por

facto de regulamento entre a responsabilidade por ato legislativo e a

responsabilidade por ato administrativo.

Tal como diz José Manuel Sérvulo CORREIA: «Embora seja sobre a sede da

responsabilidade objectiva por facto regulamentar que nos propomos discorrer, não

pode naturalmente esta questão, que tem contornos específicos, desprender-se por

completo da das raízes da responsabilidade subjectiva por facto de regulamento» (42

).

Há algo de comum na situação destas duas categorias: a circunstância de o Decreto-Lei

n.º 48 051 só referir as normas regulamentares como parâmetros de licitude dos atos

jurídicos (artigo 6.º) e nunca, expressamente, como atos geradores de responsabilidade

administrativa. Nas palavras de José Manuel Sérvulo CORREIA: «Podia pois – em face

do teor literal do diploma – suscitar-se a questão de saber se o seu escopo relegou para

outra instância de regulação, ou para nenhuma, o enquadramento normativo de todos os

efeitos danosos decorrentes da actividade regulamentar da Administração» (43

).

A verdade, contudo, é que não eram iguais em grau os obstáculos colocados pelo

texto quando se pretender reconduzir à estatuição do Decreto-Lei n.º 48 051 as formas

de responsabilidade subjetiva e objetiva. Da conjugação entre os artigos 1.º, 2.º e 6.º,

resultava que se encontravam submetidos ao regime de responsabilidade subjetiva

constante do Decreto-Lei os atos jurídicos culposamente praticados no âmbito da gestão

pública que violassem normas legais e regulamentares ou os princípios gerais

(42) Cfr. José Manuel Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos causados por normas

emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa, Dezembro 2001, p.

1317. (43) Cfr. José Manuel Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos causados por normas

emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa, Dezembro 2001, p.

1317.

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aplicáveis. Cabiam indubitavelmente neste conceito os regulamentos que, verificada

culpa nos termos dos artigos 487.º e 497.º do Código Civil, contrariassem o disposto por

normas, incluindo outras normas regulamentares, que possuíssem eficácia superior.

Com efeito, o regulamento representava uma forma típica de ato jurídico da

Administração no âmbito da gestão pública.

Porém, no que concernia à responsabilidade objetiva eram maiores as

dificuldades visto que o artigo 9.º, n.º 1, apenas referia como seus possíveis causadores

os atos administrativos legais e os atos materiais lícitos.

Importa enunciar que a subtração da responsabilidade, incluindo mesmo a

responsabilidade subjetiva, por facto de regulamento à incidência do Decreto-Lei n.º 48

051, ou seja, ao regime geral da responsabilidade administrativa extracontratual por ato

de gestão pública, só poderia encontrar uma justificação na preferência de a fazer

alinhar com o regime de responsabilidade do Estado e das regiões autónomas por ato

legislativo. Optar-se-ia dessa forma por juntar toda a responsabilidade por atos

normativos, fossem eles legislativos ou regulamentares, separando-a de um outro

instituto jurídico circunscrito à responsabilidade da Administração por atos de gestão

pública concretos, de natureza jurídica ou material. Valeria aqui, numa perspetiva

funcional, a proximidade entre o regulamento e a lei, a pertença do regulamento ao

conceito de lei em sentido material. Sublinhar-se-ia dessa forma o caráter de regra

abstrata e geral da norma regulamentar, que a separava dos outros atos jurídicos

próprios da função executiva.

Em Portugal, e na segunda metade do Século XIX, como sublinha Carlos

BLANCO DE MORAIS, nunca se abriu: «espaço para a concretização de uma reserva

material de carácter regulamentar, ou mesmo de eixos de concorrência entre

regulamentos independentes e «leis formais» em certos domínios, tal como existia na

Alemanha na Itália» (44

). E, de qualquer forma, sem prejuízo da existência da nossa

Ordem Jurídica de órgãos com dupla competência legislativa e regulamentar (o

Governo e as assembleias legislativas regionais), a colocação constitucional desses dois

modos de normação situava as regras por eles geradas em dois planos distintos. Estes

não se materializavam apenas pela diferente força hierárquica (como igualmente sucedia

entre norma regulamentar e ato administrativo concreto) mas também por acentuadas

diferenças de regime quanto ao procedimento de feitura, quanto ao grau de autonomia

conformativa e quanto ao controlo de juridicidade.

(44) Neste sentido ver Carlos BLANCO DE MORAIS, As Leis Reforçadas, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 47 e segs.

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A analogia da norma regulamentar em relação à norma legislativa prendia-se

com o aspeto formal da estrutura lógica da proposição prescritiva no tocante aos

âmbitos de incidência subjetiva e objetiva. Mas o traço comum da estrutura não apagava

uma muito mais relevante desigualdade intrínseca no tocante à instrumentalização dos

preceitos a diferentes funções do Estado. Não obstante a parcial simultaneidade da

autoria orgânica, a diferenciação dos planos funcionais suscitava a extração, a partir do

princípio da separação de poderes, de ilações muito diferentes no tocante ao regime dos

preceitos legislativos e dos preceitos regulamentares. Porém, para além de aspetos já

meteoricamente referidos (procedimento, autonomia de conformação e controlo)

apontava-se a circunstância de o poder regulamentar se confinar, em relação a cada

pessoa coletiva pública cujos órgãos dele dispunham, à esfera das respetivas atribuições.

É verídico que a competência regulamentar e a competência para a prática de atos

administrativos podiam não coincidir no tocante à sua distribuição pelos órgãos da

pessoa coletiva ou no tocante à destrinça entre as matérias que esta podia conformar de

maneira geral e abstrata ou de forma concreta. Deste modo, a nível exemplar, certos

institutos públicos somente podiam praticar atos administrativos; os regulamentos que

eventualmente, a par da lei, disciplinassem o conteúdo de tais atos competiam nesse

caso ao Governo. Mas o regulamento era um meio para permitir o exercício das suas

atribuições à pessoa coletiva pública dotada de órgãos com competência normativa. As

atribuições representavam desta forma um quadro comum para o exercício de

competências tanto normativas como concretas que não balizava, em contrapartida, a

feitura das leis pelos órgãos de soberania (45

).

Em suma, localizada entre a norma legislativa e o ato administrativo, a norma

administrativa situava-se mais próxima do último do que da primeira no quadro sinótico

dos atos jurídicos públicos. A função regulamentar era administrativa e não legislativa.

O regulamento compartilhava com o ato administrativo o caráter não inicial ou não

primário. Muitas vezes, assumiam até a mesma forma típica (decreto, portaria,

despacho, deliberação de assembleia municipal…). E, embora não vejamos na

(45) Porém, já a atividade legislativa das assembleias regionais tem de se enquadrar no âmbito das matérias de interesse específico para as regiões autónomas. É o compromisso possível quando se reconhecem poderes legislativos a entidades desprovidas de

soberania. O poder legislativo das assembleias regionais materializa uma autonomia política mas respeitante a uma população de um

espaço infra-estadual. Automaticamente, surge a necessidade de destrinçar os interesses públicos – ou seja, as atribuições – em função do respetivo âmbito geográfico. Mas, no domínio dos interesses específicos da região autónoma não comprimido pela

reserva de legislação nacional, o legislador regional pode prosseguir uma plenitude de fins que a delimitação de atribuições entre a

região autónoma, as pessoas coletivas da administração regional indireta e as autarquias locais do território não consente a nenhum dos órgãos com poder regulamentar de qualquer destes entes. O âmbito dos poderes de normação administrativa corresponde

sempre, apenas, ao das atribuições da pessoa coletiva pública em causa. E, para o efeito da função administrativa, as atribuições da

região autónoma não correspondem a todo o âmbito dos interesses específicos da região visto que estes também são prosseguidos pela administração indireta e pelas autarquias locais.

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discricionariedade administrativa o fundamento do poder regulamentar, não havia

dúvida quanto ao papel do regulamento como veículo de discricionariedade e como

instrumento de auto-vinculação dos poderes discricionários suscetíveis de serem

exercidos através da prática de atos administrativos. Isso significava, que, ao emitir tais

normas, a Administração disciplinava o seu próprio comportamento em relações

jurídicas em que era parte e não apenas comportamentos de outros sujeitos, como em

regra fazia o legislador. Também sob este ângulo a norma administrativa se revelava

próxima do ato administrativo e distante do ato legislativo.

A tradição portuguesa era a do tratamento da responsabilidade pública com

atenção separada às diferentes funções do Estado em que se inscreviam os atos danosos.

Mesmo a proposta de lei pendente, naquela época, na Assembleia da República, ainda

que conjugasse num só diploma o tratamento dessa responsabilidade e defirisse todas as

suas manifestações à cognição da ordem jurisdicional administrativa, organizava em

capítulos separados a disciplina da responsabilidade civil por danos decorrentes do

exercício da função política e legislativa, da função jurisdicional e da função

administrativa.

Não víamos pois razões de ordem funcional (muito pelo contrário!) para separar

a responsabilidade por danos causados por regulamentos da responsabilidade por atos

administrativos. O caráter geral e abstrato dos comandos regulamentares não acarretava

por si só a respetiva submissão, por analogia, ao regime da responsabilidade por danos

decorrentes de ato legislativo. Se este último tinha de se ir buscar em diretas

decorrências de princípios constitucionais, nomeadamente o da garantia da propriedade

privada, o regime da responsabilidade por atos regulamentares havia de enquadrar-se

na lei sobre responsabilidade civil extracontratual da Administração por atos de gestão

pública pois que a gestão pública era a área em que se inscrevia a atividade normativa

da Administração. Havia, contudo, que averiguar se a hermenêutica impunha alguma

distorção à lógica do sistema, ou seja, se, ainda que se tratasse de má política legislativa,

o Decreto-Lei n.º 48 051 teria, a título excecional, afastado do seu âmbito de incidência

a responsabilidade objetiva por facto de ato normativo da Administração.

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4. O âmbito de incidência objetiva do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051.

4.1. A gestão pública como critério material da extensão do

Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967

No que respeitava ao sentido e extensão do DL n.º 48 051, de 21 de Novembro

de 1967 é muito proveitosa a leitura do Manual de Marcello CAETANO.

A entrada em vigor do CC de 1966 abriu uma lacuna importantíssima, na

medida que veio contemplar unicamente a produção de danos no exercício de atividade

de gestão privada, enquanto que o CC de Seabra constituía assento de todo o regime de

responsabilidade extracontratual da Administração. Foi todo o espaço que ficaria em

aberto que o DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, se propôs cobrir regulando de

uma forma genérica - «em tudo que não esteja previsto em leis especiais» - a

responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público

«no domínio dos atos de gestão pública» (art. 1.º). Dado que o DL n.º 48 051 atribuiu

nova forma a dois artigos do Código Administrativo sobre responsabilidade das

autarquias locais, o diploma legal passou, exceto disposições em legislação especial,

como lembrava Marcello CAETANO: «a cobrir, com a sua disciplina autónoma da do

Código Administrativo, todos os casos de responsabilidade extracontratual da

Administração no domínio dos actos de gestão pública que não consistissem em factos

ilícitos culposos praticados pelos órgãos ou agentes da Administração local» (46

).

Importa ainda mencionar que o DL em apreço obedecia à diretiva finalística de

constituir o assento legal de um regime geral de responsabilidade da Administração,

tomando como matriz do âmbito material dessa normação, por um lado, a figura dos

atos de gestão pública, como protótipo do facto causado do dano, e, pelo outro, no

tocante aos requisitos ou pressupostos do dever de indemnizar, as modalidades da

responsabilidade subjetiva e da responsabilidade objetiva, esta última nas suas

subespécies da responsabilidade pelo risco e da responsabilidade pela prática de atos

lícitos.

Importa sublinhar que o regime de responsabilidade de direito administrativo

apontava para uma reposição da esfera do lesado mediante uma reparação, em geral de

cariz pecuniário, e apenas, excecionalmente por reconstituição natural. Respeitava por

tal motivo a uma relação jurídica cujo elemento essencial era a pretensão a uma

prestação e não o tipo de conduta em relação causal com o dano que justificava o dever

e o direito a essa prestação.

(46) Cfr. Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo 9, II, Lisboa, Coimbra Editora, 1972, pp. 1196-1197.

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Porém, tal como salienta José Manuel Sérvulo CORREIA: «Sublinhamos pois

que choca com a lógica interna do Decreto-Lei n.º 48 051, assente na ideia de garantia

da reparação dos danos causados pela Administração quando actua na área da gestão

pública, uma interpretação restrita da expressão actos administrativos tal como utilizada

no n.º 1 do respetivo artigo 9.º» (47

). Ora, como evidencia José Manuel Sérvulo

CORREIA: «Uma tal leitura introduz uma mutilação da área própria da gestão pública

que o diploma se auto-fixa como âmbito material, ou seja, como sua extensão» (48

).

Subscrevendo Diogo FREITAS DO AMARAL, baseando-se na jurisprudência

do Tribunal dos Conflitos, são atos de gestão pública «os que se compreendem no

exercício de um poder público, integrando eles mesmos a realização de uma função

pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não o exercício de

meios de coação, e independentemente ainda das regras, técnicas ou de outra natureza,

que na prática dos actos devam ser observados». Ou, por outras palavras do mesmo

autor, gestão pública é «a actividade da Administração desenvolvida sob a égide do

Direito Administrativo» (49

). Podemos ainda referir que a gestão pública pode designar-

se como sendo a área da função administrativa regida pelo Direito Administrativo como

Direito estatutário da Administração.

A gestão pública conhecia quatro formas típicas de atuação: o ato administrativo

em sentido estrito, o ato regulamentar, o contrato administrativo e o ato material (50

). No

âmbito da regulação normativa pelo DL n.º 48 051, tal como estatuído no art. 1.º que se

propunha dispor apenas sobre responsabilidade extracontratual por atos de gestão

pública, restavam os atos administrativos em sentido estrito, os atos regulamentares e os

atos materiais cuja prática e efeitos fossem regidos por normas de Direito

Administrativo.

(47) Cfr. José Manuel Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos causados por normas

emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa, Dezembro 2001, p. 1324.

(48) Cfr. José Manuel Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos causados por normas

emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa, Dezembro 2001, p. 1324.

(49) Ver Marcello CAETANO, Curso de Direito Administrativo 2, I, Coimbra: Almedina, 1994, pp. 138-139.

(50) «O Direito Administrativo pós-moderno tem vindo a desenvolver outras formas típicas de actuação que, no entanto, são em princípio reconduzíveis às quatro formas «clássicas». «Assim é com os planos que, não obstante tenderem a adquirir natureza sui

generis, são ainda, no essencial, uma combinação de normas administrativas, actos de definição imperativa de situações jurídicas

administrativas concretas e actos materiais» (cfr. diz Fernando ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1989, pág. 235 e seguintes). «Assim é igualmente com as declarações negociais emitidas pela

Administração em sede de execução dos contratos administrativos que, dando lugar a um contencioso de plena jurisdição, se

integram no instituto do contrato administrativo a propósito do seu (in) cumprimento e geram responsabilidade contratual, exterior, portanto, ao âmbito do Decreto-Lei n.º 48 051».

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5. A interpretação do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro

de 1967 à luz de elementos de ordem literal e teleológica

Muito embora nos debrucemos sobre a responsabilidade objetiva por facto

regulamentar, convém frisar que o problema assim delimitado não faria sentido se o DL

n.º 48 051 tivesse deixado de fora do âmbito da sua estatuição toda a responsabilidade

por facto regulamentar. Parece-nos, contudo, que a inclusão da responsabilidade por

facto regulamentar inválido, isto é, da responsabilidade subjetiva por facto de

regulamento, não sofreu grandes dúvidas.

Em 1967, o legislador ao dispor sobre responsabilidade subjetiva, assentou-a no

conceito de ato ilícito culposo (artigo 2.º), sendo este conceito melhor explicitado no

artigo 6.º, que o desdobrava em atos jurídicos e atos materiais. Os regulamentos eram

atos jurídicos, não ficando excluídos da previsão do artigo 6.º devido à circunstância de

este preceito se referir às normas regulamentares, a par das normas legais e dos

princípios gerais, como sendo os parâmetros em relação aos quais a desconformidade

ditava a ilicitude dos atos jurídicos. Noutros termos, não seria correto considerar que, na

economia do preceito, a expressão atos jurídicos não abrangesse atos regulamentares só

porque os segundos eram diferenciados dos primeiros a título de constituírem medida da

sua validade. Pelo contrário, era perfeitamente lógica a presença, no tecido do art. 6.º,

dos atos regulamentares sob a dupla capa de atos jurídicos (parametrizados) e de

(paramétricas) normas regulamentares. De referir que a expressão atos jurídicos

abarcava os atos administrativos em sentido estrito, que tinham nas normas

regulamentares um dos padrões de validade. De mencionar que há regulamentos de

diferente força hierárquica, os quais se relacionam em termos de critério de valor

jurídico e de realidade avaliada (a nível exemplificativo temos o disposto no art. 241.º

da CRP).

Contudo, não parecia assim legítimo extrair da estrutura do art. 6.º do DL n.º 48

051 a ilação de que os atos jurídicos suscetíveis de gerar responsabilidade subjetiva da

Administração no âmbito da gestão pública não abarcavam os atos regulamentares.

Verificado que o DL n.º 48 051 cobria a responsabilidade por danos emergentes

de regulamento ilegal, ou seja, a responsabilidade subjetiva por facto de regulamento,

podemos agora concentrar-nos na questão da sujeição a esse diploma da

responsabilidade por facto de regulamento lícito, ou seja, da responsabilidade objetiva

por facto de regulamento.

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Importa enunciar que eram fundamentalmente de três ordens os argumentos a

poderem-se recorrer em apoio da exclusão da responsabilidade por facto de regulamento

lícito do âmbito de incidência objetiva do DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

Ora é de referir que o primeiro argumento, firmado na letra do n.º 1 do art. 9.º,

acentuaria que este preceito referia os atos administrativos mas não os regulamentos.

Porém, o segundo argumento consistiria na demonstração de que a finalidade do

DL n.º 48 051 seria alheia à tutela dos particulares contra danos sofridos em

consequência direta da sua sujeição à estatuição de uma norma regulamentar válida.

Por fim, o terceiro argumento repousaria em razões de ordem sistemática

intratextual ou contextual que ditariam o afastamento da responsabilidade objetiva por

facto de regulamento em prol da coerência do regime jurídico da responsabilidade do

Estado tal como era definido no DL n.º 48 051 ou como construído, em termos mais

amplos, conjugadamente no DL supra mencionado e noutros diplomas integrantes de

uma ordem jurídica que se pretendia unitária.

No nosso entendimento, tais três ordens de análise hermenêutica conduziam

precisamente à conclusão contrária, isto é, à conclusão de que o art. 9.º do DL n.º 48

051 se entendia também ele por referência à ideia de cobertura omnicompreensiva da

responsabilidade extracontratual da Administração por danos decorrentes da gestão

pública.

É de referir que em primeiro lugar, aquela cobertura omnicompreensiva não era

afastada por qualquer barreira intransponível levantada pela letra do n.º 1 do artigo 9.º

do DL n.º 48 051. Na verdade, a locução atos administrativos ali usada comportava uma

interpretação declarativa lata que compreendia os atos regulamentares.

Ato administrativo em sentido estrito e regulamento eram duas formas de

conduta típicas da Administração quando a Administração agia no quadro do Direito

Administrativo. Uma das mais antigas partes da teoria geral do direito administrativo

respeitava precisamente às formas jurídicas de conduta. Mas tais formas não podiam ser

absolutizadas. Elas valiam na medida em que lhes deviam ser ligados efeitos jurídicos,

de ordem substantiva, procedimental ou processual. Para além desse primeiro plano

diferenciador, que relevava enquanto justificava a submissão a regimes distintos, as

formas jurídicas serviam para, no que à construção jurídica respeitava, elevar as

situações a que respeitavam a uma visão de conjunto que tornava mais presente a

comunicação entre os princípios ordenadores e as soluções. Queria-se significar com

isto que havia algo de comum entre regulamento e ato administrativo em sentido estrito:

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eram sempre e só conduta da Administração para desempenho da função executiva no

quadro do Direito Público. E pretendia-se lembrar igualmente que, encontrando-se no

seu conjunto a conduta da Administração regida por princípios idênticos, a distinção de

regimes atinentes às formas que cristalizavam tais comportamentos só fazia sentido na

medida em que, sem tal diferenciação, as formas perdessem a sua adequação funcional.

Compreendia-se à luz das ideias assim expressas que, no Direito Administrativo

português (como em outros, como, por exemplo, o francês), nunca tenha sido absoluta a

separação entre as figuras do ato regulamentar e do ato administrativo em sentido

estrito, isto é, ato de definição imperativa de uma situação jurídica administrativa

desprovida de generalidade e ou de abstração.

Porém, não nos parece, por esta razão, que o emprego desgarrado pelo legislador

da expressão atos administrativos devesse constituir um non plus ultra que agarrasse

imperiosamente o intérprete a um entendimento sintonizado com a aceção técnica mais

precisa. No Direito, há muitas expressões de geometria variável. Era o que sucedia, por

exemplo, no ordenamento jurídico francês com expressões como décision éxécutoire

que tanto abrangia a definição concreta como a normativa de situações jurídicas

administrativas desde que com elas a Administração visasse modificar o ordenamento

jurídico ou opor-se a uma pretensão de modificação. Mas, a décision éxécutoire (ela

própria com aceções mais ou menos amplas) integrava-se numa categoria de âmbito

mais vasto (por incluir todas as decisões suscetíveis de recurso por excesso de poder

mesmo que não passíveis de suspensão jurisdicional de eficácia), que era a de «acte

administratif». Ora, no que respeitava a este, ele tanto abarcava também atos concretos

como atos normativos de cariz regulamentar. Embora, pois, a doutrina francesa

reconhecesse a diferença entre «décision individuelle» e «décision réglementaire», nem

por isso deixava de considerar que constituíssem um conjunto homogéneo visto que o

poder regulamentar não passava de uma das manifestações do poder da Administração

de tomar decisões unilaterais. Daí a unidade do seu regime de impugnação contenciosa.

De referir que na génese do Direito Administrativo português, tão influenciada

pelo modelo francês, reinou também, por largo tempo, uma acentuada indiferenciação

entre os regimes dos atos da administração de natureza concreta ou normativa. Cumpre

recordar que a figura de ato administrativo foi elaborada ao longo do Século XIX, nos

planos jurisprudencial e doutrinário, com o objetivo de encontrar um elo de ligação

típico entre as condutas da Administração e a sua sindicância contenciosa.

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Parafraseando Marcello CAETANO: «Pelo que toca às posturas e aos

regulamentos locais, sempre se admitiu o recurso directo de anulação: sob a forma de

acção pública perante os tribunais judiciais no Código (Administrativo) de 1836 (art.

82.º, 27.º, n.º 1) e nos termos gerais do contencioso administrativo a partir do Código de

1842 (art. 208.º, n.º 1)» (51

). No que respeitava à impugnação dos regulamentos da

Administração Central, o percurso jurisprudencial e legislativo não foi homogéneo. De

todo modo, a partir de 1917, o STA recebeu recursos diretos de normas regulamentares

quando privassem desde logo os particulares de algum direito subjetivo fundado em lei

anterior. Tal orientação foi confirmada a partir de 1934 também por jurisprudência do

Tribunal dos Conflitos. Só em 1956, a nova Lei Orgânica do Supremo Tribunal

Administrativo (LOSTA) veio considerar insuscetíveis de recurso os decretos

regulamentares. Relativamente aos regulamentos sem a forma de decreto, não se gerou

qualquer consenso.

Certas vozes, tal como exprimia Afonso QUEIRÓ: «sustentaram a

impugnabilidade por recurso contencioso de anulação das suas próprias disposições

genéricas quando a sua aplicação se convertesse em ofensa efetiva das situações

subjetivas dos destinatários» (52

).

Contudo, jamais se levantaram dificuldades quanto à sujeição dos regulamentos

e posturas locais ao recurso contencioso de anulação. E importa ter bem presente que a

razão porque assim sucedeu foi a de que o artigo 820.º do CA previa universalmente o

recurso contencioso para as auditorias administrativas (atualmente, tribunais

administrativos de círculo) das decisões e deliberações dos órgãos da Administração

local, sem fazer aceção entre atos concretos e normativos.

Tal como evidenciava Marcello CAETANO, «os regulamentos ficavam

abrangidos por também serem objecto de decisão ou de deliberação de um órgão local»

(53

).

De realçar que o artigo 820.º do CA vigorava quando, em 1967, entrou por seu

turno em vigor o DL n.º 48 051, cujo art. 9.º, n.º 1, estabelecia a responsabilidade do

Estado e demais pessoas coletivas públicas pelos prejuízos especiais e anormais

causados por atos administrativos legais. De referir que uma tal relação contextual leva-

nos pois a concluir que não repugna ler a expressão atos administrativos em sentido

amplo, em termos de abranger também, pelo menos, os atos normativos da

(51) Cfr. Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo 9, II, Lisboa, Coimbra Editora, 1972, p. 1324.

(52) Cfr. Afonso QUEIRÓ in: «Revista de Legislação e Jurisprudência», 97.º, p. 300. (53) Cfr. Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo 9, II, Lisboa, Coimbra Editora, 1972, p. 1326.

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Administração local e os da Administração central cuja impugnação se não encontrasse

vedada (em atenção ao emprego da forma de decreto). Era com precisão a expressões

sinónimas de atos administrativos (decisões e deliberações) que se referia o art. 820.º do

CA, mostrando desta forma que o legislador da época empregava as locuções em causa

também numa aceção ampla que abrangia as normas regulamentares.

Destarte, também não existia, a nosso entendimento, qualquer razão de cariz

finalístico para circunscrever o âmbito da responsabilidade por ato lícito aos atos

administrativos que definiam casos jurídicos administrativos concretos, sendo patente

que o legislador não pretendeu fazê-lo, uma vez que também estatuiu, no art. 9.º já

referido, a responsabilidade por atos materiais lícitos.

Tal como dizia Marcello CAETANO, «o propósito foi o de formular o princípio

geral da responsabilidade da Administração por factos lícitos, não se tratando sequer de

uma inovação legislativa, visto que o art. 2397.º do CC de 1867 já consagrava, em

termos genéricos, o princípio de que o sacrifício especialmente imposto a um

património para o benefício da coletividade deve ser por esta indemnizado pelo modo

mais adequadamente estabelecido na lei» (54

).

Concluindo, a intenção do DL n.º 48 051 era a de cobrir toda a responsabilidade

incorrida pela Administração no exercício da gestão pública extracontratual. Em

sintonia com tal DL n.º 48 051, a pretensão do art. 9.º daquele diploma legal era a de

formular o princípio geral da responsabilidade da Administração por factos lícitos

próprios da gestão pública extracontratual. Não se encontrava nem na finalidade nem na

economia estrutural do DL n.º 48 051 qualquer motivo evidente para excecionar deste

programa universal para a área da gestão pública extracontratual a responsabilidade por

danos especiais e anormais diretamente causados por normas regulamentares.

Ainda importa referir que de um ponto de vista abstrato, podia ainda colocar-se a

questão de saber se a finalidade prosseguida pelo DL n.º 48 051 era compatível com a

sua extensão aos atos normativos da Administração. A argumentação em sentido

contrário fundar-se-ia na pretensa insuscetibilidade de um ato genérico e abstrato causar

danos individualizados.

A ter pertinência, tal argumento teria a virtualidade de afastar também a

responsabilidade da Administração por danos causados por ato normativo inválido.

Porém, para o efeito da incidência do n.º 1 do art. 9.º do DL n.º 48 051, o

encargo ou prejuízo imposto pelo ato legal necessitava de ser não apenas anormal mas

(54) Cfr. Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo 9, II, cit., p. 1216.

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também especial. A questão residia pois em saber qual a medida em que esta

especialidade se podia conjugar com a generalidade e abstração próprias de um

comando normativo. É que o dano especial era aquele que incidisse particularmente

sobre certos sujeitos de direito, ou seja, que os colocasse em situação desigual em

relação à generalidade das pessoas.

Nas palavras de GOMES CANOTILHO, «há algumas décadas atrás, na doutrina

alemã, chegou até a definir-se uma corrente – a teoria do acto individual

(Einzelakttheorie) para a qual a especialidade do prejuízo corresponderia a

individualidade formal do acto que o causa» (55

).

Mas, como afirma GOMES CANOTILHO, «a impraticabilidade e a

inidoneidade deste critério, quando pretendido como único, cedo se revelou.

Impraticabilidade porquanto, entre a generalidade e a individualidade pura do acto, se

desenvolve uma série vasta de gradações. E inidoneidade visto que, não obstante a sua

generalidade e abstracção, os actos normativos podem incidir sobre um ou outro grupo

restrito de sujeitos de direito» (56

). Esta era também a posição da jurisprudência

administrativista francesa, que se não revelava, em princípio, hostil à indemnizabilidade

dos danos causados por ato regulamentar. Apesar de o ato regulamentar afetar uma

pluralidade de pessoas, o dano seria considerado especial para aquelas cuja situação

fosse particularmente afetada.

No entanto, o mesmo sucederia se, por exemplo, um regulamento municipal

viesse proibir a circulação de veículos pesados no centro da localidade. Naturalmente

que a proibição de trânsito de pesados afetaria uma pluralidade mais ou menos

indefinida de empresas abastecidas por viaturas que aí circulavam ou que através delas

enviavam as suas mercadorias. O dano era, porém, claramente individualizado para uma

empresa que deixasse de poder colocar em veículos pesados, indispensáveis ao

respetivo transporte, as mercadorias que armazenasse ou ensilasse, depois de as receber

por via-férrea, em instalação que possuísse naquele local (57

).

É de referir que a generalidade e abstração de uma norma não impediam

absolutamente as respetivas operatividade e lesividade.

(55) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, cit., p. 273. (56) Idem, pp. 274-275.

(57) «Embora se trate de dano causado por acto material lícito e não acto regulamentar, merece ser citado o Acórdão do STA, 1.ª

secção, de 25.05.2000, proferido no processo n.º 41420, que respeita a uma situação com fortíssima semelhança à imaginada. Sucedeu que a Câmara Municipal de Barcelos realizou obras de beneficiação numa rua e o abaixamento do respectivo leito

modificou as condições de acesso de um prédio destinado a uso industrial, impedindo o estacionamento e acesso de veículos ao

interior do edifício. O Supremo Tribunal Administrativo considerou haver prejuízo especial e anormal para o efeito do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051, incorrendo o município em responsabilidade por acto lícito».

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Ainda é de mencionar que uma norma era operativa (imediatamente operativa)

quando, não obstante a sua generalidade e abstração, a sua volição incidisse diretamente

(e não apenas mediante a emissão de atos de aplicação) sobre a esfera jurídica de

destinatários, ou seja, sobre relações jurídicas de particulares entre eles ou de

particulares com a Administração.

Convém, porém, mencionar que operatividade não se confundia necessariamente

com lesividade. A operatividade até podia ser ampliativa da esfera jurídica do

destinatário da norma. Mas, quando a operatividade fosse lesiva, também nem por isso

o dano era forçosamente especial: a lesividade especial ou especialidade do dano

dependiam das circunstâncias próprias de cada situação real de vida sobre a qual a

norma incidisse restritivamente. Conheciam de forma lesiva a operatividade de uma

norma regulamentar que proibisse a circulação automóvel em determinada via todos

aqueles que por ali transitavam habitualmente por conveniência própria. Ficavam,

porém, colocados em situação desigual e, portanto, sujeitos a dano especial aqueles que

não apenas teriam de procurar um percurso alternativo, ainda que menos cómodo, mas

antes ficavam impedidos de exercer uma certa atividade económica em prédio a que

deixassem de ter acesso em horário compatível as viaturas de transporte de mercadorias.

Resumindo, a abstração e generalidade do ato normativo não obstavam à sua

operatividade lesiva, podendo, porém, esta lesividade direta da norma revelar-se

especial e também anormal à luz das circunstâncias concretas de vida de um certo

destinatário.

A existência de normas com virtualidade para causar lesão direta é hoje

reconhecida pela própria CRP quando, no art. 268.º, n.º 5, garante o direito de

impugnação das normas administrativas com eficácia externa lesivas de direitos ou

interesses legalmente protegidos. A referência à lesividade só faz sentido neste preceito

se se entender que se pode tratar também de um efeito direto da própria norma: é da

impugnação desta que se trata visto que a impugnação dos atos de aplicação é versada

no n.º 4.

Por outro lado, também o art. 63.º da LPTA estabelece como requisito de

legitimidade uma lesividade direta ainda que não necessariamente imediata: «pode

impugnar a norma aquele que seja prejudicado pela sua aplicação ou venha a sê-lo,

previsivelmente, em momento próximo». Pelo menos o primeiro termo deste diedro

pressupõe uma operatividade direta da norma.

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Deste modo, não existem quaisquer dúvidas quanto à possibilidade, em abstrato,

da existência de normas administrativas com operatividade lesiva.

É de salientar, assim, que o problema de tal operatividade lesiva reconduz-se,

no fundo, ao apuramento da existência de um dano e de um nexo de causalidade que

ligue o dano, como efeito, à simples vigência da norma. Na prática, a questão pode

complicar-se porém devido à necessidade de que, para efeito do direito a indemnização

por dano gerado por norma administrativa legal, se trate não de uma lesividade comum

e sim de uma lesividade especial e anormal.

Importa ainda salientar que, rejeitado o valor dos argumentos literal e

teleológico contrários à abrangência do DL n.º 48 051 no que respeitava à

responsabilidade objetiva por facto de regulamento, restava-nos ponderar a força da

argumentação de cariz sistemático. A lógica intrasistemática, isto é, a decorrência das

linhas estruturantes do diploma, apontava precisamente no sentido inverso sob pena de

uma mutilação arbitrária do campo de regulação definido no art. 1.º.

6. O contexto intertextual do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro,

em 1967

De referir que poderia ainda haver uma única razão de coerência externa, ou

seja, de compatibilização entre um art. 9.º, n.º 1, do DL n.º 48 051 – lido de forma

estrita quanto ao alcance da expressão atos administrativos – e outros estratos do

ordenamento jurídico exteriores ao âmbito do mencionado antigo diploma legal. Tal

razão localizar-se-ia no regime de inimpugnabilidade contenciosa, em 1967, dos

regulamentos administrativos sob a forma de decreto. Esta inimpugnabilidade foi

estabelecida pelo hoje revogado art. 16.º, n.º 1, da LOSTA. Esta norma nivelou os

decretos regulamentares com as leis e resoluções da Assembleia Nacional e os decretos-

lei para efeito da insuscetibilidade de recurso contencioso. A inovação prendia-se com a

natureza autoritária do regime político e resolveu a favor da Escola de Coimbra uma

longa querela entre esta e a Escola de Lisboa. É de salientar que tal como diz

MOREIRA DA SILVA: «Ao passo que autores como FEZAS VITAL, CARLOS

MOREIRA e AFONSO QUEIRÓ reconduziam a ilegalidade do decreto regulamentar a

inconstitucionalidades orgânicas ou formais, MARCELLO CAETANO, mais tarde

acompanhado por JORGE MIRANDA e RUI MACHETE, sustentava a autonomia dos

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vícios da ilegalidade de tais decretos» (58

). A questão tinha considerável interesse

prático visto que o art. 123.º da Constituição de 1933 retirava aos tribunais o controlo da

inconstitucionalidade orgânica e formal das regras de direito constantes de diplomas

promulgados pelo Presidente da República e que entre estes se contavam precisamente

os decretos regulamentares (artigo 81.º, n.º 9).

Porém, a questão encontra-se duplamente ultrapassada.

Pareceu evidente, de um ponto de vista doutrinário, que o facto de um

regulamento contrariar norma legislativa envolvia ilegalidade. A hierarquia das fontes

de Direito resultava e resulta da Constituição.

É de concluir que como observa José Manuel Sérvulo CORREIA: «Mesmo em

1967, quando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48 051, não seria de boa

hermenêutica invocar a inimpugnabilidade dos regulamentos sob a forma de decreto

para daí extrair a inaplicabilidade da responsabilidade por acto administrativo lícito aos

regulamentos, entendidos como uma das subespécies de um superconceito de acto

administrativo» (59

).

7. O contexto intertextual do antigo Decreto-Lei n.º 48 051

Todo o contexto sistemático do art. 9.º do DL n.º 48 051 evoluiu de forma clara

em termos que tornaram ainda mais manifesta a necessidade de ler aquele preceito no

sentido de prever também a responsabilidade por atos regulamentares legais.

A ausência de controlo jurisdicional da legalidade de (certos) regulamentos não

constituía motivo para considerar excluída a responsabilidade por danos diretamente

causados por regulamentos legais.

Como lembra José Manuel Sérvulo CORREIA: «O apuramento desta não

passava pela decisão de uma controvérsia sobre a legalidade. E as diferentes opções

valorativas subjacentes à responsabilidade subjetiva e à responsabilidade objetiva por

ato lícito tornavam injustificável a pretensão de fazer depender a admissibilidade de um

desses institutos da paralela admissibilidade do outro» (60

). Entende-se desta forma que,

apesar de escrever ainda sob a vigência da Constituição de 1933 e do art. 16.º da

LOSTA, tal como sugere José Manuel Sérvulo CORREIA: «GOMES CANOTILHO

(58) Cfr. MOREIRA DA SILVA, Da Impugnação Contenciosa de Regulamentos Administrativos, Tese de Mestrado, polic.,

Faculdade de Direito de Lisboa, 1992, p. 170.

(59) Cfr. José Manuel Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos causados por normas emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa, Dezembro 2001, p.

1339.

(60) Cfr. José Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos causados por normas emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa, Dezembro 2001, p. 1339.

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não visse «bases seguras» para o entendimento que fundasse no emprego da expressão

actos administrativos no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051 a exclusão do âmbito deste

diploma do problema da lesão de situações subjectivas causadas por actos normativos

da Administração» (61

). Como sublinhava, na sua obra, em 1974, o Constitucionalista

GOMES CANOTILHO, citando Marcello CAETANO, «acto administrativo (em

sentido estrito) e regulamento incluem-se na função executiva, ou seja, constituem

actividade de execução de leis» (62

).

Porém, o texto constitucional estabelecia as traves mestras de um sistema

coerente e omnicompreensivo de tutela jurisdicional administrativa dos direitos e

interesses legalmente protegidos. Ainda que tal garantia possuísse uma natureza

predominantemente processual, ela não podia deixar de ter, por vezes, prolongamentos

de ordem substantiva, como precisamente sucedia no domínio da responsabilidade

administrativa.

A garantia respeitava a direitos e interesses legalmente protegidos e qualificava-

se como efetiva. Esta efetividade significava, designadamente, que havia que assegurar

uma indemnização quando a ofensa causada não pudesse desaparecer inteiramente

graças à eliminação do ato jurídico que a provocasse visto ser ele legal. A garantia seria

meramente formal se se consubstanciasse somente no acesso do lesado ao tribunal: ela

passava pela existência, a par de outros, de um meio processual capaz de albergar um

tipo de decisão jurisdicional correspondente à pretensão indemnizatória. Noutros

termos, uma tutela jurisdicional efetiva teria de ser omnicompreensiva, ou seja, de

compreender o leque de meios bastantes para que toda a concebível lesão de direitos e

interesses legalmente protegidos pudesse ser integralmente reposta.

Portanto, a efetividade da tutela passava também pela possibilidade de obter do

tribunal uma condenação da Administração na indemnização pelo efeito danoso da

ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos quando não fosse possível

eliminar essa ofensa pela mera reformulação do ordenamento jurídico normativo ou

concreto.

(61) Cfr. José Manuel Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos causados por normas

emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa, Dezembro 2001, p. 1340.

(62) Cfr. O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, cit., p. 195, GOMES CANOTILHO afirmava, pouco mais

adiante, que «quanto aos regulamentos e posturas locais cremos não subsistirem grandes problemas. O art. 828.º, único, do Código Administrativo admite a interposição de um recurso contencioso directo contra posturas e regulamentos policiais, cuja legalidade

pode ser impugnada a todo o tempo. O particular pode fazer realçar a lesão dos seus direitos em consequência da emanação de um

regulamento local ilegal e provar, portanto, ser vítima de lesão causada por facto da administração ou seus agentes», (cfr. art. 824.º do CA.). Idem, p. 197.

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Essa impossibilidade de reformulação por iniciativa processual do particular

existia precisamente no caso em que o ato regulamentar danoso fosse legal. De referir

que o n.º 5 do art. 268.º da CRP (63

) constrói a garantia dos particulares perante as

normas administrativas lesivas em torno da figura da impugnação, o que pressupõe a

ilegalidade da norma. Porém, tal preceito não pode ser considerado de forma isolada e

antes à luz da sua íntima conexão com o n.º 4 do mesmo artigo 268.º, e, também, com

os artigos 20.º, n.º 1, e 22.º da CRP. O sistema delineado neste conjunto de preceitos

visa a proteção jurisdicional contra a lesão de direitos e interesses legalmente

protegidos, quer esta lesão seja ilegal ou legal. E a reposição de tal lesão não passa

sempre e necessariamente pela eliminação do ato que a causou, que pode ser um ato

jurídico legal ou um ato material consumado e irreversível.

Deste modo, a proteção dos cidadãos contra a eficácia externa lesiva das normas

administrativas não se esgota pela impugnação garantida pelo n.º 5 do artigo 268.º,

passando também, quando apropriado, por um meio processual inserível na cláusula

geral da primeira parte do n.º 4. Era esse o caso da ação de responsabilidade civil

extracontratual dos entes públicos por prejuízos decorrentes de atos de gestão pública,

incluindo os regulamentos legais dotados de operatividade imediata e dessa forma

causadores de prejuízo especial e anormal.

Apenas pretendemos destacar que o contexto constitucional supra mencionado

vem reforçar substancialmente as razões que já existiam antes dele para uma

interpretação declarativa lata do n.º 1 do art. 9.º do DL n.º 48 051.

Nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, a interpretação deve reconstituir, a

partir dos textos, o pensamento legislativo tendo em consideração não apenas as

circunstâncias em que a lei foi elaborada mas também a unidade do sistema jurídico e as

condições específicas do tempo em que é aplicada. Como insinua OLIVEIRA

ASCENSÃO, a referência às condições específicas do tempo em que é aplicada «é

totalmente incompreensível fora de um entendimento atualista» (64

), acrescentando que

«a fórmula em que a lei se consubstancia está fixada; mas o seu sentido dessa fórmula

pode variar, consoante as incidências do circunstancialismo donde arrancam as suas

(63) Cfr. «Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos

ou interesses legalmente protegidos». (64) OLIVEIRA ASCENSÃO apud José Manuel Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos

causados por normas emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa,

Dezembro 2001, p. 1342.

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significações» (65

). Tal circunstancialismo compreende desde logo o contexto, que é

aquele que é em cada momento e não ficou para sempre fixado nos textos conexos que

vigoravam quando a norma interpretanda iniciou a sua vigência. Se não fosse assim, o

aplicador não poderia guiar-se pelo objetivo da unidade da ordem jurídica para o qual

aponta o art. 9.º do Código Civil.

Se preciso fosse, haveria que fazer uma interpretação atualista do n.º 1 do art. 9.º

do DL n.º 48 051. Pensamos que a qualificação nem sequer se aplicava visto que a letra

do preceito sempre consentiu o entendimento declarativo lato que o sistema jurídico

desde o início inculcou. Mas, de qualquer das formas tratava-se de uma interpretação

conforme à Constituição dado o âmbito da garantia constitucional de tutela jurisdicional

administrativa. Porém, só podia haver interpretação conforme à Constituição quando,

mesmo sem o influxo da diretiva constitucional, o preceito admitiria o entendimento

necessário à sua constitucionalidade.

É ainda de mencionar que sendo no entanto esse o caso, ficávamos dispensados

de, partindo da hipótese da inconstitucionalidade superveniente do n.º 1 do art. 9.º do

DL n.º 48 051, averiguar se existiriam bases para sustentar a admissibilidade de uma

decisão jurisdicional modificativa. Em tal hipótese, a sentença concluiria pela

inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 9.º do DL n.º 48 051, na parte em que não

estatuísse a responsabilidade objetiva da Administração por regulamento legal mas

lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, por violação do princípio

constitucional da igualdade e da garantia constitucional da tutela jurisdicional

administrativa. Deste modo se eliminaria em benefício dos lesados a exclusão – operada

implicitamente – da tutela mediante responsabilidade administrativa, estendendo-lhes o

tratamento mais favorável.

Convém salientar que tal como admite Rui MEDEIROS: «Preconizar esta

solução significaria em todo o caso remeter os interessados para uma via assás

atribulada: a maioria da nossa doutrina constitucionalista manifesta-se adversa às

decisões modificativas e, embora estas não estejam de todo ausentes da nossa

jurisprudência constitucional – sobretudo em matéria de pensões – o TC não adoptou

até ao momento uma posição consistente neste domínio» (66

).

(65) OLIVEIRA ASCENSÃO apud José Manuel Sérvulo CORREIA, Da sede do regime de responsabilidade objectiva por danos causados por normas emitidas no desempenho da função administrativa, in: «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 61, Lisboa,

Dezembro 2001, p. 1342.

(66) Cfr. Rui MEDEIROS, A Decisão de Inconstitucionalidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999, pp. 456 e segs., em particular 469-477.

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Tendo em consideração tudo o que foi escrito até agora, uma das situações

menos controversas – pois que até um adversário em tese da figura das decisões

modificativas as aceitava quanto a ela a título excecional – é aquela em que a

modificação da lei considerada inconstitucional incorpora unicamente uma solução

constitucionalmente obrigatória. Nestas situações, tal como diz Rui MEDEIROS: «o

tribunal não exerce manifestamente uma função substancialmente criativa ex nihil.

Quando não existe uma pluralidade de soluções alternativas porque a única solução é

aquela que imperativamente decorre da Constituição, ao juiz só resta submeter à directa

estatuição da lei fundamental as situações da vida discriminatoriamente não

contempladas na norma de valor infraconstitucional». Ao agir dessa forma, o juiz «não

ofende as prerrogativas do legislador» (67

).

Porém, seria precisamente esse o caso se – contra o que sustentamos – se

devesse entender que o n.º 1 do art. 9.º do DL n.º 48 051 não contemplava a

responsabilidade por atos normativos legais da Administração a par da responsabilidade

por atos administrativos concretos (ou atos administrativos em sentido estrito) legais e

por atos materiais lícitos. Uma vez que o princípio da igualdade não consente que os

prejuízos especiais e anormais legal ou licitamente infligidos pela Administração a um

cidadão deixem de ser indemnizados e uma vez que a tutela jurisdicional efetiva da

lesão de direitos e interesses legalmente protegidos tem de incorporar tal indemnização

entre a sua panóplia de remédios, o juiz (qualquer juiz e não apenas o juiz do Tribunal

Constitucional) poderia decidir no sentido de que um direto comando constitucional

completava a previsão do n.º 1 do art. 9.º, com a consequência de a responsabilidade por

ato regulamentar legal ficar submetida à disciplina do DL n.º 48 051.

Em suma, sempre esta subespécie de responsabilidade objetiva por encargos ou

prejuízos especiais e anormais decorrentes da atividade de gestão pública deveria

considerar-se fundada no DL n.º 48 051 e por ele deveria ser disciplinada.

8. A reforma de 2002 e o âmbito da jurisdição administrativa

Tal como nos expõe Maria João ESTORNINHO: «Em 1984, o legislador optou,

no ETAF (DL n.º 129/84, de 27/4), para efeitos de delimitação do âmbito da jurisdição

(67) Cfr. Rui MEDEIROS, A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p. 504.

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administrativa, por um sistema que conjuga uma cláusula geral e uma enumeração

meramente exemplificativa, de caráter negativo» (68

).

Como afirma Maria João ESTORNINHO: «A cláusula geral, consagrada no art.

3.º, associa a competência dos tribunais administrativos e fiscais ao «âmbito das

relações jurídicas administrativas e fiscais» (69

).

O art. 4.º, sob a epígrafe «limites da jurisdição», enumera algumas das matérias

que, de entre outras, se consideram excluídas da jurisdição administrativa e fiscal.

Como refere Maria João ESTORNINHO: «Trata-se, assim, de matérias que

tradicionalmente são excluídas da jurisdição administrativa como corolário do princípio

da separação de poderes (é o caso dos atos da função política, dos atos da função

legislativa e, por arrastamento, das questões de responsabilidade por danos decorrentes

do exercício dessas funções do Estado); trata-se, por outro lado, das questões de direito

privado, de acordo com a lógica tradicional segundo a qual as questões relativas à

atividade de gestão privada da Administração Pública estão excluídas da jurisdição

administrativa; trata-se, ainda, de algumas outras questões, tais como a apreciação dos

atos em matéria administrativa dos tribunais judiciais e dos atos relativos ao inquérito e

instrução criminais e ao exercício da ação penal, bem assim como a qualificação de

bens como pertencentes ao domínio público e os atos de delimitação destes com bens de

outra natureza» (70

).

Porém, importa realçar a importância do contencioso administrativo e o âmbito

da jurisdição administrativa (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro). Neste sentido, torna-

se indiscutível a importância prática e teórica das opções a fazer, em sede de definição

do âmbito da jurisdição administrativa, numa era de progressiva diluição das clássicas

fronteiras entre o próprio Direito Administrativo e os restantes ramos do Direito. De um

modo global, Maria João ESTORNINHO diria que houve, em tal reforma, «um

alargamento do âmbito da jurisdição administrativa, especialmente inovador em

matérias como a da actividade contratual e a da responsabilidade civil da Administração

Pública» (71

).

