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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE AMÉRICO DE ARAUJO PASTOR JUNIOR RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA: leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica RIO DE JANEIRO 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE

AMÉRICO DE ARAUJO PASTOR JUNIOR

RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA:

leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica

RIO DE JANEIRO

2012

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Américo de Araujo Pastor Junior

RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA:

leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação Educação em

Ciências e Saúde do Núcleo de Tecnologia

Educacional para a Saúde da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como requisito

parcial à obtenção do título de Mestre em

Educação em Ciências e Saúde .

Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Coimbra de Rezende Filho

Rio de Janeiro

2012

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Pastor, Américo de Araujo. Recepção audiovisual na educação médica: leituras de um vídeo

educativo de psicologia médica / Américo de Araujo Pastor Junior.– 2012.

186 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Luiz Augusto Coimbra de Rezende Filho.

Dissertação (mestrado) -- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, 2012.

Bibliografia: f. 168-173. 1. Educação médica. 2. Gravação de vídeo - produção e direção. 3. Videoteipes na educação. I. Rezende Filho, Luiz Augusto Coimbra de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nutes, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título.

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Américo de Araujo Pastor Junior

RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA:

leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Educação em Ciências e Saúde do Núcleo de

Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à

obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e

Saúde .

Aprovada em 29 de fevereiro de 2012

____________________________________________________

Luiz Augusto de Coimbra Rezende Filho, Doutor, NUTES/UFRJ

_____________________________________________________

Adriana Mabel Fresquet, Doutora, FE/UFRJ

____________________________________________________

Taís Rabetti Giannella, Doutora, NUTES/UFRJ

Rio de Janeiro

2012

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, irmãos, família e amigos que

por serem as condições de existência desse meu

caminho, à equipe do Laboratório de Limnologia por me

iniciar no mundo da pesquisa, aos colegas e professores

e demais funcionários da pós-graduação do NUTES por

tantos saberes compartilhados, ao meu orientador Prof.

Luiz Rezende por todos ensinamentos, incentivos e

paciência com meu ritmo de desenvolvimento, à Alicia

Navarro por todo empenho, ao amigo Ricardo Queiroz

(e seus aliados) pela grande ajuda com os trâmites

burocráticos necessários para a conclusão deste

trabalho, à Graça Soares por todo o suporte,

ao meu sobrinho Miguel por me proporcionar minutos

de paze alegria que se transforam em fôlego nessa longa

corrida, ao meu irmão Alexandre Lopes por todas as

horas de risos e sempre me ajudar a me levantar, a

minha namorada Luciana por sempre ver o melhor de

mim, me fazer buscar ser mais do que sou e lutar comigo

por todos meus sonhos, e a Deus por ser essa dúvida

primeira que aliementa e atiça fogo na alma de todo

pesquisador, e a incerteza que me faz agir.

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De nuestros miedos nacen nuestros corajes

y en nuestras dudas viven nuestras certezas.

Los sueños anuncian otra realidad posible

y los delirios otra razón. En los extravios

nos esperan hallazgos, porque es preciso perderse para volver a encontrarse.

(EDUARDO GALEANO)

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"Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff,

levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul.

Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia,

depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor,

que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar!"

(EDUARDO GALEANO)

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PASTOR, Américo. RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA: leituras de um vídeo de Psicologia Médica. Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde). Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

RESUMO

Neste trabalho, analisamos a produção e a recepção do vídeo educativo Lição de Anatomia, a

fim de compreender que sentidos são produzidos por professores e alunos da disciplina

Psicologia Médica, espectadores do vídeo, e correlacioná-las com as intenções e expectativas

dos seus produtores. Para a realização deste estudo, buscamos analisar conjuntamente a

produção do vídeo e as leituras produzidas pelos espectadores. Para isso, analisamos o vídeo,

entrevistamos seus produtores e fizemos duas exibições experimentais seguidas de um grupo

de discussão com professores e alunos de Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de

Universidade Federal do Rio de Janeiro. O estudo da produção mostrou que o vídeo foi

endereçado principalmente para estudantes de medicina. Esperava-se provocar discussão e

chamar atenção para a formação médica como produtora de traumas e angústias. O estudo da

recepção do vídeo mostrou que os dois grupos espectadores assistiram o vídeo com

expectativas distintas, procederam com leituras convergentes às intenções dos produtores,

mas mantiveram distanciamento critico e resistiram aos aspectos formais do vídeo. Além

disso, adotaram um posicionamento ideológico negociado.

Palavras – chave: Estudos de Recepção de Mídia, Vídeo Educativo, Psicologia Médica,

Educação Médica.

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PASTOR, Américo. RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA: leituras de um vídeo de Psicologia Médica. Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde). Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

ABSTRACT

This article analyzes the production and the reception of an educational video called Anatomy

Lesson. We intend to understand which meanings are produced by two groups of audience,

teachers and students, seeking to make correlations with the intentions and expectations of the

producers. The video was analyzed, the producers were interviewed and two experimental

exhibition followed by discussion group with Medical Psychology teachers and students

made. The study of the production showed that the video was mainly addressed to medical

school students. It was expected to provoke discussion and attention to medical school as a

space of production of trauma and distress. The video reception study revealed that the two

spectators groups watched the video under different expectative. The both groups were aware

of the aesthetic audiovisual resources manipulation, they produced readings that converges to

the intensions of the producers, but they kept aware of the aesthetic audiovisual resources

manipulation, and resists to them. Furthermore, they adopted a negotiated ideological

position.

Keywords: Media Reception Studies, Educational Video, Medical Psychology, Medical

Education.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Diagrama representativo da comunicação tracidional. 29

Figura 2 Diagrama de comunicação de massa baseado no modelo Codificação/Decodificação. 31

Figura 3 Diagrama de comunicação de massa baseado no modelo Codificação/Decodificação e acrescido da dimensão cultural. 39

Figura 4 Diagrama de comunicação de massa construído a partir dos modelo Codificação/Decodificação e Modelo Multidimensional. 48

Figura 5 Diagrama representativo das dimensões da Análise Crítica do Discurso. 49

Figura 6 Diagrama de comunicação de massa circular, bidirecional, muldimensional. 51

Figura 7 Diagrama de surgimento de temas na primeira sequencia de discussão entre professores 120

Figura 8 Figura 8 - Diagrama de surgimento de temas na segunda sequencia de discussão entre professores 125

Figura 9 Diagrama de surgimento de temas na terceira sequencia de discussão entre professores 128

Figura 10 Diagrama de surgimento de temas na quarta sequencia de discussão entre professores 131

Figura 11 Diagrama de surgimento de temas na quinta sequência de discussão entre professores 134

Figura 12 Diagrama de surgimento de temas na primeira sequência de discussão entre estudantes 142

Figura 13 Diagrama de surgimento de temas na segunda sequência de discussão entre estudantes 145

Figura 14 Diagrama de surgimento de temas na terceira sequência de discussão entre estudantes 149

Figura 15 Diagrama de surgimento de temas na quinta sequência de discussão entre estudantes 154

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Tempo de docência na Psicologia Médica 111

Gráfico 2 Frequência de acesso aos meios de comunicação de massa por professores 112

Gráfico 3 Temas de interesse dos professores 112

Gráfico 4 Nível de informação dos professores por tema 113

Gráfico 5 Filmes assistidos recentemente por professores 114

Gráfico 6 Filmes marcantes para os professores 114

Gráfico 7 Filmes utilizados em sala de aula 116

Gráfico 8 Número de vídeos utilizados em sala de aula por tema 116

Gráfico 9 Religião dos participantes 138

Gráfico 10 Frequência de acesso aos meios de comunicação de massa por estudantes 138

Gráfico 11 Temas de Interesse de estudantes 139

Gráfico 12 Gêneros Filmicos assistidos recentemente por estudantes 139

Gráfico 13 Gêneros Filmicos mais marcantes para os estudantes 140

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Títulos e autores dos trabalhos encontrados 62

Quadro 2 Trabalhos e tipos de pesquisa apresentadas 63

Quadro 3 Caracterizações da inserção da Psicologia Médica no currículo médico. 66

Quadro 4 Papéis atribuídos a Psicologia Médica. 66

Quadro 5 Vídeos utilizados na disciplina Psicologia Médica por ano letivo. 69

Quadro 6 Contagem da utilização de cada título por semestre 72

Quadro 7 Vídeos e temas de utilização nas aulas de Psicologia Médica 72

Quadro 8 Títulos dos vídeos da modalidade sensibilização da série temática Psicologia Médica 75

Quadro 9 Temas identificados na primeira sequência da discussão entre Professores. 119

Quadro 10 Temas identificados na segunda sequência da discussão entre Professores. 124

Quadro 11 Temas identificados na terceira sequência da discussão entre Professores. 127

Quadro 12 Temas identificados na quarta sequência da discussão entre Professores. 131

Quadro 13 Temas identificados na quinta sequência da discussão entre Professores. 134

Quadro 14 Temas identificados na primeira sequência da discussão entre Estudantes. 142

Quadro 15 Temas identificados na segunda sequência da discussão entre Estudantes. 144

Quadro 16 Temas identificados na terceira sequência da discussão entre Estudantes. 148

Quadro 17 Temas identificados na quarta sequência da discussão entre Estudantes. 152

Quadro 18 Temas identificados na quinta sequência da discussão entre Estudantes. 153

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

LVE Laboratório de vídeo educativo

NUTES Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde

RGB Red, Green and Blue (vermelho, verde e azul - modelo de cores utilizadas nas TVs à cores)

VHS Video home sistem (sistema de vídeo doméstico)

DVDs Digital Versatile Disc (disco digital versátil)

TLCE Termo de livre consentimento esclarecido

RMP Relação Médico Paciente

FM Faculdade de Medicina

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

IESC Instituto de Estudos em Saúde Coletiva

DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

RBEM Revista Brasileira de Educação Médica

UFF Universidade Federal Fluminense

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SUMÁRIO

1 PROBLEMATIZAÇÃO ............................................................................................. 15

2 PRODUÇÃO E RECEPÇÃO AUDIOVISUAL ....................................................... 26

2.1 MODELO CODIFICAÇÃO / DECODIFICAÇÃO ................................................. 29

2.2 COLOCANDO O MODELO CODIFICAÇÃO/DECODIFICAÇÃO EM PRÁTICA: A PESQUISA DE DAVID MORLEY .................................................. 36

2.3 DESTINAÇÃO E ENDEREÇAMENTO ................................................................. 40

2.4 MODELO MULTIDIMENSIONAL ......................................................................... 42

2.5 REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA ............................................................ 52

3 A PSICOLOGIA MÉDICA ........................................................................................ 54

3.1 AS TRANSFORMAÇÕES NA FORMAÇÃO MÉDICA ......................................... 54

3.1.1 A formação médica tradicional ............................................................................ 54

3.1.2 A mudança de paradigmas na formação médica ............................................... 56

3.1.3 A humanização de relação médico-paciente ....................................................... 58

3.2 O PAPEL DA PSICOLOGIA MÉDICA NA FORMAÇÃO MÉDICA .................... 59

3.2.1 As origens .............................................................................................................. 59

3.2.2 A Psicologia Médica na formação médica .......................................................... 61

3.2.3 O papel da Psicologia Médica nas graduações em medicina ........................... 62

3.3 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA PSICOLOGIA MÉDICA NA UFRJ E DOS VÍDEOS UTILIZADOS NESSA DISCIPLINA ......................... 67

4 MATERIAIS E MÉTODOS ....................................................................................... 75

4.1 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ............................................................................... 75

4.2 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................... 77

4.3 OBJETIVOS ............................................................................................................... 79

4.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 80

4.4.1 Estudo da Produção .............................................................................................. 80

4.4.2 Estudo da Recepção .............................................................................................. 82

4.4.3 Quadro de Procedimentos Metodológicos .......................................................... 85

5 ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................ 86

5.1 ANÁLISE DA PRODUÇÃO .................................................................................... 86

5.1.1 Análise fílmica ...................................................................................................... 86

5.1.2 Análise documental ............................................................................................. 91

5.1.3 Entrevista com os produtores ............................................................................ 100

5.1.4 Significado preferencial ...................................................................................... 106

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5.1.5 Endereçamento...................................................................................................... 108

5.2 ANÁLISE DA RECEPÇÃO ...................................................................................... 110

5.2.1 Análise da recepção dos professores ..................................................................... 111

5.2.1.1 Hábitos de consumo de mídia .............................................................................. 111

5.2.1.2 A recepção do vídeo ............................................................................................. 117

5.2.2 Análise da recepção dos estudantes ...................................................................... 137

5.2.2.1 Hábitos de consumo de mídia ................................................................................ 137

5.2.2.2 A recepção do vídeo ................................................................................................ 141

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS - Uma tentativa de diálogo Produção e Recepção sob a ótica do modelo multidimensional ...................................................................... 158

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 168

APÊNDICES 174

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PROFESSORES...................... 175

APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ESTUDANTES ....................... 179

APÊNDICE D – ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO FEITO COM PROFESSORES ...............................................................................................................

182

APÊNDICE E – ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO FEITO COM ESTUDANTES ................................................................................................................ 183

ANEXOS 184

ANEXO A - PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA .............................................................. 185

ANEXO B - TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO..................... 186

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1 PROBLEMATIZAÇÃO

Apesar de completamente imerso nesse "admirável mundo novo" da Internet, venho de

outra época. Minha infância e boa parte de minha juventude se passaram sobre o pano de

fundo das projeções RGB da televisão. Passei a maior parte de minha infância dentro de

apartamentos, salas de aulas e pátios de escola, e a TV, a imagem audiovisual, se constituía de

certa forma como um dos principais instrumentos de exploração de uma "realidade" que se

estendia para além dos poucos metros quadrados que eu poderia considerar meu território.

Não assisti apenas à TV, há que se fazer justiça. Pude correr por playgrounds e até me

aventurar como "pseudo-escoteiro" por algumas matas, mas nada com tanta frequência e

intensidade como aquelas com que fui um espectador audiovisual.

Para as aventuras no playground havia dias de chuva. Para a escola, havia aulas

"matadas", feriados "enforcados" e finais de semana. Para a TV, não havia impedimento ou

pausa. Neste sentido, ia de encontro a Jamenson (2007), e o fluxo contínuo de imagens nunca

era interrompido. Rezava inevitavelmente o ritual cotidiano da massa infantil de assistir

animações pela manhã, telenovelas e telejornais pela noite e eventuais filmes ao chegar da

madrugada. A aventura ocorria pela manhã - fui herói, fui anti-herói, e segui acreditando na

vitória ao longo da dura tarefa de virar adulto. À noite eu seguia pouco a pouco mergulhando

no drama da vida adulta, amores quase impossíveis e busca por poder. Já no início da

madrugada a vida parecia mesmo estar retocada pelos tons oníricos do cinema, tudo era

possível, tudo parecia ser mais real. Mas o que vale destacar é que, para mim, a imagem

audiovisual foi um território cotidiano de experiências, e consequentemente aprendizado,

talvez maior que o ocorrido por meio da escola. Se à escola eram destinadas quatro horas do

meu dia (cinco dias na semana), a atividade de espectador audiovisual chegava, em algumas

ocasiões, a tomar doze horas do meu dia (sete dias por semana). Não questiono a eficiência

nem a eficácia desses dois modos de aprendizados, qual foi melhor ou qual foi mais relevante,

nada poderá ser dito com segurança. Entretanto posso afirmar que ao menos um deles

predominava sobre meu tempo de aprendizado, ganhava mais completamente meu interesse.

Assim, entre os infortúnios do ingênuo Chaves, os superpoderes e boa moral do

He-man na luta pelo bem contra a figura da morte, as travessuras do Pica-pau, a perspicácia

do cearense Didi, toda força estereotipante de vidas e amores dos melodramas, além de tantos

outros variados universos possíveis do cinema, se constituíram como estâncias educadoras em

minha vida.

Na juventude, as animações foram perdendo espaço para os filmes, e os audiovisuais

persistiram como importante espaço de aprendizado. Durante a adolescência, certamente mais

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amores nos filmes que nos pátios e portões da escola. Tenho quase certeza que eu (e todos os

meus colegas de rua) demos o primeiro beijo naquela linda loirinha do seriado Anos Incríveis.

E a cada novo VHS, uma nova vida.

A vida foi seguindo. Durante a graduação na universidade a vida fora da tela passou a

ter maior predomínio. Morar fora de casa, em outra cidade, um mundo novo. Talvez fosse a

hora de colocar em uso não só todo o conhecimento aprendido no espaço formal da escola,

mas também (e talvez principalmente) colocar à prova todo o aprendizado das experiências

vividas por meio do audiovisual. É, na vida real não havia edição de melhores momentos, eu

não era nenhum galã, não tinha dupla identidade, não era fotogênico, o final nem sempre era

feliz (na verdade, raramente o era), muito menos havia aquelas intermináveis canções-tema de

cada história (apesar de minha facilidade em associar uma música a cada história de minha

vida). Como era de se esperar, naquele momento a vida se tornou decepção. A vida era muito

mais complexa e imprevisível do que TV e cinema haviam me apresentado. Diante disso me

restou aprender com a vida. No entanto, este aprendizado começou a ser acompanhado e

complementado pelo consumo de filmes (agora já eram DVDs), filmes estes que tratavam

dessa realidade complexa que eu buscava desvelar. Neste meu drama real, o refúgio era o

drama ficcional da tela em salas escuras. Se na infância a vida tinha as cores vivas dos

desenhos animados, na juventude estas cores esmaeceram, chegando quase a serem "preto &

branco" em sua faceta mais dramática. A vida não era mais uma aventura, mas sim um drama.

A recusa pela cena final alternativa de Efeito Borboleta deixa isso mais claro em minha

memória. O final principal era bastante próximo de minha realidade para ser substituído por

aquela outra cena final que mais parecia um comercial de margarina. Não só a vida passa a ser

um drama, como passa a ser também um drama social.

Minhas produções na universidade (no curso de Comunicação Visual) começaram a

espelhar este mundo esmaecido. Na disciplina Fotografia 1 meus olhos retrataram uma

natureza morta, em preto & branco, de copas de eucaliptos que conseguiam quase escurecer

completamente o céu, e que de tão altos tornavam o fotógrafo cada vez menor. O mundo era

opressivo. Em Fotografia 2 houve uma tentativa de superação desse quadro. Mas este esforço

esbarrou na falta de criatividade. Foi exatamente a falta de criatividade o tema de meu ensaio

nessa disciplina. Birutas, pipas e asas-deltas sem vento, a espera do vento para o voo, foram

impressas (ainda em preto & branco) em fichas pautadas de arquivos, entre palavras e versos

que pareciam vasculhar a memória em busca destes ventos da criatividade. Na disciplina

Produção Audiovisual (na verdade o nome da disciplina era outro, que não lembro, mas que

deixava o currículo com uma cara muito mais moderna e mercadológica), as vertigens da

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contemporaneidade tomaram as formas de um vídeo poético que "contava" a história de um

aluno do alojamento (onde eu residia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que

enlouqueceu de tanto estudar (e talvez, por ter de viver em local tão hostil a uma vida

saudável). Câmera subjetiva correndo pelos corredores do alojamento, enquadrando as

paisagens caóticas do local, estas sublinhadas por músicas “pra lá” de psicodélicas. O vídeo,

inicialmente poético, ganhou destaque entre os espectadores como crítica social. E assim

começava minha "carreira" política, quase sem querer. Viajei para alguns poucos lugares do

Brasil exibindo o vídeo em congressos e encontros de estudantes moradores de alojamentos (e

repúblicas) que sofriam do mesmo descaso político-educacional que nós, "cariocas". Sempre

atabalhoado em oratórias, descobri meu melhor discurso com as imagens, mesmo tendo

consciência de que minha poesia houvera sido atualizada pelos espectadores como uma crítica

social. Mas ainda assim, obtive mais sucesso que se fizesse uso da fala. E no fim de tudo,

mesmo que eu não houvesse pensado inicialmente sobre isto, a loucura daquele estudante

tema do vídeo também era fruto do descaso com os estudantes residentes naquele prédio (para

não dizer espelunca), e essa loucura também era um pouco minha.

Com essa descoberta de minha "voz" (recheada de polissemias), continuei buscando

retratar esse mundo complexo (ao menos se mostrava bastante complexo aos meus olhos).

Voltei-me a estudar esta estética esmaecida do mundo contemporâneo (para não dizer aquela

palavra em eterna disputa - pós-moderno). Foram algumas tantas leituras de Bauman,

Jamenson e Baudrillard. Somado a isso, me debrucei sobre as reflexões estético-psicologicas

de Gaston Bachelard, (estudei devaneios, onirismos e outros tantos temas) e as conceituações

sobre a comunicação de Rolland Barthes. Mas nenhum deles me ensinou tanto sobre o

esmaecimento da vida quanto alguns dramas familiares pelos quais passei. Este mundo sem

cores ainda foi reforçado por um relacionamento com uma pessoa altamente depressiva. Eu

mesmo começava a me ver perdido, sem encontrar saídas desse labirinto. Comecei a buscar os

fios que pudessem me levar até a Ariadne dessa vida pós-moderna/contemporânea que caíra

sobre minha cabeça. Esse labirinto, cenário dos mitos Ariadne, Teseu, Minotauro e Ícaro, foi

minha metáfora (e em certa medida tema) para abordar o mundo depressivo em que eu vivia

(contra minha vontade). A fuga dessa morte/minotauro me angustiava e deprimia. Os

caminhos de saída eram construir sonhos/asas de cera, ou puxar os fios/memórias de Ariadne,

e refazer os passos que os levaram para este labirinto. Labirinto, depressão, morte, sonho e

memória foram conjugados na construção de um vídeo poético, metáfora de um drama

familiar, mas que pretendia versar sobre o esmaecido mundo pós-moderno. Esse drama

altamente subjetivo, não linear, sombrio e cinza, de imagens sobrepostas, contrastes,

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provocou algumas lágrimas em alguns espectadores, e a ironia de outros dois (talvez três). A

monografia que acompanhava o vídeo abordou mais racionalmente todos estes temas acima

destacados, mas sem a poesia deveras polissêmica que parecia dar espaços para que cada

espectador colocasse suas angústias, se as tivesse.

Foi esse mesmo interesse pela dimensão psicológica da vida no mundo esmaecido, que

também foi a temática do projeto que submeti ao processo seletivo de mestrado da Escola de

Belas Artes da UFRJ. Não só a depressão, mas o universo da esquizofrenia e toda ordem de

distúrbios psicológicos, segundo o que eu propunha no projeto, também poderiam ser

investigados e representados no suporte audiovisual. Evidentemente tal projeto não foi aceito,

mas ficou claro para mim que a imagem poderia e deveria ser utilizada como um instrumento

de ação (política ou não) sobre a realidade, de transformação propriamente dita. Eu estava

convencido de que por meio de imagens seria possível compreender e fazer com que os

espectadores vivenciassem e assim compreendessem estes temas de meu interesse. Entretanto,

sob a justificativa de curar a sociedade pós-moderna, eu buscava de fato encontrar curas para

estas pessoas próximas a mim.

As imagens, então, poderiam recolorir o mundo. E foi com esta crença que fui

trabalhar em um projeto de Educação Ambiental, Projeto Pólen, produzir imagens com o

objetivo final de conscientizar e sensibilizar pessoas, educar pessoas. Neste projeto tive a

oportunidade de conhecer os textos de Paulo Freire e tantos outros referenciais de educação.

Minha intenção com os vídeos ganhou nome(s): sensibilizar e conscientizar para a tomada de

decisão. Eram estes alguns dos principais objetivos da Educação Ambiental Crítica e

Emancipatória, praticada no projeto. Mais que ensinar hábitos que trouxessem menores danos

ao Meio Ambiente, era preciso sensibilizar e provocar a tomada de consciência para a

problemática maior que envolvia o uso dos recursos naturais, e compreender as determinantes

da problemática ambiental na realidade objetiva, e assim promover uma melhora qualitativa

nas tomadas de decisão. Sensibilizar e conscientizar com imagens, essa passou a ser a minha

luta (ao menos o nome dela).

Vale neste ponto, uma pequena pausa para melhor abordar o conceito de

sensibilização. Segundo Duarte Jr (2002), a sensibilização (ou conscientização) é um processo

de formação do humano pelo qual se auxilia o homem a desenvolver sentidos e significados

que orientem sua ação no mundo. Para Freire (1987), conscientizar é desenvolver um pensar

crítico através do qual os homens se descobrem em situação, na medida em que a realidade

que os envolve deixa de lhes parecer espessa, capacitando-se para se inserirem na realidade

que se vai desvelando. Assim, é uma atividade intencional e educativa que busca promover

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uma aprendizagem significativa, que permita o despertar da consciência crítica que atue nas

tomadas de decisão diárias, estas na e para a realidade em que estes sujeitos estão inseridos.

Ou seja, educar para propiciar que os sujeitos do processo educativo se tornassem conscientes

e atuantes nas decisões e transformações da realidade na qual estão inseridos.

Vizinho à sala em que eu trabalhava, estava o Laboratório de Vídeo Educativo do

Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (LVE - NUTES). Em conversa com a

professora Isabel Martins, sobre meus objetivos e interesses (já destacados nos parágrafos

acima), me foi sugerido conhecer o LVE e conversar com o recém-concursado professor Luiz

Rezende. Após algumas conversas escolhi meu próximo passo, cursar como ouvinte

disciplinas do LVE. Assim, foi possível conhecer o acervo de vídeos educativos, que se

voltavam objetivamente para a intenção de ação sobre a realidade por meio da educação.

Deste acervo, os vídeos que haviam sido produzidos sob o objetivo de sensibilizar,

inevitavelmente me chamaram mais atenção, como era de se esperar. Chegar ao LVE foi

efetivamente um encontro (ou seria um reencontro?).

Além dos diversos pontos de contato entre meus interesses e as atividades do LVE,

estudar lá me trouxe também algumas novas questões. A primeira delas foi: Vídeos educam?

Filmes educam? TV educa ou "deseduca"? Que papel educativo o cinema pode

desempenhar? O senso comum parece já possuir todo um repertório pronto de respostas para

estas questões, que não irei reproduzir aqui.

Um primeiro ponto que precisa ser pensado nessas questões são os diferentes termos

que se referem ao produto audiovisual. Vídeo, filme, TV, audiovisual, cinema e alguns outros

termos podem ter filiações epistemológicas (estéticas) distintas e questões sociais, culturais e

históricas específicas. Isto traz alguns limites para trabalhar com estes termos. No entanto, a

necessária problematização destes termos seria digna de toda uma pesquisa a eles voltada. No

presente trabalho não será problematizada esta questão. Nos voltaremos para questões mais

amplas da circulação sociocultural e utilização destas obras audiovisuais para fins

educacionais, sem nos ocuparmos da distinção destes termos, ainda que reconheçamos sua

maior complexidade.

Voltando à questão: vídeos educam? Diversos estudos apresentam, defendem e

ressaltam os possíveis e potenciais papéis educativos desempenhados pelos vídeos. Hodge e

Kress (1988) acreditam que uma narrativa fílmica pode permitir a percepção crítica da

sociedade. Para Ferrés (1996) os vídeos podem despertar a atenção e a curiosidade, reforçar o

interesse e a motivação de alunos. Segundo Arroio e Giordan (2004, 2005 e 2006), vídeos

possibilitam transporte de fatos cotidianos para o momento do processo educativo, podem

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servir para introduzir um novo assunto, despertar a curiosidade e motivação para novos temas,

promovem a aquisição de experiências de diversos tipos: conhecimentos, emoções, atitudes,

sensações etc. Alguns autores destacam o recurso audiovisual como um “canal privilegiado

para garantir o acesso aos níveis cognitivo, afetivo e da ação e aos códigos de comunicação de

modo geral” (BOOG, GALLIAN, RONCOLETTA e MORETO, 2003 apud BRENDIM,

2009). Blasco et al (2005) ressaltam que a educação através do cinema suscita a reflexão

sobre valores e atitudes como forma de sensibilização para ensinamentos posteriores. Na

literatura internacional, Wong et al (2009) e Ketis e Kersnik (2011) relatam experiências de

uso de vídeos (trechos de filmes e séries de TV) para ensinar habilidade comunicativas e

empatia no âmbito da relação médico paciente.

Bem antes desses estudos acima listados, o antropólogo norte-americano Sol Worth

(1974) já questionava diversos estudos sobre os supostos papéis e vantagens do audiovisual

em contextos educativos. Worth destaca que estes papéis desempenhados por filmes são

coloridos pelos entendimentos destes como arte, propaganda, comunicação e sobre seus

supostos efeitos à sociedade. Estas influências contribuíram para construir crenças que se

configuraram como pressupostos de muitos estudos feitos até a data de publicação de seus

últimos trabalhos. Estes pressupostos circulam até hoje, frequentemente em estudos

(impunemente) sobre usos e possíveis relações entre audiovisual e educação.

Um desses pressupostos é caracterizado pela primazia psicológica e social dos vídeos, de

acordo com a qual, sob a ideia de "pensamento visual", supõe-se que filmes e TV são, de

alguma forma, superiores às palavras. É possível perceber esta noção circulando pela

sociedade, sob a forma do já notório enunciado "uma imagem vale mais que mil palavras".

Um desdobramento desta crença é o entendimento de que os vídeos são uma linguagem das

novas gerações, que se tornará primária social e culturalmente, evidentemente motivada pela

suposta primazia psicológica.

Outro desses pressupostos é a ideia de universalidade e potencial inexplorado dos

vídeos como recurso educativo. Os vídeos, como “linguagem universal”, possuiriam um

potencial ainda inexplorado para fazer aquilo que as palavras falharam em fazer,

comunicando forma multimodal, multissensorial, e para todas as idades e através de diferentes

culturas. Acreditar que pessoas de todas as idades e culturas gostam e entendem os vídeos, é

uma das faces dessa pressuposição rodeada de inconsistências.

Note que essas críticas feitas por Sol Worth, em 1974 ainda, parecem bastante atuais.

Não é preciso muito esforço para perceber que, em diversos argumentos que

defendem/justificam/propõem os usos de vídeo na educação, subjazem estes "pressupostos"

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criticados por Sol Worth. Segundo Woth (1974), a maior parte dos estudos sobre os usos

educacionais dos vídeos não se voltaram para a verificação desses pressupostos, não tiveram

estes pressupostos como objeto de estudo. E, por isso mesmo, se não há a devida validação,

esses pressupostos não podem sustentar estudos subsequentes.

É importante fazer uma nova pausa e esclarecer algo importante. Não discordamos,

nem concordamos, com esses pressupostos. Na verdade, concordamos com Sol Worth sobre

o fato de ser preciso ter estas pressuposições como objeto de estudo, para então aceitá-las ou

refutá-las como norteadoras de qualquer estudo sobre os usos educacionais de vídeos. Ora,

tudo o que havia me norteado para este caminho, escolhido por mim, supostamente indicava

que os vídeos educavam, mas de fato havia poucos argumentos e experiências sustentadas por

pesquisas empíricas. Entretanto, longe de esvaziar o interesse no melhor desenvolvimento do

conhecimento sobre as relações entre os recursos audiovisuais e a educação, a crítica de Sol

Worth na verdade nos permite dar novos contornos às pesquisas, re-orientá-las, e mais

importante, reforçar a importância de também se voltarem as pesquisas para estas questões

destacadas por ele.

Certamente, filme e comunicação visual devem receber maior atenção das escolas e dos educadores. O que discordo são as suposições subjacentes aos argumentos dos educadores. A suposição da primazia visual, com sua subordinada e acrítica ideologia fílmica, dá um viés despropositado para os problemas de investigação, métodos de ensino, e ao currículo, bem como as teorias da educação e políticas públicas. A verdade não é que o visual é psicologicamente, culturalmente, e sensoriamente a principal via de experimentação e conhecimento do mundo, mas sim que o modo visual de comunicação, juntamente com outros modos, permite-nos entender, controlar, ordenar e, assim, articular o mundo e nossas experiências (WORTH, 1974).

Com a ajuda do trabalho de Valério Fuenzalida (2005), é possível tornar um pouco

mais complexa essa relação entre audiovisual e educação. Referindo-se mais diretamente à

TV, e extrapolando o contexto educativo exclusivamente da instituição escolar, o autor afirma

que a TV é uma agência de socialização diferenciada da escola, com uma linguagem

diferente, acerca de temas diferentes, e de maneira diferente à socialização analítica

ordenadora da linguagem que ocorre na escola. Abordando mais especificamente a audiência

televisiva de programas mais variados, Fuenzalida, em suas considerações, confere maior

poder aos espectadores que a partir de seu universo sociocultural e de suas expectativas

existenciais constituem ou não um propósito educativo para o ato de assistir um programa de

TV. O autor trabalha com a ideia de expectativa educativa como um modo intencional de

espectadores receberem conteúdos audiovisuais na espera de aprender algo com aquilo que se

assistem. Deste modo, a partir de sua situação cultural os espectadores reelaboram suas

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expectativas acerca da educação para orientá-las a questões mais alusivas às necessidades

existenciais de sua vida cotidiana.

Nessa mesma direção, Jaques Rancière (2007) destaca a emancipação intelectual dos

espectadores. O próprio termo “espectador” é criticado pelo autor por fazer subentender uma

passividade dos receptores. Para o autor este entendimento de espectador passivo estaria

fundado numa concepção platônica em que o ato de olhar apenas acessaria a aparência das

coisas, e não a essência/realidade. Deste modo, olhar não seria uma atividade cognoscível,

seria o oposto de conhecer, e por assim dizer, de agir. O autor reforça que na verdade

espectadores são interpretadores ativos, que se apropriam da história para si mesmos, fazendo

a partir dessa, sua própria história. Tanto para Rancière, como para Fuenzalida, a

espectorialidade é uma ação intencional de sujeitos, a partir da qual são construídos sentidos,

ou como Sol Worth destaca, a partir da qual as realidades são reorganizadas/reconstruídas

pelos sujeitos espectadores.

De modo mais amplo, Stuart Hall (2003) também destaca o papel ativo de

espectadores na recepção. A partir da crítica ao modelo da comunicação tradicional,

unilinear/unidirecional e com foco na transmissão perfeita dos conteúdos e intenções dos

emissores, Hall propõe pensar a comunicação como uma circulação de sentidos/significados

em que não há a necessária identidade entre os sentidos produzidos/emitidos e os recebidos.

Ou seja, produtores/emissores e receptores/espectadores, imersos nessa circularidade, estão

em constante negociação de sentidos atribuídos aos conteúdos em circulação. Para o autor, os

produtores frequentemente se preocupam com a possibilidade da audiência "falhar" em captar

o sentido por eles pretendido. Hall chama de leitura preferencial essa tentativa de controle

que os produtores tentam exercer na significação, uma espécie de orientação "leia-me desta

forma". Entretanto, para Hall a leitura preferencial nunca é bem sucedida: é apenas uma

tentativa de hegemonizar a leitura da audiência.

Juntamente aos graus de clausura (tentativas) impostos pelos produtores dos textos

audiovisuais, também há uma forma de direcionamento do texto para quem deve ler ou de que

ponto de vista deve receber o texto. Morley (1996) nomeia este esforço de Destinação, e o

define como uma maneira de buscar abordar o público de uma determinada maneira, como

forma de estabelecer uma relação específica com a audiência. De forma similar, Ellsworth

(2001) trabalha com o conceito de Modo de endereçamento. Entretanto a autora vai adiante,

por entender que, no esforço por uma "melhor" comunicação, não só há um ajuste no texto

por parte dos produtores, como também há um ajuste dos receptores em seus posicionamentos

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para ler o texto audiovisual de uma determinada maneira mais ou menos "estimulada" pelo

texto.

De acordo com Morley (1996) essa produção de sentidos é feita sob os referenciais de

conhecimentos dos sujeitos envolvidos nessa dinâmica comunicativa, quer sejam produtores,

quer sejam receptores. Este autor destaca a importância de também se considerar os diferentes

contextos culturais componentes do evento comunicativo.

Kim Schrøder (2000; 2007) desenvolve um modelo que torna mais complexo o

modelo proposto por Hall, trabalhando com diferentes dimensões subjetivas e "objetivas" de

leitura e implicação das leituras. Assim, Schrøder (2000) propõe um Modelo

Multidimensional de análise da recepção, constituído de acordo com um quadro teórico que

considera os processos complexos por meio dos quais as audiências se engajam,

compreendem, criticam e respondem a uma determinada mensagem de mídia. Este modelo é

constituído por seis dimensões de recepção, das quais quatro são de leitura e duas de

implicação. O grupo das dimensões de leitura (motivação, compreensão, discriminação,

posição) diz respeito às experiências subjetivas em que o significado é produzido em um

contexto mais específico, situacional. As dimensões de implicação (avaliação e

implementação) dizem respeito a como estes sentidos produzidos a partir da leitura são usados

como recursos para uma ação política em um contexto sócio, político e ideológico de

significação social.

Ao considerarmos a recepção como elemento fundamental do processo comunicativo,

não só os pressupostos que sustentam e orientam a produção e uso de vídeos para fins

educativos são postos em dúvida, como o entendimento do papel ativo dos espectadores nos

permite olhar de modo mais complexo para as relações entre educação e vídeos. Assim, para

se aproximar de um melhor entendimento das possibilidades educativas do uso dos vídeos, é

preciso partir de uma crítica/validação dos argumentos que sustentam seus usos, considerar

que, além dos produtores, os espectadores são agências constituidoras de sentidos e

finalidades/usos para as obras audiovisuais, que estes sujeitos são dotados de complexidade

subjetiva, e influenciados por diferentes contextos culturais, nesse processo comunicativo que

é essencialmente circular.

Neste ponto, voltamos às perguntas: Vídeos educam? Vídeos sensibilizam? Vídeos

conscientizam? A estas perguntas, ainda podemos somar outras: Que papeis ocupam os

espectadores neste processo? Quais são as expectativas destes espectadores? De que maneiras

as intenções dos produtores podem conformar/influenciar os sentidos produzidos pelos

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receptores? De que maneiras são mobilizadas as dimensões subjetivas dos espectadores na

produção de sentidos na recepção de vídeos com finalidades educativas?

Sol Worth (1974) indica um possível caminho para nos permitiria aproximar dessas respostas.

Apesar de podermos ensinar por meio de filmes, temos que começar a entender como a estrutura do filme em si e os modos visuais em geral, estruturam nossos modos de organizar nossas experiência (WORTH, 1974).

Um forma de estudar estas "maneiras de organizar experiências" seria estudar as

formas da circularidade entre a produção e a recepção de vídeos educativos. Caracterizar as

intenções e influências de produtores e de receptores na produção de sentidos/significados

atribuídos a vídeos educativos se configura como um primeiro importante passo a ser dado.

Tal propósito pode ser realizado com qualquer obra audiovisual. O acervo de vídeos

educativos do NUTES poderia ser a origem de uma delas. De que forma poderíamos dizer

que os vídeos educativos do LVE-NUTES educam?

O acervo audiovisual do LVE-NUTES conta com cerca de 220 vídeos com propósito

educativo. Segundo Rezende (2009), o acervo do NUTES conta com 53 vídeos em que a

intenção pedagógica de sensibilizar está presente. Esses vídeos (que desde o início obtiveram

meu maior interesse), segundo Brendim (2009), têm como objetivo motivar, despertar o

interesse e questionar, além de apresentar a informação. Rezende (2009) complementa essa

informação, ao entender que estes vídeos buscam fazer discutir, refletir, sensibilizar e

persuadir o espectador, destacando aspectos e contextualizando a informação.

Desses, são 14 os vídeos em que o objetivo pedagógico principal é sensibilizar, e todos

voltados para a formação médica. A Psicologia Médica foi a série temática de maior

ocorrência de vídeos de sensibilização. Quatro desses vídeos foram classificados nessa série

temática. Todos os vídeos dessa série temática são da modalidade sensibilização. Assim,

como o interesse inicial era entender o potencial sensibilizador do audiovisual na educação,

conforme descrito acima, nossa atenção se voltou mais especificamente para estes vídeos de

Psicologia Médica, que se voltavam à sensibilização.

A disciplina Psicologia Médica compõe o currículo de medicina, e tem papel

importante por se dedicar à dimensão psicológica das relações médico-paciente (RMP), além

de se voltar para a integração do ensino com a prática (CAPRARA & FRANCO, 1999;

MUNIZ & CHAZAN, 2010). Essa disciplina se constitui como espaço de aprendizado e

reflexão a respeito da relação entre o médico e seus pacientes, e busca uma formação que

abarque, de forma integrada, conhecimentos nas áreas biomédicas e psicossociais, por meio

de uma abordagem crítica e de orientações éticas e humanísticas (AGARAKI & SPINK,

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2009; CORTOPASSI et al., 2006). É papel preponderante da Psicologia Médica atuar na

formação de fundamentos, valores e saberes que sejam pautados pela compreensão integrada

das dimensões biopsicossociais presentes nas RMP, atravessando toda a formação médica de

forma integrada à prática (CORDEIRO et al., 2010; LUCCHESE et al., 2009; SILVA et al.,

2009; DE MARCO et al., 2009; MUNIZ & EISENSTEIN, 2009; QUINTANA et al., 2008;

CORTOPASSI et al., 2006). Assim, a Psicologia Médica compõe o currículo da formação

médica, e tem por objetivo o estudo das relações humanas no contexto da prática médica, com

especial atenção às relações médico-paciente. Compete a esta disciplina promover a

compreensão do homem como um complexo biopsicossocial, primando por uma prática

médica mais humana e integral.

Assim, a princípio, os vídeos de sensibilização da série temática Psicologia Médica se

voltam, de um modo geral, para o objetivo educativo de chamar a atenção e provocar

discussão/reflexão sobre as influências dos aspectos subjetivos das relações humanas nas

RMP. Em outras palavras, com estes vídeos se pretende sensibilizar (tornar mais sensível,

perceptível) e conscientizar (tornar consciente) para a importância da prática de uma RMP

pautada por valores éticos, humanos e saberes biopsicossociais.

É diante disso que se configura nosso problema de pesquisa. Se a dinâmica de emissão

e recepção de mensagens é um processo de negociação de sentidos, nos interessa saber se os

vídeos, em sua exibição no contexto da disciplina Psicologia Médica, são lidos ou não da

maneira como foram idealizados e, assim, poder melhor compreender o papel dos vídeos

educativos no contexto dessa disciplina. Escrito de outra forma, nosso problema de pesquisa

seria: do ponto de vista de seus espectadores, os vídeos da série temática de Psicologia

Médica do NUTES conseguem de fato sensibilizar para as questões a que a disciplina se

volta?

No presente trabalho, nossa proposta foi estudar as relações entre a produção e a

recepção de um vídeo de sensibilização por alunos e professores da disciplina de Psicologia

Médica. Esperamos caracterizar a negociação de sentidos envolvendo a produção e recepção

de vídeos de sensibilização no contexto educacional da formação em medicina. Para isso

entrevistamos os produtores do vídeo, estudamos os documentos relacionados à produção do

vídeo, analisamos a obra, e fizemos exibições experimentais seguidas de grupos de discussão.

Esperamos que este estudo possa contribuir para a construção de um conhecimento mais

complexo sobre os usos de vídeos para fins educativos, permitindo assim melhor fundamentar

produções e usos de vídeos para estes fins, mais especificamente na formação médica.

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2 PRODUÇÃO E RECEPÇÃO AUDIOVISUAL

Neste trabalho partimos da compreensão de que, ao criar um texto audiovisual, os

autores o fazem de acordo com um contexto (macro e micro) e segundo o objetivo de

comunicar algo a alguém. Neste "algo dito" já está delimitada uma configuração que indica "a

quem" esta mensagem é destinada e "como" deve ser lida. Mas, a despeito dessas indicações,

consideramos que o espectador tem papel ativo e postura crítica na leitura da mensagem.

Desta forma, compreendemos a comunicação como um processo de negociação de sentidos,

produtor de sentidos, direta e indiretamente influenciado por um contexto sociocultural,

constituído de dimensões comunicativas que abrangem desde as formas de leitura feitas até

como estas leituras são transformadas em atitudes em um determinado contexto social. Não

buscamos dar o foco somente ao produtor ou ao leitor da mensagem, mas considerar estes

dois polos simultaneamente no evento comunicativo.

