Patologias Prevalentes No Antigo Egipto
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1
Patologias prevalentes no antigo Egipto
Paula Veiga
1 – Introdução
Como poderemos detectar quais as patologias prevalentes no antigo Egipto?
Pela análise de restos humanos mumificados e esqueletizados, tanto os completos como as
partes dos mesmos encontrados em excavações, existentes em museus e colecções privadas
que vêm a público em leilões, mas também pelos textos que nos foram legados. Alguns
destes textos seriam de categoria iminentemente clínica, mas, estando a medicina
intrinsecamente ligada à religião e à magia, podemos inferir algumas considerações sobre as
patologias. As fontes destas informações são também manifestações artísticas que
encontramos no Egipto e nas colecções egípcias de museus em todo o mundo. Não
esquecendo os depósitos dos museus que contém muitas peças que ainda carecem de ser
publicadas...
Existem hoje em dia regras a seguir na colecção de artefactos in situ (excavação, recolha e
conservação) e também regras de conservação dos mesmos em museus e outras instituições,
para exibição ou em armazém (humidade relativa 40-55% e temperatura constante 10-15C).
Os restos humanos mumificados são tecidos humanos secos pela exposição ao sol e/ou por
acção do natrão (sal) nos procedimentos deliberados de mumificação. A palavra mummia tem
origem na substância que fluía das montanhas na Pérsia, que, ao misturar-se com as águas do
degelo, era trazida ate aos vales onde se situavam os povoados. Esta substância coagulava
como um mineral sólido semelhante ao alcatrão, e, dado os corpos mumificados aparentarem
a mesma cor e consistência, o termo foi sendo usado nos restos humanos mumificados,
utilizados na Idade Média e Moderna como medicamento, depois de pulverizados.
A deterioração dos restos humanos mumificados pela ausência de factores controlados e da
presença de animais, fungos e bactérias pode tambem invalidar o seu estudo. Salienta-se
portanto a importância de seguir as regras de conservação aplicáveis.
Estudar corpos humanos exige dos investigadores um respeito especial pelos mesmos, e as
questões de ética estão mesmo redigidas em leis para que o estudo de restos humanos, o seu
transporte e acondicionamento seja ímpar, estas leis não estão, no entanto, actualizadas e
disponíveis em todos os países possuidores de múmias humanas e restos esqueletizados.
2 – Patologias causadas pela dieta e cuidados higiénicos ou a ausência de higiene, pragas
e infestações. Como estas eram prevenidas e tratadas pelos antigos Egípcios.
Menciono alguns exemplos de práticas para afastar elementos nocivos à saúde. Os antigos
Egípcios, na sua maioria, praticavam o que hoje chamamos de dieta mediterrânica, à base de
alho, azeite, cerveja, pão, legumes, frutas, peixe e pouca carne. Durante a construção das
pirâmides eram dadas aos trabalhadores grandes quantidades de rabanete (Raphanus sativus),
alho (Allium sativa) e cebola (Allium cepa), provavelmente como prevenção de doenças
inflamatórias, uma vez que trabalhavam em ambientes fechados, ou ao ar livre mas com
bastantes poeiras. A carne estava reservada aos altos funcionários e suas famílias, pois estes
também ficavam com os restos animais dos sacrifícios feitos aos deuses nos templos,
normalmente carne de vaca, para além de se dedicarem à caça. Múmias analisadas que foram
identificadas como sendo de pessoas nesta categoria social demonstraram altos níveis de
colesterol nas artérias calcificadas (aterosclerose).
2
Sofriam também bastante de obstipação, provavelmente causada por excessos alimentares,
havendo casos registados na arte e nos textos de obesidade entre os que exerciam profissões
sedentárias, tais como músicos, escribas ou porteiros/guardas.
Nas classes mais baixas da população a obstipação podia ser resultado do clima quente,
dificultando a digestão dos alimentos, e também porque estes eram preparados geralmente ao
ar livre, e como tal, estavam sujeitos a grãos de areia do deserto, insectos, fungos, e outras
infestações, como a presença de ratos nos celeiros que deixavam fezes, causando a
deterioração dos alimentos.
A higiene era muito importante, e a rotina de limpeza um hábito diário. No entanto, faziam as
lavagens na mesma água que usavam para limpezas e para cozinhar, a água do rio Nilo, que
também era portadora de imensas doenças infecciosas. O cabelo era geralmente cortado curto
ou rapado para evitar a infestação de piolhos. Os militares em especial, submetiam-se a
depilação total, como sinal de status social superior. Para a depilação do corpo usavam uma
mistura de ossos de pássaros esmagados, azeite, sumo de sicómoro e goma, aquecida e
aplicada na pele. Depois de arrefecer, esta crosta dura era removida, removendo
presumivelmente os pêlos/cabelo. Para os sacerdotes isto era um ritual.
Muitos insectos atormentavam os Egípcios antigos: moscas, mosquitos e gafanhotos.
Primeiro só perturbavam, em último lugar poderiam significar a fome, mesmo rezando
bastante aos deuses, uma praga poderia não ser impedida. O gado também eram ameaçado e
as colheitas invadidas pelo escaravelho destruidor. Os mosquitos e outros parasitas eram
devastadores para a população, alojados nas águas estagnadas dos canais e lagoas do Nilo. O
óleo fresco da planta ben ou uma rede eram considerados eficientes como seu repelente, pois
os mosquitos perturbavam bastante o sono.
Defumar a casa com incenso e mirra era recomendado mas não acessível a todos, para tal
fabricavam o kyphi1, um composto de incenso utilizado para fins religiosos e médicos. O
vocábulo é grego; kyphi é a transcrição do egípcio kepet.2 A referência mais antiga está nos
Textos das Pirâmides3 listada entre os bens de que o rei irá gozar na outra vida. O Papiro
Harris I4 e regista a doação e entrega de plantas e resinas para a sua manufactura nos templos
da época de Ramsés III. As instruções para a preparação do kyphi e respectivas listas de
ingredientes encontram-se nas inscrições de paredes dos templos de Edfu e Dendera.
Dioscórides também fala da preparação de kyphi na sua Materia Medica, que se pensa ser a
primeira descrição grega do material. Galeno preserva um poema médico em que inclui o
kyphi, traduzido de Damocrates, que se refere ao mithridatium ou mithridaticum, uma
prescrição semi-mística com, pelo menos, 65 ingredientes, utilizada como antídoto para
envenenamentos. Em Isis e Osiris, Plutarco5 comenta que os sacerdotes egípcios queimavam
incenso três vezes ao dia: incenso (puro) ao amanhecer, mirra ao meio-dia, e kyphi ao pôr-do-
sol.
Relata que o kyphi tinha dezasseis ingredientes «Estes são compostos, não ao acaso, mas
enquanto as escritas sagradas são lidas aos perfumadores conforme vão mexendo os
ingredientes.» Plutarco acrescenta que a mistura era utilizada como poção e salva. Todas as
receitas de kyphi mencionam vinho, mel e passas de uvas. Outros ingredientes incluem
canela, cássia6, rizomas aromáticos de cipreste, cedro, bagas de junípero, resinas de incenso,
1 Manniche, 1989: 57-58; Loret, 1887.
2 Pujol, 2004 http://www.egiptologia.com/content/view/513/45/1/2/
3 Mercer, 1952.
4 Designação técnica: Papiro British Museum EA 9999, o maior papiro encontrado até hoje do Egipto, com 1500 linhas de texto, encontrado
junto de Medinet Habu, e comprado por Anthony Charles Harris em 1855; entrou na colecção do British Museum em 1872. 5 Plutarco, 2001.
6Canela e cássia também usadas na mumificação: Universidade de Las Vegas, Nevada, EUA,
http://www.unlv.edu/Faculty/landau/herbsandspices.htm
3
mirra, resina de benzoína7 e mástique
8. Mesmo assim, nas receitas egípcias existem
ingredientes para nós ainda hoje desconhecidos. O resultado da mistura era disposto em bolas
e deposto em brasas para exalar o seu perfume.9
Em relação aos insectos, além das pragas, tambem sofriam de picadas. O primeiro registo de
morte humana atribuído a uma picada de vespa é o do rei Menés ou Narmer que terá
unificado o Alto e Baixo Egipto num só.10
Poderá ter sido um exemplar da espécie vespa-do-figo (Blastophagus psenes) da família dos
agaonídeos. Uma vez que tal espécie é auxiliar na polinização de figos, ocorre,
espontaneamente ou por introdução, na maioria das regiões onde se cultiva a figueira (Ficus
carica).11
O Professor Koji Nakanishi12
que viveu no Egipto, trabalhou com toxinas de vespas, para
sintetizar compostos semelhantes ao veneno de um tipo de vespa egípcia e torná-los trinta
vezes mais fortes. As vespas vivem com frequência em buracos nas árvores como os
sicómoros e são indispensáveis ao desenvolvimento das sementes que geram novos frutos.
Também aconteciam com frequência as picadas e mordeduras de animais como serpentes,
escorpiões e insectos. Para estas existiam prescrições médico-mágicas como são exemplo as
dos Papiros de Brooklyn; BM 9997, BM 10309, BM 10085, BM 1010513
.
Até as aves canoras podiam ser uma praga pois apesar de muito úteis para comer insectos,
procuram as árvores de fruto para comer os seus rebentos quando estão a amadurecer. Assim
os antigos Egípcios dispunham frequentemente de redes em árvores, presas por varas, para
que, assim que as aves voassem baixo e pousassem nos ramos, as varas eram removidas,
deixando as aves de poder voar e sendo assim facilmente capturadas.
A melhor maneira de manter uma casa limpa de roedores era a limpeza constante e um gato.
Os ratos carregavam diversas patologias, assaltando celeiros, como já referi, e arruinando as
culturas vitais às populações. Em algumas construções domésticas as paredes da casa
mostram a tentativa dos seus habitantes de encher os buracos com rochas para impedir que os
ratos entrem nas casas; estes eram perseguidos com gatos e varas do ferro. O Papiro Ebers
menciona alguns métodos da prevenção de pragas de roedores. Alguns parecem muito úteis
mas outros são meramente mágicos. A gordura do gato dispersava os ratos14
e, para proteger
os cereais dos ratos, o excremento queimado dos cervos era também utilizado.