Contudo, no que concerne ao âmbito da jurisdição administrativa, a primeira

novidade daquela reforma do contencioso administrativo residiu no facto de se adotar

(68) Cfr. Maria João ESTORNINHO, A reforma de 2002 e o âmbito da jurisdição administrativa, in: «Cadernos de Justiça

Administrativa», n.º 35, Setembro/Outubro 2002, p. 3. (69) Cfr. Maria João ESTORNINHO, ob. cit., p. 3.

(70) Neste sentido ver: Maria João ESTORNINHO, A reforma de 2002 e o âmbito da jurisdição administrativa, in «Cadernos de

Justiça Administrativa», n.º 35, Setembro/Outubro 2002, p. 3. (71) Cfr. Maria João ESTORNINHO, ob. cit., p. 3.

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um sistema que, para além de uma cláusula geral, incluiu, contrariamente ao que

sucedia no DL n.º 48 051, uma enumeração de matérias excluídas da jurisdição

administrativa e também uma cláusula de sentido positivo, isto é, uma enumeração, de

caráter também ela meramente exemplificativo, de matérias expressamente atribuídas à

jurisdição administrativa.

De referir que assim, o artigo 1.º recorta o âmbito da jurisdição administrativa e

fiscal em função dos «litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e

fiscais» (como era impensável deixar de ser, à luz do artigo 212.º, n.º 3, da Constituição,

nos termos do qual compete aos tribunais administrativos e fiscais «o julgamento das

acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes

das relações jurídicas administrativas e fiscais»); por seu lado, o artigo 4.º, cuja epígrafe

é «Âmbito da jurisdição», continha, no n.º 1, uma enumeração positiva de um vasto

elenco de matérias que se consideravam da competência da jurisdição administrativa e

fiscal e, nos n.ºs 2 e 3, pelo contrário, enumerações de sentido negativo, excluindo

algumas matérias do âmbito dessa mesma jurisdição.

É de salientar que a existência de uma tal cláusula positiva de atribuição de

competência foi, em si mesma, especialmente relevante, pelo que significava de

afirmação de um espaço próprio dos tribunais administrativos, cuja competência deixou

de ser definida apenas pela negativa, em relação aos tribunais comuns. Mas,

obviamente, mais importante do que a novidade da existência da referida cláusula

positiva é, indubitavelmente, o próprio elenco das matérias que, em concreto, se

consideravam ser, ou passar a ser, da competência dos tribunais administrativos. De

referir ainda que o elenco das matérias expressamente atribuídas à competência dos

tribunais administrativos, no art. 4.º, n.º 1, do novo ETAF, não podia deixar de ser

apreciado à luz de princípios constitucionais, determinantes nesta matéria, tais como o

princípio da separação de poderes e o princípio da tutela judicial plena e efetiva, bem

assim como da própria ideia de uma eventual reserva de jurisdição administrativa.

Especialmente interessadas eram na altura em que estava em discussão, assim, alíneas

como a alínea a), relativa à tutela dos direitos fundamentais dos particulares, ou a alínea

l), relativa à promoção da prevenção, da cessação ou da perseguição judicial de

infrações cometidas por entidades públicas contra determinados valores e bens

constitucionalmente protegidos.

Convém ver agora as matérias excluídas expressamente do âmbito da jurisdição

administrativa, procurando fazer uma comparação do sistema que vigorava no passado

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com o sistema proposto naquela reforma do contencioso administrativo: no n.º 2, do

mencionado artigo 4.º, tendo por pano de fundo o princípio da separação de poderes,

excluíram-se, sem novidade, do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, os atos da

função política e os atos da função legislativa (embora já não, aí, sim, com grande

novidade, os danos emergentes do exercício dessas funções do Estado); tendo em

consideração o n.º 2, do referido art. 4.º, excluíram-se também do âmbito do

contencioso administrativo questões relativas ao exercício da função jurisdicional por

outros tribunais. Deste modo, no n.º 2, excluíram-se deste âmbito as decisões

jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e

fiscal e, no n.º 3, excluiu-se: «A apreciação das acções de responsabilidade por erro

judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como

das correspondentes acções de regresso»; excluídos do âmbito da jurisdição

administrativa continuaram a ficar, também, os: «Actos relativos ao inquérito e

instrução criminais, ao exercício da acção penal e à execução das respetivas decisões»

(art. 4.º, n.º 2, alínea c);do âmbito da competência dos Tribunais Administrativos se

excluíram ainda os atos materialmente administrativos do Presidente do Supremo

Tribunal de Justiça e do Conselho Superior de Magistratura e seu Presidente (art. 4.º, n.º

3, alíneas b) e c); por fim, excluíram-se do âmbito da jurisdição administrativa os

litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, que não conferem a qualidade

de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito

público (art. 4.º, n.º 3, alínea d).

De referir que a propósito dos referidos contratos, recorde-se que, na reforma

supra mencionada, eles também estavam excluídos da jurisdição administrativa, pelo

facto de se entender que, pese embora celebrados pela AP, tais contratos envolveriam

«questões de direito privado» que, nos termos do art. 4.º, n.º 1, alínea f), do DL n.º

129/84, de 27/4, foram e são remetidas para o foro dos tribunais comuns. Aliás, o que

aconteceu na referida reforma é que, pela mesma ordem de razões, se entendeu que

muitos outros contratos e muitos outros litígios relacionados com as referidas «questões

de direito privado» da AP estavam também afastados do âmbito da competência dos

tribunais administrativos. Deste modo, o que se verificou naquela reforma do

contencioso administrativo foi, «a contrario», um imenso alargamento do âmbito da

jurisdição administrativa, uma vez que os litígios emergentes da tradicionalmente

denominada «atividade de gestão privada» da AP deixaram de estar excluídos da

jurisdição administrativa.

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Porém, na verdade, uma das grandes novidades de tal reforma do contencioso

administrativo residiu precisamente, na eliminação da referência às questões de direito

privado no elenco de matérias que se consideraram excluídas do foro administrativo.

Como frisa Maria João ESTORNINHO: «Finalmente desaparece a dicotomia

tradicional «gestão pública/gestão privada» como critério de repartição de competência

entre o foro administrativo e o foro comum, o que, por um lado, pressupõe um novo

entendimento acerca da própria noção de «relação jurídica administrativa» (uma vez

que se passa a aceitar que a tradicionalmente chamada atividade de «gestão privada» da

Administração Pública também envolve (…) obviamente – relações jurídicas

administrativas, que devem estar sujeitas aos tribunais administrativos) e, por outro

lado, irá de forma inevitavelmente acarretar uma significativa uniformização de regimes

jurídicos substantivos aplicáveis às referidas relações jurídicas» (72

).

No entanto, sintomática daquela eliminação da dicotomia «gestão pública/gestão

privada», foi (e é) a atribuição aos tribunais administrativos, no art. 4.º, n.º 1, alínea g),

do novo ETAF, de todo o contencioso da responsabilidade civil extracontratual das

pessoas coletivas de direito público.

(72) Cfr. Maria João ESTORNINHO, ob. cit., p. 5.

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Capítulo II

Da lei vigente do regime da responsabilidade civil

1. A lei 67/2007, de 31 de Dezembro

1.1. Unificação da competência contenciosa dos tribunais administrativos

no âmbito da responsabilidade civil extracontratual da Administração:

unidade de jurisdição vs dualidade de regime substantivo

Tal como escreve Carlos FERNANDES CADILHA: «O novo regime de

responsabilidade patrimonial das entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de

31 de Dezembro, desde há muito aguardado, introduziu alterações muito significativas

no regime substantivo da responsabilidade civil pelo exercício da função administrativa,

revogando e substituindo, nesse âmbito, o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro

de 1967, e os artigos 96.º e 97.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que anteriormente

disciplinavam essa matéria (73

), e veio estabelecer, pela primeira vez, em termos

sistemáticos, o regime de responsabilidade civil por danos derivados da função

legislativa e da função jurisdicional» (74

).

De referir que o enquadramento legislativo unitário em matéria de

responsabilidade civil por atuação dos poderes públicos tem como contraponto, no

plano processual, a unificação da jurisdição relativamente às diferentes formas de

responsabilidade civil estadual, que foi levada a cabo pela reforma do contencioso

administrativo de 2002.

É de salientar que na verdade, o ETAF operou um alargamento da competência

contenciosa dos tribunais administrativos em matéria de responsabilidade civil das

pessoas coletivas de direito público, mediante três diferentes vias: (a) uniformizou o

âmbito da jurisdição no que se refere à responsabilidade decorrente da atividade

administrativa, passando a atribuir aos tribunais administrativos as questões de

responsabilidade civil que envolvam pessoas coletivas de direito público, sem qualquer

prévia distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada (artigo 4.º, n.º

1,alínea g),segmento inicial); (b) passou a incluir no âmbito da jurisdição administrativa

(73) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: O novo regime de responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas pelo exercício da função administrativa, p. 1, nota 2: «O Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1969,

instituía o regime geral de responsabilidade administrativa, ao passo que os artigos 96.º e 97.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro,

continham disposições específicas sobre a responsabilidade funcional das autarquias locais e responsabilidade pessoal dos respetcivos titulares de órgãos e agentes, que, na parte aí não regulada, deveriam ser integradas pelo regime comum daquele outro

diploma», de Carlos FERNANDES CADILHA.

(74) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas pelo exercício da função administrativa, p. 1.

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a responsabilidade por danos resultantes do exercício da função legislativa, bem como

do funcionamento da administração da justiça, mas também o erro judiciário imputável

a tribunais administrativos (artigo 4.º, n.º 1, alínea f), 2ª parte, e n.º 3, alínea a); (c)

passou igualmente a abarcar na competência dos tribunais administrativos a

«responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados aos quais seja aplicável o

regime específico da responsabilidade do Estado», pretendendo-se assim abranger as

entidades privadas de mão pública que possam exercer poderes de autoridade ou cuja

atividade seja regulada por disposições ou princípios de direito administrativo (artigo

4.º, n.º 1, alínea i).

Contudo, fulcrando a atenção na responsabilidade civil pelo exercício da função

administrativa, a primeira nota que importa realçar é que à apontada unidade de

jurisdição não corresponde uma unidade de regimes jurídicos substantivos.

1.2. Âmbito de aplicação

Nas palavras de Carla AMADO GOMES e de Miguel ASSIS RAIMUNDO: «O

âmbito de aplicação do RRCEE é descrito no seu artigo 1.º, que se assume como

regulação geral, não se sobrepondo, portanto, a regimes especiais (como, de resto, se

afirmara já no artigo 2.º/ 1 da Lei 67/07, embora circunscritamente à função

administrativa…). Este dispositivo incide expressamente sobre as funções

administrativa e jurisdicional, eximindo-se a disciplinar, em razão da natureza da

função, a responsabilidade dos órgãos e seus titulares em sede político-legislativa» (75

)

(76

).

Um ponto fulcral a retratar aqui é a função administrativa. Destarte, é de referir

que do art. 1.º, n.º 2 do RRCEE retira-se um conceito da função administrativa que

assenta na prática de ações ou omissões que traduzam prerrogativas de poder público

e/ou que sejam reguladas por normas jurídico-administrativas. Importa ainda explicitar

que como evidenciam Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO: «Do

confronto desta norma com o art. 2.º/2 da Lei 67/07 fica-nos a dúvida de saber se

devemos entender que sobrevive no RRCEE a distinção entre actos de gestão pública e

actos de gestão privada, constante do agora revogado DL n.º 48 051 - mas

aparentemente condenada a desaparecer pelo art. 4.º/1/ h) do ETAF -, descartando por

(75) Acerca do artigo 1.º do RRCEE, Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Anotado, Coimbra, 2008, pp. 24 e segs.

(76) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, Topicamente - e a quatro mãos…- sobre o novo regime da

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas in: «Revista de Direito Público e Regulação», n.º 5, Março, ed. Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (Cedipre), FDUC, 2010, p. 4.

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completo a aplicação do regime plasmado nos artigos 500.º e 501.º do CC; ou se, ao

contrário, devemos interpretar restritivamente a norma do art. 2.º/2 citado, reportando-o

somente às situações de remissão legal para normas de direito privado a título de

disciplina da responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito

público (e também às pessoas colectivas de direito privado “equiparadas” nos termos do

art. 1.º/5 do RRCEE?) por actos de gestão pública, remissão que ficaria assim proscrita»

(77

).

Tal como nos afirmam Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO:

«Arriscaríamos a segunda hipótese interpretativa, pois parece-nos que, apesar da

anunciada intenção de terminar com a distinção gestão pública/gestão privada pelo

ETAF, o legislador do RRCEE pretendeu, por um lado, fazer prevalecer os regimes

(especiais) de responsabilidade regulados por normas de direito público sobre o RRCEE

e, por outro lado, fazer deste o padrão normativo de resolução de todos os casos de

responsabilidade civil extracontratual que envolvam entidades actuando no exercício de

funções materialmente administrativas revelando prerrogativas de poder público. Ou

seja, uniformizar o regime de responsabilidade por actos de gestão pública, sem

prejudicar regimes especiais, continuando a sediar no CC as normas aplicáveis aos

casos de responsabilidade por actos de gestão privada» (78

).

De referir que não é por se deslocar uma fronteira concetual para definições

linguisticamente diferentes das tradicionais que tal fronteira se torna clara. Este nosso

caso é um ótimo exemplo, uma vez que poucas noções ao longo da História do Direito

terão sido tão discutidas como as que atentam na natureza jurídico-pública ou jurídico-

privada do regime substantivo que regula uma dada ação ou omissão; permanecerão,

por tal motivo, os conflitos de jurisdição. Importa salientar que podemos até ir mais

longe: a tradicional distinção entre atos de gestão pública e gestão privada traçava-se,

precisamente, em conformidade com os critérios das prerrogativas de direito público e

do regime substantivo da ação ou omissão; ou seja, como diz Carla AMADO GOMES:

«de acordo com os mesmos critérios que surgem agora nos n.ºs 2 e 5 do artigo 1.º do

RRCEE, que foram “recauchutados” pelo legislador» (79

).

(77) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, Topicamente - e a quatro mãos…- sobre o novo regime da

responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas in: «Revista de Direito Público e Regulação», n.º 5,

Março, ed. Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (Cedipre), FDUC, 2010, p. 5. (78) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p. 5.

(79) Carla AMADO GOMES, As novas responsabilidades dos tribunais administrativos na aplicação da Lei 67/2007, de 31 de

Dezembro: primeiras impressões, in: Três Textos sobre o Novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa, AAFDL, 2008, p. 99.

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Convém frisar que trata-se claramente de um caso de mudança terminológica

sem mudança substantiva: o legislador, pretendendo acolher as avastadas críticas que se

faziam sentir à diferenciação entre gestão pública e gestão privada, abandonou-a, e

passou a falar na função administrativa; porém, ou por impossibilidade teórica ou

prática, ou por entender que não era o local adequado, ou ainda por não o considerar a

melhor solução, a verdade é que não forneceu um critério material que caraterize as

atividades que concretamente fazem parte da função administrativa (critério material,

que seria o único a resolver o problema de modo qualitativamente diferente), tendo-se

limitado a continuar o caminho que vinha sendo trilhado, consagrando um

entendimento, que acaba por ser o clássico, acerca da divisão entre atividade submetida

ao direito público e atividade não submetida ao direito público. Porquanto, importa

salientar que tal possibilidade há longo tempo vem sendo peremtoriamente negada na

Doutrina jusadministrativista, e importa frisar que mesmo partindo do princípio de que

uma tal possibilidade exista, a verdade é que até aos dias de hoje tal identificação

material do âmbito da função administrativa não parece ter existido.

De frisar que o n.º 3 do art. 1.º ressalvando embora a aplicação de lei especial,

determina a aplicação do regime do RRCEE a «titulares de órgãos, funcionários e

agentes públicos por danos decorrentes de acções ou omissões adoptadas no exercício

das funções administrativa e jurisdicional e por causa desse exercício», sendo que

confessamos uma certa incompreensão em relação ao sentido do advérbio “também”

neste n.º 3. Observe-se o inciso final da norma, que restringe a definição de função

administrativa aos atos praticados com uma finalidade juspública. Ora, se o fim é

condição essencial da natureza administrativa do ato (sendo de notar que do artigo

123.º, n.º 1, al. c) do CPA não se retira claramente que o fim do acto administrativo faça

parte do seu objecto - muito menos que integre os seus “elementos essenciais”, para os

efeitos do artigo 133.º, n.º 1 do CPA. No entanto, no limite, da teleologia do artigo 120.º

do CPA consegue extrair-se uma sintonia entre o fim de conformação de uma relação

jurídico-administrativa através de normas de direito público e o conceito de acto

administrativo), nas palavras de Carlos FERNANDES CADILHA: «o regime

substantivo do RRCEE apenas cobre a actuação funcionalmente administrativa» (80

),

descartando os denominados “actos pessoais” (o art. 8.º, n.º 2 do RRCEE confirma tal

posturais). Tal como sustentam Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS

RAIMUNDO: «A inclusão da função jurisdicional neste n.º 3 não deve causar

(80) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade civil…, cit., p. 38.

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estranheza, dada a estrutura da máquina judicial, na qual, de uma banda, se integram

muitos servidores públicos sem estatuto de magistrado que praticam actos

administrativos e, de outra banda, se encontram magistrados a praticar, acessoriamente à

função jurisdicional, actos administrativos» (81

). No entanto, tal como demonstra Carla

AMADO GOMES: «reconhece-se que a distinção entre falta estritamente pessoal e falta

funcional levanta problemas de operacionalidade teórica e prática (desde logo porque

envolve habitualmente a prova de factos puramente subjectivos), e pode cifrar-se em

esquemas dilatórios (do servidor público ou da própria entidade pública) para adiar a

apreciação jurisdicional do litígio mediante a suscitação de incompetência absoluta do

tribunal» (82

), e em prejuízo do direito a uma tutela jurisdicional rápida. Este não parece

ser um problema de fácil solução, mantendo-se os quadros tradicionais em matéria de

repartição de jurisdições, que aliás são constitucionalmente impostos.

Porém, importa realçar que deve sublinhar-se a necessidade de se atualizar a

terminologia do RRCEE à luz da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece

o regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exerçam

funções públicas. Subscrevendo Carlos FERNANDES CADILHA, «mantendo-se as

noções de funcionário e agente administrativo como meras categorias conceituais, a

primeira deverá ser atribuída dentro do actual regime legal a quem obtenha uma

nomeação definitiva no exercício de funções públicas, aplicando-se o qualitativo de

agente administrativo àqueles que devam ser objecto de nomeação transitória, sendo a

estas duas posições profissionais que se reporta o presente artigo 1.º, n.º 3 quando se

refere a funcionários ou agentes públicos. Os trabalhadores contratados caem no âmbito

aplicativo do artigo 1.º, n.º 4» (83

). Tendo em linha de conta o disposto no artigo 21.º da

Lei n.º 12-A/2008, o contrato de trabalho em funções públicas pode ser a termo certo ou

incerto, sendo reservado aos trabalhadores que não possam ser nomeados – que são,

atualmente, a maior parte dos servidores públicos (para além das categorias dos

trabalhadores nomeados e contratados, há ainda que ter em conta a figura da comissão

de serviço (artigos 23.º e 24.º da Lei n.º 12-A/2008), assim como os titulares de cargos

dirigentes da Administração central, regional e local (Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro,

com as alterações introduzidas pela Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto), e da

(81) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, Topicamente - e a quatro mãos…- sobre o novo regime da

responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas in: «Revista de Direito Público e Regulação», n.º 5, Março, ed. Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (Cedipre), FDUC, 2010, pp. 6-7.

(82) Neste sentido, Carla AMADO GOMES, As novas responsabilidades…, cit., pp. 99-100, e também em Carla AMADO GOMES,

A responsabilidade civil extracontratual…, cit., p. 32 e nota 18. (83) Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade civil…, cit., p. 44.

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Administração autárquica (DL n.º 93/2004, de 20 de Abril, com as alterações

introduzidas pelo DL n.º 104/2006, de 7 de Junho).

Constatação que, continuidades terminológicas apartadas, convida a inverter a

ordem proposta.

De mencionar que do n.º 5 retira-se uma extensão a todos os títulos relevante,

que consiste na aplicação do regime do RRCEE a pessoas coletivas privadas no

exercício de funções administrativas que exprimam prerrogativas de poder público.

Poder-se-ia considerar que tal extensão já decorria do disposto no n.º 2: porém, este

parece dedicado à manutenção do conceito de «gestão pública» (como se anotou supra),

articulando-se com atuações de entidades organicamente públicas, enquanto o n.º 5 tem

vocação aplicativa a entidades privadas que colaboram com a Administração no

desenvolvimento das suas missões e cuja submissão a normas jurídico-privadas poderia

levar a crer imunes às regras do RRCEE. Caem sob o seu âmbito tanto as empresas

públicas (sob forma societária, pois as entidades públicas empresariais e as entidades

empresariais locais, como pessoas coletivas públicas que são (84

), entram na referência

do n.º 2), como os concessionários, como restantes entidades particulares, desde que a

ação ou omissão geradora de responsabilidade traduza prerrogativas de poder público

ou se reja por normas jusadministrativas, possibilidades expressamente admitidas para a

generalidade das empresas dos setores empresariais estadual e local: v. artigos 14.º do

Regime do Setor Empresarial do Estado (RSEE) e 17.º do Regime do Setor Empresarial

Local (RSEL).

Importa mencionar que no fundo, o critério de imputação assenta no mesmo

padrão escolhido pelo legislador para desenhar os contornos da função administrativa e

que passa pela adesão à teoria estatuária, que tanto expulsa do regime do RRCEE – mas

não necessariamente do contencioso administrativo (cfr. o artigo 4.º, n.º 1, alíneas g) e

h) do ETAF) (85

) atos praticados por entidades formalmente públicas à margem de

exercício de poderes de autoridade, como e por maioria de razão, atos do mesmo

género exercidos por entidades privadas que colaborem com a Administração e no

âmbito dessa colaboração (no que diz respeito à responsabilidade de sujeitos privados a

(84) Cfr., respetivamente, os artigos 23.º, n.º 1 do RSEE (Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 300/2007, de 23 de Agosto), e 33.º, n.º 1 do RSEL (Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro).

(85) «Por isso já se afirmou que, embora a distinção entre gestão pública e gestão privada deixe de ser um critério para a divisão

entre a jurisdição administrativa e a jurisdição comum no que diz respeito às pessoas coletivas públicas e seus trabalhadores (alíneas g) e h) do artigo 4.º, n.º 1 do ETAF), ela permanece, indirectamente, por força do artigo 1.º, n.º 5 do RRCEE, como uma

distinção «ineliminável» para efeitos de sujeição à jurisdição administrativa dos litígios sobre responsabilidade civil dos sujeitos

privados (artigo 4.º, n.º 1, alínea i) do ETAF)»: assim, Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral – Actividade administrativa, Tomo III, 2.ª ed., Lisboa, Dom Quixote, 2009, pp. 38-39.

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qual se reja por um regime de direito público, vale a alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º do

ETAF, devendo esta última ser articulada com o n.º 5 do artigo 2.º do RRCEE – o qual

exclui da jurisdição administrativa a apreciação dos danos causados por atos de «gestão

privada» destas entidades) – ainda que ambos os casos traduzam a prossecução de

atividade finalisticamente administrativa.

1.3. Função jurisdicional

Para começar, importa frisar que neste ponto cumpre somente retomar a

chamada de atenção transata, no que concerne à prática de atos administrativos (ou a

omissões jurídicas e materiais) no âmbito da função jurisdicional, quer por funcionários

administrativos, quer por magistrados, judiciais e do MP. Como mostra Carla AMADO

GOMES: «O n.º 2 do artigo 1.º do RRCEE é depois confirmado nos artigos 12.º e 14.º/1

(este exclusivamente dirigido aos magistrados), remetendo-se o regime de

responsabilidade aplicável para os artigos 7.º a 10.º do RRCEE» (86

).

1.4. Função (político-) legislativa

Tal como afirmam Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO: «A

função legislativa é a única função do Estado a cujos titulares o artigo 1.º do RRCEE se

não refere directamente, o que é explicável em razão do tipo de actos em causa

(sobretudo se pensarmos na lei e no decreto legislativo regional, por força da

irresponsabilidade dos deputados: artigo 157.º/1 da Constituição da República

Portuguesa (CRP); já não necessariamente no decreto-lei)» (87

). A referência é

meramente indireta, constando do segmento final do n.º 1, na remissão para lei especial:

trata-se dos artigos 45.º a 48.º da Lei n.º 34/87 de 16 de Julho (acerca de

responsabilidade criminal e civil dos titulares de cargos políticos, com as alterações

introduzidas pela Lei n.º 108/2001, de 28/11). De referir que deles se extrai um

princípio de responsabilização do titular por danos que decorrem do exercício de crimes

relacionados com a função nos termos da lei civil, sendo o Estado solidário e detendo

direito de regresso (artigo 45.º, n.º 2). A absolvição do pedido criminal não leva à

extinção do dever de indemnizar no plano civil (artigo 46.º, n.º 1).

Porém, como sublinham Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS

RAIMUNDO é de mencionar que: «Uma dúvida que nos fica neste domínio prende-se

(86) Cfr. Carla AMADO GOMES, A responsabilidade civil do Estado por actos materialmente administrativos praticados no âmbito

da função jurisdicional, no quadro da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, em curso de publicação n` «O Direito». (87) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob cit., p. 9.

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com a oscilação terminológica no seio do RRCEE entre função legislativa (artigo 1.º/ 1)

e função político-legislativa (artigo 15.º/1), antecedida pelo aparente desdobramento a

que procedeu o ETAF, em 2002/04, quando no artigo 4.º/2/a) exclui da jurisdição

administrativa os actos da “função (não funções…) política e legislativa”. Admitindo

que na previsão do artigo 22.º da CRP cabe também a função política, a sua ausência do

RRCEE – mas não do ETAF – causa algum desconforto» (88

).

Como explicam Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO:

«Ainda que a competência para o julgamento de tais acções, de jure condendo, pudesse

eventualmente caber ao Tribunal Constitucional, tem sido entendimento comum que de

acordo com o Direito constituído, ela cabe aos tribunais comuns. Tal posição baseia-se

na existência, na Constituição e na lei ordinária, de uma norma atributiva de jurisdição

aos tribunais comuns em casos residuais: nos termos do artigo 26.º/ 1 da Lei n.º

52/2008, de 28 de Agosto (a actual Lei de organização e funcionamento dos tribunais

judiciais), os tribunais comuns são competentes para apreciar as acções excluídas e não

atribuídas a qualquer outra jurisdição» (89

).

Nesta orientação, de referir que no sumário do acórdão do STA de 5 de Março

de 1998 (processo n.º 043438) podia ler-se a este respeito o seguinte:

I – «Actos políticos» são os «actos próprios da função política ou do governo»,

que embora eventualmente «ofensivos de direitos individuais, escapam, em princípio, à

competência contenciosa, em atenção ao móbil político que gera a sua prática, apenas

podendo ser objeto de crítica por parte da opinião pública ou das assembleias

representativas». II – A atuação de divulgação pública, através de meio televisivo, por

parte do Ministro da Saúde, da ordem de encerramento temporário de um

estabelecimento de saúde particular, possui, sem dúvida, subjacentes as funções

governamentais no âmbito da execução da política de proteção da saúde que ao governo

compete assegurar, «ex-vi» do postulado nos arts. 64 e 185 da CRP. III – O móbil

político do «se» e do «an» de tal intervenção, traduzindo a transmissão ou divulgação de

uma mensagem ao público em geral sobre um tema de inegável impacto social, surge

assim, «prima facie», como evidente. IV – Se tal conduta se apresenta ou não como

ofensiva de quaisquer direitos ou interesses individuais ou subjetivos, v.g. se houve ou

não abuso e (lesivo para outrem) do direito de antena e, como tal, relevante ou

(88) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p.10. (89) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p.10.

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irrelevante para fins indemnizatórios, é matéria exorbitante da competência contenciosa

dos tribunais administrativos, e como tal, apenas eventualmente sindicável perante os

tribunais comuns de jurisdição ordinária por força da delimitação negativa constante do

art. 14 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOTJ) 87 (L38/87, de 23/12) e do art. 4

n.º 1, al. a), do ETAF84».

No entanto, em nosso entendimento pode questionar-se esta forma de encarar o

problema. A norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do ETAF pode ser vista, pela sua

manifesta amplitude, como estabelecendo uma competência genérica dos tribunais

administrativos e fiscais para julgamento de pedidos de responsabilidade civil

extracontratual relacionados com a atividade do Estado; repetindo Carla AMADO

GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO: «assim sendo, uma das consequências dessa

perspectiva seria a da necessária inclusão, no âmbito da jurisdição administrativa e

fiscal, da responsabilidade civil por actos da função política» (90

) (91

), apesar de os

mesmos não serem referidos na alínea g) do artigo 4.º, n.º 1 do ETAF. As cláusulas

constitucional e legal sobre competência residual dos tribunais comuns podem porém

ser encaradas como normas auxiliares do princípio da proibição de denegação de justiça

(isto é, servem como garantia de que há sempre uma jurisdição competente), não sendo

incompatíveis com uma leitura ampla e abrangente das normas atributivas de jurisdição

a outras ordens de tribunais, orientada pelo princípio de especialização das matérias. De

tal ponto de vista (da especialização das matérias), não há dúvidas de que a solução

mais curial é a sujeição destes litígios à jurisdição administrativa. Repetimos que a

primeira parte da alínea g) possui uma amplitude que permite a defesa deste nosso

entendimento de jure condito e não apenas de jure condendo.

Porém, colocando questões de competência jurisdicional à parte, será oportuno

saber que regime de responsabilização aplicar nestes casos, dado que o RRCEE não

autonomiza os atos políticos dos atos (político-) legislativos. E já constatámos que

determina a aplicação do regime civil no âmbito da Lei n.º 34/87, à reparação de danos

conexos com crimes de cariz funcional.

Ora, tal regime da responsabilidade por atos e omissões de titulares de cargos

políticos (92

) dificilmente se consegue ancorar, analogicamente, no artigo 15.º do

RRCEE, dado que este está construído tendo em conta a figura do ato legislativo (v.g., a

(90) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p. 11.

(91) Ver, no mesmo sentido, Vasco PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise. Ensaio sobre as

acções no novo processo administrativo, 2.ª ed., Coimbra, 2009, pp. 527-528. (92) Neste sentido leia-se o artigo 3.º da Lei n.º 34/87.

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questão do incidente de constitucionalidade, a declaração de inconstitucionalidade por

omissão) e não faz, por definição, qualquer alusão à regra da solidariedade – porque a

responsabilidade pelo ato é imputada ao Estado (ou à Região Autónoma). Tal como

salientam Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO: «Em contrapartida,

a restrição ao “dano anormal” e mesmo à redução equitativa do montante

indemnizatório parece-nos fazerem sentido também nesta sede – vejam-se os n.ºs 1 e 6

do artigo 15.º. Restará ao juiz a construção de um regime que o RRCEE não deveria ter

omitido e que o coloca, nessa medida, sob suspeita de inconstitucionalidade à luz dos

artigos 22.º e 117.º/ 1 da CRP. Até por essa tarefa pretoriana de construir um regime

valorativamente adequado e, por isso, necessariamente próximo do estabelecido no

RRCEE, consideraríamos mais adequada a sujeição destes litígios à jurisdição

administrativa» (93

).

1.5. Obrigação de indemnizar

O artigo 3.º do RRCEE, tem por epígrafe «Obrigação de indemnizar», e contém

três normas que reproduzem o regime civilístico: quem causa dano, deve reparar e

reconstituir a situação atual hipotética (artigo 3.º, n.º 1, que ecoa o artigo 562.º do CC);

a reconstituição in natura prefere à compensação pecuniária, salvo se se revelar

impossível ou excessivamente onerosa (artigo 3.º, n.º 2, correspondente ao artigo 566.º,

n.º 1 do CC); a indemnização cobre danos morais e patrimoniais, tanto presentes como

futuros (artigo 3.º, n.º 3, que reflete hipóteses contempladas identicamente na lei civil:

artigos 496.º e 564.º do CC).

Porém, conscientes dos obstáculos que a aplicação de cada uma destas normas

levanta, teceremos apenas certas considerações acerca de questões relacionadas com as

especificidades de cada uma das funções previstas pelo RRCEE.

1.5.1. Função administrativa

Renomeando Carla AMADO GOMES e de Miguel ASSIS RAIMUNDO: «No

que tange à função administrativa, o problema que imediatamente aflora, tendo em

conta o princípio de reconstituição in natura da situação actual hipotética, é o da

conjugação do pedido indemnizatório com o efeito reconstitutivo da sentença anulatória

ou de declaração de nulidade do qual este pode ser subsidiário (cfr. os artigos 4.º e 47.º

do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)). Na verdade, quando da

(93) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p.12.

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execução da decisão de acolhimento do pedido principal resultar a reconstituição da

situação actual hipotética, essa decisão consumirá tendencialmente o pedido

indemnizatório (94

) – salvo, porventura, no tocante a danos morais» (95

). Tal como

sugere Carlos FERNANDES CADILHA, este «alude ainda aos danos decorrentes da

inexecução em espécie, ou seja, de execução deficitária tanto em face de alegação pela

Administração (e aceite pelo juiz) de causa legítima de inexecução, como da

necessidade de compensar o lesado em virtude de impossibilidade de reparação in

natura» (96

). Como realçam Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO:

«No primeiro caso, estará em jogo, além da indemnização substitutiva da execução de

sentença – a fixar na fase executiva do processo, nos termos dos artigos 166.º e 178.º do

CPTA -, alguma outra indemnização por dano remanescente, a reclamar em ação

autónoma. No segundo caso, tratar-se-á identicamente de uma acção autónoma» (97

).

Porém, no segundo caso, tratar-se-á de modo muito semelhante de uma ação autónoma,

sendo certo que em ambos os casos mencionados, a via adequada será a da ação

administrativa comum prevista no artigo 37.º, n.º 1, alínea f) do CPTA.

Contudo, a ação administrativa comum para efetivação da responsabilidade civil

da Administração terá também pleno cabimento nos casos de caducidade do direito de

ação (de impugnação da validade de atos administrativos), contempladas no artigo 38.º

do CPTA. Há aqui uma circunscrição do pedido à compensação pecuniária, uma vez

que a reconstituição in natura está, por conceito, vedada (cfr. o artigo 38.º, n.º 2). E o

montante indemnizatório pode sofrer diminuição em virtude da caraterização de culpa

do lesado, materializada no não uso em tempo útil do meio jurisdicional que permitiria

uma tutela plena e efetiva da pretensão do autor.

Caso especial é o do artigo 45.º do CPTA, de convolação de uma ação, comum

ou especial, de condenação à prática de atos materiais ou jurídicos ou de

anulação/declaração de nulidade de atos/normas administrativos/as, numa ação de

efetivação da responsabilidade por inexecução legítima, em razão de antecipação de

uma causa legítima de inexecução que viria a manifestar-se na fase executiva. Tal como

menciona Carlos FERNANDES CADILHA: «O artigo 45.º do CPTA consagra assim

(94) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: Topicamente - e a quatro mãos…- sobre o novo regime da

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas in: «Revista de Direito Público e Regulação», n.º 5, Março, ed. Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (Cedipre), FDUC, 2010, p. 13, nota 28: «Anote-se, neste particular, a

mais-valia de uma disposição como o artigo 90.º/3 do CPTA, que permite ao juiz (na acção especial) fasear a instrução em atenção à

existência de pedidos subsidiários, de entre os quais se destacam os indemnizatórios», de Carla AMADO GOMES e de Miguel ASSIS RAIMUNDO.

(95) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p. 13.

(96) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade civil…, cit., pp. 74-75. (97) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p. 13.

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uma regra processual instrumental da regra substantiva do artigo 3.º/ 2 do RRCEE (e do

artigo 566.º/1 do CC, a admitir-se que o mesmo pode ser aplicado directamente no foro

administrativo), pois ambas as regras estabelecem limites à reconstituição em espécie»

(98

). Conforme se explicita no n.º 5, o arbitramento de indemnização por inexecução

legítima não intimida o autor de reclamar, noutra ação, o ressarcimento de todos os

danos remanescentes que tal inexecução lhe cause (99

).

De ressalvar é também a diferença entre quantias devidas a título indemnizatório

e quantias devidas a título de sanções compulsórias (para tal definição, deve ver-se o

artigo 169.º do CPTA). As duas são cumuláveis; no entanto, como dispõe o n.º 6 do

artigo 169.º do CPTA, «a parte em que o valor das segundas exceda o das primeiras

constitui receita consignada à dotação anual, inscrita à ordem do Conselho Superior dos

Tribunais Administrativos e Fiscais».

Acrescente-se que, no plano da indemnização pelo sacrifício – ou por atos lícitos

-, regulada no artigo 16.º do RRCEE, não se aplicam os princípios consignados no

artigo 3.º. Na verdade, uma das especificidades desta possibilidade prende-se

precisamente com a impossibilidade de remover o dano em virtude da necessidade de

sacrifício dos interesses do particular. Destarte, como alertam Carla AMADO GOMES

e Miguel ASSIS RAIMUNDO: «Os critérios de cálculo fogem também à regulação pelo

artigo 3.º, arbitrando-se a compensação com base na ponderação do grau de afectação

do interesse/direito violado» (100

).

1.5.2. Função jurisdicional

No que respeita à responsabilidade por facto da função jurisdicional, as

considerações produzidas em relação à articulação entre pedido condenatório em

prestação de facere, anulatório ou de declaração de nulidade são, em certa medida, para

aqui transponíveis.

(98) Deste modo, Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade civil…, cit., nota 3 ao artigo 3.º.

(99) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: Topicamente - e a quatro mãos…- sobre o novo regime da

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas in: «Revista de Direito Público e Regulação», n.º 5, Março, ed. Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (Cedipre), FDUC, 2010, p. 14, nota 32: «Refira-se que, tanto nesta

situação, como nas hipóteses “normais” de inexecução legítima, é duvidosa a possibilidade de reclamação de indemnização por

inexecução por autores populares, em virtude da não individualidade do interesse. Neste sentido, muito recentemente, veja-se o acórdão do STA, I, de 25 de Junho de 2009 (FREITAS CARVALHO), proc. 913/08, disponível em www.dgsi.pt.

Sempre que a lei substantiva não previr uma destinação em estreita relação com a natureza dos bens em jogo (caso do ambiente,

com o Fundo de Intervenção Ambiental – artigo 6.º, n.º 1, alínea d) do DL 150/2008, de 30 de Julho -, e do património cultural, com o Fundo de salvaguarda do património cultural – artigo 5.º, n.º 1, alínea e) do DL 138/09, de 15 de Junho), julgamos que as

quantias apuradas devem reverter para a dotação anual a que se reporta o artigo 172.º, n.º 3 do CPTA»., de Carla AMADO GOMES

e de Miguel ASSIS RAIMUNDO. (100) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p. 14.

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É de referir ainda que o artigo 13.º, n.º 2 impõe a prévia revogação da decisão

danosa por tribunal de instância superior como requisito de efetivação da

responsabilidade por facto da função jurisdicional. Independentemente da avaliação da

bondade da solução mencionada, compensa recalcar que a responsabilidade a reclamar

aqui será a que remanescer à reposição das condições de exercício do direito pelo autor

realizada pelo acórdão que operou a revogação da decisão lesiva. Isto é, tratar-se-á,

tendencialmente, de compensação de danos morais e patrimoniais provocados (embora

temporariamente) pela decisão revogada, mas não da reconstituição in natura – essa

operada pelo acórdão revogatório.

Nas palavras de Carla AMADO GOMES e de Miguel ASSIS RAIMUNDO: «A

preocupação do RRCEE é, por um lado, a salvaguarda da credibilidade da função

jurisdicional e, por outro lado, a preservação do caso julgado. Ora, tais desígnios

comprometem a tutela dos direitos do autor sempre que a decisão lesiva for proferida

por tribunal superior, ou quando dela não caiba recurso (em virtude do sistema de

alçadas)» (101

). A válvula de escape aberta pelo artigo 696.º, alínea f) do Código de

Processo Civil (CPC), pensada à medida dos acórdãos prolatados pelo TEDH, é curta,

mesmo só no que ao Direito de fonte internacional diz respeito – nomeadamente, nela

não cabem situações de violação de jurisprudência do Tribunal de Justiça das

Comunidades Europeias. Como advertem Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS

RAIMUNDO: «Ainda que descartando a possibilidade de revisão de sentença com vista

à efectivação da responsabilidade do julgador perante casos de criação de uma corrente

jurisprudencial (maxime jurisprudência uniformizada) interpretativa de norma

anteriormente interpretada e aplicada erroneamente (desde logo tendo em mente o

disposto no artigo 13.º/1 do CC, relativo à salvaguarda do caso julgado em face da

eficácia retroactiva de leis interpretativas), perguntamo-nos se, em casos deste tipo, não

seria concebível a aceitação de uma indemnização compensatória em situações de dano

especial e anormal (com manutenção do caso julgado). Ressalvadas as devidas

distâncias, há aqui reminiscência da figura da causa legítima de inexecução, porquanto a

decisão inválida se mantém, sendo o autor compensado por não poder materializar a sua

razão…» (102

).

(101) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p.15.

(102) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p.15.

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1.5.3. Função político-legislativa

Tal como aludem Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO:

«Relativamente à função legislativa, reitera-se a observação feita nos dois pontos

anteriores: fica para o pedido indemnizatório o que não puder ser reconstituído através

da sentença que reconstruir a situação jurídica despojada de base, por a norma ser

inconstitucional. A reconstrução, que caberá ao tribunal a quo após confirmação do

juízo de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, poderá passar quer pela

repristinação de direito anterior, quer pela elaboração de uma norma ad hoc, dentro do

espírito do sistema (nos quadros do artigo 10.º do CC). O que restar de prejuízo após tal

reconstituição deverá ser deduzido em ação autónoma – que, por maioria de razão, terá

que ser utilizada nas situações em que se pretende obter ressarcimento na sequência de

uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (com efeitos ex

tunc)» (103

).

Permitir-nos-íamos apenas acrescentar a necessidade de articular o artigo 3.º do

RRCEE com o pressuposto do dano anormal (artigo 15.º, n.º 1 do RRCEE) – que

diminui sensivelmente o universo aplicativo do RRCEE -, mas sobretudo com a

possibilidade de fixação equitativa do montante indemnizatório em quadros de

proliferação de cidadãos anormalmente lesados. De referir que, perante um número

considerável de lesados, o n.º 6 do artigo 15.º do RRCEE admite, sob invocação de um

interesse público de excecional importância, atribuir indemnizações que não satisfaçam

de forma integral o interesse ressarcitório dos autores. O princípio da reconstituição in

natura pode ser colocado em causa, assim como a garantia de reconstituição da situação

atual hipotética (no que exceder a primeira).

Por fim, nas palavras de Carla AMADO GOMES: «A aplicação do artigo 15.º/6

do RRCEE levanta problemas processuais delicados» (104

).

1.5.4. Culpa do lesado por não utilização da via processual adequada

Para começar, importa referir que tal como diz Carlos CADILHA: «Dois outros

aspetos gerais do regime jurídico de responsabilidade civil do Estado merecem especial

destaque: a culpa do lesado, a que se refere o artigo 4.º, e a obrigatoriedade do exercício

do direito de regresso por parte da Administração, a que alude o artigo 6.º» (105

).

(103) Cfr. Carla AMADO GOMES e Miguel ASSIS RAIMUNDO, ob. cit., p. 16.

(104) Cfr. Ver Carla AMADO GOMES, As novas responsabilidades…, cit., pp. 135-139.

(105) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas pelo exercício da função administrativa, p. 3.

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O primeiro dos referidos preceitos introduz um princípio de conculpabilidade ou

de co-responsabilidade resultante de facto imputável ao próprio lesado, quando o lesado

tenha contribuído para a produção ou o agravamento dos danos, conferindo ao tribunal a

faculdade de conceder, reduzir ou excluir a indemnização com base na gravidade das

culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado.

Porém, enquanto enuncia um princípio geral, a norma tem plena

correspondência com a do artigo 570.º do CC, que igualmente consagra uma regra de

concorrência de culpa entre o lesado e o respetivo autor do dano. A originalidade

daquele artigo 4.º é, no entanto, a de incluir entre os comportamentos culposos, que

poderão determinar a redução ou exclusão da indemnização, a própria negligência

processual do lesado por não ter utilizado, nos dizeres de Carlos FERNANDES

CADILHA: «a via processual adequada à eliminação do ato jurídico lesivo» (106

). De

salientar ainda que, neste ponto, o preceito reproduz o princípio anteriormente

consignado no artigo 7.º do DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, embora

explicitando – na linha do entendimento jurisprudencial entretanto firmado – que a

conduta processual omissiva ou negligente do lesado, quando deixe de impugnar ou

deixe de impugnar com eficácia um ato administrativo lesivo releva apenas no plano da

culpa, gerando, desta forma, a mera redução ou exclusão da indemnização devida.

Tal como acentua Carlos FERNANDES CADILHA: «Concebida nestes amplos

termos, a culpa do lesado afigura-se susceptível de contrariar o princípio da tutela

jurisdicional efectiva (entendido não apenas como uma garantia de existência de um

meio processual adequado à tutela do direito, mas como a possibilidade de escolher, de

entre os meios processuais legalmente admissíveis, aquele que o interessado considere

ser o mais ajustado à pretensão judiciária tal como a configura)» (107

); de mencionar

ainda que para além de que põe em causa o princípio da parificação dos meios

processuais administrativos, consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da CRP, no ponto em que

limita a autonomia da ação de indemnização e esvazia o alcance prático da norma do

artigo 38.º do CPTA (artigo este que prevê a apreciação incidental da ilegalidade de um

ato administrativo que não possa já ser impugnado).

Tais considerações conduzem à conclusão de que o juiz, na sua tarefa de

apreciação em concreto da culpa do lesado, terá o dever de efetuar uma interpretação

(106) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas pelo

exercício da função administrativa., p. 4.

(107) Neste sentido, Carlos FERNANDES CADILHA, Os poderes do juiz e o princípio da tipicidade das formas processuais, in: «Revista do CEJ», n.º 7, 2.º semestre de 2007, p. 22.

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conforme à CRP, que obvie a que o uso da faculdade prevista no artigo 4.º, com base na

existência de uma conduta processual negligente, possa pôr em causa, na prática, o

direito de acesso à justiça.

Importa referir que a culpa do lesado deve ser avaliada segundo o princípio da

causalidade adequada, implicando que tal conduta processual do lesado possa ser

caraterizada como uma condição da produção do dano ou então do seu agravamento e

que essa seja normalmente adequada à produção de qualquer desses efeitos. Contudo,

por outro lado, há-de ser imputável ao lesado a título de culpa, o que pressupõe a

exigibilidade de uma ou outra conduta, ou seja, que o lesado, na qualidade de

destinatário de um ato administrativo lesivo, devesse reagir, desde logo, mediante um

meio processual próprio, que pudesse evitar que os danos viessem a surgir ou a subsistir

na sua esfera jurídica.

Neste plano, interessa ter em linha de conta que o alargamento dos meios

processuais e a inclusão de medidas cautelares de tutela antecipatória, e não apenas

conservatória, por efeito da entrada em vigor do CPTA, veio introduzir novos fatores de

variabilidade na apreciação da diligência processual do lesado, que o juiz não pode

deixar de tomar em linha de conta quando deva dar aplicação ao disposto naquele

preceito.

1.5.5. Obrigatoriedade do exercício do direito de regresso

O artigo 6.º prevê a obrigatoriedade do exercício do direito de regresso, por parte

das pessoas coletivas públicas, relativamente aos titulares de órgãos, funcionários e

agentes, nos casos em que ele se encontra especialmente previsto no diploma, mais

precisamente no seu n.º 1, e, para tal efeito, impõe à secretaria do tribunal que tiver

proferido a condenação em responsabilidade civil o dever de remeter certidão da

sentença à entidade administrativa competente para adotar as providências necessárias à

efetivação desse direito, entendendo-se como tal o titular de poderes de direção, de

supervisão, de superintendência ou de tutela.

Como observa Carlos FERNANDES CADILHA: «As situações em que há lugar

ao exercício do direito de regresso e que se encontram cobertas pelo regime de

obrigatoriedade aqui previsto, encontram-se elencadas nos artigos 8.º, 11.º, n.º 2, e 14.º

deste diploma, e no que se refere à responsabilidade pelo exercício da função

administrativa fundada em facto ilícito, que aqui interessa especialmente considerar,

abrange acções ou omissões cometidas por titulares de órgãos, funcionários e agentes

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com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se

encontravam obrigados em razão do cargo, (artigo 8.º, n,º 1)» (108

).

De referir que o direito de regresso é uma mera decorrência do disposto nos

artigos 22.º e 271.º da CRP, que consagram, de um lado, a responsabilidade solidária da

Administração, e, de outro, a responsabilidade pessoal dos titulares de órgãos,

funcionários e agentes, sendo de realçar que em todo o caso, relativamente aos titulares

de órgãos, funcionários e agentes, o direito de regresso apenas opera em sede de

responsabilidade por facto ilícito, assim se entendendo que no âmbito da

responsabilidade pelo risco, o direito de regresso apenas possa ser exercido

relativamente a terceiros que tenham concorrido para a produção ou agravamento dos

danos, isto conforme o disposto no artigo 11.º, n.º 2 do RRCEE. De mencionar que é o

próprio n.º 5 do artigo 271.º que faz remissão para a lei ordinária da regulamentação dos

termos em que esse direito pode ser exercido por parte da pessoa coletiva pública.