Segundo Martin (1990) o cinema se tornou, pouco a pouco, uma linguagem que é

fundada, como toda arte, sobre uma escolha e uma ordenação, e é resultado da percepção

subjetiva do diretor. A imagem construída em função daquilo que o diretor pretende exprimir,

sensorial e intelectualmente, e neste último ponto pode se fazer veículo da ética e da

ideologia. Segundo o autor, a imagem fílmica é dinamizada pela visão artística do diretor,

tendo em vista a mensagem que o autor espera comunicar. Machado (1997) define a

linguagem do cinema como um sistema de expressão pelo qual é possível forjar um discurso

sobre o real (ou o irreal), um tipo de construção narrativa baseada na linearização do

significante icônico, na hierarquização dos recortes de câmera e no papel modelador das

regras de continuidade (montagem). Martin (1990) afirma que a linguagem do cinema é

formada pelo "papel criador da câmera" (recortes espaciais, ângulos, posição e movimentos),

pelos cuidados com som, cor, iluminação, cenário e indumentária, e ainda pelas operações de

edição (nas relações espaços-temporais que se pode criar entre estas imagens gravadas,

montagem). Assim, com a escolha de um determinado enquadramento, um certo ângulo de

filmagem, uma trilha sonora e uma determinada ordem de aparecimento das imagens, pode-se

buscar que sejam construídos alguns significados e não outros. Por exemplo, um

enquadramento próximo ao rosto de uma pessoa, ao som de um adágio pode sublinhar os

aspectos dramáticos da cena, enquanto um enquadramento distante, sem música de fundo

pode privilegiar o surgimento de um distanciamento do espectador. Por meio da montagem as

diversas imagens, sons e demais recursos estéticos, serão colocados em relação, sob uma

intenção do autor de comunicar significados a alguém, e serão manipuladas e estruturadas

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para assim dar forma a uma "mensagem".

No entanto, não são apenas as formas de que a linguagem cinematográfica e os

produtores dispõem que determinam a maneira como as histórias, ideias, significados e

argumentos são compreendidos. Para Odin (2005), além de encontradas em certas figuras

estilísticas ou elementos de seu conteúdo, um filme pode ter suas indicações de leitura

presentes em seu paratexto, ou seja, nas informações exteriores à obra que circulam ao seu

redor e que indicam como a obra deve ser vista, qual seu sentido. Além dos recursos estéticos

que constituem sua linguagem, um filme está inserido num contexto de produção que

influencia as possíveis leituras feitas de uma obra (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994). Neste

sentido, os significados de um filme são construídos não somente por seu conteúdo e forma,

mas também pelo seu contexto de produção e pelas informações que são disponibilizadas

sobre ele para os espectadores.

Um outro ponto é que a concepção da mensagem como um estímulo suficientemente

capaz de provocar e prescrever respostas específicas aos espectadores pode não ser suficiente

para dar conta da complexidade envolvida nos processos de leitura. Isto se levarmos em

consideração o caráter polissêmico das mensagens e os papéis ativos dos espectadores na

leitura dos textos audiovisuais. Jewitt e Oyama (2001) fazem uma distinção entre código e

recurso. O conceito de código estaria mais ligado à escola francesa estruturalista, e seria um

conjunto de regras que permitiriam conectar signos e significados. Essa concepção, segundo

os autores, se mostra frágil por não levar em conta as relações de poder inerentes à

comunicação. Ou seja, nessa perspectiva não há interesse sobre a origem desses códigos,

quem criou as regras e etc. Já o conceito de recurso, segundo os autores, é originário do

quadro teórico da Semiótica Social, que problematiza o processo da constituição de

significados ao compreendê-lo em um campo histórico e em plena disputa por poder, e a

partir disso entende que não há uma unidade na interpretação do código. Assim, recurso é o

conjunto de "partes" (signos) e as relações possíveis de serem construídas entre estas "partes"

que dão forma a um campo de significados possíveis. Neste sentido, um recurso é utilizado na

comunicação de um ponto de vista (de uma intenção), e não constrói um significado unívoco

da mensagem, mas determina um campo de significações potenciais. Os recursos semióticos

criam o universo e os limites para as significações possíveis.

Nesse contexto a linguagem fílmica constitui um campo de significações possíveis,

formado de acordo com as intenções dos produtores, que esperam leituras mais ou menos

determinadas a serem feitas pela audiência. Assim, há uma disputa por determinação de

sentidos para os textos fílmicos, em que se empenham produtores com suas habilidades em

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estruturar as narrativas fílmicas por meio da manipulação intencional de signos e recursos

estéticos na construção de um campo limitado de leituras possíveis. Entretanto, os

leitores/espectadores nem sempre possuem os mesmos repertórios culturais dos produtores, e

frequentemente leem os filmes de modos diferentes do esperado, e de diversas maneiras. É

para este circuito complexo da comunicação, das relações entre textos, emissores e

espectadores em um background sociocultural diverso e variado, que propomos agora lançar

nossos olhares.

Hall (2003) critica o modelo tradicional de comunicação, de viés positivista e

behaviorista, por tratar a comunicação como um processo unilinear e unidirecional, com foco

na transmissão da mensagem. Ou seja, como se bastasse conhecer as características das

mensagens para predizer que efeitos serão produzidos na audiência (MORLEY, 1996). Hall

propõe pensar a comunicação como um processo de circularidade, em que emissores e

receptores produzem sentidos ativamente, influenciados diretamente por seu alinhamento

ideológico. Nesse sentido, Hall e Morley afirmam que antes de produzir efeito uma

mensagem precisa ser decodificada, e esta decodificação é feita sob referências de

conhecimento, ideologia e cultura que são quase sempre diferentes dos referenciais utilizados

na codificação. Nesse ponto, a decodificação deixa de ser compreendida como se ocorresse

sob os mesmos códigos e referenciais do produtor da mensagem. Assim, Codificação e

Decodificação são compreendidas como ocorrendo de acordo com influências quase sempre

diferentes.

Como veremos adiante, Morley (1996) coloca em prática a teoria desenvolvida por

Hall e aponta algumas limitações de inferências a que se pode chegar com este modelo. O

autor também argumenta pela necessidade de se considerar as diferentes culturas e

subculturas como comunidades de produção de sentido. Já Schrøder (2000) questiona a ênfase

dada por Hall às questões ideológicas e critica a consequente unidimensionalidade deste

modelo. Como resposta, Schrøder (2000; 2007) desenvolve um modelo que complexifica o

modelo proposto por Hall, trabalhando com diferentes dimensões subjetivas e "objetivas" de

leitura e implicação das leituras.

Hall (2003), Morley (1996) e Schrøder (2000 e 2007) complexificam a teoria que

explica os eventos comunicativos por considerarem, entre outros fatores, as relações de poder

entre emissores e receptores, inerentes às relações de produção e consumo de significado na

comunicação de massa. Estes autores, diante da compreensão da natureza polissêmica da

mensagem, dos distintos alinhamentos ideológicos, referenciais culturais e repertórios

comunicativos de emissores e receptores, advogam pela não necessária identidade entre os

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sentidos das mensagens emitidas e as mensagens recebidas. Para esses autores, nem todos os

espectadores experienciam as mensagens da forma que foram intencionadas por seus autores.

Na verdade os receptores de mensagens de mídia verbais e visuais frequentemente fazem uma

leitura diferente da esperada pelos autores das mensagens.

A seguir nos dedicaremos a apresentar os modelos de Hall, Morley e Schrøder, suas

derivações, os quadros conceituais decorrentes deles e as possíveis inter-relações.

2.1 MODELO CODIFICAÇÃO / DECODIFICAÇÃO

Hall (2003) afirma que os modelos tradicionais eram predominantes na orientação das

pesquisas de comunicação de massa no momento em que seu artigo

Encoding/Decoding(1973) foi originalmente publicado na Inglaterra (traduzido no Brasil em

2003). Segundo o autor, este modelo de comunicação foi concebido sob uma perspectiva

positivista (Behaviorista), que compreende a comunicação como um processo unilinear e

unidirecional, com ênfase no nível da transmissão. Podemos esquematizar este processo da

seguinte forma:

Figura 1. Diagrama representativo da comunicação tracidional

Nesse modelo, a mensagem produzida pelo Emissor deve ser exatamente a mesma lida

pelo Receptor, que lê a mensagem da forma esperada pelo Emissor. Hall (2003) afirma que,

nessa perspectiva, a mensagem emitida sempre é idêntica à recebida e qualquer desvio se deve

à falta de capacidade por parte do Receptor ou a problemas de ruído do canal, etc. Esta

mensagem é emitida unilinearmente, ou seja, através de apenas um canal, e de fluxo

unidirecional, ou seja, sempre ocorre no sentido do polo emissor em direção ao polo receptor.

O autor afirma que, nessa concepção, o Emissor possui o poder absoluto na significação da

mensagem, ele determina os códigos dos momentos da codificação e da decodificação.

Partindo da crítica a esse modelo linear e unidirecional, Hall (2003) afirma que o

significado de uma mensagem não é fixo e possui várias camadas (é sempre

multirreferencial). O autor propõe pensar o processo comunicativo em termos de uma

estrutura produzida e sustentada por meio da articulação de momentos distintos, mas

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interligados – produção, circulação, distribuição/consumo, reprodução. Isto aponta para a

possibilidade do polo receptor ser compreendido como um polo também produtor de sentidos,

ou seja, tanto “produtores” produzem sentido, como os receptores, ao interpretar, conferem

significados à mensagem recebida. Em outras palavras, Hall (2003) afirma que o momento de

consumo de informações também é um momento de produção de sentidos.

Hall (2003) propõe este modelo, nomeado Modelo Codificação/Decodificação, como

uma tentativa de pensar o processo comunicativo como circular e enquanto uma totalidade

complexa e multi-determinada. Este modelo é homólogo ao que forma o esqueleto da

produção de mercadorias apresentado por Marx em O Capital, e tem a vantagem de destacar o

caráter de circuito contínuo de produção-distribuição-produção. Desta forma, podemos

compreender em Hall (2003) que o processo de comunicação de massa (na TV, mais

especificamente) pode ser compreendido como um circuito não fechado de produção,

circulação, distribuição/consumo e reprodução de sentidos/significados.

Seguindo este raciocínio, Hall explicita a dinâmica deste circuito no exemplo do Rádio

e da TV. Segundo o autor, as estruturas de Rádio/TV devem produzir uma mensagem

codificada na forma de um discurso significativo que circula, recebida enquanto discurso

significativo e decodificada significativamente. “É esse conjunto de significados que tem

efeito, entretêm, instrui ou persuade, com consequências perceptivas, cognitivas, emocionais,

ideológicas ou comportamentais” (HALL, 2003).

Assim uma prática social é codificada em discurso significativo, circula, é consumida

e decodificada em prática social novamente. Esta última se trata do efeito da dinâmica da

comunicação e retroalimenta a prática social do momento de emissão da mensagem. No

diagrama a seguir está esquematizado este circuito1:

1 Tanto este diagrama, quanto os seguintes, se voltam a atender a finalidades didáticas e evidentemente se configuram como reduções de um circuito de comunicação muito mais amplo e complexo.

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De acordo com o esquema, no polo (re)produção/emissão da mensagem, a prática

social é codificada em discurso significativo (na forma de uma mensagem audiovisual),

obedecendo os referenciais de conhecimento, as relações de produção e a infraestrutura

técnica do “emissor”. Este discurso significativo circula e, no polo da (re)produção/consumo,

é decodificado em prática social de acordo com os referenciais de conhecimento, as relações

de produção e a infraestrutura técnica do receptor.

Os referenciais de conhecimento, relações de produção e infraestrutura técnica dos

emissores e dos receptores das mensagens audiovisuais são quase sempre diferentes, ou seja,

os códigos utilizados na emissão da mensagem audiovisual quase nunca são idênticos aos

códigos utilizados na recepção. De acordo com Hall (2003), isto torna complexa a dinâmica

de comunicação e implica em compreender que não há a necessária identidade entre os

significados codificados e os decodificados. Isso resulta em dizer que os discursos

significativos não são necessariamente decodificados na prática esperada, já que as condições

dos momentos da codificação e da decodificação são quase sempre diferentes.

Em uma entrevista, ocorrida cerca de nove anos após a publicação do trabalho original

“Codificação/Decodificação” (1980)2, Hall (2003) afirma que o modelo

Codificação/Decodificação está fundado em uma noção não problemática de que existe algo

separado e fora do discurso. O autor afirma ter superado essa concepção e sustenta que

somente se pode conhecer o real por meio da linguagem, afirmando que a realidade é algo que

só pode ser produzido discursivamente. Desta forma, codificação e decodificação também

poderiam ser momentos de passagem de uma forma de discurso a outra, ou seja, pode-se

decodificar um discurso televisivo/audiovisual em uma prática discursiva, ou se codificar um

determinado discurso historicamente dado em “discurso significativo” audiovisual. Isto

implica também em compreender que a prática resultante da decodificação da mensagem

pode ser uma prática discursiva. Assim, Hall (2003) sustenta que não há um momento de

produção como um momento de partida deste circuito. Este momento, em algum grau, já é um

momento de reprodução, de decodificação de alguma prática discursiva do universo

discursivo histórico e anteriormente dado. Para Hall (2003), o que a mídia capta (reproduz) já

é um universo discursivo histórico anteriormente existente.

Se por um lado emissores e receptores das mensagens quase sempre operam em

códigos diferentes, por outro lado, segundo Hall (2003), o signo televisivo é complexo, por

ser formado de dois tipos de discurso, o visual e o auditivo, e por possuir, como signo icônico,

2 Tanto o trabalho Codificação/Decodificação, quanto a referida entrevista, compõem a versão traduzida para o português, consultada na presente pesquisa.

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algumas propriedades da coisa representada. Entretanto, é importante ressaltar que, uma vez

que o discurso visual traduz um mundo tridimensional em planos bidimensionais, ele não

pode ser o referente ou o conceito que significa. Assim, mesmo que a mensagem audiovisual

possa apresentar grande semelhança com “a coisa” real que ela representa, ela ainda é uma

construção, uma articulação da linguagem em condições e relações reais, é o resultado de uma

prática discursiva, a codificação de um dado aspecto da realidade em discurso.

Hall (2003) afirma que alguns códigos chegam a aparentar não terem sido construídos,

por apresentarem alto grau de equivalência entre os lados codificador e decodificador de uma

troca de significados. Isto porque são amplamente distribuídos e cedo apreendidos e

naturalizados pelos sujeitos de uma cultura ou comunidade de linguagem específica. Para o

autor toda sociedade ou cultura tende, com diversos graus de clausura, a impor suas

classificações do mundo social, cultural e político. Essas classificações constituem uma ordem

cultural dominante. Assim, Hall (2003) define ideologia como uma tentativa de fixar

significados, como aquilo que recorta a infinita semiose que é a linguagem, e aponta

denotação e conotação como dois níveis do signo em que ocorre a articulação entre discurso e

ideologias.

Na denotação, o significado tende a ser mais fixo, compartilhado e naturalizado. Neste

nível, segundo o autor (2003), o signo opera dentro de seu significado literal, ou seja, o valor

ideológico (dominante) está fortemente fixado, justamente por ter se tornado plenamente

naturalizado e universalizado. É exatamente por conta desta naturalização que no nível

denotativo se oculta o caráter de construção do signo, e a imagem se mostra em maior grau

como “reflexo” da realidade. Já no nível da conotação, de acordo com Hall (2003), o signo

está aberto a novas ênfases, a transformações mais ativas que exploram seus valores

polissêmicos. É neste nível que as ideologias alteram e transformam a significação, e onde

podemos ver mais claramente a intervenção da ideologia dentro do discurso. Apoiando-se em

Barthes (1971 apud HALL, 2003), Hall afirma que os níveis conotativos dos significantes têm

estreita relação com a cultura, o conhecimento e a história. É no nível conotativo que o meio

social invade o sistema linguístico e semântico.

Hall (2003) ressalta que denotação e conotação são diferentes níveis em que ideologia

e discurso se cruzam, e não a presença ou ausência de ideologia na linguagem. O autor

complementa:

Muito poucas vezes os signos organizados em um discurso significarão somente seus sentidos “literais”, isto é, um sentido quase universalmente consensual. Em um discurso de fato emitido, a maioria dos signos combinará seus aspectos denotativos e conotativos (HALL, 2003).

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Diante destes diferentes níveis em que o signo poderá ter seu significado atualizado,

em que o caráter polissêmico destes signos (localizado principalmente no nível conotativo)

permite dar forma a variadas leituras, Hall (2003) destaca os esforços dos produtores das

mensagens em “eliminar estas falhas na cadeia de comunicação”. Hall afirma que os

produtores frequentemente se preocupam com a possibilidade de a audiência “falhar” em

captar o sentido por eles pretendido, ou seja, os produtores se preocupam porque nem sempre

os telespectadores operam dentro do código preferencial ou dominante. O autor chama de

leitura preferencial a tentativa de controle que os produtores das mensagens tentam exercer

na significação das mensagens, uma espécie de orientação “leia-me desta forma”. Entretanto,

para Hall (2003) a leitura preferencial nunca é totalmente bem sucedida: é apenas uma

tentativa de hegemonizar a leitura da audiência. A codificação pode até “pre-ferir”, mas não

pode prescrever ou garantir uma determinada decodificação. Por outro lado, a mensagem

também não é totalmente aberta, ou seja, a codificação constrói os limites e parâmetros dentro

dos quais as decodificações irão operar. Pois, se não houvesse limites, as audiências poderiam

entender qualquer coisa. Assim, a mensagem pode ter vários significados, mas não

todos/quaisquer significados, ou seja, o significado preferido pela codificação, a leitura

preferencial, delimita um universo de significação possível de decodificação.

Hall (2003) propõe uma análise hipotética de algumas posições de decodificação para

pensar nas várias articulações possíveis entre codificação e decodificação. Apesar da grande

variedade de leituras possíveis, Hall demarca três posições principais que dão conta dos

limites deste espectro de leituras. A primeira posição, posição hegemônica-dominante, em

que o telespectador decodifica operando dentro do código dominante, dentro do código dos

produtores, se apropriando do sentido conotado de forma direta e integral, e assim a leitura

preferencial é tendencialmente a leitura feita pela audiência. Hall (2003) afirma que este é

caso ideal-tipo de “comunicação perfeitamente transparente”. A segunda posição, a do código

negociado, em que os telespectadores compreendem bastante bem o que foi codificado de

forma dominante (global), mas também decodificam dentro de lógicas específicas,

particulares, localizadas e alternativas, que são sustentadas por relações desiguais com o

discurso e as lógicas de poder. Segundo Hall (2003),

Decodificar, dentro da versão negociada, contem uma mistura de elementos de adaptação e de oposição: reconhece a legitimidade das definições hegemônicas para produzir as grandes significações (abstratas), ao passo que, em um nível mais restrito, situacional (localizado), faz suas próprias regras — funciona com as exceções a regra.

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Para Hall (2003), provavelmente as leituras negociadas são as leituras feitas pela

audiência na maior parte do tempo, pois “nunca estamos completamente dentro de uma

leitura preferencial ou completamente a contrapelo do texto”. A terceira posição, a do código

de oposição, é aquela em que o telespectador compreende perfeitamente tanto a inflexão

conotativa quanto a denotativa conferida a um discurso, mas ainda assim o decodifica de

maneira globalmente contrária. Hall afirma que é nesta posição de leitura contestatória que se

trava a luta no discurso.

Desta forma, Hall (2003) partindo da crítica ao paradigma behaviorista na

comunicação, propõe um modelo analítico para a compreensão das dinâmicas comunicativas

de massa que seja entendido como um circuito de produção e reprodução de significados.

Nessa perspectiva o receptor das mensagens também exerce papel ativo na construção dos

significados “veiculados” pela mensagem. Essa produção de sentidos se dá na articulação dos

níveis de significação do signo, denotação e conotação, em que há maior ou menor influência

das ideologias na fixação dos significados. Esta articulação poderá produzir interpretações

que sejam mais próximas das esperadas pelos emissores (posição hegemônica-dominante), ou

que sejam feitas totalmente a contrapelo das intenções dos produtores (leituras de oposição ou

contestatórias), e ainda produzirem leituras que oscilem entre a aceitação e oposição às

intenções interpretativas dos produtores (leitura negociada).

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2.2 COLOCANDO O MODELO CODIFICAÇÃO/DECODIFICAÇÃO EM PRÁTICA: A

PESQUISA DE DAVID MORLEY.

Apesar de Hall publicar em 1973 o trabalho que desenvolvia uma teoria que aportasse

os estudos de recepção, o autor não a coloca em prática nos anos seguintes. Em 1980, David

Morley (traduzido para o espanhol em 1996) publica um dos primeiros trabalhos que relata

um estudo de recepção que colocou em prática o aporte teórico do modelo

Codificação/Decodificação. Neste trabalho, Morley também reflete sobre o referencial do

qual lançou mão (entre eles o modelo Codificação/Decodificação), traz novas questões

demandadas pela prática do estudo, e aponta novos caminhos para os estudos de recepção

midiática.

Morley (1996) apresenta um estudo sobre a produção e recepção do programa de

televisão Nationwide, um noticiário tipo magazine. O estudo é feito a partir das mensagens

emitidas/produzidas pelo programa de televisão (artifícios formais, modos específicos de se

dirigir à audiência e formas particulares de organização do texto), e dos sentidos produzidos

pelos espectadores/audiência deste programa. Este último a fim de compreender o papel dos

marcos culturais na determinação das interpretações individuais do programa, do referido

programa de televisão.

Morley (1996), a exemplo de Hall (2003), rechaça o entendimento segundo o qual as

mídias são instituições cujas mensagens produzem efeito automaticamente, e diante do caráter

polissêmico das mensagens audiovisuais (TV), compreende que o processo de

leitura/recepção é um processo ativo de interpretação e produção de sentido. Morley (1996)

afirma que a produção de sentido ocorre por meio: a) das estruturas e mecanismos internos do

texto/mensagem, que convida a fazer certas leituras e inibem outras, e b) das origens culturais

do leitor/receptor. Estes dois processos de produção de sentido, em Hall (2003), são

nomeados leitura preferencial e referenciais de conhecimento/relações de produção,

respectivamente.

Quando Morley (1996) volta sua atenção para o estudo da mensagem, ele o faz

segundo três premissas: um mesmo acontecimento pode ser codificado de mais de uma

maneira; a mensagem é sempre polissêmica, sempre possui mais de uma leitura potencial;

compreender as mensagens codificadas é uma prática problemática, porque as mensagens

codificadas de um modo sempre poderão ser lidas de outro. Segundo Morley (1996) a

mensagem é uma polissemia estruturada, permite uma gama de possibilidades de leituras,

entretanto nem todos os sentidos existem por igual na mensagem. Apesar da impossibilidade

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de se atingir a completa fixação de um determinado sentido preferido na mensagem, esta é

quase sempre estruturada para que um determinado sentido, ou espectro de sentidos, seja

dominante, para que uma leitura seja preferida. Esta leitura preferencial é parte da mensagem

e é possível de ser identificada na estrutura da mensagem.

El concepto de lectura preferencial tiene valor, no como un medio de fijar de manera abstracta una interpretación y desechar las demás, sino como un medio de explicar que en ciertas condiciones, en determinados contextos, un texto tienda a ser leído de un modo particular por la audiencia (MORLEY, 1996, p. 10). Estas clausuras interiores a la estructura de un programa pueden presentar diversas formas: por ejemplo, el título, la leyenda al pie de una fotografía o el comentario de un informe filmado nos dicen cómo interpretar el significado de las imágenes que vemos. Está también la posición jerárquica de los locutores dentro del programa y el modo en que estos enmarcan las declaraciones de las personas entrevistadas (MORLEY, 1996, p. 7).

Essa estruturação da mensagem, segundo a intenção do emissor/produtor, que tem em

vista preferir uma leitura a outra, também pode, na intenção por abordar o público de maneira

específica, buscar estabelecer uma identificação, estabelecer uma determinada forma de

relação com a audiência, ainda que possa ser feita a contrapelo pela audiência, a exemplo da

leitura preferencial. A essa intenção por uma forma de abordagem e estabelecimento de um

modo de se relacionar com a audiência, Morley (1996) nomeia destinação.

A recepção/interpretação é uma atividade que se desenvolve em contexto cultural e

histórico. Para Morley (1996), não estamos isolados quando recebemos as mensagens, pois,

nesse momento, estamos carregando conosco outros discursos e representações com os quais

estamos em contato em outras esferas da vida. Pecheux (1982, apud MORLEY, 1996)

chamou a este fenômeno de interdiscurso. De acordo com Morley (1996), no processo de

decodificação e de interpretação das mensagens dos meios sempre participam outras

mensagens, outros discursos, tenhamos consciência disso ou não. Isto porque o processo das

comunicações midiáticas não é um momento isolado, mas um momento dentro de um campo

complexo relacionado com todas as outras práticas comunicativas de que direta ou

indiretamente participamos.

La persona que mira el noticiario se sitúa en ese complejo campo de la comunicación y está envuelta en un proceso de decodificación del material de los medios, proceso en el cual un conjunto de mensajes o discursos realimenta otro, o es desviado por otro (MORLEY, 1996).

A audiência não é uma massa homogênea de indivíduos. Morley (1996) re-conceitua a

audiência entendendo-a não como uma massa indiferenciada, mas como uma complexa

configuração de subculturas e subgrupos sobrepostos. Os membros de uma subcultura

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tenderão a compartilhar uma orientação cultural ao decodificar as mensagens de um modo

particular, suas leituras estarão enquadradas por formações e práticas culturais

compartilhadas, e serão determinadas pela posição que ocupam nessa estrutura social. Nesse

sentido, Morley torna mais complexo o entendimento das influências do ambiente social na

dinâmica de emissão/recepção, em Hall (2003). Enquanto Hall (2003) dá ênfase às influências

das posições ideológicas nas leituras feitas, Morley (1996) sustenta que as leituras feitas das

mídias são constantemente emolduradas por uma complexa rede de culturas, subculturas e

subgrupos, e estas serão influenciadas por um contexto ideológico mais específico. Assim,

Morley (1996) reconhece as influências tanto do contexto macro (ideologias e culturas) como

do micro (subculturas e subgrupos).

Morley (1996) conclui em seu trabalho que as posições de classe não estabeleceram

correlação direta alguma com as decodificações produzidas. Ressaltou que não se trata de

tentar derivar diretamente as decodificações das posições de classe, mas relacionar as

decodificações específicas produzidas a uma posição social juntamente a posições discursivas

particulares, tendo em vista que a estrutura de acesso aos diferentes discursos está

determinada pela posição social.

Morley (1996) pôde constatar que havia aproximações entre as leituras individuais

realizadas por integrantes de uma mesma subcultura. Diante disso, Morley afirma que é

preciso dispor de um mapa cultural da audiência a que se dirige uma dada mensagem, para

poder compreender os significados potenciais desta mensagem. Esse mapa cultural da

audiência deve permitir visualizar os diversos repertórios culturais e os distintos recursos

simbólicos de que dispõem os diferentes grupos da audiência estudada. E diante das

diferenças e divisões internas presentes em cada grupo, Morley (1996) afirma que é preciso

redefinir consideravelmente o modelo básico de código dominante, negociado e de oposição.

Isto tem em vista fornecer um quadro conceitual apropriado para ordenar em todas as

subdivisões, variações e diferenciações significativas existentes dentro das estruturações

básicas dos códigos (MORLEY, 1996). Assim, o sentido de uma mensagem deve ser

entendido como produto da interação entre os códigos introduzidos na mensagem e os

códigos “possuídos” pelos diferentes setores da audiência.

Deste modo, se buscarmos aplicar as conclusões às quais Morley chega, ao esquema

do Modelo Codificação/Decodificação, chegaríamos a seguinte figura:

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De acordo com o esquema, emissores e receptores não só operam, numa escala maior,

em ideologias diferentes ou coincidentes, mas também, em escala menor, operam em sub-

culturas diferentes. Assim, quanto mais próximas as sub-culturas, maiores as possibilidades

de haver aproximação entre as leituras intencionadas pelos produtores das mensagens

(significado preferencial e destinação) e as leituras efetivamente produzidas pelos

espectadores.

2.3 DESTINAÇÃO E ENDEREÇAMENTO

Juntamente aos graus de clausura (tentativas) impostos pelos produtores dos textos

audiovisuais, também há uma forma de direcionamento do texto para quem deve ler ou de que

ponto de vista deve receber o texto. Isto ocorre ainda que não haja garantias de que esse

esforço seja correspondido pelos espectadores. Morley (1996) chama a este esforço de

Destinação e o define como uma maneira de buscar abordar o público de uma determinada

maneira, como forma de estabelecer uma relação específica com a audiência. De forma

similar, Ellsworth (2001) trabalha com o conceito de Modo de endereçamento. Entretanto a

autora vai adiante por entender que, no esforço por uma “melhor” comunicação, não só há um

ajuste no texto por parte dos produtores, como também há um ajuste dos receptores em seus

posicionamentos para ler o texto audiovisual de uma determinada maneira mais ou menos

“estimulada” pelo texto.

Segundo Ellsworth (2001), os filmes, assim como as cartas, os livros, os comerciais de

televisão, são feitos para alguém, visam e imaginam determinado leitor/público. Seja por uma

busca de “nivelação” nos referenciais de conhecimento, ou por meio de estruturação da

linguagem. Em outras palavras, ao considerar o receptor da mensagem, há uma busca por

parte dos produtores pela formatação/configuração da mensagem a fim de que seja aumentada

a possibilidade de ocorrência de uma leitura preferencial.

Diante da impossibilidade de se trabalhar com uma ideia fixa e uniforme de sujeito nas

dinâmicas de comunicação de massa, para Ellsworth (2001), os filmes parecem buscar formas

de “convidarem”/estimularem os espectadores a assistirem o filme de uma determinada

forma, de um certo ponto de vista. Estes pontos de vista, oferecidos no sistema narrativo do

filme, possibilitam que os espectadores assumam as posições que lhes permitam completar o

filme de uma maneira mais próxima à intencionada pelos produtores, ou seja, dentro da

leitura preferencial.

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(...) somos compelidos a ocupar uma posição física particular, em virtude do posicionamento da câmera. Identificar e estar consciente dessa posição física significa revelar que somos também convidados a ocupar um espaço social. Este espaço físico e o social são ligados por posições ideológicas (ELSWORTH, 2001).

Para Ellsworth (2001), o produtor/emissor ao imaginar um leitor/espectador possível

do texto audiovisual e suas expectativas, configura a mensagem de forma a permitir que

determinadas leituras (leitura preferencial) sejam feitas, e outras não. Neste sentido, os modos

de endereçamento também são uma forma de tentar fixar leituras. Constituem-se como

tentativas, por parte dos produtores de filmes, de antecipar as reações do público e as formas

de produção de sentido dos espectadores. Assim, buscam fixar o espectador em um ponto de

vista do qual ele deve assistir o filme e que resulte em um determinado modo de interpretar o

filme.

A maioria das decisões sobre a narrativa estrutural de um filme, seu acabamento e sua aparência final são feitas à luz de pressupostos conscientes e inconscientes sobre “quem” são seus públicos, o que eles querem, como eles veem filmes, que filmes eles pagam para ver no próximo ano, o que os faz chorar ou rir, o que eles temem e quem eles pensam que são, em relação a si próprios, aos outros e às paixões e tensões sociais e culturais do momento (ELLSWORTH, 2001).

Segundo Ellsworth (2001), o modo de endereçamento é algo que ocorre num espaço

social e psíquico, entre o texto do filme e os usos que o espectador faz dele, excede as

fronteiras do próprio texto e extravasa para as conjunturas históricas da produção e recepção

do filme.

Existe uma “posição” no interior das relações e dos interesses de poder, no interior das construções de gênero e de raça, no interior do saber, para a qual a história e o prazer visual do filme estão dirigidos. É a partir dessa “posição-de-sujeito” que os pressupostos que o filme constrói sobre quem é o seu público funcionam com o mínimo de esforço, de contradição ou de deslizamento.

O Modo de endereçamento está no texto. Para Ellsworth (2001), o modo de

endereçamento é algo que é encontrado no texto/filme, que não é único nem unificado, e que

provoca efeitos sobre as leituras produzidas por espectadores reais. Estes traços, que

materializam as intenções conscientes ou não dos produtores dos filmes, não são momentos

visuais ou falados especificamente, mas estão no filme. Desta forma, o modo de

endereçamento é, a partir do texto audiovisual, uma estruturação das relações entre o filme e

seus espectadores, é invisível, não localizável, é uma relação e não uma coisa. Consiste na

diferença entre o que pode ser “dito” (tudo o que é histórica e culturalmente possível e

inteligível de se dizer) e o que é dito.

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Assim, os produtores quase sempre também imaginam/miram um espectador esperado

para suas mensagens. Entretanto este espectador nunca é, apenas ou totalmente, quem o

“filme” pensa que ele é, e por isso mesmo o modo de endereçamento quase sempre erra o

alvo. Esta imprecisão exige algum ajuste por parte do espectador, que “convidado” pelo filme

a ocupar determinado papel, se imagina no centro do endereçamento e faz o filme voltar a ter

foco. Este é um processo de negociação no qual o espectador aceita o papel (um dos diversos)

oferecido pelo filme, concorda em assistir o filme daquele ponto de vista que não é

necessariamente o seu próprio. Desta forma, segundo a autora, os modos de endereçamento

oferecem estímulos sedutores e recompensas (o prazer da narrativa, finais felizes, a

experiência coerente da leitura) para que à medida que interpretam o filme, assumam as

posições imaginárias às quais um filme se endereça, e estas posições tendem a privilegiar a

leitura preferencial esperada pelos produtores, ainda que não haja garantias de que a audiência

faça a leitura preferencial, nem que aceite as posições de leitura oferecidas pelo texto.

2.4 MODELO MULTIDIMENSIONAL

Partindo da compreensão de que "simplesmente não se pode ter garantias da

identidade entre o significado pretendido pelo autor da mensagem e o significado realizado

pela audiência", e da crítica ao Modelo Codificação/Decodificação e de experiências de

estudos de recepção, SchrØder (2000) apresenta uma reflexão sobre alguns conceitos-chave

em estudos de recepção e propõe a partir disso um Modelo Multidimensional. Segundo o

autor, o modelo de Hall/Morley se mostra limitado por dar ênfase apenas às questões político-

ideológicas e por não distinguir bem os conceitos de leitura preferencial e significado

preferencial. Por meio da explicitação das possibilidades e limites do Modelo

Codificação/Decodificação e de conclusões alcançadas pelo autor com seus estudos

empíricos, Schrøder (2000) dá forma ao Modelo Multidimensional. Este modelo propõe um

quadro teórico que considera processos complexos através dos quais as audiências se

engajam, compreendem, criticam e respondem a uma determinada mensagem de mídia de

massa. Segundo Schrøder (2000), o modelo proposto centra-se apenas no polo da recepção. O

autor espera que este modelo possa "ajudar a abrir os olhos" para a complexidade das leituras

verdadeiramente feitas pela audiência. Ele o faz a partir de uma breve apresentação crítica e

teórica dos conceitos do Modelo Codificação/Recepção e argumenta para a relevância do

Modelo Multidimensional.

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SchrØder (2000) critica o modelo proposto por Hall/Morley por sua ênfase no nível

ideológico, o que o torna unidimensional. Segundo o autor (2000), o modelo em questão

resulta da adaptação de um modelo sociológico a um modelo de leitura, que foi inteiramente

desenvolvido para exclusivamente explicar o processo de significação no âmbito da luta de

classes. Esta ênfase é reconhecida e assumida por Hall em entrevista3. De acordo com

SchrØder (2000), esta ênfase limita as análises que partem deste quadro teórico a categorizar

as leituras apenas em dominante, negociada ou oposicional, o que pressupõe que o texto seja

apenas veículo da ideologia dominante. Isto limita o escopo do texto em representar apenas o

interesse hegemônico. Diante disso, SchrØder (2000) sustenta que o Modelo

Codificação/Decodificação não está equipado para lidar com outros cenários ideológicos.

Neste ponto o autor argumenta pela necessidade de um modelo que considere outras

dimensões de leitura que não apenas a ideológica, e ainda aponta para a necessidade de dividir

este nível ideológico em dois, um que abarque a dimensão subjetiva dos leitores, e outro que

dê conta de um contexto social e ideológico mais amplo das leituras produzidas. É como

resposta a isso que SchrØder propõe o Modelo Multidimensional, que abordaremos mais

adiante.

Um segundo ponto de crítica ao modelo de Hall/Morley é o entendimento do conceito

de leitura preferencial. SchrØder (2000) questiona se a leitura preferencial é de fato uma

propriedade do texto (uma materialização da intenção do autor) como propõe Hall, ou se está

na leitura feita pela maioria da audiência. O autor sustenta, com base em seus estudos

anteriores, que a leitura preferencial está mais na leitura predominantemente feita pela

audiência que nas intenções do autor materializada na mensagem. Entretanto o autor concorda

com Hall (2000) que muito provavelmente as leituras preferidas pelos leitores ocorrerão

dentro dos limites das leituras preferidas pelos autores. Diante disso, SchrØder (2000)

propõem que leitura preferencial se refira a leitura feita pela maioria da audiência, e que

significado preferencial se refira à leitura esperada pelos produtores.

Um outro ponto que merece atenção está na afirmação de SchrØder (2000) segundo a

qual muitos problemas que afetam os estudos contemporâneos de audiência vêm da

inabilidade de distinguir entre polissemia e leitura de oposição. Assim, o autor se empenha em

desenvolver esta distinção entre os dois conceitos. Segundo SchrØder (2000), polissemia é

uma propriedade de abertura do texto que convida os leitores a atualizarem o seu sentido,

enquanto a "leitura de oposição" é uma característica da leitura, resistência e atualização da

3 Entrevista acima relatada, componente da publicação traduzida para o português.

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mensagem lida. Assim, a polissemia é uma propriedade do texto e a oposição é uma

propriedade da leitura. Para a operacionalização do Modelo Multidimensional, SchrØder

(2000) define polissemia como a multiplicidade de significados, que ocorrem o tempo todo,

sem a necessidade de uma "consciência do indivíduo", simplesmente por causa da diversidade

da semiose social inerente. O autor afirma que a "leitura de oposição" é menos frequente, e

não ocorre sem uma consciência de um indivíduo que reconhece o significado preferencial na

mensagem e então o rejeita, ou seja, é uma leitura ativa consciente contra os traços retóricos

do texto.

O Modelo Multidimensional é construído visando distinguir as diferentes dimensões

das leituras feitas pela audiência. SchrØder (2000) parte da conclusão a que chega Morley

(1996), em que aponta a necessidade de reconhecer mais dimensões de leituras as quais,

segundo ele, o Modelo proposto por Hall (2003) tende a trazer misturadas. Apesar de chegar a

esta conclusão, Morley não desenvolve esta questão.

SchrØder (2000) inicialmente caracteriza o Modelo Multidimensional buscando fazer a

distinção deste com o Modelo Codificação/Decodificação. Em primeiro lugar o autor afirma

que o Modelo Codificação/Decodificação objetiva estudar os dois momentos do circuito

comunicativo, o da codificação (produção) e o da decodificação (recepção). Já o Modelo

Multidimensional se concentra apenas no polo da decodificação/recepção. O Modelo

Multidimensional dá o momento da decodificação como certo, compreendendo-o

simplesmente como o momento em que os produtores das mensagens midiáticas "encontram"

a audiência. SchrØder (2000) ressalta que não quer dizer com isso que um estudo de recepção

não necessite de uma visão holística em que se considere os polos codificadores e

decodificadores, mas que o desenvolvimento de tal teoria é um empreendimento "separado".

Outra diferença é que, segundo SchrØder (2000), enquanto o Modelo

Codificação/Decodificação é um modelo hipotético e teorético que precisa ser melhor

desenvolvido para se transformar numa ferramenta empírica de pesquisa (como parcialmente

fez Morley), o Modelo Multidimensional salta diretamente da pesquisa empírica e cria um

quadro conceitual que possibilita ao analista dar atenção às propriedades heterogêneas reais

dos discursos da audiência sobre suas experiências com a mídia (SCHRØDER, 2000).

De maneira geral o modelo está interessado em categorizar as atualizações

interpretativas dos leitores sem levar em conta a forma como estas acontecem. Este modelo é

constituído de seis dimensões de recepção, das quais quatro de leitura. O grupo das leituras

diz respeito às experiências subjetivas em que o significado é produzido em um contexto mais

específico, situacional. Já as implicações são aquelas em que os significados subjetivos são

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avaliados pelo analista à luz da significação social, situadas num contexto sócio-ideológico, e

à luz de como estes sentidos produzidos a partir da leitura são usados como recursos para uma

ação política. Nos parágrafos a seguir detalharemos melhor cada uma das dimensões

apresentadas por Schrøder (2000).

A motivação refere-se a um processo cognitivo e afetivo por meio do qual os

espectadores decidem se uma mensagem vale o tempo de sua leitura ou não. Esta dimensão

trata da relação de relevância estabelecida pelo universo pessoal do leitor e o universo

apresentado pelo texto. Este interesse está fundamentado no interesse pessoal do espectador,

preferências, expectativas em relação ao texto, no assunto do texto, memória, no caráter

inovador que a mensagem pode trazer e toda ordem de experiências prévias (cultura,

posicionamento político-ideológico, religião), se estendendo para além do texto de mídia

dentro da situação mais completa de consumo (por exemplo, assistir em grupo ou sozinho

propicia prazeres diferentes de leitura). Esta dimensão compreende um continuum de posições

que o espectador pode ocupar que vão de recusa total até forte motivação para ler determinado

texto audiovisual.

A dimensão da compreensão diz respeito a como os espectadores compreendem os

signos verbais e visuais, e como atribuem determinada identidade ao que leem, ou seja, como

os signos são decodificados de acordo com fatores macro-sociais (classe, gênero e raça) e

micro-sociais (escolaridade, relações situacionais, cultura etc.). Esta dimensão vai ao nível

mais básico do signo, e por isso requer uma teoria semiótica adequada que seja capaz de

conceitualizar a produção de significados por meio de diferentes tipos de signos, e para situar

o significado em um contexto social. A dimensão da compreensão é conceituada a partir da

diferença/identidade entre os significados codificados e os decodificados. Assim, esta

dimensão pode ser compreendida como um continuum que vai desde a completa divergência

(polissemia total), até a completa correspondência (monossemia) entre os significados

preferidos pelos produtores e os significados decodificados pelos leitores. Em uma

decodificação é possível que a compreensão ocorra tanto no polo monossêmico quanto no

polo polissêmico, entretanto essas ocorrências nos polos são mais raras.

A dimensão da discriminação refere-se a como os espectadores podem adotar uma

posição mais ou menos esteticamente crítica frente ao texto fílmico. Como e quanto uma

leitura está caracterizada pelo nível de consciência do espectador sobre o caráter de

construção e de artifício do produto audiovisual. Esta dimensão compreende dois eixos

paralelos de continuum. Um vai da não imersão a imersão total, o outro do não distanciamento

ao distanciamento total. O eixo da imersão caracteriza o quanto um determinado leitor se

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permitiu afetar pelos recursos estéticos do vídeo e "entrou" no universo da história "narrada"

pelo produto audiovisual. Já o eixo do distanciamento diz respeito ao grau de verdade que o

leitor confere à mensagem do texto audiovisual, em até que ponto aquele texto pode ser real.

Assim, um leitor pode experienciar mais intensamente os acontecimentos narrados em certo

filme (estar imerso) por meio dos recursos estéticos das linguagens, ainda que se mantenha

distante, e julgar que a história seja apenas uma ficção. O espectador também pode acreditar

na realidade objetiva representada, ainda que reconheça os artifícios de construção do texto.

Por outro lado, o espectador pode não acreditar e não "entrar no universo" do texto, ou ainda,

acreditar na realidade objetiva do texto e vivenciar mais intensamente as situações expressas

no texto.

As dimensões da Posição e da Avaliação derivam da divisão empreendida por

Schrøder nas posições de leitura sugeridas pelo Modelo Codificação/Decodificação de Hall

(leitura preferencial, leitura negociada e leitura de oposição). Schrøder (2000) afirma que o

modelo de Hall se mostra limitado para distinguir entre os níveis ideológicos subjetivos

(manifestados pelo sujeito) e objetivos (circulantes na sociedade). Assim a dimensão da

Posição estaria relacionada à atitude subjetiva de aceitação, negociação ou rejeição do texto

por parte do espectador. Schrøder (2000) ressalta que a atitude de aceitação não significa a

aceitação do posicionamento contido no significado preferencial, mas que o leitor concorda

com o que ele percebeu na mensagem do texto midiático. Para o autor, os leitores que aceitam

amplamente o posicionamento do texto quase sempre o fazem inconscientemente, já os que

respondem com rejeição tendem a estar conscientes das relações de poder inerentes à

comunicação.

A dimensão Avaliação diz respeito à relação, feita pelo pesquisador/analista, entre as

leituras e um determinado contexto político-ideológico mais amplo e "objetivamente"

identificado nas práticas sociais coletivas. Melhor dizendo, trata-se do pesquisador avaliar

qual é a posição política da leitura produzida pelo espectador, não em relação ao vídeo

diretamente, mas a um campo político-ideológico no qual estão inseridos espectadores e

também o vídeo. Assim, o continuum da dimensão da Avaliação se daria de um

posicionamento, de acordo com a ideologia dominante (hegemônica), passando pela

negociada, até o posicionamento da leitura de acordo com uma ideologia contestatória (ou de

oposição), como em Hall.