Os insectos caseiros podiam ser mortos lavando a casa com natrão ou lavando as paredes com
carvão esmagado.15
Como os insectos são menos activos em temperaturas mais baixas, os
celeiros eram por vezes subterrâneos.
O mesmo natrão, um bolbo de cebola ou um peixe Tilapia nilotica seco eram postos na frente
do buraco para impedir as serpentes de saírem dos seus buracos.16
A gordura do ganso era eficiente contra moscas, erradicando-as, e os ovos de peixes
afastavam as pulgas. Estas deviam abundar pois o Papiro Ebers traz duas receitas contra
elas.17
As cinzas dispersas em torno do cereal no moinho matavam os escaravelhos.
7 Esta resina, principalmente extraída das Styrax benzoides e Styrax benzoin, é natural da Ásia. Terá sido importada para o Egipto. A casca
da árvore é seca para depois ser usada em perfumes, incenso e na medicina. 8 Pistacia lentiscus. A mástique ou resina de lentisco foi encontrada em resíduos dentro de ânforas egípcias conforme estudo de Serpico,
2003: 462-464,467. 9 Manniche, 1989; Plutarco, 2001.
10 Krombach, Kampe, Keller, Wright, 2004:1234.
11 Ramirez, 1070:680.
12 Do departamento de Química da Columbia University de Nova Yorque, «I can explain the principle behind a good science experiment in
15 seconds; the same with magic.» http://www.columbia.edu/cu/chemistry/groups/nakanishi/ 13
Leitz, 1999: 3-30, 85-92. 14
Bardinet, 1995: 362 (Papiro de Ebers, 847); Lisboa, 1978: 284; Ebeid, 1999: 353. 15
Ebeid, 1999: 351 (Papiro de Ebers, 840). 16
Bardinet, 1995:361 (Papiro de Ebers, 842).; Ebeid, 1999: 356. Peixe in, seco, posto à entrada dum buraco de serpente para a impedir de
sair; Koenig, 1979:108. 17
Lisboa, 1978:284.
4
A protecção contra felinos era feita plantando uma acácia. Utilizando o encantamento certo
também se ampliava também a protecção.
3 – As Patologias clínicas que mais afligiam os antigos Egipcios
3.1 – Infecciosas, parasitárias, e virais
Os metu ou diferentes „canais‟ do corpo, como eram entendidos pelos antigos Egípcios, não
são cordões sólidos, só lá estão para transmitirem a corrente (o movimento, como nas
máquinas). Por eles passam os elementos nutritivos, os diferentes fluídos e o sopro da vida.
Também existiam substâncias malévolas, os uekhedu, os agentes transmissores da dor e da
patologia. Sendo assim, os antigos Egípcios pensavam que o ânus era o centro da maioria dos
tratamentos. A cura das patologias consistia no descanso, na dieta apropriada e na
administração do medicamento com purgas usuais. Podemos tirar algumas conclusões do
modo de vida no antigo Egipto, pois não se têm efectuado grandes alterações, dado a
permanência do clima, hábitos alimentares e patologias endógenas autóctones. Os Egípcios
pensavam que todo o homem era saudável e que toda a patologia tem as suas causas; visíveis
ou ocultas; internas (os uekhedu eram originados por um processo pútrido no intestino que
circula com o descanso do corpo), ou externas (comendo demasiado, bebendo demasiado,
transmitidas pelo ar e pelos insectos).
A sua remoção era portanto vital, daí se realizarem purgas frequentes para livrar o organismo
de substâncias indesejadas. Podem relacionar-se as causas com o envenenamento causado
pelos alimentos; e a outra expressão utilizada como patologia, o aaa, patologia infecciosa que
circulava pelo corpo; com grande probabilidade de ter características cancerígenas.
Algumas traduções do Papiro Ebers fazem referências repetidas à dificuldade de diagnóstico
de patologias com o nome aaa. As tentativas para a sua interpretação foram até agora
inconclusivas. O número 62 do Papiro Ebers liga aaa a um parasita específico que levou
alguns estudiosos contemporâneos a identificá-lo como a hematúria.18
Mas outros papiros
médicos dão-lhe carga sobrenatural, uma espécie de castigo dos deuses que entra no corpo
humano e nele circula, causando mal-estar. É mencionado cinquenta vezes, em quatro
papiros; (28 no Papiro Ebers, doze no Papiro de Berlim, nove no Papiro Hearst, e uma vez
no Papiro de Londres.19
Poderia ser também a endémica chistosomíase (bilharziose) mas não seria na época possível
observar a olho nu o parasita para que se pudesse identificar. O conceito de aaa pode ser
interpretado como sémen ou veneno. Nos papiros médicos, existem muitas referências a
vermes, como sendo os responsáveis ocupantes e destruidores do corpo. Centrando a nossa
atenção nas causas possíveis de patologia, segundo os antigos Egípcios nos deram a entender
pelas fontes consultadas que chegaram até nós, estes seriam les agents provocateurs, ou
factores patogénicos circulantes: os aaa, uekhedu 20
e outras criações de Set,
encarnação do mal e da desordem. O sangue, senef, geralmente considerado benéfico mas
referido em algumas passagens de textos médicos como substância que rói, pode ser
18
Presença anormal de sangue na urina. 19
David, 2000, 32, 1: 133-135.
20 Steuer, 1948. É curioso que Gardiner interpreta o signo Aa2, como pústula ou glândula na sua Egyptian Grammar; Being an
Introduction to the Study of Hieroglyph, o que nos faz pensar em quisto ou tumor. Segundo Steuer, os antigos Egípcios erradamente
confundiam pus de uma ferida ou patologia diagnosticada com os tecidos em decomposição no momento do embalsamamento. Por tal este
determinativo aparece tanto nos papiros médicos como em referências à mumificação. O signo Aa3 de Gardiner, parece ser a evolução
do primeiro quando se verifica secreção de substâncias para o exterior dos tecidos como no caso de líquidos vertidos em inflamações,
infecções e outros traumatismos.
5
patogénico. Este sangue que come21
, segundo os textos, torna perigosa a sua presença no
organismo. Também pode bloquear a passagem do sopro da vida.
Os aaa, emanação corporal de essência divina, pode ser um verme intestinal. Pode
transformar-se em uekhedu decompondo e inflamando. Uma passagem do Papiro Ebers
indica que a sua origem está no próprio organismo; é uma espécie de secreção corporal ou
fluído emitido por deuses ou demónios, capaz de originar parasitas. Na mesma passagem os
aaa são sebo.22
Os uekhedu são elementos maléficos ligados às matérias em decomposição.
Serão originários da matéria fecal e a sua presença é sinónimo de envelhecimento e morte.
Tanto no Papiro Ebers como no Papiro Hearst e Papiro Berlim 3038, os uekhedu consagram
dois princípios, um sendo não-médico (a capacidade demoníaca que entra no corpo a partir
do seu exterior e outro, da matéria fecal que entra no sangue e o infecta).23
Seriam
substâncias animadas por um sopro patogénico opondo-se ao processo de cicatrização.24
Há
ainda os uhau, secreções ou pus causados pelos uekhedu. Uma passagem no Papiro Ebers
103 afirma que os uekhedu produzem os uehau , doença de pele não
identificada; segundo Nunn25
, uma espécie de urticária, uma erupção cutânea provocada por
infecção conforme o determinativo de pústula no nome.26
Os setet: alguns autores
traduziram-nos por reumatismos, pois criam dor à sua passagem nos canais do corpo, estejam
vivos ou mortos. Se forem mortos por um médico mal inspirado, tornam-se mais terríveis
ainda.27
Todas estas considerações, a passarem na mente dos antigos Egípcios, seriam
conclusões de análise com carácter científico apesar de impregnadas de quota mágica.
Os rins ficavam muitas vezes nos corpos egípcios mumificados por se encontrarem oclusos
na cavidade peritonial traseira e, portanto eram de dificilmente detectados pelo braço do
embalsamador. O mesmo acontecia com os órgãos reprodutores da mulher.28
O saco utilizado
para proteger o pénis seria uma protecção contra as infecções contraídas nas águas paradas do
Nilo.29
Problemas urinários nos adultos eram corrigidos com supositórios de azeite, mel,
cerveja doce, sal marinho, e sementes de maracujá.
Ruffer analisou alguns cálculos urinários em 1908 mas não detectou patologias nem ovos de
parasitas. Já nos rins que examinou (de seis múmias), houve casos em que foram encontrados
ovos calcificados de Bilhiarzia haematobia. Os métodos utilizados foram químicos e não
apresentaram dúvidas ao diagnóstico apresentado.30
Poliomielite
O pé equino terá sido documentado talvez pela primeira vez na história, no antigo Egipto.31
É uma infecção viral das células da espinal-medula32
que só se identifica nos que a ela
sobrevivem.
Alguns exemplos do antigo Egipto: um encurtamento da perna esquerda numa múmia de
Dechacha33
foi interpretado como sendo poliomielite. O pé retorcido de Siptah34
bem como
21
Bardinet, 1995: 335 (Papiro Ebers 592-602). 22
Bardinet, 1995: 121. 23
Steuer, 1948: 14. 24
Papiro Ebers 86. 25
Nunn, 1996: 226. 26
Papiro Ebers 91-92; 138. 27
Papiro Ebers 51, 15-52, 7; Papiro Ebers 102 e 296; Papiro Berlim 142-143. 28
Bitschai, Brodny, 1956:3-4. 29
Bitschai, Brodny, 1956:5-6. 30
Ruffer, 1910: 16.
31 Newsom, 2005:14.
32 Ebeid, 1999: 401.
33 Ou Dishasha, sítio do Império Antigo com um cemitério a c.130 km a Sul do Cairo onde Flinders Petrie escavou alguns túmulos em 1898:
University College of London: http://www.digitalegypt.ucl.ac.uk/deshasheh/index.html 34
Ebeid, 1999: 403; Fleming, Fishman, O‟Connor, Silverman, 1980:85.