Ora, concretizando o regime de exercício do direito de regresso, o n.º 3 do artigo

8.º do RRCEE confere aos titulares de poderes de direção, de supervisão, de

superintendência ou de tutela a competência para a adoção das providências necessárias

à efetivação desse direito, e o n.º 4 permite a prossecução do processo, entre a pessoa

coletiva pública e o titular de órgão, funcionário e agente, após a prolação da decisão de

condenação em indemnização, para efeito de apurar a existência de dolo ou culpa grave,

constituinte do requisito do direito de regresso, e eventualmente condenar no reembolso

do montante indemnizatório.

Nas palavras de Carlos FERNANDES CADILHA: «Este prolixo sistema legal

pressupõe a prévia compreensão de diversos factores: (a) em primeiro lugar, o

prosseguimento do processo apenas tem lugar quando a sentença condenatória não tiver

já apurado o grau de culpa do titular de órgão, funcionário ou agente, e,

designadamente, quando a acção não tenha sido interposta conjuntamente contra a

pessoa colectiva pública e o seu servidor ou a questão relativa ao direito de regresso não

tenha já sido suscitada, no processo, por via do incidente de intervenção provocada; (b)

por outro lado, o prosseguimento do processo, em aplicação do disposto no artigo 8.º,

n.º 4, não poderá ser determinado automática e oficiosamente pelo juiz, dependendo

antes de requerimento da entidade pública que figurar como primitivo réu, que deverá

identificar a pessoa ou pessoas contra quem o processo deverá continuar e definir o

(108) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas pelo exercício da função administrativa, p. 5.

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objecto do pedido, por forma a que os chamados possam exercer o direito de

contraditório; (c) a possibilidade de utilização desse mecanismo legal, destinando-se a

permitir, por razões de economia processual, discutir a matéria relativa ao direito de

regresso na própria acção indemnizatória, não impede que a Administração, quando a

acção tenha sido originariamente interposta apenas contra ela, possa usar os poderes que

lhe confere a lei processual civil, requerendo o chamamento do funcionário através do

incidente de intervenção provocada; (d) além de que o não uso dessa faculdade não

obsta a que a entidade pública proponha uma acção de regresso autónoma, a que

especialmente alude o artigo 37.º, n.º 2, alínea f), do CPTA» (109

).

1.5.6. Responsabilidade por facto ilícito - âmbito normativo da ilicitude:

ilegalidade substantiva vs ilegalidade formal

Relativamente à ilicitude, o artigo 9.º adota uma formulação que permite

abranger quer a ilicitude objetiva («acções ou omissões (…) que violem disposições ou

princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem

técnica ou deveres objectivos de cuidado») quer a ilicitude subjetiva («de que resulte a

ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos»).

A alusão à violação objetiva de normas e princípios jurídicos, por um lado, e de

regras de ordem técnica e de deveres de cuidado, por outro, evidenciam que a lesão

antijurídica pode derivar da ilegalidade administrativa – que poderá consistir na

violação de normas ou princípios jurídicos – ou de uma qualquer atuação material que

não seja conforme ao direito – em que se inclui a inobservância de normas técnicas ou

de um dever geral de cuidado (110

).

Tal como retrata Carlos FERNANDES CADILHA: «Por outro lado, a referência

aos direitos e interesses legalmente protegidos, que consta do artigo 9.º, n.º 1, in fine,

com o que se terá pretendido abranger não apenas os direitos subjectivos, mas também

os interesses individuais reflexamente protegidos pela norma, parece significar que a

ilicitude não se configura apenas através da violação de normas substantivas, mas pode

resultar também da violação de normas procedimentais (que regulam a competência do

(109) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado…, cit., p. 5.

(110) Revisitando Marcello CAETANO: «Assim se compreende, também, a desnecessidade de introduzir a diferença entre actos jurídicos e actos materiais, contrariamente ao que sucedia na correspondente norma do DL n.º 48 051. A indemnizabilidade de

danos resultantes de actos jurídicos ou de actos materiais está implícita na dicotomia estabelecida entre a violação de disposições ou

princípios constitucionais, legais ou regulamentares (que constitui motivo de ilegalidade quando esteja em causa um acto jurídico) e a infração dessas normas e princípios e ainda de ilegalidade quando esteja em causa um acto jurídico) e a infracção dessas normas

e princípios e ainda das regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado (que tem específica aplicação relativamente a

atividades materiais ou técnicas)». Tal explicitação, por referência ao artigo 6.º do DL n.º 48 051, em Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, II, vol., 9.ª edição, p. 1225.

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órgão, a forma do acto administrativo ou aspectos processuais da formação da vontade

administrativa)» (111

). Não está excluído, neste contexto, que uma ilegalidade

meramente formal (inserindo-se na noção de ilicitude por ter implicado a violação de

norma destinada a proteger o interesse do particular) possa gerar o dever de indemnizar

desde que o vício detetado constitua causa adequada do dano que tenha sido invocado, o

que torna o reconhecimento do direito dependente de uma análise casuística que, em

face das circunstâncias concretas, permita imputar o dano indemnizável ao tipo de

ilegalidade praticada. Desde logo, há lugar a um direito indemnizatório quando o vício

meramente formal possa ter influído no sentido da decisão de modo a permitir concluir

que, se não fosse cometido, a solução jurídica do caso pudesse ser favorável ao

interessado.

De frisar que a ilicitude pode consistir, além disso, na violação de normas

comunitárias, como será o caso da emissão de atos ou regulamentos administrativos que

contrariem diretivas comunitárias de efeito direto, sendo essa a consequência que

dimana de o incumprimento do direito comunitário poder ser imputável a qualquer dos

poderes públicos estaduais, e, portanto, no âmbito da prática da atividade

administrativa.

Porém, mencionamos que fora da definição de ilicitude ficam as ilegalidades

sanáveis e, designadamente, a preterição ou inobservância de trâmites procedimentais

que se degradam em formalidades não essenciais, e bem assim, todas as ilegalidades

não invalidantes, como é a situação dos vícios não implicantes da anulação contenciosa

por efeito da aplicação, pelo tribunal, do princípio do aproveitamento do ato

administrativo.

1.5.7. Critério de aferição da culpa: presunção de culpa leve para a prática

de atos jurídicos ilícitos e incumprimento de deveres de vigilância

A previsão, no artigo 10.º, de um critério próprio de aferição de culpa, no

domínio da responsabilidade da Administração (n.º 1), assim como a referência

específica a situações de presunção de culpa (n.ºs 2 e 3), permite uma maior clarificação

legislativa, possibilitando também a identificação de certas especificidades em relação

ao regime geral da lei civil.

Ao determinar que a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes «deve

ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das

(111) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado…, cit., p. 7.

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circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e

cumpridor», o n.º 1 do artigo 10.º do RRCEE parte de uma conceção de culpa em

abstrato (à semelhança do que sucede na lei civil com a correspondente disposição do

artigo 487.º, n.º 2), sem perder de vista as circunstâncias particulares do caso concreto,

mas tomando como referente, não já o bonus pater familias, mas o titular médio de

órgão ou o funcionário médio. O facto suscetível de gerar o dever de indemnizar foi

cometido no exercício de funções ou por causa desse exercício (tratando-se de uma

responsabilidade funcional), pelo que importa avaliar a conduta do agente (em termos

de verificar se merece a censura ou a reprovação do direito), não por referência ao

homem comum, mas atendendo à especial qualidade da pessoa que cometeu o ato.

Há aqui no novo regime legal uma inovação que consiste no estabelecimento de

uma presunção de culpa leve para a prática de atos jurídicos ilícitos, de acordo com o

artigo 10.º, n.º 2 do RRCEE, e para o incumprimento de deveres de vigilância, nos

termos do artigo 10.º, n.º 3 do RRCEE.

Quanto aos atos jurídicos da Administração, a jurisprudência declarava, ainda

que sem grande desenvolvimento doutrinário, que a «violação de normas legais ou

regulamentares desde logo arrasta uma presunção judicial de negligência» (112

). Tal

como nos sugere Carlos FERNANDES CADILHA: «Os tribunais não afirmavam,

portanto, uma presunção de culpa, mas limitavam-se a admitir a demonstração da culpa

através da utilização, como meio de prova, da presunção judicial: por simples conjetura,

o julgador deduzia de um facto conhecido (o erro na aplicação ou interpretação de uma

norma) um facto incerto (a culpa na emissão do acto administrativo ilegal)» (113

).

Contudo, a culpa comporta um juízo de censura e representa, por essa razão,

algo mais do que a mera constatação da ilegalidade. Ademais, sendo a culpa aferida pela

diligência de um funcionário médio, dificilmente se entenderia que esse funcionário

incorresse em conduta culposa sempre que se tivesse limitado a adotar, na apreciação do

caso concreto, uma das soluções plausíveis de direito. Daí que, relativamente à prática

de atos jurídicos, fosse necessário indagar a existência da culpa em função do

circunstancialismo em que o ato tivesse sido cometido.

Destarte, o estabelecimento de uma presunção legal de culpa leve no domínio da

responsabilidade da Administração por danos resultantes da prática de actos jurídicos

vem clarificar um pouco as coisas e traz relevantes consequências. Como demarca

(112) Cfr. Neste sentido: acórdão do STA de 2 de Novembro de 1993 (Processo n.º 31842), in: AP-DR de 15 de Outubro de 1996, p.

5911. (113) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado…, cit., p. 8.

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Carlos FERNANDES CADILHA: «A presunção legal de culpa envolve, antes de mais,

a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a Administração o encargo de

demonstrar que agiu sem culpa (artigo 344.º do CC)» (114

). Nestes moldes, a presunção

legal aqui estabelecida não equivale a uma objetivação da culpa, mas tão somente

determina um agravamento da posição processual da Administração, que terá de

comprovar que se empenhou na procura da solução legal. Importa salientar que e nas

palavras de Carlos FERNANDES CADILHA: «E não será sequer difícil conceber

algumas circunstâncias desculpalizantes da ilegalidade: sistema legislativo imperfeito;

proliferação de legislação extravagante; prolixidade das disposições legais aplicáveis;

divergência na jurisprudência sobre a mesma questão jurídica; inflexão do entendimento

jurisprudencial após a prolação do acto administrativo impugnado» (115

). Em

contrapartida, não está excluído, como se depreende do segmento inicial do n.º 2 do

artigo 10.º do RRCEE, que possa vir a demonstrar-se que o autor de um ato

administrativo atuou com dolo ou a culpa grave na escolha da solução jurídica. Voltam

a funcionar, para tal efeito, os critérios gerais do ónus da prova, pelo que o juiz, para

concluir pela existência de qualquer dessas formas de culpa, não poderá apenas bastar-

se com um non liquet probatório, e terá de lançar mão de ilações que se baseiem nas

regras da experiência e de normalidade. Ora, como evidencia Margarida CORTEZ:

«Um especial juízo de censura poderá ser formulado pelo tribunal nos casos em que a

Administração incorre em erro de interpretação de normas de sentido preciso e

inequívoco ou quando opta – como por vezes sucede – por contrariar o entendimento

pacífico e reiterado dos tribunais sobre uma dada questão jurídica» (116

).

Por outro lado, o artigo 10.º, n.º 3 do RRCEE, ao prever uma presunção de culpa

leve sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância pretende

consagrar a orientação jurisprudencial já firmada no domínio do DL n.º 48 051, de 21

de Novembro de 1967, quanto à culpa in vigilando, remetendo para um regime

semelhante ao dos artigos 491.º e 493.º, n.º 1, do CC, sendo ainda de realçar que,

concretamente, a jurisprudência começou por admitir a presunção de culpa

relativamente a diversas situações em que existisse um encargo de vigilância por parte

de entidades públicas, reportando-se a danos causados pela existência de obstáculos na

via pública, deficiente conservação das vias, queda de árvores, ruína de edifício ou

(114) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado…, cit., p. 9. (115) Neste sentido, Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das demais

Entidades Públicas, Coimbra Editora, 2008, p. 167.

(116) Acerca destes aspetos ver Margarida CORTEZ, Responsabilidade civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, Coimbra Editora, 2000, pp. 104-105.

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rutura de condutas. (117

). Ficam excluídas, desta maneira, a presunção de culpa

relativamente a danos resultantes do exercício de atividades perigosas, a que se reporta

o n.º 2 do artigo 493.º do CC, e em relação aos quais se encontra prevista uma forma de

responsabilidade objetiva, nos termos descritos no artigo 11.º desta lei, assim como

todas as restantes situações de presunção de culpa consignadas no CC, e especialmente

no artigo 492.º. Nesse sentido, a ressalva constante do segmento inicial do n.º 3 do

artigo 10.º («Para além dos demais casos previstos na lei»), deve entender-se como

referindo-se apenas aos casos especialmente previstos em legislação extravagante que

tenham aplicação na responsabilidade civil extracontratual da Administração, e não a

outros que constem da lei geral civil.

Contudo, tal como escreve Carlos FERNANDES CADILHA: «Uma questão que

cumpre ainda esclarecer é a relativa à remissão feita no n.º 4 do artigo 10.º, em caso de

pluralidade de responsáveis, para o regime do artigo 497.º do CC. Este preceito da lei

civil estabelece o regime de responsabilidade solidária «quando forem várias as pessoas

responsáveis pelos danos» (n.º 1), acrescentando que «o direito de regresso entre os

responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas

advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis» (n.º 2) (118

).

O que aqui está, todavia, em questão, são apenas as hipóteses em que o dano

possa ser atribuído a várias causas e estas sejam imputadas a diferentes pessoas

responsáveis, não abarcando já as situações em que a lei define para uma única causa do

dano uma forma de responsabilidade solidária entre os diversos responsáveis ou aquelas

em que para a produção do dano possa também ter contribuído a culpa do próprio

lesado. A situação paradigmática é, porém, aquela em que possa configurar-se uma

concorrência de culpas entre o ente público na qualidade de dono da obra e um

concessionário ou empreiteiro particular, relativamente a danos resultantes da execução

de obras públicas.

De referir que, fora do âmbito de aplicação do artigo 497.º do CC fica a

responsabilidade solidária entre uma pessoa coletiva pública e um seu titular de órgão,

funcionário ou agente, quando estes pratiquem ações ou omissões ilícitas com dolo ou

com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam

(117)Veja-se, assim, entre as mais recentes decisões, os acórdãos do STA de 10 de Maio de 2006 (Processo n.º 121/06), de 4 de

Abril de 2006 (Processo n.º 1116/05), de 9 de Março de 2006 (Processo n.º 837/03), de 16 de Fevereiro de 2006 (Processo n.º 1039/05), de 3 de Novembro de 2005 (Processo n.º 792/05), de 19 de Outubro de 2005 (Processo n.º 394/05), de 29 de Junho de

2005 (Processo n.º 566/04), de 19 de Maio de 2005 (Processo n.º 590/04), de 26 de Abril de 2005 (Processo n.º 245/05) e de 7 de

Abril de 2005 (Processo n.º 856/04). (118) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado…, cit., p. 10.

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obrigados (situação em que o regime de responsabilidade é o previsto no artigo 8.º, n.ºs

2, 3 e 4, com menção ao artigo 6.º). Aqui a pessoa coletiva pública funciona como

garante do pagamento, e não como co-responsável pelo facto causador do dano, pelo

que o direito de regresso que pode exercer se destina à obtenção do reembolso da

integralidade da indemnização em que tenha sido condenada como devedora solidária.

1.5.8. Responsabilidade pelo risco

O artigo 11.º do RRCEE consagra ainda uma norma de responsabilidade pelo

risco do Estado e das demais pessoas coletivas públicas por danos decorrentes de

atividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos, em

correspondência com o que já estabelecia o artigo 8.º do DL n.º 48 051, de 21 de

Novembro de 1967, mas com relevantes inovações: em primeiro lugar, deixou de se

estabelecer qualquer limitação indemnizatória por referência à exigência de prejuízos

especiais e anormais (n.º 1); por outro lado, mantendo-se a possibilidade de redução ou

exclusão da indemnização baseada em concorrência de culpa de terceiro, passa a prever-

se, nesse caso, a responsabilidade em forma solidária do ente público, ainda que com

direito de regresso (n.º 2). De denotar que a responsabilidade solidária não é aqui

imposta por aplicação do princípio estabelecido no artigo 22.º da CRP, visto que não

estamos no âmbito de uma relação de serviço, podendo mostrar-se justificada, no plano

da política legislativa, por considerações ligadas à solvabilidade do direito

indemnizatório quando os danos devam ser imputados, em grande parte ou na sua

integralidade, à culpa de terceiro.

Não se condicionando agora o dever reparatório à verificação de um dano

especial e anormal, funciona um princípio de ressarcimento de todos os danos, desde

que se verifiquem os restantes requisitos da responsabilidade, tudo se passando, nesse

plano, como se tratasse de uma indemnização por fato ilícito. Nestes moldes, são

indemnizáveis os prejuízos que resultem do funcionamento de serviços (coisas ou

atividades) especialmente perigosos, de acordo com os critérios definidos no artigo 3.º

para a obrigação de indemnizar e mesmo que haja um grande número de lesados e se

trate de prejuízos de pequena gravidade, não havendo qualquer obstáculo à

ressarcibilidade inclusive de danos não patrimoniais, desde que estes, pela sua

gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496.º, n.º 1, do CC). Tal não significa que

o dano não deva ser individualizado. Deverá tratar-se de um dano que incida sobre a

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esfera jurídica de um indivíduo ou de uma pessoa coletiva e, como tal possa ser

invocado como uma desvantagem patrimonial ou um efeito negativo de caráter pessoal.

Não está, por outro lado, em causa, na responsabilidade pelo risco, o eventual

funcionamento anormal do serviço segundo a perspetiva que decorre do artigo 7.º, n.º 4

do RRCEE. Tal como diz Carlos FERNANDES CADILHA: «O funcionamento

anormal do serviço pressupõe a ilicitude da actividade administrativa e a imputação de

uma conduta objectivamente culposa, ainda que não seja possível provar que um

determinado funcionário ou agente tenha atuado com dolo ou negligência, pelo que o

fundamento do direito ressarcitório é, nessa hipótese, a responsabilidade aquiliana. Ao

contrário, a responsabilidade pelo risco é aquela que decorre de um funcionamento

normal do serviço, quando este, pela sua própria natureza, é susceptível de expor

terceiros a uma situação típica de perigo e assim originar danos indemnizáveis» (119

).

1.5.9. A indemnização pelo sacrifício

A indemnização pelo sacrifício pode também constituir uma das formas de

responsabilidade civil da função administrativa, correspondendo, em certa medida, à

responsabilidade por atos lícitos que anteriormente se encontrava regulada no artigo 9.º

do DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967. De referir, ainda, que a circunstância de

ter sido objeto de tratamento legislativo autónomo no artigo 16.º da nova lei deve-se ao

facto de se ter pretendido estabelecer, como requisito da indemnização, a existência de

quaisquer razões de interesse público, independentemente de a ação causadora do dano

se inserir na função administrativa ou em qualquer das demais funções do Estado. De

referir que em consonância com esse mesmo princípio, o CPTA autonomizou a

indemnização pelo sacrifício como um dos tipos de pretensões que podem ser deduzidas

através da acção administrativa comum (artigo 37.º, n.º 2, alínea g), distinguindo-a da

ação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito ou pelo risco, a que alude

a alínea f) do mesmo preceito legal.

Contudo, nas palavras de Carlos FERNANDES CADILHA: «Ao referir-se à

imposição de encargos e à produção de danos, o legislador pretende abranger as

situações que resultam da intencional imposição de encargos (acções de protecção

sanitária, medidas de direcção económica, trabalhos públicos de requalificação urbana,

intervenções de cariz ambiental, certas medidas de polícia), e também os danos

(119) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado…, cit., p. 11.

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ocasionalmente ocorridos no exercício de uma actividade lícita ou que resultem de

acções praticadas em estado de necessidade administrativa» (120

).

Porém, de notar que apenas são indemnizáveis os encargos ou danos especiais e

anormais, o que quer dizer que esta categoria de responsabilidade civil, procurando

assegurar o pagamento de uma compensação a quem tenha sido afetado na sua esfera

jurídica por razões de interesse comum, visa sobretudo dar concretização prática a um

princípio de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, desvalorizando a

ocorrência de danos generalizados ou de pequena gravidade que devam ser entendidos

como um encargo normal exigível como contrapartida dos benefícios que derivam do

funcionamento dos serviços públicos. De frisar que no regime anterior, idêntica

exigência resultava do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051 para a responsabilidade por

factos lícitos, que era também tornada extensiva à responsabilidade pelo risco (artigo 8.º

do DL n.º 48 051). Relativamente à noção de danos ou encargos especiais e anormais,

esta encontra-se atualmente no artigo 2.º do Regime da Responsabilidade Civil

Extracontratual do Estado.

No entanto, a especialidade e anormalidade são requisitos do prejuízo

indemnizável, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, e não propriamente um

critério do cálculo da indemnização. Isto é, apurado que determinados prejuízos são

indemnizáveis, por preencherem as caraterísticas de especialidade e anormalidade, há

lugar à indemnização pelo sacrifício desde que se verifiquem os demais requisitos

materiais do dever ressarcitório. Nestes moldes, a exigência de um prejuízo ou encargo

especial e anormal não obstaria só por si a que se fixasse uma indemnização

correspondente à integralidade dos prejuízos ou encargos dessa natureza que tivessem

sido produzidos ou impostos. Ora, o artigo 16.º manda atender, para o cálculo da

indemnização, designadamente, ao «grau de afectação do conteúdo substancial do

direito ou interesse violado ou sacrificado». Tal indicação legislativa pressupõe que se

efetue uma apreciação equitativa do valor do encargo ou dano, e que, desse modo,

poderá não corresponder ao montante económico que esteja efetivamente em causa.

Evidencia, por outro lado, o caráter compensatório, e não meramente reparatório da

indemnização, o que se compadece com a consideração de que os direitos ou interesses

que possam ser sacrificados, em vários casos, pela sua própria natureza, serão apenas

suscetíveis de uma avaliação pecuniária indireta.

(120) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, O novo regime de responsabilidade civil do Estado…, cit., p. 12.

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Em qualquer caso, compete ao tribunal o controlo da legitimidade do interesse

público invocado, havendo que distinguir entre os atos ablativos ou praticados em

estado de necessidade administrativa, que se encontram legitimados pela realização do

interesse público – e que, por isso justificam a indemnização limitada nos termos deste

artigo 16.º do RRCEE - daqueles outros atos que, de alguma forma, importam um

desvio aos critérios de legalidade e que caem sob a alçada da responsabilidade por facto

ilícito, como é o caso do ato expropriativo que excede o necessário para os fins de

utilidade pública em causa, ou da medida policial que viola os princípios da necessidade

e da proporcionalidade.

1.6. A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário

O surgimento da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, alterada pela Lei 31/2008,

de 17 de Junho (RRCEE), de há muito esperado, tinha, de entre as suas finalidades, a de

traduzir os modelos de efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado na

sua tripla veste de legislador, administrador e juiz, por violação do Direito Comunitário.

Revisitando Carla AMADO GOMES: «A jurisprudência comunitária vem

expressamente afirmando a responsabilidade do Estado desde 1991/1993, datas dos

Acórdãos Francovich (121

) e Brasserie du Pêcheur (122

), respectivamente, e cumpria

acolher devidamente essa lição no ordenamento jurídico português» (123

). Como alerta

Carla AMADO GOMES: «O arcaísmo do DL n.º 48 051 fazia-se também aí sentir, e a

sua inadequação à doutrina do Tribunal da Justiça das Comunidades Europeia (TJCE)

foi mesmo passível de censura formal em sede de acção por incumprimento» (124

).

De referir que com efeito, no Acórdão de 14 de Outubro de 2004 (Caso C-

275/03), o TJCE, por iniciativa da Comissão Europeia, condenou o Estado português

por não acatamento do princípio da solidariedade em virtude da manutenção em vigor

de um diploma que apenas admitia a responsabilização de agentes e pessoas coletivas da

Administração a título de dolo ou negligência grosseira – situação que afrontava o

estabelecido na Diretiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, sobre

procedimentos de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, sendo que

(121) Assim, Acórdão de 19 de Novembro de 1991, casos C-6/90 e 9/90.

(122) Assim, Acórdão de 5 de Março de 1993, casos C-46/93 e 48/93. (123) Cfr. Carla AMADO GOMES, O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário, apesar

da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11, Responsabilidade Civil Extracontratual

do Estado, Almedina – 2009, pp. 291 e 292. (124) Cfr. Carla AMADO GOMES, O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário, apesar

da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11, Responsabilidade Civil Extracontratual

do Estado, Almedina – 2009, p. 292.

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houve entretanto uma segunda condenação de Portugal por parte do TJ, no Acórdão de

10 de Janeiro de 2006, caso 70/06. Tal como nos acentua Carla AMADO GOMES:

«Esta directiva, porque consagra no artigo 2.º/1/c) uma responsabilidade objectiva das

autoridades administrativas por qualquer violação do seu preceituado nos

procedimentos pré-contratuais, veria obstaculizada a sua vertente indemnizatória em

virtude da exigência de prova da culpa grave» (125

).

Porém, e tal como refere Carla AMADO GOMES: «Curiosamente, este leit-

motif voltou a emergir já na vigência da RRCEE, porquanto a primitiva versão,

referindo-se à responsabilidade da Administração no âmbito do procedimento pré-

contratual, remetia o regime para “os termos da presente lei” (artigo 7.º/2, 1.ª versão)»

(126

). Tal redação, no entanto, ainda não era satisfatória no que respeitava às exigências

do Direito Comunitário, na medida em que, apesar de o diploma alargar a

responsabilização à falta leve (artigo 7.º/1) e de esta se presumir (artigo 10.º/2), tal

presunção é elidível, podendo resultar na desresponsabilização da Administração em

sede de procedimento pré-contratual – resultado proibido pela diretiva 89/665/CEE.

Importa ainda mencionar que daí que a Lei 32/2008 tenha substituído o segmento

insuficiente pela fórmula, como alerta Esperança MEALHA: “ de acordo com os

requisitos da responsabilidade civil extracontratual definidos pelo direito comunitário”

(127

).

Destarte, e nas palavras de Carla AMADO GOMES: «melhor teria andado o

legislador se tivesse remetido para o regime da directiva, e não simplesmente atirado o

intérprete para “o direito comunitário”…» (128

).

De referir que tal como nos salienta Carla AMADO GOMES: «O relato deste

caso releva a dois títulos: em primeiro lugar, para justificar a cirúrgica e ultra-rápida

alteração do RRCEE, escassos seis meses após a sua entrada em vigor» (129

). Em

segundo lugar, sendo tal ponto o que mais releva agora, para equacionar uma questão

(125) Cfr. Carla AMADO GOMES, O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário, apesar

da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina – 2009, p. 292.

(126) Cfr. Carla AMADO GOMES, O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário, apesar

da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina – 2009, p. 292.

(127) De referir que acerca do sentido e alcance deste n.º 2, veja-se Esperança MEALHA, Responsabilidade civil nos procedimentos

de adjudicação dos contratos públicos (notas ao artigo 7.º/2 da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro), in «Julgar», n.º 5, 2008, pp. 99 e segs.

(128) Cfr. Carla AMADO GOMES, O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário, apesar

da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina – 2009, p. 293.

(129) Cfr. Carla AMADO GOMES, O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário, apesar

da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina – 2009, p. 293.

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prévia, consistente em saber se seria preciso incluir no RRCEE um regime substantivo

de responsabilização do Estado nas suas várias funções por violação do Direito

Comunitário -, ou mesmo apenas uma mera referência a essa hipótese. É ainda de notar

que o TJCE, no acórdão de 14 de Outubro de 2004 citado, procedeu à condenação do

Estado português por manter em vigor uma disposição de aplicação geral que reduziria

o alcance de uma norma de direito comunitário, mas não apelou à tradução em

legislação nacional de um regime substantivo específico.

Ora, essa tem sido a postura do TJCE, muito bem expressa no Acórdão Traghetti

(130

). Neste aresto, o Tribunal do Luxemburgo, debruçando-se sobre uma norma de uma

lei italiana versando sobre a responsabilidade do juiz que circunscreve esta a atuações

com culpa grave, que define exaustivamente os casos de «culpa grave», obtemperou que

«(…) não se pode excluir que o direito nacional precise os critérios relativos à

natureza ou ao grau de uma infração, que devem estar preenchidos para que possa

existir responsabilidade do Estado por violação do direito comunitário imputável a um

órgão jurisdicional nacional decidindo em última instância, mas esses critérios não

podem, em nenhum caso, impor exigências mais restritivas do que a decorrente da

condição de violação manifesta do direito aplicável (conforme estabelecido no Acórdão

Köbler]».

Neste sentido, tal como menciona Carla AMADO GOMES: «o TJCE não exige

que o legislador nacional estabeleça os pressupostos de efetivação da responsabilidade

do Estado por violação do Direito Comunitário – essa função é indeclinavelmente sua

(131

) -, nem tão-pouco se opõe a que o legislador nacional enquadre a matéria

identicamente nos casos de violação do direito nacional e comunitário (apelando ao

princípio da autonomia), desde que não reduza o âmbito de proteção da teoria por si

desenvolvida desde o Acórdão Francovich»( 132

). Tal como nos narra Carla AMADO

GOMES: «O que o TJ não admite é que o legislador nacional mantenha ou coloque em

(130) Assim, Acórdão de 13 de Junho de 2006, caso C-173/03, 44.º. (131) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação

do Direito Comunitário, apesar da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11,

Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina – 2009, p. 294, nota 8: «O TJCE não deixa margem de dúvidas quanto a esta “reserva de jurisdição”. “Leia-se o considerando 25 do Acórdão Brasserie: “(…) importa sublinhar que a questão da

existência e do âmbito da responsabilidade de um Estado por danos decorrentes da violação das obrigações que lhe incumbem por

força do direito comunitário tem a ver com a interpretação do Tratado que, enquanto tal, é da competência do Tribuna de Justiça»., de Carla AMADO GOMES.

(132) Cfr. Carla AMADO GOMES, O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário, apesar

da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina – 2009, p. 294.

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vigor disposições que reduzam ou anulem o princípio da responsabilização do Estado

por violação do Direito Comunitário quer sejam aplicáveis estritamente nesse âmbito,

quer tenham vocação de aplicação geral e não contemplem exclusões que garantam a

observância dos princípios desenvolvidos na sequência da jurisprudência Francovich»

( 133

).

Porém, tendo em linha de conta a pontual e errática referência que o RRCEE faz

ao Direito Comunitário (no n.º 1 do artigo 15.º, no plano da responsabilidade por facto

da função legislativa, mas apenas por ação e deixando na sombra a intervenção do

TJCE), questionamo-nos se o legislador português (nacional) não deveria ter-se limitado

a incluir no RRCEE um artigo que remetesse os termos da efetivação da

responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário para a jurisprudência

do TJCE, salvaguardando o caso da responsabilidade civil extracontratual da

Administração na condução de procedimentos pré-contratuais desta remissão geral e

vinculando-a ao regime da diretiva. De salientar que como acentua Carla AMADO

GOMES: «A norma poderia ainda aludir ao mecanismo adjectivo conducente a esta

efectivação, que deverá passar, em regra, pelo incidente de reenvio prejudicial,

atestando o controlo dos parâmetros da responsabilidade pelo TJ – salvo em situações

de jurisprudência constante relativamente à norma em questão, que dispensem nova

consulta, bem assim como nos casos em que a violação foi constatada por tribunal

superior, em sede de recurso» (134

) (135

).

Torna-se importante mencionar que sublinhando Carla AMADO GOMES: «o

legislador traçou um quadro ilusório, gerador de confusão nos aplicadores do Direito.

Não ignoramos que a técnica de acantonamento de um regime de responsabilidade civil

extracontratual do Estado por violação do Direito Comunitário numa norma que o

destaque do regime geral se presta ao questionamento da salvaguarda da igualdade

relativamente aos casos que envolvam apenas direito nacional. Mas esse, apesar de

sensível, constitui um problema meramente interno, que não compromete Portugal

perante a Comunidade e assegura o respeito do bloco de legalidade alargada que funda a

Comunidade de Direito» (136

) (137

).

(133) Cfr. Carla AMADO GOMES, O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário, apesar

da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina – 2009, p. 294.

(134) De mencionar que em sentido análogo, Maria José RANGEL DE MESQUITA, O regime de responsabilidade civil

extracontratual do Estado e demais entidades públicas e o Direito da União Europeia, Coimbra, 2009, p. 107 (com uma proposta de norma a inserir em futura alteração ao RRCEE).

(135) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos sobre Direito da Responsabilidade Civil Extracontratual das Entidades

Públicas, Lisboa, AAFDL, Publicação CarbonoZero, 2010, p. 191. (136) Cfr., os artigos 7.º n.º 6 e 8.º n.ºs 3 e 4 da CRP, e 10.º do Tratado de Roma.

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Tal como nos narra Carla AMADO GOMES: «Sem embargo de estarmos a

começar pelas conclusões, pareceu-nos impossível progredir (ou regredir) no raciocínio

sem assinalar o mau ponto de partida que a técnica do RRCEE constitui em face do

problema que nos ocupa» (138

).

Relativamente aos critérios de efetivação da responsabilidade do Estado por

violação do Direito Comunitário à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a

construção pretoriana do TJCE sobre a responsabilidade do Estado por violação do

Direito Comunitário despontou com a perceção de que a teoria do efeito direto e a

solução da interpretação do direito nacional conforme ao direito comunitário originário

ou derivado não chegavam por si só para conferir exequibilidade aos direitos dos

particulares. Com efeito, pode haver efeito direto da norma de direito comunitário sem

que haja condições de concretização prática e/ou jurídica dos direitos nela consagrados,

por inércia do legislador ou administrador nacional, podendo também acontecer que,

mau grado a norma revestir efeito directo, ao legislador caiba uma margem de discricio-

naridade que torne difícil ou não possível mesmo à Administração convertê-la em

direitos favoráveis aos destinatários. Porém, nos dizeres de Carla AMADO GOMES: «E

se a esta inoperatividade se aliar a impossibilidade de interpretação conforme – por pura

e simplesmente inexistir norma nacional da qual possa extrair-se essa normação

“corrigida” -, o particular vê os seus direitos reconhecidos de forma puramente

platónica» (139

). Ora, tal como lembra Carla AMADO GOMES: «Não podendo

consentir na neutralização do princípio da tutela jurisdicional efectiva, nem tão-pouco

na quebra do princípio da uniformidade do Direito Comunitário, o TJCE lançou as

bases de uma teoria da responsabilização dos Estados-membros pela inobservância da

legalidade comunitária, desígnio que considera “inerente ao sistema do Tratado» (140

).

O primeiro obstáculo foi colocado com o Acórdão Francovich . Neste caso, o

TJCE debruçou-se sobre a responsabilidade da função legislativa por omissão (não

transposição de uma diretiva), estabelecendo-se, no §40, os três requisitos que

posteriormente reiterou e depurou em arestos posteriores:

1. a norma comunitária consagra direitos a favor dos particulares;

2. o conteúdo de tais direitos resulta de uma noção vinculada para o legislador

nacional;

(137) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit.,pp.191-192.

(138) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 192.

(139) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Disperso…, cit., pp. 192 e 193. (140) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 193.

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3. verifica-se (a existência de) um nexo de causalidade entre a omissão do

Estado e os danos sofridos pelos cidadãos destinatários da norma.

O TJCE adita, no §43, que as condições fixadas na legislação nacional em

matéria de reparação de danos não podem ser menos favoráveis do que as que dizem

respeito a reclamações similares de natureza interna (princípio da equivalência) –

fórmula semelhante à referenciada no (posterior) Acórdão Traghetti, supra mencionado

-, e não podem ser organizadas de forma a tornar praticamente impossível ou

excessivamente difícil a obtenção da reparação (princípio da efetividade).

Para sermos mais precisos, impõe-se trazer aqui o texto de Carla AMADO

GOMES: «Dois anos depois, nova pronúncia no Acórdão Brasserie du Pêcheur. Mais

uma vez, um caso de responsabilidade por facto da função legislativa, mas no qual o

TJCE considerou relevante destrinçar entre o grau de vinculação a que o legislador

nacional se encontra vinculado ou, dito de outra forma, os critérios de aferição da

clareza e inteligibilidade das posições jurídicas acolhidas pela norma comunitária. Daí

que, no §57, se tenha espraiado em precisões sobre o segundo pressuposto de

responsabilização traduzido na fórmula “ violação suficientemente caracterizada” (141

)

ou “violação manifesta e grave” dos limites do poder de livre conformação do Estado»

(142

):

«A este respeito, entre os elementos que o órgão jurisdicional competente pode

ser levado a considerar, importa sublinhar o grau de clareza e de precisão da regra

violada, o âmbito da margem de apreciação que a regra violada deixa às autoridades

nacionais ou comunitárias, a carácter intencional ou involuntário do incumprimento

verificado ou do prejuízo causado, o carácter desculpável ou não de um eventual erro

de direito, o facto de as atitudes adoptadas por uma instituição comunitária terem

podido contribuir para a omissão, a adopção ou a manutenção de medidas ou práticas

nacionais contrárias ao direito comunitário.

De qualquer modo, encontramo-nos perante uma violação do direito

comunitário suficientemente caracterizada quando esta perdurou, apesar de ter sido

proferido um acórdão em que se reconhecia o incumprimento imputado ou um acórdão

num reenvio prejudicial, ou apesar de existir uma jurisprudência bem assente do

Tribunal de Justiça na matéria, dos quais resulte o carácter ilícito do incumprimento

em causa».

(141) De referir que a noção de «violação caracterizada» já vinha de longe. Ver o §8 do Acórdão Loheac, de 31 de Março de 1977,

casos 54 a 60-76. (142) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 194.

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Em tal decisão, o TJCE preocupa-se em afirmar expressamente a

descorrespondência entre a violação do Direito Comunitário e a culpa, «conceito que

não é idêntico nos diferentes sistemas jurídicos» (§75). Contudo, lembrando Carla

AMADO GOMES: «se no contexto da função legislativa a averiguação da culpa pode

revelar-se problemática, devendo aproximar-se de um conceito de ilicitude objectiva,

nas restantes funções, a pessoalização do desempenho permite identificar o agente da

errada interpretação ou aplicação da norma comunitária gerador do dano. Assim se

explica a enunciação de critérios de aferição da diligência devida dos órgãos nacionais,

que traduzem um desígnio de harmonização de pressupostos de responsabilização

formalmente desligado de conceitos de significação múltipla e por vezes controversa

nos vários ordenamentos nacionais» (143

).

Ora, tal posicionamento não significa, no nosso entendimento, que o TJCE

avance para um regime de responsabilização objetiva dos Estados em todas as suas

funções. No caso British Telecommunications, tendo o TJCE exonerado o Reino Unido

de responsabilidade por facto da função legislativa por considerar ter havido boa-fé na

transposição de uma diretiva não especialmente clara (§43) (144

), é um exemplo.

Ao longo da década de 1990, o TJCE foi reiterando estes pressupostos e

aditando detalhes. Assim sendo, iremos referir dois exemplos:

1. no Acórdão Konle (145

), o TJCE frisou que um Estado-membro não pode

invocar a repartição das competências e responsabilidades entre as coletividades

que existem na sua ordem jurídica interna para se eximir ao cumprimento das

obrigações que decorrem do Direito Comunitário ( §62);

2. no Acórdão Haim (146

), a Alta Instância comunitária clarificou que os três

requisitos avançados no Acórdão Francovich e lapidados no Acórdão Brasserie

du Pêcheur são exigíveis tanto no caso de os prejuízos cuja reparação é exigida

resultarem de uma omissão do Estado – não transposição de diretiva -, como no

de adoção de ato legislativo ou administrativo que atente contra o direito

comunitário (§37), sendo certo que a sua apreciação é sempre casuística.

(143) Cfr. Carla AMADO GOMES, O Livro das Ilusões: A Responsabilidade do Estado por violação do Direito Comunitário, apesar

da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro in: «Separata Revista do CEJ», 1.º Semestre – n.º 11, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina – 2009, pp. 297-298.

(144) Assim, Acórdão de 26 de Março de 1996, caso C-392/93.

(145) Assim, Acórdão de 1 de Junho de 1999, caso C-302/97. (146) Assim, Acórdão de 4 de Julho de 2000, caso C-424/97.

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Como salienta Carla AMADO GOMES: «Esta jurisprudência tem aplicação directa

à função legislativa, mas a vinculação da Administração ao Direito Comunitário, que o

TJCE afirmou expressamente em 1989, no Acórdão Fratelli Costanzo (147

), torna-a

extensível também à função executiva» (148

).

No entanto, tal como refere Carla AMADO GOMES: «em 2003, o TJCE

clarificou que a teoria da responsabilização do Estado por violação do Direito

Comunitário se estende à função jurisdicional» (149

). Tal proeza, fê-lo no Acórdão

Köbler (150

), num caso em que aparentemente uma decisão do Verwaltungsgerichtshof

austríaco ignorou de forma manifesta um entendimento expresso do TJCE face a

determinada norma (acerca da natureza de um subsídio atribuído a professores

universitários), ao ter retirado um pedido de reenvio prejudicial quando a jurisprudência

comunitária ainda não era totalmente esclarecedora relativamente ao sentido da norma

e, perante a dúvida, ter feito uma interpretação errónea da mesma.

Porém, o Tribunal do Luxemburgo concluiu (contra a opinião manifestada pelo

Advogado-Geral) que não existiu neste caso violação manifesta, dado que a resposta

não era evidente. Outros fatores de retracção poderão ter sido o aparente ataque ao

princípio do caso julgado, que se mantém nestes casos intocado, e ainda a importância

do princípio da independência e da correlativa irresponsabilidade do juiz (julgador).

É conveniente mencionar, ainda, que três anos mais tarde, no já referido

Acórdão Traghetti, o TJCE agiu de forma mais coerente com a possibilidade avançada

no Acórdão Köbler e determinou a responsabilidade do juiz italiano que fez errada

interpretação do Direito Comunitário e ignorou a obrigação de reenvio. Como sublinha

Carla AMADO GOMES: «O TJCE, consultado em sede de reenvio prejudicial

provocado pelo Tribunale di Genova junto do qual foi apresentada a acção de

responsabilidade, frisou que a responsabilidade do juiz deve considerar-se excepcional,

dependendo de uma violação manifesta do Direito Comunitário, a cuja caracterização se

chega apelando» (151

):

« (…) a um conjunto de critérios, tais como o grau de clareza e de precisão da

regra violada, o carácter intencional da violação, o carácter desculpável ou não do

erro de direito ou o não cumprimento, pelo órgão jurisdicional em causa, da sua

(147) Assim, Acórdão de 22 de Junho de 1989, caso 103/88. (148) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p.197.

(149) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 198.

(150) Acórdão de 30 de Setembro de 2003, caso C-224/01. (151) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., pp. 199-200.

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obrigação de reenvio prejudicial por força do artigo 234, terceiro parágrafo, CE, e

presume-se, em qualquer caso, quando a decisão em causa for tomada violando

manifestamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria» (§43).

Para sermos mais precisos, impõe-se trazer aqui o texto de Carla AMADO

GOMES: «Neste aresto discutiu-se ainda, como se observou acima, a possibilidade de o

Estado-membro delimitar os pressupostos de responsabilização do julgador. O TJCE

aceita que essa limitação possa acontecer – sobretudo tendo em consideração a

sensibilidade da função em causa -, mas nunca através de “exigências mais restritivas do

que a decorrente da condição de violação manifesta do direito aplicável” (§44), fórmula

aberta que permite acolher um conjunto muito lato de hipóteses» (152

).

Sumariamente, importa fazer uma breve referência relativamente à

responsabilidade por facto da função administrativa e a sua vis atrativa.

Neste contexto, importa referir que renomeando Carla AMADO GOMES: «O

Acórdão Fratelli Costanzo, ao afirmar a vinculação de todas as funções do Estado ao

dever de lealdade comunitária, aponta para um quadro de predominância da

responsabilização da função administrativa face à legislativa e jurisdicional» (153

). No

§31 desta decisão, pode ler-se, com muita clareza:

«Seria por outro lado contraditório entender que os particulares têm o direito

de invocar perante os tribunais nacionais, as disposições de uma directiva que

preencham as condições acima referidas, com o objectivo de fazer condenar a

administração, e, no entanto, entender que esta não tem o dever de aplicar aquelas

disposições afastando as de direito nacional que as contrariem. Daqui resulta que,

preenchidas as condições exigidas pela jurisprudência do tribunal, para as normas de

uma directiva poderem ser invocadas pelos particulares perante os tribunais nacionais,

todos os órgãos da administração, incluindo as entidades descentralizadas, tais como

as comunas, têm o dever de aplicar aquelas disposições».

Como exprime Carla AMADO GOMES: «Ora, se a Administração estadual é

uma função de implementação do Direito Comunitário, essa vertente de concretização

(152) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 200. (153) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 200.

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do ordenamento eurocomunitário pode ver-se diminuída ou inviabilizada em três tipos

de situações:

1. no caso de normas com aplicabilidade directa e com efeito directo, a sua

desaplicação em detrimento de norma nacional; a sua incorrecta aplicação

(diminuindo o índice de protecção); ou ainda a sua não regulamentação (por via

administrativa) ou regulamentação incorrecta (por, apesar da aplicabilidade

directa da norma, aquela não ser imediata);

2. no caso de normas sem aplicabilidade directa e com efeito directo, a sua não

aplicação uma vez expirado o prazo de transposição, contra ou em vez de norma

nacional; a sua interpretação errada (e subsequente aplicação deficiente); a não

interpretação de norma nacional conforme a norma eurocomunitária (sendo

possível) (154

);

3. e no caso de actos administrativos, a emissão de decisões individuais e concretas

que afrontem o efeito atributivo de posições jurídicas de vantagem aos

particulares pelas normas comunitárias» (155

).

Ora, em tais situações, pelos cânones do TJCE, a responsabilidade será da

Administração – pelos menos primária. Como recorda Carla AMADO GOMES: «O que

deixa para a esfera da responsabilidade do legislador e do juiz um conjunto

relativamente reduzido de casos, a saber (e sem pretensões de exaustividade):

1. por um lado, no que tange ao legislador, as situações de normas legislativas

imediatamente exequíveis que transpõem normas comunitárias; os casos de

normas com efeito directo mas conferindo larga margem de concretização ao

legislador, não permitindo à Administração substituir-lhe na aplicação imediata

(hipótese não despicienda mas progressivamente menos provável, em razão da

precisão crescente das directivas); e ainda, dubitativamente, as situações em que

o legislador transpõe ou regulamenta incorrectamente (quando esta última

competência lhe compete);

2. por outro lado, no que concerne ao juiz, as hipóteses de erro judiciário puro:

errada interpretação da norma comunitária pelo julgador, contra jurisprudência

(154) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: Textos Dispersos…, cit., p. 201, nota 28: «Sobre o dever de interpretação conforme por parte das autoridades administrativas, ver o Acórdão Von Colson, de 10 de Abril de 1984, caso 14/83,

§26», de Carla AMADO GOMES.

(155) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., pp. 201-202.

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constante do TJCE, ou prescindindo da obrigação de reenvio em casos de dúvida

sobre o sentido da norma» (156

).

Tal como destaca Carla AMADO GOMES: «Repare-se que, no terceiro

subgrupo do primeiro grupo de casos, é ainda questionável se a Administração não tem

a obrigação de emendar a mão do legislador, aplicando a norma comunitária em

detrimento de norma nacional, ou refazendo a regulamentação. Esta interrogação é

legítima e demonstra bem a dualidade de perspectivas que a questão envolve. É que, se

do ponto de vista do TJCE, o que prevalece é a obrigação de cumprimento do dever de

uniformidade de aplicação e da optimização da tutela efectiva, já do ponto de vista do

ordenamento nacional, o princípio da separação de poderes pode opor-se frontalmente a

este tipo de substituição – bem assim como, aliás, à aplicação da norma comunitária na

ausência de norma nacional» (157

).

Ora, a dúvida que surge é a de saber se a Administração está em condições de

levar por diante tais operações de reconstrução ou tão-somente de desaplicação da

norma nacional, em nome da primazia da norma comunitária, sendo que, em última

análise, a nossa resposta é negativa, com a exceção de se a interpretação da norma

comunitária estiver sedimentada em jurisprudência do TJCE, possibilidade na qual, à

analogia do que ficou afirmado no Acórdão Traghetti a propósito da responsabilidade

do juiz, se presume a responsabilidade da Administração. No entanto, mesmo aqui não

descartando um pedido subsidiário ao Estado legislador, pois os deveres de

transposição, de transposição correta e suficiente, de regulamentação, cabem a este. Ora,

o facto de a causalidade se “interromper” por força da responsabilização primária da

função executiva não deve, pois, invalidar, a nosso ver, a perseguição do Estado

legislador, a título subsidiário. De notar que o TJCE admite que a responsabilidade do

julgador é excecional que apenas uma violação manifesta – um erro clamoroso – do

direito comunitário a despoleta, isto é, uma falha evidente de interpretação da norma ou

uma ignorância olímpica da obrigação de reenvio.