A dimensão Implementação trata de como as leituras produzidas a partir de um

determinado texto são levadas para a ação social, e se vertem em recurso para uma ação

política no cotidiano. Segundo Schrøder (2000), se uma leitura não é convertida em prática,

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essa leitura deve ser considerada como politicamente impotente. Entretanto é importante

destacar que podemos não perceber a implementação feita, se esperamos que ela seja feita por

meio dos meios tradicionais institucionalizados de ação/mobilização política. Neste ponto,

Schrøder (2000) afirma que é preciso compreender o comportamento cotidiano inerentemente

político, que segue cada conversa em que nos engajamos (seja com quem for, sobre qual tema

for) como parte do processo por meio do qual a vida social é constituída. Assim, a despeito de

posicionamento hegemônico ou de oposição, busca-se dimensionar de que forma e em que

sentido estas leituras são transformadas em atitudes. Schrøder (2000) ainda acrescenta que,

metodologicamente, a melhor maneira de explorar a discreta rotina da implementação das

leituras não é por meio de entrevistas de recepção, mas de uma abordagem etnográfica que

estude mais integralmente a simbiose da mídia como processo.

Assim temos que o Modelo Multidimensional se constitui numa importante ferramenta

de pesquisa de recepção midiática, uma vez que visa dar conta de aspectos subjetivos e

objetivos das leituras das audiências. Este modelo permite olhar para os espectadores desde

sua escolha por ler ou não um texto midiático, passando por sua compreensão do texto, seu

nível de consciência em relação às relações de poder presentes no evento comunicativo, seu

posicionamento em relação à mensagem, o papel que sua leitura desempenha num contexto

político mais amplo, até como as leituras produzidas são colocadas em prática. Na figura a

seguir apresentamos um esquema simplificado, do Modelo Multidimensional construído a

partir do Modelo Codificação/Decodificação.

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No esquema acima foram acrescentadas as dimensões de leitura e implicação no polo

da decodificação. Abdicou-se de incluir a representação dos diagramas das sub-culturas, que

representavam uma das propostas de Morley (1996). Compreendemos em Schrøder (2000)

que distinções entre culturas e subculturas já se expressam nos referenciais de conhecimento,

e têm aplicabilidade efetiva em duas dimensões de leitura (compreensão e posição), e

possivelmente na dimensão de implicação avaliação.

Em trabalho posterior, Schrøder (2007) apresenta um estudo de recepção conduzido

por ele, em que o Modelo Multidimensional é colocado em prática. É interessante notar que

neste estudo, diferentemente do sustentado anteriormente (Schrøder, 2000), o autor propõe

um estudo de recepção holístico, que consiste em estudar conjuntamente o polo emissor e

receptor da mensagem. Para essa abordagem holística, Schrøder (2007) vai buscar na Análise

de Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1995 apud SCHRØDER, 2007) a sustentação

teórica adequada de produção social de significado, na qual, segundo ele, as investigações de

discursos de mídia devem se embasar. Pois, segundo Schrøder (2007), os produtores e

receptores de mensagens de mídia carregam consigo repertórios comunicativos multifacetados

que são enraizados em suas histórias pessoais e nas histórias coletivas dos grupos sociais e

culturais aos quais pertencem. Diante disso, o autor afirma que um analista deve estudar três

dimensões sociais do discurso e suas inter-relações: o texto, as práticas produtivas e

receptivas que envolvem o texto e o ambiente sociocultural que envolve, por sua vez, as

práticas produtivo-receptivas e o texto.

Figura 5. Dimensões da Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1995 apud SCHRØDER, 2007)

I see discourse practice as mediating between [. . .] text and sociocultural practice, in the sense that the link between the sociocultural and the textual is an indirect one, made by way of discourse practice: properties of sociocultural practice shape texts, but by way of shaping the nature of the

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discourse practice, i.e. the ways in which texts are produced and consumed, which is realized in the features of texts (FAIRCLOUGH, 1995 apud SCHRØDER, 2007).

Schrøder (2007) afirma que os estudos de recepção têm se orientado para uma

exploração empírica da polissemia e dos descortinamentos das relações de poder entre o

conteúdo hegemônico das mensagens de mídia e as resistências das audiências. Segundo o

autor, esta orientação tradicional tem originado estudos de recepção compartimentalizados.

Diante disto, o autor propõe uma abordagem holística dos estudos de recepção a fim de

proporcionar uma visão mais equilibrada das relações interdiscursivas de poder. Assim,

Schrøder (2007) executa seus estudos em três etapas: texto, prática discursiva, prática social.

O estudo do texto é realizado por meio da análise da mensagem pelo pesquisador,

caracterizando os conteúdos e recursos estéticos utilizados e não utilizados, buscando gerar

hipóteses. Na segunda etapa, o pesquisador deu foco às práticas discursivas de emissor e

receptor da mensagem. Assim, entrevistou os produtores da mensagem e uma amostra de

espectadores, em que buscou identificar as intenções dos produtores na construção da

mensagem e as leituras dos espectadores (de acordo com as dimensões de leituras do Modelo

Multidimensional). Na última etapa procedeu com o estudo das práticas sociais, nas quais

relacionou informações socioeconômicas e culturais dos receptores com as leituras

efetivamente feitas. Ou seja, a exemplo de Morley (1996) relacionou as leituras com um mapa

cultural da audiência.

Isto retoma, em parte, o apontado por Morley (1996) acerca da necessidade da

caracterização da subcultura na qual se insere a audiência, mas não como se houvesse duas

subculturas diferentes, a do emissor e do receptor, mas um campo complexo de subculturas

que precisam se mapeadas para serem distinguidas, sejam estas quantas forem. Por esse

motivo optamos apenas por inserir em nossos esquemas o diagrama das dimensões analíticas

da Análise Crítica do Discurso de Fairclough (apud SCHRØDER, 2007). E assim não

"localizar" cada sub-cultura, dada a complexidade das audiências, mas analisar emissão e

recepção dentro destas diferentes dimensões de interações sociais.

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2.5 REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA

Diante do apresentado, esta pesquisa é concebida tendo em vista a natureza didático-

educativa dos vídeos, que lhes conferem de certa maneira um objetivo mais específico de

proporcionar o desenvolvimento de conhecimentos, sentimentos e atitudes específicas num

contexto de uma disciplina. Diante disso, é imprescindível considerar o evento comunicativo

em sua integral complexidade. Para tanto, este trabalho se alicerçou principalmente nos

conceitos de significado preferencial, leitura preferencial, mapa cultural, endereçamento, e

em quatro das seis dimensões do modelo multidimensional (compreensão, discriminação,

posição e avaliação).

Considerando a distinção e a demarcação feita por Schrøder (2000) a partir de Hall

(2000) e Morley (1996), trabalhamos com os conceitos de significado preferencial e leitura

preferencial. Por significado preferencial entendemos os significados que os produtores

buscaram privilegiar na mensagem, na tentativa de controlar em alguma medida as leituras

dos espectadores. Entendemos por leitura preferencial a leitura predominantemente feita pela

audiência em estudo. Assim, para pesquisar o significado preferencial o estudo focao polo da

codificação, mais especificamente no texto, e para pesquisar a leitura preferencial, o polo da

decodificação, nas leituras efetivamente feitas.

Ao se aceitar que os produtores possam estruturar as textos a fim de poder preferir um

significado a outro, é preciso que também se considere a quem esse texto se dirige. Pensar na

tentativa de fixação de um significado leva, quase que diretamente, a pensar em quem

receberá a mensagem, e assim buscar antecipar suas reações para que este espectador se

aproxime o máximo possível da leitura esperada. Morley (1996) e Ellsworth (2001) trabalham

com conceitos próximos, destinação e modo de endereçamento, respectivamente. A principal

diferença entre os dois é que, mais do que Morley (1996), Ellsworth (2001) confere ao sujeito

um papel mais ativo em relação às tentativa de clausura de significados empreendidas pelos

produtores dos textos midiáticos. Ellsworth (2001), diante da constatação de que os

produtores quase sempre “erram o alvo” de seu endereçamento, entende que o espectador

pode fazer ajustes que o permitem "assumir um papel" e assistir ao filme de um ponto de vista

que não necessariamente é o seu, do qual ele poderá produzir sentidos a partir da leitura do

filme.

Para o estudo do polo receptor/decodificador, trabalhamos com entendimento da

comunicação como um processo de circulação de sentidos, como apontam Hall (2000) e

Morley (1996) (produção/reprodução de significados e marcos culturais de significação), no

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âmbito da abordagem do Modelo Multidimensional de Schrøder (2000). Acreditamos que

Schrøder (2000, 2007) elabora um pouco mais as determinações ideológicas das leituras e as

interações socioculturais, apontadas em Hall/Morley, e permite uma visão holística e

complexa do evento comunicativo. Schrøder (2007) complexifica principalmente o polo da

recepção por meio da distinção das diferentes dimensões de leituras, além de prever em seu

modelo a dimensão das implicações das leituras produzidas. Assim, trabalhamos

principalmente com as três dimensões de leitura (compreensão, discriminação, posição) e

uma dimensão de implicação (avaliação). Optamos por não analisar neste trabalho a

dimensão de motivação e a dimensão da implementação. A primeira por não termos

encontrado meios seguros de inferir sobre ela, posto que os vídeos pesquisados foram

escolhidos por nós e exibidos no contexto de uma disciplina específica. Já a implementação,

não analisamos por entender que, como afirma Schrøder (2000), para dar conta da "discreta

rotina de implementação", precisaríamos de uma maior quantidade de tempo para melhor

desenvolver o método da observação etnográfica e sistemática, de que esta pesquisa não

dispõe.

Procedemos com a pesquisa sob o entendimento da comunicação audiovisual como

um circuito de produção e reprodução de sentidos, marcada por relações de poder que buscam

privilegiar leituras, ainda que não as determine, e que, logicamente, está inserida na realidade

sociocultural multifacetada e complexa. Para tanto propomos um estudo holístico que

considere os diferentes processos complexos por meio dos quais emissores e receptores

produzem sentidos.

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3 A PSICOLOGIA MÉDICA

É diante da demanda pela formação de médicos que realizem um atendimento mais

humanizado, pautado por um saber que integre as dimensões biológicas, psicológicas e

sociais, que a disciplina Psicologia Médica passa a compor o currículo médico. Esta disciplina

tem por objetivo o estudo das relações humanas no contexto da prática médica, com especial

atenção às relações médico-paciente (RMP). Ela se volta tanto para o cuidado dos pacientes,

como para a formação integral dos médicos. Ela busca a promoção da compreensão do

homem como um complexo biopsicossocial, uma prática médica mais humana e integral.

Assim, a Psicologia Médica tem papel importante na formação médica. Ela se dedica

diretamente às RMP e se volta para a integração do ensino com a prática, permitindo o

desenvolvimento de conhecimentos biomédicos e psicossociais, sob uma abordagem crítica,

ética e humanística das RMP.

3.1 AS TRANSFORMAÇÕES NA FORMAÇÃO MÉDICA

Historicamente, a formação médica passa por transformações ideológicas, que

provocaram mudanças no currículo médico. Inicialmente de caráter predominantemente

empírico, o ensino médico, motivado pelo grande avanço da ciência, passa a uma formação

com ênfase racionalista, cientificista e objetivista, que se volta para o organismo, para a parte,

e não para o homem em sua concepção mais ampla e integrada. Segundo Santos e Westphal

(1999), é motivado por pressões da sociedade insatisfeita com o serviço médico de ênfase

biomédica e individualista, que se inicia uma busca pela formação de médicos, que além de

conhecimentos biomédicos, não estejam alheios às necessidades da população, e que levem

em conta as condições subjetivas da existência do paciente. Assim, busca-se constituir um

modelo de formação médica que contemple tanto aspectos psicossociais e coletivos, quanto

biomédicos. Esta disputa ainda ocorre nos dias atuais, em que há uma busca por equilíbrio na

quantidade de tempo dedicado às disciplinas de "humanidades" e "biomédicas", bem como a

sua integração.

3.1.1 A formação médica tradicional

Diante do avanço das ciências médicas no início do século XX, o Relatório Flexner

(1910) é uma das respostas da academia à necessidade de reorganização e regulação da

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formação médica naquela época. Volta-se o foco da formação médica para a atividade

curativa, constituída sob a concepção biologicista de saúde como ausência de doença. De

caráter predominantemente cientificista, as medidas preconizadas e implantadas a partir do

Relatório Flexner permitiram um grande avanço no conhecimento e nas tecnologias

biomédicas. Segundo Santos e Westphal (1999), o Relatório Flexner resultou num paradigma4

que marca definitivamente as estruturas curriculares dos cursos de medicina (no ocidente),

consolidando-se com os progressos alcançados no ensino, na pesquisa e na prática médica.

Os currículos médicos, sob esta influência, passam a se caracterizar pela ênfase nos

conhecimentos especializados, pelo incentivo à aprendizagem da prática médica nos hospitais

de ensino e pelo impulso às pesquisas (LAMPERT, 1999). A formação médica tradicional

ocorre dentro deste paradigma. De acordo com Santos e Westphal (1999), o seu elemento

primordial é o curativismo, pois, ao se entender a saúde como ausência da doença, o

diagnóstico e a terapêutica ganham maior relevância no processo. Este paradigma também é

constituído por uma visão biologicista (doença e cura ocorriam exclusivamente no nível

biológico do homem) e mecanicista de unicausalidade das doenças, segundo a qual toda causa

atuando no corpo tem um efeito, a doença, e esta por sua vez tem apenas uma causa, uma

causa biológica. Neste sentido, a formação médica está voltada para causas biológicas

(agentes patógenos) na determinação da doença (LAMPERT, 2004). Ou seja, possui ênfase

nas ações biomédicas diagnósticas e curativas, trata principalmente do diagnóstico e

tratamento, com foco na doença, apresentando o conhecimento fragmentado em disciplinas

(especialidades).

De acordo com Lampert (2004), a prática pedagógica da formação médica tradicional

tem sua estrutura curricular fracionada em ciclo básico e profissionalizante e disciplinas

fragmentadas. O seu processo de ensino-aprendizagem é centrado no professor, com aulas

expositivas e demonstrativas, com ênfase na memorização de conteúdos, raciocínio clínico e

habilidades selecionadas. Estas aulas geralmente são dirigidas para um grande grupo de

alunos. Já o eixo prático da formação conta com atividades no hospital secundário e terciário

com enfoque nas doenças graves. Segundo a mesma autora, o aluno tem seu lugar como

observador e executa algumas atividades selecionadas, restritas ao âmbito das especialidades,

o que por sua vez resulta em uma visão fragmentada do paciente, além de vê-lo destacado de

seu contexto ambiental/social.

4Paradigma segundo Khun (1975 apud SANTOS e WESTPHAL, 1999), é o conjunto de elementos culturais, conhecimentos e códigos teóricos, técnicos ou metodológicos compartilhados pelos membros de uma comunidade científica. É esse compartilhar que distingue o conhecimento científico da crença ou do senso comum (SANTOS e WESTPHAL, 1999).

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Dessa forma, na formação médica tradicional os médicos são preparados para tratar de

doenças e não de pessoas. Formam-se cientistas, especialistas, que têm sua atenção voltada

para os agentes causadores das doenças e seu esforço central é o combate a estas causas, ou

seja, o esforço voltado para a cura, com visão fragmentada e mecanicista do homem, o que,

por sua vez, leva a um distanciamento entre médico e paciente. Consequentemente, esta

prática tende a não valorizar o homem enquanto um complexo biopsicossocial.

É importante ressaltar que, segundo Almeida et al (2007), apesar de estar

epistemologicamente superado, na prática, este paradigma ainda exerce influência

determinante e predominante nos currículos de grande parte das escolas médicas brasileiras

(ALMEIDA et al, 2007).

3.1.2 A mudança de paradigmas na formação médica

Segundo Santos e Westphal (1999), no transcorrer do século XX, com a melhoria das

condições gerais de vida, o desenvolvimento da epidemiologia e da imunologia, entre outros,

há uma redução da morbi-mortalidade, uma diminuição da importância das doenças

transmissíveis e o consequente aumento das denominadas degenerativas. Entre outros

aspectos, a doença deixou de ser entendida como causada por um agente patógeno, e passa a

ser entendida como resultado de exposição a fatores de risco presentes em todo o meio físico

e social. Esta mudança de concepção, o maior controle dos efeitos de agentes patógenos e o

"aparecimento" de novas enfermidades explicitam a insuficiência do modelo médico vigente,

marcado pelo mecanicismo, biologicismo e unicausalidade. Por outro lado, como mostra

Pagliosa e Da Ros (2008), o descompromisso das políticas de saúde com a realidade e as

necessidades da população, e em decorrência disto a formação de médicos alheios às

necessidades da população, resultam em pressões sociais e em críticas recorrentes ao setor da

saúde (a partir de 1960), dando forma a uma “crise médica”.

Para Santos e Westphal (1999), em resposta à insuficiência do modelo e às pressões

sociais, começa a ser construído um novo paradigma de saúde e, consequentemente, novas

questões passam a nortear a formação médica. Para além de práticas curativistas e

preventivistas, a saúde de um indivíduo, de um grupo de indivíduos ou de uma comunidade

depende também de coisas que o homem criou e faz, das interações dos grupos sociais, das

políticas adotadas pelo governo, inclusive dos próprios mecanismos de atenção à doença, do

ensino da medicina, da enfermagem, da educação, das intervenções sobre o meio ambiente.

Começa assim a tomar forma o novo paradigma, o Paradigma da Produção Social da Saúde.

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Segundo os autores, a saúde não pode mais ser concebida como ausência de doença. Deve

significar também a possibilidade de atuar, de produzir a sua própria saúde, quer mediante

cuidados tradicionalmente conhecidos, quer por ações que influenciem o seu meio. Estas

ações são mobilizações políticas para a redução de desigualdades, educação, cooperação inter-

setorial e participação da sociedade civil nas decisões que afetam sua existência, ou seja, o

exercício da cidadania.

PERIM et al (2009) reforça esta postura e afirma ser essencial que a formação

profissional em saúde, além das questões educacionais, responda prioritariamente aos

problemas e às necessidades de saúde da população. Isto significa romper efetivamente com o

modelo hegemônico do Paradigma Flexneriano. Neste sentido, no Brasil, a aprovação das

Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Medicina representa um

importante passo na construção da mudança paradigmática da educação médica brasileira.

Para Lampert (1999),

No Brasil a VIII Conferência Nacional de Saúde (1987), o movimento da Reforma Sanitária, a Constituição Brasileira (1988), e mais recentemente, a homologação das Diretrizes Curriculares (ME/CNE, 2001) dão uma sequência da consolidação, em leis e decretos, do encaminhamento para as mudanças nas ações de saúde e na formação de recursos humanos com preparação adequada para prestar uma assistência de qualidade em saúde, com abordagem integral, interdisciplinar, multiprofissional e equitativa.

Assim, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação na área da

saúde compõem parte da mudança num contexto maior no sistema de saúde, e se constituem

como mudança paradigmática do processo de educação superior, de um modelo flexneriano,

biomédico e curativo para outro, orientado pelo binômio saúde-doença em seus diferentes

níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, na

perspectiva da integralidade da assistência. De acordo com Stella (apud PERIM et al., 2010),

passa-se de uma dimensão individual para uma dimensão coletiva; de currículos rígidos,

compostos por disciplinas cada vez mais fragmentadas, com priorização de atividades

teóricas, para currículos flexíveis, modulares, dirigidos para a aquisição de um perfil e

respectivas competências profissionais, os quais exigem modernas metodologias de

aprendizagem, habilidades e atitudes, além de múltiplos cenários de ensino. Neste sentido,

segundo Perim (2010), as diretrizes apontam um novo caminho para a formação do médico,

prevendo, entre outras questões, a integração de conteúdos e o desenvolvimento de

competências e habilidades, valendo-se de metodologias ativas de ensino. Prevê também a

integração entre ensino, serviços de saúde e comunidade, aproximando o futuro médico da

realidade social. Mas vale ressaltar que, acima de tudo, preconiza a formação de profissionais

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com autonomia e discernimento para atuar na garantia da integralidade da atenção, além da

qualidade e da humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades.

De acordo com Santos e Westphal (2004), a formação médica, nessa perspectiva, deve

ter por objetivo abordar o conhecimento de forma integrada, e para isso conta com uma

estrutura curricular com atividades integradas em disciplinas, com o processo ensino-

aprendizagem centrado no aluno. Este deve ser protagonista na construção do próprio

conhecimento e ser avaliado por seu desempenho na prática clínica e social, de acordo com os

conhecimentos, habilidades e atitudes construídas no processo educativo. Já a formação

prática, de acordo com os autores, se dá na rede do sistema de saúde em graus crescentes de

complexidade, supervisionada por docente e voltada para as necessidades de saúde

prevalentes da população da região geográfica onde ocorre o processo educativo. As

atividades práticas cobrem vários programas e serviços de forma integral (adulto, materno-

infantil, medicina do trabalho, urgências, etc.).

Assim, nesse paradigma e de acordo com as DCN, deve haver uma busca por

construir, de forma integrada, conhecimentos nas áreas biomédicas, de condições de saúde,

dos aspectos sócio-econômicos, do campo de atenção básica e de gestão do Sistema Único de

Saúde visando gerar informações para a melhoria da prática em saúde. Também busca

abordar a relação entre prestadores e usuários dos serviços de saúde com análise crítica e

orientação de aspectos éticos e humanísticos. Desta forma, espera-se proporcionar aos

estudantes de medicina a efetiva formação generalista, humanista, crítica e reflexiva,

capacitando-os a atuar, pautados em princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus

diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à

saúde, na perspectiva da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso

com a cidadania, como promotores da saúde integral do ser humano.

3.1.3 A humanização da relação médico-paciente

Pontos chaves na formação médica dentro do proposto pelas DCN, aspectos éticos e

humanísticos, integralidade, necessidade da participação dos pacientes nos processos de

promoção da saúde e a ênfase na atenção primária apontam para a importância de se refletir

sobre aspectos da RMP. Estes mesmos pontos chave não são privilegiados na vigência do

paradigma flexneriano e acabavam por formar médicos que não valorizam o homem como um

complexo biopsicossocial. Deste modo, este tipo de formação médica beneficia uma visão

fragmentada e mecanicista do homem, resultando num distanciamento médico-paciente.

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Segundo Fernandes (1993), a prática da Atenção Primária à Saúde tem como elemento

constitutivo básico a direta interligação das queixas trazidas pelo paciente com suas condições

de existência, seu sentir-se mal com a vida. Desta forma, pensar o paciente apenas em suas

características biomédicas mostra-se ineficaz para satisfazer qualitativamente parte da

demanda. Ou seja, o raciocínio estritamente biomédico é frequentemente insuficiente para dar

conta do sofrimento apresentado ao médico, cujas causalidades predominantes, na maioria das

vezes, encontram-se em outros campos da vida, isto é, nos campos social, emocional,

ambiental, etc. (FERNANDES, 1993).

Blank (2006) afirma que a relação entre o profissional de saúde e o usuário deve se dar

por parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania. Fortes (2004) afirma que

humanizar na atenção à saúde é entender cada pessoa em sua singularidade, levando em conta

seus valores e vivências como únicos, criando condições para que tenha maiores

possibilidades para exercer sua vontade de forma autônoma.

Objeto de políticas públicas e constituinte do esforço central da mudança de

paradigma nos serviços e formação dos profissionais da área de saúde, a humanização do

atendimento tem seu espaço no currículo das escolas de medicina. A disciplina Psicologia

Médica é um exemplo de espaço para formação humanística e integral do egresso da escola

médica.

A Psicologia Médica se constitui como uma das estratégias da academia para formar

para a RMP. De acordo com Muniz e Chazan (1992), a Psicologia Médica objetiva

centralmente o estudo das relações humanas no contexto médico. Esta disciplina tem sua

atenção voltada para a prática médica e sua integração com o ensino, como questão

indispensável no contexto da formação médica, e por isso pode oferecer uma contribuição

imprescindível para a construção de um pensamento biopsicossocial na educação médica.

3.2 O PAPEL DA PSICOLOGIA MÉDICA NA FORMAÇÃO MÉDICA

3.2.1 As origens

Souza (2001a) relata que Freud, em 1915, fala do abismo entre as operações de

conhecimento entre a medicina e a psicanálise, respectivamente, "o ver" e "o escutar". A

questão do ver estaria relacionada à primazia da formação de raciocínio "objetivante" na

formação médica tradicional, do "aprender a ver sintomas", à custa da subutilização dos

outros sentidos, e em contraponto à natureza subjetiva do "escutar", sem o qual nada acontece

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na psicanálise. Segundo a autora, isto não só representa um modo diferente de conhecer, mas

também é uma questão relativa ao valor de verdade que se confere ao conhecimento, e

denuncia um preconceito em relação à cura pelas palavras na formação médica tradicional,

ignorando a palavra como meio de mútuo afeto e influência entre os homens. Isto tem como

consequência direta a desvalorização das dimensões subjetivas do paciente durante a atenção

clínica e uma comunicação insuficiente na RMP.

Souza (2001a) considera ainda que a questão das relações entre doença, pessoa doente,

médico e ordem social ganha destaque no século XX. Segundo a autora, na década de 1920,

emerge o discurso médico antropológico (na Alemanha), a partir do qual a enfermidade está

internamente relacionada à história do paciente. Assim a patologia, além de biologicamente,

"é compreendida como experiência na temporalidade de uma existência". Na década de 1930,

surge a Medicina Psicossomática que se restringe a postular causalidades psíquicas às

enfermidades, sem se preocupar com sua dimensão social. Assim, nessas décadas, as

enfermidades, além das causas biológicas, passam também a ser entendidas segundo suas

causas psíquicas e sociais, fazendo da medicina um campo de interdisciplinaridade.

Na década de 1950, segundo Souza (2001a), motivado por demandas sociais pela

melhoria da formação médica para lidar com doentes funcionais, Michael Balint busca meios

de aplicar a teoria psicanalista no campo dinâmico da RMP. Balint (1975) propõem refletir

sobre "a droga mais utilizada na clínica geral", ou seja, o próprio médico, e também afirma

que não é "suficiente levar em conta apenas a evolução da doença, mas o paciente como um

todo nessa relação clínica com o seu médico". Partindo disso, Balint postula a medicina da

pessoa total.

Na segunda metade da década de 1950, a Organização Mundial da Saúde define saúde

positivamente, não apenas como ausência de doença, mas como estado completo de bem-estar

físico, mental e social, e que também é construído por indivíduos, socialmente (SOUZA,

2001a). É neste momento que o bem-estar social e a felicidade humana começam a figurar

entre as concepções de saúde. A partir disso, a psiquiatria passa a incorporar e transformar o

discurso psicanalítico, configurando-se para a medicina como um "dispositivo de inter-

relações", com um valor de humanização da prática médica em geral (SOUZA, 2001a). A

psiquiatria, assim, passa a instituir um discurso sobre a RMP. Foi somente a partir dessa

incorporação que foi possível a efetiva articulação do saber psicanalítico com o pensamento

médico (SOUZA, 2001a).

Souza (2001a) destaca que, na Faculdade de Medicina da UFRJ, o ensino da RMP é

feito na disciplina Psicologia Médica, que foi introduzida no currículo da instituição pelo

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professor Danilo Perestrello, nos anos 1950. Mais adiante nos concentraremos em caracterizar

a disciplina Psicologia Médica na Faculdade de Medicina da UFRJ.

3.2.2 A Psicologia Médica na formação médica

A Psicologia Médica tem papel importante na formação médica por acrescentar a

dimensão psicológica na RMP, e por voltar-se para a integração do ensino com a prática

(CAPRARA e FRANCO, 1999; MUNIZ e CHAZAN, 2010). Estas apontavam para uma

formação que abarcasse, de forma integrada, conhecimentos nas áreas biomédicas e

psicossociais, por meio de uma abordagem crítica e de orientações éticas e humanísticas das

RMP (CORTOPASSI et al, 2006). Assim, compete a esta disciplina promover a compreensão

do homem como um complexo biopsicossocial, primando por uma prática médica mais

humana e integral, como meio de buscar superar o modelo vigente, exclusivamente

biomédico, por outro de parâmetros humanistas (ARAGAKI e SPINK, 2009; MUNIZ e

CHAZAN, 2010; GUEDES, 2003).

Agaraki e Spink (2009) afirmam que a disciplina Psicologia Médica é o espaço de

aprendizado e reflexão a respeito da relação entre o médico e seus pacientes, além de ser um

lugar para se lidar e cuidar das diversas experiências suscitadas nos alunos durante o curso de

graduação. Para Souza (2001b), os conteúdos oferecidos pela disciplina Psicologia Médica

necessitam ser suscitados pela experiência prática da incompletude do modelo biomédico, e é

exatamente a partir da problematização da prática médica que se abre o espaço necessário

para discussão das práticas as quais a Psicologia Médica pretende transformar. Neste sentido,

a disciplina tem sua atenção voltada para a prática médica e sua integração com o ensino,

como questão indispensável no contexto da formação médica.

Para Cruz (2004 apud ARAGAKI e SPINK, 2009), é por meio da disciplina

Psicologia Médica (e correlatas) que se espera formar um médico consciente, ético, promotor

das transformações sociais, que alie competência técnica a uma visão humanitária,

enxergando ao paciente por meio e além dos sintomas. Deste modo, a disciplina tem um

caráter contra-hegemônico em relação à formação médica tradicional, e se volta tanto para o

cuidado dos pacientes, como para a formação integral dos médicos.

Assim, temos que a busca por tomada de consciência para o campo dinâmico e

complexo das relações inerentes à prática médica, especialmente nas RMP, a compreensão

das dimensões subjetivas e históricas da vida do paciente, este como um todo biopsicossocial,

são alguns dos objetivos centrais da disciplina Psicologia Médica. Por meio desta disciplina,

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busca-se promover a ascensão do pensar biopsicossocial que seja complementar ao pensar

estritamente biológico, sensibilizando os futuros médicos para a complexidade do campo de

sua atuação, para as determinantes sociais de sua atividade, e para a importância do

atendimento humanizado e integral de seus pacientes.

3.2.3 O papel da Psicologia Médica nas graduações em medicina

Diante da relevância da Psicologia Médica no currículo de graduação médica,

buscamos investigar sobre o papel desempenhado pela disciplina nas graduações em medicina

de acordo com as produções científicas na área de ensino médico. Para isso, foi feito um

levantamento dos trabalhos publicados na Revista Brasileira de Educação Médica (RBEM).

Foram triadas edições da RBEM disponíveis na base Scielo5, (do ano de 2000 até 2010), num

total de 35 números publicados. Destes, selecionamos apenas os artigos que tinham o termo

"Psicologia Médica" como palavra-chave, o que totalizou nove artigos. Destes, selecionamos

apenas as publicações dos últimos cinco anos, por ser neste período em que houve a maior

frequência. Assim, com a exclusão do artigo publicado em 2002, restaram oito artigos. Os

artigos selecionados foram ordenados por ano de publicação, e nestes buscamos: identificar

qual conceito de Psicologia Médica sustentava o trabalho; o tipo de pesquisa de que tratava o

trabalho; como a Psicologia Médica é inserida no currículo; e segundo essas características,

que papel a disciplina ocupa na formação médica.

Vale ressaltar que a RBEM foi selecionada por ser esta a publicação em âmbito

nacional que se dedica mais especificamente a assuntos relacionados à formação médica. Isto

foi comprovado pela incidência bem menor da palavra-chave pesquisada, em outras revistas

indexadas da área. O quadro a seguir apresenta os oito trabalhos encontrados.

Quadro 1: Títulos e autores dos trabalhos encontrados

5http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0100-5502

Título do trabalho Autor

Percepção de pacientes sobre a internação em um hospital

universitário: implicações para o ensino médico.

CORTOPASSI et al, 2006

Do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial: um projeto de

educação permanente.

DE MARCO, 2006

A angústia na formação do estudante de medicina. QUINTANA et al, 2008

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O quadro seguinte mostra que a maioria dos trabalhos selecionados foca em estudantes

de medicina, e um deles também se volta para a atividade dos professores. Isto localiza a

maioria dos trabalhos no contexto de ensino-aprendizagem. Há também a ocorrência de dois

estudos que voltam suas atenções para as práticas de profissionais, e um outro que apresenta

as vantagens que um instrumento clínico pode trazer para a Psicologia Médica.

Quadro 2: Trabalhos e tipos de pesquisa apresentadas

Artigo Tipo de pesquisa

CORTOPASSI et al, 2006 Pesquisa com pacientes

DE MARCO, 2006 Pesquisa com estudantes e profissionais

QUINTANA et al, 2008 Pesquisa com estudantes

MUNIZ e EISENSTEIN, 2009 Caracterização de Instrumento clínico

DE MARCO et al, 2009 Pesquisa com estudantes e professores

SILVA et al, 2009 Pesquisa com estudantes

LUCCHESE et al, 2009 Pesquisa com estudantes

CORDEIRO et al, 2010 Pesquisa com profissionais

Após leitura dos oito trabalhos selecionados, notamos que em todos a Psicologia

Médica aparecia na formação médica como um campo de conhecimento em que se integra a

dimensão psicossocial à biológica. Entretanto, identificamos que em quatro artigos

(CORDEIRO et al, 2010; QUINTANA et al, 2008; LUCCHESE et al, 2009; CORTOPASSI

Genograma: informações sobre família na (in)formação médica. MUNIZe EISENSTEIN,

2009

Semiologia integrada: uma experiência curricular de aproximação

antecipada e integrada à prática médica.

DE MARCO et al, 2009

Atitudes frente a fontes de tensão do curso médico: um estudo

exploratório com alunos do segundo e do sexto ano.

SILVA et al, 2009

Transferências na formação médica. LUCCHESE et al, 2009

Questões da clínica ginecológica que motivam a procura de educação

médica complementar: um estudo qualitativo.

CORDEIRO et al, 2010

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et al, 2006) a Psicologia Médica é tratada como um saber que compõe a formação médica,

que é imprescindível, mas que não tem uma localização específica, nem um papel

determinado na formação médica. Destes quatro artigos, destaca-se o trabalho de Quintana et

al (2008), que problematiza bem a questão da formação psicológica na formação médica.

Quintana et al (2008) reforça o coro de críticas ao modelo de formação médica

estritamente biomédico. Este autor busca com seu estudo, identificar os fatores geradores de

angústia entre os estudantes de medicina. Assim, centra seu trabalho nas transformações

sofridas pelo estudante de medicina ao longo do curso, e afirma que este é formado

cognitivamente em diversas áreas biomédicas, e que é menosprezada sua formação

emocional. Este fato, por sua vez, dá origem a médicos que têm dificuldades de se relacionar

com o ser humano que espera por seus cuidados. Segundo o autor, a negligência aos aspectos

emocionais da formação médica, o contato com a dor, com o sofrimento e com a morte

produzem stress e angústia. Buscando sobreviver a isto, o estudante constrói, ao longo do

curso, uma barreira afetiva (disfarçada de objetividade) que, por sua vez, resulta na formação

de um médico indiferente ao sofrimento de seus pacientes. O autor aponta que parte das

causas destes fatores produtores de angústias está na dissociação entre a formação prática e a

formação teórica.

Caracterizaremos, a seguir, os outros quatro trabalhos (SILVA et al, 2009; DE

MARCO et al, 2009; MUNIZ e EISENSTEIN, 2009; DE MARCO, 2006) em que é dado

maior foco à Psicologia Médica, ainda que não se detenham somente nesta disciplina.

De Marco (2006) descreve propostas e aplicações de atividades na Unifesp

(Universidade Federal de São Paulo) que têm por fim viabilizar, junto ao eixo teórico da

disciplina Psicologia Médica, a implantação de um modelo de atenção biopsicossocial na

formação médica. Estas atividades consistem em estratégias que buscam aproximar, logo no

primeiro ano de curso, os estudantes à pratica médica. Esta aproximação se dá por meio de

observação e de entrevistas a pacientes e profissionais de saúde participantes do ambiente de

estudo. Estas observações e entrevistas, que são entendidas pelo autor como uma forma de

"contato reflexivo", são acompanhadas de orientação de professores e seguidas de momentos

para reflexão em grupo. Assim, a formação teórica proporcionada pela disciplina Psicologia

Médica vai sendo gradualmente complementada e aplicada no contexto de atuação médica.

O estudo de Muniz (2009) também parte da crítica à formação estritamente biomédica

e apresenta o genograma. Este é um instrumento construído a partir das narrativas dos

pacientes, configurando-se como um mapeamento das relações socioculturais e ambientais

destes sujeitos. Além de uma visão mais ampla do ser humano, este instrumento possibilita

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um entendimento mais complexo dos processos de saúde-doença. Este genograma é bastante

semelhante ao cronograma familiar apresentado por Muniz e Chazan (2010), uma espécie de

mapa genético da história de vida do paciente e de seus familiares. Para Muniz (2009), apesar

da ciência médica ser um entroncamento de ciências biológicas e humanas, o modelo

biopsicossocial de saúde-doença é amplamente abordado no âmbito teórico da educação

médica, e esquecido no ensino da prática médica.

De Marco et al (2009), partindo da concepção da disciplina Psicologia Médica como

uma estratégia geralmente isolada no currículo médico, apresenta um projeto da Unifesp e

suas observações preliminares, como uma resposta a esta situação. Este projeto tem por

objetivo permitir a maior integração entre as formações teórica e prática em medicina, por

meio da introdução no currículo médico da disciplina Semiologia Integrada. Esta disciplina,

em linhas gerais, busca a aplicação da teoria da Psicologia Médica durante a prática do exame

médico. Assim, após as anamneses são realizados grupos de discussão que contam com a

presença de alunos e de professores (de Psicologia Médica e das diferentes áreas de

semiologia). Esta nova disciplina tem por objetivo capacitar os estudantes teórica e

praticamente para percepção do ser e do adoecer em sua realidade biopsicossocial.

Silva et al (2009), sob uma concepção biopsicossocial da formação médica como meio

de proporcionar uma visão integral do ser e do adoecimento, busca caracterizar as atitudes dos

estudantes frente às fontes de tensão do curso médico. O trabalho parte de resultados de

pesquisas que apontam a prevalência de casos de ansiedade, desgaste emocional e depressão

em estudantes de medicina em comparação ao número de ocorrências na população em geral.

Os autores localizam as causas destes casos em algumas características do curso médico,

como no desamparo do estudante, na dinâmica pedagógica do curso, na gestão do bem de

estudo, no contato com cadáveres, na falta de preparação para o contato com a intimidade

corporal e emocional dos pacientes, e na descoberta de que o médico não é onipotente. Assim,

estes autores afirmam que estas causas podem gerar crises adaptativas e ser prejudiciais à

saúde do estudante.

Como mostra o quadro a seguir, os artigos diferiram na inserção da Psicologia Médica

no currículo da formação médica. Metade dos trabalhos não localizou a Psicologia Médica no

currículo médico, dois apontam que a Psicologia Médica deve atravessar todo o currículo e

estar sempre aliada à prática médica, apenas uma localiza como sendo aliada à prática médica,

e um a insere no ciclo básico, de caráter teórico. De Marco et al (2009), apesar de caracterizar

a disciplina Psicologia Médica como sendo normalmente isolada no currículo médico, propõe

que ela atravesse toda a formação e que esteja sempre aliada à prática médica.

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Quadro 3: Caracterizações da inserção da Psicologia Médica no currículo médico.

Artigo Inserção no currículo médico

CORTOPASSI et al, 2006 Não localiza

DE MARCO, 2006 Atravessa todo o curso médico

QUINTANA et al, 2008 Não localiza

MUNIZ e EISENSTEIN, 2009 Aliado à prática médica

DE MARCO et al, 2009 Atravessa todo o curso médico aliado à prática médica

SILVA et al, 2009 No ciclo básico/teórico.

LUCCHESE et al, 2009 Não localiza

CORDEIRO et al, 2010 Não localiza

O papel da Psicologia Médica foi apontado por seis artigos como sendo preparar os

alunos para atuar na RMP pautados por um pensar biopsicossocial. Outros dois trabalhos

apontaram que o papel da Psicologia Médica é dar suporte aos alunos diante das tensões e

angústias do curso de medicina, como mostra o quadro a seguir.

Quadro 4: Papéis atribuídos a Psicologia Médica.

Artigo Papel atribuído à Psicologia Médica

CORTOPASSI et al, 2006 Preparar biopsicossocialmente para RPM

DE MARCO, 2006 Preparar biopsicossocialmente para RPM

QUINTANA et al, 2008 Auxilio aos alunos diante das tensões do curso

MUNIZ e EISENSTEIN, 2009 Preparar biopsicossocialmente para RMP

DE MARCO et al, 2009 Preparar biopsicossocialmente para RMP

SILVA et al, 2009 Auxilio aos alunos diante das tensões do curso

LUCCHESE et al, 2009 Preparar biopsicossocialmente para RMP

CORDEIRO et al, 2010 Preparar biopsicossocialmente para RMP

Assim, os resultados mostram que há maior frequência de produção de trabalhos nos

últimos cinco anos, sustentam-se sobre uma premissa da Psicologia Médica como um campo

de conhecimento da ciência médica que visa integrar aspectos biomédicos e psicossociais, são

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em sua maioria pesquisas centradas nos alunos, e buscam preparar os alunos para atuar na

RMP pautados por uma visão biopsicossocial.

Assim, pudemos perceber que os trabalhos caracterizam o papel preponderante da

Psicologia Médica como uma estratégia na formação dos alunos e profissionais que busca

orientar a RMP por valores, humanidades e saberes biopsicossociais, que vem ganhando

crescente atenção das produções científicas na área. Entretanto, ainda não se tem claro em que

momento deve ser inserida esta disciplina no currículo médico.

3.3 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA PSICOLOGIA MÉDICA NA

UFRJ E DOS VÍDEOS UTILIZADOS NESSA DISCIPLINA

O levantamento das informações que expomos a seguir foi feito a partir de entrevista

com a Professora Alicia Navarro, das leituras dos programas da disciplina, e da leitura de

artigos e de outros documentos.

No Brasil, a UFRJ foi pioneira na área de pesquisa e ensino das RMP. Segundo

Eksterman (2010), foi no Serviço de Clínica Médica do Hospital Geral da Santa Casa do Rio

de Janeiro (1ª Cátedra de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do

Brasil), dirigido por Clementino Fraga Filho, que Danilo Perestrello é autorizado a fundar em

1958, acompanhado por Abram Eksterman, a "Divisão de Medicina Psicossomática". Em

1965, Perestrello e Eksterman se unem e formam o Centro de Medicina Psicossomática e

Psicologia Médica do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.

Em 1978, é inaugurado o Hospital Universitário da UFRJ, que recebe todas as clínicas

antes divididas nas três sedes da universidade. O nomeado Serviço de Psicologia Médica

alberga as clínicas advindas do Hospital Geral da Santa Casa do Rio de Janeiro. Perestrello se

preparava para fazer o concurso para professor titular da cadeira de Psicologia Médica,

quando é vítima de um acidente vascular cerebral, e é impedido de participar da seleção. O

Professor Adolfo Hoirisch, que era professor do Departamento de Psiquiatria, é aprovado no

concurso para professor titular de Psicologia Médica, e é ele quem inaugura o Hospital

Universitário.

Abram Eksterman, psicanalista, colaborador de Perestrello, leva adiante o seu

trabalho, e elabora o modelo de prontuário utilizado até os dias de hoje no Hospital

Universitário. Este modelo, chamado História da Pessoa, é fundamentado na obra "Medicina

da pessoa" de Danilo Perestrello. Segundo Eksterman (1975),

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“História da Pessoa”, termo criado por mim para designar a investigação de: 1) a biografia do doente, como ele, doente, a conta, e não como os fatos teriam se passado na realidade cronológica. Importa no caso a realidade vivencial do doente. 2) as circunstâncias de vida dentro das quais adoeceu ou costuma adoecer; 3) aspectos importantes da relação médico-paciente.(...) Justificamos a “história da pessoa” com os seguintes postulados retirados de nossa experiência: 1) os dados biográficos tornam o doente uma pessoa para o médico e não apenas uma patologia. A vantagem é a individualização do caso clínico, com a consequente adaptação das medidas terapêuticas específicas para aquele doente; 2) o conhecimento das circunstâncias de vida nas quais sobreveio à enfermidade possibilita evitar revivescências das mesmas circunstâncias morbígenas no relacionamento clínico. A relação médico-paciente pode ser fonte de graves iatrogenias, algumas das quais induzidas pelo paciente, sem que o médico disso se aperceba; 3) a compreensão da relação médico-paciente permite uma aliança criteriosa e harmoniosa com o doente. O estudo da patologia “somática” leva ao que da terapêutica; o estudo da pessoa do doente e da relação médico-paciente leva ao em quem, para poder se chegar ao como da mesma terapêutica.