6
as deformidades da múmia de Khnumunakht da XII dinastia são também provavelmente
casos de poliomielite.35
Uma estela funerária da XVIII ou XIX dinastia mostra o porteiro Roma com uma perna curta
acompanhada por uma deformidade equina no pé (talipes equinovarus), deneb36
em antigo
egípcio. Alguns pensam hoje ser poliomielite contraída na infância antes do esqueleto se
completar mas a deformidade do pé pode ter compensado a perna curta de Roma.37
Tuberculose
O homem terá contraído dos bovídeos esta patologia e esta mudou gradualmente na forma
humana; esta afirmação provém do facto de não haver vestígios da patologia na época Pré-
dinastica, quando não havia domesticação de gado bovino. Andreas G. Nerlich38
analisou
ADN de 26 múmias tebanas do Império Novo e época Greco-Romana e seis delas tinham
sido infectadas com tuberculose do tipo humano. Ele pensa que até 50% da população egípcia
poderá ter sido afectada pela tuberculose. É uma infecção viral do intestino que pode atacar a
medula do osso e provocar a paralisia irreversível, geralmente nas pernas. Transmitida pela
contaminação fecal no alimento e na água é assintomática; começa com febre, enxaquecas,
calor na garganta e não tem tratamento.
Existe um caso documentado de uma múmia egípcia infantil com tuberculose encontrada no
túmulo de Nebuenenef (TT 157) que mostra que esta patologia não escolhia idades; a criança
terá contraído tuberculose por contacto próximo com pessoa idosa infectada.39
Nas técnicas
imunológicas modernas é possível extrair do osso a bactéria para identificação e então
determinar se é bovina ou humana. A tuberculose da coluna vertebral foi notada em múmias
egípcias de c. 3000 a. C., sendo o primeiro relato existente sobre esta patologia o de
Hipócrates em 450. Sir Percival Pott40
, em 1779, foi o primeiro autor a realizar a descrição
detalhada da enfermidade e a sua exposição; o termo tuberculose entrou em uso em 1839. É
uma doença infecciosa crónica, endémica, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, descrita
por Robert Koch em 1882. Pode também ser causada por outras formas do Mycobacterium
(M. bovis, M. kansasin, M. fortuitum, M. martinum, M. intracellulase).41
Ruffer42
refere a presença de tuberculose na coluna de Nesiparehan, sacerdote de Amon da
XXI dinastia. Mostra as características principais do mal de Pott com colapso de vértebras
torácicas, produzindo uma cifose.43
. Uma complicação conhecida do mal de Pott é a
supuração tuberculosa baixar até ao músculo psoas até à fossa ilíaca direita, formando um
grande abcesso psoas.44
O relatório de Ruffer45
refere o melhor caso autenticado de
tuberculose espinal no antigo Egipto.
Todos os casos possíveis foram vistos da Época Pré-dinástica à XXI dinastia, por Morse,
Brockwell, e Ucko46
e por Buikstra, Baker, e Cook47
em 1993. Incluíram specimens de
Naqada de Petrie e Quibell de 1895 bem como nove specimens núbios do Royal College of
Surgeons of England. Registaram poucas dúvidas a ambas as equipas de que a tuberculose foi
35
Cockburn, 1998:43. 36
Ebeid, 1999: 399. 37
Nunn, 1996:77. 38
Zink, 2001:.355-366. 39
Zimmerman, 1979: 604-608. 40
Pott, 1779. 41
http://www.rbo.org.br/materia.asp?mt=1320&idIdioma=1 42
Ruffer, 1910; Ebeid, 1999:146. 43
A cifose, vulgarmente chamada de corcunda, é definida como um aumento anormal da concavidade anterior da coluna vertebral, sendo as
causas mais importantes dessa deformidade a má postura e o condicionamento físico insuficiente. 44
Nunn, 2002. 45
Ruffer, 1910. 46
Morse, D., Brothwell, D. R., Ucko, P. J., Tuberculosis in ancient Egypt, American Review of Respiratory Disease 90, 1964: 524-41. 47
Buikstra, Baker, Cook, 1993.
7
a causa patológica na maioria, mas não em todos os casos. Em alguns casos não foi possível
excluir a compressão de fracturas, osteomielite, e quistos nos ossos como causas de morte.48
Uma representação de corcunda encontra-se numa cerâmica Pré-dinástica encontrada em
Assuão49
representando um humano com uma cifose angular na coluna torácica, tolhido sobre
uma construção de adobe. A outra representação da mesma época com deformidade vertebral
indicativa de tuberculose é uma pequena representação humana de marfim com os braços de
lado do corpo dobrado pelos cotovelos. Tem uma protrusão das costas e do peito.50
O último exemplo é uma estátua de madeira no Museu de Bruxelas.51
Foi comprada quando do leilão da colecção Amherst em Londres em 1921, e consiste apenas
num tronco nu cuja cabeça tem uma barba pontiaguda. Não apresenta os membros superiores
e dos inferiores apenas resta a coxa direita. Tem um tórax proeminente e uma corcunda dorsal
com curvatura acentuada da coluna vertebral. Do ponto de vista paleopatológico esta pessoa
terá sofrido na infância uma tuberculose vertebral52
que deixou sequelas permanentes.
Outra muito sugestiva, da XVIII dinastia, no museu de Liverpool, M3519, é uma estatueta de
madeira duma serva feminina com cifose angular visível, provavelmente da posição de
carregar a jarra.53
Um outro exemplo é do Império Médio numa pintura dum túmulo em Beni
Hasan que mostra um jardineiro com uma deformidade angular na coluna cervico-torácica.54
Pettigrew observa nos pulmões de Petmautiomés vestígios de condição tuberculosa e esta
provavelmente terá morrido de tísica.55
Lepra (Mycobacterium leprae)
Os casos de lepra no antigo Egipto não podem ser confirmados antes da Época Greco-
Romana conforme testes na múmia de Irtisenu56
, o Papiro Ebers menciona o que parece ser
esta patologia infecciosa dos pulmões nos n. 874 e 877.57
Em 1980 foi reconhecida em quatro
esqueletos do período ptolemaico. Existe a noção de que esta patologia terá chegado ao
Egipto apenas com os exércitos de Alexandre.58
3.2 – Dermatológicas
A preocupação dos antigos Egípcios com a beleza e juventude durante toda a vida resultou na
existência de cuidados cosméticos especiais que também tinham propriedades medicinais. O
tingir do cabelo, os unguentos que dão firmeza ao corpo, os perfumes que escorrem pela
cabeça abaixo eliminando parasitas e maus cheiros, tendo propriedades anti-sépticas, vão
desaguar à maior das preocupações: o envelhecimento. Existem pelo menos três fontes que
descrevem estas preocupações; o Papiro Ebers; o Papiro Edwin Smith; o Papiro Hearst,
onde se enuncia como remover cabelos grisalhos; (Papiro Ebers 451, 452, 459 a 461).
Para prevenir a perda de pigmento no cabelo; (Ebers 453 a 458, 462, 463; Hearst 147 a 149);
para fazer crescer cabelo (a calvície era uma grande preocupação59
, pois o estatuto social
superior conferido aos sacerdotes que rapavam todos os pêlos não era o mesmo que ir ficando
careca, para um egípcio isso era perda de vitalidade (Ebers 464 to 467, 468 para mulheres,
469 a 473; Hearst 144 a 146), mas também a remoção de pêlos era feita para salientar a
beleza do corpo (Ebers 476, 774; Hearst 155, 156). Para rejuvenescer o rosto (Ebers 716 a
48
Nunn, 1996:73. 49
Schrumph-Pierron, 1933 50
Morse 1967: 261. 51
Cuenca-Estrella e Barba, 2004: 42; Ebeid, 1999:145. 52
http://www.globalegyptianmuseum.org/record.aspx?id=885 53
Reeves, 1992: 40. 54
Cuenca-Estrella e Barba, 2004: 42. Túmulo de Ipui, XIX Dinastia. 55
Pettigrew, 1838:13. 56
Ebeid, 1999:56 57
Bardinet, 1995: 371-373. 58
Ebeid, 1999:214-215. 59
Ebeid, 1999: 289.
8
721), para a pele em geral (Ebers 714 e Hearst 153 e Smith coluna 21, linhas 3-6; Ebers 715
e Hearst 154 e Smith coluna 21, linhas 6-8; Smith coluna 21, linha 9 a coluna 22, linha 10).
Os maus cheiros também tinham direito a prescrição própria; (Ebers 708 a 711; Hearst 31, 32
e 150, 151).
Algumas ervas daninhas das margens do Nilo tratavam patologias de pele-inm, como
vitiligem (vitiligo lymphoma)60
, a psoríase e outras. As lesões de vitiligem eram tratadas com
extracto de Ammi majus L., cicuta negra, seguido de exposição ao sol conforme mencionado
no Papiro Ebers.
O edema, patologia crónica que acumula água entre os tecidos cutâneos, era descrito com um
hieróglifo que significava «água debaixo da pele» , mui, mwi; descrito no caso 4 do
Papiro Edwin Smith61
sendo esse hieróglifo semelhante ao da cheia anual do Nilo.
Psoríase
Era tratada no antigo Egipto com a fito-fotodermatite, que é uma reacção dérmica foto
sensitiva induzida por exposição a certas plantas, com subsequente exposição solar. Os dois
agentes são necessários para o efeito. Plantas com estas características são o aipo, planta-dos-
porcos, angelicina, nabo, funcho, estragão, anis, salsa, lima, limão, ruta, figo, mostarda,
crisântemo e bergamota. Nos registos do antigo Egipto é mencionado o alho e o aloe vera62
para este tratamento em conjunto com outros ingredientes como o pepino e o vinho.