Tal como enaltece Carla AMADO GOMES: «Será de crer que relativamente a

órgãos titulados por profissionais qualificados – os juízes -, o TJCE exija uma violação

manifesta, mas impute a violação à Administração com base numa falha desculpável do

titular do órgão administrativo, muitas vezes não jurista e alheio à complexidade do

(156) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., pp. 202-203.

(157) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 203.

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Direito Comunitário? A isto acresce a “reserva de juiz” que pode entender-se decorrer

do artigo 234 do Tratado de Roma, com a entrega do mecanismo do reenvio aos

tribunais nacionais, obrigatório para os tribunais superiores (mas sem mecanismo

directo de efectivação do cumprimento da obrigação). Não estando a Administração

habilitada a reenviar questões interpretativas para o TJCE, fará sentido falar de uma

responsabilidade da função administrativa por desaplicação ou deficiente aplicação de

normas comunitárias?

Julgamos que a questão, assim vista, está desfocada e que a razão porque o

Tribunal do Luxemburgo exige a violação manifesta por parte do julgador se prende

com a reverência face ao poder jurisdicional e com a necessidade de salvaguardar a

credibilidade da função, imunizando relativamente o juiz. O TJCE não abdicará da

responsabilização da Administração como posição de princípio – sem embargo de a

perspectivar de forma despessoalizada, ou seja, num plano puramente funcional. Isso

não implica que, no plano interno, questões como as que identificámos, nas quais a

causalidade função legislativa/lesão do particular se quebra por interposição forçosa da

Administração nacional vinculada à legalidade comunitária, não acabem por reverter em

pedidos de responsabilização do legislador. Sublinhe-se que, uma vez questionado pelo

tribunal competente para julgar a acção de responsabilidade, o TJCE se limitará a apurar

os pressupostos da responsabilidade à luz do Direito Comunitário, concluindo

eventualmente pela responsabilização da Administração. No entanto, e conforme

sucedeu no caso Brinkmann, pode identicamente concluir que a complexidade da

questão exigia a intervenção do legislador a título primário – o que obrigará a um

redireccionar do pedido indemnizatório. Ou pode chegar à conclusão de que a

responsabilidade cabe efectivamente à função administrativa, devendo o juiz nacional

dar execução a esta avaliação, condenando a pessoa colectiva a cujos órgãos se possa

imputar a prática do acto» (158

).

No entanto, importa e muito fazermos a seguinte pergunta: será realmente

importante determinar qual a função do Estado que responde perante o particular? Ora,

e para respondermos acertadamente à respetiva questão, mais uma vez, dependerá, à

primeira vista, da perspetiva que venha a adotar. Assim, de um prisma estritamente

comunitário, formando a teoria da responsabilidade do Estado por violação do Direito

Comunitário um corpo único de requisitos, o apuramento da função concreta não é

relevante: é sempre o Estado a dar a cara, independentemente das vestes em que ache,

(158) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., pp. 204-205.

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sendo exemplo disto o caso Dillenkoffer – Acórdão de 17 de Abril de 2007, caso C-

470/03, §99, – A.G.M.-COS.MET Srl -, no qual o TJCE, confrontado com um caso de

responsabilidade funcional de um agente do Estado da Finlândia obtemperou que «in

the event of a breach of Community Law, Community Law does not preclude an oficial

from being held liable in addition to the Member State, but does not require it». Por

outras palavras, o Tribunal é alheio ao modelo de responsabilização dos entes públicos

existente, desde que este promova a tutela plena de cariz ressarcitório perante o lesado

em condições semelhantes (ou, então, nunca menos favoráveis) às que o ordenamento

nacional prevê. Como torna claro Carla AMADO GOMES: «Em contrapartida, de um

prisma nacional, e contextualizando agora o problema no quadro do RRCEE, a

determinação da função poderá fazer toda a diferença, não só quanto à imputação, como

relativamente ao quantum indemnizatório. Basta ter presente normas como o artigo

13.º/1, que exige uma decisão “manifestamente inconstitucional ou ilegal”; ou o artigo

15.º/1, que circunscreve os danos indemnizáveis por facto da função legislativa aos

danos “anormais”; ou ainda o n.º 5 do mesmo preceito, que omite a referência à omissão

de medidas de transposição/execução de normas comunitárias… Ou seja,

aparentemente, a função administrativa é aquela que permite uma mais fácil e plena

responsabilização» (159

).

Veremos as respostas do RRCEE.

Importa, de forma muito breve, fazer uma alusão quanto à efetivação da

responsabilidade por violação do Direito Comunitário, apesar da Lei n.º 67/2007, de 31

de Dezembro.

De mencionar que convém darmos uma resposta válida à questão prévia que se

enunciou sobre a necessidade ou desnecessidade de o RRCEE fazer menção ao Direito

Comunitário. Assim, repete-se a afirmação de que, em vez das referências erráticas que

o RRCEE incorpora, melhor seria ter consagrado um artigo ao problema, remetendo

para os critérios do TJCE o apuramento da responsabilidade e estabelecendo um

mecanismo processual de controlo. Porém, não tendo atuado de tal maneira, a leitura do

mencionado diploma legal permite duvidar se:

1. existe responsabilidade da Administração por violação do Direito

Comunitário, por ação e por omissão;

(159) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 205.

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2. existe responsabilidade do Juiz (Julgador) por violação do Direito

Comunitário, em razão de débil interpretação ou ignorância da obrigação de

reenvio;

3. existe responsabilidade do Legislador por violação do Direito Comunitário,

por omissão – e nos casos de violação por ação, como se efetiva e se articula

com o limite do dano anormal.

Como sublinha Carla AMADO GOMES: «Julgamos que estas dúvidas devem

resolver-se no sentido de viabilizar a efectivação da responsabilidade do Estado em

qualquer das suas três por violação do Direito Comunitário apesar da confusão

introduzida pelos excessos e defeitos do texto legal. A vinculação de Portugal ao bloco

de legalidade alargada que constitui o ordenamento comunitário (artigos 7.º/6 e 8.º/3 e 4

da CRP; 10 do Tratado de Roma) conduz o intérprete/aplicador do RRCEE a fazer uma

interpretação correctiva (ou abrogante?) deste, deferindo aos tribunais administrativos

de círculo – os competentes para julgar todas as acções de responsabilidade [artigo

4.º/1/g) e (salvo) 3/a) do ETAF] – os critérios de efectivação da responsabilidade, em

articulação com o TJCE. Sublinhe-se que estes critérios são independentes daqueles que

os tribunais utilizam no julgamento de acções de responsabilidade por violação de

Direito interno (ou de regras técnicas), preferindo-lhes sempre que se trate de questões

que envolvam incumprimento de obrigações comunitárias» (160

).

Como relata Carla AMADO GOMES: «Esta opção vai ao encontro – ou não

entra em colisão com – dos princípios da equivalência e da efectividade, fixados pelo

TJCE no Acórdão Francovich. Com efeito, a remeter assim as referências contidas no

RRCEE ao Direito Comunitário para um plano ilusório, as condições (estabelecidas na

legislação nacional em matéria de reparação de danos) não se revelam menos favoráveis

do que as que dizem respeito a reclamações semelhantes de natureza interna, e não são

organizadas de forma a tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil a

obtenção da reparação… porque na realidade, não ganhando qualquer consistência, é

como se não existissem» (161

). No entanto, a melhor solução seria que o legislador

tivesse separado as coisas e incluído uma disposição exclusivamente dedicada ao

Direito Europeu. Contudo, na falta de tal disposição e sob pena de inviabilizar quase por

completo a responsabilização do Estado naquele plano, com prejuízo para a tutela

(160) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 206. (161) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 207.

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efetiva e para a posição do Estado português perante a Comunidade, melhor será que se

deixe de mediatizar os princípios de responsabilização do diploma interno e se filie

diretamente os mesmos nos princípios da lealdade e da tutela efetiva. Destarte, não

ignoramos que tal proposta de leitura poderá não ser convincente para o TJCE se

confrontado com o quadro formal do RRCEE, uma vez que a falta de clarividência deste

diploma legal é suscetível de comprometer, pelo menos, o princípio da efetividade.

Tendo em linha de conta o texto supra mencionado, cabe-nos agora colocar três

relevantes questões. Assim:

1. no plano da responsabilidade por facto da função administrativa, a quem

compete responder em caso de dolo/falta grave?

A resposta a esta pergunta assenta decisivamente na circunscrição dos critérios

de aferição da responsabilidade à jurisprudência do TJCE e ao facto do TJCE remeter,

isto, em regra (dado que, por vezes, o TJCE, em processos de reenvio, se considera

competente, pelo simples facto de ser detentor de todos os elementos essenciais à

imputação, ou não, para afirmar a responsabilidade Estadual) (162

), a apropriação dos

factos pela pauta de responsabilidade por si gizada para o tribunal nacional (163

). Ora,

como adverte Carla AMADO GOMES: «Por outras palavras, apelando exclusivamente

aos critérios do TJCE, o tribunal nacional apura (ou limita-se a declarar) se há ou não

responsabilidade – sempre imputável à pessoa colectiva, mesmo havendo dolo ou culpa

do funcionário, uma vez que, para a justiça comunitária, o problema do regresso não

releva. “Falta”, “violação manifesta”, “violação suficientemente caracterizada”, são

noções de imputação objectiva, à pessoa colectiva da qual provém a actuação lesiva. Se

houve culpa do funcionário, isso é um aspecto que concerne às relações interorgânicas,

alheio aos intuitos de efectivação da tutela efectiva e de salvaguarda (indirecta) do

princípio da uniformidade por parte do TJCE» (164

).

Para sermos mais precisos, impõe-se trazer aqui o texto de Carla AMADO

GOMES: «Claro que, se na acção de responsabilidade apreciada pelo tribunal

administrativo, a pessoa colectiva é a única ré demandada, e não chama à demanda o

funcionário, a condenação basear-se-á em falta leve (sob pena de violação dos

princípios do contraditório e da tutela efectiva do funcionário eventualmente

responsabilizável mas não presente em juízo) e não haverá qualquer hipótese de

exercício do direito de regresso. Já se há litisconsórcio passivo, e se o juiz nacional

(162) Assim, o caso British Telecommunications, cit., §42.

(163) Assim, ver o §45 do Acórdão Francovich. (164) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 208.

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apurar que além de haver falta, ela foi grave, então o regresso deverá acontecer, em

acção posterior. Finalmente, se só o funcionário estiver em juízo – hipótese pouco

credível em acções deste tipo -, problemático poderá ser se o TJ entende haver falta da

Administração, mas o tribunal nacional a considerar leve, ficando o réu isento de

responsabilidades. O particular terá que propor nova acção contra a pessoa colectiva e

invocar a jurisprudência comunitária para obter ressarcimento do dano sofrido» (165

).

Em qualquer caso, o dano será sempre indemnizável pela integralidade,

conforme o Tribunal teve chance de afirmar no Acórdão Brasserie du Pêcheur (§90),

não se traduzindo automaticamente a condenação em compensação pecuniária. Com

efeito, o artigo 3.º/2 do RRCEE (e o artigo 566.º/1 do CC) aponta para essa hipótese. Na

certeza, contudo, de que, a não ser física ou juridicamente possível a reconstrução

retroactiva da posição jurídica do lesado, em virtude de invocação de causa legítima de

inexecução pela Administração, a indemnização deverá cobrir a totalidade dos danos

sofridos, sob pena de restrição sem qualquer tolerância do direito à indemnização,

vedada pelo Acórdão Francovich (§43).

2. no plano da responsabilidade por facto da função jurisdicional, como

articular a «prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição

competente», exigida pelo artigo 13.º/2 do RRCEE, com o imperativo de

responsabilização estabelecido pelo TJCE ?

Respondendo a esta pergunta, pode começar-se por duvidar da exigência da

«prévia revogação da decisão danosa», no controlo do Direito Comunitário. Nos termos

de Carla AMADO GOMES: «Na verdade, tal faz sentido para as situações em que a

errada interpretação da norma comunitária é feita pelo tribunal de comarca ou mesmo

de segunda instância e há revogação da decisão por tribunal superior, repondo a

conformidade com a legalidade comunitária. Todavia, quando a falha é perpetrada por

tribunal superior, ou não é emendada por este, o pressuposto da prévia revogação deve

ceder perante a necessidade de apurar responsabilidade da função jurisdicional à luz dos

princípios do Direito Comunitário (eventualmente a acrescer à administrativa, derivada

de não aplicação ou errada interpretação da norma comunitária – situação que deu

origem ao litígio)» (166

). Importa salientar que o TJCE é alheio quanto ao problema da

subsistência da decisão lesiva, desde logo por motivos que se prendem com o respeito

(165) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 208. (166) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 209.

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pela autonomia processual dos Estados-membros (que deverão consagrar mecanismos

permissivos para a revisão da decisão sem afetação do princípio do caso julgado). Ora,

no limite poder-se-á conceber a existência de uma ação de condenação por facto da

função jurisdicional apesar da subsistência do caso julgado se raciocinarmos somente na

vertente compensatória, e não primariamente reconstitutiva, da indemnização visada.

Assim, como afirma Carla AMADO GOMES: «Permanecendo no ordenamento

a decisão lesiva, natural será que o tribunal administrativo junto do qual é proposta a

acção questione o TJCE em reenvio prejudicial – por se tratar da avaliação da conduta

de um tribunal superior e pretender obter um respaldo para a sua decisão na acção de

responsabilidade. Uma vez confirmada a violação manifesta do Direito Comunitário

pelo Tribunal do Luxemburgo, o tribunal nacional terá carta branca para condenar o

Estado, podendo eventualmente “adjectivar” a falta cometida pelo julgador – facto que

relevará não só para ajustar o montante indemnizatório, mas também para futuro

exercício do regresso contra o magistrado (cfr. o artigo 14.º/1 do RRCEE)» (167

).

Isto é:

1. por um lado, existirão casos em que o tribunal de comarca, mesmo que

chamado à atenção pela parte para a necessidade de interpretação em

conformidade com o Direito Comunitário ou mesmo para a invalidade da

norma eurocomunitária, não procede ao reenvio para o TJCE, não sendo,

porém, a tal obrigado pelo artigo 234 do Tratado de Roma. Ora, importa

frisar que o tribunal superior, contudo, corrige a solução da forma que

passaremos a expor. Assim, o tribunal superior ou procede ao reenvio ou

dispensa-o, quer recorrendo a jurisprudência constante do TJ, quer valendo-

se dos seus próprios recursos hermenêuticos. Desta forma, os danos causados

ao particular pela decisão de 1.ª instância poderão ser invocados em ação de

responsabilidade intentada junto dos tribunais administrativos;

2. por outro lado, emergirão casos de repetida incorreta interpretação de normas

de Direito Comunitário, ou de aplicação de Direito interno desconformes

com este que, ou por as decisões não serem passíveis de recurso, ou por os

tribunais superiores não procederem ao reenvio nem corrigirem, por si sós, a

solução, ficariam impunes à luz da exigência da prévia revogação. Porém,

competirá aos tribunais administrativos onde for interposta a ação proceder à

avaliação da falta, de forma tendencial com a intervenção do TJCE, ademais

(167) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 210.

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se estiverem em causa falhas imputadas a tribunais superiores, aplicando os

critérios da jurisprudência Francovich e Brasserie du Pêcheur, direcionados

,de modo muito específico, para a função jurisdicional nos Acórdãos

Traghetti e Köbler.

Nas palavras de Carla AMADO GOMES: «Uma hipótese em que a

intervenção do TJCE no seio da acção indemnizatória é inquestionavelmente

dispensável verifica-se quando pré-existe uma condenação do Estado pelo

TJCE em sede de acção por incumprimento desencadeada a propósito do

caso sub judice, ou de vários processos envolvendo a mesma norma

comunitária. O acórdão que atesta o incumprimento deverá equiparar-se à

revogação da decisão danosa para efeitos de propositura de acção de

responsabilidade – embora, em bom rigor, a decisão jurisdicional interna se

mantenha intocada, quer em homenagem ao princípio da intangibilidade do

caso julgado, quer em virtude da especificidade do objecto da acção por

incumprimento» (168

).

Neste domínio, há uma cedência das considerações que expendemos acerca

da reconstituição da situação atual hipotética como finalidade primordial das

ações de efetivação da responsabilidade perante o princípio da

intangibilidade do caso julgado. Ora, como salienta Carla AMADO

GOMES: «No que tange as acções de responsabilidade por facto da função

jurisdicional e perante a subsistência da decisão lesiva (em casos de

inadmissibilidade, pelo ordenamento, da sua revisão), apenas é possível

exigir reparação pecuniária do prejuízo sofrido» (169

).

3. no plano da responsabilidade por facto da função legislativa, está a omissão

de medidas legislativas de concretização do Direito Comunitário coberta

pelo artigo 15.º? Como opera (de resto, a resposta valerá também para a

violação por ação)? Restringe-se aos danos anormais ou abarca qualquer

dano?

Respondendo a esta questão, é de realçar a complexidade de aplicação do artigo

15.º do RRCEE às ações e omissões legislativas em violação do Direito Comunitário.

Assim, nas expressões de Carla AMADO GOMES: «De facto, embora o legislador

(168) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 211. (169) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 211.

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tenha inserido a referência à responsabilidade do Estado por emissão de diplomas em

desconformidade com o Direito Comunitário (originário e derivado) no n.º 1 do artigo

15.º, a conjugação com o n.º 2 reduz o padrão de desconformidade às normas do

Tratado de Roma e Tratados de revisão deste (“convenção internacional”) – deixando de

fora uma miríade de actos, nomeadamente regulamentos e directivas (porventura por

pretender preservar a articulação entre esta norma e o artigo 70.º/1/i) da Lei Orgânica do

Tribunal Constitucional)..» (170

).

Como reforça Carla AMADO GOMES: «As dificuldades não terminam, todavia,

aqui – dir-se-á que apenas começam…: ao suscitar a intervenção do Tribunal

Constitucional, o RRCEE parece pressupor que a Alta Instância de controlo da

constitucionalidade aceita formular um juízo de conformidade ou desconformidade do

direito interno com o Direito Comunitário – o que, claramente, não acontece» (171

).

De mencionar que ou o tribunal administrativo requer a pronúncia do TC – caso

a violação do Direito Comunitário seja compreendida também como uma transgressão

da Lei Básica, que consumirá a primeira, caso se prove, e isso bastará; - sendo de

revelar a nossa hesitação neste aspecto, dado que a consumpção poderá acarretar a

aplicação exaustiva dos critérios nacionais, mais restritivos do que os comunitários,

passando a solução por utilizar a bitola comunitária, mesmo sem consulta do TJCE -,

(que deverá redundar num reenvio prejudicial, se não existir violação de norma ou

princípio constitucional); ou como alerta Carla AMADO GOMES: «o tribunal

administrativo, perante uma violação estrita do Direito Comunitário, procede ao reenvio

ou constata por si mesmo existir violação do Direito Comunitário, e julga a acção de

responsabilidade (sendo certo que pode não reenviar por não se considerar a tanto

obrigado (172

); mas se a recusa de reenvio pelo Tribunal Central Administrativo, em

recurso, redundar em diminuição das garantias do particular, surgirá nova fonte de

responsabilização do Estado)» (173

).

Porém, é de salientar que todas as omissões do Estado em face de obrigações de

legislar impostas pelos compromissos comunitários – maxime, de transposição,

completa e atempada, de diretivas – são olimpicamente ignoradas pelo RRCEE. Assim,

dir-se-ia que aí o caso é mais grave, porque o legislador nem sequer alude ao problema

(170) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 211.

(171) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 212. (172) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: Textos Dispersos…, cit., p. 212, nota 41: «Deverá ter-se em

consideração a alçada do tribunal administrativo de círculo para aferir da obrigação a que alude o artigo 234 do Tratado de Roma»,

de Carla AMADO GOMES. (173) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., p. 212.

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da inexecução de tarefas legislativas impostas pelo Direito Comunitário, remetendo-se

às omissões inconstitucionais de forma restrita decorrente do artigo 283.º da nossa Lei

Fundamental.

Em tal domínio, e considerando o RRCEE como um livro das ilusões, julgamos

que o legislador até andou melhor ao não se ter pronunciado, pois tal silêncio deixa

caminho aberto à aplicação da jurisprudência do TJCE. Esta aplicação da jurisprudência

do TJCE nem sequer exige a condenação do Estado em ação por não cumprimento

como condição de efetivação da responsabilidade por omissão legislativa, bastando-se,

por um lado, com a constatação da impossibilidade, quer de aplicar imediatamente as

normas eurocomunitárias, quer de proceder à realização da interpretação conforme da

norma nacional e, por outro lado e de modo subsequente, com a verificação dos critérios

estabelecidos nos Acórdãos Brasserie du Pêcheur e Francovich (já anteriormente

mencionados).

Desta forma, importa referir que, tal como diz Carla AMADO GOMES: «O

sucesso da acção administrativa comum de efectivação de responsabilidade do Estado

por omissão de medidas legislativas que obstem à plena e uniforme aplicação do Direito

Comunitário dependerá, desta feita, da invocação de uma pronúncia do TJCE no sentido

da inoperacionalidade da norma comunitária em causa, não necessariamente num

processo em que o autor tenha intervindo. Esta pronúncia tanto pode traduzir-se num

acórdão condenatório em acção por incumprimento relativa a omissão de medidas

legislativas quanto à norma comunitária em causa, como num acórdão em sede de

reenvio prejudicial interpretativo efectuado por um tribunal português, a propósito da

mesma norma, constatando a omissão legislativa» (174

).

Porém, no que respeita à limitação fixada pelo RRCEE relativamente aos danos

anormais, mais uma vez terá de se proceder a uma operação de «preferência aplicativa»

da jurisprudência do TJCE, que propugna, a priori, a indemnização da totalidade dos

danos, independentemente da sua natureza ou do número de sujeitos envolvidos.

Contudo, se tal afirmação é válida teoricamente, o TJCE entreabre uma possibilidade de

imposição de limites aos montantes indemnizatórios «em razão de importantes

consequências financeiras desvantajosas para os Estados-membros» (§91.º do Acórdão

Brasserie du Pêcheur) (175

).

(174) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., pp. 213-214.

(175) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: Textos Dispersos…, cit., p. 214, nota 44: «Ressalva que Carlos

FERNANDES CADILHA considera neutralizar a contrariedade que poderia existir entre o pressuposto de dano anormal fixado pelo RRCEE e a jurisprudência comunitária» (Regime da Responsabilidade Civil…, cit., p. 268). «Em contrapartida, Maria José

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Todavia, certo parece ser, em qualquer dos tipos de responsabilidade, o aumento

de reenvios prejudiciais para o TJCE pelos tribunais administrativos de círculo. De

mencionar que é manifesto o embaraço de um julgador de primeira instância em face da

alegação de uma falha – manifesta – de interpretação ou aplicação do direito

comunitário por qualquer órgão do Estado, maxime se legislador ou julgador. Tal como

nos explicita Carla AMADO GOMES: «Na ausência de atribuição a uma jurisdição

superior e eventualmente em secção especializada da apreciação destes pedidos, o

acréscimo de reenvios interpretativos surge como consequência natural e mesmo

recomendável, sob pena de os tribunais superiores, enveredando por atitudes de

sobranceria face ao TJCE, persistentemente inviabilizarem as pretensões

indemnizatórias em via de recurso. Correlativamente, a arquitectura do próprio

contencioso comunitário terá, mais tarde ou mais cedo, de responder eficazmente a este

aumento, redistribuindo a competência de apreciação de pedidos de reenvio prejudicial

entre o TJCE e o Tribunal de Primeira Instância – como, de resto, o artigo 225/3 do

Tratado de Roma admite (mas o Estatuto do TJ, por ausência de vontade política dos

Estados, ainda não concretizou)» (176

). Ora, torna-se relevante atentarmos nos artigos

35.º do TUE (reservando para o TJCE a competência apreciativa de questões

prejudiciais em sede de cooperação em matéria de assuntos internos), e torna-se,

também importante atentarmos nos artigos 23.º e 23.º-A do Estatuto do TJ, quanto às

regras processuais.

2. Classificações da responsabilidade civil administrativa

Para começar importa referir que se vai tratar o tema da responsabilidade civil

administrativa.

De tal forma atenderemos à classificação da mesma. Neste sentido, a

responsabilidade civil administrativa pode ser classificada atendendo ao título da

imputação do prejuízo, à natureza da posição jurídica subjetiva violada e ao ramo de

direito pelo qual é regulada. Cada uma destas modalidades de responsabilidade civil

está sujeita a um regime jurídico pelo menos parcialmente diverso.

RANGEL MESQUITA (Responsabilidade do Estado por incumprimento do Direito da União Europeia: um princípio com futuro, Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Março de 2003 (Agravo 0650624), in: «CJA», n.º 60, pp. 60 e segs.,

68) manifesta-se muito céptica quanto à compatibilidade entre os dois», de Carla AMADO GOMES.

(176) Cfr. Carla AMADO GOMES, Textos Dispersos…, cit., pp. 214-215.

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Importa salientar que quanto ao título de imputação do prejuízo, a

responsabilidade civil pode ser delitual, pelo risco ou por facto lícito. Enquanto que a

responsabilidade delitual decorre de uma conduta reprovada pela ordem jurídica, sendo,

por isso, por vezes designada por responsabilidade por facto ilícito e culposo, a

responsabilidade pelo risco e a responsabilidade por facto lícito prescindem de tal

reprovação, sendo modalidades de responsabilidade objetiva. De mencionar que a

responsabilidade pelo risco decorre de regras objetivas de distribuição dos riscos

sociais, assentando na ideia de que, apesar de não ter sido praticado qualquer facto

ilícito e culposo, um determinado dano exorbita da esfera de risco do lesado, devendo

outra pessoa responder por aquele; já a responsabilidade por facto lícito decorre da

necessidade de compensar alguém por sacrifícios que lhe sejam impostos, mediante

condutas juridicamente conformes, em benefício do interesse público.

Relativamente à natureza da posição jurídica subjetiva violada, a

responsabilidade civil pode ser contratual ou extracontratual. A responsabilidade

contratual é a que decorre da violação de direitos de crédito resultantes de contrato. A

responsabilidade extracontratual é a decorrente da afetação de outros direitos subjetivos

ou interesses legalmente protegidos. De mencionar que nas palavras de Marcelo

REBELO DE SOUSA e de André SALGADO DE MATOS: «Nos últimos anos, a

doutrina tem vindo a identificar uma terceira via da responsabilidade civil, a meio

caminho entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, que

abrangeria situações de violação de deveres específicos de protecção, informação e

lealdade, não decorrentes de contratos mas com densidade superior aos deveres

genéricos de respeito de direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos cuja

violação gera responsabilidade extracontratual» (177

).

Relativamente ao ramo de direito pelo qual é regulada, a responsabilidade civil

pode ser por ato de gestão pública ou por ato de gestão privada. Como realçam Marcelo

REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «Trata-se de uma repercussão

do problema, transversal a todo o direito administrativo, da distinção entre gestão

pública e gestão privada. A distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão

privada só suscita dificuldades reais quanto aos contratos e aos actos materiais; os

regulamentos e actos administrativos são, sem excepção, actos de gestão pública.

Tradicionalmente, a distinção entre estas duas modalidades de responsabilidade

(177) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., pp. 16- 17.

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acarretava consequências substantivas (a responsabilidade administrativa por acto de

gestão pública era regida por disposições de direito administrativo; a responsabilidade

administrativa por acto de gestão privada era regida por disposições de direito privado)

e processuais (a responsabilidade administrativa por acto de gestão pública era

efectivada perante os tribunais administrativos; a responsabilidade administrativa por

acto de gestão privada era efectivada perante os tribunais judiciais)» (178

). De salientar,

ainda, que atualmente, o ETAF submete aos tribunais administrativos toda a

responsabilidade civil administrativa extracontratual - art. 4.º, n.º 1, alíneas g), h) e i) do

ETAF-, mesmo por ato de gestão privada, assim como os litígios emergentes de alguns

contratos tradicionalmente considerados como de direito privado (art. 4.º, 1, alíneas e) e

f) do ETAF). O art. 1.º, n.º 2 do RRCEC, ao considerar abarcadas pelo regime legal as

ações e omissões «reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo»,

que são virtualmente todas as ações e omissões administrativas, abre as portas para a

superação substantiva da dicotomia, mas não de forma tão nítida que seja neste

momento previsível o rumo que vai ser adotado pela jurisprudência. O alcance

inequívoco da distinção resume-se atualmente, por tal motivo, à responsabilidade

contratual.

3. Responsabilidade civil por ato de gestão pública: responsabilidade

extracontratual delitual

Para começar iremos retratar o fundamento da responsabilidade administrativa

delitual. Neste sentido, tal como nos narram Marcelo REBELO DE SOUSA e André

SALGADO DE MATOS: «A responsabilidade civil delitual da administração tem um

duplo fundamento, subjectivo e objectivo: de um ponto de vista subjectivo, a vinculação

da administração pública aos direitos fundamentais (art. 18.º, 1 CRP) e o princípio do

respeito pelas posições jurídicas subjectivas dos particulares (art. 266.º, 1 CRP); de um

ponto de vista objectivo, o princípio da legalidade. De mencionar, ainda, que da

combinação de ambos decorre a proibição de provocação ilegal de danos na esfera

jurídica dos particulares ou, como sucedâneo, a sua reintegração através de

indemnização» (179

).

Porém, iremos agora retratar os temas da responsabilidade administrativa e

responsabilidade pessoal e, desta forma, afirmaremos que as pessoas coletivas

(178) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 17. (179) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 18.

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administrativas, como as pessoas coletivas na generalidade, atuam através das pessoas

físicas que são os seus titulares de órgãos e agentes. Como estes também praticam atos

de conteúdo estritamente privado, que nada têm que ver com as funções por si

exercidas, e como tais atos podem provocar danos, põe-se o problema da delimitação

entre a responsabilidade administrativa das pessoas coletivas administrativas e dos seus

titulares de órgãos e agentes, por um lado, e a responsabilidade estritamente pessoal

destes últimos, por outro lado.

Contudo, o critério que releva é o da imputação: existe responsabilidade

administrativa pelos prejuízos provocados por atos que sejam imputados a uma pessoa

coletiva administrativa (atos funcionais). Os arts. 7.º, n.º 1 e 8.º, n.º 2 do RRCEC

referem os pressupostos cumulativos exigidos para que um ato seja considerado como

funcional: tem que ser praticado por um titular de órgão ou agente (ou ainda

trabalhador: art. 1.º, n.º 4 do RRCEC) de uma pessoa coletiva administrativa (o que

pressupõe a investidura de uma pessoa física em tal estatuto; podem suscitar-se alguns

problemas quando tal investidura resulte de atos jurídicos nulos ou inexistentes); tem

que ser praticado no exercício das funções do titular de órgão ou agente, tal como

decorrente do respetivo estatuto, e por causa dessas funções. Tratando-se de atos

funcionais, a obrigação de indemnizar que emerge da responsabilidade civil delitual

pode impender, quer exclusivamente sobre a pessoa coletiva a que é imputado o facto

que gera o prejuízo (art. 7.º do RRCEC), quer também sobre o titular de órgão ou agente

que o praticou (art. 8.º do RRCEC). De referir, ainda, que os atos não funcionais são

atos da esfera privada das pessoas que os exercem; a eventual responsabilidade civil a

que dêem lugar é estritamente pessoal, nada tem que ver com a administração pública

ou o direito administrativo estando sujeita ao regime geral da responsabilidade civil

constante do Código Civil.

No entanto, importa referir os pressupostos da responsabilidade administrativa

delitual. Desta forma, importa mencionar que há responsabilidade civil delitual da

administração, e dever de indemnizar, assim que se verifiquem preenchidos de forma

cumulativa cinco pressupostos, expressa ou implicitamente resultantes dos arts. 7.º, n.º 1

e 8.º, n.ºs 1 e 2 do RRCEC: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de

causalidade. Porém, basta a não verificação do preenchimento de um destes

pressupostos que acarreta de forma automática a inexistência de responsabilidade

delitual, embora possa ainda haver lugar a outro tipo de responsabilidade civil ou

mesmo a outra pretensão reintegratória (assim, se faltar o pressuposto da ilicitude, pode

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haver lugar a responsabilidade por facto lícito ou pelo risco ou a uma pretensão

indemnizatória pelo sacrifício de direitos patrimoniais privados; se faltar o pressuposto

da culpa pode ter lugar a pretensão à reconstituição da situação atual hipotética ou o

enriquecimento sem causa).

Ora, cabe-nos agora explicitar, de forma, mais detalhada cada um dos

pressupostos atrás mencionados. Deste modo, começaremos por explicar o pressuposto

do facto voluntário. Desta feita, apenas há responsabilidade civil delitual por danos

resultantes de factos humanos domináveis pela vontade – isto é, de atos em sentido

próprio, que podem consistir, quer em ações, quer em omissões (arts. 7.º, n.º 1 e 8.º, n.ºs

1 e 2 do RRCEC). Para efeitos de responsabilidade civil constituem ações os

regulamentos e os atos administrativos, assim como as simples atuações administrativas

e os atos reais, incluindo todas as omissões juridicamente importantes. Tal como

acentuam Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «A

responsabilidade civil decorrente de actos positivos tem carácter genérico, na medida

em que decorre de um dever também genérico de não lesar activamente as posições

jurídicas subjectivas de outrem; já a responsabilidade civil emergente de omissões,

apesar da aparente generalidade das referências legais, depende da existência de um

dever de praticar a acção omitida, geralmente designado como «dever de garante».

Apesar desta exigência, a relevância das omissões é maior na responsabilidade

administrativa do que na responsabilidade civil em geral: no tráfego jurídico privado, a

esfera de autonomia individual impede a existência de um dever genérico de evitar a

produção de danos para outrem; pelo contrário, no direito administrativo, à

administração pública assiste sempre um tal dever nos domínios abrangidos pelas suas

tarefas de polícia» (180

). Ainda é de referir que não se consideram factos voluntários

para efeitos de responsabilidade civil, designadamente, os factos naturais e os atos

reflexos ou exercidos mediante coação física.

Agora, e de forma sucinta, retrataremos o pressuposto da ilicitude. Este é o

segundo pressuposto da responsabilidade civil delitual, a ilicitude do facto voluntário

(arts. 7.º, n.º 1 e 8.º, n.ºs 1 e 2 RRCEC). Ora, ilicitude é sinónimo de antijuridicidade,

que se expressa num juízo negativo (ou desvalor) formulado pela ordem jurídica

(predominantemente incidente sobre o facto ou sobre o seu resultado, consoante os

casos). Ilícita é, por tal razão, qualquer conduta que viole o bloco de legalidade (ou seja,

que seja ilegal): deste modo, são ilícitos os atos que violem princípios ou regras

(180) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 20.

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constitucionais, legais ou regulamentares (ou ainda internacionais ou comunitários) ou

infrinjam regras técnicas ou deveres objetivos de cuidado (art. 9.º, n.º 1 do RRCEC),

assim como aqueles que violem os parâmetros pelos quais deve reger-se o

funcionamento normal dos serviços (art. 9.º, n.º 2 do RRCEC).

Contudo, para haver responsabilidade civil delitual não é suficiente a verificação

de qualquer ilegalidade, devendo esta consistir na violação da norma que tutela a

posição jurídica subjetiva cuja lesão se pretende ver reparada (Acórdão do STA de

31/5/2005, Processo n.º 0127/03; o mesmo decorre implicitamente da última parte do

art. 9.º, n.º 1 RRCEC). Há, desta forma, duas modalidades básicas de ilicitude: a

ilicitude por violação de direitos subjetivos e a ilicitude por violação de normas

destinadas a proteger interesses (normas de proteção). Como enaltecem Marcelo

REBELO DE SOUSA e de André SALGADO DE MATOS: «Na primeira situação,

incluem-se quaisquer direitos subjectivos (direitos fundamentais, de personalidade,

reais, familiares, de propriedade intelectual ou industrial), excepto quando se trate da

ofensa de direitos de crédito emergentes de contratos, perpetrada pelo devedor, que gera

responsabilidade contratual; na segunda situação, incluem-se os interesses legalmente

protegidos. Existem ainda previsões específicas de ilicitude para efeitos de

responsabilidade civil administrativa, designadamente a decorrente da prestação de

informações (art. 7.º, 2 CPA)» (181

).

Porém, e ainda quanto à ilicitude releva referir as causas de justificação da

ilicitude. Assim, estas são quatro: o cumprimento de um dever; o estado de necessidade;

o consentimento do lesado e a legítima defesa. Desta forma, passaremos agora a

explicar cada uma das causas.

Como destacam Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE

MATOS: «A antijuridicidade de uma determinada conduta pode ser relevada na

presença de circunstâncias específicas, designadas causas de justificação da ilicitude;

faltando o pressuposto da ilicitude, a responsabilidade delitual ficará necessariamente

excluída (mas pode ainda haver lugar a responsabilidade pelo risco ou por fato lícito). O

RRCEC não regula esta matéria, mas o seu regime resulta da CRP, dos princípios gerais

em matéria de responsabilidade civil e dos princípios fundamentais da actividade

administrativa» (182

). Cabe-nos agora e neste contexto passar a explicar o cumprimento

de um dever. Assim, pode acontecer que alguém esteja investido no dever de praticar

(181) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 21. (182) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 21.

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determinado ato danoso; aquele dever está, então, em conflito com o dever de não

provocar o dano, uma vez que não é possível acatar um dever sem violar o outro. O

conflito de deveres deve ser resolvido através do acatamento do dever que a ordem

jurídica considere prevalecente. Ora, tal como afirmam Marcelo REBELO DE SOUSA

e André SALGADO DE MATOS: «O comportamento de quem sacrifique um dever no

cumprimento de um outro dever prevalecente sobre o primeiro não pode ser reprovado

pela ordem jurídica, sob pena de quebra da unidade do sistema normativo» (183

); desta

maneira, o cumprimento do dever prevalecente justifica a ilicitude da violação do outro

dever. Uma situação específica de cumprimento de um dever é a prevista no art. 271.º,

n.º 2 da nossa Lei Fundamental e no art. 10.º do EDFAAP: é justificada a ilicitude da

conduta do subalterno que obedeça a ordens ou instruções ilegais a que estivesse

vinculado (desde que tenha praticado o direito de representação). Como exemplo de

cumprimento de um dever daremos o seguinte: não há em princípio lugar a

responsabilidade se um regimento de bombeiros sapadores deixar arder um pinhal para

apagar um outro incêndio que põe em causa a vida humana, uma vez que o dever de

salvar vidas humanas assume primazia sobre o dever de proteger o património.

Agora passaremos e explicar o estado de necessidade. O estado de necessidade é

um conceito frequentemente utilizado (por exemplo, nos arts. 3.º, n.º 2 e 151.º, n.º 1 do

CPA) mas nunca definido na legislação administrativa nacional. A ideia que domina é a

de que o legislador administrativo recebeu, tal como consagrados no art. 339.º do CC,

os requisitos do estado de necessidade (existência de um perigo atual ou iminente;

ameaça de bens jurídicos pessoais ou patrimoniais do agente ou de terceiro) e os

pressupostos das condutas adotadas ao seu abrigo [manifesta superioridade dos danos a

evitar em relação ao prejuízo provocado – isto é, razoabilidade deste último, no sentido

que a expressão assume no princípio da proporcionalidade; caráter meramente

patrimonial dos bens afetados]. Para sermos mais precisos, impõe-se trazer aqui o texto

de Marcelo REBELO DE SOUSA e de André SALGADO DE MATOS: «O art. 3.º, 2

CPA exige que o resultado visado pela actuação administrativa em estado de

necessidade não pudesse ser alcançado de outro modo, o que deve ser interpretado no

sentido de que a ilicitude daquela só está justificada se for estritamente necessária, à luz

do princípio da proporcionalidade. Apesar da formulação do art. 3.º, 2 CPA, o estado de

necessidade pode justificar a ilicitude decorrente da violação de qualquer norma de

direito administrativo e não apenas das normas nele contidas. Ao invés, o estado de

(183) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 22.

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necessidade não pode justificar a ilegalidade de condutas administrativas viciadas de

usurpação de poder ou de desvio de poder, pelo menos por motivo de interesse

particular, nem mesmo de toda e qualquer conduta viciada de violação de lei» (184

).

Assim, exemplos de atuações cuja ilicitude é justificada por estado de necessidade são

os atos de destruição de coisas ou de ocupação temporária de imóveis, necessários para

realizar operações de socorro ou alojamento de pessoas ou bens (a nível

exemplificativo, nos termos do previsto nos arts. 52.º - 54.º do DL n.º 794/76, de 5 de

Novembro).

Porém, o art. 3.º, n.º 2 do CPA estabelece expressamente o dever de

indemnização dos danos causados pela administração em estado de necessidade; mas,

como este justifica a ilicitude, trata-se de uma responsabilidade civil por facto lícito

(tendo em linha de conta o estabelecido no artigo do 16.º do RRCEC/ RRCEE, cuja

epígrafe é “ Indemnização pelo sacrifício”).

Ora, agora cabe-nos explicar a causa de justificação da ilicitude: consentimento

do lesado. Desta forma, é de referir que o consentimento do lesado como causa de

justificação da ilicitude deriva da ideia segundo a qual in volenti non fit injuria: não faz

sentido obrigar à reparação de um dano se o lesado consentiu na sua produção. Não há

qualquer previsão específica do consentimento do lesado no direito administrativo; e a

sua eficácia justificadora da ilicitude está excluída quando estejam em causa direitos

indisponíveis ou quando tal seja juridicamente proibido (aproximadamente nestes

termos, temos o artigo 340.º do CC, cuja epígrafe é «Consentimento do lesado»). Como

em direito administrativo a atuação administrativa apenas é juridicamente conforme se

for positivamente permitida por lei (precedência total da lei), o consentimento do lesado

apenas pode justificar a ilicitude de uma conduta administrativa quando tal esteja

normativamente admissível; assim o consentimento do lesado nunca pode substituir a

necessária habilitação normativa para a atuação administrativa.

Por fim, e como não nos poderia escapar, passaremos a referir exemplos de

atuações cuja ilicitude é justificada por consentimento do lesado: a revogação de atos

administrativos favoráveis (art. 132.º, n.º 2, alínea b) do CPA), e a revogação com

efeitos retroativos desfavoráveis de atos administrativos (art. 127.º, n.º 3, alínea b) do

CPA). De mencionar que nos dois casos a lei faz depender a legalidade da conduta

administrativa da disponibilidade dos direitos envolvidos.

(184) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 23.

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Agora, passaremos a explicar a legítima defesa. No disposto do art. 21.º da CRP,

todos têm o direito de repelir pela força qualquer agressão quando não seja possível

recorrer à autoridade pública. Esta previsão terá sido especificamente pensada para os

particulares, contudo não pode ser negada aos agentes da administração a hipótese de se

defenderem de agressões de que sejam objeto, em princípio nos mesmos termos que os

demais cidadãos.

Subscrevendo Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE

MATOS: «O art. 21.º CRP exige como requisito da legítima defesa a impossibilidade de

recurso à autoridade pública. Numa leitura apressada, esta última restrição parece levar

à exclusão da relevância da legítima defesa como causa de justificação da ilicitude das

condutas administrativas, uma vez que a administração é, por definição, autoridade

pública. Contudo, não é assim: a expressão «autoridade pública» do art. 21.º CRP

significa apenas a parcela do aparelho público que está especificamente legitimada para

o uso da coerção – ou seja, os tribunais e a polícia -, sendo evidente que a generalidade

dos agentes da administração não se inclui nesta categoria. Mesmo quanto à

administração policial, não parece de excluir a admissibilidade da legítima defesa, que

nesse caso terá como requisito a impossibilidade de recurso aos tribunais em tempo útil

para repelir a agressão. Os argumentos teleológicos de interpretação também apontam

neste sentido: ao referir-se à impossibilidade de recurso à força pública, o art. 21.º CRP

teve como finalidade exclusiva evitar a generalização da autotutela privada, problema

que manifestamente não se põe quanto ao uso da força pela administração, em particular

pela polícia. Em todo o caso, note-se que não está em causa a admissibilidade de defesa

dos agentes da administração no exercício das suas funções; o que se discute na doutrina

é apenas se a exclusão da ilicitude opera por via do instituto da legítima defesa,

designadamente no sentido do art. 21.º CRP, ou por via de uma causa de justificação

distinta e inominada» (185

).

Destarte, os requisitos da justificação por legítima defesa inferem-se do art. 21.º

da CRP e do princípio da proporcionalidade: tem que existir uma agressão, atual ou

iminente, que seja ilícita; a defesa tem que ser necessária, no sentido de não ser possível

afastar a agressão de outro modo; o prejuízo causado pela conduta defensiva deve

constituir um meio adequado e necessário para repelir a agressão e não pode ser

manifestamente superior ao dano que visa evitar (tais exigências coincidem

(185) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 24.

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fundamentalmente com as da legítima defesa no direito (civilístico) privado: nos termos

do art. 337.º, n.º 1 do CC).

Porém, há uma exceção: o regime geral da legítima defesa não se aplica quando

esteja em causa o uso de armas de fogo por agentes policiais, matéria regulada

especialmente no DL n.º 457/99, de 5 de Novembro: nestas situações, a conduta

administrativa apenas está justificada quando o uso da arma de fogo seja absolutamente

necessário, como medida extrema, se outros meios menos perigosos não se mostrarem

eficazes e desde que proporcionado às circunstâncias (art. 2.º, n.º 1 do RRCEE); quando

o uso da arma de fogo se faça contra pessoas/humanos, a conduta apenas é justificada

quando seja necessária para repelir agressões que constituam um perigo iminente de

morte ou ofensa grave que ameace vidas humanas (art. 3.º, n.º 2 do RRCEC). Ao

inverso do que poderia parecer num primeiro contato, tais exigências são mais do que

meras explicitações do princípio da proporcionalidade e dos pressupostos gerais de

legitimidade da defesa: por um lado, em geral, a proporcionalidade da defesa através de

arma de fogo é qualificada (podendo falar-se numa exigência de estrita

proporcionalidade); por outro lado, quanto ao uso de armas de fogo contra seres

humanos, o critério de ponderação entre bens jurídicos está legalmente definido e, por

tal motivo, em larga medida subtraído ao juízo do aplicador do direito. Dos apertados

pressupostos legais resulta, desta forma, uma verdadeira desproporcionalidade prima

facie do uso de armas de fogo e, indiretamente, um reforço do ónus de argumentação

em prol da legitimidade da defesa. Há exemplos de atuações cuja ilicitude é justificada

por legítima defesa tais como: os danos necessariamente causados por um agente

municipal, encarregue de executar um embargo de uma obra ilegal, à integridade física

de um ser humano que, agredindo-o, tentava impedi-lo de cumprir aquela missão; os

danos necessariamente causados por um agente policial à integridade física do suspeito

de um crime, de maneira a conseguir a sua imobilização na sequência de flagrante

delito.

Relativamente ao pressuposto da culpa, trata-se do terceiro pressuposto da

responsabilidade civil delitual (arts. 7.º, n.º 1 e 8.º, n.ºs 1 e 2 do RRCEC), e consiste na

preterição da diligência pela qual a lei exigia que o autor do facto voluntário e ilícito

tivesse pautado a sua conduta/ o seu comportamento; assim, quando falamos em

culpabilidade, falamos do juízo formulado pela ordem jurídica sobre quem age com

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culpa. A palavra «culpa» é, por vezes, utilizada restritamente para designar a

negligência (por ex., arts. 7.º, n.º 1 e 8.º, n.º1 do atual diploma legal - RRCEC) (186

).

Parafraseando Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE

MATOS: «São modalidades de culpa o dolo e a negligência. O dolo pressupõe a

intenção de provocar um determinado resultado danoso (dolo directo, se o autor do facto

voluntário pretender primariamente a produção desse resultado; dolo necessário, se o

autor do facto voluntário pretender primariamente a produção de um outro resultado

cuja verificação implica necessariamente a produção do resultado danoso) ou, pelo

menos, a conformação com a produção desse resultado (dolo eventual)» (187

). Quanto à

negligência, esta pressupõe a violação, consciente ou inconsciente, de deveres de

cuidado. Quando a diligência empregue tenha sido manifestamente inferior àquela a que

o titular de órgão ou agente se encontrava obrigado em razão do cargo por si ocupado

(art. 8.º, n.º 1 do RRCEC), estamos perante a negligência diz-se (a negligência

extremamente grave, na fronteira com o dolo eventual, designa-se habitualmente por

negligência grosseira, tratando-se, contudo, de uma categoria sem relevância normativa

geral); nas demais situações, diz-se leve (art. 7.º, n.º 1 do RRCEC). A distinção entre a

negligência grave e a negligência leve não tem grande relevância no direito privado nem

no direito penal mas é da maior relevância na responsabilidade administrativa: para a

responsabilização das pessoas coletivas administrativas chega qualquer tipo de

negligência (art. 7.º, n.º 1 do RRCEC), mas a responsabilidade dos titulares de órgãos

ou agentes pressupõe pelo menos, precisamente, a negligência grave (art. 8.º, n.º 1 do

RRCEC).

Importa ainda mencionar que a culpa é apreciada à luz da diligência e aptidão

que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de

órgão ou agente cumpridor e zeloso (art. 10.º, n.º 1 do supra mencionado RRCEC); tal

formulação é vazia, nada dizendo na realidade relativamente aos graus de diligência e

aptidão exigidos. Conforme é corrente no direito da responsabilidade civil (no direito

privado) conforme o disposto no art. 487.º, n.º 2 do nosso CC), deve entender-se que

estão em causa a diligência e a aptidão de um titular de órgão ou agentes médios. As

«circunstâncias de cada caso» não podem deixar de levar em conta os deveres

funcionais do concreto titular de órgão ou agente (como resulta do art. 8.º, n.º 1 do

RRCEC, parte final), de forma a que seja respeitado o princípio que nos diz que

(186) A palavra «culpa» é utilizada aqui no seu sentido tradicional. (187) Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., pp. 25-26.