Em 1981, a estrutura da disciplina era iniciada por uma aula inaugural, na qual era

abordada a "evolução do pensamento médico". Posteriormente esta era seguida por três

unidades, que somavam 14 aulas. A primeira unidade se ocupava da questão "o paciente e o

médico". Nesta unidade eram trabalhados e desenvolvidos conceitos como: o inconsciente,

dinâmicas psíquicas, conflitos, somatização, "a história da pessoa", os limites da atividade

médica. O tema da segunda unidade era "A relação médico-paciente". Para isto, abordava a

relação estudante de medicina-paciente, as diversas formas de comunicação médico-paciente,

os limites do atendimento médico. Já a terceira unidade centrava-se na "Prática assistencial", e

desenvolvia os assuntos: atendimento no ambulatório e na emergência, os aspectos

psicossociais do atendimento, aspectos particulares do atendimento (atendimento a criança,

adolescente, ginecológico, urológico, geriátrico, cirúrgico, oncológico e psiquiátrico), o

processo clínico (do primeiro atendimento à alta). Estes temas eram em geral tratados por

meio de aulas expositivas, exibição de um vídeo, debates, grupos operativos e grupos

orientados por tarefas.

Cerca de 29 anos depois, após um longo processo de mudanças, a estrutura da

disciplina mudou um pouco, alguns novos temas emergiram, os vídeos passam a ser utilizados

com maior frequência, e a partir de 2007 as oficinas de dramatização teatral passam a fazer

parte das dinâmicas de ensino-aprendizagem da disciplina. A disciplina não se divide mais em

três grandes unidades, mas a maior parte dos temas ainda tem presença no programa das

aulas, junto a novas demandas. Na estrutura da disciplina são abordados os temas: a

Psicologia Médica no ensino e na assistência no HUCFF, o parecer médico psicológico e a

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relação paciente-equipe de saúde; a RMP e seus modelos no marco cultural; reações

psicológicas à doença e à internação; Introdução ao exame psíquico, síndromes psiquiátricas

no hospital geral; a doença e seu significado na cultura; assistência a criança: visão integrada;

assistência em casos de doença aguda – O atendimento a pacientes em unidades de

emergência, coronariana e CTI; Assistência em casos de doença crônica; Assistência à

Terceira idade; Assistência em caso de doença cirúrgica; Somatização – Atendimento a

pacientes com queixas difusas; Morte e assistência em casos de doença terminal; Difíceis

decisões: situações limites na prática médica.

Na análise dos programas das disciplinas também nos chamou a atenção o crescimento

do uso de vídeos, ao longo das transformações passadas pela disciplina na Faculdade de

Medicina, ao longo destes 29 anos. A disciplina, que inicialmente contou com um vídeo em

1981, nos anos de 1996, 2000, 2001, 2002 chega a contar com cinco vídeos por semestre, e

em 2010 foram utilizados dois vídeos por semestre. O primeiro vídeo a ser inserido nos

programas (daqueles que conseguimos ter acesso), exibido em 1982, é intitulado “Encontro

Clínico”. Este vídeo pertencente ao acervo do NUTES, foi escrito pelo professor Eksterman e

produzido pelo Setor de Produção Audiovisual do NUTES/UFRJ nos anos 1970.

Nos quadros abaixo, relacionamos os títulos dos vídeos utilizados em cada ano e

semestre da disciplina e uma contagem da frequência de utilização destes vídeos.

Quadro 5: Vídeos utilizados na disciplina Psicologia Médica por ano letivo.

ANO 1º SEMESTRE 2º SEMESTRE OBS.:

1978 Apenas leitura de bibliografia Apenas leitura de bibliografia

1979 “demonstração por vídeotape” Programa não encontrado É relatado o uso de um vídeo, mas não especificado o título.

1981 Exibição de vídeo-tape Programa não encontrado

1982 Programa não encontrado Encontro Clínico

1983 Encontro Clínico "dramatização" Os alunos dramatizam as questões a serem abordadas

1984 Tec. de anamnese Tec. de anamnese

Adolescência

A professora Alicia acredita que este vídeo seja o Encontro Clínico.

1985 Adolescência Johnny vai à guerra O professor Sergio informou que o

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Adolescência

“VT americano”6

nome deste VT americano provavelmente seja "Nodal Point"

1986 Técnica de anamnese

Adolescência

La Luna

Johnny vai à guerra

Técnica de anamnese

La Luna

Johnny vai à guerra

1987 Encontro clínico

Adolescência

La Luna

Johnny vai à guerra

Programa não encontrado

1990 “Anemia falciforme”7

Adolescência

Johnny vai guerra

Encontro Clínico

Meu nome é ninguém

“O menino na creche”8

Adolescência

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

1991 Encontro Clínico

Meu nome é ninguém

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Encontro Clínico

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Meu nome é ninguém

Adolescência é considerado datado por conta de sua estética, e sai do programa.

1992 Encontro Clínico

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Meu nome é ninguém

Encontro Clínico

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Meu nome é ninguém

1993 Encontro Clínico

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Meu nome é ninguém

Encontro Clínico

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

1994 Encontro Clínico

“John and Jane”

Adolescência

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Encontro Clínico

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

1995 Encontro Clínico

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Programa não encontrado

1996 Encontro Clínico

Meu nome é ninguém

Meu nome é ninguém

Encontro Clínico

6A pedido da turma. 7 Encontro Clínico. 8John and Jane – ClínicaTavistock.

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Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

1998 “John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Meu nome é ninguém

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

1999 Meu nome é ninguém

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Meu nome é ninguém

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

2000 Meu nome é ninguém

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Meu nome é ninguém

Lição de Anatomia

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

2001 Meu nome é ninguém

Lição de Anatomia

“John and Jane”

Câncer: o fundamental é a vida

Johnny vai à guerra

Meu nome é ninguém

Um golpe do destino

Câncer: o fundamental é a vida

2002 Encontro Clínico

Meu nome é ninguém

Um golpe do destino

Câncer: o fundamental é a vida

Wit

Encontro Clínico

Meu nome é ninguém

Mancha de Batom

Um golpe do destino

Câncer: o fundamental é a vida

Wit

2003 “Filme”(?)9

Câncer: o fundamental é a vida

Mancha de Batom

Câncer: o fundamental é a vida

2004 Um golpe do destino

Câncer: o fundamental é a vida

Wit

2005 Mancha de Batom

Um golpe do destino

Câncer: o fundamental é a vida

Um golpe do destino

Câncer: o fundamental é a vida

2007 Um golpe do destino

Wit

Teatro: Sem nome para fazer rir

2009 Um golpe do destino

Wit

Teatro: Sem nome para fazer rir

2010 Um golpe do destino

Wit

Teatro: Sem nome para fazer rir

9 Segundo a Professora Alicia, talvez seja o filme “Um golpe do destino”.

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Quadro 6: Contagem da utilização de cada título por semestre

Vídeo Utilizações /por semestre

Encontro Clínico 16 (+5)10

Adolescência 1

Johnny vai à guerra 24

Nodal Point 1

La Luna 3

Meu nome é ninguém 17

John and Jane 18

Câncer: o fundamental é a vida 27

Lição de Anatomia 2

Um golpe do destino 10 (+1)

Wit 6

Mancha de Batom 3

Estes vídeos foram usados ao longo da história da disciplina, relacionados com

diferentes temas. Alguns se sucedem, substituem e em outros momentos chegam a aparecer

juntos. Por exemplo, o vídeo “Câncer: o fundamental é a vida”, foi utilizado na disciplina de

Psicologia Médica, relacionado com o tema Atendimento a Adultos, posteriormente passou

para Atendimento a terceira idade, depois a Pacientes Crônicos, e por fim a Pacientes

terminais. No quadro a seguir relacionamos o título do vídeo ao tema em que ele se insere na

dinâmica da disciplina.

Quadro 7: Vídeos e temas de utilização nas aulas de Psicologia Médica

Vídeo Temas

Encontro Clínico Técnicas de Anamnese

RMP

Papel da Psicologia Médica no Hospital Geral

illness x disease

Adolescência Atendimento a adolescentes

Johnny vai à guerra Limites do atendimento médico

Atendimentos a pacientes terminais e a sua família

Médico frente a morte.

Nodal Point --

La Luna Atendimento a adolescentes

Meu nome é ninguém Dimensão psicossocial da assistência RMP

Equipe de Saúde, Sistema de Saúde.

10 Cinco vídeos “Técnica de anamnese” que a professora Alicia acreditou ser o Encontro Clínico.

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John and Jane Atendimento a crianças

Câncer: o fundamental é a vida Atendimento a adultos

Atendimento a idosos

Pacientes terminais

Pacientes crônicos

Lição de Anatomia RMP

A "formação do Profissional de Medicina"

Um golpe do destino O médico como paciente

Wit Adoecimento

Mancha de Batom Sexualidade

Pudemos perceber que, de 1975 até os dias atuais, ocorreu uma substituição dos vídeos

educativos por filmes advindos da indústria cinematográfica. Estes são na maioria dramas, e

fica claro nesta escolha uma evidente intenção de promover a experienciação de conflitos, na

expectativa que estes gerem debates profícuos no que concerne à formação médica para o

atendimento. Aparentemente, trocou-se o “dirigismo” do vídeo educativo mais tradicional,

pela experienciação, livre fruição da diegese do filme, em que, por meio da alteridade ou

empatia com os o personagens, os espectadores podem vivenciar outras "realidades" e

experiências no universo ficcional. Para Souriau (1954), diegese se trata de um conjunto de

acontecimentos narrados numa determinada dimensão espaço-temporal, construindo uma

realidade própria da narrativa (um mundo ficcional), à parte da realidade externa de quem lê.

Ou seja, é a realidade interna da obra, como criada pelo autor, e independente da realidade

não ficcional do "mundo real". Nesse sentido, deixam de serem utilizados como meio de

"transporte" de conteúdos didaticamente organizados, para servirem de suporte para vivências

de outros espaços-tempos, outras vidas. Seria possível assim, que o espectador vivenciasse as

experiências pelas quais passa o médico, personagem do filme Johnny vai a guerra, que

subitamente passa a ser paciente e sente toda frieza da RMP a ele despendida.

Diante de um breve levantamento do campo da Psicologia Médica, de sua

contextualização na formação médica e da caracterização da disciplina no contexto de sua

ocorrência na Faculdade de Medicina da UFRJ, chegamos ao entendimento que, de maneira

geral, a Psicologia Médica é um campo ainda em ativa disputa. Isto tem como consequência

uma variedade de abordagens e estratégias de ensino entre as diferentes escolas de medicina

do país. Apesar de ainda não ser um campo "consensualmente" estabelecido, a baixa produção

na área pode nos levar a crer que este é um campo em plena construção e estabelecimento.

A disciplina, no contexto da Faculdade de Medicina da UFRJ, faz jus à sua herança

histórica de pioneirismo no estudo e prática da RMP, pela busca por novos meios de

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possibilitarem "vivências", experiências formadoras de estudantes de medicina. Neste sentido,

as atividades relacionadas ao audiovisual se mostram como um solo fértil para a reflexão,

produção de conhecimentos no âmbito da atividade médica.

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4 MATERIAIS E MÉTODOS

4.1 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO

Para a presente pesquisa selecionamos, do acervo audiovisual do LVE-NUTES, um

vídeo de sensibilização da série temática Psicologia Médica, dos quatro indexados com essas

características. No quadro a seguir estão listados os títulos dos quatro vídeos.

Quadro 8: Títulos dos vídeos da modalidade sensibilização da série temática Psicologia Médica.

Título Ano Série temática

Encontro clínico. 1976 Psicologia Médica

Mesa redonda: relação médico-paciente.

1977 Psicologia Médica

Aspectos não convencionais do atendimento médico

1978 Psicologia Médica

Lição de Anatomia 1999 Psicologia Médica

Exceto o vídeo "Mesa redonda: relação médico-paciente", que é um documentário,

todos são ficções escritas por professores em conjunto com a equipe técnica do NUTES. Os

vídeos "Encontro Clínico" e "Aspectos não convencionais do atendimento médico" forma são

de autoria do professor Abram Eksterman. Chamou-nos especial atenção o último vídeo

produzido nessa série temática, o "Lição de Anatomia", por ser o mais recente, ter sido

concebido a partir de um projeto que demandou uma confluência de forças dentro da

universidade (e também de fora), o que gerou uma relativa expectativa positiva, mas esteve

presente por apenas um semestre no programa de Psicologia Médica da Faculdade de

Medicina da UFRJ, instituição que de certa maneira havia “encomendado” o vídeo. Por este

motivo optamos por centrar os estudo nesse vídeo.

No estudo da produção, a análise fílmica do vídeo não se centrou na análise da

linguagem ou análise estética. Tendo em vista os objetivos da pesquisa, optamos por

privilegiar o estudo da narrativa, na busca da caracterização de um significado preferencial e

de um endereçamento.

O contexto da pesquisa é o ensino da disciplina Psicologia Médica do Curso de

Medicina da Faculdade de Medicina (FM) na UFRJ.

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Os sujeitos pesquisados foram: dois professores produtores de vídeos educativos, oito

professores da disciplina Psicologia Médica e nove alunos de uma turma dessa disciplina.

Assim, os dois professores produtores dos vídeos foram entrevistados. Enquanto os oito

professores de Psicologia Médica e os nove alunos da disciplina participaram do estudo de

recepção (exibição do vídeo, aplicação de questionários e grupo de discussão).

Compreendemos que estes sujeitos estão situados historicamente e imersos em macro

e micro relações de poder, estas que influenciam (são determinantes e determinadas) as

leituras produzidas. No entanto, para garantir que o estudo fosse executado nos limites

temporais de uma pesquisa de mestrado, optamos por não aprofundar as análises a essas

dimensões e relações de poder, nem como estas influenciam as linguagens e os modos de

expressão. Por esse motivo a análise foi voltada apenas aos sentidos manifestos por esses

sujeitos espectadores.

A pesquisa ocorreu durante o segundo, terceiro e quarto trimestre de 2011. As

atividades de coleta e análise de dados da pesquisa estão sendo acompanhadas pelo Comitê de

Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da UFRJ.

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77

4.2 JUSTIFICATIVA

Estudos apontam as vantagens dos usos de recursos audiovisuais educativos, mostram

suas possibilidades, ressaltam seu poder educativo, e afirmam ainda haver um grande

potencial dos vídeos a serem aplicados à educação (WORTH, 1979). Entretanto, boa parte dos

estudos que se voltam à produção e aos usos de vídeos para finalidades educacionais são

sustentados por pressupostos que dificilmente são postos a prova como objetos de estudo.

Ainda, por mais que os professores e autores escolham pelo uso, ou decidam pela produção de

um vídeo de uma determinada forma, estes objetivos somente serão alcançados mediante a

aceitação dos alunos na leitura dos filmes. Os estudos de recepção midiática têm a oferecer a

aproximação de uma compreensão complexa do processo comunicativo, em que se

consideram os papéis dos autores, meios, espectadores e contextos na constituição dos

sentidos dos vídeos, de forma a colocar em novas bases os pressupostos inicialmente

admitidos.

O acervo audiovisual do LVE-NUTES conta com diversas obras produzidas com

objetivos educativos. Algumas destas obras, ao longo da história, tiveram maior ou menor

aceitação de professores, alunos e instituições. O estudo holístico de produção e recepção

dessas obras certamente contribuirá não só para melhor compreender os motivos de aceitação

e resistência, como permitirá melhor caracterizar os usos feitos destes vídeos em contextos

educativos, ancorados na compreensão da dinâmica e nas intenções de produção da obra.

Além dos vídeos da série temática Psicologia Médica, essa disciplina historicamente

contou em suas dinâmicas de ensino-aprendizagem com vídeos de outras coleções, e faz uso

de tipos variados de filmes até hoje. Essa disciplina se configura como uma imprescindível

estratégia de formação para de profissionais que desenvolvam uma RMP mais humana.

Diante do uso recorrente, da importância conferida por professores a esse "método" de ensino,

e do considerável propósito da disciplina para a formação médica, destaca-se a relevância de

melhor compreender o papel desses vídeos na formação médica.

Assim, a fim de se aproximar mais de um conhecimento que fundamente novas

produções de vídeos educativos, é importante buscar se aproximar da compreensão sobre

como os alunos/espectadores produzem sentido na leitura de vídeos educativos, como se

motivam a assisti-los, como se posicionam diante deles e como são abordados por eles.

Compreender esta circulação de sentido e conhecimento contribuirá para o melhor

entendimento das dinâmicas comunicativas que envolvem professores, autores e estudantes

como produtores dos sentidos dos vídeos exibidos na sala de aula. E de maneira mais

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específica, como ocorrem estas dinâmicas no contexto da Psicologia Médica, e como os

vídeos do acervo audiovisual do LVE-NUTES podem atuar nessa dinâmica.

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79

4.3 OBJETIVOS Objetivo Geral

Descrever e analisar a produção e a recepção de um vídeo da série de Psicologia

Médica, integrante do acervo do NUTES, buscando compreender que sentidos professores e

estudantes produzem a respeito desse vídeo e como esses sujeitos compreendem, reconhecem

e significam as intenções presentes no vídeo.

Objetivos Específicos

1) Analisar a construção do vídeo selecionado, buscando identificar as intenções que dão

lhe forma;

2) Identificar os significados e leituras preferenciais e os modos de endereçamento

pretendidos pelos produtores do vídeo pesquisados e compará-los com as leituras

efetivamente produzidas pelos alunos;

3) Descrever e analisar as posições de leitura adotadas por professores e alunos da

Faculdade de Medicina da UFRJ, nas dimensões de compreensão, discriminação,

posição e avaliação do modelo multidimensional de análise de recepção de Hall/

Schrøder.

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80

4.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos da pesquisa foram os seguintes. Primeiramente,

analisamos a obra audiovisual, buscando compreender as significações possíveis apresentadas

nela. Em seguida, a partir das hipóteses construídas por meio do mapeamento de significados

possíveis, entrevistamos os autores do vídeo com o objetivo de saber qual era a intenção de

significados para o vídeo, a quem ele foi endereçado, além de caracterizarmos o contexto de

produção da mensagem. Cruzamos os dados obtidos da análise fílmica com os dados gerados

nas entrevistas e análise do contexto de produção. Finalmente, por meio do estudo de

recepção, identificamos quais foram os sentidos produzidos pelos leitores/espectadores do

vídeo no contexto da disciplina. Ao final, buscamos responder a questão desta pesquisa por

meio da comparação entre os sentidos expressos na linguagem do vídeo, as leituras esperadas

pelos autores da obra e o sentido construído pelos leitores.

Diante disso, optamos por estruturar os procedimentos metodológicos em três etapas.

São elas: Estudo do Vídeo, Estudo da Produção, Estudo da Recepção. A seguir, abordaremos

as técnicas utilizadas em cada uma destas três etapas.

4.4.1 Estudo da produção.

Nesta parte dos procedimentos metodológicos foi feita análise da linguagem fílmica

do vídeo selecionado, Lição de anatomia, bem como a análise do contexto de produção.

Esperamos com estes procedimentos identificar as intenções dos produtores do vídeo e

caracterizar o uso da linguagem fílmica na construção de uma leitura preferencial e de um

modo de endereçamento. Para o estudo da obra, utilizamos a Análise Fílmica Francesa e

Semiótica Social. Para estudar o contexto, entrevistamos os produtores e analisamos

documentos relacionados a produção da obra, todos estes analisados segundo a análise de

conteúdo temática (BARDIN, 2008).

Para VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ (1994), uma análise fílmica não pode centrar-se

apenas no texto audiovisual. Ela deverá também ser feita a serviço de um projeto, levar em

conta o contexto no qual a obra foi produzida e buscar identificar as influências destes na

composição do texto. Analisar um filme é desconstruí-lo em suas partes, em seguida

reconstruí-lo e buscar a compreensão do todo da obra a partir da síntese das partes.

Um desejo de compreender melhor, que requer uma desconstrução artificial (“quebrar o brinquedo”) para observar os diversos mecanismos (“ver como

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funciona”) com a esperança, talvez ilusória, de uma reconstrução interpretativa mais bem fundamentada (JOLY, 2001)

Segundo Vanoye e Goliot-Lété (1994) analisar um filme é também situá-lo num

contexto, numa história. E, se consideramos o cinema como arte, é situar o filme numa

história das formas fílmicas. Assim, torna-se imprescindível buscar caracterizar o contexto de

produção do vídeo. Neste sentido, em nossa análise, é importante não somente olhar para o

texto, mas também olhar para as suas condições de produção e para o contexto de produção.

O todo do filme reconstituído, somado a informações levantadas sobre as condições de

produção, o contexto e o paratexto11, dão subsídios para melhor estimar uma Leitura

Preferencial. Foi utilizada a análise documental de textos produzidos pelos autores e pela

equipe de produção do vídeo, de modo a colaborar na caracterização do contexto de produção.

Estes documentos que tratam da temática do vídeo e de suas condições de produção, são

relatórios de produção, sinopses, artigos publicados, roteiros etc.

O contato com o produtor também é ponto importante de nosso procedimento

metodológico, pois além de ser fonte de informações que contribuirão na caracterização do

contexto de produção do vídeo, ele também nos pôde revelar outros pontos de vista sobre as

intenções que deram origem à mobilização dos recursos estéticos na construção de um

significado preferencial e de um endereçamento para o vídeo.

Nesse sentido, fizemos entrevistas semi-estruturadas com dois produtores do vídeo, a

fim de levantar informações sobre as intenções na produção das peças e os entendimentos da

problemática abordada no vídeo, e informação sobre o contexto de produção. Os roteiros

destas entrevistas foram orientados por questões levantadas pela análise fílmica do vídeo. As

entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas.

Para análise dos dados tanto das entrevistas, quanto dos documentos levantados, foi

utilizada a Análise de Conteúdo Temática como apresentado por (BARDIN, 2008). A análise

temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja

presença ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico

pretendido (BARDIN, 1979 apud MINAYO, 2009).

A princípio foram levantadas informações sobre a produção do vídeo buscando

identificar o ano de produção e nome dos autores, entre outras informações sobre o contexto

de produção, tais como cenários utilizados, atores, roteiros, storyboard, etc. Em um segundo

11

Segundo Odin (2005) informações exteriores à obra que indicam como a obra deve ser lida, tais como cartazes de divulgação, apresentação introdutória, material didático introdutório, etc.

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82

momento, se buscou estabelecer contato com os autores a fim de viabilizar a entrevista. Como

auxílio à preparação da entrevista, ou como complementos às informações obtidas com as

entrevistas, lançamos mão do estudo de documentos que carregassem informações sobre a

obra, sobre o autor, ou sobre o contexto de produção. Ao fim procedemos com a Análise de

Conteúdo Temática.

4.4.2 Estudo da recepção

Esta etapa consistiu em uma exibição experimental do vídeo selecionados, na

aplicação de questionários, observação e na realização de um grupo de discussão.

A exibição foi precedida do esclarecimento da natureza e objetivos da pesquisa e

posterior aplicação do TLCE, e também pela aplicação de questionário aberto que combinou

questões sobre informações do perfil sociocultural com informações sobre as concepções

prévias dos alunos relacionados a temas que serão tratados no vídeo, motivações e interesses

dos alunos sobre os temas a serem abordados. Segundo Schrøder et al (2003), o espectador é

caracterizado como um sujeito socializado em meio a inúmeros códigos e repertórios

interpretativos, adquiridos e desenvolvidos num contexto sociocultural determinado, este,

experienciado pelo espectador durante toda sua vida. Estes repertórios são socialmente

construídos. Diante disso, este questionário teve como objetivo fazer um levantamento

superficial dos repertórios comunicativos mobilizados nos hábitos de consumo de mídia no

cotidiano dos sujeitos pesquisados.

Durante a exibição também se atentou para possíveis ações e reações (como

comentários em voz alta, risos, recusa em ver o vídeo etc.) que pudessem identificar atitudes

de aprovação ou desaprovação/resistência.

Após a exibição do vídeo, foi realizado um grupo de discussão que buscou tratar de

temas abordados pelo vídeo. Esta dinâmica teve como finalidade possibilitar a identificação

dos sentidos produzidos pelos alunos. Para SchrØder et al (2003), a abordagem qualitativa nos

estudos de recepção consiste na busca pela verbalização de suas experiências pelos

espectadores. Neste sentido, o grupo de discussão se configurou como uma estratégia de

acesso às elaborações discursivas das experiências destes usuários com o vídeo em questão.

Entretanto, não se trata de um instrumento que possibilitaria uma escavação da experiência

mais pura do espectador, trata-se de um catalisador para ativar uma paleta de repertórios

discursivos relacionados com os sentidos produzidos a partir da experiência com o vídeo

exibido, coletivamente elaborada na discussão.

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83

Nos grupos de discussão, trabalhamos com a perspectiva de construção de consenso e

buscamos saturar um determinado assunto antes de passarmos a um novo tópico. Neste grupo

de discussão o roteiro não atuou como um limitador. Cuidamos para que o grupo de

discussão ocorresse de forma mais espontânea. Se o assunto previsto pelo roteiro não surgisse

de forma espontânea, buscaríamos primeiramente abordar este tópico quando um dos assuntos

relacionados fosse abordado na interação, ou quando fossem questionados diretamente sobre

o tópico determinado. Os momentos da exibição do vídeo e da ocorrência do grupo de

discussão foram gravados e as falas foram transcritas para posterior análise.

Foram realizados dois grupos de discussão, um apenas com professores e outro apenas

com estudantes. O primeiro contou com todos os professores responsáveis pela disciplina

Psicologia Médica na Faculdade de Medicina da UFRJ. Já o segundo grupo, foi composto por

metade de uma turma da disciplina, ou seja, 9 estudantes. A outra metade da turma participou

de outro estudo recepção que ocorre em paralelo ao presente estudo.

O roteiro do grupo de discussão atentou para questões que permitissem elucidar

aspectos relacionados às posições adotadas durante a leitura e relacionadas às dimensões do

modelo multidimensional de Schrøder (2000) e Hall (2003).

Assim, o primeiro questionário, além de coletar informações sobre o perfil

sociocultural dos espectadores, também permitiu mapear as concepções prévias que eles

tinham sobre a problemática abordada no vídeo. O segundo questionário e o grupo de

discussão buscaram elucidar as leituras produzidas nas dimensões: compreensão,

discriminação, posição e avaliação.

Para a análise dos dados dos questionários e do grupo de discussão, a exemplo da

análise das entrevistas, será utilizada a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2008) em suas

variações: Temática, Sequencial e de Enunciado. Para a autora A análise de conteúdo é uma

estratégia para se ir além das aparências dos eventos comunicativos, uma atitude de vigilância

crítica diante ilusão de transparência dos fatos sociais. É a manipulação de mensagem

(conteúdos e expressão desse conteúdo) para evidenciar indicadores que permitam inferir

sobre uma realidade outra que não a da mensagem. Ou seja, é uma busca de outras realidades

por meio da mensagem. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos que

devem ser configurados de acordo com os objetivos da análise. Segundo a autora,

A análise de conteúdo tenta compreender os jogadores e/ou o ambiente do jogo em um momento determinado. Contrariamente a linguística, que apenas se ocupa das formas e suas distribuições, a análise de conteúdo toma em consideração as significações (conteúdo), eventualmente sua forma e a distribuição destes conteúdos e formas (índices formais e análise de coocorrência).

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84

Schrøder (2003) propõe a utilização de um pluralismo metodológico para superar as

limitações da utilização de apenas um instrumento interpretativo no tratamento dos dados

levantados com a pesquisa qualitativa de recepção. Diante disso, propomos a integração de

três variáveis de análise de conteúdo: temática, sequencial e de enunciado. De acordo com

Bardin (2008), é possível se dedicar à interpretação da subjetividade em jogo na interpretação

dos dados sem abrir mão do poder de generalização. Assim para a presente pesquisa,

propomos identificar os temas, caracterizar quantitativa e qualitativamente suas ocorrências,

analisá-lo em relação ao enunciado que o comporta e, por fim, caracterizar o modo como se

estruturam estes enunciados na dinâmica de interação (da discussão) como um todo. Este

último ponto tem em vista compreender como a interação entre os diferentes sujeitos

construiu, de alguma forma, um sentido para aquele evento.

Na etapa final de análise, colocamos em diálogo as expectativas e intenções

produtores e receptores, buscando caracterizar a negociação de sentidos produzida na leitura

do texto audiovisual.

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4.4.3 Quadro de procedimentos metodológicos

Etapa Geração de dados Análise de dados

ESTUDO DA PRODUÇÃO

Estudo do Vídeo Análise fílmica francesa Análise fílmica francesa

Análise semiótica Análise semiótica

Estudo dos Produtores

Entrevistas Produtor 1 Análise de conteúdo

Entrevistas Produtor 2 Análise de conteúdo

Estudo do contexto de produção

Análise documental Análise de conteúdo

ESTUDO DA RECEPÇÃO

Com professores

Aplicação de questionário Análise de conteúdo

Exibição experimental do

vídeo Observação

Grupo de discussão Análise de conteúdo (temática, sequencial e de enunciados)

Com alunos

Aplicação de questionário Análise de conteúdo

Exibição experimental do

vídeo Observação

Grupo de discussão Análise de conteúdo (temática, sequencial e de enunciados)

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86

5 ANÁLISE DOS DADOS

5.1 A PRODUÇÃO

5.1.1 Análise fílmica

Optamos por dividir a análise que se segue em eixo sócio-histórico e eixo simbólico.

Vanoye e Goliot-Lété (1994) argumentam que esta divisão se mostra vantajosa por permitir

olhar para a obra inscrita em um determinado contexto sócio-histórico de produção cultural,

bem como tecer hipóteses sobre as intenções dos autores, expressos na linguagem utilizada

pelo filme, ainda que nada garanta que o espectador execute estas leituras esperadas.

Esperamos com esta análise levantar questões e hipóteses para serem abordadas em entrevista

com os produtores do vídeo e na análise de documentos relacionados à produção desta obra.

Eixo sócio-histórico (contextualização)

Na década de 1980, em meio a uma crise política e financeira interna, o NUTES passa

por uma mudança de paradigma, motivado pelas mudanças no contexto político e educacional

brasileiro, pela quebra de paradigma de educação em saúde e do modelo pedagógico que

orientavam suas produções na época (SIQUEIRA, 1998; REZENDE, 2009). Passa-se a uma

visão de educação e saúde norteada pelos princípios de equidade e transformação social, em

que os determinantes sociais, políticos e econômicos ganham papel central na busca do

entendimento da problemática educacional (SIQUEIRA, 1998).

A produção audiovisual acompanha esta mudança tanto no conteúdo como nas

escolhas estéticas. Passa-se de uma concepção educacional instrucional, descontextualizada

política e socialmente, a uma concepção educacional crítica. Os vídeos passam a ter como

objetivo principal a conscientização dos profissionais de saúde para o entendimento dos

determinantes de seu trabalho, seja no atendimento à população, seja como docente, e ao

mesmo tempo para o potencial nestas funções de transformar a realidade (SIQUEIRA, 1998;

REZENDE 2009).

Os vídeos passam a buscar problematizar a realidade deixando questões em aberto

para motivar discussões. Siqueira (1998) acrescenta que ganha papel central o homem, que

sofre determinações sociais múltiplas e influi em mudanças de uma realidade. Sob essa

perspectiva, o conceito de saúde/doença passa a ser entendido como resultante também dos

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determinantes sociais.

Cabe ainda assinalar que, segundo Siqueira (1998), antes mesmo dessa mudança de

paradigma, na segunda metade da década de 70, influenciadas por uma abordagem humanista

nos meios educacionais, algumas produções do NUTES já passavam a evidenciar o papel

ampliado do profissional de saúde, incluindo as questões do relacionamento no atendimento

em saúde. Estas produções passam a expressar uma preocupação da atenção médica com a

subjetividade do homem, buscando romper com a divisão estabelecida entre o físico e o

psicológico.

Parte da origem dessa influência humanista sobre os vídeos do NUTES advém da

mudança de paradigmas no contexto da formação médica. Segundo Lampert (2001), desde

meados da década de 1960, a formação do médico sofre pressões sociais que apontam para a

formação de um médico integral, generalista, preparado para servir a população, uma

formação técnica e humanista atrelada às necessidades da população. A autora ainda aponta

que o desafio desta formação está na desconstrução de currículos paralelos e ocultos na

formação médica. Estas propostas buscam, entre outros, a superação do modelo flexeneriano

de formação médica.

É no desenvolvimento deste contexto de discussão e busca por transformação do

modelo de formação médica, e de mudanças de modos e temáticas dos vídeos do NUTES, que

é produzido o vídeo Lição de Anatomia. Segundo Nova et al (2000), esta obra foi realizada a

partir dos resultados da pesquisa intitulada “O cadáver e a formação médica”, que buscou

identificar na formação médica as origens e os modos de produção desta orientação ideológica

biologicista que resulta em RMP frias e distantes. O vídeo, então, busca modificar a ideia em

circulação na época da produção do vídeo e da pesquisa (segunda metade da década de 1990)

da falência do modelo pedagógico/assistencial. Para Nova et al (2000), esta falência se

expressava, dentre outros aspectos, na frieza e no distanciamento que perpassava a prática

médica, apontando como causa a formação médica bastante limitada à transmissão de

conhecimentos sobre as doenças e à pouca preocupação com a formação de valores e atitudes

de reconhecimento das subjetividades (tanto do médico quanto do paciente).

Assim, o vídeo procura trazer esta discussão à tona, por meio da encenação de um

debate entre colegas formados na mesma turma de medicina. A narrativa faz uso de

flashbacks para apresentar a memória destes médicos sobre sua formação e possíveis

reflexões sobre as influências desta formação em suas vidas profissionais. Na encenação do

debate, dá formas à discussão do perfil de médico a ser formado, dos limites de sua atuação,

das influências de sua formação e da expressão dessas variantes e destes modelos na RMP.

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Eixo simbólico

SINOPSE

Um grupo de médicos, que se formou na turma de 1978, se reencontra num

restaurante. A conversa se desenrola animadamente até que a notícia da morte de um colega

provoca questionamentos que envolvem a prática médica. Discutem a formação médica, a

RMP, o despreparo do estudante e do profissional para lidar com a morte e as repercussões

disso em suas vidas.

CENÁRIO

Neste filme foram utilizados três cenários diferentes. São eles:

1. Restaurante – é o cenário nas cenas que se passam no presente da narrativa, onde os

personagens se reencontram, conversam e relembram. Este cenário atende a uma

concepção realista, sendo composto por mobiliários sofisticados (para a época de

produção), conferindo uma atmosfera de certo requinte, o que pode levar a crer que este

restaurante talvez fosse frequentado majoritariamente por pessoas de maior poder

aquisitivo;

2. Laboratório de Anatomia – é o cenário do primeiro flashback. Representa um laboratório

de anatomia de uma universidade, com um cadáver exposto em cima da mesa, onde

ocorreu a aula recordada pelos personagens;

3. Enfermaria – cenário do segundo flashback. Este é formado por dois leitos e aparelhagem

de monitoramento onde uma enfermeira cuida de um paciente ao fundo, enquanto os dois

acadêmicos debatem sobre que decisão tomar.

PERSONAGENS

A narrativa conta com seis personagens, e os caracteriza da seguinte forma:

1. Alfredo – Médico (sem especialidade definida pelo filme) que viveu por certo tempo fora

do Brasil e acaba de regressar para aceitar a proposta de ser professor de uma

universidade;

2. Eduardo – Médico (sem especialidade definida pelo filme), morto recentemente, aparece

apenas nos flashbacks. É lembrado como o melhor médico daquela turma de formandos e

por sua extrema frieza e objetividade na prática da medicina. No decorrer da narrativa é

criticado por sua postura profissional chegando a ser comparado a Mengele (Josef

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Mengele – médico alemão do nazismo, acusado de fazer experiências em cobaias

humanas);

3. Josias – Médico (sem especialidade definida pelo filme) dono de uma clínica médica e

casado com Maria;

4. Guilherme – Médico cirurgião plástico, dono de uma clínica de cirurgia plástica,

preocupado em maximizar sua competência técnica como médico, mas desvaloriza a

relação mais humanizada e mais próxima entre médico e paciente. Guilherme, apesar de

não concordar plenamente com a postura de Eduardo, o defende e assume ter a mesma

postura por causa dos limites impostos pelas condições da prática médica (falta de tempo,

saúde mental do médico...);

5. Maria – Médica (sem especialidade definida pelo filme) e casada com Josias;

6. Marta – Médica Psiquiatra que ressalta a importância da formação do médico mais

“humano” habilitado a desenvolver uma relação mais próxima entre médico e paciente. A

personagem Marta parece incorporar em sua fala o sentido que se deseja passar com este

filme, parece representar a voz do diretor/produtor/professor.

NARRATIVA

Para esta análise optou-se por dividir o filme em seis partes, referentes às seis

unidades narrativas. São estas:

1. Apresentação dos Personagens – Esta sequência é a primeira do filme, em que os

personagens são apresentados por meio de conversas, relatos e recordações. Após 10 anos,

os cinco médicos (com idades em torno de 44 anos), todos já estabelecidos na profissão,

se reencontram em um restaurante para comemorar o décimo aniversário de sua

formatura. A primeira cena consiste na aproximação da câmera à mesa, onde os

personagens Alfredo, Josias, Maria e Marta, estão a conversar. Estas conversas são

entremeadas por história contadas, relatos, que constroem aspectos psicológicos dos

personagens em relação à prática médica. Um ponto recorrente nos relatos dos

personagens é referirem-se aos pacientes, em geral, como ignorantes e complicadores da

atividade médica. Estas críticas aos pacientes são feitas em meio a risos, com exceção de

Marta, que é brevemente filmada em close com uma expressão de seriedade e

descontentamento, provavelmente pelo tom pejorativo com que os colegas se referem aos

pacientes;

2. Notícia da Morte – Chegada de Guilherme com a notícia da morte de Eduardo, colega de

faculdade. Entristecidos, são tomados por uma onda de recordações do finado amigo, e

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mediante a isto começam a tecer considerações sobre o comportamento dele. Uma das

recordações citadas é sobre a primeira vez em que se viram, durante uma aula de anatomia

na faculdade de medicina;

3. Aula de Anatomia – A narrativa faz uso de um flashback para apresentar a aula de

anatomia onde viram o colega pela primeira vez e do visível desconforto de Eduardo com

a presença de um cadáver. Esta cena é filmada em preto & branco com uma música

"angustiante" de fundo. Há um cadáver sobre a mesa, alunos assistindo à exposição da

professora que manuseia o corpo. Então é enquadrado Eduardo com a forte expressão de

incômodo;

4. “Profissional até demais” - Após voltar do flashback, os personagens continuam a

relembrar de suas experiências na aula de anatomia, e a refletir sobre as influências dessas

aulas em sua atual prática da medicina. Marta afirma que o processo iniciado na relação

com o cadáver, irá acompanhar os estudantes por toda a carreira médica, originando uma

RMP fria e distante, assim como ocorrera com o cadáver. No entanto, Guilherme discorda

e afirma que na vida dele, essas aulas em nada impactaram. A partir destes

questionamentos sobre as influências das aulas de anatomia e da postura de Eduardo como

médico, inicia-se uma discussão sobre o distanciamento na RMP. Os personagens

debatem brevemente alguns limites e possibilidades de uma RMP mais próxima. A

narrativa faz uso de mais um flashback para apresentar uma lembrança de Alfredo,

durante o internato, em que, em debate com Eduardo, defendia a importância de cuidar do

ser humano, e não da doença como propunha Eduardo. Diante disso, todos concordam que

é sempre muito difícil para um estudante de medicina lidar com a morte, diante da pouca

atenção dada pelo curso a este tema. Maria e Josias tentam culpar as condições precárias

do sistema de saúde por estas ocorrências, mas são rebatidos por Alfredo que afirma

ocorrer o mesmo em países de primeiro mundo. Marta prossegue argumentando pela

necessidade de se priorizar uma boa RMP. Guilherme ironicamente relaciona isso ao

excesso de especialização dos médicos, entretanto Alfredo confirma esta crença relatando

o esforço dos Estados Unidos em formar mais médicos generalistas. Marta relaciona o

excesso de especialização, a frieza e distanciamento do atendimento com os traumas não

superados e silenciados durante a formação médica, afirmando que isto ocorre mediante a

necessidade dos estudantes em "manterem-se seguros";

5. A Morte – Os médicos debatem e refletem sobre a dificuldade em lidar com a morte e a

relação de impotência originadas destas experiências, construindo um médico frio e

distante do paciente. Alfredo, Josias e Maria declaram ainda não se sentirem bem com

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este tipo de situação. Neste ponto Marta toma a palavra e questiona o porquê das coisas

terem de ser assim e dos médicos não poderem expressar suas angústias;

6. O debate - Diante do questionamento de Marta é iniciado um debate intenso entre

Guilherme e ela. Esta discussão gira em torno da abordagem humanística nas RMP e da

eficiência da abordagem mais objetivista e técnico-científica. Então o clima fica pesado e

os dois começam a trocar "ofensas". Maria interrompe a discussão e relata sua

preocupação com seu filho, estudante de medicina. Alfredo pergunta para Marta o que

seria então um bom profissional de medicina. A pergunta fica em aberto por conta da

interrupção de Josias, que comenta esperar nunca ser atendido por nenhum dos amigos ali

presentes. Após este comentário há um silêncio, em que os personagens ficam

constrangidos, e o vídeo termina.

5.1.2 Análise documental

Para esta análise levantamos nos arquivos do Laboratório de Vídeo Educativo, os

seguintes documentos gerados durante a produção do vídeo:

• Projeto Pedagógico do vídeo;

• Ata da 1ª reunião entre a professora Liana e o Professor João Leocádio;

• 9 versões de roteiros;

• Perfil dos personagens;

• Decupagem;

• Storyboard;

• Planilhas de material gravado;

• Planilhas de edição;

• Agenda de produção;

• Relatório de produção;

• Contrato e Currículo dos atores;

• Autorizações de uso da imagem;

• Contrato de gravação (multiplicação) dos vídeos;

• Relatórios de contabilidade e de prestação de contas;

• Cartas de contato com as universidades que receberam/requereram cópias do vídeo;

• Roteiro de discussão, questionários, dados cadastrais e relatórios de grupos focais.

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Após a leitura dos documentos acima elencados, selecionamos aqueles que continham

informações mais relevantes para serem mais cuidadosamente analisados. Deste modo,

trataremos a seguir das análises feitas das nove versões de roteiro, o perfil dos personagens, o

relatório da primeira reunião entre os professores responsáveis pelo vídeo e o projeto

pedagógico do vídeo. Estas análises têm a finalidade de elucidar questões relativas ao

endereçamento e ao significado preferencial do vídeo.

O PROJETO PEDAGÓGICO DO VÍDEO E A PRIMEIRA REUNIÃO

Identificamos no Projeto Pedagógico assinado pela Profª. Liana Albernaz de Melo

Bastos, anexo às documentações de produção do vídeo, os objetivos da proposta educativa à

qual o vídeo se destinava. O objetivo geral é "fornecer novos elementos para o entendimento

da crise do ensino e da prática médica, visando contribuir para sua melhoria". Os objetivos

específicos, de forma sucinta, propunham: estudar o impacto que o contato com o cadáver

promove nos estudantes do 1º período do curso de medicina, identificar as dificuldades

emocionais advindas deste contato, possibilitando aos estudantes a emergência discursiva

deste impacto, correlacionando-as com a ideologia médica de frieza e distanciamento do

paciente. A partir disso, objetivava também ressignificar o conteúdo discursivo gerado pelos

estudantes por meio de grupos de reflexão, introduzir, no ciclo básico da formação médica, a

discussão sobre o morrer e a morte e, então, propor atividade interdisciplinar regular entre a

Psicologia Médica e a Anatomia, a fim de integrar objetividade e subjetividade na formação

médica.

Neste ponto, a professora dá indícios de sua oposição à ideologia médica "de frieza e

distanciamento dos pacientes" e de sua posição a favor de uma formação médica mais integral

que permita aliar objetividade e subjetividade, por meio da integração das disciplinas

Psicologia Médica e Anatomia. Diante deste posicionamento, a professora propõe, a partir da

problematização promovida pelo vídeo, provocar a emergência discursiva dos impactos

provocados pelo contato "precoce" dos alunos de medicina com cadáveres, promover a

discussão e a reflexão sobre estes impactos na formação médica, no cotidiano de cada

estudante e em nível macro, a partir de uma contextualização ideológica.

O segundo documento analisado é o relatório da primeira reunião entre o produtor e

roteirista do vídeo, João Leocádio da Nova e a idealizadora e participante na construção do

roteiro do vídeo, Profª Liana Albernaz. Neste documento constam informações sobre os

primeiros acordos para a definição de roteiro e posterior avaliação da obra. Nesta primeira

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reunião foram discutidas as finalidades pedagógicas do vídeo em questão. Planejou-se que os

conteúdos deveriam ser extraídos de novas avaliações sobre as disciplinas12 as quais este

vídeo será recomendado. Foram identificados como público-alvo: estudantes do 1º ao 6º

período do Curso de Medicina (público-alvo prioritário) e professores do mesmo curso.