Os psoralenos, também chamados furocumarinas, são agentes foto sensores que se encontram
nestas plantas. Eram conhecidos no antigo Egipto.63
Os psoralenos são tomados ou podem ser
aplicados directamente na pele. Permitem que uma dose mínima de raios UVA seja utilizada.
Quando combinados com a exposição aos UVA são muito eficazes a erradicar a psoríase. A
razão ainda é incerta mas terá a ver certamente com a renovação celular que acontece com a
exposição combinada dos dois agentes e a resposta do nosso sistema imunitário.
Cuidados capilares
A calvície representava uma das grandes preocupações da sociedade visto o cabelo ser
considerado tanto um afrodisíaco com um sinal de juventude. Existiam prescrições para tingir
de novo o cabelo quando este perdia a pigmentação e para fazer crescer mais cabelo também.
Isto não anula o ritual da depilação total a que se submetiam muitos Egípcios64
, até na
profissão militar65
como sinal de estatuto social.
Os homens estavam geralmente rapados e durante o Império Médio e o Império Novo o rapar
era feito com lâminas de cobre e bronze, metais reconhecidos por manterem uma borda
afiada, por isso muitos homens confiavam em barbeiros profissionais. Para depilação do
corpo usava-se uma mistura de ossos esmagados do pássaro, óleo, suco do sícomoro e goma,
aquecidos e aplicados na pele. Após refrigerar, a camada endurecida era retirada então,
presumivelmente removendo o cabelo. As tesouras também eram utilizadas66
: tj'ait-iret, para
retirar cabelo não desejado. As perucas eram utilizadas por homens e mulheres e eram feitas
de cabelo humano, e mais tarde das fibras da palmeira posteriormente onduladas.
60
Patologia caracterizada pela despigmentação da pele e pêlos correspondentes, o que provoca o aparecimento de manchas claras. 61
Bardinet, 1995:496; Faulkner, 2006:105. 62
Manniche, 1989: 70-72. 63
Oliveira, 2005: vii. 64
Ebeid, 1999: 351. 65
Ebeid, 1999: 348. 66
Ebeid, 1999: 128 (as tesouras constam do grupo de instrumentos no Museu Egípcio do Cairo conforme menciona Ebeid).
9
3.3 – Patologias Ortopédicas/Traumatologia
O Papiro Edwin Smith fala em 48 casos de traumas, derivados de ferimentos em batalha,
discussões violentas ou manuseamento de objectos muito pesados. As deformidades
resultantes da exposição solar (patologias oftálmicas, respiratórias, dermatológicas e
infecciosas), e osteo-articulares resultantes de carregar pesos e esforços mecânicos
localizados, estão patentes em algumas representações artísticas como a do túmulo de Ipui em
Deir el-Medina na figura com ombro deslocado67
; a rapariga servente com corcunda; o pastor
com joelho deformado da mastaba de Ptahotep em Sakara, V dinastia; outras deformidades
como hérnia umbilical, hipertrofia genital nos pescadores e oleiro do túmulo de Mehu em
Sakara da VI dinastia68
, só para citar alguns.
Escavações recentes em Deir el-Medina trouxeram provas de operação ao cérebro de um
trabalhador, que viveu mais dois anos. Esqueletos encontrados em Tell Tabilla em Junho de
2003 têm sintomas de anemia, osteoporose, vértebras fracturadas comprimidas, raízes dos
dentes e abcesso demasiado grandes. Nos homens de corpos robustos encontram-se
degenerações cervicais e anormal desenvolvimento do músculo do braço, que sugere o
carregar de pesos como a origem possível de problemas musculares e ósseos. Traços também
encontrados da distensão da mão o que sugere tarefas repetitivas com pesos.69
Pelos casos analisados pode concluir-se que, quem chegasse a ser idoso (a esperança média
de vida rondava os 36 anos70
, entre os 35 e os 40 em geral)71
; teve provavelmente artrite (as
articulações eram sujeitas a esforços adicionais em certas profissões), arteriosclerose e
demência.72
O raquitismo73
também foi diagnosticado numa múmia masculina adulta,74
mostrando assim
que esta patologia existia no antigo Egipto, no meu entender não por falta de vitamina D.
Mesmo não havendo menções nos papiros médicos, existem provas de terá existido
raquitismo no antigo Egipto.75
Osteoporose
Esta patologia, (afinamento do osso, idiopático ou secundário de outra patologia) e
osteopenia (recrudescimento da massa óssea abaixo da norma) estavam presentes nas
populações do antigo Egipto.76
Os ossos dão algumas indicações como as linhas de Harris
que provam pausas no crescimento talvez atribuídas a má nutrição assim enfraquecendo os
ossos e provocando osteoporose mais tarde.77
Para aparecerem nos raios X estas patologias têm que ultrapassar perdas de mais de 40%, na
densidade óssea, o que se torna difícil em material arqueológico. O estudo da osteopenia via
análise de isótopo estável tem sido feita em múmias egípcias, mas esta técnica requer
destruição da amostra do osso. Assim como os efeitos da fosfatase alcalina (enzima elevado
sempre que há destruição do osso presente) que requerem destruição do material orgânico.
Não há talvez ainda método não destruidor a aplicar nestas investigações de epidemiologia da
osteoporose e osteopenia no antigo Egipto. Mas os raios X duais (técnica absorciométrica
67
Ebeid, 1999:140; Nunn, 1996: 179; Filer, 1995: 33. 68
Reeves, 1992: 34-35. 69
Tell Tebilla Project http://www.deltasinai.com/delta-11.htm 70
Lisboa, 1978:285. 71
Fleming, Fishman, O‟Connor, Silverman, 1980:74; Nunn, 1996:22. 72
Segundo Zahi Hawass as elites reais no antigo Egipto poderiam chegar a uma idade de entre 50 a 60 anos. 73
Rachitis, do grego tardio rhachitis «inflamação da coluna» do grego rhakhis «espinha». 74
Moodie, 1931:22. 75
Ebeid, 1999:396. 76
Caso de Pesed referido no quadro da página 64. 77
Nunn 1996: 83.
10
DXA), é utilizada na radiografia moderna para medir a densidade óssea e facilitar o
diagnóstico e risco de osteoporose.78
Próteses
No entanto deve ter existido cirurgia protésica79
como denotam os exemplos aqui descritos.
As próteses no antigo Egipto eram geralmente concebidas para efeitos estéticos; para que a
pessoa não perdesse a sua totalidade física, fossem elas um dedo do pé como o que está no
British Museum80
, o dente pré-histórico que substituía um incisivo da maxila81
ou um braço
como o da múmia de Manchester ou um pénis ou pé também no Manchester Museum.
Encontrou-se também uma prótese de dedo do pé em madeira, que deve ter melhorado a
locomoção da sua dona, uma mulher entre os 50 e os 60 anos, após lhe ter sido amputado o
dedo grande, que está no Museu do Cairo.
Um olho de vidro, a que falta a íris, seria inserido numa múmia com mais probabilidade do
que numa pessoa viva. Um outro exemplo de restauração foi detectado na múmia 2343 (não
citada no catálogo da colecção do British Museum), do Museu Arqueológico de Nápoles
onde um exame de imagem radiográfica mostrou próteses de madeira no lugar dos pés. Uma
vez que existem referências que datam estas restaurações com próteses ao período
ptolemaico82
, será então de arriscar datar esta múmia do mesmo período.
3.4 – Patologias Oftálmicas
As patologias oftalmicas no Egipto antigo incluíam a fraca visão, o estrabismo, as cataratas,
conjuntivites e o tracoma. Para reduzir o efeito agressivo da luz solar pintavam os olhos à
volta com malaquite, mineral de cobre verde, extraído do Sinai e das minas do deserto
oriental; a mesdemet ou galena constituía um pó cosmético protector da agressão da areia e
do vento e também das pragas de insectos.
A cegueira nocturna era curada pelo fígado de boi cozinhado e esmagado83
, que é sabido ser
muito rico em vitamina A. Outra patologia, as cataratas, placas que se formam e provocam a
perda da transparência da lente do olho, a retina, foram assim chamadas em latim, pensando
num líquido que flui do cérebro para os olhos… Os Egípcios chamaram-lhe «ascensão da
água»84
, denotando uma mesma compreensão falsa que os latinos fizeram séculos mais tarde.
O tratamento era feito com mistura do cérebro da tartaruga e mel. A primeira cirurgia foi
executada em Alexandria durante a era dos Ptolemeus (de 323 a. C. a 30 a. C.).
Nos «Textos dos Sarcófagos» n. 157 existe uma referência talvez ao primeiro exame
oftálmico associando o porco com a falta de visão.85
Terá talvez daqui resultado a proibição
cultual de comer porco no Egipto.
O Papiro Ebers é datado por uma passagem no verso como sendo do ano 9 do reinado de
Amen-hotep I (c. 1534 a. C.). Um avanço grande na oftalmologia pode denotar-se neste
papiro em que uma secção inteira é dedicada às patologias do olho, mas mais a tratamentos
do que a descrições clínicas. Possui encantamentos, mas também provas de conhecimentos
científicos. O mais significativo é a definição de várias patologias oftálmicas.
Inflamações das pálpebras86
como a blefarite ciliária87
(inflamação do bordo livre das
pálpebras comum e persistente) estavam presentes no antigo Egipto, provavelmente no que
chamavam de «calor no olho», tjau.
78
Haigh, 2000. 79
Győry, 2006: 2. 80
British Museum EA 29996. 81
Irish, 2004: 645. 82
Guiffra, 2006: 274-278. 83
Nunn, 1996: 200; Ebeid, 1999: 155. 84
Ebeid, 1999: 155. 85
Ritner, 1997: 30.
11
O treçolho (chalazion)88
ou hordéolo (hordeolum), é um pequeno abcesso do folículo de uma
pestana indolor onde normalmente existe uma inflamação, estafilicócica, aguda e purulenta
de uma glândula sebácea da pálpebra e está associado dor crónica em geral, sem inflamação
aguda, edema e eritema (rubor cutâneo). Apresenta um nódulo inflamatório normalmente
pequeno onde existe irritação aguda com dor local.