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ninguém é obrigado a mais do que aquilo que pode fazer (ultra posse nemo obligatur),

mas também de forma a evitar que as condutas de titulares de órgãos ou agentes

administrativos de topo sejam avaliadas segundo padrões de diligência benevolentes em

razão da relevância das funções que lhes estão cometidas.

Ora, ainda em relação à culpa, cabe-nos agora explicar a culpa pessoal e o

«funcionamento anormal do serviço». Nas palavras de Marcelo REBELO DE SOUSA e

de André SALGADO DE MATOS: «A diligência das pessoas colectivas

administrativas é, no fundo, a diligência das pessoas singulares que constituem os seus

titulares de órgãos e agentes. É, portanto, por estas últimas que a indagação da culpa

deve principiar; haverá culpa da pessoa colectiva administrativa quando haja culpa

(dolo ou negligência) do seu titular de órgão ou agente» (188

).

No entanto, há situações em que, apesar de ser objetivamente comprovável que

um determinado dano se produziu em virtude da má organização ou do mau

funcionamento de um serviço público, não é possível identificar o autor ou os autores

dos factos que lhes deram origem; isto ocorre com mais frequência em situações de

omissão. Aplicando estritamente os requisitos da responsabilidade civil, teria que

concluir-se não ser possível a sua efetivação prática, na medida em que, desconhecendo-

se o autor do facto a quem respeitam as circunstâncias subjetivas relevantes, não seria

possível formular os juízos de dolo ou negligência dos quais depende o preenchimento

do pressuposto culpa da responsabilidade civil (em alguns casos, nem sequer seria

possível identificar uma conduta à qual imputar o facto danoso). Porém, tal solução

seria iníqua para o lesado e contrariaria os fundamentos da responsabilidade delitual,

motivo pelo qual se admite, neste caso, a responsabilização da pessoa coletiva a que

pertença o serviço em causa sem ser preciso proceder ao apuramento da culpa

individual (art. 7.º, n.ºs 3 e 4 do RRCEC), mediante averiguação da diligência

diretamente em relação ao serviço público no âmbito do qual se produziu o facto

lesivo/danoso: existirá, assim, «funcionamento anormal do serviço» quando este esteja

organizado ou tenha funcionado objetivamente com uma diligência inferior àquela que

era normativamente exigida (o art. 7.º, n.º 4 do RRCEC é ambíguo quando se refere aos

«padrões médios de resultado» e muito restrito, por parecer reduzir-se às omissões,

quando se refere a «uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos»). A noção

(188) Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., pp. 26-27.

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de funcionamento anormal do serviço é, pelo menos em parte, um sucedâneo da culpa;

sendo por isso que, tradicionalmente, se falava mesmo em culpa do serviço ( 189

).

Porém, devemos referir-nos ainda à prova da culpa e presunções de culpa. Tal

como dizem Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «A lei

não dispõe directamente sobre a prova da culpa, mas a regra geral infere-se da parte

inicial do art. 10.º, 2 RRCEC: sobre a culpa deve incidir uma demonstração, pelo que é

ao lesado que cabe o ónus de provar a culpa do autor da lesão. A lei administrativa geral

prevê duas presunções legais de culpa leve, que invertem o ónus da prova, quanto à

prática de actos imateriais ilícitos e em caso de violação de deveres de vigilância (art.

10.º, 2, 3 RRCEC)» (190

).

Na falta de presunções de culpa administrativa e na inexistência de normas que

determinem a aplicação à administração de presunções de culpa estabelecidas na lei

civil, estas têm que considerar-se inaplicáveis à responsabilidade administrativa, em

virtude da natureza do direito administrativo como direito comum da função

administrativa. Contudo, o art. 10.º, n.º 3 do RRCEC contém um elemento perturbador

desta conclusão, ao referir que a presunção de culpa leve em caso de violação de

deveres de vigilância decorre da «aplicação dos princípios gerais da responsabilidade

civil». Porém, o sentido desta norma parece não ser o de importar para a

responsabilidade civil administrativa todas as presunções de culpa do direito civil, quer

porque em tal caso não faria sentido a própria existência do art. 10.º, n.º 3 do RRCEC,

quer porque o modelo de presunção da culpa leve do RRCEC, sobreponível às situações

de responsabilização exclusiva das pessoas coletivas públicas, não parece compatível

com o sistema civil de presunções integrais de culpa. A falta de presunções legais de

culpa não afasta as chamadas presunções judiciais de culpa, resultantes da experiência

do julgador, relativamente a condutas ostensivamente ilegais da administração Em

sentido oposto ao defendido, a jurisprudência administrativa tem-se orientado

ultimamente no sentido da aplicação à administração das presunções de culpa

estabelecidas na lei civil, mas é de enaltecer que a questão não é pacífica. Todavia, no

sentido da aplicação das presunções de culpa do CC Português, entre outros, os Acs.

STA BMJ 492 (2000), 236; 2/2/2000, AD 473 (2001), 635; 10/2/2000, BMJ 494 (2000),

(189) De realçar que a teoria da culpa do serviço foi admitida pela primeira vez pela jurisprudência administrativa portuguesa a propósito da responsabilidade do Estado pelos danos provocados pela ruína de uma muralha na cidade Invicta, causada pela omissão

das necessárias obras de conservação, apesar de não ter sido possível apurar a identidade dos titulares de órgãos ou agentes

omitentes (Ac. STA, 28/11/1966, ADSTA 51 (1966), 321). (190) Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 28.

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150; 20/2/2002, AD 487 (2002), 1023; 25/3/2004, Processo n.º 01718/03; 3/11/2004,

Processo n.º 0811/03; 15/3/2005, Processo n.º 036/04; 16/5/2006, Processo n.º 0121/06.

Cabe-nos agora explicar as causas de exclusão da culpa. Assim como sucede

com a ilicitude, também um juízo de culpa formulado prima facie pode ser afastado em

circunstâncias particulares, acarretando, assim, a exclusão da responsabilidade delitual.

O RRCEC não regula em geral tal matéria, resultando, porém, o seu regime da CRP,

dos princípios gerais em matéria de responsabilidade civil e penal e dos princípios

fundamentais da atividade administrativa. De mencionar que as causas de exclusão da

culpa relevantes em matéria de responsabilidade administrativa delitual são duas: o erro

desculpável e o estado de necessidade desculpante.

Quanto ao erro desculpável, o erro trata-se de uma falsa representação da

realidade, podendo consistir, quer no desconhecimento, quer na suposição, de algo; é

desculpável, excluindo a culpa, quando não seja objeto de censura pela ordem jurídica.

Dois exemplos de situações em que a culpa é excluída por erro desculpável são:

condutas causadas por erro em que a administração tenha sido induzida por atuação

dolosa de um particular e, condutas adotadas em erro, não imputável ao titular do órgão

ou agente da administração, sobre os requisitos de uma causa de justificação da

ilicitude.

Quanto ao estado de necessidade desculpante, tal como explicitam Marcelo

REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «Há estado de necessidade

desculpante quando uma conduta da qual decorre o sacrifício de bens alheios, apesar de

não preencher os pressupostos ou requisitos de uma causa de justificação da ilicitude,

ocorre contudo em circunstâncias que excluem a culpa do agente. Exemplos de

situações em que a culpa é excluída em virtude de estado de necessidade desculpante:

condutas praticadas sob coacção moral exercida sobre um titular de órgão ou agente da

administração; a omissão de realização de uma intervenção cirúrgica num paciente em

risco de vida para que possa ser efectuada uma outra intervenção cirúrgica em outro

paciente na mesma situação» (191

).

Agora, cabe-nos explicar o pressuposto do dano, ou prejuízo, que pode ser

definido como a diminuição ou extinção de uma vantagem que é objeto de tutela

jurídica. É um pressuposto da responsabilidade civil administrativa (arts. 7.º, n.º 1, 8.º,

n.º 1 do RRCEC) que decorre da própria função do instituto da responsabilidade civil

em geral. A definição de dano para efeitos de responsabilidade civil administrativa

(191) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 29.

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abrange uma pluralidade de situações: danos emergentes e lucros cessantes; danos

presentes e danos futuros e danos patrimoniais e danos morais.

Quanto aos danos emergentes e lucros cessantes, enquanto que os danos

emergentes são aqueles que correspondem à privação de vantagens que já existiam na

esfera jurídica do lesado à altura da lesão; os lucros cessantes são aqueles que

correspondem à privação de vantagens que iriam formar-se na esfera jurídica do lesado

se não tivesse ocorrido a lesão (art. 564.º, n.º 1 do CC). Quanto aos danos presentes e

danos futuros (art. 3.º, n.º 3 do RRCEC), sendo que danos presentes são aqueles que já

ocorreram no momento da fixação da indemnização; e danos futuros são aqueles que

ainda não ocorreram no momento da fixação da indemnização (art. 564.º, n.º 2 do CC).

Por último, quanto aos danos patrimoniais e danos morais (art. 3.º, n.º 3 do RRCEC;

também art. 85.º, n.º 6 do EDFAAP), os danos dizem-se patrimoniais quando

suscetíveis de avaliação pecuniária/monetária e, dizem-se morais (ou não patrimoniais:

art. 3.º, n.º 3 do RRCEC) quando insuscetíveis de tal avaliação de cariz pecuniário. O

art. 3.º, n.º 3 do RRCEC remete a matéria para os «termos gerais de direito», pelo que

parece dever aplicar-se o art. 496.º, n.º 1 do CC, artigo este que restringe a

indemnizabilidade dos danos morais aos casos que, pela sua gravidade, mereçam a

tutela do direito; isto pouco acrescenta ao critério de delimitação dos danos ressarcíveis,

acabando a decisão sobre a ressarcibilidade ou não dos danos por ser relegada para uma

ponderação a efetuar no caso concreto em causa. Questão relativa aos danos não

patrimoniais que se encontra rodeada de grande controvérsia é a de saber se o dano

consistente na morte é indemnizável à própria vítima (transmitindo-se necessária e

imediatamente por via sucessória); mas só à custa de concetualismo extremo pode tal

hipótese ter admissibilidade.

Ora, na jurisprudência administrativa, o STA considerou que as meras angústia e

incerteza causadas por uma conduta administrativa não são danos suficientemente

graves para merecerem tutela em sede de responsabilidade civil (Ac. STA 31/5/2005,

Processo n.º 0127/03), mas aceitou a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais

consistentes no «desgosto, nervosismo, angústia e depressão» sofridos pelo lesado em

consequência da conduta administrativa (Ac. STA 24/10/2006, processo n.º 0539/06).

Cabe-nos agora explicar o pressuposto do nexo de causalidade. De referir que

para que haja responsabilidade civil é preciso que o dano possa ser objetivamente

imputado ao facto voluntário; o último requisito da responsabilidade civil delitual é um

nexo de causalidade entre o facto voluntário e o dano, estando tal exigência implícita

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nos arts. 7.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1 do RRCEC, quando se referem aos prejuízos que resultem

de atos ilícitos e culposos. A terminologia legal parece apontar para um conceito

ontológico de causalidade: em termos ontológicos, um facto é causa de um evento se o

evento, sem o facto, não tivesse ocorrido. Este conceito de causa como conditio sine qua

non é a base das teorias normativas da causalidade, mas por si só é imprestável, pois

dela resulta um número de causas potencialmente infinito para cada resultado.

Há, pois, atualmente três teorias do nexo de causalidade com expressão a nível

doutrinal, sendo que todas elas conduzem a resultados praticamente semelhantes na

grande maioria dos casos: a teoria da causalidade adequada, a teoria da esfera de

proteção da norma e a teoria da conexão do risco.

Assim sendo, passaremos agora a explicar em que consiste cada uma destas

teorias.

Nos termos de Marcelo REBELO DE SOUSA e de André SALGADO DE

MATOS: «Para a teoria da causalidade adequada um dano é imputado a um facto

voluntário quando, perante a prática deste, fosse previsível, em condições de

normalidade social, a produção do primeiro; em caso de omissão, existe nexo de

causalidade quando tenha sido omitida a acção que, em condições de normalidade

social, teria previsivelmente permitido impedir a produção do dano. A avaliação desta

previsibilidade, que não dispensa a noção de causalidade ontológica, é efectuada

mediante um juízo virtual de prognose formulado após a ocorrência do facto voluntário

e do resultado (prognose póstuma); e deve atender aos conhecimentos específicos do

agente que lhe permitam dominar processos causais à partida anormais. É esta a teoria

da causalidade actualmente dominante no direito português da responsabilidade civil

(quer privada, quer administrativa) e penal, estando implicitamente consagrada no art.

563.º CC e no art. 10.º, 1 CP» (192

).

Relativamente à teoria da esfera de proteção da norma (ou, mais precisamente,

do fim de proteção do mandado de cuidado), há nexo de causalidade sempre que o dano

ontologicamente causado por um facto voluntário (ação ou omissão) incida sobre as

vantagens conferidas pela norma que consagra um direito subjetivo ou pela norma de

proteção. Tal conceção resulta de críticas à teoria da causalidade adequada, com base no

argumento de que esta, por envolver considerações de teor subjetivo acerca da conduta

do agente (nomeadamente, quando incide sobre os seus conhecimentos subjetivos que

(192) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 31.

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lhe permitem dominar processos causais anormais), ultrapassa a matéria da imputação

objetiva.

Ora, e por fim, para a teoria da conexão do risco, estamos perante imputação

objetiva quando exista a criação ou o aumento (em caso de ação), assim como a não

eliminação ou a não diminuição (em caso de omissão) de um risco proibido, e esse risco

se concretize num resultado danoso; para tal conceção, a teoria da esfera de proteção da

norma serve como limite negativo da imputação objetiva. Como sugerem Marcelo

REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «A teoria da conexão do risco

foi concebida pelo penalista alemão C. Roxin, sendo actualmente maioritária na

doutrina jurídico- penal alemã e constituindo um aperfeiçoamento da teoria da esfera de

protecção da norma, sobretudo quanto às omissões e aos factos voluntários danosos dos

quais resulte a diminuição (e não a criação ou o aumento) de riscos não permitidos;

trata-se, porventura, da construção mais aperfeiçoada da teoria da causalidade jurídica»

(193

).

Destarte, ainda quanto ao nexo de causalidade convém agora fazer alusão à

causa virtual e comportamento lícito alternativo. Assim sendo, começaremos por

afirmar que a base ontológica da noção normativa de causalidade implica que esta se

refira a factos reais. E o que sucede nas situações em que, a não ter ocorrido a causa

real, o dano produzido se tivesse verificado na mesma por efeito de uma causa diversa,

consistente num comportamento de outrem? E o que sucede nos casos em que, a não ter

ocorrido a causa real, o dano produzido se tivesse verificado na mesma por efeito de um

comportamento conforme ao dever violado por parte do autor do facto que o causou

efetivamente? O primeiro problema faz remissão para a teoria da causa virtual e o

segundo problema remete para a teoria do comportamento lícito alternativo.

No que concerne à causa virtual, tal como dizem Marcelo REBELO DE SOUSA

e André SALGADO DE MATOS: «a doutrina é unânime no sentido de o autor da causa

virtual não poder ser responsabilizado pelo dano ocorrido, na medida em que este se

deveu realmente a uma causa diversa; solução contrária seria mesmo inconstitucional,

por implicar uma intromissão não justificada no património do autor da causa virtual

(assim, vigora a regra da irrelevância positiva da causa virtual). É também

praticamente unânime que a existência de uma causa virtual não pode servir para eximir

o autor da causa real da responsabilidade que lhe cabe pelo dano que efectivamente

(193) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., pp. 31- 32.

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provocou; caso contrário, inexistiria em princípio qualquer responsabilidade pelos

danos provocados pelo facto ilícito e culposo em causa, com violação dos fundamentos

constitucionais das pretensões reintegratórias dos particulares e dos eventuais direitos

subjectivos e mesmo jusfundamentais do lesado (assim, vigora a regra da irrelevância

negativa da causa virtual). Por vezes, e a título excepcional, a lei civil dá

expressamente relevância negativa à causa virtual (arts. 491.º, 492.º, 493.º, 1, 616.º, 2

CC)» (194

).

Ao contrário do que acontece com a causa virtual, o comportamento lícito

alternativo é genericamente importante, pois violaria o princípio da proporcionalidade a

imposição ao lesante do dever de indemnizar um dano que, em qualquer situação, se

produziria através de uma ação lícita; é, porém, de exigir, uma demonstração absoluta

de que o comportamento lícito alternativo não permitiria evitar o dano

(uma vez que, no caso de a evitação do dano ser uma mera hipótese, terá havido uma

criação ou aumento do risco proibido que justifica a imputação objetiva, à luz da teoria

da conexão do risco). Algumas das situações previstas na lei civilística a respeito da

relevância negativa da causa virtual podem abarcar comportamentos lícitos alternativos

(por ex., nos arts. 491.º, 492.º, 493.º, 1 do CC português). Tal como nos demarcam

Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «Os tribunais

administrativos consideram não existir nexo de causalidade entre actos administrativos

materialmente válidos, mas padecendo apenas de vício de forma ou de violação de lei

por falta ou vício de fundamentação, e os danos eventualmente verificados: nestes

casos, os danos ter-se-iam produzido na mesma se os actos administrativos em causa

tivessem sido praticados sem o vício que os inquinava (assim, quanto a actos

administrativos ilegais por falta de audiência dos interessados, Ac. STA 25/1/2005,

Proc. 01116/04; quanto a actos administrativos ilegais por falta de fundamentação,

embora com uma formulação algo elíptica, Acs. STA 9/2/2006, Proc. 0294/05,

13/2/2003, Proc. 01961/02); trata-se de uma aplicação, embora sem invocação expressa,

da teoria do comportamento lícito alternativo» (195

).

Esta doutrina não põe de parte, a existência de nexo de causalidade quando o

vício não substancial em causa «tiver inquestionavelmente determinado o conteúdo

substancial e resolutório do acto ilegal» (Ac. 13/2/2003, Processo n.º 01961/02).

(194) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 32. (195) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 33.

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104

Porém, compete-nos agora referirmo-nos à culpa do lesado como causa de

exclusão ou modificação da responsabilidade administrativa delitual. Repetindo

Marcelo REBELO DE SOUSA e de André SALGADO DE MATOS: «A

responsabilidade civil é um desvio à regra geral de imputação de prejuízos à esfera

jurídica em que eles ocorrem» (196

); tal regra pode, contudo, ser reposta se os prejuízos

forem imputáveis à falta da diligência devida pelo próprio lesado, já que a este incumbe

um ónus de proteção diligente da sua esfera jurídica. Desta forma, a culpa do lesado

pode excluir a responsabilidade do lesante ou implicar a distribuição proporcional da

responsabilidade pelas esferas patrimoniais do lesante e do lesado. Ora, a culpa do

lesado está prevista em geral no art. 4.º do RRCEC: quando o comportamento culposo

do lesado tenha concorrido para a produção ou o agravamento dos danos causados, a

indemnização pode ser totalmente concedida, reduzida ou excluída, consoante a

gravidade das culpas de ambas as partes e as consequências que delas tenham resultado

(art. 4.º do RRCEC). Contudo, a culpa do lesado não exclui em abstrato a efetivação da

responsabilidade civil; o juízo sobre a subsistência, e em que termos, do direito à

indemnização será efetuado em concreto pelo tribunal na ação de indemnização que for

interposta. A responsabilidade do lesante é excluída de forma automática sempre que

resultasse da presunção da sua culpa (art. 570.º, n.º 2 do CC, disposição que deve

considerar-se abrangida pela remissão do art. 10.º, n.º 3 do RRCEC para os princípios

gerais da responsabilidade civil quanto às presunções de culpa administrativa

especificamente consagradas). A diligência do lesado é aferida nos mesmos termos que

é aferida a do lesante.

Como admitem Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE

MATOS: «Caso paradigmático de culpa do lesado, durante muito tempo o único

expressamente previsto na lei e hoje objecto de individualização no art. 4.º RRCEC é o

de o lesado não ter utilizado a via processual adequada à eliminação de um acto jurídico

lesivo, assim concorrendo para a produção ou o agravamento dos danos causados.

Contudo, esta referência é passível de generalização a todas as situações em que o

lesado não tenha utilizado o meio processual adequado para reagir contra qualquer

acção ou omissão administrativa da qual possam resultar danos para a sua esfera

jurídica» (197

). Deste modo, tem-se considerado que o não requerimento da suspensão

(196) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 33. (197) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 34.

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105

de eficácia de atos administrativos pode originar a culpa do lesado; discutivelmente, o

Ac. STA 18/3/1993 (Processo n.º 030914) foi ao ponto de aplicar esta doutrina aos atos

nulos e inexistentes.

Alguns exemplos de determinadas situações em que a responsabilidade civil

administrativa é excluída ou reduzida em virtude de culpa do lesado são: um automóvel

conduzido por um funcionário público ao abrigo do poder de direção do superior

hierárquico atropela um peão, mas este estava a atravessar a rua no sinal vermelho; um

agente da polícia dispara ilegalmente sobre uma pessoa, mas as lesões corporais sofridas

agravam-se em consequência da recusa do lesado em submeter-se a tratamento médico;

uma licença de exercício de determinada atividade económica é ilegalmente revogada,

implicando o incumprimento de contratos celebrados pelo seu titular, mas tal não teria

acontecido caso este tivesse impugnado o ato revogatório e pedido a suspensão

jurisdicional da sua eficácia.

Cabe-nos, agora, fazer referência aos sujeitos do dever de indemnizar na

responsabilidade administrativa delitual. A responsabilidade delitual não impende só

sobre as pessoas coletivas administrativas, mas também sobre os seus titulares de órgãos

ou agentes que, do ponto de vista ontológico, praticaram o facto voluntário ilícito,

culposo e danoso. A articulação das responsabilidades de cada um está sujeita a certas

regras. Passemos a referir a independência parcial entre a responsabilidade das pessoas

coletivas administrativas e a responsabilidade dos titulares de órgãos ou agentes. Tal

como nos expõem Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS:

«As pessoas colectivas administrativas respondem pelos prejuízos resultantes de actos

ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes (arts. 7.º, 1, 8.º, 1, 2 RRCEC)» (198

). Os

titulares de órgãos e agentes administrativos respondem pelos prejuízos resultantes de

actos ilícitos praticados com dolo ou negligência grave (art. 8.º, 1 RRCEC), resultando

daqui a irresponsabilidade dos titulares de órgãos ou agentes pelos seus atos praticados

com negligência leve (solução tradicional no direito português mas muito discutível e

mesmo de duvidosa constitucionalidade, à luz do art. 22.º da nossa Lei Fundamental;

recusando a inconstitucionalidade temos o Ac. do STA de 28/9/2006, Proc. 0855/04).

Isto é, a responsabilidade das pessoas coletivas administrativas pressupõe a prática de

(198) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 35.

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um ato ilícito e culposo por um titular de órgão ou agente, mas não pressupõe a sua

responsabilidade, podendo existir responsabilidade das primeiras e não dos segundos.

Passemos agora a explicitar a solidariedade entre as pessoas coletivas

administrativas e os titulares de órgãos ou agentes. Assim, tal como realçam Marcelo

REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «A responsabilidade das

pessoas colectivas administrativas e dos seus titulares de órgãos e agentes é solidária

(art. 22.º CRP), o que significa que o lesado pode exigir individualmente de cada um

dos responsáveis, ou simultaneamente a todos eles, a satisfação da totalidade da

indemnização (art. 512.º do CC). Naturalmente que a solidariedade pressupõe a

responsabilidade do titular de órgão ou agente; por isso, este regime só se aplica nos

casos de dolo ou negligência grave (art. 8.º, n.º 2 RRCEC, que suscita dúvidas de

conformidade constitucional, mas em todo o caso progride em relação ao chocante

regime anterior, que restringia a solidariedade à responsabilidade emergente de actos

dolosos)» (199

).

Contudo, há que fazer alusão à figura do dever de regresso. Em regra, quando

satisfaça uma indemnização com fundamento em responsabilidade delitual, a pessoa

coletiva administrativa deve, por sua vez, exigir ao titular de órgão ou agente que

ontologicamente cometeu o facto que lhe pague o montante da indemnização suportada;

a isto chama-se o exercício do regresso (art. 8.º, n.º 3 do RRCEC), sendo que a

possibilidade de regresso apenas não existe em três situações:

1. caso a negligência do titular do órgão ou agente tenha sido leve, dado que nesse

caso aquele será irresponsável (arts. 7.º, 8.º, n.ºs 1, 2 e 3 do RRCEC);

2. caso tenha havido funcionamento anormal do serviço, dado que nesse caso não

é possível apurar a identidade do autor do facto voluntário;

3. caso o autor do facto voluntário tenha atuado ao abrigo de ordens ou instruções

ilegais às quais devesse obediência e tenha exercido o seu direito de

representação (havendo depois lugar a regresso contra o superior hierárquico que

emitiu as ordens ou instruções).

Contudo, a existência do regresso como regra significa que a responsabilidade

delitual das pessoas coletivas administrativas se aproxima de uma garantia do

cumprimento do dever de indemnizar que, fundamentalmente, incumbe aos seus

titulares de órgãos e agentes; e visa garantir que não é toda a coletividade, através dos

(199) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 35.

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impostos que constituem a grande parte dos recursos financeiros do Estado, a suportar

os danos que só são imputáveis a alguns.

Tal como expressam Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE

MATOS: «O exercício do regresso é juridicamente vinculado, tratando-se por isso de

um verdadeiro dever jurídico (art. 6.º, 1 RRCEC, do que resulta a inadequação da

expressão tradicional «direito de regresso»); para que ele possa ser cumprido, a

secretaria do tribunal que tenha condenado a pessoa colectiva administrativa ao

pagamento de uma indemnização deve remeter a certidão da sentença transitada em

julgado aos órgãos competentes para promover as diligências necessárias para a sua

efectivação (art. 6.º, 2 RRCEC). Os órgãos aos quais incumbe a efectivação do regresso

são os detentores dos poderes de direcção, de superintendência ou de tutela sobre quem

praticou o facto danoso (art. 8.º, 3 RRCEC; havendo vários órgãos em tais

circunstâncias, a competência é deferida pela ordem indicada). A omissão daquelas

diligências é ilegal, pelo que os órgãos omitentes poderão, eles próprios, tornar-se

civilmente responsáveis pela sua não adopção perante a pessoa colectiva a que

pertençam. Quando uma pessoa colectiva administrativa seja condenada ao pagamento

de uma indemnização em virtude de presunção de culpa leve, a acção judicial

prossegue, após a condenação, entre aquela pessoa colectiva e o responsável individual,

para apuramento do grau de culpa e do eventual exercício do regresso (art. 8.º, 4

RRCEC, que, inexplicavelmente, contempla apenas a presunção de culpa do art. 10.º, 2

RRCEC)» (200

).

Nesta matéria, o RRCEC representou um avanço relativamente à situação

normativa transata, que permitiu a total inefetividade do mecanismo do regresso, com a

consequência prática de que os titulares de órgãos e agentes administrativos dispunham

de um seguro gratuito e ilimitado de responsabilidade civil, cujos custos eram

suportados pela totalidade dos contribuintes. Contudo, teria sido preferível ir mais além,

estabelecendo expressamente a responsabilidade solidária entre os titulares de órgãos e

agentes primariamente responsáveis e aqueles que omitam as providências necessárias a

efetivar o direito de regresso (solução que, todavia, já decorre do conjunto do regime

legal geral) assim como, do ponto de vista processual, impor ao MP a obrigação de, nas

ações de responsabilidade civil administrativa, suscitar a intervenção dos titulares de

(200) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., pp. 36 -37.

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órgãos e agentes que praticaram o delito, quando tal intervenção não seja solicitada

pelas partes.

Por fim, vamos agora fazer referência à solidariedade entre os titulares de órgãos

e agentes, em caso de pluralidade de responsáveis. Assim, se houver mais do que um

titular de órgão ou agente responsáveis, o art. 10.º, n.º 4 do RRCEC manda atender ao

disposto no art. 497.º, n.º 1 do CC, que, por sua vez, determina a solidariedade entre os

vários responsáveis (art. 497.º, n.º 1 do CC), estabelecendo ainda que o direito de

regresso entre todos eles existe na medida das suas culpas e das consequências que delas

advieram, presumindo-se serem tais culpas iguais (art. 497.º, n.º 2 do CC). Estando esta

situação regulada no CC, não é aplicável o disposto no art. 6.º do RRCEC (seria, aliás,

despropositado que a lei impusesse a obrigatoriedade do exercício do regresso em

relações interprivadas).

4. A responsabilidade civil extracontratual pelo risco

Contrariamente ao que sucede no direito privado (art. 483.º, n.º 2 do CC), a

responsabilidade administrativa pelo risco não possui caráter excecional, definindo-se

através de uma cláusula geral: as pessoas coletivas administrativas respondem pelos

danos causados por atividades, coisas ou serviços administrativos especialmente

perigosos (art. 11.º, n.º 1 do RRCEC).

Não há conluio na doutrina acerca do exato fundamento da imputação pelo risco:

nos dizeres de Marcelo REBELO DE SOUSA e de André SALGADO DE MATOS:

«para a teoria da criação do risco, a responsabilidade funda-se na exigência de que

quem cria um risco responda pelas suas consequências; para a teoria do risco-proveito, a

responsabilidade funda-se na exigência de que quem tira proveito de uma actividade

responda pelos riscos por ela criados; para a teoria do risco de autoridade, a

responsabilidade funda-se na exigência de que quem tem sob o seu controlo uma coisa

ou uma actividade responda pelos riscos que elas envolvem. A formulação do art. 11.º,

1 RRCEC parece pressupor a teoria do risco de autoridade; mas ao regime legal estão

também subjacentes, ainda que de forma negativa, as teorias da criação do risco e do

risco-proveito: a primeira, porque a responsabilidade pelo risco é excluída ou

modificada se houver culpa do lesado ou de terceiro, ou seja, se existirem outras fontes

de risco; a segunda, porque a responsabilidade pelo risco é apenas das pessoas

colectivas administrativas e não dos seus titulares de órgãos ou agentes, uma vez que o

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risco é criado em benefício exclusivo do interesse público prosseguido pelas primeiras e

não dos interesses particulares dos segundos» (201

).

Cabe-nos agora explicar os pressupostos da responsabilidade administrativa pelo

risco.

Assim sendo, começaremos por explicar o primeiro pressuposto: o facto. Ao

contrário do que acontece na responsabilidade delitual, não é todo e qualquer facto que

pode gerar responsabilidade pelo risco: é preciso que esse facto resulte de uma

atividade, do funcionamento de um serviço ou de uma coisa especialmente perigosos

(art. 11.º, n.º 1 do RRCEC). A noção de perigo especial exprime uma potencialidade de

lesão de bens que normalmente não se verifica na vida social; estão, nomeadamente

(mas não apenas), abrangidos pelo conceito aqueles perigos decorrentes de

circunstâncias especificamente atinentes à prossecução da atividade administrativa e

que, por isso, não se verificam correntemente em atividades desenvolvidas por

particulares ou em coisas que estejam na sua posse. A natureza especial do perigo não

deve ser averiguada abstratamente, mas tendo em consideração os concretos

funcionamento do serviço, coisa ou atividade que estejam em causa.

Como chamam à atenção Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO

DE MATOS: «Anteriormente ao RRCEC, a lei exigia um perigo não apenas especial

mas excepcional, entendido como uma potencialidade de lesão de bens absolutamente

exorbitante da normalidade social. Na prática, isto reduzia a responsabilidade

administrativa pelo risco a uma expressão insignificante. Os exemplos clássicos de

serviços administrativos, actividades e coisas excepcionalmente perigosos eram

extremos: operações policiais que envolvam armas de fogo ou coacção física sobre as

pessoas; transfusões de sangue realizadas em hospitais públicos após a existência de

meios de diagnóstico do vírus HIV/SIDA (Ac. STA de 1/3/2005, Proc. 01610/03);

manobras militares; depósitos de armas, substâncias inflamáveis, explosivas ou

radioactivas; centrais de produção e as redes de distribuição de energia eléctrica ou gás;

centrais nucleares. O conceito de serviços administrativos, actividades ou coisas

especialmente perigosos abrange, por maioria de razão, as situações anteriormente

referidas, mas também, por exemplo, a realização de obras na via pública, a condução

de veículos prioritários (ambulâncias, veículos policiais) a velocidades normalmente

não permitidas e, eventualmente, o bloqueamento e o reboque de viaturas. Pelo

contrário, parece não dever considerar-se como tendo carácter especialmente perigoso a

(201) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 38.

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detenção ou condução, em circunstâncias normais, de automóveis, aeronaves ou navios,

que no direito privado origina situações expressamente previstas como sendo de

responsabilidade pelo risco (arts. 503.º e 506.º, CC; art. 4.º Decreto-Lei n.º 202/98, de

10 de Julho).

Para além do art. 11.º RRCEC, existem ainda previsões específicas de

responsabilidade do risco, com regimes especiais, formuladas em termos tão amplos que

abrangem a administração pública no exercício de gestão pública: é o caso da

responsabilidade do produtor pelos danos causados pelos defeitos dos produtos que põe

em circulação (Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º

131/2001, de 24 de Abril)» (202

).

Passaremos agora a explicar o pressuposto do dano. Para efeitos de

responsabilidade pelo risco, o dano não apresenta qualquer especificidade relativamente

à responsabilidade delitual. Aqui, não existe qualquer limite qualitativo à

ressarcibilidade dos danos; contrariamente ao que se passa em algumas situações de

responsabilidade pelo risco no direito privado (por exemplo, art. 508.º, n.º 1 do CC), a

ressarcibilidade dos danos também não tem qualquer limite quantitativo.

Por último, retrataremos o pressuposto do nexo de causalidade (implícito na

expressão «danos decorrentes de», no art. 11.º, n.º 1 do RRCEC). Ora, também o nexo

de causalidade na responsabilidade pelo risco não difere substancialmente da

responsabilidade delitual, mostrando-se aqui especialmente apropriada a teoria da esfera

de proteção da norma.

No entanto, há que fazer alusão às causas de exclusão ou modificação da

responsabilidade administrativa pelo risco. A responsabilidade administrativa pelo risco

pode ser excluída ou modificada em três situações: o caso fortuito ou de força maior, a

culpa do lesado (ambos no art. 11.º, n.º 1, última parte do RRCEC) e a responsabilidade

de terceiro (art. 11.º, n.º 2 do RRCEC). Estas causas são cumuláveis entre si, devendo

apurar-se em que proporção cada uma delas, assim como o risco criado pela

administração, concorreu para o dano.

Quanto ao caso fortuito ou de força maior, tal como observam Marcelo

REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «Existe caso de força maior,

excludente da responsabilidade pelo risco, quando a criação ou o aumento do risco que

conduziu ao dano tenha sido provocado por uma circunstância inevitável (por exemplo,

uma catástrofe natural, uma guerra); apesar de a lei não se lhe referir expressamente,

(202) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 39.

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parece que também exclui a responsabilidade pelo risco o chamado caso fortuito,

consistente em circunstâncias imprevisíveis, ainda que, a terem sido previstas, fossem

evitáveis (por exemplo, um comportamento humano não gerador de responsabilidade

civil)» (203

). Muito embora a lei não o expresse, deve entender-se que, para que o caso

fortuito ou de força maior exclua a responsabilidade pelo risco, repondo-se a regra geral

segundo a qual cada esfera jurídica suporta os danos que nela se produzam, é preciso

que aquele seja estranho ao funcionamento do serviço; isto é, o risco de um caso

fortuito ou de força maior pode, consoante as circunstâncias, excluir ou reduzir a

responsabilidade da administração (art. 11.º, n.º 1 do RRCEC); no último caso, haverá

que apurar em que proporção o risco criado e o caso fortuito ou de força maior

concorreram para a produção do dano sofrido pelo (s) lesado (s).

Quanto à culpa do lesado, esta afere-se nos mesmos termos que na

responsabilidade delitual, podendo, consoante as circunstâncias, excluir ou reduzir a

responsabilidade da administração (art. 11.º, n.º 1 do RRCEC); no último caso, haverá

que apurar em que proporção o risco criado e a culpa do lesado concorreram para a

produção do dano/da lesão.

Quanto à responsabilidade de terceiro, esta depende da verificação, quanto a

outrem, dos requisitos da responsabilidade civil; ao falar em «facto culposo de terceiro»,

a lei parece apontar só para a responsabilidade delitual daquele, mas pode também

tratar-se de responsabilidade pelo risco (embora não pelo mesmo risco). Tal como

dizem Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «O terceiro

responsável pode ser uma pessoa colectiva administrativa ou um particular, o que

determina a aplicação do correspondente regime de responsabilidade civil; não pode,

logicamente, ser um titular de órgão ou agente da pessoa colectiva responsável pelo

risco, no exercício das suas funções e por causa delas (pois, nesse caso, estar-se-ia

perante responsabilidade administrativa delitual). A responsabilidade de terceiro pode

excluir ou reduzir a responsabilidade da administração, devendo, no último caso,

apurar-se em que proporção o risco criado e o facto de terceiro concorreram para a

produção do dano (embora apenas a possibilidade de redução esteja implícita no art.

11.º, 2 RRCEC). Quando a responsabilidade pelo risco coexista com a responsabilidade

de terceiro, a administração responde solidariamente com o terceiro, sem prejuízo do

exercício do regresso; trata-se de uma solução altamente discutível, na medida em que

(203) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 40.

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nada justifica que o erário público funcione como garante da responsabilidade de

pessoas que não são titulares de órgãos ou agentes públicos» (204

).

5. A responsabilidade extracontratual por facto lícito

Começaremos por expor o fundamento da responsabilidade civil administrativa

por facto lícito. Assim, nas palavras de Marcelo REBELO DE SOUSA e de André

SALGADO DE MATOS: «Por vezes, a lei permite que, no exercício da função

administrativa e em benefício do interesse público, a administração sacrifique posições

jurídicas subjectivas dos particulares. Em alguns destes casos, a lei determina que a

administração seja responsável pelos danos provocados, independentemente de qualquer

ilicitude ou risco especial; trata-se, portanto, de uma responsabilidade por facto lícito»

(205

). A responsabilidade civil por facto lícito decorre do princípio da justa distribuição

dos encargos públicos: segundo tal princípio, os prejuízos resultantes do exercício de

uma atividade que visa a prossecução do interesse coletivo devem ser suportados pela

coletividade que dela beneficia e não de forma exclusiva pelo lesado; como acentuam

Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «pelo dispêndio de

recursos públicos na reparação de prejuízos causados, os titulares dos órgãos

administrativos respondem, por sua vez, perante a colectividade pagadora de impostos.

O princípio da justa distribuição dos encargos públicos fundamenta-se, por sua vez, no

princípio do Estado de direito (art. 2.º CRP) e no princípio da igualdade (art. 13.º CRP)»

(206

).

Agora explicaremos as modalidades da responsabilidade civil administrativa por

facto lícito. Neste sentido, como acentuam Marcelo REBELO DE SOUSA e André

SALGADO DE MATOS: «Existem duas modalidades de responsabilidade civil por

facto lícito: a responsabilidade pelo sacrifício de bens pessoais e por danos causados em

estado de necessidade (art. 16.º RRCEC) e a responsabilidade civil pela legítima não

reconstituição da situação actual hipotética (arts. 45.º, 49.º, 102.º, 5, 166.º e 178.º do

CPTA)» (207

).

Repetindo Marcelo REBELO DE SOUSA e de André SALGADO DE MATOS:

«A disciplina legal da matéria da responsabilidade por facto lícito no art. 16.º do

RRCEC é bastante infeliz. Provavelmente, partindo da verificação de que as pretensões

(204) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., pp. 40- 41.

(205) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 41.

(206) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 41. (207) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 42.

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113

indemnizatórias pelo sacrifício de direitos patrimoniais privados são fundamentalmente

alheias à responsabilidade civil, o legislador quis afastar-se dos quadros conceptuais

deste instituto (daí o ter-se referido a «indemnização» e não a «responsabilidade»).

Contudo, esqueceu-se de que o dever de indemnizar por factos lícitos pode também

decorrer do sacrifício de direitos de carácter pessoal e, ao regular unitariamente o dever

de «indemnização pelo sacrifício», visou sujeitar as pretensões indemnizatórias pelo

sacrifício de direitos patrimoniais privados à ocorrência de um dano especial e anormal

e, afinal, submeter aquelas pretensões ao modelo de reintegração sucessiva da

responsabilidade civil, em ambos os casos com violação do art. 62.º, 2 CRP. Esta

circunstância deve levar a uma interpretação restritiva conforme com a Constituição do

art. 16.º RRCEC, dele se excluindo as pretensões indemnizatórias pelo sacrifício de

direitos patrimoniais privados; o que resta para a disposição em causa é, assim, apesar

da sua epígrafe, exclusivamente matéria de responsabilidade civil por facto lícito. Por

outro lado, o art. 16.º RRCEC eliminou o regime específico anteriormente existente

para a responsabilidade por actos praticados em estado de necessidade, que, assim,

numa solução de conformidade constitucional duvidosa e não passível de superação

através de interpretação constitucionalmente conforme (uma vez que esta pretensão

reintegratória não pode, por definição, reconduzir-se ao modelo de indemnização

concomitante das pretensões indemnizatórias pelo sacrifício de direitos patrimoniais

privados), passa a ficar dependente do carácter especial e anormal do encargo ou dano»

(208

).

Passaremos agora a explicar a responsabilidade pelo sacrifício de bens pessoais.

O art. 16.º do RRCEC reporta-se à responsabilidade pelo sacrifício em termos

excessivamente amplos: por interpretação conforme com a Constituição, as pretensões

indemnizatórias pelo sacrifício de direitos patrimoniais privados devem ser excluídas do

seu âmbito e enquadradas em termos substancialmente diversos dos nele consagrados.

De salientar que o âmbito do art. 16.º do RRCEC fica reduzido à responsabilidade pelo

sacrifício de bens pessoais (designadamente a vida, a integridade física, a saúde e a

qualidade de vida, bem como os direitos de personalidade referidos no art. 26.º, n.º 1

CRP) e por danos causados em estado de necessidade.

Iremos agora mencionar e explicar os pressupostos da responsabilidade civil

pelo sacrifício de bens pessoais: facto voluntário, licitude, dano e nexo de causalidade.

(208) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 42.

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Começaremos pelo facto voluntário, que pode ser um ato administrativo ou um

ato material; a exclusão dos regulamentos do conceito de ato voluntário prende-se com

a sua impossibilidade natural para produzir danos ressarcíveis no âmbito deste tipo de

responsabilidade civil, em virtude do caráter necessariamente especial do dano.

Porém, faremos agora referência à licitude. Desta forma, para haver

responsabilidade pelo sacrifício de bens pessoais, o facto voluntário tem que ser lícito.

O art. 16.º RRCEC não refere expressamente este pressuposto, mas ele infere-se

sistematicamente da conjugação com os preceitos concernentes à responsabilidade

delitual e à responsabilidade pelo risco. No caso de responsabilidade por danos

causados em estado de necessidade, a ilicitude da atuação administrativa tem que estar

justificada por estado de necessidade, abarcando todos os seus pressupostos,

designadamente a estrita necessidade da atuação administrativa para a obtenção do

objetivo visado (que inclui a exigência de que ela seja ditada pelo interesse público,

expressa no art. 16.º do RRCEC); caso não haja justificação da ilicitude, recai-se na

esfera da responsabilidade delitual.

Quanto ao dano, nem todos os danos são suscetíveis de ressarcimento no âmbito

desta modalidade de responsabilidade civil. Em primeiro lugar, tem que tratar-se em

regra de um dano/uma lesão em bens pessoais; só poderá tratar-se de um dano em bens

patrimoniais se tiver sido causado em estado de necessidade; salvo esta situação,

tratando-se de danos em bens patrimoniais, recai-se na pretensão indemnizatória pelo

sacrifício de direitos patrimoniais privados. Em segundo lugar, tem que se tratar de um

encargo ou dano especial e anormal (art. 16.º do RRCEC) sendo que é considerado

especial o encargo ou dano causado a pessoas individualmente identificáveis; é

considerado anormal o encargo ou dano que ultrapassa o risco normal da vida social.

Cabe-nos agora explicar o nexo de causalidade. A exigência de nexo de

causalidade entre o facto lícito e o encargo ou dano especial e anormal retira-se

implicitamente do art. 16.º do RRCEC pelas expressões: («imponham encargos ou

causem danos»). A averiguação do nexo de causalidade não apresenta especificidades

relativamente à responsabilidade delitual.

Por fim, retrataremos a figura da responsabilidade pelo não restabelecimento

legítimo de posições jurídicas subjetivas violadas. Como recordam Marcelo REBELO

DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS: «Em regra, os particulares lesados nas

suas posições jurídicas subjectivas por condutas administrativas têm direito à

eliminação daquelas condutas e a que seja reconstituída na sua esfera jurídica a situação

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que existiria se aquelas condutas não tivessem ocorrido. Por vezes, a lei admite que a

reconstituição não ocorra, por tal ser impossível ou manifestamente inconveniente, mas

impõe à administração – que, recorde-se, praticou a conduta ilegal – o dever de

indemnizar o lesado.

Esta indemnização é um sucedâneo de restabelecimento das posições jurídicas

subjectivas violadas (e, em particular, da reconstituição da situação actual hipotética) e

não visa, por isso, ressarcir o lesado de todos os danos provocados pela conduta ilegal

da administração. Em coerência com isto, os pressupostos da responsabilidade civil por

facto lícito são simplificados: para que haja lugar a esta modalidade de responsabilidade

civil é apenas necessário que se verifiquem os pressupostos das pretensões ao

restabelecimento de posições jurídicas subjectivas violadas e que se verifique uma

situação em que é legítima a sua não satisfação pela administração. A subsistência deste

regime, não previsto na legislação geral da responsabilidade civil, é assegurada pelo art.

2.º, 1 RRCEC» (209

). De mencionar ainda que, diferentes destas situações são aquelas

em que a administração responde pelo não restabelecimento ilegítimo de posições

jurídicas subjetivas violadas: nesta situação, as condutas administrativas são ilegais e,

por esse motivo, a responsabilidade civil a que dêem lugar é delitual e não por facto

lícito (210

).

(209) Cfr. Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 44.

(210) Relativamente à inexecução ilegal de sentenças dos tribunais administrativos, arts. 159.º, n.º 1, alínea a), 168.º, n.º 3 e 179.º, n.º 6 do CPTA.

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CAPÍTULO III

A responsabilidade do Estado por imposição de sacrifício: base legal, abrangência

e o Código das Expropriações no Direito do Urbanismo

1. A responsabilidade por imposição de sacrifício

O artigo 16.º do RRCEE tem por epígrafe «Indemnização pelo sacrifício» e

refere que: «O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizam os

particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem

danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se,

designadamente, ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse

violado ou sacrificado».

Pretendemos caraterizar a figura da indemnização pelo sacrifício, autonomizada

no artigo 16.º do RRCEE, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, e alterado

pontualmente pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho, dar uma definição do seu sentido e

alcance e situá-la no contexto global do «direito das prestações de ressarcimento e de

indemnização jurídico-públicas».

Nas palavras de João CAUPERS: «O último preceito da nova lei, o artigo 16.º,

estatui sobre um tema que é tradicionalmente incluído entre nós na temática da

responsabilidade.

Estão em causa daquelas situações em que o Estado ou outras entidades

públicas imponham a particulares encargos ou causem danos especiais e anormais no

interesse da colectividade – por razões de interesse público, na letra da lei» (211

).

José Joaquim GOMES CANOTILHO, na sua Dissertação do Curso

Complementar de Ciências Político-Económicas da Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra (1970/71), escreveu-a sobre um tema problemático. Publicada

em Janeiro de 1974, intitulada O problema da responsabilidade do Estado por actos

lícitos, aquela Dissertação, ainda nos dias de hoje, decorridos quase 40 (quarenta) anos,

constitui uma obra de referência acerca da matéria, onde o ilustre autor português

defende, de forma profunda e inovadora, o alargamento do fenómeno indemnizatório

estadual por atos jurídicos ou materiais da Administração aos atos legislativos e

jurisdicionais, criando-se, dessa forma, um «sistema totalizante das prestações

(211) Cfr. João CAUPERS, A Responsabilidade do Estado e outros Entes Públicos, Capítulo VIII, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2012, p. 15.

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reparatórias», e propõe uma «nova visualização do instituto da responsabilidade, onde a

responsabilidade objectiva obtenha a mesma dignidade da responsabilidade subjectiva».

Lendo bem JOHN MILTON: «a juventude mostra o Homem tal como a manhã

mostra o dia», sendo de referir que a mencionada obra do jovem jurista José Joaquim

GOMES CANOTILHO antecipou e mostrou a genialidade do Professor de Direito, do

Jus-Publicista, do Pensador e do ilustríssimo Homem de Cultura que atualmente

conhecemos e que muito tem contribuído para o estudo do Direito Público.

De referir que o RRCEE disciplina quatro tipos de responsabilidade do Estado

em sentido amplo, os quais têm origem em factos diferentes, assentam em diferentes

pressupostos e obedecem a regimes jurídicos diversos. Porém, quanto ao fundamento

jurídico-constitucional, este também não é o mesmo para todos eles.