Determinaram-se como objetivos do vídeo "evidenciar o papel pedagógico da prática

anatômica, com o cadáver, para a formação da RMP", e "problematizar a RMP, abordando

seus limites e suas implicações". Definiu-se que o vídeo deveria ser utilizado na disciplina

Psicologia Médica e em seminários das disciplinas: Anatomia, Atenção integral à saúde,

Clínica Médica e Medicina Interna. Foi também acordado, neste encontro, que o texto final do

roteiro do vídeo seria enviado aos professores do Departamento de Psicologia Médica para

avaliações e contribuições.

A partir do relatório tratado acima, pôde-se ter indícios de quais seriam os

endereçamentos e os significados preferenciais projetados para o vídeo. O vídeo, segundo

esse documento, seria endereçado aos estudantes de medicina (até o 6º período) e esperava-se

que ele permitisse leituras que evidenciassem a influência da prática anatômica para a RMP, e

também que possibilitasse a problematização da prática da RMP.

PERFIL DOS PERSONAGENS

Na descrição dos perfis dos personagens foi possível perceber com maior clareza

aspectos sobre o passado da relação destes colegas, as motivações que os levaram à escolha

da medicina e a experiência vivida por eles durante o curso. São seis médicos (Josias, Maria,

Alfredo, Marta, Guilherme e Eduardo) formados na faculdade de Medicina da UFRJ, onde se

conheceram. Nos parágrafos a seguir descreveremos um pouco melhor estes personagens.

Josias e Maria começaram a namorar na faculdade, hoje têm dois filhos e sustentam

um casamento morno. Josias é ortopedista, tem temperamento calmo, tímido e brincalhão, e

seguiu sempre o planejamento traçado pelos pais sem contestar. Alfredo era seu melhor amigo

durante a faculdade. Na relação com Maria, é coadjuvante, limitando-se a adotar uma postura

de "crítico sarcástico". Maria é clinica geral, de personalidade forte, autoritária, escolheu a

medicina influenciada, em sua infância, pelo ambiente ambulatorial no qual viveu durante os

últimos meses de vida de seu irmão. O casal tem um filho que acaba de ingressar na

Faculdade de Medicina.

12 Além da Psicologia Médica, o vídeo também deveria ser utilizado nos seminários das disciplinas: Anatomia, AIS (Atenção Integral a Saúde), Clínica Médica (Propedêutica), Medicina Interna.

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Alfredo é pediatra e bon-vivant. Está de volta ao Brasil após cursar pós-graduação no

exterior, e organizou o jantar para rever os amigos. Durante o curso de medicina foi um aluno

brilhante e indisciplinado, que fez de Josias seu companheiro de arruaças, implicava com a

rigidez de Eduardo e Guilherme, com o autoritarismo de Maria e com a instabilidade

emocional de Marta, com quem chegou a namorar.

Marta é psiquiatra e passou a infância e adolescência no exterior por conta do exílio

político dos pais. Quando voltou ao país, sofreu para se re-adaptar e recorreu à terapia. Isto

acabou por influenciar sua escolha pela psiquiatria. A experiência na faculdade não foi o que

esperava e se apoiou no grupo de amigos para conseguir chegar até o fim.

Guilherme, cirurgião plástico, teve uma infância modesta e sempre ambicionou

estabilidade financeira e ascensão social. Conheceu o grande amigo Eduardo na faculdade, e

neste se espelhou. Eduardo era culto, sofisticado e elegante. Sérios e aplicados, Guilherme e

Eduardo eram alvos das zombarias dos colegas. Guilherme não tinha um bom relacionamento

com Alfredo, e espantava-se com o seu bom rendimento acadêmico, a despeito de sua

indisciplina.

Na análise destes perfis, nos chamaram a atenção o envolvimento afetivo passado de

Alfredo e Marta, as críticas mútuas entre Guilherme (e Eduardo) e Alfredo, as motivações

para a escolha da profissão de Guilherme e Marta, e a decepção de Marta em relação ao curso

de medicina. Talvez por conta desse envolvimento ocorrido no passado, Alfredo e Marta não

divergem durante o vídeo e acaba ocorrendo até um certo apoio mútuo. Isto dá mais força

para os significados esperados pelos autores do vídeo, presentes principalmente na fala dos

dois. A rixa entre Guilherme e Alfredo, apesar de não ter sido muito aproveitada no roteiro,

põe em questão a forma como estes personagens encaram a medicina e o posicionamento

deles na discussão proposta pelo vídeo como um todo. Enquanto as motivações, para escolha

pela medicina, de Guilherme são sociais e econômicas, as de Marta são de ordem pessoal. A

decepção de Marta em relação ao curso a fez ser bastante crítica a este modelo de formação

médica pelo qual ela passou, enquanto Guilherme, satisfeito pela ascensão socioeconômica

que a medicina lhe proporcionou, e apesar dos "traumas" vividos, defende este modelo de

formação.

O ROTEIRO

Até a elaboração do roteiro final, foram produzidas nove versões diferentes (a primeira

concluída no dia 12 de agosto de 1998 e a última já no dia 29 de setembro de 1998). Estas

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versões diferem principalmente quanto ao título, à presença e à ordem de algumas cenas, e

quanto a qual personagem enuncia os argumentos pretendidos com o vídeo. O primeiro passo

para a análise das diferentes versões de roteiro foi a ordenação dos roteiros por data de

produção13. O segundo passo consistiu na leitura comparativa destes roteiros.

O primeiro aspecto que nos chamou atenção foi a mudança do título da obra ao longo

das construções destas diferentes versões de roteiro. Inicialmente, "O Cadáver e a Formação

Médica", seguidos por "In Memorium", depois "In Memoriam", ainda "Medice cura ti ipsum!

– Médico cura a ti mesmo!", e por fim "Lição de Anatomia", além de outros nomes pensados,

rascunhados no verso de um roteiro14. Segundo Barthes (1990) e Foucault (1990), títulos e

legendas são formas de buscar fixar um significado para as imagens. Assim, entendemos que

estas mudanças de títulos poderiam nos permitir melhor identificar o(s) significado(s)

preferencial(is) da obra. Entretanto, observamos que estas mudanças faziam sentido de acordo

com mudanças na estrutura do roteiro, que agiam conjuntamente na construção do significado

preferencial. Portanto, nos parágrafos a seguir relataremos a análise da mudança dos títulos

sempre em relação às mudanças na estrutura do roteiro.

O primeiro roteiro produzido é datado de 12 de agosto de 1998 e foi intitulado "O

Cadáver e a Formação Médica". Neste texto os personagens têm idades entre 39 e 41 anos e

nota-se uma ênfase no status socioeconômico dos médicos expressada por meio da

preocupação com o cenário, com a indumentária dos médicos, com a desenvoltura dos

garçons e com as bebidas e comidas pedidas pelos personagens. O cenário deveria ser “de

requinte”, com os garçons "circulando elegantemente pelas mesas", e os personagens médicos

pedindo vinhos. Nesta primeira versão, no primeiro flashback é narrada a cena do desconforto

dos estudantes diante de sua primeira aula no "anatômico". O segundo flashback trata do

sofrimento de Alfredo diante da perda de seu primeiro paciente e da pouca sensibilidade de

Eduardo para os sofrimentos do amigo. As reflexões não se dão diretamente sobre a vida dos

personagens que discursam sobre o assunto, mas se detém apenas na crítica à frieza e

objetividade de Eduardo e na frase conclusiva "todos temos um pouco de Eduardo". Os

personagens parecem ter pontos de vista mais próximos, e as cenas mais parecem uma

colagem de falas. Não há um posicionamento claro dos personagens, eles apenas rememoram

um estereótipo de um médico pouco humanista, e fazem relações bastante vagas com suas

13 Nem todos os documentos contavam com a data de elaboração informada. Para tanto buscamos estabelecer a ordem daqueles que continham a data, e posteriormente, através da comparação da "evolução" de títulos e mudanças específicas no texto, conseguimos também ordenar os documentos sem data. 14 Além do título escolhido "Lição de Anatomia", foram sugeridos como títulos para a penúltima versão de roteiro: "Anatomia da Morte", "O Inesperado Regresso", "O Regresso Impiedoso", "A Dança das Cadeiras" e "Objeto Transicional".

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práticas médicas. O título parece expressar bem a linha geral que é adotada neste roteiro, em

que o foco parece ser mostrar o cadáver e o desconforto dos alunos, abordar as consequências

negativas deste encontro com o cadáver, e personificá-las na imagem de Eduardo.

A segunda, a terceira e a quarta versões do roteiro são bastante semelhantes. A terceira

versão foi construída a partir de uma "limpeza" de tempos fracos e excessos presentes na

segunda versão, o que aparentemente correspondeu à necessidade de uma maior dinamização

dos diálogos. Já as mudanças feitas da terceira para a quarta versão, foram apenas alterações

superficiais de palavras e expressões. As mudanças mais significativas ocorreram da primeira

versão para a segunda.

A primeira mudança notada refere-se ao título. Na segunda versão de roteiro, a peça

passa a ser intitulada "IN MEMORIUM" e nas duas versões seguintes parece ter sido

corrigida, mudando para "IN MEMORIAM". Esta é uma expressão latina, comumente

presente em lápides, que significa "em memória de", e parece ter o objetivo de deslocar a

ênfase do desconforto causado pelas aulas de anatomia para os dilemas vividos pelos

médicos/estudantes, destacando nestes dilemas as influências das aulas com os cadáveres. Ou

seja, é dada maior importância às consequências do desconforto causado pelas aulas de

anatomia, estas expressas nas rememorações acerca do amigo falecido.

Quanto ao caráter formal do vídeo, proposto pelo roteiro, podemos perceber que os

diálogos foram tratados de forma que adquirissem maior fluência, e com isso ganhassem mais

"naturalidade". Há também uma diminuição da representação do "glamour" e da "elegância"

relacionados aos médicos, o que antes parecia querer conferir-lhes um poder aquisitivo

privilegiado. Não há mais uma preocupação com a elegância do cenário, nem com a

desenvoltura dos garçons, e os personagens, ao invés de vinho, tomam cerveja e sucos. Outra

mudança percebida foi no início do diálogo. Quando o vídeo enquadra os personagens pela

primeira vez, uma animada conversa já está acontecendo. Nesta conversa são relatados casos

em que os pacientes dificultam o tratamento adequado, e assim ocorre uma culpabilização dos

pacientes, com o uso de expressões como: “Paciente tem cada uma", "Tem paciente que é

muito ignorante" e "O que estraga a medicina é o paciente".

O segundo flashback também é mudado. Se antes era tratada a dificuldade do médico

diante da perda do seu primeiro paciente, na segunda versão o segundo flashback prioriza a

abordagem das RMP. Nesta proposta de cena, Alfredo conta sobre um caso em que uma

paciente em estado terminal lhe pediu que ele não a deixasse sozinha, mas pressionado por

Eduardo, Alfredo teve de ir para aula e deixá-la. Alfredo relata seu remorso por saber que a

paciente morrera dias depois.

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Nesta segunda versão de roteiro, talvez a mudança mais importante percebida seja que,

apesar de Alfredo comparar Eduardo ao médico nazista Josef Mengele, as críticas a Eduardo

dão um pouco mais de espaço às "autocríticas" dos personagens presentes. Isso favorece o

enriquecimento da discussão por proporcionar um tom mais reflexivo ao debate: ao criticarem

Eduardo, os personagens também olham para as próprias vidas. Juntamente a isso, é possível

perceber que os produtores começam, ainda que timidamente, dar mais protagonismo a

Guilherme e Marta, e a polarizar, na voz destes dois personagens, o debate a cerca dos

paradigmas de formação médica. Guilherme personaliza mais o médico "cientista", formado

sob o paradigma flexeneriano, enquanto Marta incorpora mais a voz do paradigma

biopsicosocial, advogando por uma medicina mais humana, principalmente no que concerne

as RMP.

Na quinta versão de roteiro o protagonismo dos personagens Guilherme e Marta é

ainda maior. A oposição destes dois personagens deixa de ser "sugerida" e passa a ser

bastante clara, chegando a ponto destes personagens trocarem ofensas no calor do debate.

Com isto é acirrada a oposição entre os modelos de formação médica, personificados na voz

destes personagens. Seguindo esta linha, os produtores do vídeo começam a tornar mais claro

qual o seu posicionamento em relação a este debate, ou seja, o significado preferencial do

vídeo. O ponto de vista dos autores do vídeo começa a ser exposto por meio das falas de

Marta e Alfredo. Os dois personagens têm seus argumentos sempre apresentados de modo

mais sensato e fundamentado que os argumentos de Guilherme. Alfredo relata fatos e

resultados de estudos que sustentem sua argumentação, que se referem, em sua maioria, ao

sistema de saúde com um todo. Marta parece ser a voz da psicologia e sua argumentação

sempre fornece os argumentos e teorias para explicar os temas debatidos, de forma sensata e

racional. Em contraste, Guilherme é retratado como antagonista e sua fala parece ser

construída para valorizar essa posição, enquanto Marta adota uma postura mais racional e

chama Guilherme de “frio”, “angustiado”, “tenso” e “hipocondríaco” (e ele fica "confuso").

Guilherme é mais descontrolado e a chama de “maluca” e se vale de comentário machista

para dizer que ela “está precisando arrumar um namorado". Este posicionamento dos autores,

na construção de um significado preferencial, é acentuado quando, próximo ao fim do vídeo,

um personagem/figurante que está na mesa vizinha aos médicos se levanta para deixar o

restaurante, passa por Guilherme e diz de modo debochado: “Olha, escuta o que esta mulher

tá falando...".

Outras duas mudanças na quinta versão de roteiro foram o título e o segundo

flashback. O título de "IN MEMORIAM" passa a "MEDICE CURA TE IPSUM! - MÉDICO,

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CURA A TI MESMO!". Esta mudança no título parece propor uma mudança de ênfase nas

críticas ao amigo morto (o outro), e se voltar para a necessidade da tomada de consciência por

parte dos médicos para as determinantes psicossociais de sua prática (autocrítica), refletindo

algumas mudanças na abordagem do vídeo. Assim, a crítica a Eduardo perde o foco central e

também passa a servir de pretexto para introduzir o debate, que é feito com maior intensidade

por Guilherme e Marta. Os personagens debatem menos o tema a partir da crítica ao outro e

mais a partir da autocrítica. No segundo flashback Eduardo e Alfredo, diante de um caso

terminal de câncer, discutem se seria melhor que a paciente morresse no hospital, aos

cuidados dos médicos, ou em casa no "calor" da família. Eduardo defende que a paciente deve

permanecer no hospital, enquanto Alfredo argumenta que ela se sentiria bem junto à família

em seus últimos momentos. Já as mudanças promovidas da quinta para a sexta versão de

roteiro resumem-se a uma revisão dos diálogos, que buscou dinamizar mais as falas.

A sétima e oitava versões diferem apenas no ajuste de algumas falas componentes dos

diálogos. Estas versões trazem como principais mudanças o segundo flashback e a abordagem

da especialização médica atuando contra as boas práticas das RMP. No segundo flashback, no

geral, a temática continua a mesma das duas versões anteriores, abordando a

presença/ausência de humanismo nas RMP. Mas na "nova" situação o humanismo é abordado

com contornos "mais verossímeis", pois se vale de linguajar mais técnico quando são

abordados os nomes de doenças e procedimentos. Assim a discussão fica em torno de fazer

uso ou não da nutrição parenteral, tendo em vista que isto poderia alimentar o câncer, o que

aceleraria a morte do paciente terminal (argumento de Eduardo). Por outro lado, diante da

inevitabilidade do óbito, Alfredo defende a morte mais "confortável" do paciente, que não

precisaria "morrer de fome". O outro ponto que é trazido para o centro da discussão é a

argumentação sobre o excesso de especialização que viria a comprometer uma boa prática das

RMP. Este assunto é abordado ironicamente por Guilherme, mas é confirmado e sustentado

por Alfredo. A nova versão é a final, e consiste na implementação das mudanças acima

indicadas.

A estruturação do roteiro busca priorizar o "diálogo" entre os dois pontos de vista

sobre a formação médica. Entretanto, há uma ênfase e maior cuidado com a construção das

falas de Marta e Alfredo, que defendem uma formação biopsicossocial. Aliado a isso, é

destacado o desequilíbrio de Guilherme na exposição de seus argumentos, ainda que este

possa estar fundamentado. Assim, sob a ótica do roteiro, os autores do vídeo parecem esperar

que os espectadores identifiquem e reflitam sobre as influências das aulas de anatomia e

contato com o cadáver em sua prática médica, e defendem a importância de uma RMP mais

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humana e integral. No fim do vídeo, deixa-se uma pergunta em aberto, esperando motivar

uma discussão acerca do que seria um bom médico.

Apesar das orientações ideológicas dos produtores no campo da formação médica, é

interessante perceber que nenhum personagem chorou em nenhuma das versões de roteiro,

limitando-se apenas a haver um “silêncio constrangedor". Por se tratar de "amigo/colega", o

comportamento de todos os personagens se mostrou tão frio quanto o modelo que busca ser

criticado pelo vídeo, o modelo "não-humanista". Esperamos entender melhor esta questão a

partir da entrevista com os produtores do vídeo.

STORYBOARD

De um modo geral, o storyboard não agrega muitas informações relevantes para nossa

investigação, a não ser reforçar aquilo que tinha sido apontado no roteiro. É possível perceber

algumas relações entre os papéis dos personagens no objetivo da obra e a disposição deles na

mesa do restaurante, a escolha dos cenários e dos vestuários. Também é possível notar uma

predominância de primeiros planos.

Na disposição dos personagens na mesa, há uma preocupação em que Guilherme fique

do lado oposto ao ocupado por Marta e Alfredo. Isto provavelmente para reforçar o

antagonismo entre Guilherme e a dupla. Também é interessante notar que, se entre Josias e

Maria (que apesar de casados estão em crise) não há cadeiras vazias, entre Marta e Alfredo há

uma "distância de segurança", uma cadeira vazia, que é possível relacionar ao romance vivido

no passado pelos dois. Então, ambos se opõem a Guilherme, mas há uma distância proposital

e espacial (visualmente representada) entre o casal.

Os enquadramentos predominantes são os primeiros planos, em que é filmado um

personagem geralmente enquanto expõe seu argumento. Em algumas tomadas, alguns

personagens chegam a fitar diretamente a câmera enquanto expõem seus argumentos, como se

falassem diretamente ao espectador. Este é o caso das falas de Marta e Alfredo, e de Maria ao

introduzir suas reminiscências. Por outro lado, as falas de Guilherme quase sempre são

tomadas de perfil, o que pode reforçar um distanciamento do espectador em relação a este

personagem.

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5.1.3 Entrevista com os Produtores

ENTREVISTA COM LIANA ALBERNAZ

A professora Liana Albernaz é psicanalista de formação, lecionou Psicologia Médica

na FM-UFRJ (Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro) até 2004,

ano de sua aposentadoria. Nos parágrafos que se seguem, trataremos das informações

levantadas na entrevista feita com a professora Liana, sobre o processo de produção do vídeo

educativo “Lição de Anatomia”.

Como já mencionado, o vídeo “Lição de Anatomia” tem origem nos resultados de uma

pesquisa empreendida pela professora. Esta pesquisa voltava-se, no âmbito da disciplina

Clínica Médica, para o estudo do impacto dos primeiros contatos do estudante de medicina

com o paciente, com o doente, com a doença e com a morte, o que, segundo a hipótese de

trabalho das professoras15, abre um campo gerador de angústias para o estudante. A pesquisa

bibliográfica da pesquisa apontou o impacto das aulas de Anatomia nos estudantes, no

primeiro ano do curso, como origem destas angústias suscitadas na Clínica Médica.

Assim as professoras voltaram as atenções da pesquisa para a disciplina Anatomia, em

que, com a colaboração de professores de Anatomia, conduziam grupos de reflexão. Estes

consistiram em dois grupos de dez alunos do primeiro ano do curso, e duraram

aproximadamente um ano e meio. Foi a partir do impacto do contato com o cadáver que as

discussões ocorriam. As professoras entendiam que estas primeiras aulas de Anatomia eram

uma espécie de “prova de fogo", um ritual de passagem, que poderia determinar ou não a

continuidade do estudante no curso médico. A professora relatou algumas questões que

surgiram nas discussões.

Então, é muito curioso, porque a gente depois conversando com esses grupos de alunos apareciam questões do tipo: insônia, pesadelos, ojeriza a carne, enfim... Vários sintomas que apareciam, em alguns de uma maneira mais franca e outros, enfim, de uma maneira mais encapsulada.

Detenhamo-nos agora na questão do cadáver. Ainda que não contribua diretamente

para responder as questões que nos levaram a esta entrevista, ela poderá ser bastante útil no

decorrer da pesquisa. A professora, durante a descrição do ambiente do laboratório de

anatomia, tece algumas reflexões sobre o cadáver neste ambiente. Segundo ela, o cadáver

quando chega ao laboratório é objetivado para virar apenas um corpo. Os cadáveres têm seus

15 A professora executou esta pesquisa juntamente a Professora Munira Aiex Proença.

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cabelos raspados, o formol lhes confere uma consistência dura, uma cor escura, ou seja, o

cadáver tem de ser transformado em um objeto. O cadáver é esvaziado de subjetividade. É

exatamente esta objetivação do corpo, do cadáver, que será reproduzida no contato com o

paciente. Este paciente deixará de ser compreendido enquanto um sujeito para ser um objeto.

...você estuda cirrose hepática, né? Só que nenhuma cirrose hepática adentra o seu consultório. Adentra no seu consultório um paciente portador de uma cirrose hepática que tem uma história, tem uma família que tem hábitos de vida...

A professora afirma que a "matriz epistemológica da medicina é objetivante", é

hegemônica na formação médica, cabendo à Psicologia Médica a "voz solitária" da contra-

hegemonia.

Apesar de relatar a ausência de um espaço para os alunos expressarem e trabalharem

estas angústias, a professora faz questão de ressaltar que a dinâmica não se tratava de uma

terapia de grupo, e nem poderia. Apenas havia o interesse para analisar, do ponto de vista

pedagógico, como estas questões poderiam ser um entrave no aprendizado dos estudantes.

Os grupos de reflexão permitiram levantar um rol de questões que compunham os

resultados da pesquisa. De posse destes resultados decidiram que deveriam fazer algo.

Decidiram fazer um vídeo. Para produzi-lo, a professora buscou parcerias no NUTES e no

Curso de Cinema Universidade Federal Fluminense (UFF), além de financiamento nos órgãos

de fomento à pesquisa e à extensão na universidade. O NUTES contribuiu com os

conhecimentos de tecnologias educacionais em saúde, bem como com boa parte da produção

técnica do vídeo. No NUTES os trabalhos foram conduzidos pelo Professor João Leocádio da

Nova. Na UFF, o Professor José Joffily foi quem conduziu. Para a professora essa

configuração da produção foi algo muito interessante e permitiu que o vídeo fosse uma obra

efetivamente multidisciplinar.

A elaboração do roteiro foi feita como um trabalho final de disciplina, em grupo, da

turma de roteiro em que José Joffily lecionava na UFF. Esta turma escreveu o roteiro,

trabalhou na filmagem e na edição, sob a direção de José Joffily. Durante todo o processo de

elaboração dos roteiros, a professora Liana assessorou os estudantes descrevendo hábitos e

lhes passando o vocabulário técnico da profissão. Esta "passagem" e adequação de

vocabulário foram tratadas como a utilização de uma linguagem esotérica, para aumentar o

grau de verossimilhança da história do vídeo, e como forma de melhor abordar os estudantes e

profissionais de medicina.

Então, algumas, por exemplo, nessas versões, eles tinham muitas imprecisões, por exemplo: na linguagem comum, as pessoas: - ah! Eu vou

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fazer uma chapa do pulmão. Se você disser isso pra um médico, claramente ele... Ninguém faz chapa! É outra cultura. É uma outra língua. É o medicalez, é uma outra língua, né? Então, havia muitas outras imprecisões nesses roteiros que tiravam o crédito, não faziam um crível a aquela situação. Aquela situação ficaria risível! E não impactante. Isso também foi um cuidado da gente.

E foi exatamente por este motivo que os flashbacks, utilizados no filme, foram sendo

"adequados" ao longo dos aprimoramentos das diversas versões de roteiros.

A professora afirma que não possuía intenções específicas para a forma e conteúdo do

vídeo, que havia apenas selecionado algumas questões e categorias do grupo de reflexão que

gostaria que fossem trabalhadas, e que esperava que o vídeo pudesse tornar os alunos mais

atentos para que os corpos que eles tratam na prática da clínica médica, têm "gente dentro", e

que essa pessoa é singular. Também gostaria que os estudantes atingissem a compreensão de

que o médico também é humano e tem limitações, mesmo diante dos poderosos recursos

tecnológicos que a medicina dispõe atualmente. Outro objetivo para o vídeo é que ele pudesse

ser um instrumento para os professores de Psicologia Médica, um "start", um estopim, para a

discussão de temas considerados relevantes naquela época.

As questões resultantes dos grupos de reflexão são, entre outras: morte, a objetivação

dos corpos, a alta tecnologização da medicina, o predomínio de formação de especialistas, a

desumanização das RMP e as relações estritamente de mercado no âmbito da medicina. Ou

seja, questões que atravessam diretamente a problemática da RMP.

Um ponto interessante é que, apesar de não se estender muito quando tratava das

formas do filme, a professora afirma que os personagens da trama são na verdade algumas das

muitas dimensões de um único médico. Então os personagens da trama são estereotipados,

pois representam aspectos, personalidades e linhas de pensamento presentes em quase todos

os médicos.

Perguntada sobre o que faria de diferente no vídeo, se tivesse a oportunidade de

refazê-lo, a professora teceu algumas críticas ao aspecto técnico do vídeo e apontou novos

temas de interesse. A professora considerou que nem todos os atores atuaram bem. Segundo

ela, alguns deles não eram profissionais. E a própria dinâmica de produção, envolvendo os

alunos, deixou algumas brechas no roteiro que podem causar algum dano na narrativa do

vídeo. Mas a professora ressalta que não era o objetivo do vídeo possuir uma excelência de

um “filme da indústria cinematográfica”. A riqueza do vídeo está no processo pedagógico de

sua produção: o vídeo não era o início, mas o fim de um processo. Por fim lastimou que não

ocorresse mais a integração da disciplina Anatomia com a Psicologia Médica.

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Sobre as novas questões que possivelmente ela gostaria de abordar numa atualização

do vídeo, estas se orientariam para um novo panorama social, novas questões da medicina e

em um maior e melhor uso das imagens no vídeo. Algumas interdições da sociedade não mais

existem, algumas imagens que eram "censuradas" na época de produção do vídeo, atualmente

não mais seriam. Assim pareceu que a professora, principalmente se referia a imagens de

cadáveres e doentes que poderiam ajudar aumentar o impacto do vídeo. Já os novos temas

passam desde cuidados paliativos, passando pelos avanços tecnológicos que tem permitido a

"prorrogação" da vida, até a ideia de saúde como um produto a ser consumido. Ela destacou

que manteria o seu foco nos estudantes e a serviço dos professores.

ENTREVISTA COM JOÃO LEOCÁDIO

O professor João Luiz Leocádio da Nova é professor adjunto do Departamento de

Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense – UFF. Coordenou o Laboratório de

Vídeo Educativo do NUTES-UFRJ de 1993 a 2006 e chefiou o Setor de Produção

Audiovisual do NUTES-UFRJ de 1984 a 1990. Quando o vídeo foi elaborado, o professor

João era quem estava à frente das produções audiovisuais do NUTES. Seu trabalho no vídeo

foi inicialmente desenvolver estratégias para a execução do processo pedagógico que deu

forma ao vídeo. No decorrer do projeto, ele se dedicou também às questões da linguagem

audiovisual, sem deixar de lado os objetivos e estratégias pedagógicas do vídeo. Assim,

podemos entender que o Professor João foi quem fez o intermédio entre linguagem fílmica e

os objetivos do projeto que encomendou o vídeo, e propôs as dinâmicas de produção com os

alunos de roteiro do Curso de Cinema da UFF.

... a pesquisa era dela. Daí, dá assim, só pra mudar o roteiro da história, a Liana tinha a pesquisa, aí chegou até nós querendo fazer o vídeo, aí, como estratégia, aí eu propus que a gente fizesse uma disciplina de roteiro, aí ela achou interessante, aí marcamos uma primeira reunião com o Joffily, aí virou bate-papo, aí o Joffily gostou do tema achou que era interessante levar pra escola também, aí levou como proposta. Aí foi feito como atividade do curso...

Assim, as falas do professor acabaram encaminhando a entrevista, principalmente,

para os assuntos da linguagem do filme e para os objetivos educacionais da obra. Segundo ele,

além de "trazer os resultados da pesquisa e os objetivos do vídeo", a professora Liana se

encarregou da adequação da história elaborada à "realidade" médica, nas diversas versões de

roteiro criadas. Também ressaltou que não houve interferência desta professora na linguagem

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audiovisual do vídeo.

...do outro lado você tem algo mais cuidado por pessoas que estão voltados pra essa linguagem, pra esse estilo de roteiro da dramaturgia, mas aí o médico não entra. O médico já entrou! No quê? Na construção do texto, na construção do diálogo, nas caracterizações, na contaminação dos diretores, sobre essa importância do tema. Agora, lá ele não vai dizer: bota câmera aqui, bota câmera lá! Isso ele não faz! Na hora da edição, esse programa aqui... Isso ele não faz.

O professor relata que a dinâmica do trabalho de produção do roteiro consistiu numa

atividade no âmbito de uma disciplina de roteiro. Nesta foram discutidas questões referentes à

temática proposta para o vídeo, foram disponibilizados textos e materiais pela professora

Liana. Após esta etapa de aproximação do problema, a turma foi dividida em grupos menores,

e cada um desses desenvolveu uma proposta de roteiro. Essas diversas propostas foram

apresentadas para a turma, que selecionou uma. A partir disso o trabalho foi aprimorar este

roteiro escolhido, sob os auspícios dos professores que buscavam "induzir" um fortalecimento

de questões que consideravam importantes. Então, apesar de o desenvolvimento dos roteiros

ser a princípio feito pelos estudantes, os professores buscavam induzir, por meio da discussão,

o tratamento de alguns temas e pontos de vista.

Aí vai um pouco assim, vai um pouco da indução nossa... No sentido de fortalecer questões que a gente achava prevalente... E os alunos defendendo as suas propostas, aí, aquele roteiro escolhido, aí aquele roteiro é trabalhado em segunda, em terceira, não sei quantas versões ele chegou, mas teve algumas versões até chegar ao roteiro final, que aí foi ser filmado...

A professora Liana também participava das reuniões com especial atenção às sutilezas

da realidade médica, à caracterização do universo médico dado pelo roteiro. Assim, esses

cuidados se detiveram no linguajar dos médicos, nas situações presentes no roteiro, na escolha

das locações e indumentária. Este foi um ponto que teve especial atenção por parte dos

produtores.

... a Liana, pela sua vivência médica e professora, ela nos contou vários casos, alguns foram retratados no vídeo, por exemplo, aquele debate com a psiquiatria... Aquele é um debate profissional... ...você vai entrar naquele mundo pra poder pegar esse cotidiano, não é? Essa sutileza da fala, das atitudes, pra você poder construir aquela história e dar alguma credibilidade, alguma verossimilhança... ... é que ela foi criando aquelas situações, ela foi sugerindo, porque a garotada ia demandando questões, e aí, ou faziam situações pouco representativas, pouco criveis e aí ela entrava e dava o contexto... Olha, vamos forçar a mão aqui, vamos fazer situações que eu já presenciei que eu conheço de história, porque, ali a história vivida dela é total pro filme. Então ela trazia, aí os alunos pegavam e saiam caracterizando aquele

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debate do médico ao lado do leito. Vai dar alimentação parenteral ou não vai dar alimentação parenteral? Vai alimentar ao câncer ou vai matar o paciente? Aquele era um debate que ela já tinha vivido!

Sobre os meios de atingir os objetivos pedagógicos do vídeo, o professor destaca que,

além do roteiro, os usos dos recursos audiovisuais foram orientados neste sentido. Para o

professor o objetivo de todo vídeo educativo é produzir "reflexão e debate", o que é alcançado

por meio da busca por se produzir uma afetividade do espectador com o vídeo, e por meio da

criação de instabilidades emocionais. De modo mais específico, o Professor João destaca que

o objetivo do vídeo era provocar reflexão e discussão, pelos alunos, sobre as maneiras como a

"morte" participa da formação médica. Os modos de filmar, de caracterizar os personagens e

cenários foram cuidadosamente pensados, tendo em vista os objetivos da obra. Segundo ele, a

sucessão de enquadramentos, do plano aberto ao primeiro plano, juntamente à conversa inicial

bem-humorada dos personagens que será "quebrada" por uma notícia de morte, tem como

objetivo produzir esta afetividade e posteriormente, com o rompimento, gerar o impacto da

notícia, e instabilidades emocionais. Neste ponto, o professor deixa claro que o objetivo do

vídeo era sensibilizar o espectador.

A gente fala da dramaturgia pra chegar até a notícia da morte e a gente veio com uma piada e depois esse duplo, não é? Você tentando trabalhar com algumas situações extremas, isso é um tema de sensibilização, você produziu um choque, não é? Produziu uma empatia num primeiro momento, não é? Pra depois você poder romper com esse elo criado... Não existe drama sem afetividade!

A construção dos personagens foi outra estratégia utilizada para "produzir" leituras

esperadas. Segundo o professor, a escolha por uma história com um número relevante de

personagens, estes ainda ancorados em arquétipos, se deve à busca por facilitar que os

espectadores se identificassem com os personagens e mais facilmente, "entrassem" na

história. Assim os personagens foram pensados como diferentes "caminhos" para que os

espectadores pudessem "entrar" na história.

... o audiovisual, é a questão de alteridade, quando você tem uma identificação com os personagens, e você se permite viajar com o filme, não é? Você é convidado a essa viagem. Quando você entra na história, te peguei! Então, ali nesse filme, a gente colocou vários personagens e cada um tem um gracejo, cada um tem uma piada, até as piadas são piadas convidativas. Se você colocar poucos personagens, poucos perfis, num tema tão polêmico como esse, muita gente vai ficar de fora. Então, de alguma maneira você tem que tentar trazer as pessoas pra dentro do filme, não é? Então, como é que você traz? Aí, você vai construindo figuras, perfis diferenciados pra poder capturar aquele que tá de fora...

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Na narrativa do vídeo, as discussões foram polarizadas tendo em vista deixar bem

claras as posições ideológicas que se confrontavam no debate. Isso foi reforçado pela

disposição dos assentos na mesa. No lado direito da tela estavam sentados os dois

personagens que defendiam a humanização das RMP e teciam críticas ao comportamento

médico. No lado esquerdo, os personagens defensores indecisos ou defensores da perspectiva

mais biomédica.

... a polarização, inclusive, é o sentido de você ficar, quem é o bem e quem é o mau. Isso é uma questão, pro audiovisual é importante, protagonista ou antagonista. Então, são elementos que você vai levando na construção da história... Se são os oponentes, eles estão sentados em lados opostos na mesa, é a posição da mesa... Como eles batem de frente, um tá de frente pro outro e a fala é frontal, aí a escolha da posição das mesas, dos personagens à mesa, perdão, eles têm que seguir também uma certa intenção, então você vai trabalhando a caracterização, o posicionamento, os enquadramentos...

4.1.4 Significado preferencial

Segundo a análise da entrevista com a Professora Liana, o significado preferencial do

vídeo, de acordo com esta professora, é chamar a atenção para o impacto do cadáver na

formação médica e como este é gerador de angústias. Assim espera-se que os estudantes

(principalmente) se tornem conscientes das "forças" que atuam em sua formação, de sua

complexidade, de suas origens, e possam melhor refletir e dialogar com estas "forças". Ou

seja, chamar a atenção para o caráter objetivante da formação médica, dar mais força à "voz

solitária" da Psicologia Médica no processo de formação de novos médicos, e assim permitir

uma melhor formação para a atuação nas RMP. Enfim, que estes estudantes possam atender a

pessoas, e não a objetos. Isto é confirmado pela análise do relatório e do projeto que originou

o vídeo.

De acordo com a análise da entrevista com o Professor João, o vídeo tem como

objetivo produzir reflexão e debate, sensibilizar os alunos para as questões do tema morte na

formação médica. Esse objetivo é buscado a partir da manipulação dos recursos audiovisuais

visando estabelecer uma relação afetiva, de identificação com os personagens, e

posteriormente, no decorrer do vídeo, o impacto do rompimento dessa afetividade com a

abordagem de temas polêmicos. O vídeo conta com seis personagens propositalmente

estereotipados como meio de facilitar a identificação dos espectadores, os alunos, com os

personagens e a consequente construção de afetividade com a diegese do filme, para num

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próximo passo ocorrer a "instabilidade emocional" educadora. Então, podemos crer que, de

acordo com as palavras do professor, o significado do filme era produzir reflexão e debate

sobre a relação do estudante de medicina com a morte. Estas informações podem ser

confirmadas pelas diferentes mudanças que os roteiros foram sofrendo até atingir a versão

final.

É interessante notar que a comparação das entrevistas aos dois produtores mostrou que

cada um deles se preocupou predominantemente com dois aspectos distintos do vídeo. A fala

da professora Liana se voltou mais para o conteúdo e para as origens do vídeo, enquanto a

fala do Professor João se direcionou mais para a linguagem do vídeo.

Na análise fílmica, pudemos observar que os recursos estéticos foram utilizados para

reforçar as intenções relatadas nas entrevistas e descritas no projeto e relatório da primeira

reunião. Entretanto, a manipulação dos recursos estéticos, a construção dos personagens e a

elaboração de suas falas são feitas em alguns momentos de maneira enviesada, o que resulta

numa aparente tentativa de argumentação em prol da perspectiva psicossocial. Os

personagens são construídos de modo distinto e de forma estereotipada. O significado

preferencial está mais próximo das falas de Marta que prega por um médico humanista, que

reflete constantemente sobre suas práticas, buscando sempre uma maior aproximação de sua

prática com as necessidades do paciente como ser humano. Este ponto de vista também é

reforçado pelos argumentos de Alfredo, que vão no sentido de fundamentar "cientificamente"

as afirmações de Marta e contestar as de Guilherme. Enquanto Guilherme apenas se

fundamenta na prática, e consegue no máximo sugerir que o problema de Marta é sexual, esta

personagem "diagnostica" distúrbios psicológicos em Guilherme e afirma que a causa disso

está no modo em que ele pratica a medicina. Assim, a narrativa também antecipa uma

possível leitura de oposição que seria “expressa” pelas palavras de Guilherme, apesar de

pretender apresentar o posicionamento dele como sendo frio e distante dos pacientes.

O vídeo busca introduzir o conflito entre estes dois pontos de vista principais na

narrativa, a fim de motivar o debate entre os diferentes valores destes dois tipos de médicos

que polarizam a maior parte da discussão, mesmo que tenda para os valores da psiquiatra.

Apesar do enviesamento para a orientação humanista, também é dado um certo destaque aos

argumentos "biomédicos" de Guilherme e Eduardo. Deste modo, o vídeo parece pretender que

o espectador se identifique com as práticas dos personagens, mas que também possa

estabelecer um certo distanciamento crítico e assim refletir sobre suas práticas e formação.

Entretanto, esta identificação com o ponto de vista de Guilherme é dificultada pelo tom

estereotipado que é conferido a este personagem. Guilherme é frio, desequilibrado,

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depressivo, agressivo e fundamenta seus argumentos apenas em sua prática, enquanto Marta e

Alfredo apresentam seus argumentos de forma racional, equilibrada e sensata.

Outro aspecto de um significado preferencial é o tratamento dos flashbacks das aulas

de anatomia como uma espécie de trauma na vida dos profissionais, que é justamente uma das

teses em que o vídeo se baseou. Além de ser um recurso estético para remeter a um

acontecimento passado (antigo), o uso do preto e branco, somado a uma iluminação de

contrastes acentuados, garante à cena uma atmosfera dramática, que acentua as expressões de

desconforto dos personagens na situação da aula. Essa atmosfera é reforçada pela trilha

sonora, composta por uma música angustiante.

Assim, o vídeo apresenta os argumentos das duas correntes, a tradicional, biomédica, e

a psicossocial, contra-hegemônica. No final, as questões são deixadas em aberto para atender

ao objetivo pedagógico de provocar a discussão. Entretanto, ao longo do vídeo, é mais

valorizada a perspectiva contra-hegemônica pela forma mais sensata e fundamentada com que

os personagens expõem seus argumentos.

5.1.5 Endereçamento

De acordo com o projeto e o relatório analisado, o vídeo é endereçado aos estudantes

de medicina. Segundo a Professora Liana Albernaz, o vídeo é endereçado a estudantes,

professores e profissionais de medicina. Este endereçamento é principalmente feito por meio

do vocabulário "esotérico" da prática médica utilizado no vídeo. É importante lembrar que

esse vocabulário não se restringe a palavras e falas, mas envolve também a escolha de

cenários e indumentárias, por exemplo. As cenas de flashback foram gravadas num

laboratório de anatomia e numa enfermaria de hospital, tendo em vista não ferir a "verdade"

do vídeo, o que poderia terminar por não permitir "atingir" o público-alvo do vídeo. O

Professor João também nos fala destes aspectos e ressalta o cuidado com a aproximação com

o universo do estudante de medicina, seus ambientes, linguagens e situações comuns, o que

objetivava o estabelecimento de uma relação afetiva com o espectador. O professor ainda nos

relata que o vídeo contou com diferentes personagens como estratégia para permitir distintas

maneiras de aceder ao universo conflitivo da narrativa audiovisual. A professora

complementa quando afirma que os estereótipos destes diferentes personagens representam na

verdade algumas das muitas dimensões de um médico. Isto tudo, além de criar uma

"abordagem" ao estudante de medicina, também poderia facilitar os seus ajustes para

"assistir" o vídeo, já que todo endereçamento, em alguma medida, erra seu alvo.

Entretanto, de acordo com a análise fílmica podemos acreditar que o endereçamento

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do vídeo oscila entre estudantes de medicina e médicos. Apesar de em alguns momentos

fazerem menção direta à formação do médico e mostrarem as origens das questões de

formação do profissional, em outros momentos tratam diretamente da realidade profissional

do médico, uma experiência ainda não vivenciada/conhecida pelos estudantes. Por outro lado,

no debate entre Marta e Guilherme, o vídeo aparenta endereçar aos dois vieses de formação

médica, médicos/estudantes orientados tanto pelo paradigma humanista quanto pelo

biomédico.

Assim, diante da postura racional e sensata de Marta (e de Alfredo), e do descontrole

de Guilherme, há uma promoção dos argumentos humanistas e um desfavorecimento dos

argumentos de biomédicos de Guilherme.

O flashback utilizado para abordar diretamente a prática médica é feito de modo que o

argumento de Eduardo, e consequentemente de Guilherme, seja promotor de um uma RMP

fria e distante. Isto compromete este "duplo" endereçamento, dificultando identificações com

os argumentos de Guilherme, mas por outro lado é reforçado o significado preferencial.

De acordo com a análise de entrevistas, fílmica e de documentos, espera-se que

estudantes, professores de medicina e médicos, ao assistirem o vídeo, se sensibilizem, tenham

sua atenção chamada para a formação médica como produtora de traumas e angústia,

advogando por uma formação médica que contemple, além de uma boa formação técnica, a

formação de valores e atitudes humanísticos para uma atenção integral à saúde, favorecendo

conjuntamente aspectos biológicos, sociais e psicológicos. Também é esperado que este vídeo

provoque a discussão sobre os temas abordados. Entretanto, todas estas conclusões

necessitam ser averiguadas à luz das leituras feitas pelos espectadores potencias do vídeo

acima analisado.

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110

5.2 ANÁLISE DA RECEPÇÃO

No presente capítulo procederemos a análise de conteúdo (decifração estrutural e

transversalidade temática) dos dados coletados em duas exibições experimentais do vídeo

Lição de Anatomia, por meio da prévia de aplicação de questionário e posterior realização de

grupo de discussão (semi-diretivo), além de observações de reações dos participantes durante

as coletas. Cada uma destas exibições foi feita para dois grupos distintos de espectadores. O

primeiro grupo foi formado por oito professores da disciplina Psicologia Médica da Faculdade

de Medicina da UFRJ. O segundo grupo foi formado por nove estudantes do sexto período do

curso de Medicina que, no semestre que em que foram coletados os dados, estavam cursando

a disciplina Psicologia Médica. As respostas aos questionários foram tabuladas e os grupos de

discussão tiveram suas falas transcritas.