O Ectropion89
; pálpebra descaída que deixa o olho exposto e a secar é causada por falta de
tonicidade muscular da pálpebra causa hipo ou hiper secreção da lágrima, mas o seu limpar
ainda agrava mais a situação. É uma patologia comum em pessoas com mais de sessenta anos
o que acontecia em excepção no Egipto. O Ectropion pode causar vermelhidão e hiper
sensibilidade à luz ou ao vento.
O rolamento para dentro da pálpebra inferior que irrita a superfície ocular (ou córnea)90
,
entropion, pode cegar. A trichiasis91
, pálpebra anormal, definida como pela direccionalidade
das pestanas em relação ao globo ocular. Pode ser em todo o segmento ou só parcialmente. A
causa pode ser anatómica e é mais frequente em adultos.
As manchas nos olhos, sehedju92
, ou granulações, chemosis (tecido conjuntivo cheio de
líquido; olho inchado ou conjuntivite), pinguecula, crescimento amarelado, benigno, que se
forma no tecido conjuntivo. Crescem perto da córnea no lado nasal. Pensa-se que os
pingueculae são causados pela luz ultravioleta e são mais comuns em pessoas que passam
muito tempo em exposição solar. Não afecta a visão, mas pode causar irritação se crescer
demasiado. Em casos raros, o pinguecula podem estender-se à córnea, formando um
pterygium93
. Estes são crescimentos anormais do tecido conjuntivo ocular muito comuns em
pessoas que vivem em climas tropicais ou passam muito tempo ao sol. Causam irritação,
vermelhidão, e lágrimas.
Os pterygiums são alimentados por capilares minúsculos. Podem afectar a visão. Conforme o
pterygium se desenvolve, pode alterar a forma da córnea, causando estigmatismo. Se o
pterygium invadir a córnea central, pode ser removido cirurgicamente.
O leucoma94
, branqueamento e engrossamento da córnea, estafiloma, convexidade ou
protrusão anormal da córnea como consequência de um trauma o de uma inflamação; irite ou
inflamação da íris; cataratas, hifaema, afecção pupilar, afecção da íris, icterícia ocular, uveíte
anterior, depósito ocular, irite, depressão do nervo óptico, deformação pupilar; inflamações
várias, oftalmoflagia e dacriocistite, inflamação do saco lacrimal, e consequente processo
inflamatório do hiato nasal médio e incapacidade das vias lacrimais.
O Papiro Ebers é provavelmente produto de sacerdotes.
Tal como se pensava ter sido parte dos seis volumes perdidos contendo os «segredos dos
médicos»95
. Não existem provas de avanços na cirurgia; a única mencionada no papiro é a
epilação, prática muito difundida a julgar pela frequência de fórceps nos relevos do Império
Novo. Heródoto relata que Ciro da Pérsia pediu a Ahmés, c. 560 a. C., da XXVI dinastia, um
médico para o curar dos olhos.96
O tracoma, nehat97
, é uma das patologias infecciosas mais antigas conhecidas da
Antiguidade, com referências ao antigo Egipto.98
É discutida no Papiro Ebers. A bactéria
86
Nunn, 1996: 201. 87
Ebeid, 1999: 154. 88
Idem. 89
Ebeid, 1999:154. 90
Nunn, 1996: 201-202. 91
Ebeid, 1999:154. 92
Ebeid, 1999:156; Nunn, 1996: 202. 93
Ebeid, 1999:154. 94
Idem. 95
Pinch, 1994: 133. 96
Ebeid, 1999: 157. 97
Nunn, 1996: 201. 98
Medow, 2006
12
Chlamydia tracomatis afecta o olho espalhando-se na pessoa infectada pelas mãos ou roupa,
ou pode ser levada pelos insectos e entra em contacto com a pessoa descarregando nos olhos
ou nariz. Como o tracoma é transmitido por contacto pessoal tende a ocorrer em comunidades
pequenas e fechadas. Não leva à cegueira automaticamente; manifestando-se gradualmente.
Esta patologia chegou à Europa com as guerras napoleónicas após a passagem de soldados
franceses e ingleses pelo Egipto. Espalhou-se rapidamente pelos exércitos dadas as condições
de higiene das tropas nos acampamentos.
Em Deir el-Medina os operários sofriam de variadas patologias sendo a poeira que cegava
uma das mais aflitivas. Num óstraco emocionante da XIX dinastia um pai escreve a um filho
a pedir tratamento para os olhos; ele, um desenhador, Pai, diz para o seu filho, também ele,
desenhador, Pre [emhab?]:
«Não me vires as costas; Eu não estou bem. Não [pares] de chorar por mim, pois eu estou na
[escuridão (?) desde] meu senhor Amon [voltou] as costas para mim. Poderás trazer algum
mel para os meus olhos, e também algum ocre para fazer tijolos outra vez, e tinta de olhos
preta. [Depressa!] Olha! Não sou eu teu pai? Agora, estou aleijado; procuro a minha vista e
ela não está lá.» 99
A cegueira com certeza incapacitava um desenhador das figuras e escrita hieroglífica nos
túmulos. Descrições de mistura de mel, ocre e tinta preta dos olhos que Pai pede ao filho
aparecem nos papiros médicos, pois deveria ser um remédio habitual. O mel tem
propriedades anti-sépticas, e o ocre, arrefece as pálpebras e reduz os inchaços. Muitos
trabalhadores sofriam destas aflições nos olhos o tratamento devia ser muito conhecido, e Pai
pediu-o para si. «A cadmia100
actua como dessecante, cura as feridas, pára as hemorragias,
actua como um detergente em teias e incrustações dos olhos, remove erupções, e produz, de
facto, todos os bons efeitos de que teremos oportunidade de mencionar quando falarmos de
chumbo. O cobre também, ele próprio, quando calcinado, é empregue para todos os fins; e
também é utilizado para manchas brancas e cicatrizações dos olhos. Misturado com leite, é
curativo de úlceras dos olhos; para este fim, o povo do Egipto faz um tipo de bálsamo para os
olhos moendo-a com pedras.»101
3.5 – Dentárias
Os dentes, tinham vários nomes, talvez por serem de fisiologia diferente e os Egípcios já
terem noção das suas diferenças, ibeh, ibH e nehedjet, nHDt,102
(os
segundos talvez sejam os molares, segundo Lefèbvre103
); são os mais duros e mais
indestrutíveis tecidos humanos.104
Será curioso referir que o determinativo utilizado é uma
presa provavelmente de elefante na óptica egípcia de representar órgãos humanos através da
sua contraparte animal.
No Egipto antigo, os problemas mais comuns eram as cáries; a abrasão (desgaste provocado
pela trituração de alimentos duros) dos dentes.105
Com o tempo, o desgaste torna-se extensivo
ao esmalte e à dentina expondo a polpa. O resultado é a infecção crónica dolorosa. A
piorreia,106
muito comum no antigo Egipto, também foi detectada, um exemplo é uma múmia
feminina de c. de 35 anos.107
99
Traduzido: http://www.mc.maricopa.edu/dept/d10/asb/anthro2003/legacy/ancient_lives/ostraca.html Universidade Mesa Community
College, Arizona, USA 100
Do latim cadmía, do grego kadmeía, carbonato de zinco extraído perto da cidade grega de Cadmo (Tebas); Carbonato de zinco – ZnCO3
101 Plínio, 2004, capítulo 23.
102 Nunn, 1996:50.
103 Lefebvre, 1956:60.
104 Prof. Eugénia Cunha em nota de sessão de Antropologia Forense no Instituto de Medicina Legal de Lisboa, Fevereiro de 2007.
105 Schwarz, 1979:37.
106 Do grego pyórrhoia, supuração; estado patológico crónico da zona gengivo-dentária, caracterizado pela destruição progressiva dos
tecidos fixadores dos dentes. 107
Moodie, 1931:25.
13
Uma múmia feminina encontrada junto à pirâmide de Pepi I em Sakara mostra algumas
lesões associadas à sua provável profissão: tratamento de fios de couro. As anomalias
encontradas nos espaços entre os incisivos superiores são em forma de moeda e a dentina está
à vista o que sugere que se tratava dum movimento muito repetido.108
Uma outra, também do sexo feminino, em que só a cabeça foi encontrada no túmulo K95,
aparentando mais de sessenta anos de idade, em Dra Abu el-Naga, necrópole de Tebas, foi
identificada como tendo presente uma bactéria num abcesso dental: corynebacterium. Pelos
restos encontrados no mesmo túmulo de cerca de quarenta indivíduos não se pode afirmar
que a bactéria tenha sido originalmente desta ou possa ter sido contaminação de outro corpo.
Foi pela análise de ADN que se identificou a bactéria, mas mesmo assim não se pode
identificar o tipo da espécie bacteriana. Mas a referência em textos mágicos duma patologia
infantil, baa, , b‟‟ pode ajudar na caracterização (Papiro de Berlim 3027). Um mito
descrito no Papiro Ramesseum III, B, 23-24 relata a experiência infantil de Hórus que
recupera da baá.109
Os cirurgiões dentistas desse tempo drenavam os abcessos através de uma lingueta oca. O
segundo problema era a patologia periodontal (gengivites). Os depósitos do cálculo (tártaro)
nos dentes eram frequentes; o resultado destes depósitos é a perda adiantada do osso, dentes
frouxos, infecção e perda de dente. Na cárie dental o desgaste rápido afasta as cavidades das
fissuras. Outra razão pode ser talvez a ausência de hidratos de carbono refinados. Alguma
restauração feita nesse período pode ser observada em corpos egípcios mumificados que
chegaram até nós.