Destarte, tal como afirmam GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA:

«poderemos falar de um “superconceito” de responsabilidade do Estado em sentido

amplo, englobador daqueles tipos de responsabilidade, ou, dizendo as coisas de outro

modo, de um instituto unitário de responsabilidade do Estado, não obstante as

importantes peculiaridades de cada um dos tipos que a integram» (212

), e nas palavras de

GOMES CANOTILHO, «e cujo escopo comum é a transferência do dano do sujeito

lesado para o autor do facto danoso» (213

).

Ora, os quatro tipos enunciados são os seguintes: a responsabilidade civil por

danos decorrentes do exercício da função administrativa, a qual se desdobra em

responsabilidade por facto ilícito e responsabilidade pelo risco; a responsabilidade civil

por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional; a responsabilidade civil por

danos decorrentes do exercício da função legislativa (214

). Embora a norma do artigo

(212) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra,

Coimbra Editora, 2007, p. 432.

(213) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, Coimbra, Almedina, 1974, p. 99.

Ainda nas palavras de GOMES CANOTILHO: «Conclui-se, assim, que qualquer discurso sobre a ressarcibilidade

reconduz-se ao quadro precedente, sendo mais ou menos indiferente a natureza pública ou privada do sujeito ao qual se imputa o evento danoso, podendo ainda ser indiferente, no plano dos conceitos gerais, a diversa e específica natureza do objecto da lesão. É

que, não se esgotando a responsabilidade no ilícito e desejando considerar-se no mesmo plano a responsabilidade por risco e por

actos lícitos danosos, parece não poder avançar-se para além da afirmação de que o escopo da responsabilidade é a transferência do dano do sujeito lesado para o agente lesante».

(214) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES

CANOTILHO, in «STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 211, nota 5: «É já vasta a doutrina que se tem

debruçado sobre a disciplina jurídica da responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício das funções administrativa,

jurisdicional e legislativa no novo RRCEE. Assim, J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Responsabilidade por Danos Decorrentes do Exercício da Função Administrativa na Nova Lei sobre Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades

Públicas, in «Revista de Legislação e de Jurisprudência (RLJ)», Ano 137.º, n.º 3951, pp. 360 e segs.; J. M. CARDOSO DA

COSTA, Sobre o Novo Regime da Responsabilidade do Estado por Actos da Função Judicial, in «RLJ», Ano 138.º, n.º 3954, pp. 156 e segs.; MARCELO REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa, Direito

Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, Dom Quixote, 2008; Fernando ALVES CORREIA, A indemnização pelo Sacrifício, in:

«Revista de Direito Público e Regulação», n.º 1, Maio, ed. Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (Cedipre), FDUC, 2009, p. 63-75; Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa, Direito

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16.º do RRCEE comporte a indemnização dos danos especiais e anormais que decorrem

de atos políticos (a nível exemplar, a proibição de acostagem em portos nacionais de

navios, nos casos em que não ocorra uma violação das normas concernentes a

transportes marítimos, o encerramento de uma embaixada ou de um consulado no

estrangeiro ou o não reconhecimento de uma situação de calamidade pública),

entendemos que a responsabilidade extracontratual do Estado por danos oriundos do

exercício da função política, fora dos casos cobertos pela indemnização pelo sacrifício,

está excluída do perímetro de aplicação daquele RRCEE, como resulta do seu art. 1.º,

n.º 1, que circunscreve o âmbito de aplicação do mesmo aos «danos resultantes do

exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa». Parece-nos, pelo

exposto, dever-se a um lapso do legislador a utilização, nas epígrafes do Capítulo IV e

do art. 15.º do RRCEE, da frase «função político-legislativa», porquanto aí é

disciplinada tão-só a responsabilidade civil do Estado e das regiões autónomas por

danos resultantes da função legislativa; e a indemnização pelo sacrifício, prevista no art.

16.º do RRCEE (porém, não ignoramos que tal posição segundo a qual a indemnização

pelo sacrifício é uma modalidade de responsabilidade civil do Estado e demais

entidades públicas não é aceite por todos). Desta forma, nas palavras de João

CAUPERS, este entende que aquela não configura uma situação de responsabilidade,

antes significa algo que está «mais perto de uma situação como a expropriação por

utilidade pública do que um caso de responsabilidade civil» (215

).

No que concerne ao fundamento constitucional das quatro categorias de

responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas já referidas, podemos falar

numa base constitucional comum a todas elas. Assim, é de mencionar que tal alicerce

constitucional comum é o princípio do Estado de direito democrático, princípio este

condensado nos artigos 2.º e 9.º, alínea b), da CRP, do qual deriva um direito geral dos

cidadãos à reparação dos danos provenientes de ações e omissões. De salientar que tem

sido esta a orientação do TC, expressa em vários arestos, de que são exemplo os

Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, Dom Quixote, 2008; L. CABRAL DE MONCADA, Responsabilidade Civil Extra-

contratual do Estado, A Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, Lisboa, Abreu & Marques Vinhas, 2008; Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra,

Coimbra Editora, 2008; A. MENEZES CORDEIRO, A Responsabilidade Civil do Estado, in: Homenagem ao Professor Doutor

Diogo Freitas do Amaral, Coimbra, Almedina, 2010, pp.883 e segs.; Diogo FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2011, pp. 671 e segs.; João CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo,

10.ª ed., Lisboa, Âncora, 2009, pp. 317 e segs.; Pedro MACHETE, A Responsabilidade da Administração por Facto Ilícito e as

Novas Regras de Repartição do Ónus da Prova, in: «Cadernos de Justiça Administrativa», n.º 69 (2008), pp. 30 e segs.; Carla AMADO GOMES, Três Textos sobre o Novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades

Públicas, Lisboa, AAFDL, 2008; e Maria José RANGEL DE MESQUITA, O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do

Estado e demais Entidades Públicas e o Direito da União Europeia, Coimbra, Almedina, 2009»., de Fernando ALVES CORREIA. (215) Cfr. João CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, cit., pp. 342-343.

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Acórdãos n.ºs 385/2005 e 444/2008 (216

). Como recorda Fernando ALVES CORREIA:

«Sublinha-se, neste último, que, no princípio estruturante do Estado de direito

democrático, consagrado no artigo 2.º da Lei Fundamental, colhe-se “um direito geral à

reparação dos danos, de que são expressão particular os direitos de indemnização

previstos nos artigos 22.º, 37.º, n.º4, 60.º, n.º 1, e 62.º, n.º 2, da Constituição […].

Constituindo missão do Estado de direito democrático a protecção dos cidadãos contra a

prepotência, o arbítrio e a injustiça, não poderá o legislador ordinário deixar de

assegurar o direito à reparação dos danos injustificados que alguém sofra em

consequência da conduta de outrem. A tutela jurídica dos bens e interesses dos cidadãos

reconhecidos pela ordem jurídica e que foram injustamente lesionados pela acção ou

omissão de outrem, necessariamente assegurada por um Estado de direito, exige, nestes

casos, a reparação dos danos sofridos, tendo o instituto da responsabilidade civil vindo a

desempenhar nessa tarefa um papel primordial» (217

).

Tal como nos refere Fernando ALVES CORREIA: «Mas se o princípio do

Estado de direito democrático nos fornece a base constitucional comum a todas as

apontadas espécies de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais

entidades públicas – um tal princípio é mesmo a credencial constitucional de todas as

modalidades de responsabilidade civil extracontratual e contratual do Estado e demais

entes públicos e dos particulares, sejam reguladas pelo direito público ou pelo direito

privado -, encontramos no texto constitucional regras e princípios específicos que

constituem o suporte das diferentes modalidades de responsabilidade civil

extracontratual do Estado e demais entidades públicas» (218

). Como alerta Fernando

ALVES CORREIA: «Assim, é no artigo 22.º da Constituição que, devido à sua

formulação ampla, se encontra o fundamento constitucional da responsabilidade civil

extracontratual por factos ilícitos e culposos praticados no exercício da função

administrativa, da função legislativa e da função jurisdicional – norma essa que deve ser

interpretada em conjugação com outros preceitos constitucionais atinentes à

responsabilidade civil dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes, como o artigo

271.º (responsabilidade civil dos funcionários e agentes do Estado e das demais

(216) Assim, o primeiro publicado no DR, II Série, de 18 de Outubro de 2005, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 62.º Vol.

(2005), pp. 1027 e segs., e o segundo no DR, II Série, de 28 de Outubro de 2008, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 73.º Vol. (2008), pp. 107 e segs.

(217) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, in:

«STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 212-213.

(218) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, in:

«STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 213.

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entidades públicas), o artigo 117.º, n.º 1 (responsabilidade civil dos titulares de cargos

políticos pelas acções ou omissões que pratiquem no exercício das suas funções), e o

artigo 216.º, n.º 2 (responsabilidade civil dos juízes)» (219

).

A indemnização pelo sacrifício, porque assente numa atividade pública lícita,

tem o seu fundamento no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos

públicos, que é uma expressão do princípio da igualdade, plasmado no art. 13.º, n.º 1, da

CRP, a pessoa ou pessoas que suportam, por razões de interesse público, encargos ou

danos especiais (singulares) e anormais (graves) que contribuiriam em maior medida do

que os demais cidadãos para o interesse público, no caso de não ressarcimento daqueles

danos ou encargos, pelo que haveria uma violação do princípio da igualdade dos

cidadãos perante os encargos públicos se os danos ou encargos por eles suportados não

fossem indemnizados. Assim sendo, em contrapartida, a indemnização pelo sacrifício,

porque assente numa atividade pública lícita, não tem o seu fundamento no art. 22.º da

Lei Fundamental Portuguesa. No sentido referido vai a recente jurisprudência do STA.

Deste modo, o Ac. de 17 de Dezembro de 2008, Processo n.º 348/08, afirmou que «o

princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o

fundamento axiológico da responsabilidade civil extracontratual por facto lícito», a qual

é, na atualidade, uma das dimensões da indemnização pelo sacrifício.

Destarte, importa salientar que os quatro tipos de responsabilidade civil

extracontratual do Estado e demais entidades públicas devem ser perspetivados como

concretização de um direito fundamental do cidadão à reparação dos danos – direito

fundamental este que não se trata de um direito ilimitado ou absoluto, estando antes

submetido a «um espaço, maior ou menor, de liberdade de conformação legal» (220

).

Revisitando Fernando ALVES CORREIA: «O carácter não absoluto ou ilimitado

daquele direito fundamental à reparação dos danos deriva do facto de se reconhecer ao

legislador um certo espaço de discricionaridade na densificação dos respectivos

pressupostos, de modo a evitar um alargamento excessivo das pretensões

indemnizatórias dos cidadãos perante o Estado e demais entidades públicas» (221

). Ora,

resulta, também, da possibilidade de o legislador, nos casos de intervenções ilegais dos

(219) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES CANOTILHO, in:

«STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 213. (220) Cfr. Acórdãos do TC n.ºs 45/99, 5/2005, 13/2005 e 683/2006, sendo que o primeiro está publicado no DR, II Série, de 26 de

Março de 1999, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42.º Vol (1999), p. 191 e segs., o segundo no DR, II Série, de 18 de

Abril de 2005, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 61.º Vol. (2005), p. 31 e segs., e o quarto em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 66.º Vol. (2006), pp. 687 e segs.

(221) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES CANOTILHO, in:

«STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 214.

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poderes públicos nos direitos dos cidadãos, articular a tutela primária dos cidadãos,

através de uma ação administrativa especial, ação esta destinada a eliminar os atos de

autoridade praticados de forma indevida e a condenar a Administração à prática de atos

da mesma natureza ilegalmente omitidos, com todas as consequências nos planos legal e

de facto – a qual, na grande maioria dos casos, será suficiente para assegurar a tutela

efetiva dos direitos dos particulares, isto é, permitirá colocá-los na situação em que se

encontrariam, caso não houvesse sido praticada qualquer ilegalidade -, com a tutela

secundária, a realizar através de uma ação administrativa comum, direcionada à

eliminação dos danos provocados aos direitos dos cidadãos pelas mencionadas

intervenções ilegais, quando a mesma não seja possível através dos meios de tutela

primária.

O cariz secundário da responsabilidade civil relativamente à tutela primária é

evidenciado no art. 4.º do RRCEE, nos seguintes termos: «Quando o comportamento

culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos

causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação

do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas

de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização

deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».

Cabe-nos, agora, fazer uma breve comparação com o regime transato. Assim, o

art. 16.º do RRCEE autonomizou a indemnização pelo sacrifício relativamente às

demais espécies de responsabilidade civil extracontratual, dissociando-a do tipo de

atividade pública exercida. Tal localização sistemática da indemnização pelo sacrifício,

uma localização ao lado e separada da responsabilidade decorrente da função

administrativa, da função jurisdicional e da função legislativa, tem relevantes

consequências quanto ao seu perímetro de aplicação. Contudo, já anteriormente, o

CPTA tinha autonomizado, na alínea g) do n.º 2 do art. 37.º, a «condenação ao

pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de

interesse público» como um dos propósitos que podem ser deduzidos através da ação

administrativa comum, ao lado da «responsabilidade civil das pessoas colectivas, bem

como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo acções de

regresso», prevista, também como um dos processos que seguem a forma de ação

administrativa comum, na alínea f) do n.º 2 do art. 37.º do CPTA.

De referir que o art. 16.º do RRCEE define os pressupostos da indemnização

pelo sacrifício. Assim:

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«O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizam os

particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem

danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se,

designadamente, ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse

violado ou sacrificado».

O art. 2.º do RRCEE, dá-nos a noção de danos ou encargos especiais e anormais

(222

).

Relativamente ao que estabelecia o DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967

– que continha o Regime da Responsabilidade da Administração Pública por Atos de

Gestão Pública, verificamos grandes diferenças em relação ao que estabelece o RRCEE,

que revogou e substituiu o DL n.º 48 051.

Em primeiro lugar, a expressão indemnização pelo sacrifício não era sequer

utilizada no DL n.º 48 051. Nas palavras de Fernando ALVES CORREIA: em segundo

lugar, «a indemnização dos encargos ou danos especiais e anormais era reportada pelo

Decreto-Lei 48 051 exclusivamente aos actos administrativos legais ou actos materiais

lícitos, praticados, no interesse geral, pelo Estado e demais pessoas colectivas públicas

(art. 9.º, n.º 1) e ao sacrifício especial, no todo ou em parte, de coisa ou direito de

terceiro, operado pelo Estado e demais pessoas colectivas públicas, em caso de

necessidade e por motivo de imperioso interesse público (art. 9.º, n.º 2). Tetrio, os casos

apontados de responsabilidade civil derivavam sempre de actos administrativos ou de

actos materiais imputados à Administração Pública» (223

). Em quarto lugar, coube à

doutrina e à jurisprudência definir o conceito de danos ou encargos especiais e

anormais, uma vez que o DL n.º 48 051 não definia tal conceito.

No entanto, no quadro do RRCEE, a indemnização pelo sacrifício trata-se de um

instituto gregador de todos os casos de indemnização de danos ou encargos especiais e

anormais, resultantes de atos de poder público lícitos, exercidos por razões de interesse

público. Esta abrange, inquestionavelmente, os casos de responsabilidade civil

extracontratual da Administração pública por atos lícitos (atos administrativos legais ou

atos materiais lícitos), previstos no art. 9.º, n.º 1 do (anterior) DL n.º 48 051, de 21 de

Novembro de 1967, tal como os casos impositivos de sacrifícios especiais de coisas ou

(222) Cfr., o disposto no art. 2.º do RRCEE: «Para os efeitos do disposto na presente lei, consideram-se especiais os danos que

incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas, e anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito».

(223) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES CANOTILHO, in:

«STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 216.

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direitos de terceiro, decorrentes de uma atuação da Administração, em estado de

necessidade e por motivo imperioso de interesse público condensados no art. 9.º, n.º 2,

do DL n.º 48 051.

Não existem dúvidas, desta forma, quanto ao cabimento, no âmbito da aplicação

da norma do art. 16.º do RRCEE, dos denominados casos de responsabilidade civil

extracontratual da Administração Pública por atos jurídicos (atos administrativos e

regulamentos) e atos materiais lícitos.

Como lembra Fernando ALVES CORREIA: «Estamos perante atos jurídicos ou

materiais praticados por órgãos da Administração Pública, por motivos de interesse

público, no respeito das leis e dos princípios jurídicos fundamentais regentes da

actividade administrativa, mas que, por produzirem encargos ou danos especiais

(singulares) e anormais (graves), devem ser acompanhados de indemnização» (224

).

Como enuncia GOMES CANOTILHO: «Dado que estamos perante uma

actividade administrativa lícita - licitude que advém não só do seu desenvolvimento de

acordo com a lei e o direito, mas, ainda, do facto de a ressarcibilidade dos danos estar

prevista na lei -, compreende-se que não sejam indemnizáveis todos e quaisquer danos

ou encargos, mas apenas os dotados de especialidade e gravidade, sob pena de

insolúveis problemas financeiros paralisadores da actividade do Estado e das demais

entidades públicas. Fala-se, a este propósito, de “elementos-travão” de uma total

socialização dos prejuízos» (225

).

Contudo, tal como o fazia o art. 9.º, n.º 1, do DL n.º 48 051, o art. 16.º do

RRCEE apenas considera como merecedores de indemnização os encargos ou danos

especiais e anormais. Assim, especiais são «os danos ou encargos que incidam sobre

uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas». Anormais são

aqueles que, «ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua

gravidade, a tutela do direito». Tal noção de «encargos ou danos especiais e anormais»,

de natureza patrimonial ou pessoal (v.g., vida, saúde e liberdade), constante do art. 2.º

do RRCEE, inspirou-se nitidamente na nossa doutrina nacional mais representativa. Nas

palavras de Fernando ALVES CORREIA: «A influência da doutrina e jurisprudência

alemãs é manifesta, dado que a apontada noção de “encargos ou danos especiais e

anormais” constitui uma síntese das duas grandes teorias jurisprudenciais e doutrinais

(224) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES CANOTILHO, in:

«STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 218. (225) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, cit., p. 221.

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respeitantes à demarcação entre a expropriação e a vinculação social da propriedade do

solo [a teoria do sacrifício especial (Sonderopfertheorie) e a teoria da gravidade

(Schweretheorie)], congregando elementos formais e materiais na definição daquele

conceito» (226

).

Quanto à sua caraterização, a caraterização da especialidade e da anormalidade

de um encargo ou dano, para efeitos da sua indemnização, deve ser feita tendo em conta

as circunstâncias do caso. De facto, ambos (especialidade e anormalidade) são

verdadeiros conceitos indeterminados, carecidos de preenchimento valorativo na

aplicação ao caso concreto. No entanto, por vezes, o legislador procede, ele mesmo, a

essa caraterização e impõe, em certas situações, a atribuição de uma indemnização. É o

que acontece com o dever de indemnização dos danos resultantes da alteração por

iniciativa da câmara municipal das condições da licença ou comunicação prévia de uma

operação de loteamento, desde que tal alteração se mostre necessária à execução de um

superveniente plano municipal ou especial de ordenamento do território.

Na verdade, o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE),

aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado, por último, pela Lei n.º

60/2007, de 4 de Setembro, pelo DL n.º 26/2010, de 30 de Março, e pela Lei n.º

28/2010, de 2 de Setembro, determina, no art. 48.º, n.º 1, que «as condições da licença

ou comunicação prévia de operação de loteamento podem ser alteradas por iniciativa da

câmara municipal desde que tal alteração se mostre necessária à execução de plano

municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território,

área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária ou área de

reabilitação urbana». Porém, logo adianta, no n.º 4 do art. 48.º, que «a pessoa colectiva

que aprovar os instrumentos referidos no n.º 1 que determinem directa ou

indirectamente os danos causados ao titular do alvará e demais interessados em virtude

do exercício da faculdade prevista no n.º 1 é responsável pelos mesmos nos termos

estabelecidos no DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, em matéria de

responsabilidade por actos lícitos» (227

).

Por fim, e é o que acontece com o art. 71.º do DL n.º 309/2009, de 23 de

Outubro (228

), nos termos do qual «os prejuízos decorrentes de servidões administrativas

(226) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1989, pp. 494-505.

(227) De referir, (agora, «indemnização pelo sacrifício»).

(228) Diploma que «estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda».

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ou de outras restrições resultantes da aplicação do presente decreto-lei são

indemnizáveis nos termos do artigo 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro».

Por fim, em suma, interessa realçar o conteúdo da indemnização pelo sacrifício.

Assim, no que respeita ao conteúdo da indemnização pelo sacrifício o mesmo é, no

fundamental, determinado pela razão de ser do próprio instituto: a rutura da igualdade

dos cidadãos perante os encargos públicos (229

).

2. A abrangência da responsabilidade por imposição de sacrifício e as

indemnizações compensatórias pelo sacrifício de atuações administrativas

lícitas ou em estado de necessidade

Debruçando-nos sobre o perímetro de aplicação da indemnização pelo sacrifício,

esta abrange, desde logo, os danos especiais e anormais decorrentes do exercício da

função administrativa, designadamente os derivados de atos administrativos lícitos e

ações praticadas em estado de necessidade administrativa (230

), a que se referiam os n.ºs

1 e 2 do art. 9.º do DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

Porém, a localização sistemática da indemnização pelo sacrifício no Capítulo V

do RRCEE, separada da responsabilidade associada às funções administrativa,

jurisdicional e legislativa, a não imputação da indemnização pelo sacrifício a nenhuma

específica função estadual, assim como o estabelecimento pelo art. 16.º do RRCEE

como requisito da indemnização pelo sacrifício de razões de interesse público, sem

qualquer outra especificação em relação à natureza da atividade desenvolvida,

conduzem à conclusão de que aquela não engloba somente os danos especiais e

(229) Cfr., para mais desenvolvimentos vd., Pedro MACHETE, Artigo 16.º - Indemnização pelo sacrifício, in: Rui MEDEIROS

(org.), Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2013, pp. 473-474 e segs.

(230) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES

CANOTILHO, in: «STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 220, nota 16: «O estado de necessidade administrativa

constitui um domínio especialmente importante de aplicação da indemnização pelo sacrifício. O estado de necessidade é definido

por José Manuel Sérvulo CORREIA como “a permissão normativa de actuação administrativa discrepante das regras estatuídas, como modo de contornar ou atenuar um perigo iminente e actual para um interesse público essencial, causado por circunstância

excepcional não provocada pelo agente, dependendo a juridicidade excepcional de tal conduta da observância de parâmetros de

proporcionalidade e brevidade e ficando a Administração incursa em responsabilidade pelo sacrifício”. Cfr. Revisitando o Estado de Necessidade, in: Em Homenagem ao Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 745 e 746. Por sua vez

o STA, no seu Acórdão da 1.ª Secção de 4 de Março de 2004, Proc. n.º 1353/03, definiu o estado de necessidade como “actuação

sob o domínio de um perigo iminente e actual para cuja produção não haja concorrido a vontade do agente. Diversamente do que sucedia com o DL n.º 48 051, o RRCEE não refere expressamente o dever de indemnização por

danos especiais causados a terceiros em estado de necessidade e por motivo de imperioso interesse público (cfr. o artigo 9.º, n.º 2, do

Decreto-Lei n.º 48 051). Segundo José. Manuel Sérvulo CORREIA, a ausência de uma tal referência expressa justifica-se por várias razões: em primeiro lugar, não é o RRCEE o local adequado para, em termos sistemáticos, habilitar em geral a Administração a

preterir, em estado de necessidade, os comandos legais normalmente aplicáveis; em segundo lugar, o estado de necessidade é apenas

um espaço, entre outros, de indemnização pelo sacrifício causado por acto lícito – licitude que, no caso de exercício de poderes de necessidade, tem como fonte um princípio geral de direito administrativo, positivado nos artigos 3.º, n.º 2, e 151.º, n.º 1, do Código

do Procedimento Administrativo (CPA). Cfr. ob. cit., p. 726. Sobre a abrangência dos danos causados em estado de necessidade

pela indemnização pelo sacrifício, condensada no artigo 16.º do RRCEE, cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, ob. cit., pp. 305-307»., de Fernando ALVES CORREIA.

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anormais que decorrem da função administrativa, incluindo, também, os danos especiais

e anormais que resultam do exercício das funções legislativa e política. Contudo, não se

pode falar em indemnização pelo sacrifício associada à função jurisdicional, uma vez

que a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes de erro judiciário,

regulada, em certos e limitados termos, no art. 13.º do RRCEE, é uma forma de

responsabilidade fundada não em licitude mas, em ilicitude, que resulta da prolação de

uma decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificada por

erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto.

Ora, a indemnização pelo sacrifício abrange, deste modo, também a

indemnização de danos especiais e anormais provocados por atos legislativos não

enquadrados na norma do art. 15.º do RRCEE, ou seja, por atos legislativos desprovidos

de qualquer dos vícios nela mencionados. Trata-se da posição sufragada pela

generalidade dos autores que se pronunciaram acerca desta problemática antes do atual

RRCEE (231

) ou que participaram nos debates científicos sobre a Proposta de Lei n.º

95/VIII, apresentada pelo XIV Governo Constitucional à Assembleia da República, que

esteve na génese do vigente RRCEE (232

), assim como por aqueles que já se debruçaram

sobre este novo diploma legal (233

).

Tal como sugere Fernando ALVES CORREIA: «De acordo com este

entendimento, no âmbito da indemnização pelo sacrifício cabe a indemnização dos

danos especiais e anormais decorrentes de actos legislativos conformes à Constituição,

ao direito internacional, ao direito comunitário ou a acto legislativo de valor reforçado

(como sucederá com uma lei que proíbe importações de certos produtos, por razões de

interesse público, designadamente por motivos de protecção de saúde pública, donde

resulta a ruptura de contratos já celebrados entre empresas nacionais e estrangeiras)»

(234

).

Muito embora não contestemos a bondade de tal interpretação, porém, é muito

esquisito que, tendo o legislador definido com especial rigor os pressupostos da

(231) Cfr., a título meramente exemplificativo temos: Rui MEDEIROS, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil Extracontratual do

Estado por Actos Legislativos, Coimbra, Almedina, 1992, p. 235 e segs.; e Maria da Glória F. P. DIAS GARCIA, A

Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas, Lisboa, Conselho Económico e Social, 1997, pp. 62-67. (232) Margarida CORTEZ, Contributo para uma Reforma da Lei de Responsabilidade Civil da Administração, in Responsabilidade

Civil Extra-Contratual do Estado, Trabalhos Preparatórios da Reforma, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pp. 257-264; Carlos

FERNANDES CADILHA, Regime Geral da Responsabilidade Civil da Administração Pública, in: «Cadernos de Justiça Administrativa», 2003, n.º 40, pp. 18-31; e João RAPOSO, Novas Fronteiras da Responsabilidade Civil Extracontratual da

Administração, in «Cadernos de Justiça Administrativa», n.º 58, 2006, pp. 67-73.

(233) Cfr., a título exemplificativo, L. CABRAL DE MONCADA, ob. cit., pp. 89-100; Maria José RANGEL DE MESQUITA, ob. cit., p. 15; e Carlos FERNANDES CADILHA, O Regime da Responsabilidade civil Extracontratual do Estado…, cit, pp. 26 e 301.

(234

) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES CANOTILHO, in:

«STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 221-222.

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responsabilidade civil por danos decorrentes da função legislativa no artigo 15.º do

RRCEE – entre os quais se conta a anormalidade dos danos provocados aos direitos ou

interesses legalmente protegidos dos cidadãos por atos legislativos ou omissões

legislativas e a violação pelos mesmos da CRP, do direito internacional, do direito

comunitário ou de ato legislativo de valor reforçado -, tenha vindo, no art. 16.º do

RRCEE, a abrir a porta à ressarcibilidade dos danos especiais e anormais decorrentes de

todo e qualquer ato legislativo, mesmo que totalmente regular, a título de indemnização

pelo sacrifício.

Contudo, consideramos profundamente criticável que, no âmbito da

responsabilidade por atos da função legislativa, se tenha transitado de uma ausência

quase total de fundamentos de propositura da consequente ação de responsabilidade

civil contra o Estado para uma desmesurada extensão das possibilidades de

responsabilidade. Assim, e como o fez o Presidente da República na fundamentação do

veto político à promulgação do Decreto n.º 150/X da Assembleia da República, que

aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais

entidades públicas, questionamo-nos, se não estaremos perante a assunção pelo Estado

de «uma função «previdencialista» dos danos e riscos sociais através de uma expansão

excessiva dos pressupostos de responsabilidade das entidades públicas, com especial

relevo no domínio do exercício da função legislativa», aspeto este que não deixará de

«contribuir, em prejuízo manifesto do interesse nacional, para uma relação pouco

solidária entre o poder político e a sociedade civil».

Porém, é de salientar que a indemnização pelo sacrifício inclui ainda os danos

especiais e anormais provenientes de atos integrados na função política, entendidos,

como refere o Ac. do TC n.º 195/94 (235

), seguindo a doutrina do ilustre Afonso

QUEIRÓ, como volições primárias – e, por isso, situadas ao mesmo nível dos atos

legislativos -, provenientes de um órgão de soberania ou de um «órgão supremo do

Estado» de natureza individual e concreta – sendo, ao nível do seu conteúdo,

semelhantes aos actos administrativos - , as quais representam o exercício de faculdades

directamente conferidas pela CRP, sem sujeição à lei ordinária, fora, portanto, de

qualquer propósito de traduzir, no que concerne à sua índole, uma atuação concreta,

uma volição prévia do legislador ordinário. Ora, divergentemente, o STA vem adotando

um critério mais estrito, compreendendo que «a função política corresponde à prática de

(235) Acórdão publicado no DR, II Série, de 12 de Maio de 1994, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27.º Vol. (1994), pp. 411 e segs.

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actos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos

interesses ou fins essenciais da colectividade» (cfr. o Ac. de 6 de Março de 2007,

Processo n.º 1143/06) ou que configura uma «actividade de ordem superior, que tem por

conteúdo a direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos

fins últimos da comunidade e a coordenação das outras funções à luz desses fins» (cfr. o

Ac. do STA de 20 de Maio de 2010, Processo n.º 0390/09).

Vamos agora expor alguns exemplos de situações que poderão configurar a

responsabilidade civil pela imposição de sacrifício no âmbito de atos integrados na

função política, que nas palavras de Carlos FERNANDES CADILHA são: «a interdição

de circulação de navios nas águas territoriais ou a proibição de acostagem de navios em

portos nacionais, nos casos em que não ocorra uma violação das regras de transporte

marítimo, o encerramento de postos diplomáticos por motivo de guerra ou tumulto e, no

quadro das relações internas, o não reconhecimento de uma situação de calamidade

pública [impedindo o acesso das autarquias locais a auxílios financeiros especiais,

previstos no artigo 8.º, n.ºs 3 e 5, da Lei de Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de

Janeiro)]» (236

).

Na indemnização pelo sacrifício, enquanto modalidade de responsabilidade civil

extracontratual do Estado e demais entidades públicas, vão incluídos também danos

especiais e anormais de caráter patrimonial provenientes de atos lícitos integrados na

função administrativa, rejeitando-se, deste modo, a tese que reduz o âmbito de aplicação

do art. 16.º do RRCEE à responsabilidade pelo sacrifício de bens pessoais

(designadamente a vida, a integridade física, a saúde e a qualidade de vida, bem como

os direitos de personalidade referidos no art. 26.º, n.º 1, da CRP) e por danos causados

em estado de necessidade e defende a subordinação a um regime comum das pretensões

indemnizatórias pelo sacrifício de todo e qualquer direito patrimonial privado, situado à

margem da lógica do art. 16.º do RRCEE, encontrando no art. 62.º, n.º 2, da CRP,

concernente à indemnização por expropriação e por requisição por utilidade pública

(237

), e no Código das Expropriações a disciplina da indemnização de todos e quaisquer

(236) Neste sentido ver Carlos FERNANDES CADILHA, O Regime Geral da Responsabilidade Civil da Administração, cit., p. 30, e

O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, cit., p. 301.

(237) Tal como nos narram GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA: «As figuras da requisição e da expropriação por utilidade pública (art. 62.º, n.º 2 da CRP) acolhem seguramente os conceitos correntes no direito administrativo e no direito civil e consistem

essencialmente na privação, por acto de autoridade pública e por motivo de utilidade pública, da propriedade ou do uso de

determinada coisa. A requisição abrange tipicamente o uso ou a propriedade de móveis, bem como o uso de imóveis; a expropriação designa a ablação da propriedade de imóveis e dos direitos a ela inerentes. A expropriação pode ser efectuada em favor de entidades

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danos especiais e anormais de caráter patrimonial decorrentes de atos lícitos da função

administrativa (238

).

Destarte, coloca-se a seguinte questão: que danos especiais e anormais de

natureza patrimonial decorrentes de atos lícitos incluídos na função administrativa são

abarcados pela indemnização pelo sacrifício? Cabe-nos agora dar a resposta à questão

colocada. Assim, são, no nosso ponto de vista, aqueles que não resultam de qualquer

intencionalidade ablativa da Administração, antes são uma consequência indesejada,

incidental e não intencional da atividade lícita da Administração. Com efeito, se

estivermos perante danos especiais e anormais de natureza patrimonial provocados pela

Administração de modo intencional e consciente, por razões de interesse público,

estaremos perante atos ablativos de direitos patrimoniais privados, que estão sujeitos,

por força da nossa Lei Fundamental e da lei, a um regime jurídico próprio e estão

submetidos a princípios específicos (239

). Ora, é o que acontece com a expropriação por

utilidade pública (expropriação em sentido clássico e expropriação de sacrifício), a

nacionalização, a requisição por utilidade pública e a ocupação temporária de imóveis.

De referir que como acentua Diogo FREITAS DO AMARAL: «apesar de considerar

que o artigo 16.º do RRCEE consagra uma modalidade de responsabilidade civil

(responsabilidade objectiva por acto lícito, ou pelo sacrifício), indica como exemplos

de indemnização pelo sacrifício, para além dos actos ablativos referidos, as servidões

administrativas, o exercício do poder de modificação unilateral do contrato

administrativo e a existência de uma causa legítima de inexecução de uma sentença de

um tribunal administrativo proferida contra a Administração» (240

) (241

).

No entanto, a não abrangência pela indemnização pelo sacrifício, condensada no

art. 16.º do RRCEE, dos danos especiais e anormais resultantes de atos ablativos de

públicas (o que é o caso normal) ou a favor de particulares, desde que haja nisso um interesse público relevante (planos urbanísticos,

projectos industriais). A expropriação e a requisição podem atingir não apenas a propriedade de particulares, mas também a propriedade de cooperativas, de comunidades locais (bens comunitários) e até a propriedade de entidades públicas diferentes do

Estado, desde que verificados os seus pressupostos e mediante indemnização.

A CRP coloca lado a lado a expropriação e a requisição (nos termos do n.º 2 do art. 62.º da CRP), o que se justifica pelo facto de se tratar em ambos os casos de medidas ablatórias da propriedade ou do seu uso. Mas os institutos têm lógicas diferentes: o

fundamento da expropriação circunscreve-se a razões normais e permanentes de utilidade pública; as razões da requisição são

necessidades urgentes de interesse público nacional, caracterizadas pela excepcionalidade e anormalidade. Além disso, a requisição tem de obedecer a estreitos limites temporais (para não se «camuflar» uma expropriação), está vinculada à observância dos

princípios da adequação, indispensabilidade e proporcionalidade e implica cuidados particulares para a entidade beneficiária. É

constitucionalmente duvidoso que a requisição possa beneficiar instituições particulares no sentido amplo configurado na lei (cfr. L n.º 168/99, arts. 81.º e s.)». Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada,

Vol. I, 4.ª ed (revista), Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 806-807.

(238) Tese defendida por Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, ob. cit., p. 42 e pp. 57-65. (239) Em sentido oposto, defendendo que o art. 16.º do RRCEE, ao referir-se à imposição de encargos e à produção de danos, parece

abarcar também as situações que resultam da intencional imposição de encargos e da intencional provocação de danos, incluindo os

de índole patrimonial, ver Carlos FERNANDES CADILHA, O Regime da Responsabilidade Civil Anotado, cit., pp. 300-301. (240) Cfr. Diogo FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pp. 742-744.

(241) Para uma caraterização destas figuras jurídicas ablativas dos direitos patrimoniais privados, ver Fernando ALVES CORREIA,

Manual de Direito do Urbanismo, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 131-167, 171-174 e 384-389, e As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, cit., pp. 47-76.

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direitos patrimoniais privados encontra o seu fundamento não tanto no facto de a

disciplina jurídica dos mesmos constar da lei especial (cfr. os artigos 2.º, n.º 1, da Lei n.º

67/2007 e 1.º, n.º 1, in fine, do RRCEE), mas antes e sobretudo na circunstância de o

ressarcimento de tais danos ou encargos se alicerçar em princípios constitucionais e

legais que lhes são próprios. Assim, pode afirmar-se que os atos ablativos de direitos

patrimoniais privados delimitam de forma negativa o domínio da responsabilidade civil

da Administração, uma vez que neles a produção do dano e a correspondente

indemnização formam um momento constitutivo da própria atividade pública em causa

e, por isso, um requisito da respetiva legitimidade. Explique-se, contudo, que não é uma

qualquer indemnização que funciona como pressuposto de legitimidade da

expropriação. Há-de ser, pois, uma indemnização que, nos termos do art. 62.º, n.º 2, da

CRP, deve ser justa, isto é, uma indemnização que corresponda ao valor de mercado

(Verkerswert) do bem apropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas em

sentido normativo, de forma a que se alcance uma compensação integral do sacrifício

infligido ao expropriado e se garanta que este, comparativamente com outros cidadãos

não expropriados, não seja tratado de modo desigual ou injusto; uma indemnização que,

no que concerne ao momento do seu pagamento, tenha lugar contemporaneamente à

expropriação (princípio da paridade temporal da expropriação e do pagamento da

indemnização); e uma indemnização que, no que se reporta à forma do respetivo

pagamento, se verifique em dinheiro e de uma só vez, sendo inconstitucionais as normas

jurídicas que estabeleçam, sem o acordo do expropriado, o pagamento da indemnização

em espécie ou in natura ou o pagamento da indemnização pecuniária em várias

prestações (diversamente do que sucede com a indemnização correspondente à

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e, por isso,

também com a indemnização pelo sacrifício, onde vigora, de harmonia com o disposto

no n.º 2 do art. 3.º do RRCEE, o princípio da preferência da reconstituição natural ou da

indemnização in natura relativamente à indemnização em dinheiro/pecuniária) (242

).

Convém realçar a ideia de que resulta do que viemos a expor que não é correta a

tese que afasta da indemnização pelo sacrifício o ressarcimento de todos e quaisquer

danos especiais e anormais de caráter patrimonial. Porém, é de frisar que também é de

rejeitar a opinião que, negando a autonomia da figura jurídica da expropriação de

sacrifício, devolve para o art. 16.º do RRCEE e para o tipo de responsabilidade civil

extracontratual nele acolhida a indemnização dos danos especiais e anormais resultantes

(242) Ver Fernando ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Vol II, cit., pp. 202-204 e 209-229.

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dos atos de poder público que afetem substancialmente, sem efeito translativo, um

direito privado de valor patrimonial.

Agora, parece-nos apropriado expor alguma jurisprudência relativa ao assunto

em abordagem. Assim, nas palavras de Carla AMADO GOMES: «No Acórdão do STA

de 30 de Outubro de 2003 (processo 0936/03), discutiu-se, entre outras coisas, a questão

de saber se o atraso de 5 anos da devolução, pela DGV, de uma carta de condução

apreendida a um condutor por alegada (e não provada) falsificação da mesma poderia

ser considerado dano especial e anormal – sendo certo que o tribunal a quo como tal a

qualificou. O STA recusou (algo ambiguamente) reconhecer em tal atraso um dano

relevante para efeitos de compensação por facto lícito, mas nunca pôs em causa que os

danos não patrimoniais que o condutor sofreu (desgosto; perda de ofertas de emprego)

pudessem ser computados no âmbito daquele tipo de compensação» (243

).

Porém, e como defendem, de forma aparente a contragosto, Marcelo REBELO

DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS (244

), ponto é saber se o art. 16.º do

RRCEE se circunscreve a este tipo de danos. Assim, analisando o excessivo

desdobramento de pretensões patrimoniais indemnizáveis que têm sido alocadas ao

instituto expropriatório, nomeadamente, mediante o conceito de expropriação de

sacrifício, defendida e trabalhada por Fernando ALVES CORREIA (245

), os autores

mencionados chegam à conclusão que tal amplificação do âmbito do art. 62.º, n.º 2 da

Lei Fundamental arreda do espetro do art. 16.º do RRCEE todo e qualquer dano

patrimonial, à propriedade e suas faculdades. Tal, diríamos, ao arrepio quer da própria

lei que, pontualmente e nessa sede, para tal regime remete para os artigos 48.º, n.º 1 do

RJUE, na sua versão atual, e 71.º do DL n.º 309/2009, de 23 de Outubro, quer da teoria

do gozo standard aplicada pela jurisprudência administrativa. Neste sentido, os autores

referidos guetizam o art. 16.º do RRCEE, prendendo-o, desta maneira, num enclave de

lesões a direitos pessoais.

Contudo, refletimos, exceto melhor reflexão, que o instituto da compensação

pelo sacrifício que o art. 16.º do RRCEE concretiza abarca tanto lesões pessoais como

patrimoniais, sendo certo que as lesões patrimoniais, por decisão do legislador, deverão

ficar submetidas ao regime mais garantístico do instituto expropriatório caso a afetação

de faculdades de acesso, uso, fruição e transmissão da propriedade seja de tal forma

(243) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in: «Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 29.

(244) Ver Marcelo REBELO DE SOUSA e André SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa…, cit., p. 59.

(245) Ver Fernando ALVES CORREIA, A indemnização pelo sacrifício, in: «Revista de Direito Público e Regulação», n.º 1, Maio, ed. Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (Cedipre), FDUC, 2009, pp. 155 e segs.

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intensa que descaraterize de forma intolerável o direito, traduzindo-se em

«expropriações materiais» ou, na formulação do art. 143.º, n.º 2 do DL n.º 380/99, de 22

de Setembro, com última alteração introduzida pelo DL n.º 2/2011, de 6 de Janeiro, em

«restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo,

preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa

na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação».

Porém, achamos, que tal não implicará, um juízo de inconstitucionalidade acerca

do art. 16.º do RRCEE, cujos requisitos indemnizatórios diminuiriam de forma ilegítima

a garantia da Constituição da República Portuguesa. Ora, num Estado de recursos em

falta, a «norma» deverá ser a excecionalidade da compensação por atuações lícitas que,

salvo ingerência intoleravelmente desequilibrante da justiça distributiva, há-de ser

encarada como um preço a pagar pela integração numa estrutura social de gestão de

riscos múltiplos e extensos pela qual o Estado se não pode, sob pena de implosão,

constituir como salvaguarda universal. De referir ainda que nem o art. 16.º do RRCEE

se filia no art. 62.º, n.º 2 da nossa Lei Fundamental nem, na parte em que se ancore no

art. 62.º, n.º 1 da CRP (em relação a outros danos de cariz patrimonial excedentários em

face da definição clássica e média de expropriação), se deve entender que foge aos

cânones da proporcionalidade e da igualdade ao estabelecer os pressupostos da

especialidade e anormalidade do prejuízo. Trata-se, de resto, do entendimento pacífico

tanto da jurisprudência administrativa, como da jurisprudência comum.

Cabe acrescentar algumas observações em sede de cômputo da compensação,

nomeadamente para demarcar que a jurisprudência constitucional sobre o art. 62.º, n.º 2

da Lei Fundamental Portuguesa exclui a inclusão de lucros cessantes nessa avaliação e

que o art. 16.º do RRCEE, ao aludir à afetação do conteúdo substancial, parece conduzir

a semelhante conclusão. Como sugere Carla AMADO GOMES: «Embora insistamos

em que a filiação do artigo I6.º reside na conjugação entre os artigos 2.º, I3.º e I8.º, e

62.º/ I e 26.º/I (consoante a natureza da perda privada – e não no artigo 62.º/2 da Lei

Fundamental), todos da CRP, julgamos, em contrapartida, que não devendo o particular

aproveitar-se de uma expropriação em nome do interesse colectivo para obter uma

vantagem patrimonial superior ao estrito valor/rendimento actual da propriedade, por

maioria de razão tal hipótese se deve descartar em sede de compensação pelo sacrifício,

uma vez que se trata de uma situação constitucionalmente secundária e de pressupostos

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mais lassos. Ou seja, a compensação será do dano emergente mas não forçosamente de

todo o dano emergente» (246

).

Como salienta Carla AMADO GOMES: «Identicamente, a lateralização da

compensação pelo sacrifício em face da compensação por expropriação implica um

desvio do pressuposto da contemporaneidade do ressarcimento relativamente ao

prejuízo, pelo que o pagamento poderá ocorrer, legitimamente, em momento posterior

(desde logo porque, por força da urgência, a actuação lícita pode revelar-se

imprescindível à salvaguarda do bem público e incompatível com a

negociação/proposição de um montante compensatório)» (247

).

Por fim, no que respeita ao nexo de causalidade, o Ac. do TCAN de 8 de Maio

de 2008 sublinha um aspeto importante, pontuando o caráter especial deste modelo de

compensação: o da imediatividade da relação comportamento lícito/prejuízo, que pode

justificar uma interpretação restritiva da teoria da causalidade adequada (regulada no

art. 562.º do Código Civil e já de si moderada nos resultados de imputação (248

)). O

mesmo é afirmar que o comportamento público não só tem de ser manifestamente apto à

produção do resultado lesivo como deve refletir-se de forma imediata na esfera jurídica

do alegado lesado, desconsiderando-se prejuízos remotos ou mediatos. Ora, tal como

diz Carla AMADO GOMES: «Acresce, como ressalta o Acórdão do STA de I I de

Março de 20I0 (processo 083/I0), que a continuidade do percurso causal pode ser

perturbada pela interferência da culpa do lesado: na verdade, se quem sofre o sacrifício

contribuiu, com o seu comportamento menos diligente, para o agravar, o montante

compensatório deverá variar em função desse facto» (249

).

Quanto à causalidade, releva ainda o Ac. do TCAN de 23 de Outubro de 2008

(Processo n.º 00992/05.3BEVIS). Como acentua Carla AMADO GOMES: «Tratou-se

de um pedido de compensação pela destruição de aves de uma exploração por suspeita

de contaminação com nitrofuranos, arbitrado pelo TAF de Viseu e confirmado pelo

TCAN com base na constatação de um dano especial e anormal sofrido pela sociedade

de avicultura, orçando em cerca de I00.000,00 euros e correspondendo à destruição de

27.560,00 kg de produtos. O tribunal deu por verificado o prejuízo especial e anormal e

(

246) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, pp. 31-32 (247) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 32.

(248) Acerca desta teoria, entre muitos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., Coimbra, 1987, pp. 578-579 (anotações ao artigo 563.º); António MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, II, Lisboa, 1980, pp. 333 e segs;

Mário Júlio de ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9.ª ed., Coimbra, 2005, pp. 707 e segs.

(249) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in: «Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 32.

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o nexo de causalidade entre a ordem de destruição – lícita e assente num indirizzo do

sistema de alerta da União Europeia – e a perda patrimonial. Subtraiu-se, no entanto, à

análise de um (contra-) argumento esgrimido pelo Estado (Ministério da Agricultura)

que se traduzia em que, em face do alarme social causado pelas notícias sobre

contaminação de carne de aves por toxinas, o dano sempre se teria verificado ainda que

as autoridades sanitárias não tivessem cumprido o seu dever de prevenção de riscos para

a saúde pública.

É certo que uma avaliação deste tipo levaria à exclusão do dever de compensar,

apesar da verificação de um dano inquestionavelmente especial e anormal – porque a

magnitude do prejuízo vai muito além do risco normal de um negócio de avicultura no

âmbito do qual o abate de peças pode ocorrer, precisamente na sequência da detecção de

epidemias» (250

) (251

).

Iremos, agora, mencionar a extensão ou conteúdo da indemnização. Assim, os

pressupostos da indemnização pelo sacrifício são, nos termos do art. 16.º do RRCEE:

um ato lícito do Estado ou de outra pessoa coletiva de direito público; praticado por

razões de interesse público; um encargo ou um dano especial e anormal; e o nexo de

causalidade entre o comportamento e esse encargo ou dano. Ora, no que concerne aos

danos indemnizáveis ou, noutras palavras, à extensão ou conteúdo da indemnização,

determina o art. 16.º do RRCEE, in fine, que, para o cálculo da indemnização pelo

sacrifício, deve «atender-se, designadamente, ao grau de afectação do conteúdo

substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado».

Contudo, a interpretação do art. 16.º do RRCEE suscita dificuldades

relativamente ao âmbito dos danos abarcados pela indemnização. Como sublinha

Fernando ALVES CORREIA: «Consagra o mesmo um critério ou um guia para o

intérprete e, em último caso, para o juiz para a determinação do quantum indemnizatur,

que é específico da indemnização pelo sacrifício, ou deve aquele preceito ser conjugado

(250) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 33. (251) De referir que em face da sucessão de situações que têm aparecido nos últimos anos (crise das vacas loucas; gripe das aves;

contaminação de pepinos), é possível constatar, que mesmo que nem cheguem a ser tomadas medidas de prevenção, por

desnecessidade, os consumidores logo tomam consciência própria e abstêm-se de adquirir os produtos sobre os quais recai a suspeita de contaminação até as causas estarem solidamente esclarecidas – pela comunicação social. Na sociedade da informação em que

vivemos na atualidade e perante ameaças de risco globalizado, a suspeita chega para instalar o pânico/alarme social, mais ou menos

irracional. Destarte, aceitar tal linha de raciocínio, seria dar importância negativa à causa virtual, tese que, no nosso país, apenas

PESSOA JORGE defendeu. Cfr. PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Coimbra, 1968, pp.