As falas transcritas da discussão posterior à exibição do vídeo, foram analisadas sobre

um background sociocultural dos hábitos de consumo de mídias. Isso porque entendemos que

as leituras feitas do vídeo em questão são influenciadas (e influenciam) por um complexo

mais amplos de leituras e consumos cotidianos de toda ordem de mídia. Assim, na

inviabilidade de ser fazer um estudo etnográfico do consumo de mídia desses sujeitos, foi

feito um levantamento por meio de questionário que nos permite uma aproximação com estes

hábitos de consumo. No entanto, desde já ressaltamos que os dados coletados não são

suficientes para qualquer conclusão mais objetiva a cerca destes consumos.

Para a análise das falas, amparado por Bardin (1979), buscou-se fazer análise de

conteúdo dos dados coletados nos grupos de discussão, em duas fases complementares e

sucessivas. Segundo a autora, estas duas fases juntas se configuram como uma tentativa de

alcançar um poder de generalização/comparação entre as análises, sem ter de abrir mão da

complexidade subjetiva que constitui os eventos discursivos formadores dos dados coletados.

Assim, no primeiro momento foi feita uma leitura flutuante das transcrições em que se

começou a identificar possíveis temas. Em seguida foi feita análise temática das transcrições e

buscou-se agrupar os temas identificados em categorias maiores. Após isso foi analisada a

sequência de interação. Respeitou-se inicialmente a sequência maior marcada pelas próprias

questões postas pelo moderador, estas presentes no roteiro, e dentro de cada uma destas

sequências buscou-se compreender a ordem de surgimento espontâneo dos argumentos dos

espectadores. Deste modo, a análise foi dividida em partes (sequências maiores demarcadas

pelas questões propostas a partir do roteiro do grupo de discussão) e analisou-se a sequência

dos argumentos dentro destas partes (a própria interação entre os espectadores). Finalmente,

após as conclusões preliminares, analisaram-se as enunciações de forma mais detida. Se as

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primeiras etapas buscavam permitir uma maior generalização do estudo, a última voltou

para a valorização da subjetividade e qualidade na análise da discussão.

Diante disso, dividiu

recepção dos professores e a recepção dos alunos e, por fim, buscou

entre estes dois grupos de leituras e as intenções de produção do vídeo.

5.2.1 Análise da recepção dos professores

5.2.1.1 Hábitos de consumo de mídia

Os participantes deste estudo são todos os oito professores que lecionam Psicologia

Médica na Faculdade de Medicina da UFRJ. Este

sexo masculino e quatro do sexo feminino, com média de idade de 54,6 anos (numa faixa

etária que vai de 40 a 64 anos). Sete integrantes declaram não possuir religião e um se declara

católico. De acordo com as res

dois anos, a maioria há 30 anos, como mostra o gráfico a seguir.

Todos os participantes desta etapa da pesquisa acessam a internet diariamente, e

assistem frequentemente televisão e rádio, e

saúde e arte e cultura, seguidos de

interesse por estes temas, há uma leve discrepância no nível de informações que eles

acreditam obter sobre estes mesmos tem

mais detalhadamente.

Até 5 anos

2 professores

Até 2 anos

1 professor

Gráfico 1: Tempo de docência na Psicologia Médica

primeiras etapas buscavam permitir uma maior generalização do estudo, a última voltou

subjetividade e qualidade na análise da discussão.

Diante disso, dividiu-se o presente capítulo em três partes nas quais se analisou a

recepção dos professores e a recepção dos alunos e, por fim, buscou-se um diálogo possível

eituras e as intenções de produção do vídeo.

.2.1 Análise da recepção dos professores

Hábitos de consumo de mídia

Os participantes deste estudo são todos os oito professores que lecionam Psicologia

Médica na Faculdade de Medicina da UFRJ. Este grupo é composto por quatro integrantes do

sexo masculino e quatro do sexo feminino, com média de idade de 54,6 anos (numa faixa

etária que vai de 40 a 64 anos). Sete integrantes declaram não possuir religião e um se declara

católico. De acordo com as respostas, estes professores lecionam a disciplina há pelo menos

dois anos, a maioria há 30 anos, como mostra o gráfico a seguir.

Todos os participantes desta etapa da pesquisa acessam a internet diariamente, e

assistem frequentemente televisão e rádio, e seus temas de maior interesse são

, seguidos de política e ciência e tecnologia

interesse por estes temas, há uma leve discrepância no nível de informações que eles

acreditam obter sobre estes mesmos temas. Nos gráficos a seguir, apresentamos estes dados

Mais de 30 anos

3 professores

Até 20 anos

2 professores

Gráfico 1: Tempo de docência na Psicologia Médica

111

primeiras etapas buscavam permitir uma maior generalização do estudo, a última voltou-se

se o presente capítulo em três partes nas quais se analisou a

se um diálogo possível

Os participantes deste estudo são todos os oito professores que lecionam Psicologia

grupo é composto por quatro integrantes do

sexo masculino e quatro do sexo feminino, com média de idade de 54,6 anos (numa faixa

etária que vai de 40 a 64 anos). Sete integrantes declaram não possuir religião e um se declara

postas, estes professores lecionam a disciplina há pelo menos

Todos os participantes desta etapa da pesquisa acessam a internet diariamente, e

seus temas de maior interesse são medicina e

ciência e tecnologia. Apesar do nível de

interesse por estes temas, há uma leve discrepância no nível de informações que eles

as. Nos gráficos a seguir, apresentamos estes dados

Page 113: PASTOR, Américo RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO … · leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação

0 1

Revistas

Internet

Rádio

Jornal Impresso

Televisão

Fre

qu

ên

cia

de

Au

diê

nci

a/A

cess

o

Gráfico 2: Frequência de acesso aos meios de comunicação

0

Religião

Economia

Moda

Meio Ambiente

Esportes

Ciência e Tecnologia

Medicina e Saúde

Arte e Cultura

Política

Te

ma

s d

e I

nte

ress

e

2 3 4 5 6 7 8

Número de Pessoas

Gráfico 2: Frequência de acesso aos meios de comunicação de massa por professores

Todos os dias

Entre 4 e 6 dias por semana

Entre 1 e 3 dias na semana

Algumas vezes por mês

Nunca

Não sei

1 2 3 4 5 6 7 8

Número de Pessoas

Gráfico 3: Temas de interesse dos professores

Muito Interesse

Médio Interesse

Pouco Interesse

Nenhum Interesse

Não sei

112

Todos os dias

Entre 4 e 6 dias por semana

Entre 1 e 3 dias na semana

Algumas vezes por mês

Muito Interesse

Médio Interesse

Pouco Interesse

Nenhum Interesse

Não sei

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A respeito dos hábitos de consumo relacionados a filmes e vídeos, todos os

professores declaram gostar de assistir filmes. Recentemente, eles assistiram

predominantemente filmes do gênero

Incêndios e Cópia Fiel, havendo também ocorrência dos gêneros documentário, ação, policial,

aventura e animação, além de uma série de TV. Mesmo não se tratando propriamente de um

gênero fílmico, não excluiremos as séries de TV relatadas, pois entendemos que na prática

não é tão simples distinguir entre uma série e um filme exibido na TV. Não entraremos nesta

discussão, nem é nosso objetivo com esta pesquisa dar conta desse tema. Consideraremos as

respostas dos pesquisados entendendo que eles fazem "uso" ou assistem a estas séri

filmes. O gráfico 4 a seguir apresenta a quantidade de filmes recentemente assistidos, por

gênero fílmico.

0

Religião

Economia

Moda

Meio Ambiente

Esportes

Ciência e Tecnologia

Medicina e Saúde

Arte e Cultura

PolíticaT

em

as

Gráfico 4: Nível de informação dos professores por tema

A respeito dos hábitos de consumo relacionados a filmes e vídeos, todos os

professores declaram gostar de assistir filmes. Recentemente, eles assistiram

predominantemente filmes do gênero drama, do qual os filmes mais assistidos foram

, havendo também ocorrência dos gêneros documentário, ação, policial,

aventura e animação, além de uma série de TV. Mesmo não se tratando propriamente de um

gênero fílmico, não excluiremos as séries de TV relatadas, pois entendemos que na prática

o simples distinguir entre uma série e um filme exibido na TV. Não entraremos nesta

discussão, nem é nosso objetivo com esta pesquisa dar conta desse tema. Consideraremos as

respostas dos pesquisados entendendo que eles fazem "uso" ou assistem a estas séri

filmes. O gráfico 4 a seguir apresenta a quantidade de filmes recentemente assistidos, por

1 2 3 4 5 6 7 8

Número de Pessoas

Gráfico 4: Nível de informação dos professores por tema

113

A respeito dos hábitos de consumo relacionados a filmes e vídeos, todos os

professores declaram gostar de assistir filmes. Recentemente, eles assistiram

, do qual os filmes mais assistidos foram

, havendo também ocorrência dos gêneros documentário, ação, policial,

aventura e animação, além de uma série de TV. Mesmo não se tratando propriamente de um

gênero fílmico, não excluiremos as séries de TV relatadas, pois entendemos que na prática

o simples distinguir entre uma série e um filme exibido na TV. Não entraremos nesta

discussão, nem é nosso objetivo com esta pesquisa dar conta desse tema. Consideraremos as

respostas dos pesquisados entendendo que eles fazem "uso" ou assistem a estas séries como

filmes. O gráfico 4 a seguir apresenta a quantidade de filmes recentemente assistidos, por

Muito

Médio

Pouco

Nenhum

Não sei

Page 115: PASTOR, Américo RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO … · leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação

O gênero drama também foi predominante, e com maior quantidade de fílmes, quando

se tratava dos filmes que foram marcantes em suas vidas. O

mais apareceu na lista, três vezes. No

marcantes por gênero fílmico.

Diante de alta recorrência do gênero

deste gênero. Segundo Nogueira (2010), o objeto do gênero drama é o ser humano comum,

normal, em situações quotidianas mais ou menos complexas, explorando as suas

consequências emocionais mais inusitadas e profundas, mas sempre com grandes implicações

afetivas ou causadoras de polêmica social. No drama, ganha relevância a complexidade da

caracterização das personagens, já que o mais importante, do ponto de vista narrativo, são as

consequências dos conflitos sobre aqueles que os vivem.

Esta atenção ao prosaico tende, porobjectivo e analítico, ainda que, frequentemente, crítico, procurando efeitos de realismo, de renormas e valores, bem como acerca do lugar do indivíduo, dasou das suas tensões. Esta propensão para o realismo não impede, contudo, que as emoções e as suas representações sejam, circunstancialmente, sujeitas a um processo de nítida estilização como sucede no caso paradigmático do melodrama (NOGUEI

Animação

Comédia

Aventura / Ação / Fic. Científica

Documentário

ne

ro F

ílm

ico

Animação

Comédia

Aventura / Ação / Fic. Científica

Documentário

ne

ro F

ílm

ico

também foi predominante, e com maior quantidade de fílmes, quando

se tratava dos filmes que foram marcantes em suas vidas. O filme Casablanca

mais apareceu na lista, três vezes. No gráfico 5, apresentamos a quantidade de filmes

marcantes por gênero fílmico.

Diante de alta recorrência do gênero drama, vamos buscar fazer uma breve definição

Segundo Nogueira (2010), o objeto do gênero drama é o ser humano comum,

normal, em situações quotidianas mais ou menos complexas, explorando as suas

consequências emocionais mais inusitadas e profundas, mas sempre com grandes implicações

oras de polêmica social. No drama, ganha relevância a complexidade da

caracterização das personagens, já que o mais importante, do ponto de vista narrativo, são as

consequências dos conflitos sobre aqueles que os vivem.

Esta atenção ao prosaico tende, por isso, a aproximar o drama de um registro objectivo e analítico, ainda que, frequentemente, crítico, procurando efeitos de realismo, de reflexão e de problematização acerca da sociedade e das suas normas e valores, bem como acerca do lugar do indivíduo, dasou das suas tensões. Esta propensão para o realismo não impede, contudo, que as emoções e as suas representações sejam, circunstancialmente, sujeitas a um processo de nítida estilização como sucede no caso paradigmático do melodrama (NOGUEIRA, 2010).

0 5 10

Animação

Série

Comédia

Aventura / Ação / Fic. Científica

Documentário

Drama

Número de Filmes

Gráfico 5: Filmes assistidos recentemente por professores

0 5 10 15

Animação

Série

Comédia

Aventura / Ação / Fic. Científica

Documentário

Drama

Número de Filmes

Gráfico 6: Filmes marcantes para os professores

114

também foi predominante, e com maior quantidade de fílmes, quando

Casablanca foi o filme que

, apresentamos a quantidade de filmes

, vamos buscar fazer uma breve definição

Segundo Nogueira (2010), o objeto do gênero drama é o ser humano comum,

normal, em situações quotidianas mais ou menos complexas, explorando as suas

consequências emocionais mais inusitadas e profundas, mas sempre com grandes implicações

oras de polêmica social. No drama, ganha relevância a complexidade da

caracterização das personagens, já que o mais importante, do ponto de vista narrativo, são as

isso, a aproximar o drama de um registro objectivo e analítico, ainda que, frequentemente, crítico, procurando efeitos

ão e de problematização acerca da sociedade e das suas normas e valores, bem como acerca do lugar do indivíduo, das suas errâncias ou das suas tensões. Esta propensão para o realismo não impede, contudo, que as emoções e as suas representações sejam, circunstancialmente, sujeitas a um processo de nítida estilização como sucede no caso paradigmático do

15 20

Gráfico 5: Filmes assistidos recentemente por professores

20 25

Gráfico 6: Filmes marcantes para os professores

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115

Assim, este gênero tem relação com a matéria com a qual trabalha a Psicologia

Médica. O drama é construído a partir de todo conflito e complexidade das dimensões

afetivas e emocionais dos sujeitos, e este involto numa dinâmica social maior. Os filmes

deste gênero trabalham com questões, tanto subjetivas do sujeito, como instituições sociais

em que este se inscreve, a fim de provocar reflexões e problematizações de sua vivência como

um todo. Isto nos mostra que, habitualmente, estes professores se interessam por filmes que

lhes permitam experienciar e refletir sobre a "condição humana", conflitos e emoções.

Seis dos oitos professores declaram gostar de vídeos educativos. Os dois professores

que responderam não gostar, afirmaram que o vídeo educativo é muito "direcionado", com um

significado esperado bem determinado e, assim, com poucas possibilidades de contruções

subjetivas a partir dessas narrativas. Os professores que responderam gostar de vídeos

educativos apontaram o vídeo educativo como um poderoso intrumento de educação, que

permite "viver experiências", que mobiliza afetivamente, motiva discusões, trabalha

simuntaneamente com a "realidade" e com o subjetivo, e permite refletir sobre as atitudes

humanas e questões delicadas para serem tratadas pelo texto, com bastante vivacidade. No

entanto este entendimento por parte dos professores não é consensual. Alguns professores

entendem por vídeo educativo os vídeos produzidos com este propósito, outros compreende

que um vídeo é educativo mediante ao seu uso. Dos oito professores, sete afirmaram não

assistirem habitualmente a vídeos educativos, cinco afirmaram se lembrarem de terem

assistido vídeos educativos recentemente. Quando solicitados a citar os nomes destes vídeos,

elencaram indistintamente, e em igual proporção, vídeos educativos e filmes comerciais, estes

já utilizados por eles em sala de aula. Assim, os professore creem na relevância do uso de

vídeos educativos, mas compreendem em maior parte como vídeo educativo, vídeos e filmes

tuilizados em contextos de ensino-aprendizagem. Os vídeos mais citados (duas citações)

foram Johnny vai a guerra e Coleção Ciência/Educação (Prof. Leopoldo de Meis).

Completam a lista o documentário A vida de Leonardo da Vinci, Programa de Educação

Contínua da Ass. Bras. de Psiquiatria, Wit, Golpe do destino e Prejudicado.

Sobre o uso de vídeos em sala de aula, os professores listaram predominantemente

filmes do gênero drama, com destaque para Golpe do destino e Wit, cidados sete e seis vezes,

respectivamente. O gráfico 6 apresenta o número de filmes utilizados por gênero filmico.

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Os professores recorrem mais a filmes para lecionarem sobre RMP e morte. Com

exceção de um documentário sobre gestão em saúde, todos os

são do gênero drama. No gráfico 7 apresentamos o número de filmes utilizados por tema.

Ainda que uma hipótese precipitada, levando em conta a média de idade do grupo,

pudesse apontar para um consumo de mídias de massa mais

revistas, foi a internet que figurou como o mais frequente meio acessado. O que nos permite

concluir que estes professores estão, de certa forma, abertos a utilizarem novos meios de

comunicação. Eles têm menor interesse nos te

pela constatação de apenas um professor declarar possuir religião. Estes espectadores tem

maior interesse e se informam mais sobre os temas

Então, temos que todos os professores

majoritariamente filmes do gênero drama. Este gênero também é maioria quando se trata de

filmes que mais os marcaram e de filmes utilizados por eles em salas de aula. Entendendo que

o gênero drama como uma "abord

do sujeito e de suas relações sociais, podemos relacioná

Vídeo Educativo

Aventura / Ação / Fic. Científica

Documentário

ne

ro F

ílm

ico

Gráfico 7: Filmes utilizados em sala de aula

Gestão em Saúde

Comunicação de Más Notícias

Adoecimento

Bioética

Morte

RMP

Te

ma

s /

Ass

un

tos

Gráfico 8: Número de vídeos utilizados em sala de aula por tema

Os professores recorrem mais a filmes para lecionarem sobre RMP e morte. Com

exceção de um documentário sobre gestão em saúde, todos os vídeos citados para estes temas

No gráfico 7 apresentamos o número de filmes utilizados por tema.

Ainda que uma hipótese precipitada, levando em conta a média de idade do grupo,

pudesse apontar para um consumo de mídias de massa mais tradicionais como jornais e

revistas, foi a internet que figurou como o mais frequente meio acessado. O que nos permite

concluir que estes professores estão, de certa forma, abertos a utilizarem novos meios de

comunicação. Eles têm menor interesse nos temas: Moda e Religião. Este último reforçado

pela constatação de apenas um professor declarar possuir religião. Estes espectadores tem

maior interesse e se informam mais sobre os temas Medicina e Saúde e Arte e Cultura

Então, temos que todos os professores gostam de filmes e recentemente assistiram

majoritariamente filmes do gênero drama. Este gênero também é maioria quando se trata de

filmes que mais os marcaram e de filmes utilizados por eles em salas de aula. Entendendo que

como uma "abordagem" dos conflitos e complexidade afetivas e emocionais

do sujeito e de suas relações sociais, podemos relacioná-lo diretamente com os objetivos de

0 5 10 15

Série

Vídeo Educativo

Aventura / Ação / Fic. Científica

Documentário

Drama

Número de Filmes

Gráfico 7: Filmes utilizados em sala de aula

0 1 2 3

Gestão em Saúde

Comunicação de Más Notícias

Adoecimento

Bioética

Morte

RMP

Número de Filmes

Gráfico 8: Número de vídeos utilizados em sala de aula por tema

116

Os professores recorrem mais a filmes para lecionarem sobre RMP e morte. Com

vídeos citados para estes temas

No gráfico 7 apresentamos o número de filmes utilizados por tema.

Ainda que uma hipótese precipitada, levando em conta a média de idade do grupo,

tradicionais como jornais e

revistas, foi a internet que figurou como o mais frequente meio acessado. O que nos permite

concluir que estes professores estão, de certa forma, abertos a utilizarem novos meios de

. Este último reforçado

pela constatação de apenas um professor declarar possuir religião. Estes espectadores tem

Arte e Cultura.

gostam de filmes e recentemente assistiram

majoritariamente filmes do gênero drama. Este gênero também é maioria quando se trata de

filmes que mais os marcaram e de filmes utilizados por eles em salas de aula. Entendendo que

agem" dos conflitos e complexidade afetivas e emocionais

lo diretamente com os objetivos de

20 25

4 5

Gráfico 8: Número de vídeos utilizados em sala de aula por tema

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117

sua atividade docente. Pois parte do objeto da disciplina Psicologia Médica também são as

reflexões e problematizações das dimensões subjetivas e sociais da experiência humana.

Exceto o tema Gestão em Saúde que foi relacionado ao gênero documentário, em todos os

temas relatados (RMP, morte, bioética, adoecimento e comunicação de más notícias), que

tratam da experiência subjetiva humana e suas implicações sociais, fez-se uso de drama. Foi

exatamente nessa linha que os professores justificaram o uso de filmes em sala de aula, por

entenderem que os filmes permitem experienciar algumas questões da vida e refletir sobre as

atitudes humanas, mobilizando afetivamente os espectadores, além de motivarem a reflexão

por parte destes.

Um outro ponto que vale ressaltar é a rejeição ou desconhecimento em relação a

vídeos e filmes educativos. Mesmo os seis professores que afirmaram gostarem de vídeos

educativos, quando foi pedido que citassem o titulo destes vídeos, a maioria deles citou filmes

comerciais utilizados por eles em sala de aula. Isto nos dá indícios de que estes professores

concebem como vídeo educativo, toda ordem de vídeos (como filmes e séries de TV) que

possam ser utilizados em sala de aula. Ou seja, não é a origem, elaboração do vídeo sob

inteções pedagógicas ou características estéticas que fazem do vídeo, educativo, mas é em que

medida este vídeo fornece elementos que os permitam lecionar determinada matéria. Apesar

de nosso interesse nessa questão, neste momento não nos dedicaremos a desenvolvê-la

melhor. Por hora, entenderemos deste dado que estes professores têm uma concepção mais

ampla de vídeo educativo, definido pelo uso potencial ou não de vídeos em sala de aula.

5.2.1.2 Recepção do vídeo

Durante a realização do grupo de discussão já foi possível notar que a discriminação

talvez tivesse sido a dimensão de leitura mais influente e determinante na recepção do vídeo

Lição de Anatomia pelos professores. Na primeira aproximação com as transcrições das falas

do grupo de discussão, a leitura flutuante, essa primeira percepção foi mantida. As principais

causas dessa alta discriminação identificadas nas falas dos participantes se referiam à falta de

profundidade dramática, artificialização da história e estereotipação dos personagens. Estes

temas, que apontam para uma crítica à verossimilhança, atravessaram toda discussão,

estiveram constantemente presentes nas leituras feitas e, evidentemente, foram identificados

em todas sub-sequências nas quais optamos por dividir a transcrição para melhor analisá-la.

Essa constante presença da discriminação nas leituras tornou mais difícil essa divisão em

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118

sequências menores que abordassem temas mais específicos, diferentemente do que ocorreu

com a análise da discussão com os alunos (da qual tratarei mais a diante).

A discussão ocorreu de forma quase espontânea, o vídeo provocou intensa interação

entre os participantes, se estendendo por aproximadamente duas horas. Coube ao moderador,

dentro do possível, buscar manter a discussão dentro do espectro que melhor satisfizesse a

pesquisa. No entanto, isso nem sempre foi possível. Em alguns momentos a discussão

permaneceu nos assuntos mais diretamente conectados às leituras do vídeo, chegando até a

antecipação de leituras que possivelmente seriam feitas pelos estudantes (ao assistirem o

vídeo em questão), em outros, foi em direção aos temas mais amplos da docência na formação

médica. Estes últimos nem sempre foram de grande proveito, e por isto mesmo alguns foram

desconsiderados no momento da análise.

Após a leitura flutuante e a subsequente análise preliminar, foi possível dividir a

discussão em cinco partes, ainda que estas partes não sejam estanques e com muita

dificuldade constituam unidades. Há apenas foco maior, mas não completo, em temáticas

mais específicas, sempre acompanhadas pela constante postura crítica de leitura . Na primeira

sequência, os participantes relataram suas impressões e procederam com uma avaliação

estética do vídeo e do papel pedagógico que este poderia desempenhar. Na segunda, sob

resistência aos aspectos formais do vídeo, buscaram abordar a temática mais central do vídeo.

Na terceira, anteciparam leituras que os estudantes poderiam fazer. Já na quarta sequência,

abordaram mais diretamente aspectos relacionados à linguagem do vídeo, apontando o que

fariam de diferente se solicitados a refazer o vídeo. Por fim, na quinta sequência, fizeram uma

espécie de "avaliação final" que, da forma como encaminhada, parece construir um consenso

entre os participantes. Nos deteremos na análise de cada sequência nos parágrafos a seguir.

Primeira sequência

Imediatamente após o moderador explicar qual era a expectativa com a discussão, um

dos participantes tomou a palavra e começou a fazer considerações sobre o vídeo. Percebendo

que a discussão espontaneamente tomara um caminho pretendido, o moderador deixou que a

discussão seguisse de maneira menos diretiva. Nesta parte os participantes começaram

relatando suas impressões do vídeo e logo partiram para uma avaliação formal/estética e, até

certo ponto, pedagógica do vídeo. Os temas mais recorrentes nas falas dos participantes se

reportam a uma crítica à falta de verossimilhança identificada no vídeo. Temas como

artificialização, estereotipação dos personagens e excesso de didatização, obtiveram alta

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119

ocorrência e frequentemente surgiram ao longo de todas as partes do grupo de discussão. No

quadro a seguir estão listados os principais temas identificados e suas respectivas ocorrências.

Quadro 9: Temas identificados na primeira sequência da discussão entre Professores.

TEMAS OCORRÊNCIAS

Artificialização 15

Excesso de didatização 12

Aspectos estéticos 10

Conteúdo/tema relevante 9

Vídeo – material didático 5

Estereotipação dos personagens 3

Atores ruins 3

Como podemos observar no quadro acima, os temas que se voltaram aos aspectos

formais da linguagem do vídeo são predominantes, e suas ocorrências bem maiores que as

demais temáticas. Outros temas, como o reconhecimento do vídeo como material didático e o

destaque das temáticas/conteúdos abordados no vídeo e considerados relevantes à formação

médica, também se fizeram presentes. Vale ressaltar que o quadro acima lista temas que

representam categorias temáticas maiores que abarcam outros temas presentes nas falas dos

participantes. No esquema a seguir está representada a sequência de surgimento dos principais

temas identificados.

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120

Figura 7 - Diagrama de surgimento de temas na primeira sequência de discussão entre professores

Como é possível observar no esquema acima, a discussão se inicia com uma avaliação

positiva do vídeo como material didático, e logo em seguida começa a ser criticado por sua

linguagem, tem ressaltada a relevância das temáticas que abordam, e diante da resistência aos

aspectos formais propõem alternativas pedagógicas ao vídeo, e tornam a criticar os aspectos

formais do vídeo. Essa crítica, de alta e frequente ocorrência, aos aspectos formais/estéticos

do vídeo se relaciona diretamente a uma certa expectativa de audiência do gênero drama,

identificado no estudo dos hábitos de consumo de mídia destes participantes. De acordo com a

caracterização dos hábitos de consumo desses sujeitos, é possível supor que os participantes

são espectadores com algum grau de sofisticação e conhecimento sobre história do cinema, o

que implica expectativas mais sofisticadas por parte destes. São criticadas a artificialidade da

trama, o excesso de controle do texto para obedecer a finalidades pedagógicas, a estética

datada, a estereotipação dos personagens e os atores ruins. Estes pontos da crítica apontam

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uma fraca verossimilhança do vídeo para este grupo, o que produz um distanciamento crítico

dos espectadores, que por sua vez esperavam "mergulhar" na profundidade dramática do

vídeo. As falas transcritas a seguir permitem reforçar esta percepção.

Acho que aí tem uma questão também assim: até estética, né? O vídeo, assim, claro que tem

filmes que são atemporais, e pelo contrário, são maravilhosos, independentes da época que

foram feitos. Mas nesses vídeos, no meu entender, a coisa de quando ele foi feito dá uma

defasagem muito grande. (Professor 4)

Você acha? Eu achei tão atual! (Professor 8)

Por quê, Professor 4? (Professor 7)

Eu achei tão atual! (Professor 8)

Não as ideias, mas a estética já dá uma comprometida na aproximação do jovem com quem o

vídeo está falando! (Professor 3)

O cigarro em lugar público, Whisky, ... (Professor 4)

Eu acho tão estereotipado esses vídeos, acho tão pouco natural, tão forçado... (Professor 7)

Os atores são ruins, a coisa não flui... (Professor 4)

O Professor 4 ressalta que os aspectos estéticos são datados e podem dificultar a

leitura das "ideias" que são atuais. Já o Professor 8 discorda e acredita que o vídeo é atual. O

Professor 3 ressalta que o vídeo não é atual esteticamente. O Professor 7 segue criticando e

destacando a falta de naturalidade e artificialidade com que o vídeo se desenrola. Este

professor destaca a artificialidade e aponta como possível causa o excesso de didatismo na

linguagem e na estrutura do vídeo. Nos trechos a seguir podemos observar melhor esta crítica.

...quando você quer conscientizar, educar, perde um pouco às vezes a força de um filme, de

uma história, entendeu? Eu... particularmente pra mim, gera uma rejeição muito forte...

Material de esquerda, as vezes assim, muito engajado, que perde às vezes,... ele já dá resposta!

(Professor 7)

É artificial, ninguém fala desse jeito! São vídeos que tão tentando provar uma mensagem,

passar mensagens, e provar uma tese. Não tem como... você faz um documentário, você faz

uma entrevista, ou se parte pra uma ficção! Eu não conheço nenhum de nós, professores, que

tenha competência artística pra poder colocar no campo da ficção alguma coisa que seja

palatável, artisticamente, fica, fica forçado, os personagens ficam provando tese, eles existem

pra provar suas próprias teses... (Professor 1)

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O Professor 7 resiste a uma suposta estratégia de convencimento do vídeo, a qual ele

relaciona à prática panfletária política. Ele afirma que o vídeo não permite espaço de reflexão,

já que se empenha em um convencimento ideológico no qual pergunta e traz as respostas aos

questionamentos presentes no vídeo. O Professor 2 reforça essa ideia (excesso de didatismo

gerador de artificialismo) e afirma que os personagens apenas existem para provarem teses,

apenas as teses que se busca defender (ensinar, apresentar, destacar) com o vídeo. Para este

participante, o produtor do vídeo foi um professor, diferente do gênero drama que tende a ser

produzido por cineastas (artistas). Diante disso, o vídeo não fica palatável artisticamente - de

fato, este professor relata conhecer uma das professoras (idealizadora e coordenadora) que

produziu o vídeo, e consequente ter conhecimento de algumas etapas de produção do vídeo, o

que talvez explique a alta discriminação da leitura deste professor. O Professor 2 prossegue

com essa crítica, reconhece que os argumentos presentes no vídeo são relevantes e

importantes de serem abordados na formação médica, mas afirma que o artificialismo e o

didatismo fazem com que o vídeo perca a profundidade dramática, o que supostamente

comprometeria o alcance dos objetivos pedagógicos.

Não convence, é muito chapado, é muito cheio de informação. As falas que existem ali são

maravilhosas, a gente sabe que essas falas existem, os alunos falam nisso, nós falamos isso...

Mas o poder de roteiro e de direção... A ficção provoca emoção, suscita emoção, porque tem

mais qualidade artística, os diretores são melhores, os roteiristas são melhores, os artistas são

melhores, a ficção suscita isso. (Professor 1)

O ritmo da vida... A questão é que a vida é representada com mais riqueza e se a vida é

representada com mais riqueza, aí cabe a gente sublinhar naquela vida os pontos. Agora, se

você tem uma tese e quer fazer pra provar aquela tese, fica muito condensado e sem ritmo,

porque uma conversa não engata na outra como na verdade é na conversa real (Professor 3)

Isso foi construído em cima de ideias que queriam ser passadas por uma determinada, passar

uma determinada mensagem. Então, os personagens são criados, não a partir da sua

coerência interna, mas sim, pra provar as teses do autor. Então é um psiquiatra... Eles não são

de carne e osso, o personagem mais engraçadinho que eu estava falando, que parece ser um

melhor ator... um cirurgião com cara de chapado... eles estão falando, mas são uns troços...

(Professor 2)

O próprio desenrolar, né? O cara morre, daqui a pouco esquece que o cara morreu já vai pra

outro assunto! (Professor 7)

No trecho acima, o Professor 2 destaca a qualidade dos argumentos presentes nas

falas, mas critica o modo artificial como eles são executados no vídeo. Ou seja, eles

reconhecem que as falas dos personagens estão presentes na realidade de alunos e professores,

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entretanto o modo como esta situação é realizada no vídeo não é verossímil. Ele aponta como

principal causa a falta de competência técnica-artística para a produção de uma ficção, mais

especificamente, um drama. O Professor 3 destaca que a "vida real" tem outro ritmo e maior

riqueza, e que o vídeo perde essa fluência e riqueza da vida por se dedicar a provar a tese. Ele

aponta que uma fala não "engata" na outra, como ocorre em uma conversa real. O Professor 2

acrescenta que a história não é criada dentro de uma coerência interna, mas a partir das teses

do autor, para provar as suas teses. Afirma ainda que, por esse motivo, os personagens

tampouco parecem reais, "não são de carne e osso". O Professor 7 exemplifica a falta de

fluência da história ao recordar uma parte do vídeo em que os personagens rapidamente

mudam de assunto após saberem da morte de seu amigo.

Estes trechos destacados já são o suficiente para descrevermos a leitura destes

professores na dimensão de discriminação como não-imersa e distante. As recorrentes

menções à falta de profundidade dramática, atores ruins e artificialidade no desenvolvimento

da história indicam que a maior parte dos espectadores não acederam à diegese do vídeo. Ou

seja, da forma como foi construído o vídeo, os espectadores não conseguiram "entrar" no

universo ficcional da narrativa. Apenas o Professor 8 chega a fazer algumas referências ao

vídeo que permitem acreditar em uma possível imersão, mas no geral estes espectadores não

imergiram. Somado a isso, a estereotipação dos personagens e o excesso de didatismo da

linguagem do vídeo provocaram um distanciamento crítico dos espectadores. Estes

participantes demonstraram estar a maior parte do tempo conscientes das intenções, dos

modos e formas da linguagem do vídeo, ainda que não fizessem menções diretas a todas elas.

A Posição é outra dimensão de leitura sobre a qual já é possível começar a fazer

alguma inferência. Isto porque, apesar da alta discriminação, os participantes já destacam sua

concordância e a relevância dos argumentos presentes nas falas dos personagens, e o quanto

isto se relaciona com a realidade da prática médica.

Não é um material que você permite refletir sobre essa é a questão. Agora, eu não quero usar

um negócio desses, de forma alguma. (Professor 7)

Ah, eu gostei! (Professor 8)

Mas essa tese é verdade! (Professor 2)

É verdade! Mas como dizer isso sem ser dessa maneira tão...??? (Professor 3)

Os professores afirmam que concordam com os argumentos, dizem que a tese defendida é

"verdade", e criticam a forma como estes argumentos são apresentados no vídeo. Nas

sequências a seguir esta dimensão será melhor abordada.

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Segunda sequência

Na segunda sequencia do grupo de discussão buscou-se investigar um pouco mais o

que os participantes haviam compreendido do vídeo. Para tanto, o moderador solicitou que os

participantes destacassem quais conflitos consideram mais emergentes. A dimensão

discriminação também se fez bastante influente nesta parte da discussão. Assim, a discussão

começa com a identificação dos conflitos e se encaminha em direção a falas de resistência aos

aspectos formais do vídeo. Os temas identificados na análise da transcrição deste trecho do

grupo de discussão foram: aula de anatomia como produtora de traumas; formação médica

como produtora de traumas; humanização/desumanização da prática médica; e o lugar das

emoções na prática médica. Além disso, também foram identificados temas relacionados às

resistências na dimensão discriminação. No quadro a seguir listamos os temas identificados e

os números de ocorrências.

Quadro 10: Temas identificados na segunda sequência da discussão entre Professores.

TEMAS OCORRÊNCIAS

Aulas de Anatomia produtoras de traumas 2

Formação médica produtora de traumas 1

Humanização/Desumanização da prática médica

1

Lugar das emoções na prática médica 1

Artificialização 5

Estereotipação dos personagens 6

Como podemos observar, apesar de solicitados a discutirem os conflitos e temáticas do

vídeo, houve uma maior ocorrência das temáticas relacionadas aos processos de resistências

perceptíveis na dimensão da discriminação. Os dois temas ligados à dimensão discriminação,

totalizam juntos mais ocorrências que o restante dos temas. Isto nos permite confirmar a

dominância da dimensão discriminação nas leituras destes professores. Os outros temas

parecem se situar entre a dimensão compreensão e posição. Antes de aprofundar a análise

sobre esses temas, vale observar a sequência de surgimento destes temas no diagrama a

seguir.

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Figura 8 - Diagrama de surgimento de temas na segunda sequência de discussão entre professores

Podemos observar que logo após a identificação do primeiro tema, os participantes já

adotaram um distanciamento crítico e começaram a efetuar leituras de oposição ao vídeo.

Criticaram a estereotipia com que são caracterizados principalmente os personagens cirurgião

e psiquiatra. Retomam a identificação de conflitos, destacam a formação médica e a aula de

anatomia como deformadoras dos estudantes, relacionam estas leituras com a realidade da

formação médica, e por fim voltam a distanciar-se/discriminar. As identificações de

temas/conflitos foram entremeadas por temas relacionados à dimensão discriminação. Esta

dimensão esteve presente em todas as leituras realizadas em todo o grupo de discussão, e será

recorrente nas análises das próximas sequências.

Quando identificaram temas/conflitos os participantes foram breves, pouco discutiram,

mas foram direto ao seu cerne. Identificaram a temática da desumanização da prática médica e

a formação médica (em especial as aulas de anatomia) como produtora de traumas, mas não

abordaram temas mais amplos como RMP, morte, etc.

A humanização, a desumanização da prática, né? Uns são mais humanos... (Professor 7)

O tema do filme é que aonde colocaram a emoção na profissão médica, exercendo a produção

médica! Como lidar com a emoção! (Professor 1)

E de como a cultura médica vai deformando já no primeiro ano de medicina (Professor 4)

A questão da aula de Anatomia é uma riqueza, né? As reações! (Professor 7)

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Mas o que me chamou a atenção foi a anatomia, que pra gente sempre foi dada como uma

coisa fria, eles disseram que agora do jeito que tá sendo dada ... que foram as melhores aulas

... (Professor 3)

O Professor 7 imediatamente destaca a humanização/desumanização da prática médica

como um conflito emergente no vídeo. Já o Professor 1 afirma que se trata do papel e dos

modos de relação com as emoções na prática médica. Esta afirmação claramente se relaciona

com o papel da subjetividade no campo dinâmico das RMP. O Professor 4 aponta a

enculturação deformadora pela qual passam os estudantes de medicina já no primeiro ano da

faculdade - possivelmente isto se relaciona com o fato das aulas de anatomia fazerem parte da

grade curricular do primeiro ano do curso médico. Com estas identificações já é possível

perceber que na dimensão compreensão, em certa medida, a leitura foi convergente à leitura

preferencial. Foi mais pontual, menos ampla, mas dentro do conjunto de leituras esperadas

pelos produtores. Os temas foram identificados e relacionados, entretanto o modo como se

posicionaram em relação ao que compreenderam demanda mais um pouco de nossa atenção.

Observemos os trechos a seguir.

O problema é que há uma certa estereotipia, o psiquiatra como detentor do saber. (Professor

6)

... o cirurgião é um sujeito tolo. (Professor 5)

Aquela moça [Marta] é uma pentelha, insuportável... (Professor 2)

...chamou o outro [Guilherme] de hipocondríaco, ganancioso... (Professor 6)

“você é ansioso!” [parafraseando Marta] (Professor 7)

Aquelas coisas agressivas, sabe? (Professor 4)

O Professor 6, logo após terem sido citados alguns temas assim como o solicitado pelo

moderador, pondera que há uma certa estereotipia na caracterização dos personagens. Para ele

o psiquiatra é retratado como o detentor do saber - teórico - enquanto, como acrescenta o

Professor 5, o cirurgião é visto como tolo, detentor de apenas um saber prático. Os

participantes seguem identificando comportamentos agressivos e ofensivos da psiquiatra

(Marta), chegando a parafraseá-la algumas vezes. Há de fato, em alguns momentos, uma

oposição declarada aos argumentos do vídeo que buscam construir um dualismo e caracterizar

a personagem psiquiatra (Marta) como boa e o cirurgião (Guilherme) como mau.

Diante disso, se na primeira sequência havia indícios que nos levavam a suspeitar que

a leitura na dimensão de posição seria dominante, na segunda sequência os dados já apontam

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para uma leitura negociada, ou até mesmo de oposição. Assim sendo, vamos prosseguir com

a análise das outras sequências e buscar melhor caracterizar a leitura desta dimensão em

questão.

Terceira sequência

Esta parte da discussão teve início após a provocação do mediador, que questionou

sobre como seria uma suposta leitura do vídeo por alunos. A partir disso os professores

começaram a elaborar uma antecipação da recepção do vídeo por seus estudantes. De forma

geral, os participantes acreditam que estes alunos irão identificar alguns temas, irão discutir

alguns temas, mas que estas leituras de algum modo são imprevisíveis. Esta imprevisibilidade

e a parcialidade da leitura foram os temas mais recorrentes. No quadro a seguir listamos estes

temas.

Quadro 11: Temas identificados na terceira sequência da discussão entre Professores.

TEMAS OCORRÊNCIAS

Imprevisível 7

Vídeo chama atenção parcial para os temas e provoca discussão

6

Vídeo chama atenção para os temas e provoca discussão

2

Vídeo pode provocar consequências negativas

2

Como podemos observar os temas da imprevisibilidade das leituras, leituras de parte

das temáticas, são as mais ocorrentes. A segunda maior ocorrência aponta para a expectativa

de que, em sua leitura, os estudantes não irão rejeitar nem aderir completamente ao

significado preferencial do vídeo. Na observação do diagrama a seguir podemos observar a

sequência da interação dos participantes e melhor compreender como estes temas se

relacionam no contexto da discussão.

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Figura 9 - Diagrama de surgimento de temas na terceira sequência de discussão entre professores

Como é possível notar no esquema, os professores inicialmente acreditam que os

temas serão percebidos pelos estudantes, mas que essa identificação não será completa, e por

isso a discussão também não será completa. Então um participante discorda e argumenta que,

diante do silêncio e falta de espaço para tratar destes assuntos na formação médica, todos os

temas irão chamar a atenção e serão discutidos. Outro participante destaca a imprevisibilidade

das leituras, pois estas dependerão da história de vida de cada um dos alunos. Todos

demonstram estar curiosos sobre como serão as leituras dos estudantes e reconhecem a

possibilidade dessas leituras serem bem diferentes da leitura deles. Ainda destacam que ao

menos esperam que não "gostem esteticamente" do vídeo, e que apesar do vídeo abordar

temas imprescindíveis nem sempre abordados na formação médica, as leituras deste vídeo

poderão causar "reações adversas". Nas falas transcritas a seguir é possível compreender um

pouco melhor estas expectativas de leitura.

Eles vão pegar um assunto... Eles vão pegar um ou dois assuntos e... (Professor 3)

Eu acho que esse vídeo não vai passar indiferente, as pessoas vão falar, vão comentar...

(Professor 7)

Mexe... (Professor 6)

Cada um vai falar um pedaço dos muitos assuntos que são. (Professor 3)

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Todos os assuntos saltam aos olhos! Porque ela usou esse tempo, pra pegar exatamente todos

os principais assuntos, né? Acho que todos os assuntos aqui são bons... (Professor 8)

Acho que não vamos saber. Aí eu acho que a escolha vai ser individual, a história de cada

um... (Professor 3)

Eu teria até curiosidade de saber como os alunos reagiriam... (Professor 1)

Eu também! Eu também acharia! (Professor 3)

Fiquei até curioso! Você tá convidado pra vir falar pra gente sobre esse assunto. (Professor 7)

Os professores acreditam que o vídeo será compreendido e provocará discussão sobre

os diversos temas presentes no vídeo, no entanto essa leitura e discussão será parcial. Os

professores creem que os alunos não conseguirão identificar todas as questões que o vídeo

aborda, e que por isso a discussão não será mais ampla. O Professor 8 discorda dos demais e

afirma que todos os assuntos serão notados. O Professor 3 pondera que isso dependerá da

história de cada um dos receptores e que por isso a leitura será imprevisível. Esta última

afirmativa desperta a curiosidade dos professores, que começam a buscar mais informações

sobre como ocorrerá a pesquisa da leitura dos alunos.

Em seguida a discussão volta à antecipação das leituras com um comentário sobre a

possível preferência estética dos alunos.