Num caso com falta de três dentes, três substitutos estavam enfiados no lugar perfeitamente
junto dos dentes com um fio fino do ouro.110
A sua dieta, à base de pão com farinha
grossamente moída, que incluía alguns grãos de areia na moagem, seria a causa principal de
atrito nos dentes.111
Os dentistas são conhecidos no Egipto desde o Império antigo.112
A
primeira referência ao título de dentista foi dado a Hesiré c. 2650 a. C. Heródoto menciona
cinquenta nomes com o título de dentista. Mas Warren R. Dawson discorda, diz este autor
que é pouco provável que existissem profissões médicas distintas antes do período
ptolemaico.113
Ruffer diz também que os seus estudos não lhe deram confirmação de terem
existido cirurgiões dentistas no Egipto antigo pois as múmias mostravam dentes que podiam
ter sido tratados ou extraídos para alívio dos seus donos…114
Existiam duas classes, a mais baixa sendo iri-ibeh que significa dentista (o do dente, aquele
que trata os dentes)115
, e a elite referida como uer-iri-ibeh, o chefe dos dentistas.116
Numerosos papiros enumeram prescrições para patologias dentais, tais como a piorreia,
dentes soltos, cárie dental e abcessos.
Furos cirúrgicos produzidos para drenar um abcesso sob o primeiro molar foram encontrados
na mandíbula de uma múmia da IV dinastia (2625-2510 a. C.).117
Um dente frouxo reparado com uma ponte de fio do ouro a um dente sadio vizinho (dois
molares), foram descobertos noutra múmia da mesma dinastia em Guiza.118
Os dentes
108
Janot, 2003:37-39. 109
Zink, Reischl, Wolf, Nerlich, Miller, 2001, 267-269. 110
Ainda não é definitiva a conclusão dos especialistas sobre se seria uma adição pré ou post-mortem. 111
Fleming, Fishman, O‟Connor, Silverman, 1980:74. 112
Em Outubro de 2006 foram descobertas, por acaso, os túmulos de três dentistas reais: Iy meri; Kem mesu; Sekhemka. Notícia na National
Geographic: http://news.nationalgeographic.com/news/2006/10/061023-egypt.html 113
Numa carta pessoal a F. Filce Leek, conforme mencionado por este no seu artigo The Practice of Dentistry in Ancient Egypt, Journal of
Egyptian Archaeology 53, December 1967, EES, London. 114
Ruffer, 1921: 314. 115
Jonckheere, 1958: 99. 116
Jonckheere, 1958: 100. 117
Em 1917 E. A. Hooton não sabia que estes furos podiam ser naturais; o abcesso pode criar o seu caminho pela mandíbula, para evacuar o
pus, e os resultados, cavidades circulares, parecem precisos; Filler, 1995: 100. 118
Por H. Junker, publicado em 1929, descobertos no túmulo 984 de Guiza, Filer, 1995: 100; Ghaliounghi, 1963: 134.
14
artificiais que prendem uma ponte maxilar por um fio de prata eram também encontrados na
época Greco-Romana. Extracção do dente, tratamento da boca, das úlceras das gengivas e o
tratamento da deslocação da maxila foram tratados no Papiro Edwin Smith e no Papiro
Ebers. As cáries não eram tão comuns como agora, mas os dentes desgastados eram
frequentes e a causa seria o pão muito duro; a areia nele envolvida durante o tempo de fabrico
era muito abrasiva para a dentadura.
As onze terapêuticas descritas no Papiro Ebers eram de aplicação externa mas teriam uma
carga mais mágica que curativa. Isto levava a que as gengivas recedessem, com dor, e se
perdessem dentes. A inflamação gengival podia ir até ao osso da mandíbula e/ou maxila;
estas purulências como lhes chama o papiro eram tratadas de forma decididamente ineficaz
pois os dentes caíam na mesma. Não sendo tratada a origem do problema o dente não
sobrevivia.
O quisto denta da múmia de Djedmaetinesankh, música do templo de Amun-Ré em Tebas, da
época Greco-Romana, exposta no Royal Ontario Museum, Canada foi analisado.119
Stephanie
Holowka, do Hospital for Sick Children, Canada, fez a reconstrução de Djedmaetinesankh
em computador, dente a dente. Uma enorme ferida, resultado de um abcesso que era evidente
ser de um quisto; e treze abcessos menores. Um dos caninos de Djedmaetinesankh foi
impactado e faltavam outros três dentes, possivelmente da evidente patologia das gengivas. A
cobertura exterior do esmalte nos dentes tinha sido destruída pelo desgaste, e em pouca
extensão também foi destruída pela cárie.
De acordo com Tony Melcher do Canadian MRC Periodontal Research Group120
, University
of Toronto, uma vez que o esmalte de dente é desgastado a dentina é exposta, qualquer coisa
doce, quente, ou fria poderia causar desconforto. No caso de Djedmaetinesankh, os danos são
extensos, uma vez que a polpa dental é exposta até à raiz em 24 dos seus 28 dentes. «Uma
vez que a polpa é exposta» diz Melcher, «é uma dor aguda, uma dor terrível. Qualquer coisa,
mesmo respirando o ar frio, dói. Tentar comer feriria enormemente.» A polpa dental exposta
torna-se rapidamente infectada, e a propagação desta infecção através do canal da raiz ao
osso causou provavelmente a Djedmaetinesankh muitos abcessos e o quisto cheio de pus. O
quisto mede 5 ml de volume, o equivalente a uma colher de chá, e envolve cinco dos oito
dentes na sua parte superior da maxila esquerda. Dos cinco furos da drenagem que aparecem
na sua mandíbula, perto do quisto grande, um deve ter resultado de uma tentativa adiantada
de trabalho de dentista.
Os dentistas, identificados na escrita hieroglífica por um dente de elefante, tinham
existido no Egipto antigo desde c. 2800 a. C. O Papiro Edwin Smith, c. 2500 a. C., mais de
1500 anos antes do tempo de Djedmaetinesankh, indica que os dentistas souberam utilizar o
fogo para perfurar com finalidades médicas. Há um caso citado no papiro que descreve como
um abcesso foi drenado num paciente. Melcher estima que os problemas dentais de
Djedmaetinesankh podem ter começado na infância, talvez com 10 ou 12 anos. Não se sabe,
diz Melcher121
, se os Egípcios tinham aprendido com os seus vizinhos assírios para utilizar
cravos-da-índia como tratamento para a dor de dentes. Mas, para ela, em dor extrema,
Djedmaetinesankh quase certamente teria acesso ao ópio.
No Papiro Anastasi IV (BM 10249,12.5-13.8), de c. 1202-1196, XIX dinastia, provavelmente
durante o reinado de Seti II, segundo Boyo Ockinga:«um oficial egípcio lamenta-se num
posto longínquo pois um dos seus colegas, escriba de profissão, anda de cara retorcida pois a
doença ueSetet desenvolveu-se no seu olho e o verme cresce no seu dente e o soldado não o
quer deixar.» 122
119
Jack, 1995:1. 120
Jack, 1995:4. 121
Jack, 1995:5. 122
Ockinga, 1996.
15
Muitas mandíbulas, mostram evidências de pequenas perfurações feitas por cirurgiões
dentistas, indicando drenagem de abcessos.123
3.6 – Respiratórias
Poderiam surgir infecções por falta de condições de higiene dada a aglomeração de pessoas
que residiam nas vilas operárias, pelo contacto com águas infectadas, poeiras do deserto,
animais infectados, mortos e plantas tóxicas e mesmo os insectos estão confirmados como
transmissores de patologias.124
O trabalho nas pedreiras e nas minas expunha os trabalhadores
e, consequentemente, as suas famílias, a infecções e as campanhas militares e batalhas delas
decorrentes bem como confrontos devido a roubos, extorsões ou disputas causavam
ferimentos evitáveis, mas mesmo assim, necessários de tratar. Ruffer analisou vários pedaços
de pulmões provenientes de múmias e vasos de vísceras egípcios com indícios de adesões
patológicas que ele avançou serem sinais de pneumonia (bacilos).
Uma destas patologias era a antracose, caracterizada pela presença de partículas de carvão
incrustadas nas paredes dos alvéolos pulmonares, impregnando o tecido pulmonar. Hoje em
dia vulgarmente detectada em comunidades mineiras, era no antigo Egipto provavelmente
causada pelos fumos das lamparinas e dos lumes para cozinhar dentro das habitações
fechadas.125
3.7 – Ginecológicas
É no Papiro de Berlim 3038 que se encontra o famoso prognóstico de nascimento:
«Método de reconhecer se uma mulher terá um filho ou não: (tu porás) cevada e trigo (em
dois sacos de pano) em que a mulher urinará todos os dias; a mesma quantidade de cereal e
areia nos dois sacos. Se a cevada e o trigo germinarem os dois, ela terá uma criança. Se a
cevada germinar (só) esta será um rapaz; se é o trigo que germina (só), será uma rapariga.
Se não germinam nem um nem outro, ela não terá filho.»
Esta conotação de cevada com masculino e trigo com feminino pode ser explicada pela
semelhança fonética dos nomes; ‘it, cevada era semelhante a it, pai; mut, mãe, soava muitas
vezes como mtut, cereal. Esta associação é-nos fornecida pelo texto demótico da teologia
mênfita em Erichsen126
.
Os perigos associados ao parto eram outra fonte de preocupacoes, e a mortalidade infantil
muito mais alta em percentagem comparada com a media de hoje.
3.8 – Vasculares
A calcificação da aorta foi descoberta em duas múmias egípcias em 1852 e existem
descrições de artérias temporais com cálculos na múmia de Ramsés II e extrema degeneração
calcária com formações de placas tipo osso na aorta de Merenptah. Ruffer no seu artigo sobre
lesões arteriais comenta a extensa mutilação durante o processo de embalsamamento, ficando
apenas, por vezes as artérias de braços e pernas para exame, uma vez que todo o resto é
arrancado à mão.127
Aterosclerose
123
Reeves, 1992: 17. 124
Ebeid, 1999: 351. 125
Fleming, Fishman, O‟Connor, Silverman, 1980: 90. 126
Erichsen, 1954: 332, 363 e 382. 127
Ruffer, 1921: fig.24.