417-418 (fazendo prevalecer a vertente reparadora do instituto da responsabilidade civil); Importa frisar que apesar de o CC acolher expressamente alguns casos de redução ou mesmo isenção de dever de indemnizar em casos deste tipo (v.g., nos artigos 491.º, 492.º,

n.º 1, 493.º, n.º 1, e 507.º), a relevância da causa virtual é considerada uma solução excecional, dado que se entende que o lesado

poderia, de facto, vir a sofrer um prejuízo parecido (ou até superior) mas não aquele concreto prejuízo, que sempre cumpriria indemnizar.

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com o artigo 3.º do RRCEE, o qual, estando enquadrado nas disposições gerais, parece

ser aplicável a todas as modalidades de responsabilidade civil extracontratual do Estado

e demais entidades públicas?» (252

)

Ora, o art. 3.º do RRCEE, nos seus números 1, 2 e 3, respetivamente, estabelece

que «quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve

reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à

reparação»; que «a indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural

não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa»; e

que «a responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e

não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos

gerais de direito».

Passaremos, neste momento a explicar cada um dos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 3.º do

RRCEE, respetivamente.

Assim, o n.º 1 do artigo 3.º do RRCEE estabelece que na avaliação concreta do

dano, deve operar-se de acordo com a teoria da diferença: confronta-se a situação em

que o lesado se encontra (situação real) com a situação em que se encontraria se a lesão

não se tivesse verificado (situação hipotética), correspondendo a indemnização à

diferença entre as duas situações. Quer isto dizer que estão aqui abrangidos quer o dano

emergente – damnum emergens – (ou seja, tanto a perda ou diminuição de valores já

existentes no património do lesado), quer o lucro cessante – lucrum cessans – (ou seja,

os benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão, isto é, o acréscimo

patrimonial frustrado).

Por seu lado, o n.º 2 do art. 3.º do RRCEE dá preferência à reconstituição natural

ou à indemnização in natura relativamente à indemnização em dinheiro, determinando

que esta tem lugar apenas quando aquela não seja possível, quando não repare

integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.

Por último, o n.º 3 do art. 3.º manda computar na indemnização os danos

patrimoniais e não patrimoniais, assim como os danos já produzidos e os danos futuros,

consoante se tenham verificado ou não no momento que se considera, designadamente à

data da fixação da indemnização, sendo certo que a indemnização dos danos futuros

apenas é possível se eles forem previsíveis.

(

252) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES CANOTILHO, in:

«STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 226.

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Destarte, dando resposta à questão acima exposta, achamos que as normas dos

arts. 3.º e 16.º do RRCEE devem ser interpretadas conjugadamente e que, por essa

razão, na indemnização pelo sacrifício, os danos indemnizáveis não são somente os

associados ao «grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado

ou sacrificado» (o termo «violado» parece referir-se aos casos em que se está face a um

acto jurídico ou um acto material da Administração que seria ilícito, mas que, por haver

uma causa de justificação, se torna lícito, como sucede nas actuações da Administração

em estado de necessidade).

Ora, são duas as razões que suportam tal posição. Primo, não se pode ver no art.

16.º do RRCEE uma cláusula limitativa da indemnização, legitimadora de uma

indemnização que não abranja a totalidade ou a integralidade dos danos suportados pelo

lesado, desde que sejam especiais e anormais. Uma interpretação, do art. 16.º do

RRCEE que possibilitasse o cálculo de uma indemnização que não abarcasse a

totalidade dos danos especiais e anormais infligidos ao lesado violaria um princípio

essencial desta matéria que é o princípio da igualdade perante os encargos públicos.

Secundo, como afirma Fernando ALVES CORREIA: «o art. 16.º do RRCEE não

estabelece um numerus clausus de danos indemnizáveis, como resulta da utilização do

advérbio “designadamente”. Desde que sejam especiais e anormais, devem ser

abrangidos na indemnização pelo sacrifício outros danos que não exclusivamente os

relacionados com o “grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse

violado ou sacrificado”. Assim sucede com os lucros cessantes, com os danos futuros

previsíveis e com os danos não patrimoniais ou morais (quanto a estes, desde que, nos

termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, pela sua gravidade, mereçam a tutela do

direito)» (253

). Acreditamos que todos estes tipos de danos, desde que assumam as

caraterísticas de especialidade e anormalidade, devem ser abrangidos pela indemnização

pelo sacrifício, não nos parecendo legítimo transpor para esta modalidade de

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas os limites

da indemnização dos danos decorrentes da expropriação por utilidade pública,

traduzidos na não consideração, entre outros, dos danos de natureza não patrimonial

(254

).

(253) Fernando ALVES CORREIA, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES CANOTILHO, in: «STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6, Vol. I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 227-228.

(254) Para mais desenvolvimentos, vd. Fernando ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. II, cit..., pp. 230-231, nota 198, e As Garantias do Particular…, cit., pp. 137-138.

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No entanto, opinião algo diferente tem Carlos FERNANDES CADILHA que diz

que: «a norma do artigo 16.º do RRCEE, ao referir-se ao conteúdo substancial do

direito ou interesse violado ou sacrificado, pretende limitar o montante indemnizatório

às consequências imediatas da perda de disponibilidade do bem ou da sua limitação,

excluindo quaisquer efeitos indirectos, como os ganhos que se frustraram em

consequência da lesão, e (…) defende a ressarcibilidade de danos morais, desde que

estes possam revestir, no condicionalismo do caso concreto, um considerável carácter

de gravidade» (255

).

Neste sentido, por exemplo, temos: os casos de morte de familiares próximos

quando ocorrida na sequência de intervenções estaduais de natureza sanitária.

A nível conclusivo, não são admissíveis, no domínio da responsabilidade civil

extracontratual do Estado e demais entidades públicas, indemnizações não

correspondentes à reparação integral dos danos causados, mesmo nos casos em que se

exija que estes tenham caráter especial e anormal. Porém, há uma única exceção que é a

que consta do n.º 6 do art. 15.º do RRCEE, respeitante à indemnização de danos

anormais decorrentes do exercício da função legislativa, quando os lesados forem em

número muito excessivo. Assim, perante um caso destes, por motivos de interesse

público de excecional importância, justifica-se a limitação do âmbito do dever de

indemnização, em termos de esta poder ser fixada de forma equitativa em montante

inferior ao que corresponderia à reparação total dos danos provocados.

Agora e tendo em conta uma importantíssima pesquisa feita por Carla AMADO

GOMES (256

), torna-se relevante referir a relevância de alguma jurisprudência nacional

nestas matérias. Neste sentido, importa mencionar que o Ac. do STA de 23 de

Novembro de 2010 (Processo n.º 0444/10), caraterizou o art. 9.º do DL n.º 48 051, na

atualidade substituído pelo art. 16.º do RRCEE, como sede de um regime geral de

compensação por facto lícito que cederia perante regimes especiais assim qualificados

pelo legislador. Como evidencia Carla AMADO GOMES: «O aresto fundamentava-se

no disposto na norma do artigo Iº do Decreto de I967, o qual determinava a preferência

de leis especiais face ao seu próprio regime. O art. Iº/I do RRCEE contém a mesma

(255) Cfr. Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades

Públicas Anotado, cit., pp. 303-304;

(256) Ver Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in: «Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012.

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directriz, sendo certo que se refere a responsabilidade civil extracontratual, instituto que

o RRCEE relega para outra dimensão, no seu Capítulo V. - excluindo-o, portanto, desta

lógica. Julgamos, todavia, que o princípio geral plasmado no artigo 7º/3 do Código

Civil, em sede de revogação – e do qual o artigo Iº/I do RRCEE constitui um reflexo-,

deve aplicar-se neste contexto, só se chamando o artigo I6.º do RRCEE a suportar casos

de compensação por facto lícito quando o legislador não tiver previsto modelo especial

de aferição dos pressupostos de ressarcimento e/ou cálculo do mesmo» (257

).

Tal como explana Carla AMADO GOMES: «O caso de indemnização por

inexecução legítima da sentença administrativa é um exemplo de regime especial de

compensação por facto lícito – por restrição legítima do direito à tutela jurisdicional

efetiva. Ponto está em saber se os danos remanescentes, a apurar em acção autónoma, se

devem considerar identicamente lícitos ou se resvalam para a ilicitude. Pensamos, salvo

melhor reflexão, que estes danos devem subordinar-se ao crivo do artigo I6.º do

RRCEE» (258

).

Para sermos precisos, impõe-se trazer aqui o texto de Carla AMADO GOMES:

«Precisamente, dentro do género compensação por facto lícito, que se filia no princípio

da igualdade da distribuição dos encargos públicos, podemos distinguir, por um lado,

um regime especial, que se filia na garantia (de valor) da propriedade privada –

sempre assente numa declaração de utilidade pública, operacionalizada através de uma

expropriação ou requisição e tendo como contrapartida uma “justa indemnização”

(artigo 62º/2 da CRP), da qual são por seu turno “declinações” as chamadas

indemnizações do plano (directamente remetidas para o Código das Expropriações no

artigo I43º do DL 380/99, em concretização da previsão do artigo 18º/2 e 3 da Lei

48/98, de I I de Agosto): a que se poderia chamar compensação por facto

expropriatório; e, por outro lado, a compensação pelo sacrifício, estrita tradução de um

princípio de justiça distributiva, com filiação directa no princípio da igualdade (artigos

2º e 13º da CRP) e indirecta nas garantias das concretas posições jussubjectivas

afectadas (artigos 62º/I e/ou 26º/I da CRP) – justificada por razões superiores de

interesse público, independentemente de expropriação ou requisição (formal), tendo

como contrapartida eventual uma compensação adequada aos sujeitos intoleravelmente

afectados (artigo I6.º do RRCEE).

(257) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 38.

(258) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in: «Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 38, nota 57.

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Nesta segunda dimensão detectam-se, portanto, variadas hipóteses de afectação

de direitos que não se processam através da expropriação e que, por conseguinte (…), se

não pautam necessariamente pela atribuição de uma “justa indemnização”» (259

) (porque

se colocam à margem do já citado art. 62.º, nº 2 da nossa Lei Fundamental). Tal

justificação para tal dualidade prende-se não só com o liberalmente tradicional respeito

pelo valor da propriedade (sendo de notar que há ingerências no direito de propriedade

que não tramitam como expropriações, quer por determinação expressa da lei (260

), quer

por remissão implícita para o art. 16.º (v.g., destruição de aves contaminadas), e que

potencialmente merecem compensação, para além de outras intervenções em direitos

mais claramente fundamentais, tal como a integridade física -, mas e sobretudo releva

da relação de sacrifício/benefício que concretamente se estabelece, podendo,

porventura, fazer variar a solução compensatória.

Por fim, o facto de se tratar de uma realidade com fundamento e natureza

diversos da responsabilidade civil não impede que em aspetos de natureza não material,

a compensação pelo sacrifício se apoie em normas reguladoras daquela.

Exemplo: exemplo nítido de tal aproveitamento é o da aplicação do instituto da

prescrição, inscrito no art. 498.º do CC, em sede de compensação pelo sacrifício, como

a jurisprudência vinha já compreendendo na vigência do DL n.º 48 051, de 21 de

Novembro de 1967 e o art. 5.º do RRCEE, em sede de Disposições gerais, confirmou

(cfr. os Acórdãos do STA de 4 de Fevereiro de 2009 – Processo n.º 0522/08, e de 26 de

Maio de 2010 – Processo n.º 72/10).

3. As causas de exclusão da ilicitude e a compensação pelo sacrifício

Agora, iremos retratar as causas de exclusão da ilicitude, neste contexto.

Assim, apesar de termos afirmado não existir continuidade axiológica entre o instituto

da responsabilidade civil e a compensação pelo sacrifício, devemos realçar a aplicação

da (s) figura (s) da (s) causa (s) de exclusão da ilicitude no âmbito da compensação

pelo sacrifício. Destarte, e como defende Carla AMADO GOMES, no seu artigo na

Revista do Ministério Público, n.º 129: Janeiro: Março de 2012, como diz a autora

portuguesa Carla AMADO GOMES: «A aproximação pode surpreender, num

primeiro momento, na medida em que a motivação da ingerência é radicalmente

(

259) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, pp. 38-39. (260) Cfr., o exemplo do artigo 71.º do DL n.º 309/2009.

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diferente, pois aquela situa-se num plano de antijuridicidade socialmente nefasta e a

última num quadro de juridicidade socialmente sustentada» (261

). Ora, a associação

pode ainda causar alguma resistência na medida em que, como é do nosso

conhecimento, o facto ilícito não conhece limites indemnizatórios, ao passo que o

facto lícito tem na medida da compensação, mais do que um limite, um verdadeiro

pressuposto de aplicação. Porém, haverá casos em que, demonstrada pela entidade ré a

não existência de ilicitude na ação de efetivação da responsabilidade por facto ilícito,

ainda sobrará ao autor, numa outra ação (ou então na mesma ação, caso tenho

deduzido um pedido subsidiário, com fundamentação específica, nomeadamente

relativamente à caraterização do prejuízo como especial e anormal), e se dentro dos

limites da prescrição, a hipótese de demandar a ré com outros fundamentos, orientando

a compensação para uma base de licitude.

Contudo, tal como acentua Carla AMADO GOMES: «O facto de a causa de

exclusão da ilicitude parecer apenas retroactivamente revestir de licitude a prática do

acto não deve perturbar a sua recondução ao instituto da compensação por facto lícito»

(262

). Porquanto, o paradigma do facto lícito é a expropriação, procedimento que, salvo

urgência, deve obedecer a uma ponderação prévia de valores e interesses, traduzido na

declaração de utilidade pública – mas as demais condutas potencialmente geradoras de

compensação por facto lícito tão pouco deixam de refletir tal ponderação,

eventualmente menos formalizada em razão da urgência de algumas atuações de tal

natureza.

Ora, a divergência entre as hipóteses de facto lícito de partida e as de facto lícito

à chegada por verificação de causa de exclusão da ilicitude será porém somente mais de

caráter processual do que substantiva, diga-se.

Todavia, em estudo bastante atual, Paulo OTERO alertou acerca das causas

liberatórias da responsabilidade administrativa, de entre as quais as causas de

justificação da ilicitude. Tal como adverte Paulo OTERO, este autor, explica que estas

causas de exclusão «atingem a realidade objectiva do dever, transformando em

juridicamente admissível ou justificável a conduta lesiva em questão e afastando, por

consequência, o dever de indemnizar os prejuízos gerados a título de comportamento

(

261) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 40. (

262) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 41.

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ilícito» (263

). Algumas destas causas, tais como o cumprimento de um dever ou a

legítima defesa, estão nitidamente orientadas para a justificação de condutas pessoais;

porém, desde que o comportamento do agente revista um nexo funcional, deve

compreender-se que a causa exclui a ilicitude da manifestação de uma vontade

institucional e, assim, a ilicitude da conduta administrativa.

De referir que no plano da compensação por factos lícitos, pensamos de

imediato nos casos de estado de necessidade como situação modelar, muito por força da

reminiscência do art. 9.º, n.º 2 do antigo DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967 que

aludia aos casos de compensações por atuações em estado de necessidade como um

subtipo da compensação por facto lícito, mas esta hipótese normativa foi ignorada pelo

art. 16.º do RRCEE, e achamos que bem, dado que o estado de necessidade não

constitui uma categoria de atuações lícitas mas constitui sim uma causa de exclusão de

ilicitude, a par de outras, que pode justificar a ilicitude de qualquer atuação

administrativa (264

) (nomeadamente, a tomada de decisão elaborada à margem de

procedimentos legalmente estabelecidos, por força da urgência inadiável de ponderação

do sacrifício de interesses privados (ou públicos) em nome da proteção de interesses

públicos superiores, ameaçados por uma causa externa à vontade do agente) (265

). Ora, a

inclusão dessa hipótese na norma poderia ter o significado de remeter os termos da

indemnização para o CC, cujo art. 339.º, n.º 2, 2.ª parte prevê o recurso à equidade na

fixação da eventual compensação pelo julgador (e não o sentido de assimilar atos lícitos

e estado de necessidade como institutos de semelhante natureza) (266

).

Importa salientar que a atual não alusão ao estado de necessidade no art. 16.º do

RRCEE poderia ter dois sentidos: por um lado, sublinhar a autonomia dos institutos; por

outro lado, remeter para o regime do art. 339.º do CC, dispositivo que deixa a atribuição

de indemnização nas mãos do juiz. O primeiro parece-nos evidente, o segundo nem por

isso, desde logo porque o CPA, nos artigos 3.º, n.º 2 e 151.º, n.º 1, refere o estado de

necessidade, acarinhando-o no seio do Direito Administrativo, sendo certo que, na

preterição de tal previsão, ele sempre se imporia como princípio geral de Direito (desde

(263) Cfr. Paulo OTERO, Causas de exclusão da responsabilidade civil extracontratual da AP por facto ilícito, in: Estudos em

homenagem ao Prof. Doutor José Manuel Sérvulo Correia, II, Coimbra, 2010, p. 971.

(264) Cfr. Acerca do estado de necessidade, ver José Manuel SÉRVULO CORREIA, Revisitando o estado de necessidade, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, Coimbra, 2010, pp. 719 e segs, e Diogo FREITAS DO AMARAL e

Maria da Glória DIAS GARCIA, O estado de necessidade e a urgência em Direito Administrativo, in «ROA», 1999/II, pp. 447 e

segs. (265) Ver, assim, o Acórdão do STA de 4 de Março de 2004 (Processo n.º 01353/03), caraterizador do comportamento em estado de

necessidade como a «actuação sob o domínio de um perigo iminente e actual para cuja produção não haja concorrido a vontade do

agente». (266) Em sentido contrário, Carlos FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade civil…, cit., pp. 366-367.

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logo, as figuras do estado de emergência e do estado de sítio (267

), ancoradas no art. 19.º

da Lei Fundamental, são concretizações do mesmo, no plano do Direito Constitucional).

Todavia, a invocação do regime de justificação da ilicitude que o n.º 1 do art. 339.º do

CC acarreta não implica necessariamente o regime indemnizatório descrito no n.º 2 do

mesmo preceito, precisamente porque, uma vez aí caraterizado um ato lícito, entra em

cena o art. 16.º do RRCEE, onde se encontram determinados os pressupostos de

aplicação e os critérios de arbitramento da compensação por facto administrativo lícito.

Assim, a norma especial tem preferência sobre o regime geral (e civil) do CC.

Porquanto, demarque-se que a causa de exclusão da ilicitude se não presume,

devendo ser processualmente clarificada pela Administração (ré), para se furtar à

responsabilização por facto ilícito, muito mais penalizante (quer nos termos do art. 7.º

do RRCEE, quer nos termos, literais pelo menos, do art. 11.º, do mesmo diploma legal).

Há um Acórdão que se pronunciou nesse sentido. Trata-se do Acórdão do STA de 17 de

Maio de 1988 (Processo n.º 025003), onde se pode ler que : «Para que se possa afirmar

a existência de um dano causado por estado de necessidade administrativa, ou seja de

um dano lícito, indemnizável nos termos do (…) artigo 9.º/2 do DL 48.051, de 67-11-

21, é necessário que se alegue e prove que a Administração agiu, ou omitiu, de forma

consciente e querida com o fim de causar esse específico dano para evitar um dano

maior».

Porém, outra causa de exclusão da ilicitude, mesmo sendo de verificação menos

comum, será o cumprimento de um dever.

Exemplo: imagine-se uma situação em que um assaltante barricado e

visivelmente desesperado, estando mesmo muito atormentado, ameaça matar um refém

(267) Como acentuam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA: «As situações de «excepção constitucional» previstas na CRP - «estado de sítio» e «estado de emergência» (n.º 1) – caracterizam-se ambas pela verificação de perigos graves para a existência do

Estado, a segurança e a organização da colectividade, que não podem ser eliminadas pelos meios normais previstos na Constituição,

mas apenas através de «medidas excepcionais». A caracterização constitucional não coincide, porém, com as tradicionais figuras do «estado de guerra» e «insurreição interna».

O «estado de sítio» e o «estado de emergência» são mais extensos que o «estado de guerra» ou «estado de insurreição» (que, aliás,

não têm autonomia constitucional e são, portanto, consumidos por aqueles). A fórmula constitucional engloba os clássicos état de siége réel (estado de sítio militar) e état de siége politique (estado de sítio político), mas sem se limitar a eles, abarcando outras

situações de emergência (calamidade pública) que não se reconduzem a estados de sítio político ou militar.

A Constituição reconhece duas figuras distintas – o «estado de sítio» e o «estado de emergência» - mas não define as diferenças entre o regime de cada uma. São as mesmas as situações que podem motivar um e outro (n.º 2); é igual a forma e o processo de

declaração de ambos (arts. 134.º/d, 138.º, etc.); são comuns os limites materiais e temporais dos dois (n.º 5). A única diferença

constitucionalmente assinalada é a que decorre do n.º 3, em termos do qual o estado de emergência é declarado quando os pressupostos exigidos no n.º 2 «se revistam de menor gravidade e apenas pode determinar a suspensão de alguns direitos, liberdades

e garantias». Trata-se de um afloramento da ideia de que o estado de emergência é um menos em relação ao estado de sítio, menos

gravoso para os direitos fundamentais, afectando menor número deles e restringindo o seu exercício menos intensamente. Essa diferença de regime existirá também quanto aos outros aspectos em que se traduz o estado de excepção constitucional, e pressupõe

que o estado de sítio exija uma situação de crise ou perturbação mais grave e intensa do que o estado de emergência». Cfr. J.J

GOMES CAMOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed. (revista), Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 399-400;

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em troca de um veículo de fuga. A proporcionalidade exigiria outro procedimento num

quadro menos emergencial, mas o agente das forças especiais alveja o assaltante e

sequestrador na cabeça, matando-o e salvando desta maneira o refém (a vida da pessoa

refém).

Ora, nas palavras de Carla AMADO GOMES: «O acto, que noutras

circunstâncias seria ilícito, surge aqui justificado, arrastando um eventual pedido de

ressarcimento por parte da família do vitimado assaltante para o plano da compensação

por acto lícito» (268

). Será um exemplo extremo, mas porventura concebível. Como

salienta Carla AMADO GOMES: «Questionável se afigurará, porém, a atribuição

efectiva de compensação, não em virtude da inverificação de dano especial e anormal

(que é cristalino), mas antes por via da concorrência de culpa do lesado. No Acórdão do

STA de I I de Março de 20I0, (…) discutiu-se precisamente a admissibilidade de

invocação da culpa do lesado (artigo 570º do Código Civil) no plano da compensação

por factos lícitos, tendo-se o Tribunal pronunciado pela positiva com base num

raciocínio baseado no argumento ad maiori ad minus: se no plano da ilicitude, a culpa

do lesado reduz ou mesmo elimina o dever de indemnizar por parte do lesante, por

maioria de razão isso sucederá no âmbito da actuação lícita» (269

).

Porém, o consentimento do lesado, fórmula consagrada no art. 340.º do CC,

serviu ao STA para afirmar a obrigação de compensar por ato lícito num caso, que

passamos a sumariar. Assim sendo, tratou-se de um pedido de efetivação da

responsabilidade por facto ilícito decorrente da violação do princípio da boa fé que, em

sede de recurso, o STA rechaçou. O que estava em causa era um pedido de

compensação por facto lícito a liquidar em execução de sentença, numa ação

apresentada por um promotor de loteamento que cedera ao Município áreas do terreno a

lotear, no quadro de uma operação de loteamento em curso e na expetativa que o pedido

apresentado viesse a ser deferido. Ora, tal como expressa Carla AMADO GOMES:

«Perante o insucesso do procedimento e a manutenção da ocupação dos terrenos pelo

Município, o promotor peticionou judicialmente o ressarcimento dos danos sofridos,

que lhe foi arbitrado, na primeira instância, assente em violação do princípio da boa fé»

(

268) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 44. (

269) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 44.

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(270

). O Acórdão de 20 de Maio de 2009 (Processo n.º 0333/08) do STA, ainda à luz do

antigo regime do DL n.º 48 051, afastou a fundamentação encontrada pelo tribunal a

quo, tendo-se pronunciado pela viabilidade da compensação por facto lícito, dado que

se verificara uma ocupação autorizada, embora sob condição resolutiva: «se o Alvará de

loteamento não vier a ser emitido, se os terrenos não forem restituídos e [se] se

verificarem os demais pressupostos do artigo 9º do DL 48.05I, de 2I de Novembro de

1967 (especialidade e anormalidade dos danos)».

Todavia, é de mencionar que estamos, decerto, num quadro atípico de

verificação desta causa de exclusão, dado vez que o consentimento atua normalmente a

priori sobre um ato que seria ilícito, formando-se como condição de validade da sua

emissão. Duplamente atípico mesmo, dado que no Direito Administrativo, enquanto

ramo do Direito Público, estaremos tendencialmente perante direitos indisponíveis, dos

quais os particulares não poderão abrir mão.

Exemplo: de entre os raros exemplos «típicos», conta-se o consentimento dos

destinatários de atos constitutivos de direitos válidos relativamente à sua revogação, nos

termos do art. 140.º, n.º 2 do CPA. Ora, questionável será saber se tal consentimento

deve conter de forma implícita uma renúncia a qualquer modalidade de compensação

por facto lícito. Exceto melhor entendimento, entendemos que a não menção expressa

do direito ao ressarcimento por facto de revogação consentida traduz uma implícita

renúncia a qualquer compensação, porque o titular do direito não cumpre o ónus de

caraterização do dano sofrido como especial e anormal.

Destarte, em contrapartida, paralelamente ao consentimento não está a aceitação

do ato administrativo, conforme defendia Margarida CORTEZ (271

), à luz do regime

processual anterior. O disposto no artigo 38.º, n.º 1 do CPTA não deixa atualmente

margem para dúvidas de que o incumprimento do ónus de impugnação de atos anuláveis

no prazo estabelecido no artigo 58.º, n.º 2, alínea b) (e excecionalmente, no n.º 4) do

CPTA não convalida o ato que se tornou diretamente insindicável, restando ao lesado a

possibilidade de efetivar a responsabilização do seu autor por facto ilícito, muito

(

270) Cfr. Carla AMADO GOMES, A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência, in:

«Revista do Ministério Público», n.º 129, Janeiro/Março, 2012, p. 45. (271) Ver Margarida CORTEZ, Responsabilidade Civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, Coimbra, Coimbra editora, 2000, pp. 85-90.

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embora, de forma natural, a inação processual possa ser ponderada contra o

peticionante, em termos da culpa do lesado.

4. A indemnização pelo sacrifício pode também constituir uma das formas de

responsabilidade civil da função administrativa

A indemnização pelo sacrifício pode também constituir uma das formas de

responsabilidade civil da função administrativa, correspondendo, em certa medida, à

responsabilidade por atos lícitos que antes estava regulada no art. 9.º do DL n.º 48 051.

A circunstância de ter sido objeto de tratamento legislativo autónomo no art. 16.º do

RRCEE deve-se ao fato de se ter pretendido estabelecer, como pressuposto da

indemnização, a existência de quaisquer razões de interesse público, independentemente

de a ação causadora do dano se inserir na função administrativa ou em qualquer das

demais funções estaduais. De referir ainda que, em consonância com esse mesmo

princípio, o CPTA autonomizou a indemnização pelo sacrifício como um dos tipos de

pretensões que podem ser deduzidas através da ação administrativa comum (artigo 37.º,

n.º 2, alínea g)), distinguindo-a da ação de responsabilidade civil extracontratual por

fato ilícito ou pelo risco, a que alude a alínea f) do mesmo preceito legal.

Porém, ao referir-se à imposição de encargos e à produção de danos, o legislador

pretende abarcar as situações que resultam da intencional imposição de encargos (ações

de proteção sanitária, medidas de direção económica, trabalhos públicos de

requalificação urbana, intervenções de cariz ambiental, certas medidas de polícia), e

também os danos ocasionalmente ocorridos no exercício de uma atividade lícita ou que

resultem de ações praticadas em estado de necessidade administrativa.

No entanto, apenas são indemnizáveis os encargos ou danos especiais e

anormais, o que quer dizer que esta categoria de responsabilidade civil, procurando

assegurar o pagamento de uma compensação a quem tenha sido afetado na sua esfera

jurídica por razões de interesse comum, visa essencialmente dar concretização prática a

um princípio de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, desvalorizando a

ocorrência de danos generalizados ou de pequena gravidade que devam ser

compreendidos como um encargo normal exigível como contrapartida dos benefícios

que derivam do funcionamento dos serviços públicos.

No regime transato, semelhante exigência resultava do art. 9.º do DL n.º 48 051

para a responsabilidade por factos lícitos, que era também tornada extensiva à

responsabilidade pelo risco (art. 8.º do DL n.º 48 051). Relativamente ao conceito de

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danos ou encargos especiais e anormais, releva neste sentido, na atualidade, o artigo 2.º

do RRCEE.

Todavia, a especialidade e a anormalidade são requisitos do prejuízo

indemnizável, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, e não propriamente um

critério do cálculo da indemnização. Isto é, apurado que determinados prejuízos são

indemnizáveis, por preencherem as caraterísticas de especialidade e anormalidade, há

lugar à indemnização pelo sacrifício desde que se verifiquem os restantes requisitos

materiais do dever ressarcitório. Nestes termos, a exigência de um prejuízo ou encargo

especial e anormal não obstaria só por si a que se fixasse uma indemnização

correspondente à integralidade dos prejuízos ou encargos dessa natureza que tivessem

sido produzidos ou impostos. No entanto, o art. 16.º do RRCEE manda atender, para o

cálculo da indemnização, designadamente, ao «grau de afetação do conteúdo substancial

do direito ou interesse violado ou sacrificado» (272

). Tal indicação legislativa pressupõe

que se efetue uma apreciação equitativa do valor do encargo ou do dano, e que, dessa

forma, poderá não corresponder ao montante económico que esteja efetivamente em

causa. De referir que, evidencia, por outro lado, o caráter compensatório, e não

meramente reparatório da indemnização, o que se compadece com a consideração de

que os direitos ou interesses que possam ser sacrificados, em muitas situações, pela sua

própria natureza, serão só suscetíveis de uma avaliação pecuniária indireta.

Destarte, em qualquer caso, compete ao tribunal o controlo da legitimidade do

interesse público invocado, havendo que diferenciar entre os atos ablativos ou

praticados em estado de necessidade administrativa, que se encontram legitimados pela

realização do interesse público – e que, por isso justificam a indemnização limitada nos

termos do art. 16.º do RRCEE – daqueles outros atos que, de alguma forma, importam

um desvio aos critérios de legalidade e que caem sob a alçada da responsabilidade por

facto ilícito, como é o caso da medida policial que viola os princípios da necessidade e

da proporcionalidade, ou do ato expropriativo que excede o necessário para os fins de

utilidade pública em causa.

(272) Cfr., consultar www.csm.org.pt/ficheiros/eventos/6encontrocsm_carloscadilha2.pdf.

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5. O regime das expropriações em sede de Direito do Urbanismo

Iremos agora abordar um ponto importante que é o concernente à complexa

diferença entre a figura da indemnização pelo sacrifício, enquanto modalidade de

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito

público, e a expropriação de sacrifício. Assim, pode-se distinguir dois sentidos de

expropriação: a expropriação em sentido clássico ou expropriação clássica (klassiche

Enteigung) e a expropriação de sacrifício (Aufopferungsenteigung), também

denominada expropriação substancial ou larvada.

Contudo, passaremos agora às definições dos tipos de expropriação citados.

Assim sendo, a expropriação clássica pode ser definida como um ato de privação ou de

subtração de um direito de conteúdo patrimonial e na sua transferência para um sujeito

diferente, para a realização de um fim público. Estamos perante uma noção elaborada

pela doutrina e jurisprudência germânicas, mas que hoje é perfeitamente aceite pela

doutrina e jurisprudência portuguesas, para expressar fenómenos expropriativos nos

quais se verifica simultaneamente um momento privativo e um momento apropriativo

do direito de propriedade. Ora, a expropriação clássica apresenta-se como um

procedimento de aquisição de bens (Guterbeschaffungsvorgang), visando a realização

de um interesse público. Subscrevendo Fernando ALVES CORREIA: «O principium

individuationis do conceito clássico de expropriação é a mudança de titular do direito»

(273

).

Destarte, a expropriação pelo sacrifício também tem uma noção. Assim, a

expropriação pelo sacrifício carateriza-se por uma destruição ou uma afetação essencial

de uma posição jurídica garantida como propriedade pela CRP, à qual falta, no entanto,

o momento translativo do direito, bem como a relação tripolar: entidade expropriante –

expropriado - beneficiário da expropriação. Estamos perante atos do poder público cujo

escopo não é o da aquisição de um bem para a realização de um interesse público, mas

que produzem modificações especiais e graves na utilitas do direito de propriedade e

que devem ser qualificados como expropriativos e, consequentemente, ser

acompanhados do dever de indemnizar. Ora, a caraterização dos atos mencionados

como expropriativos tem como base a evolução expansiva que, nas últimas décadas,

sofreu o conceito de expropriação e a consequente superação da definição de

expropriação enquanto transferência coativa de um bem.

(273) Fernando ALVES CORREIA, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES CANOTILHO, in: «STVDIA

IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6, Vol. I, Responsabilidade entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 229.

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Porém, os contributos mais importantes para tal evolução vieram da doutrina e

da jurisprudência germânicas, embora o conceito alargado de expropriação não seja

desconhecido de outros ordenamentos jurídicos, como, por exemplo, o italiano, onde,

desde há alguns anos, a jurisprudência e a doutrina elaboraram a definição de

expropriação substancial, larvada ou anómala, aplicada aos atos da Administração que

aniquilam a índole mínima, essencial ou intangível do direito de propriedade (274

).

Todavia, no Direito Internacional Público, também se utiliza uma definição

ampla de expropriação, na medida em que se inclui nesta, como dispõe FAUSTO DE

QUADROS: «os actos que consistem em medidas de diversa natureza, adoptados pelos

Estados, de fonte legislativa, regulamentar ou administrativa, que afectam (diminuem

ou esvaziam) as faculdades incluídas no direito de propriedade de estrangeiros, isto é, as

faculdades de usar, de fruir e de dispor do bem, sem todavia retirarem formalmente ao

particular o direito de propriedade […]». Assim, a grande finalidade da jurisprudência e

doutrina internacionais, ao elaborarem um conceito amplo de expropriação, é a de

determinar quais os atos que dão ao particular direito a ser indemnizado e qual o critério

a que deve obedecer o particular (275

).

Contudo, na mesma linha, a Jurisprudência do TEDH vem utilizando uma noção

ampla de expropriação, a propósito da interpretação do art. 1.º do 1.º Protocolo

Adicional, de 20 de Março de 1952, à Convenção Europeia dos Direitos do Homem

(recebido in foro domestico com a Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, que o aprovou para

ratificação), cuja índole é a seguinte: «Qualquer pessoa singular ou colectiva tem direito

ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade, a não

ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais de

direito internacional. As disposições precedentes entendem-se sem prejuízo do direito

que os Estados possuem de aprovar leis que julguem necessárias para a regulamentação

do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de

impostos ou outras contribuições ou de multas». De referir que foi no Ac. «Sporrong e

Lonnroth», de 23 de Setembro de 1982, que aquele Tribunal lançou mão, pela primeira

vez, de um conceito amplo de expropriação (muito embora sem o referir

expressamente).

(274) Cfr., para mais desenvolvimentos, vd. Fernando ALVES CORREIA, As Garantias do Particular, cit., pp. 77-86, O Plano

Urbanístico…, cit., p. 473-476 e 491-492, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, in: «Separata da Revista de Legislação e de Jurisprudência», Coimbra, 2000, pp. 12-21, e

Manual de Direito do Urbanismo, Vol. II, cit., pp. 131-138, bem como a bibliografia nelas citada.

(275) Cfr. FAUSTO DE QUADROS, A Protecção da Propriedade Privada pelo Direito Internacional Público, Coimbra, Almedina, 1998, pp. 190 e segs., em especial, p. 205.

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Todavia, relativamente ao ordenamento jurídico nacional, por um lado, o

legislador assumiu de forma nítida o conceito de expropriação de sacrifício, envolvendo

atos do poder público cujo escopo não é o da aquisição de um bem para a realização de

um interesse público, mas que aniquilam o conteúdo mínimo, essencial ou intangível do

direito de propriedade, e cujo cálculo da indemnização é efetuado nos termos do Código

das Expropriações (CE), desde logo, no art. 8.º, números 2 e 3, do citado diploma legal,

relativo às servidões que dão lugar a indemnização, e nos artigos 18.º, n.º 2, da Lei de

Bases da Política de Ordenamento do Território (LBPOTU), aprovada pela Lei n.º

48/98, de 11 de Agosto, alterada pela Lei n.º 54/2007, de 31 de Agosto, e 143.º do

Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo DL n.º

380/99, de 22 de Setembro, alterado, por último, pelo DL n.º 46/2009, de 20 de

Fevereiro, pelo DL n.º 181/2009, de 7 de Agosto, e pelo artigo 8.º do DL n.º 2/2011, de

6 de Janeiro, relativo às «expropriações do plano»; por outro lado, a jurisprudência do

TC (276

) e de outros tribunais tem utilizado, com frequência, a ideia de expropriação de

sacrifício. Neste sentido, veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de

Janeiro de 2005 (Processo n.º 2118/2000), que decidiu, inter alia, que, «atentos os

princípios constitucionais de igualdade, de justa indemnização e do Estado de direito

democrático, deve, a par da expropriação clássica, ser também considerada a

expropriação de sacrifício, a demandar igualmente uma justa indemnização».

Porém, embora haja quem defenda um retorno (no nosso entender e de Fernando

ALVES CORREIA, será um retrocesso) a uma definição formal de expropriação e

advogue a superação das noções de expropriação em sentido clássico e expropriação de

(276) Não resistimos a colocar aqui a nota de rodapé vinda da obra: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES

CANOTILHO, in «STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade: entre Passado e Futuro, Boletim da

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, nota 38, p. 232: «Assim, nos Acórdãos n.ºs 341/86 e 131/88 (publicados no DR, II Série, de 19 de Março de 1987, e I Série, de 29 de Junho de 1988, e em Acórdãos do Tribunal

Constitucional, 8.º Vol. (1986), p. 507 e segs., e 11.º Vol. (1988), p. 465 e segs., respetivamente), foi acentuado que, “mesmo

naqueles casos em que a Administração impõe aos particulares certos vínculos que, sem subtraírem o bem objecto do vínculo, lhes diminuem, contudo, a utilitas rei, se deverá configurar o direito a uma indemnização, ao menos quando verificados certos

pressupostos”. No Acórdão n.º 184/92 (publicado do DR, II Série, de 18 de Setembro de 1992, em Acórdãos do Tribunal

Constitucional, 22.º Vol. (1992), p. 425 e segs.), vincou-se que “a diminuição das utilidades da coisa, por virtude da imposição de certos vínculos administrativos (maxime de uma servidão non aedificandi), é susceptível de fazer nascer uma obrigação de

indemnizar” e que, “por isso, resultando a servidão non aedificandi do acto expropriativo, tem ela de ser levada em conta na

determinação do montante a pagar, a título de indemnização”. Por sua vez, no Acórdão n.º 52/90 (publicado no DR, I Série, de 30 de Março de 1990, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15.º Vol. (1990), p. 49 e segs.), referindo-se à definição de expropriação

apresentada por Marcello Caetano, acrescentou-se que tal é uma “noção clássica” de expropriação. Por seu lado, no Acórdão n.º

262/93 (publicado no DR, II Série, de 21 de Julho de 1993, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º Vol. (1993), p. 643 e segs.), esclareceu-se que, “no caso de constituição de servidão non aedificandi, como o que é referido pela decisão recorrida à norma

do art. 3.º, n.º 2 (do CE de 1976), aqui em apreço, não se configura uma expropriação em sentido clássico, ou seja, uma

expropriação translativa do direito de propriedade do solo do particular para a Administração. Está antes em causa uma expropriação que sacrifica o jus aedificandi do proprietário do solo por motivos de interesse geral”. E, por último, os Acórdãos n.ºs

329/99 e 517/99 (publicados no DR, II Série, de 20 de Julho de 1999, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 44.º Vol. (1999),

p. 129 e segs., e no DR, II Série, de 11 de Novembro de 1999, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 44.º Vol. (1999), p. 89 e segs., respetivamente) têm subjacente a ideia de que “a declaração da incompatibilidade de licenças e aprovações urbanísticas com

as regras constantes de um PROT que é utilizado como padrão de juízo de compatibilidade, tendo tal declaração como consequência

a cessação dos efeitos das referidas licenças ou aprovações, constitui uma expropriação de sacrifício ou uma expropriação em sentido substancial de “direitos urbanísticos” conferidos por actos administrativos válidos», de Fernando ALVES CORREIA.

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sacrifício, através da introdução do conceito de «determinação do conteúdo do direito

de propriedade envolvendo um dever de compensação» (277

) – com a consequente

devolução para o art. 16.º do RRCEE da indemnização dos danos resultantes de atos do

poder público que afetem de modo substancial, no todo ou em parte, as «faculdades» de

um direito privado de valor patrimonial -, entende-se que a definição de expropriação de

sacrifício é uma relevante definição operativa, indispensável, portanto, para o

fundamento e explicação de algumas soluções adotadas pelo legislador português. Ora,

a posição defendida por M. NOGUEIRA DE BRITO, baseia-se na

Nassauskiesungsbeschluss do Tribunal Constitucional Federal Alemão de 15 de Julho

de 1981, na qual foi redefinido o conceito constitucional de expropriação, aproximando-

o da noção de expropriação clássica. Nos termos daquela decisão judicial, o critério

decisivo para a noção de expropriação é a ablação, total ou parcial, de uma posição

jurídica de valor patrimonial por um ato jurídico de autoridade direcionado para fins

públicos determinados. Decisivas para a noção de expropriação são, desta forma, a

forma e a finalidade, não a intensidade e a qualidade da intervenção.

Todavia, o Tribunal Constitucional Federal Alemão deu-se conta de que a

expropriação, assim definida, e a determinação do conteúdo e limites do direito de

propriedade sem indemnização não abarcavam todas as situações. Daí que tenha

recorrido à definição de «determinação do conteúdo do direito de propriedade que

envolve um dever de compensação» (die ausgleichspflichtige Inhaltsbestimmung),

precisamente para responder àqueles casos em que o particular suporta um dano

especial (singular) e anormal (grave) no seu direito de propriedade, por motivos de

interesse público. Podemos questionar-nos, se, por esta via, não terá o Tribunal

Constitucional Federal Alemão ressuscitado o conceito amplo de expropriação, nele

incluindo a expropriação de sacrifício, que tinha abandonado com o conceito restrito de

expropriação da Nassaukiesungsbeschluss.

No entanto, há que referir que é o que sucede, em primeiro lugar, com as

servidões administrativas, resultantes ou não de expropriações, que dão lugar a

indemnização. Nos termos do art. 8.º, n.º 2, do CE – e deixando, agora, de lado as

questões que este preceito suscita -, dão origem a indemnização as servidões

administrativas que inviabilizem a utilização que vinha sendo dada ao bem, considerado

globalmente; ou anulem completamente o seu valor económico. De mencionar, ainda,

(277) Ver M. NOGUEIRA DE BRITO, A Justificação da Propriedade Privada numa Democracia Constitucional, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 993-1032, e Fernando ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico…, cit., p. 484, nota 44.

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que o n.º 3 do art. 8.º, do CE, prescreve que a determinação da indemnização é feita nos

termos dom CE, com as necessárias adaptações. Quer dizer: o legislador nacional não só

como devendo ser acompanhadas de indemnização as servidões administrativas que

constituem verdadeiras expropriações de sacrifício (embora tenha feito de modo

incompleto), como ainda determinou que o critério de cálculo do montante da

indemnização deve ser o estabelecido no Código das Expropriações (278

).

Destarte, a mesma situação acontece com o que se vem denominando, há alguns

anos já, expropriações do plano, a que se reportam o art. 18.º da LBPOTU e o art. 143.º

do RJIGT. Trata-se de certas disposições dos planos direta e imediatamente vinculativos

dos particulares que produzem danos especiais (singulares) e graves (anormais) no

direito de propriedade do solo e que, por isso, devem ser consideradas como tendo um

caráter expropriativo, as quais, no caso de os danos delas resultantes não poderem ser

compensados através dos «mecanismos de perequação», devem ser acompanhadas de

indemnização. Assim, o art. 18.º, n.º 2, da LPBOTU estabelece que, sempre que aqueles

planos determinem «restrições significativas de efeitos equivalentes a expropriação» e,

bem assim, «restrições significativas a direitos de uso do solo preexistentes e

juridicamente consolidados», existe a obrigação de indemnizar, desde que a

compensação daquelas restrições não possa ter lugar através dos «mecanismos de

perequação» dos benefícios e encargos dos mesmos resultantes. Porém, o art. 143.º, n.ºs

2 e 3, do RJIGT, sem curar, agora, dos problemas de constitucionalidade que estas

normas suscitam, prescrevem, respetivamente, que «são indemnizáveis as restrições

singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e

juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização

de efeitos equivalentes a uma expropriação» e que «as restrições singulares às

possibilidades objectivas de aproveitamento do solo resultantes da revisão dos

instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas conferem direito a

indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua

entrada em vigor, determinando a caducidade ou a alteração das condições de um

licenciamento prévio válido» (279

) (280

).

Todavia, de modo idêntico se passam as coisas no domínio das situações de

indemnização dos danos especiais (singulares) e graves (anormais) das medidas

(278) Ver Fernando ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2008, pp. 332-337. (279) Ver Fernando ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I., cit., pp. 764-791.

(280) Em todos estes casos de expropriação do plano (que são verdadeiras expropriações de sacrifício, o valor da indemnização

corresponde à diferença entre o valor do solo antes e depois das restrições causadas pelos instrumentos de gestão territorial, sendo calculado nos termos do CE. É o que resulta do n.º 4 do art. 143.º do RJIGT.

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preventivas dos planos municipais (e especiais) de ordenamento do território, tipificadas

nos artigos 112.º, n.ºs 6 e 7, e 116.º, n.º 2, do RJIGT (281

).

A diferença entre a indemnização pelo sacrifício, como modalidade de

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, e a

expropriação de sacrifício revela-se relevante por diversas razões.

Primo, o fundamento da indemnização. Na indemnização pelo sacrifício, o

fundamento, encontra-se, nos princípios do Estado de Direito e da igualdade perante os

encargos públicos. Na expropriação de sacrifício, o fundamento vai buscar-se não só a

estes dois princípios constitucionais, mas também ao princípio da justa indemnização

por expropriação, condensado no art. 62.º, n.º 2, da CRP.

Secundo, a natureza da indemnização. Na indemnização pelo sacrifício, a

indemnização é uma consequência do ato impositivo de encargos ou causador de danos

especiais e anormais, enquanto na expropriação de sacrifício a indemnização é um

pressuposto de validade do ato expropriativo, como resulta de forma nítida do art. 62.º,

n.º 2, da nossa Lei Fundamental (282

). Relativamente à indemnização, trata-se do quarto

pressuposto de legitimidade da expropriação por utilidade pública. Nas palavras de

Fernando ALVES CORREIA: «Esta não é somente a principal garantia do expropriado.

É também um requisito de validade do acto expropriativo» (283

). Os outros três

pressupostos de legitimidade da expropriação por utilidade pública são: o princípio da

legalidade (art. 62.º, n.º 2 da CRP), o princípio da utilidade pública e o princípio da

proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso. Assim, de facto, desde

as revoluções liberais começou a entender-se que, quando fosse desferido um ataque tão

grave na esfera jurídica patrimonial do particular, devia ser previamente reconhecido

pelo ordenamento jurídico-constitucional o direito de o expropriado ser ressarcido dos

danos que lhe eram causados. Ora, as Constituições dos diversos países passaram a

consagrar o princípio segundo o qual a indemnização é um pressuposto de legitimidade

da expropriação. Tal princípio é o condensado no art. 62.º, n.º 2, da CRP, segundo o

qual a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento de

justa indemnização».

Tetrio, o critério da indemnização. Na indemnização pelo sacrifício a

indemnização é calculada com base nos critérios elencados e definidos nas normas

(281) Cfr., para mais desenvolvimentos, vd. Fernando ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, cit., pp. 548-550.

(282) Cfr., para mais desenvolvimentos, vd. Fernando ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. II, Coimbra,

Almedina, 2010, pp. 202-204 e 209-269. (283) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. II, cit., p. 202.

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conjugadas dos arts. 16.º e 3.º do RRCEE. Na expropriação de sacrifício, a

indemnização apura-se com base no critério definido no CE, devendo, todavia,

corresponder ao valor de mercado (Verkehrswert) do bem expropriado, compreendido

não em sentido estrito ou rigoroso, mas em sentido normativo (valor de mercado

normativamente entendido) (284

).