Se eles gostarem, esteticamente vão cair no meu conceito! (Professor 2)

Gente, tá tão grande a carência de possibilidade de discutir esses assuntos, que até um vídeo

relativamente precário como este vai chamar atenção pra eles. Porque tamanho o silêncio, “o

que que falar de morte”, é tão grande que até isso... (Professor 8)

É um mote! (Professor 7)

Mote variado. (Professor 1)

Seria um mote melhor! (Professor 7)

Eu acho que pode ser um fogo amigo, como aquela coisa do “médico que não fazia bilu-bilu”,

(Professor 2)

Após a ponderação do Professor 2 sobre o "gosto" - não vamos entrar na discussão

sobre o que seria bom gosto estético, nem sobre o que seria para estes professores -, o

Professor 8 argumenta que mesmo com a baixa qualidade "estética" do vídeo, tal é a carência

na formação médica das discussões que o vídeo se propõe a provocar, que o vídeo iria chamar

a atenção e provocar discussão. Os professores reconhecem que o vídeo se constitui como um

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mote para levantar a discussão, mas que ainda assim é variado e poderia ser melhor. Por fim,

o Professor 2, partindo desse entendimento que o vídeo terá algum sucesso em provocar

discussões e chamar atenção para alguns temas, ressalta que isto também poderá ter o seu

revés. Relaciona o vídeo com a cartilha "o médico que não sabia fazer bilu-bilu", em que é

sugeria a ênfase aos aspectos ligados a RMP. Os professores deixam transparecer que, em sua

opinião, esta ênfase é dada às custas do esvaziamento da importância do conhecimento

técnico para a atividade médica.

A análise desta sequência de maneira isolada não permite fazer inferências precisas

sobre algumas das dimensões de leitura ou de implicação. No entanto, as afirmações sobre a

relevância das temáticas, as discussões (ainda que parciais) que estas deverão provocar, as

considerações sobre o risco de se voltar excessivamente para o cuidado com as RMP

(deixando a dimensão biomédica de lado), e as análises das sequências anteriores, corroboram

o entendimento da dimensão posição como negociada neste grupo.

Sequência quatro

Apesar de já ter indícios suficientes para, nesta parte da discussão, caracterizar a

leitura destes espectadores na dimensão discriminação, o moderador pediu aos participantes

que dissessem o que fariam de diferente se fossem solicitados a refazerem o vídeo. As

principais considerações indicam que o vídeo seria feito de modo mais verossímil, como

maior proximidade e profundidade dramática do gênero fílmico drama, e valorizaria pontos

de vista mais variados. Os temas e suas ocorrências estão listados no quadro a seguir e

organizados conforme a sequencia de surgimento no diagrama posterior.

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Quadro 12: Temas identificados na quarta sequência da discussão entre Professores.

TEMAS OCORRÊNCIAS

Faria o vídeo mais verossímil 5

Faria o vídeo com maior profundidade dramática

2

Abordaria uma variedade maior de pontos de vista

2

Vídeo seria feito sem roteiro e de improviso (psicodrama)

1

Faria uma ficção nos moldes do filme em questão

1

Faria o vídeo considerando mais o ponto de vista dos estudantes

1

Figura 10 - Diagrama de surgimento de temas na quarta sequência de discussão entre professores

Estes temas começaram a ser abordados a partir das recorrentes críticas à falta de

naturalidade e profundidade dramática na narrativa, e começam a surgir sugestões da

produção do vídeo num formato mais próximo do documentário, com coleta de depoimentos.

Em seguida, ressalta-se a importância de abarcar uma maior variedade de pontos de vista,

sugere-se que fosse feita uma encenação improvisada com os próprios alunos. Em

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discordância, um dos participantes afirma que manteria o formato de ficção do vídeo Lição de

Anatomia, e então os participantes começam a relacionar este vídeo com filmes comercias de

ficção que já houvessem sido utilizados por eles em sala de aula. Então voltam a sugerir que o

vídeo seja feito a partir de depoimentos de alunos após as aulas de anatomia e começam a

relatar diversas experiências relacionadas à produção de vídeos no âmbito da docência

médica, das quais têm conhecimento. Um participante busca fazer um contraponto, alegando

que se a imagem for muito didatizada, ela facilitará a observação e interpretação que os

estudantes farão dela, o que poderá comprometer o desenvolvimento das habilidades

mobilizadas na interpretação de imagens, estas bastante requeridas na prática em semiologia e

na prática da anamnese. Diante disso, é proposto que o vídeo seja feito a partir da gravação

mais próxima possível de uma situação real de anamnese.

Como já havia sido observado, a discriminação também foi a dimensão que mais

influenciou a leitura destes espectadores nesta sequencia. Por este motivo as principais

mudanças ocorreriam na busca de se criar uma maior verossimilhança e maior profundidade

dramática da história encenada no vídeo. A verossimilhança foi expressa principalmente com

a sugestão de utilização de entrevistas e debates filmados, ou mesmo que as temáticas fossem

abordadas em um vídeo do gênero documentário. A profundidade dramática refere-se à

construção do vídeo de modo que esse melhor permitisse a experienciação do universo

ficcional. Ou seja, tanto aqueles que preferem ficção, tanto quanto os que têm preferência pelo

documentário, esperam que o vídeo lhes permita uma maior sensação de realidade em suas

leituras. Os trechos a seguir servem de exemplo.

Pega uns alunos saindo da aula de anatomia, grava o depoimento ali deles, ouve o que vocês

sentiram, fala do professor, o que vocês... como o senhor aborda essa questão, ouve alguns

professores, isso em si, já... Agora, claro que com um profissional, né? Com gente orientando,

editando. (Professor 7)

Essa gravação da feitura da anamnese, da consulta médica, eu acho que pode ser muito rica.

(Professor 1)

Sem roteiro prévio. (Professor 7)

Outro tema que teve relativa relevância foi a sugestão de modificação que permitisse

ao vídeo abarcar uma maior variedade de pontos de vista sobre as temáticas que aborda.

Podemos observar este tema nas falas a baixo transcritas.

Eu gravaria depoimentos. Eu pegaria temas e ouviria pessoas diferentes, ou botaria em grupo,

acho muito interessante pegar um tema, botar cinco ou seis médicos, numa mesa redonda e

acho que seria super interessante. (Professor 7)

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Esse tema tem que (...) “de acordo com a sua área de formação, que impactos as aulas de

anatomia tiveram? Como é que foi o seu processo de formação médica? E depois agora,

depois da seus últimos anos de profissão, como que você vê?” faz essas perguntas pra

conversar. Que não sejam essas mesmas frases. (Professor 2)

Essas sugestões de modificação no vídeo indicam uma expectativa destes espectadores

em relação ao vídeo. A expectativa da presença de uma maior variedade de pontos de vista

sobre o assunto se relaciona diretamente com a leitura na dimensão posição e indica uma

expectativa de leitura negociada na referida dimensão. Estes professores/espectadores

demonstraram certo incomodo com o modo como foram reforçados os pontos de vista dos

produtores no vídeo, e se ressentiram de espaço para o surgimento/presença de outros

posicionamentos. Ou seja, estes professores esperavam encontrar no vídeo um menor reforço

do significado preferencial, refletindo assim uma maior expectativa de leitura negociada por

parte dos produtores do vídeo, e não apenas a transmissão de um sentido esperado.

Assim, na análise dessa parte da discussão, além de melhor compreender as causas da

leitura com alta discriminação, foi possível se aproximar mais da caracterização da leitura na

dimensão posição. Pois, recapitulando, na primeira sequência observamos que os

espectadores concordam com os argumentos presente nas falas dos personagens e criticam o

modo como são sublinhadas as "teses que se buscam provar com o vídeo"; na segunda

sequência resistem à estereotipia com que são caracterizados a psiquiatra (detentora do saber

teórico, da verdade) e do cirurgião (possuidor do saber apenas prático); na terceira sequência

ponderam que também não se deve dar ênfase excessiva à dimensão subjetiva do atendimento

médico em detrimento do saber biomédico, ressaltam que deve haver um equilíbrio; e nesta

quarta sequência criticam um certo exagero no reforço ao significado preferencial do vídeo.

Com isso, já há dados suficientes para caracterizar a leitura na dimensão posição como

negociada. Os espectadores, a princípio, reconhecem e concordam com os argumentos

identificados no vídeo, mas criticam o modo como são apresentados, de maneira enfática e

sem contraponto.

Sequência cinco

Nesta parte final da discussão, as interações parecem ter se encaminhado para uma

espécie de avaliação final. Este momento não foi proposto pelo moderador, mas percebendo a

sua importância, aproveitou este acontecimento para sedimentar algumas conclusões

construídas ao longo da análise das sequências anteriores. O tema predominante neste trecho

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final refere-se à resistência dos espectadores a um aspecto do significado preferencial, a

estereotipia na caracterização dos personagens. No quadro a seguir listamos os temas e as

respectivas ocorrências.

Quadro 13: Temas identificados na quinta sequência da discussão entre Professores.

TEMAS OCORRÊNCIAS

Resistem ao significado preferencial “estereotipado”

7

Identificação de temas do significado preferencial

1

Destacam possíveis consequências negativas do vídeo

1

Criticam a falta de profundidade dramática 1

Podemos notar que todos os temas se remetem diretamente às dimensões de leitura já

caracterizadas: alta discriminação, posição negociada e compreensão convergente. Destas

três, agora vamos nos deter um pouco mais na dimensão posição. Para isto, primeiramente

vamos observar a sequência da discussão no diagrama a seguir.

Figura 11 - Diagrama de surgimento de temas na quinta sequência de discussão entre professores

A discussão se inicia com a já comentada leitura de discriminação que se reporta à

pouca profundidade dramática do vídeo. Em seguida, o vídeo tem novamente seus "riscos"

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destacados. Então é discutida a estereotipia dos personagens. No entanto, apesar de nas

primeiras sequências ela ter sido relacionada exclusivamente à dimensão discriminação,

agora, além da discriminação, é possível também tirar mais alguma conclusão sobre a

dimensão posição.

O vídeo tem suas possíveis consequências negativas comparadas a um medicamento

que possui diversos efeitos colaterais. Ou seja, ao passo que se "combate" um problema,

pode-se também gerar outros. Vejamos o trecho transcrito a seguir.

Mas você sabe que eu comparo um filme desse como um remédio com vários efeitos colaterais.

Esse é que é o problema. Você daí, você tem informações, é claro! Levanta questões de morte,

de relação... mas o efeito colateral... (Professor 6)

Qual é? Qual seria? (Professor 8)

Primeiro, estereotipia. Esse é o primeiro que aparece. Você tem o frio e o sensível. O certo e o

errado. De uma maneira maniqueísta... E o psiquiatra sempre bonzinho e sensível.

(Professor 6)

Então, inicialmente reconhecem que o vídeo pode ser válido na formação médica,

pode ser um remédio para alguns males que assolam esta formação. No entanto, a estereotipia

com que são caracterizados os personagens pode causar grandes efeitos colaterais. O

Professor 6 destaca que alguns riscos são compreender o psiquiatra sempre como o bonzinho

e estigmatizar a imagem do cirurgião como frio e com uma RMP ruim. O restante dos

participantes concordam com o argumento do Professor 6 e começam a citar exemplos de

médicos cirurgiões com excelente RMP. Citam também exemplos de momentos em que o

médico necessita não pensar muito no paciente como pessoa. Os Professores 4 e 7 citam

interessantes exemplos, transcritos nos trechos a seguir.

...eu tenho um grande amigo que é um excelente cirurgião, excelente clínico e ele fala

exatamente isso! É tem uma relação médica maravilhosa! Ele falou uma coisa assim: ele disse

assim pra mim: porque eu queria trazê-lo pra dar um depoimento pras turmas. Não vai dar

certo, porque eu vou dizer que na hora que eu olhar a barriga do Sr. Manoel inteirinha, eu vou

pegar uma faca e enfiar numa barriga inteirinha eu não posso me lembrar do Sr. Manoel!

(Professor 4).

Uma aluna, numa anamnese linda, que ela fez, no semestre retrasado, ela falou isso. Uma

paciente dela, tinha uma ligação fortíssima com a paciente, e ela gosta de cirurgia. Tinha

interesse! Aí foi assistir a cirurgia, qual foi o dilema dela? Ela esqueceu que aquela pessoa

era paciente. Entrou num conflito, depois, entrou num conflito que tinha esquecido! Olha que

interessante? Mas ela entrou em dilema, ela entrou em culpa depois! (Professor 7).

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136

Uma das coisas que eu sempre digo, você tem que traçar seus mecanismos de defesa, pra

poder exercer a medicina! (Professor 5).

Diante da concordância geral com estes argumentos, os participantes nos indicam

resistência à caracterização do cirurgião como “frio”, bem como à caracterização da psiquiatra

como “a sensível”. E ressaltam a importância do médico possuir mecanismos de defesa para

poder exercer a medicina. A este respeito ainda podemos destacar mais uma fala do Professor

6.

O curioso, o que me chama atenção, que nesse estereótipo passa a Marta, sensível ao

psiquiatra, no entanto, ela fez a maior grosseria, atropelou, diagnosticou o cara de

hipocondríaco, isso é que é sensibilidade, heim? (Professor 6)

Esta resistência, além de apontar em direção da discriminação, também nos permite

reforçar a leitura do grupo na dimensão posição como negociada. Os participantes não

concordaram, entre outras coisas, com a caracterização estereotipada dos personagens

cirurgião e psiquiatra, nem compreenderam de forma totalmente oposta. Não concordaram

que isto seja uma regra e que portanto não pode ser entendido como representando a realidade

da prática médica. Citaram exemplos de cirurgiões que possuem excelente RMP, também

disseram que nem sempre é possível/preciso proceder com uma RMP excelente. Destacam

que o médico sempre precisa de mecanismos de defesa ao sofrimento do paciente.

Neste trecho final foi possível reforçar as caracterizações construídas ao longo das

análises de cada uma das sequências anteriores. O mais relevante foi poder aprofundar a

análise da dimensão posição. Nessa dimensão foi possível compreender que estes

espectadores concordam com os argumentos presentes nas falas dos personagens; resistem à

estereotipação com que estes personagens são caracterizados; e acham que não se deve

substituir uma ênfase aos aspectos biomédicos da prática médica por uma ênfase aos aspectos

relacionados à RMP mais humana. Trata-se de buscar equilíbrio entre a objetividade dos

procedimentos médicos e a subjetividade da atenção médica.

Deste modo podemos concluir que os participantes deste grupo podem ter

caracterizadas suas dimensões de compreensão como convergente, de discriminação como

alta e de posição como negociada. A dimensão de leitura compreensão foi convergente, não

abordaram de forma mais ampla as temáticas presentes no vídeo, mas compreenderam do que

se trata o vídeo, chegando em alguns momentos a discutirem alguns poucos temas com maior

profundidade. A dimensão de leitura discriminação foi caracterizada como distante e de não-

imersão. Esta dimensão atravessou toda a discussão, esteve bastante presente em todas as

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137

sequências analisadas e foi influente em todas as outras dimensões de leituras caracterizadas.

Nela os espectadores se ressentiram da falta de naturalidade no desenvolvimento da história

apresentada e da falta de profundidade dramática da narrativa. A dimensão de leitura posição

foi caracterizada como negociada. Os espectadores concordaram com os argumentos

apresentados no vídeo, os consideraram relevantes, mas resistiram às generalizações e

estereotipações identificadas por eles no vídeo. Assim podemos supor que na dimensão de

implicação Avaliação, a leitura também foi negociada. Isto porque a disciplina Psicologia

Médica se constitui como uma "voz" contra-hegemônica no campo mais amplo da educação

médica. Então, se a leitura na dimensão posição é negociada em relação ao vídeo, que por sua

vez se opõe às bases hegemônicas na educação médica, a avaliação é portanto também

negociada. No entanto, estes dados são insuficientes para uma caracterização mais segura

desta dimensão.

5.2.2 Análise da recepção dos estudantes

5.2.2.1 Hábitos de consumo de mídia dos estudantes

Com a caracterização dos hábitos de consumo de mídia dos participantes do grupo de

discussão de alunos foi possível ter uma breve noção dos hábitos destes espectadores, no que

diz respeito aos objetivos do presente estudo. Entretanto, vale lembrar que esta caracterização

se trata de uma aproximação ao que estes sujeitos entendem e descrevem como seus hábitos, o

que nos impede de proceder com qualquer conclusão mais profunda ou ampla. Qualquer

conclusão deste tipo necessitaria de uma abordagem etnográfica complementar a

questionários mais abrangentes que os aplicados neste estudo.

O estudo foi realizado com a participação de nove estudantes, todas do sexo feminino,

com idade entre 20 e 22 anos. A maior parte das participantes declarou não possuir religião.

No gráfico a seguir podemos visualizar a distribuição das participantes por religião.

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De acordo com o respondido no questionário, a mídia mais acessada pelas

participantes é a internet, seguida por

revistas se mostrou baixo.

acessam todos os dias. Seus temas de maior interesse são

Moda e Arte e Cultura. Religião

gráficos 10 e 11 estão representadas as frequências de acesso às mídias e os temas de maior

interesse.

Não possui

5 estudantes

Revistas

Internet

Rádio

Jornal Impresso

Televisão

Fre

qu

ên

cia

de

Au

diê

nci

a/A

cess

o

De acordo com o respondido no questionário, a mídia mais acessada pelas

, seguida por rádio e televisão. O acesso a jornais impressos

Todas acessam a internet mais de quatro vezes por semana, oito

acessam todos os dias. Seus temas de maior interesse são Medicina e Saúde

Arte e Cultura. Religião, política e economia foram os temas de menor interesse. Nos

estão representadas as frequências de acesso às mídias e os temas de maior

Católica

2 estudantes

Evangélica

1 estudante

Espiritismo

1 estudante

Não possui

5 estudantes

Gráfico 9: Religião dos participantes

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Revistas

Internet

Rádio

Jornal Impresso

Televisão

Número de Pessoas

Gráfico 10: Frequência de acesso aos meios de comunicação de massa por estudantes

138

De acordo com o respondido no questionário, a mídia mais acessada pelas

. O acesso a jornais impressos e a

Todas acessam a internet mais de quatro vezes por semana, oito

Medicina e Saúde, seguido por

foram os temas de menor interesse. Nos

estão representadas as frequências de acesso às mídias e os temas de maior

Católica

2 estudantes

Evangélica

1 estudante

Todos os dias

Entre 4 e 6 dias por

semanaEntre 1 e 3 dias na

semanaAlgumas vezes por mês

Nunca

Page 140: PASTOR, Américo RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO … · leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação

Todas as participantes gostam de assistir a filmes e

respostas, recentemente assistiram mais filmes dos gêneros

Científica, seguidos pelos gêneros

mais citados foram Rei Leão 3D

adentro, exibido nas aulas de Psicologia Médica, que também obteve certa recorrência.

Quando foi perguntado quais foram os filmes mais marcantes que haviam assistido, os filmes

do gênero Drama foram os mais citados. O título de filme

Preconceito do gênero romance.

fílmicos recentes e os gêneros fílmicos marcantes com suas respectivas ocorrências.

0 1

Religião

Economia

Moda

Meio Ambiente

Esportes

Ciência e …

Medicina e Saúde

Arte e Cultura

Política

Te

ma

s d

e I

nte

ress

e

Gráfico 11: Temas de Interesse de estudantes

Aventura / Ação / Fic. Científica

ne

ro F

ílm

ico

Gráfico 12: Gêneros Filmicos assistidos recentemente por estudantes

Todas as participantes gostam de assistir a filmes e vídeos. De acordo com as

respostas, recentemente assistiram mais filmes dos gêneros Ação/Aventura e Ficção

seguidos pelos gêneros Drama e Animação. Os títulos assistidos recentemente

Rei Leão 3D e Capitão América. Também vale

, exibido nas aulas de Psicologia Médica, que também obteve certa recorrência.

Quando foi perguntado quais foram os filmes mais marcantes que haviam assistido, os filmes

foram os mais citados. O título de filme mais citado foi

romance. Os gráficos 12 e 13 apresentam comparação entre gêneros

fílmicos recentes e os gêneros fílmicos marcantes com suas respectivas ocorrências.

2 3 4 5 6 7 8 9

Número de Pessoas

Gráfico 11: Temas de Interesse de estudantes

Muito Interesse

Médio Interesse

Pouco Interesse

Nenhum Interesse

Não sei

0 5 10

Séries de TV

Drama

Comédia

Aventura / Ação / Fic. Científica

Animação

Número de Filmes

Gráfico 12: Gêneros Filmicos assistidos recentemente por estudantes

139

vídeos. De acordo com as

Ação/Aventura e Ficção

Os títulos assistidos recentemente

destacar o filme Mar

, exibido nas aulas de Psicologia Médica, que também obteve certa recorrência.

Quando foi perguntado quais foram os filmes mais marcantes que haviam assistido, os filmes

mais citado foi Orgulho e

apresentam comparação entre gêneros

fílmicos recentes e os gêneros fílmicos marcantes com suas respectivas ocorrências.

Muito Interesse

Médio Interesse

Pouco Interesse

Nenhum Interesse

Não sei

15 20

Número de Filmes

Gráfico 12: Gêneros Filmicos assistidos recentemente por estudantes

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Este dado indica que estas espectadoras recentemente buscaram assistir filmes que

lhes permitissem vivenciar aventuras. No entanto, quando o assunto foi filmes marcantes, o

gênero Drama foi o mais recorrente. Esta busca por experienciação de conflitos e

complexidades afetivas e emocionais, que caracterizam o

certa medida nas ocorrências do gênero

que estas espectadoras assistem a vídeos/filmes com a expectativa de vivenciar

afetividades, ou seja, os filmes funcionam como um dispositivo de experienciação da

realidade, bem como modo de refletir sobre ela.

Seis das nove participantes afirmaram ter o costume de assistir vídeos/filmes em sala

de aula. Mar adentro foi o título mais citado entre os filmes assistidos em sala de aula. Das

nove participantes, sete acreditam que os vídeos/filmes, exibidos na sala de aula, podem

contribuir para sua formação médica. Duas responderam

que os vídeos/filmes permitem vivenciar situações e provocar reflexão e discussão sobre os

temas relacionados principalmente à RMP e ética médica, majoritariamente no âmbito da

disciplina Psicologia Médica.

Diante disso, podemos compreender que as participantes,

feminino e sem religião, mais frequentemente acessam a internet e tem maior interesse pelos

temas: medicina e saúde, moda

vivenciar aventuras e experienciar afetividades.

mas foram os Dramas que mais as marcaram. Além disso, estas estudantes acreditam que os

filmes/vídeos podem contribuir para sua formação na medicina por, no âmbito da Psicologia

Médica, permitirem vivenciar situaç

relacionados aos aspectos subjetivos da prática médica (especialmente RMP e ética médica).

Aventura / Ação / Fic. Científica

ne

ro F

ílm

ico

Gráfico 13: Gêneros Filmicos mais marcantes para os estudantes

Este dado indica que estas espectadoras recentemente buscaram assistir filmes que

permitissem vivenciar aventuras. No entanto, quando o assunto foi filmes marcantes, o

foi o mais recorrente. Esta busca por experienciação de conflitos e

mplexidades afetivas e emocionais, que caracterizam o Drama, também pode ser notada em

certa medida nas ocorrências do gênero Romance. De modo geral, estes dados são indícios de

que estas espectadoras assistem a vídeos/filmes com a expectativa de vivenciar

afetividades, ou seja, os filmes funcionam como um dispositivo de experienciação da

realidade, bem como modo de refletir sobre ela.

Seis das nove participantes afirmaram ter o costume de assistir vídeos/filmes em sala

o título mais citado entre os filmes assistidos em sala de aula. Das

nove participantes, sete acreditam que os vídeos/filmes, exibidos na sala de aula, podem

contribuir para sua formação médica. Duas responderam talvez. De modo geral elas acreditam

vídeos/filmes permitem vivenciar situações e provocar reflexão e discussão sobre os

temas relacionados principalmente à RMP e ética médica, majoritariamente no âmbito da

disciplina Psicologia Médica.

Diante disso, podemos compreender que as participantes, em sua maioria, do sexo

feminino e sem religião, mais frequentemente acessam a internet e tem maior interesse pelos

medicina e saúde, moda e arte e cultura. Usualmente assistem a filmes como meio de

vivenciar aventuras e experienciar afetividades. Recentemente assistiram mais as

que mais as marcaram. Além disso, estas estudantes acreditam que os

filmes/vídeos podem contribuir para sua formação na medicina por, no âmbito da Psicologia

Médica, permitirem vivenciar situações, provocar reflexão e discussão para temas

relacionados aos aspectos subjetivos da prática médica (especialmente RMP e ética médica).

0 5 10 15

Romance

Animação

Aventura / Ação / Fic. Científica

Comédia

Drama

Número de Filmes

Gráfico 13: Gêneros Filmicos mais marcantes para os estudantes

140

Este dado indica que estas espectadoras recentemente buscaram assistir filmes que

permitissem vivenciar aventuras. No entanto, quando o assunto foi filmes marcantes, o

foi o mais recorrente. Esta busca por experienciação de conflitos e

também pode ser notada em

. De modo geral, estes dados são indícios de

que estas espectadoras assistem a vídeos/filmes com a expectativa de vivenciar aventuras e

afetividades, ou seja, os filmes funcionam como um dispositivo de experienciação da

Seis das nove participantes afirmaram ter o costume de assistir vídeos/filmes em sala

o título mais citado entre os filmes assistidos em sala de aula. Das

nove participantes, sete acreditam que os vídeos/filmes, exibidos na sala de aula, podem

De modo geral elas acreditam

vídeos/filmes permitem vivenciar situações e provocar reflexão e discussão sobre os

temas relacionados principalmente à RMP e ética médica, majoritariamente no âmbito da

em sua maioria, do sexo

feminino e sem religião, mais frequentemente acessam a internet e tem maior interesse pelos

Usualmente assistem a filmes como meio de

Recentemente assistiram mais as aventuras,

que mais as marcaram. Além disso, estas estudantes acreditam que os

filmes/vídeos podem contribuir para sua formação na medicina por, no âmbito da Psicologia

ões, provocar reflexão e discussão para temas

relacionados aos aspectos subjetivos da prática médica (especialmente RMP e ética médica).

20 25 30

Número de Filmes

Gráfico 13: Gêneros Filmicos mais marcantes para os estudantes

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141

5.2.2.2 Recepção do vídeo

A leitura flutuante das transcrições nos levou à hipótese de que o vídeo Lição de

Anatomia sofreu resistência por parte dos espectadores, principalmente em relação à sua

linguagem. As participantes inicialmente não desenvolviam uma discussão mais profunda,

apesar dos esforços do moderador em motivá-las. Este grupo de discussão durou cerca de 20

minutos. Após esta análise preliminar da discussão, foi possível dividi-la em cinco partes,

cinco sequências, nas quais foi possível discutir alguns pontos com maior atenção. Na

primeira sequência da discussão, as participantes falaram brevemente da trama do vídeo como

um todo e já começaram a identificar nele alguns temas/conflitos abordados nas aulas de

Psicologia Médica. Na segunda sequência, a discussão deu maior foco a como estes temas são

abordados na formação/prática médica. Na terceira sequência, as participantes analisaram os

personagens e suas condutas. Na quarta sequência, sob um viés mais marcadamente subjetivo,

ainda com foco nos personagens, as participantes expressaram eventuais identificações com

os personagens do vídeo. Na quinta e última sequência, abordaram os aspectos formais e

recursos estéticos do vídeo, propondo possíveis mudanças. Nos parágrafos a seguir,

trataremos da análise de cada uma dessas cinco sequências.

Primeira sequência

Nesta primeira parte do grupo de discussão, as participantes foram solicitadas a dizer o

que compreenderam do vídeo e do que ele tratava. A análise temática das repostas e

consequentes interações, de modo geral, mostrou que o tema RMP foi o que mais vezes esteve

presente nas falas das participantes. Outros temas relacionados indiretamente com a RMP,

como a questão do envolvimento do médico com o sofrimento do paciente, a crítica a

atendimentos não pautados por princípios humanos, as relações entre diferentes

especializações médicas e distintos modos de RMP também tiveram alta ocorrência. Com

exceção do tema "Comunicação de más notícias", que não estava previsto na produção do

vídeo, todos os temas identificados podem ser compreendidos como componentes das leituras

esperadas pelos produtores do vídeo. No quadro a seguir, estão listados os temas identificados

e suas respectivas ocorrências.

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142

Quadro 14: Temas identificados na primeira sequência da discussão entre Estudantes.

Temas Ocorrências

RMP 5

Envolvimento com o sofrimento do paciente 4

Desumanização do atendimento 4

Especialização/RMP 3

Morte 2

Psicologia Médica/Psiquiatria 2

Comunicação de más-notícias 1

Drama/sinopse 1

Influência das Aulas de Anatomia na form. médica 1

Na figura a seguir, pode-se observar a sequência de surgimento dos principais temas

identificados.

Figura 12 - Diagrama de surgimento de temas na primeira sequência de discussão entre estudantes

Como é possível observar no esquema acima, a discussão parte de uma referência

imediata à sinopse da história abordada pelo vídeo. Os temas se sucederam em direção aos

que mais especificamente compõem o significado preferencial do vídeo, culminando com o

tema "influências das aulas de anatomia da formação médica". Do sexto ao último, são

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143

relacionados os principais temas ligados diretamente ao significado preferencial identificado

no estudo da produção do vídeo. Assim, parece que as participantes, por meio das interações

durante a discussão, passaram de uma compreensão mais superficial do vídeo, expressa pela

sua sinopse, perpassaram os assuntos ligados à subjetividade no âmbito do atendimento

médico (das RMP), os mecanismos de defesa dos médicos mediante os traumas da prática

médica, chegando a reflexões sobre as influências das aulas de anatomia na formação dos

profissionais em medicina.

A discussão parece ter atingido as expectativas dos produtores do vídeo, exceto pela

falta de menção ao tema que se relacionasse especificamente com "o contato com o cadáver

na formação médica como gerador de traumas". No entanto, podemos subentendê-lo como

inserido na última categoria temática da sequência, "influências das aulas de anatomia da

formação médica". Isso nos leva a crer que, na dimensão compreensão, a leitura foi

completamente convergente, ou seja, a leitura preferencial foi bastante próxima do

significado preferencial.

Isso também poder ser evidenciado pelas falas destacadas a seguir.

O vídeo mostra o reencontro de médicos de alguns anos depois de sua formatura e aí cada um fica falando de como é a personalidade do outro, de como evoluiu a vida deles e tal. E assim, no final eles têm um clima tenso que deixa os médicos, é..., assim discordam em relação ao tratamento... ao envolvimento do médico que tem que ter com o paciente, tratamento, enfim, e aí acaba; resumindo ... (Aluna 1). Acho que mais que isso, também tenta mostrar a relação médico – paciente, e outros assuntos ai que a psiquiatria, que a gente na aula de psicologia tenta abordar... acho que mais que um encontro só de colegas... (Aluna 5). A proteção do médico com a própria profissão, de se proteger contra o envolvimento que pode sofrer... como ela falou, cada um se protege de um modo (se refere a especialização) (Aluna 9).

A Aluna 1 começa falando sobre a história apresentada no vídeo e começa a identificar

alguns temas. A Aluna 5 amplia a identificação de temas e afirma que o vídeo trata mais do

que da história em si, e relaciona os temas identificados com a disciplina Psicologia Médica.

A Aluna 9 dá prosseguimento à discussão e começa a abordar a dimensão mais subjetiva da

prática médica e da formação médica, e principalmente das RMP.

Quando solicitadas a citar que conflitos poderiam ser identificados na história do vídeo

em questão, as alunas começaram a enumerá-los, de modo pouco interativo, apenas foram

uma após a outra destacando os conflitos, sem hesitar.

Morte! (Aluna 9). A relação do médico com o paciente. (Aluna 2) O grau de envolvimento. (Aluna 9)

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144

A questão o quanto a anatomia é decisiva ou não pra formação médica do individuo (Aluna 9).

Ao ser dito este último enunciado, as participantes ainda tentam desenvolver mais

algum tema, mas são tomadas uma a uma pelo silêncio. O moderador, notando a saturação

dessa parte da discussão, passa para a próxima questão.

Desta forma, com base nessa primeira parte do grupo de discussão, é possível afirmar

que as leituras das participantes, de modo geral, apresentaram alto grau de convergência com

o significado preferencial, na dimensão de compreensão. As alunas compreenderam bem a

história e identificaram os temas esperados pelos produtores do vídeo.

Segunda sequência

Na segunda parte do grupo de discussão, as participantes foram questionadas se

acreditavam que as situações/questões identificadas por elas no vídeo correspondiam à

realidade da prática médica. Inicialmente, houve pronta concordância que estas questões

faziam parte da realidade da prática médica, mas no decorrer da discussão as participantes

discordaram. De modo geral, os temas presentes nesta parte do grupo de discussão passaram

principalmente pela presença ou não de discussão sobre aspectos ligados a RMP na formação

médica e sobre como a rotina de atendimento leva à desumanização e mecanização do

atendimento. Além disso, também fizeram parte dos temas identificados questões ligadas à

relação com a família do paciente, a morte e as influências das diferentes experiências

subjetivas na prática médica. No quadro a seguir listamos os temas identificados e as

respectivas ocorrências.

Quadro 15: Temas identificados na segunda sequência da discussão entre Estudantes.

Temas Ocorrências

Discussão na formação médica de temas ligados à RMP

2

Desumanização e Mecanização do atendimento

2

Relação com a família do paciente 1

Morte 1

Influência de diferentes subjetividades e experiências na prática médica

1

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145

É importante ressaltar que os dois temas de maior ocorrência agrupam dois temas

discordantes. Ou seja, uma participante acredita que os temas relacionados à RMP não são

discutidos na formação médica, enquanto outra acredita que sim. Discordância semelhante

ocorreu na discussão sobre a prática de atendimento humanizado/mecanizado. Na figura a

seguir, o esquema permite observar melhor a sequência interativa.

Figura 13 - Diagrama de surgimento de temas na segunda sequência de discussão entre estudantes

Como mostra o esquema, inicialmente as participantes concordam e parte das

participantes segue destacando a insuficiência/ausência de discussões sobre aspectos da RMP

na formação médica e da desumanização e mecanização do atendimento médico. Em seguida

outras participantes começam a confabular e passam a discordar do que estava sendo

afirmado. A seguir destacamos algumas falas dessa discordância.

Ah... com o pouco contato assim... que a gente tá começando a entrar na enfermaria agora, dá pra perceber que realmente não é muito discutida essa questão da morte, a questão da, ah..., sei lá, do bem estar do paciente sem ser medicação. Ah, toma isso para ficar melhor, não é só entre remédio-solução, sempre é primeiro uma solução, nunca é conversa... essa questão fica meio de lado. (Aluna 9) A mecanização da medicina também. Que... Lá na enfermaria, aquela rotina que tem que ser cumprida, naquele determinado horário, então a gente tem que correr, não pode passar da hora. Então, se você quiser, ter ali um momento mais íntimo com o seu paciente, às vezes não dá tempo, tem que fazer o exame que ali sistematicamente. (Aluna 9) Não, que ela (Aluna 4) estava comentando que na nossa enfermaria a gente não vê muito isso. A gente discute bem os casos, conversam com os pacientes... não é muito mecanizado não. (Aluna 3) ...é geralmente eles falam... discutem... (Aluna 3)

A Aluna 9 relata a sua experiência de recente "entrada" na enfermaria e afirma que

neste ambiente ela não encontrou uma discussão a cerca da RMP e de outras questões

relacionadas à subjetividade no atendimento. Em seguida, ela complementa dizendo que a

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146

rotina imposta na enfermaria, a sistematização do atendimento, o pouco tempo e o grande

número de pacientes a serem atendidos dificultam ainda mais o desenvolvimento de uma

RMP satisfatória. Neste momento a Aluna 3, que estava cochichando com a Aluna 4, toma a

palavra, discorda das colegas e afirma que em sua prática na enfermaria os temas são

discutidos, que a rotina de atendimento não é mecanizada. Por isso, ela não acredita que a

rotina imposta pelos serviços de atendimento seja complicador da RMP, e que há tempo para

conversar com os pacientes.

Diante do impasse e do silêncio que se instaurou após esta discordância, o moderador

procura compreendê-la e questiona as participantes, que prontamente respondem que elas

pertencem a turmas diferentes. Observando a importância dada a estes dois temas na

discussão, o moderador busca saber se as participantes consideravam importante a presença

dessa discussão na formação médica. Todas participantes respondem positivamente a

indagação do moderador. Para se certificar, o moderador pergunta se os conflitos

identificados deveriam fazer parte da prática médica, e se sim, como deveriam ser tratados. As

participantes expressam acreditar que estes conflitos são inerentes à prática médica e

necessários à formação médica.

Acho que nunca, não vai deixar de ter um conflito relacionado com a morte, assim em relação ao... Acho que não vai deixar porque é um o desconhecido para todo mundo que... acho que nunca vai ser uma situação super confortável... "Ah, é normal", certeza de que todos vamos morrer "Ok!", não que isso... Ninguém fica confortável com isso! (Aluna 3) Quando é um tema subjetivo, parte da sua experiência de vida também, que varia muito de individuo para individuo. Que nós temos em comum é um aprendizado prático assim, mas agora quando entra nessas questões subjetivas, ai entra nas discussões justamente por isso... Cada um tem a sua opinião, às vezes tem uma religião que influencia nessa opinião... tem uma vivência, uma experiência diferente do conhecimento... (Aluna 9)

Nos trechos destacados, podemos observar que a Aluna 3 acredita que estes conflitos

nunca deixarão de existir e nem serão completamente superados, diante do desconhecido que

a morte significa. A Aluna 9 complementa ao ponderar que a formação prática dos médicos é

de certa forma padronizada, mas que a formação da subjetividade atuante na prática médica

ocorre também com contexto mais amplo da vida e das experiências dos estudantes, citando

como exemplo a religião como também formadora desta subjetividade. Isto é interessante,

pois a Aluna 9 afirmou ser de religião espírita e a Aluna 3, não ter religião. Provavelmente a

Aluna 9 estava respondendo à Aluna 3, que acabara de abordar o tema morte, e

consequentemente "insinuar" sua compreensão do que é morte. Assim, estes indícios nos

levam a crer que provavelmente as participantes se referiam também às diferentes formas de

compreensão da morte pautadas por suas experiências de vida de modo mais amplo.

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147

Podemos considerar que, apesar das participantes não concordarem com os

argumentos apresentados no vídeo sobre na formação em medicina não serem discutidas

suficientemente as questões relacionadas à RMP, as participantes acreditam que seja de

grande importância e necessário que estas discussões façam parte da formação do profissional

de medicina. Também abordaram, ainda que brevemente, questões relacionadas à morte e a

relação do médico com a família do paciente.

A princípio, com a análise desta parte da discussão, podemos afirmar que a dimensão

posição é negociada. As participantes não expressam estarem completamente de acordo com a

forma como o vídeo apresenta a formação médica como produtora de angústias e formadora

de médicos que procedem com atendimento desumano e mecanizado. De fato houve uma

discordância entre as próprias participantes. Nas próximas sequências buscaremos

complementar este entendimento.

Terceira sequência

Na terceira parte da discussão, as alunas foram solicitadas a dizer com que

atitudes/argumentos de quais personagens elas mais concordavam. De modo geral as

participantes ironizaram e destacaram a esterotipação e polarização com que os personagens

foram caracterizados, o que pode ter dificultado a plena concordância de algumas

participantes com as atitudes e argumentos dos personagens. Os principais temas identificados

nesta sequência foram:

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Quadro 16: Temas identificados na terceira sequência da discussão entre Estudantes.

Temas Observações Ocorrências

Discordam das atitudes do "Cirurgião"

Exagerado, desequilibrado e desenvolve RMP desumana e com pouco envolvimento.

4

Sem concordância plena com as atitudes de um dos personagens

Polarização e estereotipação dos personagens

3

Concordam com as atitudes da "Psiquiatra"

Concordam plenamente. 3

Coadjuvantes são indiferentes

Fogem do conflito/discussão e pouco acrescentam à trama.

2

Apesar da expectativa dos produtores se enveredar pela concordância com as atitudes

da personagem psiquiatra (Marta), o tema mais recorrente foi a crítica às atitudes do

personagem cirurgião (Guilherme). Em segundo lugar, com a mesma frequência, a

concordância com as atitudes da personagem psiquiatra e a resistência à concordância plena

com um dos personagens. Outro tema identificado aponta para os "personagens coadjuvantes"

como pouco relevantes para o desenrolar da trama. Percebendo a relação entre estes temas e

ocorrências, podemos supor que a discordância talvez tenha sido uma postura mais recorrente

entre as participantes/espectadoras. Elas discordam do cirurgião, "não-concordam" com

nenhum dos personagens e ainda estão atentas à presença indiferente dos personagens

coadjuvantes para o resultado final da obra. As participantes adotam em sua maior parte uma

postura mais crítica em relação às atitudes/argumentos dos personagens. Não concordaram e

nem discordaram plenamente. No esquema a seguir foi representado o desenrolar da discussão

e a possível postura crítica que atravessa todo o debate.

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Figura 14 - Diagrama de surgimento de temas na terceira sequência de discussão entre estudantes

Inicialmente, em meio a risos e ironias, o foco da discussão recai sobre a forma

exagerada como os personagens foram construídos. A resistência aos personagens é explícita.

Em seguida as participantes afirmam a dificuldade em concordar com um dos personagens,

em especial com o cirurgião.

Então... [risos]... Tem um que está muito revoltado ... [risos] (Aluna 3) Está de mal com a vida... Acho que ele precisa de um tratamento... [risos] (Aluna 2) Acho que eu não sei se concordo totalmente com um deles. (Aluna 9)

Apesar de afirmarem não ser fácil concordar com um dos personagens, afirmam que

concordam mais com os argumentos/atitudes da personagem psiquiatra do que com os do

personagem cirurgião. Buscam criticar o cirurgião tentando parafrasear algumas de suas falas.

Então concordo totalmente com a psiquiatra... Mas acho que a maioria discordou dele porque ele era muito... Não ligava muito para o paciente, pelo que ele mostrou, ah... "-Eu faço o que tenho que fazer, eu dou o remédio, ele fica curado!", aí fica mais acessível, o estado emocional para ele não influencia... É com esse que eu discordei. Não liga muito para o paciente (Aluna 5). Ah porque mesmo ele sendo um cirurgião, ele podia se importar... Ah, tipo... "- Acho certo os clínicos verem isso". Mas ele meio que acha não tem que se envolver... (Aluna 3)

Ressaltam que para o personagem cirurgião não há importância alguma o estado

emocional do paciente, e que por isso ele não liga para o paciente. No entanto, afirmam que

não necessariamente os cirurgiões deveriam se importar tanto com estes aspectos subjetivos

da RMP, mas que eles deveriam ao menos reconhecer a importância da atenção a esta

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problemática da RMP. Assim, destacam que o personagem cirurgião foi tratado de modo

bastante estereotipado, e então ponderam que os personagens ocupam posições bastante

polarizadas.

Acho que são dois estilos extremos assim. Porque assim, uma é muito certinha, tudo que ela fala é muito difícil para ele por em prática e, que o outro, o cirurgião, por exemplo, é o extremo do que a gente não deseja... (Aluna 9)

A Aluna 9 destaca que os dois personagens representam polos. A psiquiatra que é

muito correta em suas colocações, quase perfeita, e por isso difícil de colocar em prática. Já o

cirurgião que representa o tipo extremo de médico não despende atenção ao desenvolvimento

de uma RMP satisfatória e de um atendimento mais humanizado. A aluna então rejeita o ideal

de uma RMP perfeita por não acreditar ser possível praticá-la, e rejeita também a total falta de

preocupação e cuidado com estas questões. No trecho a seguir podemos observar que a Aluna

3 também concorda com este posicionamento.

É porque uma coisa que você falou tava certa. Se você parar para avaliar todo estado emocional do paciente, você vai ficar horas numa consulta com um paciente. Não tem como fazer isso no dia-a-dia. Tem que ser meio termo... (Aluna 3)

A Aluna 3 neste ponto concorda com o argumento do cirurgião segundo o qual seria

inviável, por conta do tempo gasto, o atendimento mais completo em que se considerasse todo

o aspecto emocional do paciente. Acredita que na rotina médica tem que se buscar o meio

termo, ou seja, uma produtividade satisfatória sem comprometer uma atenção que seja

mínima aos aspectos subjetivos da relação médico paciente.

No trecho final desta sequência, as participantes terminam por afirmar que os

personagens coadjuvantes não acrescentam muito à trama, e seguem parafraseando de forma

irônica algumas falas destes personagens.

É, os outros estavam meio (Aluna 3)... [todas riem] "- Vamos tomar um drink..." (Aluna 4) "- Meu filho está fazendo medicina..." (Aluna 2) [todas riem]

Como já dito acima, as estudantes mantiveram postura crítica em relação aos

argumentos dos personagens e a forma como estes foram construídos e representados.

Principalmente, rejeitaram as atitudes e alguns argumentos do personagem cirurgião ou não

concordaram completamente com os argumentos de um dos personagens. Resistiram à

estereotipação dos personagens e criticaram a polarização da discussão entre a psiquiatra

caracterizada como “quase perfeita” e o cirurgião dotado de muitos defeitos em sua prática

médica.

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Desta sequência podemos notar as alunas leram criticamente os argumentos

defendidos pelos personagens. Apesar da maior concordância com os argumentos e atitudes

da psiquiatra, as participantes não conseguiram concordar plenamente com ela, como também

não conseguiram rejeitar completamente os argumentos do cirurgião. Esta postura das

espectadoras reforça que a dimensão posição foi negociada, como a sequência anterior já

começava a indicar.