16
Um exemplo de aterosclerose é reportado por Moodie numa múmia adulta feminina da época
Pré-dinastica.128
Esta patologia, muito prevalente no antigo Egipto129
está presente na VI
dinastia, c. 2345-2333 a. C., pois aparece esculpida no túmulo de Teti em Sakara, onde duas
imagens fazem distinguir entre morte e desmaio. A mão esquerda na cabeça a morte e a mão
direita na cabeça o desmaio.130
No tronco duma múmia adulta do sexo masculino de entre 40 a 60 anos de idade, encontrada
no túmulo 93.11 em Dra Abu el-Naga perto de Tebas131
foi detectada arteriosclerose
coronária e fibrose miocárdica no seu coração. É uma patologia do foro genético. Ruffer
analisou várias artérias, aortas, braquiais, carótidas e ilíacas, com calcificações
«descalcificando-as» numa solução de álcool a 98% e ácido nítrico a 2%.132
3.9 – Oncológicas, casos encontrados do antigo Egipto
Todos os diagnósticos até ao presente são controversos; o que tem sido publicado desde 1825
até hoje faz-nos concluir que, sendo a idade média à morte de 36 anos, que os tumores
afectavam essencialmente jovens. Os carcinomas da nasofaringe e do útero eram os mais
comuns.
Alguns artigos médicos e literatura profissional atestam que as referências do Papiro Ebers
conhecidas como „O Tratado dos Tumores‟ estão a considerar os casos descritos como
cancros (Lunghi 2002: 11).
Strouhal encontra uma correlação entre o conhecimento da ocorrência comum do tumor,
incluindo os malignos, e estes papiros médicos do antigo Egipto: Ebers, Hearst, e Kahun
(Strouhal, 1981). Apenas como curiosidade, nenhuma das múmias egípcias (170 corpos
completos e varios pedaços como cabeças e membros) pertencentes às colecções
checoslovacas estudadas por Strouhal e pelo radiologista Vyhnanek, mostravam algum sinal
de patologias malignas; a maioria das descobertas patológicas nestas foram de extremo
desgaste dentário e outras patologias dentárias (muito frequentes no antigo Egipto), também
osteoporose, osteofitose, e artrite degenerativa. (Strouhal, 1992) 248, (Strouhal 1980b: 25-
129).
Diferentes tipos de tumor parecem ter sido identificados ou são indicados como tal pelos
papiros médicos. O termo bnwt parece indicar úlceras complicadas, talvez gangrenosas ou
cancerosas; a sua definição está no Papiro Edwin Smith: “Bnwt, irmão do sangue, amigo do
pus, pai do [mal cheiroso] chacal.” (Majno 1975: 101)
Um grupo de autores afirmam que os antigos Egípcios também parecem ter tratado cancro
oral (Folz, 2007) mas, como Folz se refere a uma „úlcera que come‟ da gengiva no PE como
outros fazem, e isto e apenas uma tradução dos hieróglifos, Ghalioungui diz „úlcera que se
parte‟, Faulkner sugere algo diferente, e Hannig hematoma; por tal, afirmar que se tratava de
cancro da cavidade oral é uma afirmação de risco.133
As patologias neoplásticas teoricamente apenas aparecem em idades avançadas. Uma vez que
no antigo Egipto a esperança média de vida era de entre 30 a 40 anos, estes tipos de
patologias não deveriam estar presentes nas populações. (Nunn, 1996); (Estes, 1989: 46-47);
(Rowling, 1961)
Segundo um estudo levado a cabo em 1972, a esperança média de vida dos antigos Egípcios
era de aproximadamente 36 anos na época dinástica e de 30 anos na época Pré-dinastica. A
128
Moodie, 1931:20, 22. 129
Moodie, 1931:26. 130
Britto, Herrera, 2005:3. 131
Nerlich, Wiest, Tubel, 1997:83. Missão do Deutsches Archaeologisches Institut no Cairo http://www.dainst.org/index_55_en.html 132
Ruffer, 1921:13. 133
Comunicação pessoal de Roger Forshaw, cirurgião dentista e colega do KHN Center de Manchester, centro de Biomedicina para
Egiptologia: http://www.knhcentre.manchester.ac.uk/
17
mortalidade nos jovens adultos era extremamente alta nos dois períodos (Masali and
Chiarelli, 1972). A mortalidade infantil era também muito alta, mas, dos que sobreviviam e
faziam 20 anos, dois terços viveriam em média até aos 45 anos e menos de metade destes
chegaria aos 65. Isto indica uma população de média idade, um grupo que mostra alta
incidência de tumores.
Embora a tomografia axial computorizada (TAC) possa revelar diferentes camadas de tecido,
e objectos como amuletos, revelando ossos consoante a sua localização, em relação à sua
posição na cartonagem, quando lidamos com uma múmia ainda enfaixada, pouca ou nenhuma
evidência de tecido mole é encontrada. Existem, no entanto, mais exemplos de tumores
ósseos detectados nas múmias do antigo Egipto, mas mesmo assim são um número mínimo
comparado com as estatísticas presentes. (Harris 2007: 201)
O conceito de tumor no antigo Egipto, segundo outros autores, pesquisando múmias do
antigo Egipto em 1956-59 (Marcsik, 2000), tendo distinguido entre simples úlceras e
tumores, não faz distinção entre tumor benigno e maligno. As descrições dos Papiros Ebers e
Hearst mencionam tumor134
, sfw. Mas a noção de tumor designa tanto tumor como inchaço
(Gyula, 1974), (Nunn 1996: 168).
A menor incidência do cancro no antigo Egipto parece ter sido devida a vários factores:
esperança média de vida mais curta, e ausência de factores carcinogénicos no ambiente
(Nunn 1996: 64), 81.
75% dos cancros estão relacionados com factores ambientais, uma característica de
sociedades industrializadas (Zimmerman, 1977). No entanto, as patologias encontradas no
Egipto de hoje não são muito diferentes das de então que afectavam as populações antigas, se
pensarmos nas infecções parasitárias.
Tanto o ambiente como a dieta são factores a considerar na análise do cancro no antigo
Egipto (Ebeid 1999: 114).
Outros autores dizem que os cancros no antigo Egipto seriam detectados em indivíduos de
camadas sociais altas pois a sua dieta e tipo de vida sedentário tornava-os mais propícios a
este tipo de patologia, e que estes cancros devem ter sido incuráveis. (Halperin, 2004)
Alguns casos parecem ser tumores malignos.
Zimmerman também diz que, „existem apenas um punhado de registos de tumor em restos
humanos antigos‟ (Zimmerman, 1977). Podemos agora adicionar mais alguns descobertos
graças ao desenvolvimento de técnicas e estudos feitos em material encontrado em
escavações, que não estariam disponíveis antes.
Então como podemos explicar que o PE tenha tantas prescrições para o tratamento dos
„inchaços‟ que são interpretados como tumores?
Existem razões para pensar que, de estudos feitos no PE, a existência da oncologia seria um
facto no antigo Egipto. Os médicos do antigo Egipto já teriam informação que lhes
possibilitava diagnosticar e tratar cancros, embora as fontes literárias não descrevam
claramente como eles distinguiam um abcesso duma pústula ou de uma neoplasia (Temkin,
1938); (Meyerhof, 1926).
A arte egípcia muitas vezes representa o que parecem ser imagens de condições patológicas
de natureza cancerosa (Estes, 1989) e toda a literatura usada menciona exemplos ou
condições desta natureza.
E embora os vestígios materiais de tumores encontrados em vários sítios em múmias egípcias
não sejam extensos, são no entanto consideráveis, e incluem muitos exemplos (Brothwell,
1981), (Strouhal, 1999), (Ruffer, 1921), (Cockburn, 1998, 1980), (Spigelman, 1997), (Van
Hasselt, 1999), (Estes, 1989), (Capasso, 2005), (Leslie and Levell, 2006), (Halperin, 2004), e
(Mark, 2006).
134
Filer 1995: 76.
18
Em 2006, 28 casos de tumores malignos do antigo Egipto e Núbia foram revistos por uma
equipa italiana que afirmou um facto importante; a ocorrência de tumores malignos
representa a quantificação da actividade de escavação na região (Gamba, 2006). Isto não
significa, com certeza que, quanto maior a actividade de escavação no Egipto mais casos de
tumores sejam revelados, mas é um indicador de que, se bem que esta população possa ter
estado menos exposta a estas patologias, também existe falta de material para estudo. Não só
porque esta doença é difícil de detectar em tecidos antigos (incluindo osso) mas também
porque nem tudo foi ainda escavado.
A análise de mais 44 casos de tumores malignos fornece mais informação sobre a idade,
posto profissional, localização geográfica e género dos indivíduos, bem como da
especificidade do tumor (Giuffra, 2006). Nerlich et al também identificaram 39 tumores
malignos em restos humanos do antigo Egipto (Nerlich, 2006).
Se os carcinomas fossem comuns no antigo Egipto, poderíamos detectá-los nas múmias de
indivíduos mais velhos (Halperin, 2004). Os exames já efectuados e mais alguns que
continuarão a ser feitos em múmias Egípcias num futuro próximo, providenciarão mais
material em que nos poderemos basear para interpretação destas patologias.
Muitas escavações continuam no Egipto e actual Sudão e estas poderão revelar restos
humanos, e isto será uma fonte de informação valiosa para egiptólogos e médicos na tentativa
de encontrar mais informação sobre patologias até agora incuráveis.
3.10 – Gastroenterológicas, com destaque para a hepatologia
Os antigos Egípcios sofriam muito de obstipação devido aos excessos alimentares. Em certas
profissões sedentárias como a de músico, escriba ou porteiro registam-se casos de obesidade.
Alguns destes exemplos são registados na arte:
- A estátua do escriba Mentuhotep no Museu do Louvre, obesidade discreta, e três pregas
adiposas debaixo de umas mamas hipertrofiadas;
- A estatua de Sebekemsaf; de larga túnica debaixo do sulco infra-mamário, nº. 5801, no
Kunsthistorischen Museum de Viena;
- As músicas que tocam instrumentos na tumba de Nebamon (TT 65) copiados por Denon são
autênticas mamas femininas no tórax;
- A do parente de Khufu (Hemiunu), arquitecto da Grande Pirâmide de Guiza, actualmente no
Museu de Hildesheim (1962).
Outras indisposições e patologias causadas pelos excessos alimentares eram a indigestão,
causada também por obstipação e obesidade e também pela exposição ao sol no trabalho
depois das refeições, os cálculos ou pedras nos rins e a retenção de urina, tratável de acordo
com a idade do paciente. Durante a construção das pirâmides, era dado aos trabalhadores
quantidades enormes de rabanete, alho e cebola (provavelmente pelas suas acções anti-
inflamatórias e diuréticas que conhecemos hoje). Heródoto mencionou isto no seu segundo
livro:
«Tem uma inscrição em caracteres egípcios na pirâmide que grava a quantidade dos
rabanetes, das cebolas, e do alho consumido pelos trabalhadores que a construíam; e eu
lembro perfeitamente que o intérprete que leu a inscrição me disse que o dinheiro dispendido
era 1600 talentos de prata.» Somente durante o século XX isto foi admitido na comunidade
científica quando um antibiótico em preparação, Raphanin, foi extraído do rabanete, e o
Allicin e o Allistatin do alho e cebola. Um procedimento sábio empreendido num
acampamento tão sobrelotado…Sabe-se que as patologias infecciosas afectando o sistema
imunitário estarão também a debilitar e a lesar a função hepática.
19
Cálculos biliares: A prova mais antiga de existência destes cálculos estava numa vesícula
biliar intacta duma sacerdotisa tebana de c. 1500 a. C., autopsiada no Royal College of
Surgeons em Londres, mas destruída num bombardeamento da Segunda Guerra Mundial.135
3.11 – Genéticas
Partindo do exemplo de Akhenaton podemos explorar o assunto das patologias genéticas
baseadas na consanguinidade, pois os casamentos entre parentes eram comuns e continuaram
a sê-lo no mundo árabe actual136
reflectindo uma perpetuidade dos costumes faraónicos,
arriscamos dizer.
Especula-se se os restos humanos encontrados no KV55 serão o esqueleto de Akhenaton. Os
contornos do seu corpo mostram ancas marcadamente femininas, ventre saliente, crânio e
maxila alongados.137
Através das representações artísticas podemos observar que Akhenaton
sofria de uma endocrinopatia138
com hipogonadismo139
e adiposidades. As alterações da face
sugerem que isto fosse o resultado duma lesão pituitária, possivelmente um adenoma
cromófobo140
. Mesmo sem estudos mais recentes é certo que as formas pélvicas, a estreiteza
dos ossos e a estrutura facial e cranial suportam um diagnóstico de hipogonadismo e displasia
cranial pituitária.141
Paula Terrey142
refere os catorze distúrbios patológicos apontados desde há uns anos a
Akhenaton. Que incluem: obesidade patológica, acromegalia143
, tumor da pituitária,
hidrocefalias, e síndrome de Frolich. Em 1993 publica-se no Journal for the Society for the
Study of Egyptian Antiquities uma nova teoria, Akhenaten teria o síndrome de Marfan.
Teoria esta explorada mais tarde, 1996, e com outra apresentação no ARCE de 2004. Uma
vez que não existem tecidos para testar a síndrome de Marfan é difícil afirmar do que sofria o
homem. Esta desordem do tecido conectivo resulta dum defeito no gene fibrillin-1. A autora
desta apresentação no ARCE de 2006 usou listas de critérios de diagnóstico utilizadas pelos
médicos do Stanford University Medical Centre para a síndrome de Marfan nos EUA. Nesta
apresentação ela analisa os 33 sintomas comparando-os com as representações artísticas de
Akhenaten. Não considera nas suas conclusões que fosse este o seu padecimento.
Pensamos então, após troca de informações com especialistas actuais e tendo em conta os
conhecimentos que sabemos terem tido os antigos Egípcios que nos chegaram até agora, que
seriam estas as prováveis maleitas de Akhenaton. Obeso não era de certeza, pois os meios de
comparação representados na arte denotam a diferença física notória de Akhenaton com
obesos. Acromegalia: como desordem genética única seria quase impossível pois ele
apresentava outras características/sintomas não constantes nesta patologia. Tumor da
glândula pituitária: uma vez que afecta o crescimento e a sua figura anormal é representada
apenas na forma adulta, embora existam características idênticas nas suas filhas.
Mais uma vez, não existe material físico que proporcione análise de tecidos para se
detectarem ou não complicações cardíacas, outra consequência ou característica desta
síndrome de Marfan. Os olhos, que serão afectados por esta síndrome e que neste exemplo
estão anormalmente representados, podem denotar uma característica da síndrome mas não
existem registos da sua capacidade visual. Hidrocefalia, ou fluído na caixa craniana, poderia
135
Gordon-Taylor, 2005: 241-251. 136
Al-Gazali, 2006:831-834. 137
Dawson, 2003: 107-110. 138
Afecção das glândulas endócrinas. 139
Resulta em atraso de crescimento e desenvolvimento sexual e/ou insuficiência reprodutora. 140
Que não adquire cor com facilidade 141
Aldred, Sandison, 1962: 293-316. 142
Apresentação de 2006 no ARCE, Diagnosing Pharaoh: Did Akhenaten Have Marfan Syndrome? Baseado nas páginas 85-86 dos
abstracts/programa do 57th Annual Meeting of ARCE em New Jersey, realizado em Abril de 2006 e emails trocados comigo e com colegas
que assistiram também. 143
Desenvolvimento anormal das mãos, pés e cabeça, causados por um tumor da hipófise.
20
ser drenado na época? Através dos métodos tradicionais semelhantes aos da trepanação? O
síndrome de Frolich é uma desordem congénita, mais comum nos elementos masculinos, a
pessoa apresenta um abdómen distendido que se assemelha a uma passa de uva inchada e terá
complicações urinárias além de obstruções arteriais cardíacas, mas, por estas razões, a
mortalidade infantil é muito alta e Akhenaton chegou a adulto. Adicionando uma nova teoria,
podemos adiantar que ele poderá ter sofrido de cistite, patologia inflamatória e/ou infecciosa
da bexiga causada por germes oriundos do trato intestinal; bactéria conhecida por Escherichia
coli. Outro exemplo desta patologia poderá ser o chefe escultor Bak que está no Museu de
Berlim144
. Porque não arriscar que ele tenha sofrido de várias desordens ou patologias? Não
pudemos até agora analisar tecidos, cabelos, unhas, medula óssea que tenham ADN vivo; e
que tal uma disfunção hepático-biliar com efeitos na tiróide que afecta o crescimento?
4 - Prescrições médicas, mágicas (amuletos usados) e farmacopeia
O culto era feito a varios deuses, de acordo com os pedidos para o tratamento das doenças,
problemas com a gravidez, parto e primeiros anos de vida, ferimentos, ou simplesmente para
protecção de colheitas, ou até bençãos para assegurar a fertilidade.
Existiam variadas prescrições para o mesmo padecimento; de acordo com a idade do
paciente, sexo, de acção mais rápida ou mais lenta, fabricadas até de acordo com a estação do
ano (exemplo das patologias oftálmicas, como é exemplo o Papiro Ebers 388, que refere a
preparação da prescrição do terceiro até ao quarto mês de Inverno)145
pois era influenciado
pela exposição solar para produzir o efeito desejado.
Um adulto podia tomar comprimidos ou uma solução bebível, um medicamento esmagado,
mas um bebé podia somente tomá-lo dissolvido no leite da mãe. O peso e a altura da pessoa
eram também importantes para a prescrição do medicamento.
Os veículos usados para a toma de medicamentos variavam entre leite (animal e humano),
mucus, água, cerveja e vinho, adocicados com mel ou tâmaras.
A farmacopeia do antigo Egipto incluía tudo que a natureza oferecia, entre ingredientes
vegetais e minerais (alguns tóxicos se não tomados na dose exacta, como a mandrágora),
excrementos e fluídos humanos, extractos animais, água e terra das margens do Nilo. Dos
animais, utilizavam os chifres, a gordura, e alguns orgãos, consoante a prescrição, dentes,
ossos, leite, ovos, e pêlos.
Outros ingredientes animais incluiam a bilís, orgãos e excrementos incluindo a urina. Muitos
destes ingredients eram „mágicos‟e destinados a exorcizar as entidades demoníacas do corpo
humano. No Papiro Ebers podemos ver alabastro, antimónio, hematite, lapis lazuli, ferro,
chumbo, cobre, natrão, „raspas de estátuas‟ e cobre „verde‟.
Também existiam substâncias maléficas como os wekhedw, agentes transmisores da doença e
da dor. Partindo deste princípio, os antigos Egípcios pensavam que o ânus era a „boca do
corpo‟, por onde os tratamentos deviam ser feitos tambem.
Os médicos eram muitas vezes naturalmente sacerdotes e praticantes de magia ao mesmo
tempo.
A preparação e a mistura dos ingredientes das prescrições fazia parte do saco do
médico/mágico, e seriam as palavras recitadas enquanto as concoções eram preparadas, mais
do que os seus ingredientes, que asseguravam a eficácia do medicamento. Acreditavam na
magia como parte da medicina, por isso um médico, quando tratava alguém, tambem tinha
que enfrentar espíritos e convencê-los a abandonar a pessoa, negociando.
144
O abdómen proeminente representado nesta estátua pode reflectir uma doença do fígado; ascite, talvez ou presença da bilharzia na função
hepática, Ebeid, 1999: 220. 145
Bardinet, 1995: 309.
21
5 – Conclusão
Ser saudável era ser próspero, ter boa aparência, e capaz de trabalhar. Os antigos Egípcios
preocupavam-se bastante com a aparência mas tambêm eram cautelosos com o que comiam e
condenavam os abusos da comida e do álcool, e, uma vez que religião e magia estavam
presentes nos cuidados de saúde, poderemos pensar que um „bom‟ Egipcio era também um
Egípcio „saudável‟.
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