Porém, e como lembra Maria Lúcia C. A. AMARAL PINTO CORREIA,

convém frisar que o n.º 2, do art. 62.º da Lei Fundamental (285

), «se destina tão somente

(284) Ver Fernando ALVES CORREIA, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o

Código das Expropriações de 1999, cit..., pp. 32-54, e Manual de Direito do Urbanismo, Vol. II, cit., pp. 209-269.

(285) Tal como sublinham GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA na Constituição da República Portuguesa Anotada…cit...,: «A norma consagradora da requisição e da expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização e uma norma de garantia.

Por um lado, confere aos poderes públicos o poder expropriatório autorizando-os a procederem à privação da propriedade ou de

outras situações patrimoniais dos administrados; por outro lado, reconhece ao cidadão um sistema de garantias que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização.

Porém, valem aqui, inteiramente, os princípios constitucionais relativos à restrição de direitos fundamentais,

nomeadamente o princípio da necessidade e da proporcionalidade. O recurso à expropriação apenas deve ter lugar quando se gorar a aquisição por via negocial, que deve ser previamente explorada, salvo porventura em caso de urgência excepcional.

Todavia, note-se que a nível histórico o instituto da expropriação sofreu duas relevantes mudanças desde as primeiras

constituições liberais, em que ela só era admitida em caso de necessidade pública e mediante prévia indemnização (cfr. art. 6.º da Constituição de 1822). Hoje, diante da CRP, basta a utilidade pública para justificar a expropriação e, embora o pagamento da

indemnização não possa ser arbitrariamente protelado, não é condição o seu prévio pagamento.

O princípio da legalidade (art. 62.º, n.º 2 da CRP) não é mais do que a aplicação geral de que as intervenções no âmbito de protecção dos direitos, liberdades e garantias só podem ser estabelecidas por lei (art. 18.º, n.º 2, da CRP).

A expropriação carece sempre de uma base legal (princípio da legalidade). No caso de expropriação através de lei, a

autorização reside na própria lei expropriatória (expropriação legal); na hipótese de expropriação administrativa, a lei há-de estabelecer com suficiente rigor os requisitos do acto expropriatório, que exige uma prévia declaração de utilidade pública da

expropriação a efectuar.

Através da declaração de utilidade pública, especifica-se o fim concreto da expropriação e individualizam-se os bens sujeitos a ela. A expropriação é, desta forma, uma medida concreta, tornando-se mais transparente o controlo do pressuposto da

utilidade pública. Problemática é a admissibilidade de declaração implícita de utilidade pública (v. g., aprovação de um plano

urbanístico de pormenor), o que de qualquer forma, não poderá admitir-se senão em termos muito limitados. Não é isento de dúvidas o conceito de utilidade pública. O texto constitucional pressupõe o conceito no âmbito do direito

administrativo e que se traduz no acto através do qual a autoridade competente (em geral, o ministro do respectivo departamento)

atesta o interesse público da obra ou trabalho legitimador do sacrifício de bens ou direitos patrimoniais dos particulares. Todavia, utilidade pública não significa exclusivamente utilidade em benefício do interesse de entidades públicas, podendo tratar-se de

utilidade pública na prossecução de interesses privados («utilidade pública desportiva», «utilidade pública turística») sendo então os

bens expropriados transferidos para entidades privadas, mas este alargamento de utilidade pública deverá, como é óbvio, estar sujeito a requisitos especiais, sob pena da expropriação se transformar numa forma de ablação de bens particulares a favor de outros

particulares. O pagamento de justa indemnização (n.º 2, in fine, do art. 62.º da CRP) é o terceiro pressuposto constitucional da

requisição e da expropriação. Na verdade, não passa de uma expressão particular do princípio geral, ínsito no princípio do Estado de

direito democrático, de indemnização pelos actos lesivos de direitos e pelos danos causados a outrem. Em certo sentido, o direito de propriedade (e os demais direitos reais sobre os bens expropriados) transforma-se, em caso de requisição ou expropriação, no direito

ao respectivo valor.

É certo que, determinando a Constituição que a indemnização há-de ser «justa», ela não estabelece, porém, qualquer critério indemnizatório («valor venal», «valor de mercado», «valor real», etc.); mas é evidente que os critérios definidos em lei têm

de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias

ou manifestamente desproporcionais em relação à perda do bem requisitado ou expropriado. Por outro lado, a justa indemnização deve respeitar o princípio da equivalência de valores, expulsando desta equivalência valores especulativos ou ficcionados,

decisivamente perturbadores da «justa medida», que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua indemnização.

(Maior liberdade parece gozar a lei no caso de «apropriação pública», por via de nacionalização, como decorre do art. 83.º da CRP). É de mencionar ainda que a Constituição, embora não imponha expressamente que a indemnização seja prévia à expropriação,

parece exigir que ela seja um elemento integrante do próprio acto de expropriação («mediante pagamento de justa indemnização»).

Menos exigente parece ser, também aqui, o regime das indemnizações por efeito de nacionalização (cfr. art. 83.º da CRP). A ideia de justa indemnização comporta, deste modo, duas dimensões relevantes: (a) uma ideia tendencial de

contemporaneidade, pois, embora não sendo exigível o pagamento prévio, também não existe discricionariedade quanto ao

adiamento do pagamento da indemnização; (b) justiça de indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado, o que pressupõe a fixação do valor dos bens ou direitos expropriados que tenha em conta, por exemplo, a natureza dos

solos (aptos para construção ou para outro fim), o rendimento, as culturas, os acessos, a localização, os encargos, etc.; ou seja, as

circunstâncias e as condições de facto. Dado que a garantia da propriedade contra a expropriação arbitrária se estende também à propriedade de pessoas

colectivas de direito público dotadas de independência patrimonial e financeira (ex: municípios, ordens profissionais), também elas

têm o direito a uma compensação pela desapropriação dos seus bens a favor do Estado ou pela sua afectação definitiva a outros fins de utilidade pública.

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a consagrar o instituto da expropriação por utilidade pública, mero detalhe jurídico-

administrativo e mera zona periférica face à sede capital dos princípios que já se

encontram alojados no n.º 1, do referido diploma legal. Contudo, o n.º 2, do art. 62.º da

CRP deve ser lido conjuntamente com o n.º 1, assim interpretado. Ora: «A requisição e

a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e

mediante o pagamento de justa indemnização». Dizer isto é o mesmo que afirmar -

ninguém poderá ser privado da sua «propriedade» a não ser em casos de utilidade

pública legalmente verificada e mediante o pagamento de justa indemnização. De

mencionar que a norma que aqui se inclui é, portanto, uma norma inicial de proibição –

fica em princípio proibida a prática de atos que conduzam à «privação» da

«propriedade» – que é completada pela enumeração das condições que consentem a sua

própria exceção, ou, o que é o mesmo, pela enumeração das condições que legitimam a

prática do ato em princípio proibido. Tais condições, ou requisitos de legitimação do ato

de privação da propriedade, são três. É em primeiro lugar necessário que o ato seja

justificado por razões imperiosas de «utilidade pública»; é em segundo lugar necessário

que o ato seja efetuado «com base na lei»; é em terceiro lugar necessário que o ato seja

praticado «mediante o pagamento de justa indemnização». Reunidas, estas três

condições originam a «requisição» e a «expropriação por utilidade pública»: a privação

da propriedade será portanto no Direito Português conduta lícita, se e apenas se integrar

no seu seio todos os elementos típicos que formam estes dois Tatbestanden» (286

).

No entanto, o Código das Expropriações não contém só a disciplina da

expropriação por utilidade pública dos bens imóveis e direitos a eles inerentes (art. 1.º),

abrange também o regime da requisição por utilidade pública dos mesmos tipos de bens

Embora a Constituição não o explicite, a garantia da propriedade implica o reconhecimento do direito de reversão a

favor dos proprietários expropriados, se os bens não forem utilizados ou aplicados ao fim justificativo da expropriação durante um

lapso de tempo razoável (cfr. L n.º 168/99, art. 5.º), pois isso mostra que, afinal, não havia uma necessidade actual da expropriação

para a realização do interesse público invocado. Se a expropriação só pode ser justificada pela utilidade pública, então a falta de destinação dos bens expropriados aos fins que a motivaram torna injustificável a expropriação. Sendo assim, a consumação da

expropriação fica dependente da efectiva aplicação dos bens expropriados a fins de utilidade pública. Controversa é a questão de

saber se a entidade beneficiária da expropriação pode destinar os bens expropriados a outros fins de utilidade pública, diferentes dos que motivaram a expropriação, ou se terá de proceder a uma renovação da expropriação.

O direito de propriedade cabe naturalmente também a pessoas colectivas, pois não se verifica nenhuma

incompatibilidade com a personalidade colectiva (art. 12.º, n.º 2, da CRP). A Constituição não sugere nenhum eco da primitiva aversão liberal à «propriedade de mão morta» - que limitava fortemente a propriedade imobiliária de associações e outras

instituições -, em homenagem à propriedade livre, aberta ao comércio jurídico. Mas isso não quer dizer que a lei, no âmbito geral

das restrições ao direito de propriedade, não possa estabelecer limitações à propriedade imobiliária das pessoas colectivas. Do direito de propriedade «privada» (para além dos bens do domínio público) não estão excluídas as pessoas colectivas

públicas, salvaguardada a necessidade dos bens para o desempenho das suas atribuições (o que limita a sua liberdade de aquisição e

alienação, podendo determinar a sua indisponibilidade), bem como a salvaguarda do interesse público (o que limita a sua liberdade de uso e fruição). Por isso, embora o Estado e as pessoas colectivas públicas possam ter propriedade privada, ela está em geral

sujeita a um regime específico («direito privado administrativo»).

Igualmente protegido está o direito de propriedade dos estrangeiros (art. 15.º, n.º 1, da CRP), embora o interesse público possa justificar algumas restrições específicas, por exemplo em matéria de propriedade fundiária, o que porém está excluído, em

princípio, em relação aos cidadãos de outros Estados-membros da EU». Cfr. J.J GOMES CAMOTILHO/VITAL MOREIRA,

Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed. (revista), Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 807-810; (286) Cfr. Maria Lúcia C. A. AMARAL PINTO CORREIA, ob. cit., pp. 553 e 559.

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e direitos, incluindo os estabelecimentos comerciais ou industriais (arts. 80.º a 87.º)

(287

).

De mencionar que, a identidade substancial da expropriação e da requisição

esteve certamente na base da previsão conjunta destes dois institutos no art. 62.º, n.º 2,

da CRP e da sua subordinação a semelhantes princípios constitucionais de legitimidade:

princípios da legalidade, da utilidade pública, da proporcionalidade em sentido amplo

ou da proibição do excesso e da justa indemnização.

Ora, a natureza substancialmente expropriativa da requisição por utilidade

pública não impediu o legislador de compor o regime deste instituto com algumas

especificidades, sendo elas bem visíveis, desde logo, nos domínios das causae

requisitandi, dos efeitos da requisição, dos requisitos de validade do ato de requisição,

do critério da indemnização e da entidade competente para a fixação do montante desta.

Deste modo, o n.º 1 do art. 80.º do CE estabelece requisitos mais rigorosos para

o exercício do jus requisitandi do que para a expropriação. A causa da requisição é a

realização e um interesse público e nacional em caso de urgente necessidade (art. 80.º,

n.º 1). O ato de requisição visa fazer face a necessidades extraordinárias, urgentes e

transitórias (288

). Quanto aos efeitos, a requisição tem uma eficácia puramente

obrigacional, na medida em que impõe ao proprietário do bem objeto de requisição a

obrigação de entregar à entidade a favor de quem se operar a requisição o bem

requisitado e de assegurar-lhe o gozo (temporário) deste, dentro dos limites da

requisição (art. 86.º, n.º 2). Porém, o art. 82.º estabelece particulares exigências no que

tange à validade do ato de requisição. Como alertava Rogério SOARES: «O acto

constitutivo do procedimento da requisição (a portaria do membro do Governo que tiver

a seu cargo a tutela do interesse público e nacional justificativo da requisição) é

precedido de um acto instrumental com conteúdo deliberativo, justamente uma

(287) Porém, encontram-se, pois, atualmente congregados, num mesmo diploma legal, os regimes dos dois mais importantes atos ablatórios dos direitos de conteúdo patrimonial do particular (a expropriação e a requisição por utilidade pública), quando o seu

objeto é constituído por bens imóveis e direitos a eles inerentes (saliente-se que a regulamentação do Código de 1999 deixa de fora a

requisição de bens móveis e semoventes e de serviços). Ora, a inclusão, no Título VII do Código, do travejamento jurídico da requisição de bens imóveis e direitos a eles inerentes, tal como o fez o anterior Código de 1991, não teve qualquer eco na

denominação do mesmo, que continuou a ser apelidado Código das Expropriações. O fundamento do acolhimento no Código do

regime da requisição por utilidade pública – regime claramente inspirado na regulamentação da requisição de infra-estruturas desportivas, operada inicialmente pelo DL n.º 153-A/90, de 16 de Maio – reside, tal como diz Fernando ALVES CORREIA, «na

interiorização por parte do legislador da ideia, já por este defendida noutra altura, de que a requisição de bens ou direitos de

conteúdo patrimonial cabe, como figura ablatória, num conceito amplo de expropriação, não sendo mais do que uma forma especial desta». Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Parecer de 2 de Fevereiro de 2009, in: A Requisição Estadual e o Autódromo do Estoril,

Autodril, S.A. (sem data), p. 14, e ver Fernando ALVES CORREIA, As Garantias do Particular…, cit., pp. 64-67.

(288) De mencionar que a requisição, interpolada ou sucessiva, de um mesmo bem tem uma duração temporal máxima, que o n.º 2 do art. 80.º fixa em um ano, e que se conta nos termos do art. 279.º do CC.

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deliberação preliminar, na forma de resolução do Conselho de Ministros, que serve de

pressuposto ao acto de requisição e que não tem autonomia em relação a este» (289

) (290

).

Quanto à requisição, a justa indemnização a conferir ao requisitado tem como

parâmetro o prejuízo que para aquele advém da requisição (artigo 84.º, n.º 2 do CE),

sendo a indemnização fixada mediante acordo expresso entre o beneficiário da

requisição e o proprietário do bem requisitado. Porém, na falta de tal acordo, a

competência para a determinação do quantitativo indemnizatório é cometida, em

primeira instância, ao ministro responsável pelo setor, sob proposta do serviço com

atribuições na área (artigo 84.º, n.º 4, alíneas a) e b) do CE). A opção do Código em

atribuir a um órgão da AP – o ministro – a competência, ainda que com possibilidade de

recurso para os tribunais judiciais, para fixar o montante da indemnização por

requisição, na ausência de acordo entre a entidade requisitante e a entidade requisitada,

suscita-nos reservas. O dissenso entre requisitante e requisitado acerca do quantum da

indemnização consubstancia, assim como no caso da expropriação, um conflito de

interesses ou de pretensões entre dois sujeitos jurídicos, cuja dirimição deve caber ao

poder judicial. Ora, a composição de tal conflito de interesses entre o requisitante e o

requisitado configura uma atividade materialmente jurisdicional, já que ela, para nos

expressarmos com Afonso QUEIRÓ, constitui expressão de um ato que, tal como dizia

Afonso QUEIRÓ: «não apenas pressupõe, mas é necessariamente praticado para

resolver uma questão de direito» (291

).

Voltando ao assunto da expropriação, iremos agora fazer referência à

competência. Assim, relativamente à competência para conhecer dos litígios

concernentes à indemnização pelo sacrifício, a questão não se apresenta tão clara. Com

efeito, se dúvidas inexistem em relação à competência dos tribunais administrativos

para julgar os litígios relativos à indemnização pelo sacrifício, desde logo em

consequência do disposto no art. 4.º, n.º 1, alíneas g), h) e i), do ETAF, bem como do

estabelecido no art. 37.º, n.º 1, alínea g), do CPTA, que determina que seguem a forma

de ação administrativa comum os processos que tenham por objeto litígios relativos à

«condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios

por razões de interesse público», o mesmo não sucede com a noção da competência para

(289) Ver artigos 82.º, n.º s 1 e 2, 82.º, n.ºs 3 e 4 e 87.º todos do CE. Ver também o art. 84.º, n.º 3 do mesmo diploma legal.

(290) Cfr. Rogério SOARES, Direito Administrativo, Coimbra, 1980, p. 130; (291) Ver Afonso QUEIRÓ, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 1976, pp. 43, 44 e 51, e A Função Administrativa, in:

«Separata da RDES», XXIV (n.ºs 1, 2 e 3), Coimbra, 1977, pp. 30 e 31. Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Código das

Expropriações e Outra Legislação sobre Expropriações por Utilidade Pública, Introdução, Lisboa, Aequitas/Diário de Notícias, 1992, pp. 30-34.

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o conhecimento dos litígios relacionados com a expropriação de sacrifício. Na verdade,

poderá compreender-se que, sendo as expropriações de sacrifício uma modalidade de

expropriações, estão estas sujeitas ao regime global definido e elencado no CE (que,

num certo ponto de vista, pode considerar-se que configura um regime especial

salvaguardado pelo art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007), nele incluindo as normas que

atribuem aos tribunais judiciais competência para a discussão litigiosa sobre o valor da

indemnização (arts. 38.º e segs. do CE) – normas essas que não enfermam de qualquer

vício de inconstitucionalidade, em face do art. 212.º, n.º 3, da Lei Fundamental, não

obstante a natureza administrativa da relação jurídica expropriativa, como decidiu o TC

no seu Ac. n.º 746/96. Assim acontece com a indemnização dos danos decorrentes da

constituição, por meio de um ato de declaração de utilidade pública, de servidões

administrativas, que, nos termos do art. 8.º, n.º 2, do CE, devam ser acompanhadas de

indemnização, as quais são, como referimos, autênticas expropriações de sacrifício.

Diferente é, no entanto, o cenário apresentado pelas expropriações do plano, as

quais constituem um exemplo impressivo das expropriações de sacrifício. A propósito

delas, o art. 143.º, n.º 4, do RJIGT estatui que «o valor da indemnização corresponde à

diferença entre o valor do solo antes e depois das restrições provocadas pelos

instrumentos de gestão territorial, sendo calculado nos termos do CE». Poderia

interpretar-se esta norma como contendo uma remissão em bloco do regime das

expropriações do plano para o regime do CE, abrangendo não só as normas quanto ao

cálculo do valor indemnizatório, mas também as concernentes à competência dos

tribunais judiciais para conhecerem dos litígios respeitantes ao montante da

indemnização e às respetivas normas processuais.

Tal interpretação parece não ser compatível com a letra da lei, uma vez que,

como ressalta dos próprios termos usados pelo legislador, aquela norma opera uma

remissão para o CE, para efeitos exclusivos do critério do cálculo indemnizatório. Desta

forma, são os tribunais administrativos os competentes para conhecer das ações de

condenação ao pagamento da indemnização por expropriações do plano, e tem vindo a

ser esta a solução que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar.

Exemplos: o Ac. do Pleno da 1.ª Seção do STA, de 11 de Maio de 2005

(Processo n.º 616/2004) o qual decidiu, inter alia, que são competentes os tribunais

administrativos de círculo para conhecer de uma ação de condenação ao pagamento de

indemnização decorrente de sacrifícios resultantes da aprovação do Plano de

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Ordenamento da Orla Costeira (POOC) de Sintra/Sado pelo Conselho de Ministros,

devido ao facto de o mesmo ter proibido a construção em determinado local do Portinho

da Arrábida. No mesmo sentido, decidiu o Ac. da 1.ª Seção do STA, de 26 de Março de

2009 (Processo n.º 039/09), podendo ler-se, em determinado trecho do mesmo, o

seguinte: «Resulta do exposto que a primeira e decisiva questão a resolver é a de saber

se, efetivamente, a Autora tem razão quando considera que a aprovação do POOC

significou uma quase expropriação do seu prédio e se, por isso, lhe assiste o dever de

ser indemnizada. Isto é, primeiro que tudo, haverá que decidir se a RCM acima

identificada – a Resolução do Conselho de Ministros n.ºs 123/98, que aprovou o POOC

– significou para a Autora uma quase expropriação do seu terreno e se, por isso, a

mesma fez nascer na sua esfera jurídica o direito indemnizatório reclamado – a

chamada indemnização por sacrifício. E se assim é, como é, o que ora está em jogo é

um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas

administrativas e que será em função da análise de normas de direito administrativo que

o mesmo irá ser resolvido. E tanto assim é que, ao formular a sua pretensão, a Autora

pediu que, em primeiro lugar, se declarasse o seu direito à indemnização e, apenas

depois, em execução de sentença, que esta fosse determinada». Ora, é a jurisdição

administrativa a competente para dirimir aquele conflito.

Cabe-nos perguntar se existe algum critério que tenha sido adotado pelo

legislador para, nuns casos, considerar que os atos administrativos impositivos de

encargos ou causadores de danos especiais e anormais devem ser indemnizados de

acordo com o regime da indemnização pelo sacrifício e, noutros casos, segundo os

ditames da expropriação de sacrifício. Mas, esta questão é difícil. Como realça

Fernando ALVES CORREIA: «E nem sempre o legislador se tem mostrado coerente.

Mas cremos que, pelo menos tendencialmente, o legislador optou pela indemnização de

acordo com os cânones da expropriação de sacrifício naquelas situações em que o acto

do poder público revelar uma intencionalidade ablativa de um direito de conteúdo

patrimonial ou de alguma ou algumas “faculdades” ou “irradiações” desse direito, (…)»

(292

).

(

292) Cfr. Fernando ALVES CORREIA, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim GOMES CANOTILHO, in:

«STVDIA IVRIDICA», 102, AD HONOREM – 6,Vol I, Responsabilidade entre Passado e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 238.

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6. A relevância jurisprudencial do Tribunal Constitucional

Uma importante referência a ser feita é a de que também o Tribunal

Constitucional não foi alheio aos termos literais e ao tratamento sistemático dispensado

à responsabilidade do Estado no artigo 16.º do RRCEE.

Ora, neste prisma, torna-se conveniente evidenciar que no Acórdão n.º 525/2011

do TC (293

), reconhecendo existirem indícios no sentido de uma vontade do legislador

de autonomizar o mecanismo da compensação pelo sacrifício do instituto da

responsabilidade civil, o mesmo TC, sem tomar qualquer posição relativamente a esta

questão dogmática, considerou, e contra a interpretação muito restritiva que limita o

campo de aplicação do supra mencionado artigo à responsabilidade civil pelo sacrifício

de bens pessoais, não haver «objeção de princípio a que o preceito, dada a sua

localização sistemática e os termos amplos em que vêm formulados os seus

pressupostos aplicativos, constitua suporte normativo adequado de «pretensões

indemnizatórias pelo sacrifício de direitos patrimoniais privados» que não caibam

noutras previsões legais, de fundamento ou de recorte mais específico […]. Parece

dominante, na verdade, a conceção doutrinal que só exclui do regime da indemnização

pelo sacrifício «as situações especialmente reguladas na lei», como é o caso da

requisição e da expropriação, que têm fundamento constitucional próprio, no princípio

do pagamento da justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2, da Constituição), e regime

indemnizatório fixado no Código das Expropriações […]» (294

) (295

).

Destarte, o sublinhado artigo 16.º do RRCEE desempenharia, de tal forma, e nos

termos do mesmo aresto, o papel de uma «“norma de receção” (Auffangsnorm) das

situações merecedoras de indemnização não especialmente reguladas, ou [funcionais],

por outras palavras, como cláusula geral de «salvaguarda para cobrir aquele «resto» de

atuações causadoras de danos que, num Estado de direito, não podem deixar de dar

lugar ao pagamento de indemnização» (296

). Se a indemnização pelo sacrifício tem uma

causa e um âmbito genéricos, não sendo restrita à afetação do direito de propriedade,

também a abarca, quando não é operativa a garantia específica de que este direito goza.

Se não se limita a esse campo operativo, também não o exclui» (297

).

(293) Acórdão publicado no DR, 2.ª série, de 21 de Dezembro de 2011.

(294) Cfr. o respetivo n.º 11. (295) Neste sentido ver Pedro MACHETE, Artigo 16.º - Indemnização pelo sacrifício, in: Rui MEDEIROS (org.), Comentário ao

Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa, Universidade Católica Editora,

2013, p. 437. (296) Maria da Glória DIAS GARCIA apud Pedro MACHETE, Artigo 16.º - Indemnização pelo sacrifício, in: Rui MEDEIROS

(org.), Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa,

Universidade Católica Editora, 2013, p. 437. (297) Cfr. o respetivo n.º 14.

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Importa explanar que sendo a imposição do sacrifício legítima, uma vez que, em

caso de ilegitimidade, opera a responsabilidade por facto ilícito, a única solução que é

de se aceitar a nível jurídico no quadro de um Estado de Direito é a de compensar o

particular lesado na sua esfera jurídica, visando a reposição da igualdade com os seus

concidadãos, ou seja, se para o benefício da comunidade alguém tem de contribuir com

mais do que todos os outros, então é esse contributo acrescido que tem de ser

compensado, sob cominação do resultado de uma intervenção originariamente legítima

se demonstrar ilegítimo neste sentido.

Ora, a própria ideia de sacrifício especial induz a deslocar a atenção da intervenção

enquanto conduta para a sua incidência na esfera jurídica lesada. Tendo em vista tal

consideração, o sacrifício ou prejuízo sofrido numa determinada esfera jurídica, que

reside o fator de integração num sistema unitário da indemnização pelo sacrifício

legitimamente imposto em nome do interesse público: não tem relevância a

censurabilidade da atuação lesiva própria da responsabilidade por facto ilícito, nem o

perigo por ela originado, como acontece nas situações de responsabilidade pelo risco

que, como sugere VIEIRA DE ANDRADE: «no contexto do direito público,

corresponde a uma responsabilidade pelo perigo criado associado a deveres estritos de

prevenção e de vigilância» (298

); que, por isso, reconduz a responsabilidade pelo risco a

uma responsabilidade pelo perigo; Assim, o que interessa é fulcrar no aludido

contributo acrescido exigido, direta ou indiretamente, por ato intencional ou por efeito

colateral de atuação pública, ao lesado-sacrificado, traduzindo-se tal contributo tanto no

caso de sacrifícios intencionais, como no caso de sacrifícios colaterais numa afetação de

direitos, que pode ser máxima ou total e definitiva, como no caso da expropriação ou da

destruição de coisas, meramente parcial ou ainda, mesmo que total, somente temporária,

a nível de exemplo temos a requisição (299

).

Em sentido contrário, evidenciando que não só a expropriação, como a

indemnização pelo sacrifício e a responsabilidade por ato lícito, «embora estejam

contidas no mesmo preceito legal e ainda que ambas se distingam, pelas mesmas razões,

(298) VIEIRA DE ANDRADE apud Pedro MACHETE, Artigo 16.º - Indemnização pelo sacrifício, in: Rui MEDEIROS (org.), Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa, Universidade

Católica Editora, 2013, pp. 438-439.

(299) Para mais desenvolvimentos vd. Pedro MACHETE, Artigo 16.º - Indemnização pelo sacrifício, in: Rui MEDEIROS (org.), Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa, Universidade

Católica Editora, 2013, pp. 439 e segs.

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da responsabilidade civil em sentido estrito, […] são, em rigor, institutos distintos, aos

quais devem corresponder diferenças práticas de regime jurídico» (300

) (301

).

Importa ler relativamente à jurisprudência do STA: os Acórdãos de 2 de

Dezembro de 2004, Processo n.º 670/04; de 26 de Abril de 2006, Processo n.º 120/06;

de 2 de Dezembro de 2009, Processo n.º 1088/08; de 9 de Fevereiro de 2012, Processo

n.º 678/11 e de 28 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 1077/11 (302

) (303

).

Certa jurisprudência constitucional foi adotada pelo STA, de entre outros, no

Acórdão de 26 de Abril de 2006, Processo n.º 120/06 que nos relata o seguinte: «[s]

e o particular, por ato normativo lícito [um decreto regulamentar] que não prevê

expressamente o dever de indemnizar, é privado de faculdades ou direitos que antes lhe

foram validamente constituídos e do gozo económico fundamental do seu prédio e,

assim, fica colocado numa posição jurídica que, pela gravidade e intensidade do dano

seja injusto não equiparar à expropriação para efeitos indemnizatórios, o artigo 9.º do

DL n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967, à luz do disposto nos artigos 13.º, 18.º, 22.º

e 62.º da Constituição, haverá de interpretar-se por forma que imponha ao Estado o

dever de indemnizar, nos termos nele previstos».

(300) VIEIRA DE ANDRADE apud Pedro MACHETE, Artigo 16.º - Indemnização pelo sacrifício, in: Rui MEDEIROS (org.), Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa, Universidade

Católica Editora, 2013, p. 439.

(301) Para mais desenvolvimentos vd. Pedro MACHETE, Artigo 16.º - Indemnização pelo sacrifício, in: Rui MEDEIROS (org.), Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa, Universidade

Católica Editora, 2013, pp. 439 e segs.

(302) Consultar: www.dgsi.pt. (303) Assim em sentido convergente ao disposto no Acórdão de 26 de Abril de 2006, Processo n.º 120/06, ver Maria da Glória DIAS

GARCIA, apud Pedro MACHETE, Artigo 16.º - Indemnização pelo sacrifício, in: Rui MEDEIROS (org.), Comentário ao Regime

da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2013, p. 444.

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CONCLUSÕES:

1. As modalidades de responsabilidade civil administrativa por facto lícito são: a

responsabilidade pelo sacrifício de bens pessoais e por danos causados em estado de

necessidade (artigo 16.º do RRCEE) e a responsabilidade civil pela legítima não

reconstituição da situação atual hipotética (artigos 45.º, 49.º, 102.º, n.º 5, 166.º e 178.º

do CPTA);

2. O artigo 16.º do RRCEE inserido no Capítulo V do referido diploma legal, com

a epígrafe «Indemnização pelo sacrifício» filia-se num princípio de justa repartição dos

encargos públicos, que emana dos artigos 2.º, 13.º e 18.º da nossa Lei Fundamental.

Destarte, conforme a posição jurídica privada concretamente sacrificada pela ingerência

administrativa, poderão estar também em questão os artigos 26.º, n.º 1 ou 62.º, n.º 1 da

CRP, isto é, mediante encargos de cariz não patrimonial (danos morais) ou patrimonial,

de forma respetiva;

3. Relativamente à responsabilidade pelo sacrifício de bens pessoais, o art. 16.º do

RRCEC reporta-se à responsabilidade pelo sacrifício em termos excessivamente

amplos: por interpretação conforme com a Constituição, as pretensões indemnizatórias

pelo sacrifício de direitos patrimoniais privados devem ser apartadas do seu âmbito e

enquadradas em termos substancialmente diversos dos nele consagrados. Assim sendo,

o âmbito do art. 16.º do RRCEC fica reduzido à responsabilidade pelo sacrifício de bens

pessoais (designadamente a vida, a integridade física, a saúde e a qualidade de vida,

bem como os direitos de personalidade referidos no art. 26.º, n.º 1 da CRP) e por danos

causados em estado de necessidade;

4. Os pressupostos da responsabilidade civil pelo sacrifício de bens pessoais são o

facto voluntário, a licitude, o dano e o nexo de causalidade;

5. O artigo 2.º do RRCEE dá-nos a noção de danos especiais e anormais. Assim,

«Para efeitos do disposto na presente lei, consideram-se especiais os danos ou encargos

que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas,

e anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam,

pela sua gravidade, a tutela do direito»;

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6. Quanto à figura da responsabilidade pelo não restabelecimento legítimo de

posições jurídicas subjetivas violadas é de ter em atenção que, em regra, os particulares

lesados nas suas posições jurídicas subjetivas por condutas administrativas têm direito à

eliminação daquelas condutas e à reconstituição na sua esfera jurídica da situação que

existiria se aquelas condutas não tivessem ocorrido. Por vezes, a lei admite que a

reconstituição não ocorra, por tal ser impossível ou manifestamente inconveniente, mas

impõe à administração – que, recorde-se, praticou a conduta ilegal – a obrigação de

indemnizar o lesado;

7. Porém, há na doutrina portuguesa administrativista quem entende que a

indemnização pelo sacrifício não configura uma situação de responsabilidade, mas sim

algo que está mais próximo de uma situação como a expropriação por utilidade pública

do que um caso de responsabilidade civilística;

8. Quanto ao perímetro de aplicação da indemnização pelo sacrifício, esta inclui

os danos especiais e anormais decorrentes do exercício da função administrativa,

designadamente os derivados de atos administrativos lícitos e ações praticadas em

estado de necessidade administrativa, a que se reportavam os n.ºs 1 e 2 do art. 9.º do DL

n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967;

9. Todo o contexto sistemático do art. 9.º do DL n.º 48 051 (antigo diploma legal)

evoluiu de forma clara em termos que tornaram ainda mais manifesta a necessidade de

ler aquele preceito no sentido de prever também a responsabilidade por atos

regulamentares legais;

10. A falta de controlo jurisdicional da legalidade de (certos) regulamentos

não constituía motivo para considerar excluída a responsabilidade por danos

diretamente causados por regulamentos legais;

11. Nos dias de hoje, na responsabilidade civil administrativa por facto

lícito, o facto voluntário, pode ser um ato administrativo ou um ato material; a exclusão

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164

dos regulamentos do conceito de ato voluntário prende-se com a sua impossibilidade

natural para produzir danos ressarcíveis no âmbito deste tipo de responsabilidade civil,

em virtude do caráter necessariamente especial do dano. Os regulamentos são normas

gerais e abstratas;

12. Nas palavras de Carla AMADO GOMES: «O Acórdão Fratelli Costanzo,

ao afirmar a vinculação de todas as funções do Estado ao dever de lealdade comunitária,

aponta para um quadro de predominância da responsabilização da função administrativa

face à legislativa e jurisdicional». No §31 desta decisão, pode ler-se, com muita clareza:

«Seria por outro lado contraditório entender que os particulares têm o direito

de invocar perante os tribunais nacionais, as disposições de uma directiva que

preencham as condições acima referidas, com o objectivo de fazer condenar a

administração, e, no entanto, entender que esta não tem o dever de aplicar aquelas

disposições afastando as de direito nacional que as contrariem. Daqui resulta que,

preenchidas as condições exigidas pela jurisprudência do tribunal, para as normas de

uma directiva poderem ser invocadas pelos particulares perante os tribunais nacionais,

todos os órgãos da administração, incluindo as entidades descentralizadas, tais como

as comunas, têm o dever de aplicar aquelas disposições».

13. Devemos frisar a aplicação da (s) figura (s) da (s) causa (s) de exclusão

da ilicitude no âmbito da compensação pelo sacrifício. Destarte, e como adverte Carla

AMADO GOMES, no seu artigo na «Revista do Ministério Público», n.º 129: Janeiro:

Março de 2012, «a aproximação pode surpreender, num primeiro momento, na medida

em que a motivação da ingerência é radicalmente diferente, pois aquela situa-se num

plano de antijuridicidade socialmente nefasta e a última num quadro de juridicidade

socialmente sustentada»;

14. Ora, a associação pode ainda causar alguma resistência na medida em

que o facto ilícito não conhece limites indemnizatórios, ao passo que o facto lícito tem

na medida da compensação, mais do que um limite, um verdadeiro pressuposto de

aplicação. Haverá casos em que, demonstrada pela entidade ré a inexistência de ilicitude

na ação de efetivação da responsabilidade por facto ilícito, ainda restará ao autor, numa

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165

outra ação (ou então na mesma ação, caso tenho deduzido um pedido subsidiário, com

fundamentação específica, nomeadamente relativamente à caraterização do prejuízo

como especial e anormal), e se dentro dos limites da prescrição, a possibilidade de

demandar a ré com diferentes fundamentos, orientando a compensação para uma base

de licitude;

15. Contudo, o facto de a causa de exclusão da ilicitude parecer apenas

retroativamente revestir de licitude a prática do ato não deve perturbar a sua recondução

ao instituto da compensação por facto lícito. Porquanto, o paradigma do facto lícito é a

expropriação, procedimento que, salvo urgência, deve obedecer a uma ponderação

prévia de valores e interesses, traduzido na declaração de utilidade pública – mas as

demais condutas potencialmente geradoras de compensação por facto lícito tão pouco

deixam de refletir essa ponderação, eventualmente menos formalizada em razão da

urgência de algumas atuações dessa natureza. Ora, a divergência entre as hipóteses de

facto lícito de partida e as de facto lícito à chegada por verificação de causa de exclusão

da ilicitude será porventura somente mais de caráter processual do que substantiva;

16. Quanto às causas de justificação da ilicitude, tais causas de exclusão

atingem a realidade objetiva da obrigação, transformando em juridicamente admissível

ou justificável a conduta lesiva em causa e afastando, consequentemente e de forma

inevitável, o dever de indemnizar os prejuízos gerados a título de conduta ilícita.

Algumas destas causas, assim como o cumprimento de um dever ou a legítima defesa,

estão orientadas para a justificação de condutas pessoais; porém, desde que o

comportamento do agente revista um nexo funcional, deve entender-se que a causa

afasta a ilicitude da manifestação de uma vontade institucional e, portanto, a ilicitude da

conduta administrativa;

17. Todavia, a especialidade e a anormalidade são requisitos do prejuízo

indemnizável, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, e não propriamente um

critério do cálculo da indemnização. Isto é, apurado que determinados prejuízos são

indemnizáveis, por preencherem as caraterísticas de especialidade e anormalidade,

estamos perante uma situação merecedora de indemnização pelo sacrifício desde que se

verifiquem os restantes requisitos materiais da obrigação de ressarcimento. Nestes

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termos, a exigência de um prejuízo ou encargo especial e anormal não obstaria só por si

a que se fixasse uma indemnização correspondente à integralidade dos prejuízos ou

encargos dessa natureza que tivessem sido produzidos ou impostos. No entanto, o art.

16.º do RRCEE manda atender, para o cálculo da indemnização, designadamente, ao

«grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou

sacrificado». Tal menção legislativa pressupõe que se efetue uma apreciação igualitária

do valor do encargo ou do dano, e que, desse modo, poderá não corresponder ao

montante económico que esteja efetivamente em causa. De referir que, demarca, por

outro lado, a natureza compensatória, e não meramente reparatória da indemnização, o

que se compadece com a consideração de que os direitos ou interesses que possam ser

sacrificados, em muitos casos, pela sua própria natureza, serão unicamente susceptíveis

de uma avaliação pecuniária indirecta;

18. A indemnização pelo sacrifício é tida enquanto modalidade de

responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito

público; porém, é diferente da expropriação em sentido clássico, que por sua vez, difere

da expropriação de sacrifício, esta última também denominada expropriação substancial

ou larvada;

19. A expropriação clássica pode ser definida como um ato de privação ou de

subtração de um direito de conteúdo patrimonial e na sua transferência para um sujeito

diferente, para a realização de um fim público. A chamada expropriação clássica

apresenta-se como um procedimento de aquisição de bens, cuja finalidade é a da

realização de um interesse público. O principium individuationis do conceito clássico de

expropriação é a mudança de titular do direito;

20. A expropriação pelo sacrifício carateriza-se por uma destruição ou uma

afetação essencial de uma posição jurídica garantida como propriedade pela CRP, à qual

falta, no entanto, o momento translativo do direito, bem como a relação tripolar:

entidade expropriante – expropriado – beneficiário da expropriação. Estamos perante

atos do poder público cujo escopo não é o da aquisição de um bem para a realização de

um interesse público, mas que produzem modificações especiais e graves na utilitas do

direito de propriedade e que devem ser qualificados como expropriativos e,

consequentemente, ser acompanhados do dever de indemnizar que lhes assiste;

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21. As expropriações do plano são verdadeiras expropriações de sacrifício, e

às expropriações do plano reportam-se o artigo 8.º da LBPOTU e o artigo 143.º do

RJIGT;

22. Na indemnização pelo sacrifício, o fundamento encontra-se, nos

princípios do Estado de Direito e da igualdade perante os encargos públicos;

23. Na expropriação pelo sacrifício, o fundamento vai buscar-se não só nos

princípios do Estado de Direito e da igualdade perante os encargos públicos, mas

também ao princípio da justa indemnização por expropriação, comtemplado no artigo

62.º, n.º 2 da CRP;

24. Quanto à natureza da indemnização, na indemnização pelo sacrifício, a

indemnização é uma consequência do ato impositivo de encargos ou causador de danos

especiais e anormais;

25. Na expropriação de sacrifício a indemnização é um pressuposto de

validade do ato expropriativo, como resulta do n.º 2, do art. 62.º da nossa Lei

Fundamental;

26. Quando nos reportamos ao critério da indemnização, na indemnização

pelo sacrifício a indemnização é calculada com base nos critérios definidos nas normas

conjugadas dos arts. 16.º e 3.º do RRCEE;

27. Na expropriação de sacrifício, a indemnização é apurada com base no

critério definido no CE, devendo corresponder ao valor de mercado do bem

expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas em sentido normativo

(valor de mercado normativamente entendido);

28. Na realidade, poderá entender-se que, sendo as expropriações de

sacrifício uma modalidade de expropriações, estão as mesmas sujeitas ao regime global

definido no CE (que, num determinado ponto de vista, pode considerar-se que configura

um regime especial salvaguardado pelo art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007), nele incluindo

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as normas que atribuem aos tribunais judiciais competência para a discussão litigiosa

sobre o valor da indemnização (arts. 38.º e segs., do CE) – normas essas que não

enfermam de qualquer vício de inconstitucionalidade, em face do art. 212.º, n.º 3, da

CRP, não obstante a natureza administrativa da relação jurídica expropriativa, como,

aliás, decidiu o TC no seu Ac. n.º 746/96;

29. Como explana Fernando ALVES CORREIA, «cremos que, pelo menos

tendencialmente, o legislador optou pela indemnização de acordo com os cânones da

expropriação de sacrifício naquelas situações em que o ato do poder público revelar

uma intencionalidade ablativa de um direito de conteúdo patrimonial ou de alguma ou

algumas «faculdades» ou «irradiações» desse direito»;

30. Na figura da requisição, a justa indemnização a atribuir ao requisitado

tem como parâmetro o prejuízo que para aquele advém da requisição (artigo 84.º, n.º 2

do CE), sendo a indemnização fixada mediante acordo expresso entre o beneficiário da

requisição e o proprietário do bem requisitado. Na falta de tal acordo, a competência

para a determinação do quantitativo indemnizatório é cometida, em primeira instância,

ao ministro responsável pelo setor, sob proposta do serviço com atribuições na área

(artigo 84.º, n.º 4, alíneas a) e b) do CE).

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- Acórdão Von Colson, de 10 de Abril de 1984, caso 14/83;

- Acórdão Fratelli Costanzo, de 22 de Junho de 1989, caso 103/88;

- Acórdãos Francovich e Brasserie du Pêcheur, de 19 de Novembro de 1991, casos C-

6/90 e 9/90;

- De 5 de Março de 1993, casos C-46/93 e 48/93;

- Acórdão British Telecommunications, de 26 de Março de 1996, caso C-392-93;

- Acórdão Konle, de 1 de Junho de 1999, caso C-302/97;

- Acórdão Haim, de 4 de Julho de 2000, caso C- 424/97;

- Acórdão Köbler, de 30 de Setembro de 2003, caso C- 224/01;

- De 14 de Outubro de 2004, caso C-275/03;

- Acórdão de 10 de Janeiro de 2006, caso 70;

- Acórdão Traghetti, de 13 de Junho de 2006, caso C-173/03, 44.º.

STA: Supremo Tribunal Administrativo

- De 28 de Novembro de 1966, ADSTA 51 (1966), 321;

- De 17 de Maio de 1988, Processo n.º 025003;

- De 12 de Julho de 1990;

- De 18 de Março de 1993, Processo n.º 030914;

- De 2 de Novembro de 1993 (Processo n.º 31842), in: AP-DR de 15 de Outubro de

1996;

- De 16 de Maio de 1996, BMJ 457 (1996), 423;

- De 3 de Dezembro de 1996, BMJ 462 (1996), 470;

- De 7 de Dezembro de 1999, BMJ 492 (2000), 236;

- De 2 de Fevereiro de 2000, AD 473 (2001), 635;

- De 10 de Fevereiro de 2000, BMJ 494 (2000), 150;

- De 25 de Maio de 2000, 1.ª Seção, Processo n.º 41420;

- De 22 de Janeiro de 2002, Processo n.º 044308;

- De 20 de Fevereiro de 2002, AD 487 (2002), 1023;

- De 10 de Outubro de 2002, Processo n.º 048404;

- De 13 de Fevereiro de 2003, Processo n.º 01961/02;

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180

- De 30 de Outubro de 2003, Processo n.º 0936/03;

- De 5 de Novembro de 2003, 1.ª Seção, Processo n.º 01100/02;

- De 13 de Janeiro de 2004, Processo n.º 040581;

- De 4 de Março de 2004, Processo n.º 01353/03;

- De 4 de Março de 2004, 1.ª Seção, Processo n.º 1353/03;

- De 25 de Março de 2004, Processo n.º 01718/03;

- De 3 de Novembro de 2004, Processo n.º 0811/03;

- De 2 de Dezembro de 2004, Processo n.º 670/04;

- De 25 de Janeiro de 2005, Processo n.º 01116/04;

- De 1 de Março de 2005, Processo n.º 01610/03;

- De 15 de Março de 2005, Processo n.º 036/04;

- De 7 de Abril de 2005, Processo n.º 856/04;

- De 26 de Abril de 2005, Processo n.º 245/05;

- De 3 de Maio de 2005, Processo n.º 745/04;

- De 11 de Maio de 2005, Pleno da 1.ª Seção, Processo n.º 616/2004;

- De 19 de Maio de 2005, Processo n.º 590/04;

- De 31 de Maio de 2005, Processo n.º 0127/03;

- De 29 de Junho de 2005, Processo n.º 566/04;

- De 19 de Outubro de 2005, Processo n.º 394/05;

- De 3 de Novembro de 2005, Processo n.º 792/05;

- De 9 de Fevereiro de 2006, Processo n.º 0294/05;

- De 16 de Fevereiro de 2006, Processo n.º 1039/05;

- De 9 de Março de 2006, Processo n.º 837/03;

- De 4 de Abril de 2006, Processo n.º 1116/05;

- De 26 de Abril de 2006, Processo n.º 120/06;

- De 10 de Maio de 2006, Processo n.º 121/06;

- De 16 de Maio de 2006, Processo n.º 0121/06;

- De 28 de Setembro de 2006, Processo n.º 0855/04;

- De 24 de Outubro de 2006, Processo n.º 0539/06;

- De 29 de Novembro de 2006, Processo n.º 843/06;

- De 6 de Março de 2007, Processo n.º 1143/06;

- De 21 de Junho de 2007, 1.ª Seção, Processo n.º 0110/06;

- De 17 de Dezembro de 2008, Processo n.º 348/08;

- De 4 de Fevereiro de 2009, Processo n.º 0522/08;

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- De 26 de Março de 2009, 1.ª Seção, Processo n.º 039/09;

- De 20 de Maio de 2009, Processo n.º 0333/08;

- De 2 de Dezembro de 2009, Processo n.º 1088/08;

- De 11 de Março de 2010, Processo n.º 083/10;

- De 20 de Maio de 2010, Processo n.º 0390/09;

- De 26 de Maio de 2010, Processo n.º 72/10;

- De 23 de Novembro de 2010, Processo n.º 0444/10;

- De 2 de Dezembro de 2010, 1.ª Seção, Processo n.º 0629/10;

- De 9 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 678/11;

- De 28 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 1077/11.

STJ: Supremo Tribunal de Justiça

- De 20 de Setembro de 2010, Processo n.º 1229/05. 0TVLSB. LI. SI.

TC: Tribunal Constitucional

- 211/86;

- 236/86;

- 333/86;

- 341/86;

- 340/87;

- 404/87;

- 115/88;

- 131/88;

- 317/89;

- 52/90;

- 153/90;

- 182/90;

- 188/91;

- 184/92;

- 193/92;

- 257/92;

- 10/93;

- 210/93;

- 262/93;

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182

- 283/94;

- 306/94;

- 516/94;

- 578/94;

- 154/95;

- 314/95;

- 451/95;

- 452/95;

- 589/95;

- 4/96;

- 746/96;

- 866/96;

- 194/97;

- 267/97;

- 329/99;

- 45/99;

- 517/99;

- 331/99;

- 4/00;

- 205/00;

- 187/01;

- 391/02;

- 411/02;

-157/03;

- 333/03;

- 425/03;

- 461/03;

- 353/04;

- 5/2005;

- 13/2005;

- 385/2005;

- 683/2006;

- 6/03/2007, Processo n.º 1143/06;

- 17/12/2008, Processo n.º 348/08;

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- 444/2008;

- 20/05/2010, Processo n.º 0390/09;

- 525/2011.

TCAN: Tribunal Central Administrativo Norte

- De 8 de Maio de 2008, Processo n.º 00155/06. 0BEPNF;

- De 23 de Outubro de 2008, Processo n.º 00992/05. 3BEVIS.

Tconf: Tribunal de Conflitos

- 10/07/1969, ADG 4/11/1971.

Tribunal da Relação de Coimbra:

- De 2 de Março de 2004, Processo n.º 4142/03;

- De 9 de Janeiro de 2005, Processo n.º 2118/2000.

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184

SÍTIOS DA INTERNET:

www.csm.org.pt/ficheiros/eventos/6encontrocsm_carloscadilha2_pdf.

www.dgsi.pt www.fd.uc.pt/cedipre/revista/revista_1.pdf

www.google.pt

www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/