Esta sequência também nos permite observar que as participantes estavam em certa

medida conscientes da construção da linguagem do vídeo, das escolhas dos recursos estéticos

e, principalmente, de linguagem. Isto foi especialmente observável na crítica à polarização da

discussão entre os dois personagens estereotipados e da descrição dos personagens

coadjuvantes como estando fora da trama principal do vídeo. Isso nos permite começar a crer

que houve um distanciamento crítico em relação à linguagem do vídeo. Desta forma, a

dimensão discriminação teria no eixo distanciamento uma leitura tendendo a distanciada. Já

quanto ao eixo imersão, ainda não é possível concluir nada. Nas próximas sequencias

buscaremos compreender melhor a leitura nesta dimensão, e melhor caracterizá-la.

Quarta sequência

Nesta parte, buscamos saber com qual personagem as participantes mais se

identificaram. Ao se considerar as respostas dadas à questão anterior, analisadas na terceira

sequência, as respostas tenderiam a se concentrar na maior identificação com os personagens

"mais protagonistas" da história. Isto não ocorreu. Nesta sequência, os participantes se

voltaram mais para uma comparação entre as características de personalidade e

comportamento dos personagens e as suas próprias, ainda que estas características não

representassem aquilo que eles consideram como ideal no campo da prática médica. Houve

pouca discussão nesta parte. Na verdade, o moderador necessitou questionar as participantes

uma a uma. Por este motivo, esta parte da discussão não terá sua sequência analisada, já que

ela foi quase completamente dirigida pelo moderador.

No quadro a seguir estão dispostas as formas com que as participantes se referiram aos

personagens, o nome dos personagens, as características que foram atribuídas aos personagens

indicados e a quantidade de identificações ocorridas em relação a cada personagem.

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Quadro 17: Temas identificados na quarta sequência da discussão entre Estudantes.

Temas Personagem Caracterizações Ocorrências

"Loirinha de olhos azuis"

Maria Equilibrada, consciente da questão discutida, mas evitou entrar na discussão.

4

"carequinha engraçado que pede whisky"

Alfredo Equilibrado, tem bom-humor, bons argumentos, reflexivo e ponderado, e mostrou-se bastante "humano".

4

A Psiquiatra Marta "Cabeça dura" e "fala o que pensa".

3

Como podemos observar, a identificação foi com os personagens coadjuvantes

Alfredo e Maria. Essa identificação foi justificada pelos participantes por conta do maior

equilíbrio, consciência e ponderação demonstrada por estes personagens em seus

posicionamentos e atitudes.

Eu me identifico com o gordinho careca que pediu o whisky [Alfredo]... fica levando na esportiva. (Aluna 2) ... ele [Alfredo] é meio termo assim. Ele pondera as coisas. É diferente com o resto ... (Aluna 8) A outra mulher da mesa... A loira [Maria]... porque ela também ela estava ali no meio... mais tranquila... é porque ela pensava sobre tudo o que estava sendo falado, e não entrava em discussão. (Aluna 5)

Esses personagens participavam da discussão, no entanto, se mostravam mais flexíveis

e questionadores. Ao contrário, os personagens protagonistas demonstraram um

posicionamento mais firme na forte defesa de seus argumentos. Três participantes afirmaram

se identificar mais com a personagem psiquiatra (Marta). No entanto, se a identificação com

os personagens coadjuvantes versou sobre as características e atitudes destes, a justificativa da

identificação com a psiquiatra se voltou mais para aspectos da personalidade, como

exemplificam os trechos a seguir.

Assim, eu sou mais cabeça dura. Então, ou com o revoltado ou com a outra (refere – se ao cirurgião e à psiquiatra)... Mais para a psiquiatra... (Aluna 3) Ah, acho que com a psiquiatra ... Por que eu falo o que eu penso... o mesmo que ela...Ela falou as verdade para o cirurgião. (Aluna 9)

A maior identificação com os personagens coadjuvantes, justificada pelo modo

equilibrado sem a perda do poder crítico e reflexivo na participação da discussão, nos permite

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reforçar que a leitura na dimensão posição foi negociada. Esta identificação por si só não seria

o suficiente para caracterizar a leitura nessa dimensão, no entanto ela permite reforçar as

caracterizações feitas nas sequências anteriores.

Quinta sequência

Nesta parte da discussão a dimensão discriminação foi mais facilmente notada. Como

a terceira sequencia já dava indícios, na dimensão discriminação, no eixo imersão as

espectadoras não imergiram e, principalmente, no eixo distanciamento, leram com

distanciamento crítico. As participantes foram solicitadas a dizer o que modificariam no

vídeo, se fossem convidados a refazê-lo. Falta de verossimilhança, personagens

estereotipados, excesso de ênfase na discussão, polarização das posições defendidas na

discussão e a qualidade dos atores foram criticados. Ainda foram sugeridas mudanças no

contexto da história e a permanência do "final em aberto". No quadro a seguir estão dispostos

os principais temas identificados e suas respectivas ocorrências.

Quadro 18: Temas identificados na quinta sequência da discussão entre Estudantes.

Temas Ocorrências

História seria mais verossímil 14

Mudança de cenário/contexto 5

Personagens menos estereotipados

4

Final em aberto 2

Menos ênfase na discussão 1

Discussão menos polarizada 1

Atores ruins 1

Como podemos observar, predominaram as críticas voltadas à pouca verossimilhança.

Quase todas as participantes fizeram críticas à verossimilhança do vídeo. Essa crítica também

perpassou outros temas, como a necessidade de mudança de cenário, a estereotipação dos

personagens, a discussão menos enfática e polarizada. Além disso também foram criticados

atores e cenário. A maior parte das críticas se concentraram na história que se passa no vídeo.

Na figura a seguir é possível observar a sequencia de surgimento deste temas.

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Figura 15 - Diagrama de surgimento de temas na quinta sequência de discussão entre estudantes

Como representado no esquema acima, o debate é iniciado com criticas à ênfase dada à

discussão e à estereotipação dos personagens. Depois, as participantes seguem apontando

diversos aspectos que comprometem a verossimilhança da história. De maneira irônica, as

alunas afirmam que o final aberto ficou bom, embora esta afirmação não tenha soado

convincente. Criticam a técnica dos atores, mas ponderam que talvez a artificialidade esteja na

história, na maneira como ela foi escrita. Diante disso, propõem mudanças no

contexto/cenário em que se desenrola a história, a própria situação de reencontro, e sugerem

que a história se passe em um ambiente hospitalar. Além disso, criticam a forma como os

personagens na história reagem à morte de seu amigo (Eduardo).

A crítica predominante na sequência 5, a pouca verossimilhança da história do vídeo,

totaliza 14 ocorrências. Na maioria dos trechos identificados as participantes faziam tais

críticas em tom de ironia e em meio a risos. No trecho a seguir destacamos alguns exemplos.

É. Ficou ali a discussão o tempo todo, só da medicina, mas na realidade não é assim. Entra outros assuntos no meio também.... outros eventos. (Aluna 9) Esqueceram até do amigo que tinha morrido [risos]... (Aluna 2) É o pessoal superou rápido a morte dele [risos]... (Aluna 1) É! Para comemorar! [risos] (Aluna 3)

No trecho acima, é possível observar que a insensibilidade demonstrada pelos

personagens na “fácil superação” da má-notícia recém recebida é um exemplo das críticas

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feitas à verossimilhança do vídeo. Ou seja, as participantes resistem a este trecho do vídeo

como um discurso que versa sobre a realidade.

No trecho a seguir também é possível observar a resistência à falta de verossimilhança

na leitura das espectadoras.

... é um pouco forçado, porque se você olhar a situação na vida real, a conversa não vai só para o lado da medicina, tenta escapar o máximo da medicina e, não fica assim essa agressividade tão grande, mesmo que desde a faculdade, desde cedo, as pessoas não se dessem bem, elas não agiriam daquela forma. (Aluna 1) Ainda mais que é um reencontro de amigos. (Aluna 9) Depois de tanto tempo, se o cara não tivesse uma boa relação na faculdade não haveria um reencontro... (Aluna 2)

No trecho acima a Aluna 1 ressalta que a história não é verossímil e que numa situação

real a discussão não seria apenas sobre medicina. Também afirma que os colegas não se

tratariam com tanta agressividade em um reencontro. As Alunas 2 e 9 concordam com a

Aluna 1.

A qualidade técnica dos atores também foi criticada. No entanto, houve uma

ponderação que talvez a artificialidade com que estes encenavam se devesse a alguma

artificialidade no próprio roteiro. Isto reforça a percepção de falta de verossimilhança na

história. A fala transcrita a seguir exemplifica a artificialização apontada pelas participantes.

Tipo assim: "hoje deveríamos conversar mais sobre a morte" [imita uma fala de modo irônico e caricato] (Aluna 3).

Foram propostas mudanças no cenário/contexto em que ocorre a história. As

participantes sugeriram que o cenário hospitalar talvez fosse mais adequado, possivelmente

uma sala de médicos ou local de atendimento.

Eu acho que o vídeo se passaria em uma outra situação, e não um reencontro.

(Aluna 3)

Talvez uma discussão dentro de um hospital. (Aluna 1)

Dentro de um hospital... (Aluna 2)

Dentro da sala dos médicos, uma conduta médica... (Aluna 9) Ou mesmo uma conversa, mas dentro do ambiente hospitalar. Aí poderiam surgir esses assuntos, mas depois de uma situação especial... (Aluna 1) Uma seção... (Aluna 4)

As Alunas 1 e 2 sugerem que o cenário fosse mais adequado a uma "situação médica",

um hospital. A Aluna 2 também acredita que a história devesse acontecer em um hospital. A

Aluna 9 especifica um pouco mais e sugere que o vídeo poderia se passar dentro da sala dos

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médicos e que se tratasse de uma conduta médica que, por sua vez, poderia servir de estopim

para a discussão de um dos temas discutidos no vídeo. Ou seja, espera-se que a discussão dos

temas surja da prática médica. A Aluna 4 ainda pondera que talvez pudesse se tratar de uma

seção, talvez se remetendo à possibilidade de um atendimento psicológico. De modo geral,

não houve menção positiva ao cenário, e as espectadores acreditam que o vídeo faria mais

sentido se os temas debatidos surgissem a partir de uma "experiência" de prática médica.

A exemplo da sequencia 3, a estereotipação dos personagens foi criticada. Também foi

sugerida que a discussão entre os personagens fosse menos enfática e polarizada.

Eu acho que a discussão seria menos enfática, assim... Haveria a discussão, mas eles seriam menos polarizada... é isso. Acho que o Guilherme compreenderia muito mais o lado da Marta e, a Marta seria menos agressiva com ele... (Aluna 1) ... E ele menos agressivo com ela [risos]. (Aluna 2)

A Aluna 1 afirma que tiraria o foco excessivo sobre a discussão e tornaria esta

discussão menos polarizada. Os personagens protagonistas seriam menos estereotipados.

As participantes disseram que o desfecho do vídeo com a questão em aberto poderia

permanecer. Entretanto, é importante frisar que na maior parte estas afirmativas foram feitas

em tom irônico, parafraseando um trecho do vídeo em que, na opinião das participantes, os

personagens rapidamente mudam de assunto e superam a morte do amigo Eduardo.

Vamos pedir um drink? [risos]... É, acho que continuaria. "Vamos pedir um drink!" [todas riem]. (Aluna 3) Ah, o final ficou bem legal, ficou aquela situação tensa. [todas riem] (Aluna 1)

Nesta quinta parte da discussão pudemos observar que a dimensão de leitura

discriminação foi alta. No eixo distanciamento, as espectadoras procederam com uma leitura

distanciada, motivadas pela pouca verossimilhança. As participantes não consideraram os

personagens, suas atitudes, nem a situação condizentes com aquilo que elas consideram

realidade. Já no eixo imersão, as participantes, ao longo das sequências, alternaram entre

imersão e não imersão. Em alguns momentos (por exemplo quando Guilherme afirma que

Marta está precisando de um namorado, ou quando ela o chama de depressivo, nos momentos

mais acalorados da discussão) as espectadoras imergiram na história, se posicionaram

pessoalmente contra ou a favor das atitudes/argumentos de alguns personagens e das situações

nas quais estes se encontravam. Em outros momentos, a pouca verossimilhança as fizeram

não imergirem e se manterem conscientes do caráter de construção do vídeo, mais

especialmente da construção dos personagens, que segundo as espectadoras não condiz com a

realidade (por isso, claramente construído). Momentos citados como a "rápida superação da

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morte do amigo" fizeram com que estas espectadores se distanciassem e emergissem da

trama. Por este motivo, nessa dimensão de leitura, as receptoras procederam com alta

discriminação.

Podemos então concluir que as espectadoras participantes deste estudo de recepção

tiveram compreensão convergente, alta discriminação e posição negociada. Considerando-se

que a disciplina Psicologia Médica é contra-hegemônica no campo da educação médica, que o

significado preferencial do vídeo se alinhava com essa contra-hegemonia, e que a dimensão

posição foi negociada, temos indícios para crer que a dimensão avaliação por sua vez também

será negociada. Assim, ela é negociada tanto se considerarmos como contexto o campo da

disciplina Psicologia Médica, como se considerarmos o contexto mais amplo da formação

médica, pois as leituras não se alinham completamente com nenhuma das linhas ideológicas

dominantes nestes dois contextos. No entanto, como já dito, os dados levantados nesta

pesquisa não são suficientes para conclusões consistentes sobre essa dimensão.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS - Uma tentativa de diálogo entre Produção e Recepção sob a ótica do modelo multidimensional Qualquer tentativa de comparação entre as intenções dos produtores e as leituras feitas

por estes dois grupos de espectadores, que se proponha como objetiva, final e por isso mais

verdadeira, estará fadada a cair em uma série de contradições que contribuiriam para uma

invalidação do estudo. Este estudo é, antes de tudo, uma leitura do analista a partir da obra

audiovisual e dos sentidos produzidos por produtores e espectadores, estes expressos

discursivamente. Por isso seria um contrassenso afirmar que a presente análise é a única

possível.

Outro ponto que vale ser lembrado é que apesar dos instrumentos dos dois estudos de

recepção serem bem semelhantes, a prática foi um tanto diferente. Enquanto no grupo de

discussão feito com os alunos o moderador teve de ser mais ativo na provocação de debate e

condução das interações, no grupo de discussão com os professores as discussões ocorreram

de modo mais espontâneo e nem sempre seguiram um roteiro esperado pelo moderador. Estes

são cuidados que precisamos ter para colocar estas leituras em "diálogo", bem como na

tentativa de buscar relacioná-las com as intenções dos produtores do vídeo em questão.

Também é importante frisar que compreendemos que estes sujeitos, professores e

alunos, estão historicamente imersos em macro e micro relações de poder, e que essas

relações determinam e são determinadas pelas leituras de mídias feitas por estes, inclusive a

leitura de vídeos utilizados para fins educativos, entre diversos outros elementos que não

pudemos identificar. No entanto, optamos por não expandir nossa análise a estas dimensões

para manter o estudo exequível dentro dos limites temporais impostos pela dinâmica de

pesquisa no contexto da pós-graduação stricto sensu. Esta escolha foi um dos motivos que nos

levou a fazer o estudo de recepção com os dois grupos de maneira separada e mais

homogênea quanto suas posições e papéis nas relações de poder no contexto educacional.

Assim, nesta parte do trabalho, os esforços foram no sentido de buscar estabelecer

relações entre a produção do vídeo (as intenções dos produtores e os sentidos presentes no

vídeo) e a efetiva recepção do vídeo (e as leituras produzidas pelos dois grupos de

espectadores, estas sob hábitos específicos e cotidianos de consumo de mídia).

Como apresentado no referencial teórico do presente trabalho, não há uma necessária

identidade entre sentidos produzidos nos polos de produção e de recepção de produtos

midiáticos. Ainda que as leituras dos espectadores sejam em certa medida

recortadas/influenciadas pelas intenções dos produtores na construção de textos midiáticos, os

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espectadores leem ativamente os textos midiáticos, os ajustam, os significam sob um

background sociocultural mais amplo. Com as leituras feitas por professores e estudantes de

medicina, no contexto da disciplina Psicologia Médica, e no âmbito da pesquisa que

realizamos, ocorreu o mesmo. Não houve completa aceitação nem completa rejeição dos

significados intencionados pelos produtores, que estavam em certa medida materializados no

vídeo. As leituras desses espectadores foram em maior parte negociadas e constantemente

permeadas por suas práticas de leitura em um contexto sociocultural mais amplo. A análise

holística de produção e recepção neste trabalho nos permitiu chegar a algumas reflexões que

desenvolveremos nos parágrafos a seguir.

Com o estudo da produção percebemos que a constituição do significado preferencial

foi relativamente complexa. Não só as intenções dos produtores apresentam algumas

diferenças, como os documentos relacionados à produção e a realização final do vídeo

apresentam vários aspectos que constituem o significado preferencial. A partir das entrevistas

com os produtores foi possível compreender que a intenção do vídeo é chamar atenção,

sensibilizar e provocar discussão sobre a temática mais para as relações de trauma e angústias

produzidas na relação de estudantes com a morte e o cadáver, e suas influências na RMP que

estes estudantes viriam a desenvolver. Segundo os produtores, para facilitar a discussão, o

vídeo tem o final em aberto e conta com uma variedade maior de personagens e pontos de

vistas sobre os temas. A intenção seria privilegiar estes diferentes pontos de vistas, mas

garantir no debate o ponto de vista desenvolvido na Psicologia Médica. O que se percebe com

a análise dos documentos e estudo da obra, é que a narrativa dá maior valor aos argumentos

da Psiquiatra (Marta), que no vídeo representa, de certa forma, a voz da Psicologia Médica. A

voz de oposição, que estaria materializada no personagem cirurgião (Guilherme) é construída

de forma estereotipada, por isso, desvalorizada. Na verdade, estes dois personagens são

construídos da forma estereotipada, seja pela supervalorização ou desvalorização de seus

argumentos, o que resulta uma polarização entre estas duas posições e é uma simplificação da

realidade da problemática da formação médica e da RMP. Assim, apesar da intenção de se

valorizar as diferentes vozes que compõem o debate sobre estas questões na formação médica,

e colocar os temas em discussão, na obra há uma tomada de posição e a defesa de um dos

lados dessa questão, isso materializado na valorização dos argumentos e da construção da

personagem psiquiatra (Marta), bem como na desvalorização do personagem cirurgião

(Guilherme). Enunciado de forma simplificada e resumida, o significado preferencial seria:

afirmar que a formação médica é produtora de traumas e angústias, e defender uma formação

médica que considere aspectos objetivos e subjetivos. Ou seja, uma formação que abarque

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conhecimentos técnicos, humanos e sociais, favorecendo uma prática médica pautada por

valores éticos e humanos sem abrir mão da competência técnica. No entanto, essa

caracterização do significado preferencial se configura como um conjunto de intenções de

produtores, como uma tendência, que foi expresso ou não na forma do vídeo. Assim, o

significado preferencial do vídeo analisado, em sua complexidade, não deve ser reduzido

apenas ao enunciado acima expresso. Certamente no vídeo há uma tomada de posição, que se

configura mais como uma tendência, tendo em vista as variadas relações estabelecidas entre

as intenções dos diferentes sujeitos produtores e a forma com que o vídeo é feito.

As leituras de professores e alunos sobre os argumentos e temas presentes no vídeo,

foram em sua maior parte semelhantes e próximas às intenções dos produtores. Os alunos

produziram uma leitura mais ampla (identificaram uma quantidade maior de temas), e os

professores fizeram leituras menos amplas, mais profundas e complexas. No entanto, as

leituras, principalmente as dos professores, foram permeadas por um constante

distanciamento crítico. Este distanciamento nas leituras foi motivado em sua maior parte por

uma resistência aos modos e recursos estéticos e narrativos utilizados pelos produtores para

construir o significado preferencial. Isso produziu nos espectadores uma sensação de

artificialidade da história, causada principalmente pela estereotipação dos personagens,

polarização das posições defendidas por eles, e um suposto excesso de didatismo. Desse

modo, foi justamente o fracasso da tentativa de garantir que a leitura preferencial mais se

aproximasse do significado preferencial que provocou a adoção de um distanciamento crítico

em relação ao vídeo. Os professores chegam a ressaltar que se o vídeo fosse melhor feito

"esteticamente", talvez essa tentativa poderia ser bem sucedida.

Esse distanciamento pode também ser creditado às preferências de consumo de

gêneros cinematográficos dos espectadores e às experiências prévias com vídeos em sala de

aula. Ainda que incompleto, o estudo dos hábitos dos consumos de mídia mostrou que

professores e alunos têm preferência por filmes do gênero drama. Os estudantes declararam

ter assistido recentemente a um maior número de filmes do gênero ação/aventura/ficção

científica, entretanto eles afirmaram que os filmes que mais os marcaram são em maior parte

do gênero drama, que é gênero mais recentemente assistido e marcante, para professores. Os

filmes desse gênero também foram os mais exibidos por professores e assistidos por

estudantes em sala de aula. Isso nos permite supor que havia, de certa forma, uma expectativa

por se assistir a uma história com uma maior carga dramática, que se voltasse mais para a

subjetividade dos personagens permitindo aos espectadores vivenciar estas experiências.

Apesar do vídeo exibido poder, a princípio, ser caracterizado como um drama, os alunos e os

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professores (principalmente) não encontraram no vídeo a carga dramática que poderia se

esperar desse gênero, de acordo com os filmes e vídeos usualmente exibidos no contexto

dessa disciplina. Isso fica mais evidente quando é criticada a artificialidade da história, em

que os professores se ressentem da ausência de uma maior profundidade dramática, e os

alunos criticam, por exemplo, a facilidade com que os personagens superam a notícia da

morte de um amigo e se engajam no debate mais central do vídeo. De acordo com os

espectadores (principalmente professores), os personagens careciam de comportamento mais

humano, pois pareciam apenas existirem para serem portadores das ideias que se pretendia

comunicar com o vídeo. Os professores criticam de tal forma a falta de profundidade

dramática e o artificialismo, que chegam a sugerir que se o vídeo fosse um documentário, este

poderia ser mais crível. De um modo geral, o artificialismo e a falta de profundidade

dramática contribuíram significativamente para as dificuldades na identificação de

espectadores com os personagens, e influenciou como um todo as leituras feitas.

O endereçamento também foi resistido pelos espectadores. Endereçado a professores

de medicina e, principalmente, a estudantes de medicina, o vídeo fez uso de vocabulário

esotérico, um número maior de personagens, indumentária adequada, cenário (principalmente

nas cenas em flashback), e de algumas situações supostamente presentes no cotidiano desses

espectadores, como um meio de melhor fazer uma abordagem a esse espectador esperado. Na

tentativa de facilitar essa abordagem e facilitar a identificação dos espectadores com os

personagens, foi usada uma estratégia de endereçamento por meio da estereotipação dos

personagens. Ou seja, ao longo da produção das diferentes versões de roteiro, os produtores

foram enfatizando algumas características do vídeo na expectativa de facilitar um pouco mais

a aceitação do endereçamento por parte dos espectadores. Principalmente os dois personagens

principais (a psiquiatra e o cirurgião) sofreram essa estereotipação e tiveram amplificadas

suas divergências pessoais e ideológicas, que então ficaram notadamente polarizadas. De fato,

durante o desenvolver das várias versões de roteiros para o vídeo, é possível observar como

essa estratégia vai sendo feita. Esses personagens passam a ocupar lados opostos na mesa em

que se desenvolve o debate, e passam a evocar com mais frequência esses discursos

polarizados. E, a exemplo do ocorrido com o significado preferencial, o endereçamento é em

parte comprometido. No entanto, este comprometimento é atenuado pela existência de

personagens variados na história, o que permite aos estudantes que não conseguiram se

identificar com os personagens protagonistas, sob a justificativa da estereotipação, que

"ajustem" o endereçamento e se identifiquem com os personagens coadjuvantes. Vale explicar

que apesar dessa maior variedade de personagens ter sido planejada como estratégia de

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162

endereçamento, com o dito "reforço do endereçamento" alguns personagens coadjuvantes

passam a ter baixa relevância para a história como um todo. É exatamente essa sensação de

"baixa relevância" de suas atitudes para um campo político maior e/ou para a coerência

interna da história representada, que transparece nas leituras desses estudantes. Parece que

estes estudantes preferem observar esse campo de disputa sem tomar partido por nenhum dos

lados. Compreendem a problemática, sua relevância, mas não se empenham em

"militar"/discutir/defender nenhum dos lados. Efetivamente, os alunos identificaram as

temáticas, mas não se puseram facilmente a discutir estes temas.

Por outro lado, os professores conseguem, com muita dificuldade, em alguns

momentos se identificar com Marta, ao passo que também a criticam veementemente, e fazem

algumas ressalvas aos argumentos de Guilherme. Não concordam completamente com Marta,

nem discordam completamente de Guilherme. Assim, esse reforço, que supostamente

facilitaria a identificação com os personagens, atuou como dificultador. Em maior parte, os

professores resistiram a todos personagens, enquanto os alunos se ajustaram aos personagens

coadjuvantes. Estes apontamentos sobre o endereçamento e as identificações, em relação às

leituras de estudantes e professores, podem ser aperfeiçoados e melhor fundamentados em

trabalhos futuros com o estudo das dimensões motivação e implementação do Modelo

Multidimensional , dimensão à qual a presente pesquisa não se dedica.

Se analisadas sob a ótica do Modelo Multidimensional, estes dois grupos de leituras

(professores e alunos) apresentam algumas peculiaridades. Na dimensão compreensão as

leituras dos dois grupos foram convergentes ao significado preferencial, no entanto diferentes

em seus modos. Enquanto as leituras dos alunos foram mais amplas, identificando no vídeo

uma variedade maior de temáticas (RMP, envolvimento com o sofrimento do paciente,

desumanização da prática médica, excesso de especialização e as influências disso na RMP, e

morte), os professores procederam com leituras mais aprofundadas, identificando uma menor

variedade de temas (Aulas de Anatomia e Formação médica como produtoras de traumas, e

humanização/desumanização da prática médica). As leituras dos professores na dimensão

compreensão ainda foram fortemente influenciadas pela dimensão de leitura discriminação.

Tanto professores como alunos fizeram leituras não-imersas e distantes na dimensão

discriminação. Os estudantes de modo geral criticaram a estereotipação, a polarização das

posições dos personagens protagonistas, a ênfase dada às discussões, a escolha de cenário e

contexto da história. Estes fatores resultaram na crítica à falta de verossimilhança. Essa crítica

também foi uma das principais feitas pelos professores. Entretanto, os professores fizeram

uma leitura mais complexa nesta dimensão. Quando criticaram a estereotipação dos

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163

personagens, ancoraram esta crítica na realidade da prática médica vivenciada por eles.

Afirmaram que a história como um todo era artificializada e que não necessariamente o

cirurgião deveria ser o “frio”, “insensível” e "errado", nem que a psiquiatra estava com a

razão e falava a verdade. A crítica foi feita exatamente a este suposto dualismo entre

psiquiatra e cirurgião, protagonista e antagonista, que parece reproduzir a já bastante criticada

concepção da divisão do sujeito entre mente e corpo, subjetividade e objetividade. Apesar de

se reportarem superficialmente a esta estereotipia das especialidades médicas, os alunos

fizeram esta crítica principalmente em relação a uma falta de coerência interna da história e

dos personagens. Criticaram na maior parte das vezes as atitudes dos personagens, mais ou

menos independentes de suas especializações.

As leituras na dimensão posição foram negociadas. Tanto professores como alunos

não aderiram nem resistiram completamente ao posicionamento que compreenderam como

expresso no vídeo. Os professores concordaram com os argumentos contidos nas falas de

diferentes personagens, que dão forma ao significado preferencial, mas resistiram a aceitar a

personagem psiquiatra como única detentora de uma verdade, e em alguns momentos

concordaram com o cirurgião. Já os estudantes concordaram mais com os argumentos da

psiquiatra e discordaram do cirurgião, mas não se identificaram com nenhum dos dois

personagens principais. Isto se relaciona com a maior identificação destes últimos

espectadores com os personagens coadjuvantes (Alfredo e Maria), sob a justificativa do maior

equilíbrio e sensatez ao participar da discussão, e até mesmo de evitar a discussão em alguns

momentos. Destacaram ainda, que em um vídeo mais “próximo da realidade”, os personagens

principais compreenderiam melhor um ao outro e não teriam posicionamentos tão distantes.

Como já destacado, considerando a Psicologia Médica como uma estratégia de

formação contra-hegemônica no âmbito da formação médica, a leitura na dimensão de

avaliação deveria ser oposta à leitura na dimensão posição. Como a posição foi caracterizada

como negociada, a avaliação será também negociada. No entanto, mais uma vez, destacamos

que o presente trabalho não possui dados suficientes para uma caracterização satisfatória

dessa dimensão.

Outro aspecto interessante são as relações que podem ser feitas entre as leituras feitas

por professores e alunos, e usos de vídeos educativos no contexto da disciplina Psicologia

Médica. Enquanto professores se empenharam em avaliar o valor pedagógico do uso do vídeo

em questão, os alunos fizeram esforços no sentido de identificar no vídeo os temas estudados

no contexto da disciplina Psicologia Médica (talvez motivados pelo hábito de buscar

estabelecer relações entre os filmes comerciais comumente exibidos em sala de aula e o

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164

conteúdo programático da disciplina). Estas características das leituras destes dois grupos de

espectadores contrariaram uma expectativa inicial da pesquisa. Não se esperava que

espectadores se posicionassem, em relação ao vídeo, de maneira tão marcada por seu papel no

contexto educacional.

Os professores discutiram mais espontaneamente e, influenciados pelos seus hábitos

de consumo de mídia e experiências com vídeos em sala de aula, fizeram suas leituras como

uma espécie de avaliação da validade do uso do vídeo em aula. De alguma maneira, buscando

antecipar as leituras dos estudantes, fizeram esta avaliação utilizando como parâmetro as

características dos vídeos/filmes que mais frequentemente utilizam em sala de aulas, os

dramas. Foram a estereotipia dos personagens, o artificialismo da história e a falta de carga

dramática os aspectos que os professores mais se ressentiram em relação ao vídeo Lição de

Anatomia, e os aspectos que eles acreditavam que comprometeriam o uso do vídeo na

disciplina. Diante disso, supuseram que os estudantes iriam resistir completamente ao vídeo,

ou que os estudantes apenas conseguiriam identificar e compreender parcialmente as

temáticas presentes no vídeo. Os estudantes que não resistissem poderiam sofrer efeitos

colaterais das representações polarizadas e estereotipadas da prática médica e dos

profissionais de medicina. Assim, observamos que as expectativas dos professores em relação

às leituras dos alunos foram praticamente opostas às expectativas dos produtores.

Entretanto, alheios a essas expectativas, as estudantes fizeram leituras que não

seguiram completamente nenhuma das duas expectativas, de produtores e professores. Os

estudantes compreenderam bem o vídeo, mantiveram um certo distanciamento crítico,

receberam ativamente, atualizaram o vídeo, e isso não foi o suficiente para que o vídeo fosse

completamente rejeitado, nem completamente aceito. Efetivamente, os estudantes foram

críticos à parte estética do vídeo, apesar de alguns professores temerem que eles não fossem.

Assim, as negociações ocorreram desde o endereçamento até dimensões de leitura mais

específicas.

As resistências à artificialidade da história e às representações estereotipadas dos

personagens não foram suficientes para conformar uma indiferença dos alunos em relação ao

vídeo, como supunham os professores. Estes espectadores procederam com variadas

atualizações e ajustes que permitiram que o vídeo fosse assistido, e que os temas fossem

destacados e sucintamente discutidos. Vale lembrar que em um desses ajustes/atualizações,

eles acabaram por se identificar mais com os personagens coadjuvantes, se colocando de

modo mais externo à discussão mais intensa e polarizada das temáticas, presente nas vozes

dos personagens protagonistas.

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165

Por outro lado, as expectativas dos produtores também não foram completamente

"atendidas". Na discussão dos estudantes após a exibição do vídeo, as falas davam indícios de

estarem relacionadas mais diretamente aos temas estudados nas aulas de Psicologia Médica

que ao vídeo em si, e a discussão foi aparentemente pouco espontânea, e relativamente

sucinta. Apesar dos constantes estímulos do moderador, na maior parte do evento, a discussão

poderia ser comparada a uma "colcha de retalhos" a qual cada um acrescentou seu ponto de

vista (retalho), sem efetivamente buscar a maior interação de suas proximidades e

divergências. Assim, não houve tomadas e defesas de posição de maneira mais enfática.

Parecia de fato que havia um empenho destes alunos em identificar no vídeo temas que se

relacionassem com o conteúdo mais amplo da disciplina, sem buscar uma discussão mais

profunda, assim como esperavam os produtores do vídeo. Isso talvez se deva a uma maior

consolidação de espaços para a ocorrência destas discussões no dia-a-dia da formação médica

atual, em comparação ao momento em que o vídeo foi produzido. Os temas foram

prontamente identificados. Parecia algo relativamente comum para estes alunos que, talvez

por possivelmente já haverem discutido suficientemente estes temas, não desenvolveram

discussões mais extensas.

Assim, o objetivo dos produtores de chamar a atenção e fazer discutir foi

comprometido. Aparentemente a atenção dos alunos já havia sido chamada e os temas já

discutidos, antes mesmos da exibição do vídeo. Talvez no contexto da formação médica do

momento histórico em que o vídeo foi produzido não houvesse discussões suficientes sobre os

temas, nem as mídias circulantes na sociedade de modo mais amplo, apontassem com certa

regularidade para essas questões referentes ao atendimento médico e à formação médica. Os

professores mesmos, durante a discussão, destacam que o tema adoecimento (principalmente

a história do adoecimento de pessoas públicas) só se tornou mais circulante nos meios

comunicação, nas últimas décadas.

A partir dessas reflexões sobre o evento pedagógico em torno do vídeo, resgatamos o

entendimento de Worth (1974), segundo o qual a educação é um caso especial de aculturação

da qual o vídeo (enquanto um processo de comunicação) pode fazer parte (assim como outros

recursos didáticos), que por sua vez se configura como um meio de compartilhar sistemas

simbólicos. Isso nos leva a destacar a importância de se considerar tanto o contexto mais

específico dos espectadores (aos quais se destina o uso do vídeo), como o universo

(educativo) mais amplo e complexo por meio do qual ocorrem diversos compartilhamentos

simbólicos, e nos quais são oferecidos vídeos como recursos educativos. Assim, as intenções

de chamar atenção e "provocar discussão" devem estar intrinsecamente relacionadas ao

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contexto sociocultural mais amplo. Cada momento histórico pode demandar uma maneira de

abordagem do espectador, e consequentemente um modo de "chamar atenção" e discussão

diferente a ser feita, que tem influência direta na configuração da linguagem do audiovisual a

ser utilizado em sala de aula. Isto vai de encontro com o que a Professora Liana destaca na

entrevista, afirmando que se fosse refazer o vídeo, atualmente, se direcionaria para outros

temas e outras questões, estas mais emergentes nos dias de hoje. Assim como uma aula não

pode estar alheia à realidade "fora da escola", o vídeo educativo e/ou usado na sala de aula

também não pode, muito menos esperar-se que o vídeo por si só promova toda a dinâmica

educativa, olvidando-se de que este é um recurso para uma aula (entre tantos outros), parte de

um projeto, integrante de uma instituição, fruto de políticas públicas (em constantes disputas).

Se pensarmos os estudantes como espectadores finais do vídeo (como de fato foi

produzido), ou seja, que o vídeo estudado na presente pesquisa foi intencionalmente

criado/manipulado por produtores e também intencionalmente exibido por professores (e

pesquisadores) às alunas, que por sua vez não aderiram nem refutaram completamente as

intenções de produtores e professores, nos aproximaremos do entendimento mais complexo

dos modos por meio dos quais os vídeos atuam em "sala de aula". Assim, considerar o papel

ativo do espectador na construção dos significados e, além disso, também considerar os

contextos mais específicos e mais amplos que compõem o universo por meio do qual

circulam os sentidos produzidos a partir de um vídeo, é possível fazer contribuições para

melhor compreender os papeis que os vídeos podem desempenhar no esforço educativo. Com

isso será possível aproximar um pouco mais da construção de um conhecimento que paute a

produção e o uso mais eficiente e consciente destes recursos educativos, ancorados no melhor

entendimento do evento comunicativo, bem como do seu papel no processo educacional. E

assim sustentar ou refutar as diversas pressuposições que orientam grande parte dos trabalhos

sobre vídeos em contextos educativos, e que segundo Sol Worth, raramente são objeto de

estudo.

O presente estudo não se propôs construir respostas definitivas sobre os processos de

produção e recepção de vídeos em contextos educativos. Seria preciso repetir o estudo mais

vezes, com diferentes vídeos, com grupos mais diversificados de espectadores em diferentes

contextos, para então começar se aproximar de tais respostas. Também seria interessante

elaborar estudos que considerassem envolver a análise do contexto de exibição no estudo da

recepção, abordagens mais individualizadas e aprofundadas às leituras produzidas por

espectadores em contraponto a abordagem de grupo feita neste trabalho. Por isso mostra-se

relevante a realização de mais estudos de recepção, com outros desenhos, temáticas e

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abordagens para um entendimento mais complexo dos vídeos como recurso pedagógico.

Talvez o melhor entendimento de todas as questões acima destacadas passe por pensar o

vídeo (ou a exibição) como mais que um fim em si mesmo. Para isso, é imprescindível pensar

o vídeo propriamente como um meio, um recurso, ou como Sol Worth afirma, como um

método, por meio do qual diferentes pessoas articulam suas experiências e "se fazem

presentes" umas às outras.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PROFESSORES 01 QUESTIONÁRIO 01

Esse questionário faz parte de uma pesquisa do LVE / NUTES / UFRJ, sobre recepção de vídeos educativos na Educação em Saúde.

NOME: __________________________________________________________________________

1 - Com que frequência você assiste/acessa os segui ntes meios de comunicação? (marque com um X apenas uma opção por linha)

Meio de comunicação

Todos os dias

Entre 4 e 6 dias por semana

Entre 1 e 3 dias na semana

Algumas vezes por mês

Nunca Não sei

1.1 - Televisão 1 2 3 4 5 6

1.2 - Jornal impresso 1 2 3 4 5 6

1.3 - Rádio 1 2 3 4 5 6

1.4 - Internet 1 2 3 4 5 6

1.5 - Revistas 1 2 3 4 5 6

2 - Abaixo há uma lista de temas. Por favor, diga-m e se você tem muito INTERESSE, médio interesse, pouco interesse ou nenhum interess e em cada um deles. (marque com um X apenas uma opção em cada linha)

Temas Muito interesse

Médio interesse

Pouco interesse

Nenhum interesse

Não sei

2.1 - Política 1 2 3 4 5

2.2 - Arte e cultura 1 2 3 4 5

2.3 - Medicina e saúde 1 2 3 4 5

2.4 - Ciência e tecnologia

1 2 3 4 5

2.5 - Esportes 1 2 3 4 5

2.6 - Meio ambiente 1 2 3 4 5

2.7- Moda 1 2 3 4 5

2.8 - Economia 1 2 3 4 5

2.9 - Religião 1 2 3 4 5

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3 – Enquanto você assiste ao telejornal, você costu ma comentar as notícias com as pessoas que estão vendo o telejornal com você? (circule apenas uma resposta)

1 – sim, com frequência 2 – sim, às vezes 3 – depende de quem está vendo comigo 4 - raramente 5 – nunca 6 – não sei / nunca reparei

4 - Abaixo há uma lista de temas. Por favor, diga-m e se você se INFORMA muito, médio, pouco ou nada sobre cada um deles (marque com um X apenas uma opção em cada linha)

Temas Muito Médio Pouco Nenhum Não sei

4.1 - Política 1 2 3 4 5

4.2 - Arte e cultura 1 2 3 4 5

4.3 - Medicina e saúde 1 2 3 4 5

4.4 - Ciência e tecnologia

1 2 3 4 5

4.5 - Esportes 1 2 3 4 5

4.6 - Meio ambiente 1 2 3 4 5

4.7 - Moda 1 2 3 4 5

4.8 - Economia 1 2 3 4 5

4.9 - Religião 1 2 3 4 5

5 - Você gosta de assistir à filmes? 1 - Sim 2 - Não

6 - Quais vídeos ou filmes você lembra de ter assis tido recentemente?

__________________________________________________________________________

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7 - Quais vídeos ou filmes mais te marcaram?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

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__________________________________________________________________________

8 - Habitualmente assiste a vídeos educativos? 1 - Sim 2 - Não.

9 - A que vídeos educativos você lembra de ter assi stido recentemente?

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10 - Já usou vídeos ou filme sejam educativos ou nã o em sala de aula? Se sim, quais?

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11 - Gosta de vídeos educativos? Por que?

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12 -Ao lecionar que temas ou assuntos você geralmen te recorre à vídeos ou filmes?

Quais filmes/vídeos?

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__________________________________________________________________________

13 - Há quanto tempo é docente da disciplina Psicol ogia Médica?

1 – até 2 anos 2 – até 5 anos 3 – até 10 anos 4 -até 20 anos 5 -até 30 anos 6 –mais de 30 anos

Dados pessoais

14 - Sexo: 1 – masculino 2 – feminino 15 - Idade: ______ anos completos

16 - Você segue alguma religião? 1 – sim - Qual?______________________________________________ ______________ 2 – não

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APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ESTUDANTES QUESTIONÁRIO

Esse questionário faz parte de uma pesquisa do LVE / NUTES / UFRJ, sobre recepção de vídeos educativos na Educação em Saúde.

NOME: __________________________________________________________________________

1 - Com que frequência você assiste/acessa os segui ntes meios de comunicação? (marque com um X apenas uma opção por linha)

Meio de comunicação

Todos os dias

Entre 4 e 6 dias por semana

Entre 1 e 3 dias na semana

Algumas vezes por mês

Nunca Não sei

1.1 - Televisão 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□

1.2 - Jornal impresso 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□

1.3 - Rádio 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□

1.4 - Internet 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□

1.5 - Revistas 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□

2 - Abaixo há uma lista de temas. Por favor, diga-m e se você tem muito INTERESSE, médio interesse, pouco interesse ou nenhum interess e em cada um deles. (marque com um X apenas uma opção em cada linha)

Temas Muito interesse

Médio interesse

Pouco interesse

Nenhum interesse

Não sei

2.1 - Política 1□ 2□ 3□ 4□ 5□

2.2 - Arte e cultura 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□

2.3 - Medicina e saúde 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□

2.4 - Ciência e tecnologia 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□

2.5 - Esportes 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□

2.6 - Meio ambiente 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□

2.7- Moda 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□

2.8 - Economia 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□

2.9 - Religião 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□

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3 - Você gosta de assistir a filmes? 1 - Sim 2 - Não

4 - Quais vídeos ou filmes você lembra de ter assis tido recentemente?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

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__________________________________________________________________________

5 - Quais vídeos ou filmes mais te marcaram?

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__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

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__________________________________________________________________________

6 - Habitualmente assiste vídeos ou filmes em sala de aula ou ligados a alguma disciplina? 1 - Sim 2 - Não

7 - Se sim, a quais você recorda ter assistido?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

8 - Gosta de vídeos educativos? 1 - Sim 2 - Não

9 - Por que?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

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__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

10 - Recorda ter assistido a vídeos educativos rece ntemente? A quais você recorda

ter assistido?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

11 - Você acredita que os vídeos podem contribuir e m sua formação na medicina? De

que forma?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

Dados pessoais

12 - Sexo: 1 – masculino 2 – feminino 13 - Idade: ______ anos completos

14 - Você segue alguma religião? 1 – sim - Qual?______________________________________________ ________________ 2 – não

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APÊNDICE D – ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO FEITA COM PROFESSORES

ROTEIRO GRUPO DE DISCUSSÃO

1 - Do que trata o vídeo?

2 - Quais são os principais conflitos vividos pelos personagens no vídeo?

3 - Você concorda com os argumentos destes personagens? Quais?

4 - Como vocês acham que os estudantes encaram estas questões abordadas no vídeo?

5 - E os médicos?

6 - Você faria o vídeo de forma diferente? Como?

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APÊNDICE E – ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO FEITA COM ESTUDANTES

ROTEIRO GRUPO DE DISCUSSÃO

1 - Do que trata o vídeo?

2 - Na sua percepção, quais são os principais conflitos vividos pelos personagens?

3 - Vocês acreditam que estas situações ocorram na realidade do profissional de

medicina? (Como elas são tratadas? E como elas deveriam ser tratadas?)

4 – O que você acha das atitudes dos personagens? Você se identifica mais com

algum? Quais? Por quê?

6 - Você faria o vídeo de forma diferente? (História? Desfecho? Atores? Cenário?

etc.)

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ANEXOS

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ANEXO A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

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ANEXO B – TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO